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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA MOAMA LORENA DE LACERDA MARQUES LITERATURA EM MINHA CASA: UMA HISTÓRIA SOBRE LEITURA, LITERATURA E LEITORES João Pessoa 2007

Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

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Page 1: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

MOAMA LORENA DE LACERDA MARQUES

LITERATURA EM MINHA CASA: UMA HISTÓRIA SOBRE LEITURA, LITERATURA E LEITORES

João Pessoa 2007

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MOAMA LORENA DE LACERDA MARQUES

LITERATURA EM MINHA CASA: Uma história sobre leitura, literatura e leitores

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, da Universidade Federal da Paraíba, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Letras.

ORIENTADORA: Profª. Drª. Socorro de Fátima Pacífico Barbosa

João Pessoa 2007

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Dados Internacionais da catalogação na publicação (IBICT)

F811c Marques, Moama Lorena de Lacerda.

Literatura em minha casa: uma história sobre leitura, literatura e leitores / Moama Lorena de Lacerda Marques · – João Pessoa,

2007.

154 f : il. ; 30cm Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Federal

da Paraíba, 2007.

1 Literatura em minha casa. 2 História. 3 Concepção. 4 Leitura. 5. Leitor. I Título

CDU 82-94

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MOAMA LORENA DE LACERDA MARQUES

LITERATURA EM MINHA CASA: Uma história sobre leitura, literatura e leitores

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, da Universidade Federal da Paraíba, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Letras.

Aprovada em ___ de ___ de ______

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________ Profª. Drª. Socorro de Fátima Pacífico Barbosa Orientadora (Universidade Federal da Paraíba)

_____________________________________________ Prof. Dr. José Helder Pinheiro

Membro (Universidade Federal de Campina Grande)

_______________________________________ Profª. Drª. Maria Ester Vieira de Sousa

Membro (Universidade Federal da Paraíba)

______________________________________________ Profª. Drª. Bernadete Fernandes de Oliveira

Suplente (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)

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A todos os que padecem da “fome” de leitura, dedico.

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AGRADECIMENTOS

A meus pais, Valfredo e Cilia, pela sensibilidade com que conduziram a educação dos filhos e

aceitaram, a seu modo, as nossas escolhas. A meu pai, por primeiro ter compreendido a minha

paixão pelas Letras, e a minha mãe, porque, mesmo tendo vivenciado os percalços do magistério,

sempre foram das alegrias que ela me prestou contas;

A meu irmão, Caio, “moço das exatas”, admirador da vida acadêmica, pelo incentivo esboçado a

seu modo deveras particular - muitos puxões de orelha e algum elogio singelo;

A meus tios, Espedito e Wanilda, pela casa limpa, mesa posta, com cada coisa em seu lugar. A

Wanilda, especialmente, porque foi a sua biblioteca particular – com as coleções de capa dura dos

clássicos universais e as antologias poéticas - que provocou e alimentou a minha fome de leitura;

A minha orientadora, Socorro de Fátima P. Barbosa, dentre muitos porquês, por ter me

conduzido ao universo mágico da Literatura Infantil e ao da História da leitura, dos livros e dos

leitores, por sempre ter acreditado e me ter feito acreditar que eu trilhava o caminho certo, bem

como pelas leituras - sugestões, elogios, correções – (extra)acadêmicas;

Às colegas da pós-graduação Keila, Bernardina, Karla, Girlene, Fabiana, Elizabeth e

Hildênia, pelos diversos denominadores em comum compartilhados nesses dois anos: a paixão

pela pesquisa, as leituras (não) acadêmicas, as descobertas e aceitação das nossas possibilidades e

limitações. Em especial, à Keila e à Bernardina, mais do que colegas, amigas “para todas as

horas”;

Àqueles professores que, além da faca e do queijo, me deram a “fome”. Dentre eles, merecem

agradecimentos especiais: Helder Pinheiro, com quem possuo uma incontestável afinidade

literária, suspeitada no nosso primeiro “encontro”, que data da minha leitura de seu livro “Poesia

Page 7: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

na sala de aula”, e confirmada em seu curso sobre a poética de Manuel Bandeira, pelos diálogos

que legalizaram a minha “filiação” à poesia; Ester Vieira de Sousa, pela dedicação tocante à

pesquisa e pelas sugestões tecidas durante a qualificação; Ana Cristina Lúcio, professora de

tantas disciplinas, desde a graduação, pelo compromisso e delicadeza com que sempre “seduziu” a

nós, alunos. Juvino, cujas aulas sobre Literatura Clássica e Filologia Românica me faziam

acordar antes das seis da manhã e sentar na primeira fileira da sala. Amador Ribeiro Neto, por

ter me levado a tocar a “concretude” da poesia;

Às “Roses”, funcionárias do Programa de Pós-graduação em Letras, pela presteza e paciência

com que dirimiram minhas dúvidas e supriram a minha necessidade, fora do comum, de

“declarações de curso”. Um agradecimento especial à coordenadora, Profª. Drª. Elisalva

Madruga, pelo carinho e compreensão com que sempre ouviu e atendeu as minhas solicitações;

Aos amigos Rafaela, Juliana, Azemar, Andrea Rachel, Thais, Helber, Fábio e Brígida

Alice. À Rafa, pelo ombro mais que amigo, a que mais dividiu comigo as angústias e delícias do

processo de feitura da dissertação; à Ju, primeira amizade que fiz no curso de Letras, pelo exemplo

de disciplina e de dedicação aos estudos; a Azemar, o moço de codinome Dorian, porque sem ele os

últimos meses teriam sido os mais difíceis; a Andrea, pelos conselhos de amiga-psicóloga; a Thais,

pelo auxílio, nunca negado, nas leituras e escritas em língua inglesa; a Helber, pelas discussões

sobre teorias (não) literárias e pelos poemas compartilhados às segundas-feira; a Fábio, colega da

graduação e do mestrado, pela crença e calmaria que sempre ajudou a imprimir em cada passo

meu traçado desde a decisão de fazer pós-graduação e, finalmente, a Brígida, amiga de infância,

pela compreensão por tantos encontros desmarcados;

A Pedro, amor-perfeito, porque inserida em seu universo infantil eu tinha garantia de momentos

de alegria e de descontração;

Page 8: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

Lá na rua em que eu pensava, tinha uma livraria

bem do lado da farmácia. todo mundo ia à farmácia comprar frascos de saúde.

e depois ia do lado, pra comprar a liberdade.

(A farmácia e a livraria – Mário Quintana)

Page 9: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

RESUMO

Esta pesquisa tem como objeto o Literatura em minha casa, um programa de promoção da

leitura promovido pelo MEC que distribuiu livros de literatura para os alunos da rede pública

brasileira durante os anos de 2002, 2003 e 2004. Em um primeiro momento, a partir de um

trabalho de compilação de relatórios e outros textos escritos tanto pelo MEC quanto por outros

órgãos que atuaram junto ao Literatura em minha casa, a exemplo da FNLIJ (Fundação

Nacional do Livro Infantil e Juvenil), apresentamos a história desse programa: as motivações que

estiveram em sua gênese, o processo de seleção dos livros, os impasses vivenciados, a busca de

soluções. Logo após, investigamos as concepções de leitura, literatura e leitor que o MEC deixou

entrever nos critérios de produção e seleção dos livros lançados pelos editais, bem como,

analisando os textos introdutórios dos livros e observando a seleção de autores e textos,

discutimos como aquelas concepções aparecem nos livros escolhidos, especificamente em três

antologias poéticas prefaciadas por diferentes instâncias que trabalham com o livro infantil:

Cinco Estrelas, pela escritora Ana Maria Machado, Palavras de Encantamento, pela

professora/pesquisadora Marisa Lajolo, e Trem de Alagoas e outros poemas, pelo editor e

tradutor Eduardo Brandão.

Palavras-chave: Literatura em minha casa. História. Concepção. Leitura. Leitor.

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ABSTRACT

This research has as object the Literatura em minha casa, a reading promotion program

promoted by MEC which distributed literature books to public schools’ students during the years

of 2002, 2003, and 2004. In a first moment, from a work of reports’ compilation and other texts

written by MEC and also written by other institutions that worked with Literatura em minha

casa, as an example of FNLIJ (Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil), we present the

story of this program: the motivations in its creation, the process of books’ selection, the

problems faced, the seek of solutions. Afterwards, we investigated the conceptions of reading,

literature and reader that the MEC let show in the production criterion and book selection in the

edictals, as also analyzing the introductory texts of the books and also observing the selection of

authors and texts, we discussed how those conceptions appear in the chosen books, specifically in

the poetic anthologies with the openings made by three different instances who deal with children

literature: Cinco Estrelas, by the writer Ana Maria Machado, Palavras de Encantamento, by the

professor/researcher Marisa Lajolo, e Trem de Alagoas e outros poemas, by the editor and

translator Eduardo Brandão.

Key Words: Literatura em minha casa. History. Conception. Reading. Reader.

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LISTA DE SIGLAS

AEILIJ - Associação dos Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil

ALB - Associação Brasileira de Leitura CBL - Câmera Brasileira do Livro CEALE - Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita CECIP - Centro de Educação e Comunicação para o Desenvolvimento Humano CONSED - Conselho Nacional de Secretários da Educação FNDE - Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação FNLIJ - Fundação Nacional do Livro Infanto-juvenil LMC - Literatura em minha casa MAM - Museu de Arte Moderna MEC - Ministério da Educação MOBRAL - Movimento Brasileiro de Educação PLIDEF - Programa do Livro Didático para o Ensino Fundamental PNBE - Programa Nacional Biblioteca da Escola PNDE - Programa Nacional do Livro Didático PROFA - Programa de formação de professores alfabetizadores PROLER - Programa Nacional de Incentivo à Leitura SEB - Secretaria de Educação Básica TCU - Tribunal de Contas da União UNDIME - União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação

UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cutura

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................... 13 2 LER É PRECISO: AS AÇÕES DE ICENTIVO À LEITURA NO

BRASIL....................................................................................................... 182.1 Entre o lamento da falta e o elogio à leitura literária............................. 182.2 Programas de promoção da leitura: a hora e a vez da literatura.......... 30 3 LITERATURA EM MINHA CASA: CONTANDO A HISTÓRIA

DOS LIVROS.............................................................................................. 373.1 Dos desvios que apontam um novo caminho ou de como surge um

modo novo de promover a leitura............................................................. 373.2 As pedras no meio do caminho ou os impasses do MEC ....................... 433.3 Novos passos em busca de soluções .......................................................... 55 4 LITERATURA EM MINHA CASA: ANALISANDO OS

LIVROS....................................................................................................... 624.1 Dos editais: concepções que se impõem ................................................... 624.2 Dos livros: concepções que dialogam ....................................................... 794.2.1 Sobre diversidade e representatividade ...................................................... 804.2.2 Sobre leitura e leitores................................................................................. 934.2.2.1 Leitura e prazer: o mundo maravilhoso do texto.......................................... 934.2.2.2 Leitores: entre liberdades e interdições........................................................ 101 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................... 112 6 REFERÊNCIAS ........................................................................................ 118 ANEXO A – EDITAL DE CONVOCAÇÃO DAS EDITORAS 124 ANEXO B – QUADRO DAS EDITORAS, OBRAS E AUTORES QUE

INTEGRAM AS COLEÇÕES DO LITERATURA EM MINHA CASA 139

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1 INTRODUÇÃO

Tenho um livro sobre águas e meninos. Gostei mais de um menino que carregava água na peneira.

A mãe disse que carregar água na peneira era o mesmo que roubar um vento e sair correndo com ele para mostrar aos irmãos.

A mãe disse que era o mesmo que catar espinhos na água O mesmo que criar peixes no bolso.

O menino era ligado em despropósitos […]

(O menino que carregava água na peneira – Manoel de Barros)

Cofre-forte do mundo editorial moderno, os livros da chamada Literatura Infanto-Juvenil

ocupam cada vez mais espaço nas prateleiras das livrarias brasileiras, e uma rápida folheada em

suas páginas, sempre cuidadosamente ilustradas, se transforma em convite à entrada nesse

universo de palavras e cores. No entanto, apesar de toda a sedução que esses livros encerram, há

obliterações que impedem o acesso a eles. A grande parte do público a quem se destina a

Literatura Infanto-Juvenil não freqüenta livrarias nem possui amparo financeiro para ter posse do

livro. E a escola, que deveria atuar como a principal intermediadora entra a criança e o texto

literário, muitas vezes não disponibiliza seu acervo aos alunos, pregando uma prática de

“proteção” ao livro.

É por esse terreno envolvendo escola, texto, livro, leitura e leitor, que caminharemos em

nosso trabalho.

Em 1997, o MEC, através do Fundo de Desenvolvimento da Educação (FNDE), criou o

Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) que, em 1998 e 1999, distribuiu dois acervos.

Em 2000, o programa sentiu a necessidade de investir na formação continuada dos professores,

utilizando os recursos disponíveis na elaboração de materiais pedagógicos e manuais de apoio

para o uso de acervos. Porém, o projeto mais ambicioso idealizado pelo programa começou a ser

efetuado a partir de 2002 e recebeu o título de Literatura em minha casa. Título, aliás,

indicativo do destino que as escolas deveriam dar aos livros recebidos.1

1 No segundo capítulo, onde discorremos sobre as principais ações efetuadas pelo PNBE até a criação do Literatura em minha casa, falaremos sobre a composição dos acervos de 1998 e 1999.

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Objetivando estimular a leitura e formar uma geração de leitores, o referido programa

tencionava presentear cada aluno com uma coleção composta de cinco volumes: um de poesia,

um de conto ou crônica, um de novela, um de teatro ou de tradição popular, todos brasileiros, e

um clássico da literatura universal traduzido ou adaptado, possibilitando, dessa forma, o contato

com gêneros e autores diversos.

Em 2002, o primeiro ano de efetuação do Literatura em minha casa, as coleções foram

destinadas aos alunos da quarta e da quinta série do ensino fundamental, ficando, em 2003,

restritas aos de quarta série, e em 2004 recebendo uma considerável ampliação. Nesse ano, o

FNDE investiu 44 milhões na compra de 8 milhões de coleções literárias, distribuindo 24

coleções entre os alunos de 4ª e 8ª séries (10 coleções da 4ª e 10 da 8ª) e, também, entre os

formandos dos cursos de Educação de jovens e adultos (4 coleções). Em 2002 e 2003 haviam

sido selecionadas, respectivamente, apenas 6 e 8 coleções.

Guiado pela preocupação com a credibilidade e a eficácia do Literatura em minha casa,

o MEC realizou uma rigorosa seleção das coleções. Rigor esse, encontrado, por exemplo, nos

editais lançados às editoras, os quais determinavam modelos que exigiam edições específicas

para o programa; edições que eram avaliadas por um colegiado de professores segundo critérios

de qualidade de texto, pertinência do tema para a faixa etária proposta, autoria, projeto gráfico,

ilustrações e projeto editorial.

Entretanto, os resultados não corresponderam a todo esse cuidado, já que o projeto foi

ferido em sua proposta: a de que os livros fossem dados de “presente” aos alunos para que estes

pudessem ler em um espaço, um tempo e um ritmo próprios; podendo, posteriormente, trocar os

livros entre eles e efetivar, assim, a sua circulação. E a escola, que deveria ser a intermediadora

do programa, costumava vetar a entrega das coleções. Sob as mais diversas alegações, dentre as

quais a mais ouvida pregava um discurso de conservação dos livros, as escolas inverteram o

caminho destes: das mãos dos alunos para as estantes das bibliotecas escolares.

O MEC, reconhecendo ter o controle da distribuição dos livros para as escolas, mas não

da utilização deles, começou a reavaliar a idéia-chave do Literatura em minha casa, que era,

como já expusemos, entregar as coleções aos alunos. E, no ano de 2005, o PNBE já não incluía

mais o referido programa, que fora substituído por novas ações.

Apresentado o nosso objeto de estudo, o Literatura em minha casa, configura-se a

necessidade de esclarecer como se processou a investigação sobre ele, ou seja, quais os objetivos

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traçados, os instrumentos que utilizamos para alcançá-los e o modo como organizamos os

resultados dessa investigação.

Lilian Lacerda (2000), em um ensaio intitulado A História da leitura no Brasil: formas de

ver e maneiras de ler, expõe, a partir da programação do I Congresso de História do Livro e da

Leitura no Brasil, as principais perspectivas sobre as quais a História do Livro e da Leitura vêm

sendo estudadas no Brasil. A primeira tem resgatado as práticas de leitura de alguns atores sociais

de acordo com as suas competências, interesses e condições de acesso e uso do livro, em especial

as práticas daqueles que estiveram e estão inseridos nos espaços de produção e circulação de

impressos, tais como editores, escritores, livreiros e bibliófilos; mas também, professores,

bibliotecários e outros usuários da cultura letrada (LACERDA, 2000).

Uma segunda perspectiva estuda a história do livro e da leitura em relação com a escola e

com o processo de escolarização. Esta linha centra seu foco:

na descrição e análise da emergência do livro nos territórios escolar e editorial; na investigação e reconstituição de obras pedagógicas com destinação escolar; nas análises sobre textos literários voltados ao público infantil e que se legitimaram também pelos processos de ensino e de aprendizagem e, finalmente, na produção didática brasileira. (LACERDA, 2000, p.615).

Apesar da diversidade de estudos que a referida perspectiva engloba, eles se aproximam

pelas preocupações relativas ao ensino da leitura e da literatura e, freqüentemente, estão

relacionados às questões que envolvem políticas públicas de promoção do livro e da leitura, à

circulação de materiais impressos no espaço escolar ou às práticas de leitura no contexto da

escola, isto é, principalmente as de professores e alunos, do nível fundamental, médio ou

superior.

A terceira e última consagra as bibliotecas como foco de pesquisa: as práticas de leitura

realizadas em seu espaço desde o Brasil Colonial, os acervos e bibliotecas particulares de leitores

e escritores e o foco em obras e documentos existentes em acervos públicos, que revelam traços

sobre a circulação dos livros, sobre o que se privilegiou para ser lido e conservado, sobre as

concepções de leitura e de leitores (LACERDA, 2000).

Dentre as perspectivas citadas, a nossa pesquisa é fundada na segunda, relacionando a

leitura e a literatura à escola, mais especificamente à questão que, segundo Lílian Lacerda (2000),

envolve a formação do leitor e o mercado da leitura no Brasil.

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Ao tomar conhecimento dos programas de promoção da leitura e de formação do leitor

que o MEC tem desenvolvido através do PNBE (Programa Nacional Biblioteca da Escola),

surgiu a necessidade de conhecer e compreender quais as idéias sobre leitura, literatura e leitor

que seus membros tinham em mente ao elaborar as ações e estabelecer os critérios de seleção

daquele que viria a ser considerado um programa pioneiro na área de promoção da leitura: o

Literatura em minha casa. Tendo nos interessado conhecer não apenas as concepções dos

membros do MEC, na figura de sua comissão técnica, formada pelos principais nomes dos

setores mais diversos de trabalho com a leitura no Brasil, mas também as idéias, referentes à

leitura, à literatura e ao leitor, das próprias editoras – dos prefaciadores e organizadores das

coleções - que, a partir das imposições dos editais, elaboraram as coleções que fizeram parte do

programa.

Instigados por essa motivação de conhecer as idéias sobre literatura, leitura e leitor do

MEC, elaborador dos editais, e das editoras, elaboradora das coleções, nos serviram como fonte

para a obtenção desse conhecimento não apenas os textos dos editais e das coleções, mas também

alguns documentos do MEC e de outras instituições que contribuíram com o LMC2, como a

FNLIJ (Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil); documentos como os relatórios de

avaliações realizadas sobre as pretensões e resultados do PNBE.

Os resultados das nossas avaliações serão apresentados em três capítulos. No primeiro,

“Ler é preciso: as ações de incentivo à leitura no Brasil”, nos propomos a analisar os dois

discursos que fundamentam toda uma tradição de incentivo à leitura no Brasil: o da carência

cultural, que Márcia Abreu (2001) intitulou “o lamento da falta”, e o da importância da literatura

ou o elogio à leitura literária. Em relação ao primeiro, desenvolveremos o argumento de que,

apesar de muito se proliferar a idéia da ausência de interesse do leitor brasileiro, pesquisas

recentes apontam que essa idéia não encontra respaldo na realidade. Apesar de não podermos

negar os problemas de acesso ao livro no Brasil e algumas práticas inadequadas de trabalho com

a leitura nas escolas, como bem defende Márcia Abreu (2001), a ausência da leitura no Brasil não

é nem nunca foi completa, existindo, na verdade, hábitos e práticas de leitura diferentes daquelas

consideradas legítimas pelas instâncias autorizadas, como, por exemplo, a crítica literária e as

escolas. Já em relação ao segundo discurso, o da importância da literatura, mostraremos em que

2 A partir de agora, utilizaremos a sigla LMC para designar Literatura em minha casa.

Page 18: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

momento ele começa a se firmar e que efeitos provocados pelo texto literário costumam embasá-

lo.

Ainda inserido no primeiro capítulo, nessa tradição de incentivo à leitura, apresentaremos

os principais programas de promoção da leitura e de formação do leitor realizados no Brasil e as

ações promovidas em cada um deles, dando ênfase aos dois considerados pioneiros: o “Ciranda

de livros” e o “Salas de leitura”, ambos da década de 80.

No capítulo segundo, “Literatura em minha casa: contando a história dos livros”, a partir

de alguns textos - documentos, relatórios - do MEC, contaremos a história do LMC, desde a sua

gênese, pensada a partir dos acertos e falhas de outras ações de promoção do livro e da leitura,

passando pelos obstáculos enfrentados pelo MEC, como, por exemplo, o fato de que as coleções

ao invés de estarem sendo entregues aos alunos, a partir de uma prática de proteção ao livro,

ficavam guardadas nas estantes das bibliotecas. E, finalmente, como parte dessa história que

pretendemos contar, mostraremos a busca por soluções e por estratégias para tornar o programa

mais eficaz.

Já no último capítulo, “Literatura em minha casa: analisando os livros”, iremos nos deter

na avaliação das idéias sobre leitura, literatura e leitor que o MEC deixou entrever nos editais de

seleção das coleções, bem como investigar de que forma essas idéias são trabalhadas -

compartilhadas ou não - pelas editoras na produção dessas coleções, mais especificamente na

produção de três volumes de poesia que as integram: o Cinco Estrelas, prefaciado por Ana Maria

Machado, o Palavras de Encantamento, com prefácio de Marisa Lajolo e o Trem de Alagoas e

outros poemas, cujo prefácio é assinado por Eduardo Brandão.

Na verdade, a nossa escolha em torno desses volumes se fez pelo fato de, dessa forma,

podermos observar como as idéias, os critérios do MEC foram recebidos/trabalhados por três

diferentes e importantes instâncias do trabalho com o livro e com a leitura no Brasil, ou seja, de

uma das mais premiadas autoras da literatura infantil brasileira, Ana Maria Machado, de uma

pesquisadora renomada, com muitos livros e artigos escritos a respeito do livro e da leitura,

Marisa Lajolo, e de um membro de umas das editoras mais importantes do país, o tradutor

Eduardo Brandão.

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2 LER É PRECISO: AS AÇÕES DE INCENTIVO À LEITURA NO BRASIL

[...] O menino era ligado em despropósitos.

Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.

A mãe reparou que o menino gostava mais do vazio do que do cheio. Falava que os vazios são maiores e até infinitos.

Com o tempo aquele menino que era cismado e esquisito porque gostava de carregar água na peneira

Com o tempo descobriu que escrever seria o mesmo que carregar água na peneira [...]

(O menino que carregava água na peneira – Manoel de Barros)

Os discursos em favor da leitura transpuseram as barreiras das instâncias autorizadas –

estando entre as principais a escola e o Estado - sendo proclamados pelo senso comum, em todos

os segmentos sociais. E esses discursos, que podem ser sintetizados em um apenas, o do “ler é

preciso”, são alimentados por dois outros antigos discursos que fundamentam toda uma tradição

de incentivo à leitura, de luta pela sua democratização. São eles: o discurso da falta e o elogio à

leitura literária.

Em um dos encontros do COLE, Zilberman (1995, p.123) recorda a famosa frase

pronunciada por Lobato diante da biblioteca do congresso de Washington: “Um país se faz com

homens e livros”. Em seguida, pautada no fato de que na história do Brasil os livros sempre

foram ausentes, questiona: “Se continuamos carecendo de livros (e dos aparelhos culturais

vinculados à sua produção e difusão), então não somos um país?” (ZILBERMAN, 1995, p.124).

Esse questionamento foi formulado no final dos anos 80, mas o seu fundamento, o da carência

cultural brasileira, tem uma história bem mais remota, que se estende aos dias atuais por

intermédio de vozes cada vez mais lastimosas e reivindicadoras de uma mudança urgente desse

quadro. Basta lembrarmos das inúmeras campanhas de promoção do livro e da leitura que,

promovidas tanto pelo Estado quanto pela iniciativa privada, se proliferam.

2.1 Entre o lamento da falta e o elogio à leitura literária

Page 20: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

“O assunto que me foi confiado nesta série é aparentemente meio desligado dos

problemas reais: Direitos humanos e literatura”. Com essas palavras, Antonio Candido (1995,

p.235) inicia seu discurso em defesa da arte literária como um bem incompreensível, uma

manifestação universal que se configura como uma necessidade imperiosa. Com o intuito de

provar a inserção da literatura nessa categoria de bens, lança mão de argumentos que nos fazem

refletir sobre a função e a natureza da referida arte. E que argumentos são esses que vão ao cerne

(função e natureza) da arte literária? Para Candido (1995, p.240), a literatura deve ser tida como

bem indispensável à medida que cumpre sua função humanizadora, ou seja:

que confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor.

Certamente, esse argumento poderia nos fazer acreditar que Candido apresenta uma visão

um tanto utópica dos efeitos da leitura literária, dessa humanização que ela provoca. No entanto,

ele também atenta para os aspectos paradoxais dessa função humanizadora quando esclarece que

“ela (a literatura) não corrompe nem edifica, portanto; mas trazendo livremente em si o que

chamamos o bem e o que chamamos o mal, humaniza em sentido profundo porque faz viver”

(CANDIDO, 1995, p.244). E, mais à frente, arrisca dizer que essa função é humanizadora, talvez,

porque contraditória, como o é a própria vida humana.

Ainda como argumento à luz da questão da literatura como uma necessidade vital,

Candido (1995) afirma que essa essencialidade se dá pelo fato da literatura permitir ao homem

entrar em contato com uma espécie de fabulação indispensável a seu equilíbrio psíquico e social.

Diz-nos Candido (1995, p.242): Assim como todos sonham todas as noites, ninguém é capaz de

passar as vinte e quatro horas do dia sem alguns momentos de entrega ao universo fabulado”. E a

literatura que possibilita esse contato abarca, segundo o referido crítico, as mais diversas

criações, das mais diversas épocas e culturas: folclore, lenda, anedotas, história em quadrinhos,

canção popular, romances, poesia. Assim, sob esse conceito amplo de literatura e apoiado na

crença em sua função humanizadora, Candido (1995) coloca lado a lado “literatura e direitos

humanos”.

Retomando as palavras do crítico citado com as quais iniciamos o nosso texto, deixemos a

estranheza com que ele acreditava que se reagiria ao ver a literatura defendida como um direito,

Page 21: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

pois o direito de ler literatura é bastante reconhecido e reivindicado na cena atual. Mas, assim

como outros tantos direitos fundamentais, ele se apresenta apenas como uma expectativa de

garantia e não como uma garantia concreta. As inúmeras campanhas em prol da democratização

do livro e da leitura literária comprovam que existe uma necessidade de militância na busca para

que esse direito seja extensivo a toda a população.

O discurso tão aclamado do “ler é preciso” é alimentado por outros (velhos) discursos.

Um deles é aquele que alardeia a idéia de que o povo, e mais gravemente o jovem brasileiro, não

gosta de ler. E o outro se apresenta como justificativa para a necessidade de se ler literatura, e

recai sobre a importância dela na formação do homem. O primeiro remonta à época dos anos de

mil e oitocentos e era exaustivamente proferido nos textos que os viajantes escreviam sobre o

Brasil. Segundo uma observação de Márcia Abreu (2001, p.140):

Os viajantes insistem em denunciar as precárias condições da vida intelectual, a ausência

de escolas ou a sua inadequação, o número reduzido de livreiros e a má qualidade de

seus estoques, o desinteresse dos habitantes pela leitura. Essas avaliações fizeram escola

entre os intelectuais e os escritores brasileiros que, no século XIX, mantém o mesmo

tom, acrescentando uma nota de amargura de quem fala da própria realidade.

Ainda segundo Márcia Abreu (2001, p.140), esse “discurso da falta” se estende aos

nossos dias, mas nunca encontrou espaço na realidade, pois a ausência da cultura letrada não era

e não é completa. Assim como na época oitocentista não se lia “o que” e “como” os europeus

esperavam e consideravam legítimo, hoje em dia pesquisas recentes comprovam que o brasileiro

diz gostar de ler, embora nem sempre esteja entre suas leituras preferidas aquelas consideradas

legítimas, válidas, autorizadas3 pela elite crítica, que além de elencar as leituras “certas”, também

procuram legitimar certas práticas de leitura.

Dentre as pesquisas realizadas recentemente cujos resultados contradizem a idéia de que o

brasileiro pouco aprecia a leitura, faz-se interessante citar duas delas: o INAF e a Retrato da

leitura no Brasil4. A primeira mostra que 65% dos entrevistados afirmam gostar de ler para se

3 Foucault (2001, p. 37) nomeia como um dos procedimentos que permite o controle dos discursos justamente a rarefação dos sujeitos: “Ninguém entrará na ordem do discurso se não satisfizer a certas exigências ou se não for, de início, qualificado para fazê-lo.” 4A pesquisa INAF (indicador nacional de alfabetismo funcional) foi realizada pelo Instituto Paulo Montenegro, Ação Social do IBOPE e pela ONG Ação Educativa, e a Retrato da leitura no Brasil foi feita por iniciativa da CBL, BRACELPA, Snel e Abrelivros.

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distrair ou passar o tempo e 75% costumam ler livros, ainda que de vez em quando. Sobre esse

dado, Márcia Abreu (2003, p.34) nos chama a atenção para o significado do fato de “que tantos

tenham respondido positivamente a uma pergunta que aborda uma finalidade muito particular da

leitura. Se a pergunta tivesse sido algo como “você acha que ler é relevante para a sua vida?”

talvez o índice de respostas afirmativas fosse maior”. E essa possibilidade levantada pela

pesquisadora é amparada por aquela segunda pesquisa que citamos, a Retrato da leitura no Brasil,

que apontou resultados animadores: 89% vêem nos livros um meio eficaz de transmissão de

idéias e 78% dizem gostar de ler. Em síntese, o que podemos observar é que não apenas o

brasileiro atribui um grande valor à leitura como, contrariando um discurso tão aclamado, ele

gosta sim de ler; embora, como já era esperado, não estejam entre as leituras mais efetuadas

aquelas desejadas pelas instâncias que lutam pela democratização da leitura.

Quando perguntados sobre quais gêneros de livros os alfabetizados costumam ler, 45%

dizem ser a Bíblia ou livros religiosos, enquanto aos gêneros literários (romances, aventura,

policial, ficção) 30% dizem lê-los. À poesia é reservado um 4º lugar, com 15%.

Assim, somando ficção e poesia, chegamos a um percentual de 45%, que não chega a ser

tão expressivo, quando se almeja a democratização da leitura literária, mas se equipara ao

primeiro colocado da lista e, certamente, surpreende a muitos que, sem exigir comprovação,

acreditam em percentuais baixos.

Mais restritas do que o hábito de leitura, porém, é a realização de outras práticas culturais

também importantes para a vida cultural de um país. Estamos falando da baixa freqüência,

igualmente revelada pelo INAF, a cinemas, teatros e museus. Apenas 33% dos entrevistados

dizem ir ao cinema sempre ou de vez em quando; já em relação à freqüência a museus, o

percentual é de 22% e ao teatro é mais baixo ainda: apenas 18%. No caso dessas práticas

culturais, como também no da leitura, o baixo poder aquisitivo da população parece dificultar a

sua realização; por outro lado, talvez, diferentemente do valor atribuído ao ato de ler, parece não

estar tão difundido entre a população a importância do contato com essas práticas. Caso similar,

mais estreitamente relacionada à prática da leitura, é a da baixa freqüência a bibliotecas. Segundo

o INAF 2003, apenas 7% dos entrevistados vão sempre à biblioteca e 21% vão “de vez em

quando” para “retirar livros”. Já para ler e consultá-los, os números aumentam um pouco, mas

são igualmente inexpressivos: 10% vão sempre e 23% vão de vez em quando.

Page 23: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

Comparando os resultados do INAF 2003 com os de 2005, vemos que aumentou o

número daqueles que já estiveram numa biblioteca escolar de 45% para 49%. Levantamos a

hipótese de que isso venha acontecendo devido à atenção e ao investimento que alguns

programas do governo federal vêm promovendo em relação à biblioteca escolar5; mesmo nos

programas de capacitação de professores, esse espaço tem recebido atenção especial.

Na verdade, distante agora da mera hipótese, o que os números expostos por essas

pesquisas recentes apontam é a importância da escolarização para a formação e consolidação das

práticas de leitura. Entre as conclusões expostas nos relatórios do INAF, por exemplo, está a

seguinte: “A educação básica promove a prática de leitura e outros hábitos culturais ao longo da

vida e amplia as oportunidades de educação continuada” (INSTITUTO PAULO

MONTENEGRO, 2003, p.16). Discurso similar ao proferido por Abreu (2003, p.34) após ter

analisado os dados do INAF 2001 e da pesquisa Retrato da leitura no Brasil:

Governos, instituições culturais e escolas têm despendido esforços para convencer as

pessoas de que “é importante ler”, de que “ler é um prazer”, mas elas já sabem disso. Se

fazer campanhas parece inócuo, reafirmando o que todos já conhecem, mais importante

seria difundir o acesso à educação escolar, pois os dados mostram uma relação direta

entre escolarização e gosto pela leitura.

Discorrido sobre o lamento da falta, nos debruçaremos agora sobre aquele discurso que

justificaria a necessidade de se ler literatura e que recai na importância desta na formação do

homem.

E por que literatura? Que efeitos provocados pela arte literária justificam a sua

importância e uma militância tão proclamada em seu favor? Para um início de conversa, é

importante recuperar, embora de forma sucinta, as raízes históricas dessa sobrevalorização da

leitura literária, que se construiu, especialmente, a partir do final do século XVIII, fortemente

relacionada aos processos de independência que muitos países estavam vivenciando. Segundo

Hobsbawn (1982, p. 278):

5 Dentre os programas realizados pelo governo federal destacamos o PNBE (Programa Nacional Biblioteca na Escola), que desde 1997 distribui acervos para as escolas públicas brasileiras; acervos estes destinados tanto às bibliotecas escolares, quanto aos próprios professores e alunos. No capítulo segundo, discorreremos sobre as ações promovidas pelo referido programa.

Page 24: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

O que determina o florescimento ou o esgotamento das artes em qualquer período ainda

é muito obscuro. Entretanto, não há dúvida de que entre 1789 e 1848 a resposta deve ser

buscada em primeiro lugar no impacto da revolução dupla: A Revolução Francesa

inspirava o artista com seu exemplo, e a Revolução Industrial com seu horror, enquanto

a sociedade burguesa, que surgiu de ambas, transformava a sua própria experiência e

estilos de criação.

E, assim, contextualizada por essas revoluções, surge uma outra, parte integrante delas.

Estamos falando de uma revolução cultural ocorrida no final do século XVIII.

Embora alguns historiadores contemporâneos, a exemplo de Roger Chartier e Reinhard

Wittmann, lancem olhares suspeitos sobre essa “revolução”, essa “epidemia”, essa “febre” de

leitura que teria ocorrido àquela época de revoluções; nenhum deles nega a importância das

transformações surgidas. O que há, no discurso desses historiadores, não é uma negação, mas o

reconhecimento de algumas limitações. Wittmann (1999, p.135), por exemplo, inicia um de seus

textos com uma indagação inflamada de suspeita: “Existe uma revolução da leitura no final do

século XVIII?”, mas, ao final, após a exposição de dados e fatos que conduzem a uma resposta

afirmativa, conclui:

Nosso rápido esboço tentou mostrar que essa pergunta deve ser respondida

afirmativamente, apesar de todas as limitações. O desenvolvimento da leitura individual

e conjunta nessa época aponta para o papel ambivalente do livro e da imprensa na

disciplina social e na racionalização dos tempos modernos em seu conjunto

(WITTMAN, 1999, p. 161).

Já Chartier (1998), embora advirta que essa foi apenas uma das revoluções pelas quais

passaram as formas de ler, percebe a importância das novidades surgidas no período. E quais

seriam essas condições externas e pressupostos que tiveram tão largo alcance em meio à chamada

revolução dupla?

Podemos iniciar falando sobre o processo europeu de aburguesamento da sociedade,

cultura e literatura, que representava a contribuição histórica do movimento iluminista. Este

sedimentou a importância da leitura na sociedade, atribuindo-lhe um caráter emancipador, tanto

do ponto de vista intelectual quanto social, contrapondo-se, dessa forma, à estrutura imóvel da

sociedade feudalista, aos valores que legitimavam o seu domínio e, ao mesmo tempo, levando a

Page 25: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

cabo o projeto igualitário dos ideais burgueses. Não eram mais os laços consangüíneos que

sustentavam e legitimavam uma determinada posição social; esta podia ser alçada através do

saber e do racionalismo, considerados pelos iluministas como as alavancas do progresso. E

nenhum outro meio foi capaz de possibilitar esse saber e, ao mesmo tempo, transmitir a ideologia

burguesa do que a palavra impressa. Segundo Wittmann (1999, p.138): “A palavra impressa

tornou-se representante burguesa da cultura [...] a leitura ganhou função emancipadora e se

tornou força social produtiva, enquanto o leitor se transformou em um membro útil à sociedade”.

Em meio a essas novas concepções acerca do leitor e da leitura, faz-se importante expor

alguns fatos e pressupostos, todos eles relacionados, de uma forma ou de outra, à revolução

dupla, que as impulsionaram, a exemplo do desenvolvimento do mercado editorial e das

transformações pelas quais passaram o objeto livro, bem como da ascensão de certos gêneros

literários e editoriais e da multiplicação das possibilidades de ler.

Vimos que, como parte da ideologia iluminista ou, mais apropriadamente, como condição

mesma para a sua divulgação, credenciava-se a valorização da leitura; no entanto, para que esta

pudesse se efetuar era preciso que, concomitantemente, fosse divulgada a importância da

capacidade de ler, traduzida através da alfabetização. E, embora o público leitor do mundo

ocidental só tenha atingido a alfabetização em massa no século XIX (LYONS, 1999), houve um

relativo aumento no número de alfabetizados já no final do século XVIII, mesmo não se podendo

mostrar esse aumento com números exatos pela falta destes. Apesar dessa lacuna numérica, “esse

a princípio pequeno acréscimo de novos leitores causou reações em cadeia, culturais e políticas,

de muitas conseqüências [...] houve um estilhaçamento e anonimização do público leitor, antes

elitista, homogêneo e fechado; a partir de então, indiferente, heterogêneo e aberto”.

(WITTMANN, 1999, p.140).

Paralelamente ao alargamento desse público leitor, ganham ênfase modos e objetos de

leitura que começaram a provocar preocupações tanto no Estado e na Igreja quanto no meio

iluminista progressista. Quanto ao modo, estamos falando de uma leitura sentimental, escapista,

que incomodava aos iluministas, pois eles pregavam uma leitura útil, informativa e enciclopédica

que transmitisse virtudes especificamente burguesas e provocasse a comunicação e a reflexão

para formar a identidade social dessa classe; uma leitura que fosse “como um ato de libertação

contra o amordaçamento intelectual feudalista” (WITTMANN, 1999, p.144) e, para os

iluministas progressistas, essa leitura sentimental proporcionava apenas um entretenimento

Page 26: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

socialmente inútil e, ao invés, de um meio de formação para a autonomia, ela era passatempo e

manutenção do estado de eterna dependência. Quanto ao objeto, nos referimos especificamente a

um gênero que, ao lado dos periódicos, era o preferido do novo público-leitor: o romance, que

gerou os primeiros best-sellers da época moderna (ABREU, 2003, p.24). Esse gênero polêmico,

que englobava textos para todos os gostos e suscitava novas relações de leitura, atingiu toda uma

geração de leitores, desde as classes privilegiadas até as criadas e os jovens. A polêmica em torno

dele tem raízes bem antigas, mas correspondia à leitura de uma minoria privilegiada; já no final

do século XVIII ganhou dimensões sociopolítcas com o alargamento da produção e recepção. E

era ele, o romance, que mais possibilitava aquela leitura sentimental e fantasiosa, alvo de tantas

críticas.

Para poder alimentar a fome de leitura desse público crescente e heterogêneo, o mercado

editorial modernizou suas formas de circulação e seus produtos. Em relação ao livro, por

exemplo, modificou-se tanto a sua estrutura física quanto a concepção que se tinha da sua

utilização. Os livros grossos foram sendo substituídos, na preferência do público, por formatos

menores, assim como, em virtude de um público cada vez mais exigente, os cuidados com a

apresentação do texto aumentaram: eram vinhetas, epílogos, ilustração. Quanto a sua concepção,

ao invés de um meio autoritário a serviço das autoridades mundanas e religiosas, o livro se tornou

um produto cultural, um meio para a difusão do saber e através do qual cada um se apropriava da

realidade.

Ampliando-se essa visão do mercado editorial, podemos falar de um desenvolvimento nos

setores mais diversos que o compõe. Expondo essa diversidade de uma maneira sucinta, temos:

um aumento não apenas no número de livros, mas também no de exemplares, assim como no

número de livreiros, novas formas de publicidade e a profissionalização do autor. Por último,

também como representantes dessa “revolução” da leitura no final do século XVIII, não

poderíamos deixar de citar um novo comportamento leitor, o do “ler sem comprar”, realizado por

meio de dois espaços: o das bibliotecas para empréstimos e o das sociedades literárias.

Distanciando-se da preocupação suscitada em alguns iluministas, essa revolução literária

da leitura não impediu o despertar de uma consciência antifeudalista e antieclesiástica, mas

ajudou a propagá-las. E nos amparando nessa relação entre arte e sociedade, o período a que nos

referimos foi marcado por um forte comprometimento político dos artistas com os assuntos

públicos. Segundo Hobsbawn (1982, p278.), “este talvez tenha sido o único período da história

Page 27: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

em que as óperas eram escritas ou consideradas como manifestos políticos e armas

revolucionárias”. E não apenas à música, mas, sobretudo, à literatura, é conferida uma notória

importância nos países que vivenciavam processos de independência. E essa importância frente

às outras artes se deu, especialmente, por dois motivos. Além de ser a arte de maior circulação na

época, ela se firmou como a mais forte manifestação nacionalista de supremacia cultural, pois

vinculava-se a outro argumento forte em prol da autonomia: a língua nacional. Nos termos de

Abreu (2003, p.41): “Articulando uma língua própria e uma tradição cultural específica, a

literatura construiu-se como espelho e esteio da nacionalidade, fazendo frente a uma cultura

aristocrática e cosmopolita, vazada em latim ou francês”.

No caso particular da literatura brasileira, ancorada, na época, em um recente processo de

independência, o poeta Gonçalves de Magalhães defendia, através de um manifesto publicado na

revista Nictheroy, em 1836, idéia similar da literatura como espelho e esteio de uma nação, de um

povo. Vejamos o trecho inicial desse manifesto:

A literatura de um povo é o desenvolvimento do que ele tem de mais sublime nas idéias,

de mais filosófico no pensamento, de mais heróico na moral e de mais belo na natureza;

é o despertador de sua glória e o reflexo progressivo de sua inteligência. E, quando esse

povo, ou essa geração, desaparece da superfície da terra, com todas as suas instituições,

crenças e costumes, escapa a literatura aos rigores do tempo para anunciar às gerações

futuras qual fora o caráter e a importância do povo, do qual é ela o único representante

na posteridade. Sua voz, como um eco imortal, repercute por toda a parte, e diz: em tal

época, debaixo de tal constelação e sobre tal ponto do globo existia um povo cuja glória

só eu a conservo, cujos heróis só eu conheço. Vós, porém, se pretendeis também

conhecê-lo, consultai-me, porque eu sou o espírito desse povo e uma sombra viva do que

ele foi (MAGALHÃES, 1836).

Além de transmitir a idéia da literatura como espelho de um povo, o discurso do poeta nos

dá a real medida da sobrevalorização dessa arte, ao mostrá-la “ideologicamente como um veículo

da tríade famosa - o verdadeiro, o bom, o belo” (CANDIDO, 1999, p.84). Aliás, foi como

instrumento poderoso de veiculação desses ideais, definidos segundo interesses do universo

adulto, metonicamente representado pelas instituições escolar e familiar, que a literatura foi

incorporada às escolas, constituindo com esta uma relação de parceria que se mostrou paradoxal

desde as suas origens. E esse paradoxo é evidente na própria postura que o educador apresenta

Page 28: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

diante da sua utilização: uma postura que oscila entre uma evidente preocupação com os

obstáculos que encontram em sala de aula para a sua utilização e uma militância pela efetuação

de sua leitura por parte dos alunos e, por outro lado, uma espécie de receio (e até mesmo de

temor) em relação a certos livros cujos conteúdos se distanciam daqueles ideais

(pre)estabelecidos do que é verdadeiro, bom e belo. Antonio Candido (1995, p.85) nos

exemplifica essa espécie de receio citando a questão da sexualidade, presente em grande parte das

produções literárias. O referido crítico mostra quão parece paradoxal o fato de que uma sociedade

cristã como a nossa, que sempre reprimiu o sexo, tenha utilizado em sala de aula textos de forte

teor sexual, ou seja, leituras que despertam a imaginação para o erotismo, a exemplo das obras de

Catulo e de Ovídio, bem como certos cantos da Eneida e dos Lusíadas. Ao final, ainda como

força exemplificadora da polêmica em torno do componente sexual, porém ancorada em tempos

mais recentes, recorda o quanto a leitura de Aluísio Azevedo ou Jorge Amado foi motivadora de

brigas entre pais professores.

A seleção de certos textos para serem trabalhados na escola, mesmo contendo temas que

escapam às normas e moral aceitas em determinada sociedade num determinado momento,

apontam para outros elementos, que não o conteúdo especificamente, motivadores da escolha: o

status do autor e da obra dentro do cenário crítico brasileiro. Assim, segundo a teia desse

raciocínio, vemos que, muitas vezes, constrangidos pela temática de certos textos e por pressões

externas que teimam em querer interditar a leitura destes, a instituição escolar, simbolizada

através da figura do professor, elege determinadas obras pela representatividade que têm dentro

de um determinado estilo de época, pela inserção de tal obra ou tal autor dentro de um cânone

firmemente (pre)estabelecido. É o caso da obra O cortiço, de Aluísio Azevedo. Presença

constante na sala de aula e na lista dos vestibulares, essa obra apresenta a vida humana em seus

elementos de maior crueza: a ambição, a cobiça, vícios de toda espécie e, em especial, o sexo e

temas a ele correlacionados, tais como o adultério, a prostituição e o lesbianismo. No entanto, a

leitura de tal obra se justifica por ser considerada a obra-prima de Aluísio Azevedo e a mais

representativa do naturalismo brasileiro. Esse é apenas um exemplo entre tantos, mas nos conduz

à idéia de que a obediência a um cânone estabelecido por uma crítica especializada é grande

motivadora das escolhas impostas como leitura em sala de aula.6

6Apesar de instigante, essa questão acerca do cânone é por demais complexa para discutirmos em poucas linhas.

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Ainda no tocante à importância da leitura literária, essa postura paradoxal do professor

diante dela só reafirma o seu poder, o seu valor, pois se costuma temer e reivindicar o que se

apresenta como uma força significativa. Em todos os tempos, os livros, e não apenas os livros

especificamente literários, sofreram interdições, em especial por parte do Estado; e isso ocorreu,

e ainda ocorre, justamente pelo poder que tem a palavra escrita. Magda Soares (2004, p.31)

reativa, em breve comentário, a nossa memória a esse respeito: “Se assim não fosse, os nazistas

não teriam queimado os livros de autores judeus, os soviéticos não teriam impedido dissidentes

de publicar seus livros, os criacionistas não procurariam banir A origem das espécies, de

Darwin”. E, a essas palavras, acrescentamos as nossas: E a instituição escolar não estaria

preocupada em julgar quais livros são “adequados” ou não à leitura por parte de suas crianças e

jovens.

A literatura infantil é um exemplo da força dessas limitações e interdições. Durante um

bom percurso de tempo, o seu valor como leitura digna do público-mirim, a quem se destinava,

esteve atrelado à veiculação de valores morais e patrióticos. E, ainda hoje, apesar da

disseminação da idéia de que o essencial à obra infantil é o seu valor estético, o caráter de

exemplaridade ainda é um forte parâmetro na escolha do que seja um bom livro de literatura

infantil. E essa preocupação é extensão da própria preocupação com a formação da criança e dá

conta do papel da literatura na formação da personalidade do homem.

E esse papel se dá, justamente, pela literatura possuir aquele caráter paradoxal que, por

vezes, a faz temida e interditada por algumas instâncias autorizadas, como a escola, da qual

falamos acima. A literatura, como uma manifestação da vida humana, pode trazer em si toda a

diversidade de sentimentos presentes nesta, por isso, pode ser perigosa, mas também, pelo mesmo

motivo, faz com que o leitor se depare com sua própria humanidade, que está sempre a oscilar

entre pares de opostos, isto é, entre o feio e o belo, entre o amor e ódio...Vejamos um trecho do

texto O direito à literatura que sintetiza exemplarmente o que falamos:

A literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apóia e combate, fornecendo a

possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas [...] ela não é uma experiência

inofensiva, mas uma aventura que pode causar problemas psíquicos e morais, como

acontece com a própria vida, da qual é imagem e transfiguração. Isto significa que ela

tem papel formador da personalidade, mas não segundo as convenções; seria antes

segundo a força indiscriminada e poderosa da própria realidade. Por isso, nas mãos do

Page 30: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

leitor o livro pode ser fator de perturbação e mesmo de risco. Daí a ambivalência da

sociedade em face dela (CANDIDO, 1995, p.243).

E essa ambivalência, esse receio da sociedade frente à literatura cresce quando se pensa

no leitor infantil, por quem ela é a responsável. A criança, como ser em formação, deve ser

submetida a objetos e práticas culturais que influenciem positivamente na construção de sua

personalidade. Essa foi, durante um bom tempo, a visão dos que produziam e intermediavam o

contato da criança com o livro, ou seja, de autores, pais, professores. Basta pensarmos nas

primeiras produções literárias destinadas ao público infantil. As poesias de Olavo Bilac, reunidas

sob o título de Poesias infantis, são um bom exemplo do que era considerada uma literatura

apropriada ao pequeno leitor; seus versos, detentores de forte cunho moralizante e patriótico, se

mostravam perfeitamente adequados para serem lidos e declamados por meninos e meninas de

todo o Brasil, tanto nas festas escolares quanto nas reuniões de família (ARROYO, 1990). Um

poema “clássico” de Bilac que freqüentemente aparece em antologias poéticas destinadas à

criança e que nos pode dar a medida exata do caráter de exemplaridade que a literatura infantil

deveria conter é “A boneca”, transcrito logo abaixo:

A Boneca

Deixando a bola e a peteca,

Com que inda há pouco brincavam,

Por causa de uma boneca,

Duas meninas brigavam.

Dizia a primeira: "É minha!"

— "É minha!" a outra gritava;

E nenhuma se continha,

Nem a boneca largava.

Quem mais sofria (coitada!)

Era a boneca. Já tinha

Toda a roupa estraçalhada,

E amarrotada a carinha.

Tanto puxaram por ela,

Que a pobre rasgou-se ao meio,

Perdendo a estopa amarela

Que lhe formava o recheio.

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E, ao fim de tanta fadiga,

Voltando à bola e à peteca,

Ambas, por causa da briga,

Ficaram sem a boneca ...

Não nos atendo a uma análise detalhada do poema, podemos, de forma sucinta, afirmar

que a “lição de moral” que o leitor infantil pode apreender é a de que intrigas, nem que sejam

aquelas pequenas e por vezes bobas briguinhas presentes no cotidiano infantil, em especial em

um cenário de brincadeiras, só irá levá-lo a perdas.

Em outro âmbito, contrapondo-se a esse universo moralizante, onde só os bons

sentimentos têm vez, argumenta-se a necessidade da criança se deparar, confrontar-se com um

outro viés de sentimentos, como o mal, a tristeza, a solidão, a morte; pois somente através da

convivência com toda sorte de sensações e sentimentos é que a criança vai poder enfrentar

dialeticamente os problemas e ver na literatura uma manifestação da própria vida que, assim

como a do universo adulto, é dialética. Fanny Abramovich (1995, p.98) tem muito a nos dizer

sobre o assunto, em especial ao fazer uma observação importante: “A questão é saber como o

tema é abordado”. Vejamos o trecho na íntegra:

A criança, dependendo do seu momento, de sua experiência, de sua vivência, de suas

dúvidas, pode estar interessada em ler sobre qualquer assunto [...] A questão é saber

como o tema é abordado: se sem medo, sem reservas, sem fugir das questões principais

ou fazer-de-conta que não existem [...] Agora o que não faz sentido é abordar uma

questão de modo superficial [...] Qualquer assunto pode ser importante.

Em síntese, apoiados nos argumentos expostos, podemos afirmar que a literatura tem um

papel na formação do homem, que é cumprido à medida que o leitor é possibilitado de deparar-se

com o caráter múltiplo que emana dela. E a crença nesse papel é um dos fundamentos sobre os

quais se apóiam os programas de promoção da leitura.

2.2 Programas de promoção da leitura: a hora e a vez da literatura

Page 32: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

Alvo de reivindicações e negociações entre governo e sociedade, algumas políticas

públicas de leitura vêm ganhando força no cenário brasileiro, como, por exemplo, as políticas

voltadas para a educação. A importância desta já se consolidou, entre a população, como uma

necessidade básica e um direito, e como uma possibilidade de ascensão social, em especial para o

setor mais pobre. E, como parte inseparável de uma política educacional, temos uma política

voltada para a questão do livro e da leitura.

Segundo Serra (2003, p.71), “reivindicar a leitura e a escrita fluentes, no seu sentido mais

radical, é anseio popular dos dias atuais, resultado do aumento do nível de escolaridade da

população”. Até pouco tempo atrás, habilidades de ler e escrever mais do que o necessário para

atender a necessidades pragmáticas do cotidiano – como comprar, pagar contas, pegar uma

condução – era privilégio de uns poucos que nasciam e cresciam em um ambiente letrado e

tinham as condições necessárias – recursos e tempo – para ter acesso à escola e a bens culturais,

em especial aos livros.

O valor atribuído a esses dois processos - leitura e escrita - só ganha impulso na sociedade

brasileira com o desenvolvimento do processo de industrialização, a partir da década de 50,

quando o trabalho nas fábricas passou a exigir da classe trabalhadora noções de leitura, escrita e

cálculo. Assim, em busca de aprimoramento profissional, de uma possibilidade de ascensão

social, as classes menos favorecidas começam a procurar uma educação formal não com a idéia

de que as habilidades de ler e escrever eram “luxo para doutores”, e sim como um pressuposto

para ingresso no mercado de trabalho.

Ainda segundo Serra (2003, p.72), “ao longo dos últimos 20 anos, a presença de crianças

nas escolas continuou aumentando por motivo mais nobre que a necessidade do mercado: a

educação como direito”. Crescem, sob esse contexto, tanto no âmbito internacional quanto no

nacional, as reivindicações pela sua garantia, e se fortalece na sociedade o valor da escola e da

cultura escrita. Embora saibamos que entre a garantia de um direito em lei e a sua real efetivação

haja lacunas, basta nos voltarmos para o artigo 208 da Constituição Federal de 1988 para termos

um exemplo-símbolo do direito à educação. Neste artigo, é assegurado à população o ensino

fundamental obrigatório e gratuito, isto é, a formação básica do indivíduo, que hoje inclui o

ensino médio, e a universalização da educação no Brasil.

No entanto, antes mesmo da referida constituição, alguns projetos na área educacional já

vislumbravam uma melhoria, ainda que modesta, no acesso à escolarização e ao livro. Na década

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de 70, além da reforma educacional de 1972, que ampliou o espaço da literatura em sala de aula,

conferindo um lugar de destaque aos textos literários contemporâneos, e não apenas aos

canônicos, e valorizando a produção brasileira, temos também projetos como o MOBRAL

(Movimento Brasileiro de Alfabetização), que procurou resolver o problema do analfabetismo, e

o PLIDEF (Programa do livro didático para o ensino fundamental), que distribuía livros didáticos

aos estudantes de primeiro grau, hoje ensino fundamental. Igualmente vinculados ao governo

federal, vemos surgir programas de promoção da leitura literária. O Instituto Nacional do Livro,

por exemplo, implantou na década de 70 uma política de co-edições que patrocinava parte do

custo de produção de textos e distribuía sua cota de livros para as bibliotecas públicas estaduais e

municipais (ZILBERMAN, 1995, p.125).

Mas foi por iniciativa da rede privada, através de um programa intitulado “Ciranda de

Livros” (1980 – 1984), que se operou um marco na democratização do acesso à leitura. Esse

projeto, desenvolvido pela FNLIJ (Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil) em parceria

com a Fundação Roberto Marinho e com a empresa Hoeschst, foi pioneiro na área da literatura

infantil e atingiu todo o território nacional, atendendo a 35.000 escolas públicas que não tinham

contato com quaisquer bibliotecas, principalmente as mais carentes, localizadas nas periferias

urbanas e nas zonas rurais. Nos quatro anos de duração da “Ciranda” foram editados 15 livros de

autores diferentes por ano, num total de 30.000 coleções distribuídas. Outro projeto de iniciativa

privada, porém de menor alcance, foi o “Viagem da leitura”, que também se caracterizou pela

seleção e compra de obras da literatura infantil já existentes no mercado para serem distribuídas a

escolas carentes. Ambos os projetos, em especial o “Ciranda de Livros”, caracterizaram-se por

sua visibilidade junto à sociedade; visibilidade esta alcançada pelos esforços de fortes parceiros

na divulgação e na distribuição dos livros (SANDRONI, 2002). A cooperação dos meios de

comunicação de massa, por exemplo, por meio da publicidade, foi essencial à difusão desses

projetos.

O “Ciranda de Livros”, que em 1984 recebeu da UNESCO o prêmio Internacional de

Alfabetização, foi apenas o primeiro de uma série de projetos de incentivo à leitura e à formação

de leitores desenvolvidos pela FNLIJ, o que mostra a importância dessa instituição na cena

cultural brasileira. A partir da experiência resultante desse primeiro projeto, a FNLIJ organizou,

nas décadas de 80 e 90, iniciativas que a fizeram construir uma tradição de organizar projetos que

depois pudessem ser assumidos por outros setores comprometidos com o desenvolvimento social,

Page 34: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

seja na esfera pública ou na privada (YUNES, 1995). Mas, apesar de todo o empenho dos que se

comprometeram com tais projetos, apesar do grande quantitativo de livros distribuídos, dos altos

investimentos feitos com ações de monitoramento e avaliação, bem como com a produção de

material pedagógico e treinamento de pessoal, Eliana Yunes (1995), ao fazer uma espécie de

balanço sobre os projetos desenvolvidos pela Fundação na década de 80, revela falhas e

frustrações, algumas resultantes dos projetos em si, outras de uma estrutura social e econômica

cujas possibilidades de compensação estão além das forças daqueles que ajudam a promover a

leitura. Nas palavras de Soares (2004, p.25):

[...] podemos, e devemos, na área da educação formal ou não-formal, dar nossa contribuição para a democratização da leitura, mas sempre conscientes de que a democracia cultural, a distribuição eqüitativa deste bem simbólico que é a leitura, depende de mudanças estruturais que ultrapassam o educacional e o cultural.

Dentre os “nós”, internos ou externos aos projetos, Yunes (1995) cita, em primeiro lugar,

o da continuidade; pois, por serem projetos de iniciativa privada, dependem do financiamento de

parceiros, e quando esse financiamento acaba o trabalho, que necessita de uma permanente

renovação – material e de recursos humanos – além do investimento com avaliação e

monitoramento, não se vê em condições de prosseguir. Outro problema citado é referente aos

recursos humanos: o intermediário entre a criança e o livro – professor, pai, bibliotecário – não

está preparado para desenvolver projetos com leitura, muito deles não têm a paixão necessária.

Aqui também entra a falta de recursos financeiros, pois os projetos, na maioria das vezes, não os

têm em quantidade suficiente para realizar uma melhor preparação pedagógica, de materiais, de

treinamento de pessoal. Segundo Yunes (1995, p.136), “não vale a pena distribuir milhões de

livros se não se puder acompanhar os livros com um trabalho sério, permanente, constante, de

formação de recursos humanos para a leitura”.

Por fim, outros espaços ainda são tocados pelo discurso de Yunes: o da comunidade, o

dos meios de comunicação e o das bibliotecas. Quanto ao primeiro, a pesquisadora enfatiza a

necessidade de sua mobilização para atuar junto aos projetos, a necessidade de despertar nas

famílias a importância da questão do livro e da leitura. A experiência vivenciada pela FNLIJ

mostrou que quando ocorre essa mobilização ampliam-se os resultados positivos. Já os meios de

comunicação de massa alcançam praticamente toda a população, em especial a TV e o rádio, que

Page 35: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

são os principais meios de difusão da cultura e de conscientização da população brasileira7

(SERRA, 2003). Além desse papel, a divulgação por esses meios agrada aos patrocinadores,

conferindo-lhes status, no caso dos projetos de iniciativa privada.

No tocante à questão das bibliotecas, a referida pesquisadora cita os problemas que

comprometem a utilização desses espaços como pontos indispensáveis à democratização do livro

e da leitura; dentre os principais estariam a não disseminação do valor das bibliotecas junto à

sociedade, a desatualização dos seus acervos e a ínfima presença delas no território nacional.

Soares (2004, p.21) entoa um discurso que amplia o de Yunes a respeito da situação das

bibliotecas nacionais: Esse é um país de raras e precárias bibliotecas públicas, raras e precárias bibliotecas escolares [...]. Os dados estatísticos, se examinados por regiões, ou por estado, ou por municípios, mostram que, neste caso, não há discriminação significativa: pode-se dizer que há uma não-distribuição eqüitativa de bibliotecas públicas neste país.

Com essas palavras, Soares mostra a raridade de bibliotecas, já no que concerne à

precariedade delas, ela nos chama a atenção para a pequenez e desatualização de seus acervos.

Ao final, lastima a inversão de valores e função desses espaços que “funcionam mais como

depósito de livros do que como verdadeiras bibliotecas, centros de informação, de formação de

leitores”. (SOARES, 2004, p.21).

É importante esclarecer que o problema da quantidade ínfima de bibliotecas públicas no

território nacional vem sendo alvo de grande atenção pelo governo federal, que tem dedicado

alguns programas em prol da sua expansão. O mais importante deles foi desenvolvido pelo

Ministério da Cultura e recebeu o nome de “Uma biblioteca em cada município”. Este programa,

além de expandir o número de bibliotecas no país – mais de 1.500 unidades novas8 – também

cuidou da divulgação de seu conceito e de sua importância junto à população, que parece ainda

desconhecer seu direito de acesso a esse espaço. Segundo Serra (2002), o referido programa

provocou uma mudança cultural no sentido de conscientização, em especial, junto aos governos

locais: houve pedidos de bibliotecas por prefeitos, o que, antes, era incomum.

7 Segundo o 3˚ Indicador de Analfabetismo Funcional (INAF), 95% dos entrevistados assistem a noticiários na TV sempre ou de vez em quando, já em relação ao rádio, o índice é de 88%. 8 A respeito desses dados, Ana Maria Machado (2004, p.93) exclama: “Quantos países no mundo podem exibir essa média?”.

Page 36: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

No entanto, se por um lado os dados comprovam essa expansão quantitativa, como

citamos acima, eles também revelam que os trabalhos de conscientização da importância da

biblioteca e do direito a seu acesso não têm obtido bons resultados. Basta lembrarmos dos dados

que citamos no primeiro capítulo em relação à baixa freqüência da população às bibliotecas9.

Além do “Ciranda de Livros”, que citamos como o programa pioneiro, encabeçado pela rede

privada, outro programa, dessa vez de iniciativa do governo federal, ganhou destaque nas décadas

de 80/90: o programa “Salas de Leitura”, que, durante 11 anos (1985 – 1996), distribuiu livros de

literatura às escolas públicas com turmas até a quarta série. No entanto, uma das falhas apontadas

nesse programa foi justamente a de não ter procurado valorizar a idéia da biblioteca como espaço

público de leitura e de formação de leitores. Segundo Serra (2003, p.77), “Desperdiçaram-se anos

preciosos, nos quais poderiam ter sido formados além de alunos leitores, freqüentadores de

bibliotecas conscientes da necessidade de reivindicá-las para poderem continuar exercendo o

direito de ler quando terminam o período escolar”.

Já na década de 90, as investidas do governo federal na área da leitura ganham impulso

com a criação do Proler (Programa de incentivo à leitura), em 1992. Este programa, vinculado à

Fundação Biblioteca Nacional, órgão do Ministério da Cultura, abarca uma grande variedade de

práticas brasileiras de promoção da leitura, e é um exemplo do que Yunes (1995) e Serra (2000)

idealizaram como um programa de promoção da leitura completo, que articulasse várias

instituições, vários ministérios e todas as esferas do governo e, além disso, procurasse interagir

também com a comunidade e difundir o tema da leitura na cena social. Dessa forma, o Proler atua

junto ao MEC e a outras instituições que trabalham com a questão da leitura, tais como a FNLIJ e

a ALB (Associação de leitura no Brasil), numa verdadeira integração entre educação e cultura,

entre leitura e cultura. E, desde a sua origem, constituiu-se como uma prática descentralizada, em

que não há planos acabados, mas planos que são constantemente repensados, adequando-se às

necessidades da sociedade. São mais de 80 comitês espalhados por diversos municípios

brasileiros.

Se o Ministério da Cultura marca sua presença no campo da leitura com o Proler, o

Ministério da Educação também cria um programa com o objetivo de incentivar o hábito da

leitura e de promover o acesso ao livro, em especial ao de literatura. O referido programa é o

9Apenas 7% dos entrevistados vão sempre à biblioteca e 21% vão de vez em quando para retirar livros; já para ler e consultá-los 10% vão sempre e 23% vão de vez em quando. (dados do 3˚ INAF).

Page 37: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

PNBE (Programa Nacional Biblioteca da Escola) e surge, em 1997, para, segundo Messenberg

(2002), promover a melhoria da qualidade de aprendizagem dos alunos das escolas públicas de

ensino fundamental através das práticas de leitura. Dessa forma, suas ações se voltam para a

seleção, compra e distribuição de obras de literatura brasileira e estrangeira e de materiais de

apoio (atlas, globos, mapas), bem como para a elaboração de materiais pedagógicos e de

atualização dos professores do ensino fundamental.

Dentre as ações desenvolvidas pelo PNBE, uma em particular ganhou destaque, não

apenas pelo alcance quantitativo que teve, quanto ao número de livros distribuídos, como também

pelo pioneirismo evidente no processo de seleção e compra e na opção de entregar os livros aos

alunos. Estamos falando do programa Literatura em minha casa, que entre 2002 e 2004

distribuiu mais de 24 milhões de coleções, compostas cada uma de cinco livros: um de poesia,

um de conto, uma novela, uma obra clássica da literatura universal, traduzida ou adaptada, e uma

peça teatral ou uma obra de textos da tradição popular.

Embora todas essas (e outras) iniciativas de incentivo à leitura estejam longe de garantir

uma distribuição eqüitativa desse bem cultural entre a população brasileira e, em especial, entre a

população infantil, alvo maior desses programas, ao contrário do que muitos acreditam e apesar

das falhas que encerram, a cena cultural brasileira na atualidade vem contribuindo, cada setor a

sua maneira, para um avanço no que se refere à política do livro e da leitura. Ana Maria Machado

(2004, p.92) nos diz:

O amadurecimento da produção editorial brasileira, a crescente profissionalização do setor e o fenômeno das bienais e salões de livros que se multiplicam pelos quatro cantos do país como grandes atrações populares são apenas alguns sinais mais evidentes de que a barreira que por toda a história tem separado os brasileiros da leitura não se apresenta mais da mesma forma compacta e intransponível.

Page 38: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

3 LITERATURA EM MINHA CASA: CONTANDO A HISTÓRIA DOS

LIVROS [...] Com o tempo descobriu que escrever seria o mesmo

que carregar água na peneira.

No escrever o menino viu que era capaz de ser

noviça, monge ou mendigo ao mesmo tempo.

O menino aprendeu a usar as palavras.

Viu que podia fazer peraltagens com as palavras. E começou a fazer peraltagens [...]

3.1 Dos desvios que apontam um novo caminho ou de como surge um modo novo de

promover a leitura

Aqueles que trabalham com promoção da leitura são conscientes de que a mera

distribuição de livros não é suficiente para garantir a formação de leitores. Os resultados de

diversos projetos têm revelado que, ao invés dos livros circularem, eles ficam “presos” nas

estantes das bibliotecas, como uma espécie de “resto de estoque”. O Programa Biblioteca da

Escola (PNBE), por exemplo, que se debruçou sobre dois pontos fundamentais quando pensamos

na formação de leitores e na democratização da leitura – a literatura e a biblioteca escolar – viu-se

levado, pelos resultados não muito satisfatórios, a mudar o rumo de seus projetos, após os três

primeiros anos de suas ações, que foram se modificando de acordo com as necessidades que a

realidade ia apontando.

Sob a execução do Fundo Nacional de desenvolvimento da Educação (FNDE) em

parceria com a Secretaria de Educação Básica (SEB), o PNBE é realizado com recursos

originários do Orçamento Geral da União e da arrecadação do salário-educação. A SEB realiza a

avaliação e a seleção das coleções e acervos, enquanto o FNDE fica responsável pela negociação

com as editoras, comprando os livros por preço adequado, pela entrega no tempo certo e pelo

Page 39: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

trabalho de monitoramento, de verificação do atendimento ao público a quem se destinam os

acervos.

No primeiro ano de sua execução, 1998, o PNBE distribuiu 4,2 milhões de livros. O

acervo de 123 títulos foi encaminhado para 20 mil escolas públicas com matrículas a partir de

500 alunos10, com vistas a atender professores de quinta a oitava série. O referido acervo, que era

composto de obras literárias (incluindo a coleção inteira de Monteiro Lobato) e continha também

obras sobre a formação histórica, econômica e cultural do Brasil, foi considerado por alguns

avaliadores, a exemplo de Grossi (2002), vice-presidente da CBL (Câmera Brasileira do Livro),

como inadequado, pois o público visado era o do ensino fundamental, e obras como Uruguai e

toda a coleção dos Sermões de Vieira não eram adequadas a esse público. No mesmo ano,

também foram distribuídos materiais de apoio, como globos, mapas e dicionários.

Se o acervo literário de 1998 era visivelmente composto por obras brasileiras da literatura

“adulta”, em 1999 priorizou-se a literatura infanto-juvenil e procurou-se compor um acervo mais

“democrático”, mais diversificado (SERRA, 2002): eram 49 livros de narrativa, 15 de poesia, 6

de imagem, 16 informativos e 20 livros traduzidos ou adaptados, antigos e contemporâneos, de

ficção e não-ficção. E, além dessas obras selecionadas pela FNLIJ, o acervo também contava com

4 livros indicados pela Secretaria de Educação Especial, que visavam sensibilizar os leitores na

busca da superação de preconceitos. Ao todo, foram distribuídos mais de 3,9 milhões de livros,

sendo beneficiadas 36.000 escolas de 1ª a 8ª série com mais de 150 alunos.

Observando comparativamente esses dois primeiros anos de ações do PNBE, vemos que

em 1999 houve a tentativa de suprir algumas daquelas que foram consideradas lacunas e

inadequações, o que revela a importância do acompanhamento e da avaliação na condução desses

projetos, em especial no aprimoramento deles. Como vimos, o PNBE 1999 optou por um acervo

que, ao menos supostamente, interessasse mais ao público infanto-juvenil, que fosse mais

adequado ao trabalho dos professores do ensino fundamental do que o acervo de 1998, o qual

pareceu não levar em consideração os usos e objetivos de uma biblioteca escolar (GROSSI,

2002), e sim, prioritariamente, oportunizar o conhecimento do patrimônio brasileiro, tanto do

ponto de vista cultural, através de obras consagradas pela crítica literária brasileira, quanto do

ponto de vista histórico-social, por meio de livros sobre a formação histórica e econômica do

Brasil.

10 Quando no município não havia escola com esse número de matrículas, a maior escola recebia o acervo.

Page 40: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

Uma constatação muito séria feita em relação ao acervo do PNBE de 1998 foi o da sua

pouca utilização, o que fez com que fosse desenvolvido com o CECIP (Centro de Educação e

Comunicação para o Desenvolvimento Humano) um material que estimulasse os professores a

utilizar as obras desse acervo em suas práticas pedagógicas; na realidade, uma espécie de guia

que contextualizasse as obras e que possibilitasse escolhas de acordo com as necessidades e

interesses do professor. Interessante é o título dado a esse material: “Guia do Livronauta:

sobrevoando o tesouro da biblioteca e aterrissando na prática”, que revela a imagem de um

educador que, desconhecendo o próprio território onde/com o qual trabalha, o do livro, precisa

ser conduzido por um guia para explorar as possibilidades que esse território lhes apresenta,

assim como um viajante que, pisando (navegando por mares desconhecidos e estranhos) em

terras alheias, precisa de um guia (ou mapa) turístico que lhe dê possibilidades de escolha. Ao

falar sobre a produção do referido guia, Madza Nogueira (2002, p.12), coordenadora e editora do

“Guia do Livronauta”, esclarece:

A metáfora da viagem foi escolhida como possibilidade de seduzir o professor a uma exploração do material. O acervo começou a ser pensado como um planeta. O professor seria convidado a conhecer os continentes desse planeta: o continente da ficção, da não-ficção, da poesia, um continente com as obras de Monteiro Lobato. Cada continente com regiões, com especificidades: histórias de amor, histórias do país, erotismo, humor. Possibilidades de escolha, como um guia turístico. Neste guia, cada livro é como uma cidade e dentro desta cidade são dadas coordenadas para que a pessoa possa se localizar. São dados os pontos que podem ser interessantes de visitar e o professor tem a liberdade de escolhê-los.

Na bem elaborada construção dessa metáfora, se sobressai a representação do professor

como um não-leitor, como alguém que desconhece aquele que deveria ser seu objeto maior de

trabalho: o objeto livro, embora se faça questão de assinalar a liberdade de escolha do professor,

pois o que o guia ofereceria seriam apenas sugestões, indicações dos “pontos que possam ser

mais interessantes”. Esse despreparo dos professores fica evidente na reflexão feita por Nogueira

(2002) quando, mesmo depois da elaboração do guia, os acervos continuaram sendo pouco

utilizados. Ao procurar identificar onde estaria o rompimento do círculo, ela chega à conclusão

de que, por mais interessantes que os materiais pedagógicos possam ser, eles só terão

Page 41: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

funcionalidade se houver investimento em recursos humanos, se houver um processo de

capacitação de professores, que não estariam preparados para trabalhar com leitura e escrita11.

A experiência frustrada do PNBE 1998, no que diz respeito à pouca utilização dos

acervos, fez com que no ano seguinte fosse logo elaborado um manual que, assim como o “Guia

do Livronauta”, auxiliasse na utilização dos livros selecionados. Esse manual, elaborado por

Marisa Lajolo e algumas orientandas suas, buscava relacionar os livros com o cotidiano escolar, e

foi escrito sob a forma de cartas ficcionais em que professores relatavam experiências com os

livros do acervo. Mas, mesmo todo esse cuidado prévio, não evitou que o PNBE, em 1999, fosse

frustrado no mesmo ponto em que havia sido o de 1998: apesar da qualidade dos textos

selecionados e da distribuição de material pedagógico, os livros continuavam estocados nas

estantes das bibliotecas.

No PNBE 2000, atendendo-se a solicitações dos docentes, principalmente daqueles que

participaram dos cursos de capacitação proporcionados pelo programa “Parâmetros em Ação”,

foram fornecidos materiais didático-pedagógicos que dessem subsídio ao trabalho deles. Já em

2001, as avaliações realizadas em relação aos anos anteriores apontaram um rumo novo para o

PNBE. A partir de então, os livros não mais seguiriam, apenas, o caminho em direção às

bibliotecas, mas chegariam até às casas dos alunos. Essa foi a proposta da nova ação do PNBE,

que recebeu o nome de Literatura em minha casa.

Tendo-se em vista o baixo poder aquisitivo da população brasileira, o livro torna-se um

“produto de luxo”, praticamente inacessível em meio ao atendimento de prioridades, como se

alimentar e se vestir, por exemplo. A grande maioria só tem oportunidades de acesso ao livro

quando entra na escola. Segundo Nóbrega (2002, p.17): “Para alguns, essa é a única

oportunidade: ou ela se dá na escola ou não vai se dar em lugar algum, porque ler é verbo

transitivo e pede objetos custosos”.

Diante desse quadro, o Estado é chamado a cumprir seu papel, e programas de

distribuição de livros, como o PNBE, aparecem para suprir a carência das bibliotecas escolares.

No entanto, como vimos, a mera distribuição de livros não forma leitores, não democratiza a

leitura, pois não há um trabalho paralelo de valorização dos espaços das bibliotecas, de utilização

11 Esse despreparo foi constatado, em especial, por intermédio dos cursos de capacitação promovidos pelo MEC, como o PROFA (Programa de Professores Alfabetizadores). Outro caso exemplar se deu quando se lançou os PCNs, que foram considerados além da situação dos professores; tanto que criou-se os “Parâmetros em Ação”, que procurou capacitá-los para trabalhar com as novas propostas curriculares.

Page 42: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

e circulação dos livros. Em relação aos acervos distribuídos pelo PNBE em 1998 e 1999,

percebeu-se que muitos ficaram guardados, “escondidos” nas salas dos diretores, e os que se

encontravam nas bibliotecas estavam sendo pouco utilizados. A partir dessas constatações, e

também buscando inserir a literatura no espaço familiar e estimular a troca de livros, o que revela

a preocupação com a circulação, optou-se, no PNBE 2001, por entregar os livros aos alunos,

fazendo-os donos desses livros, transformando os livros em “um item de primeira necessidade”

(MESSENBERG, 2002, p.9).

Outra mudança que ocorreu em relação aos acervos de 1988 e 1999 residia no fato de que

os livros que constituíram o LMC não foram mais comprados entre aqueles já existentes no

mercado, mas produzidos pelas editoras segundo critérios previamente estabelecidos por um

edital elaborado pelo MEC12. Assim, segundo Iara Prado (2002), a então Secretária da Educação

Fundamental do MEC, os editores teriam a oportunidade de cumprir a sua função social,

provando que o livro é um produto de natureza diferente, que ajuda a formar o futuro do país.

Essas idéias revelam uma espécie de sacralização do objeto livro, cuja importância na formação

do cidadão justificaria todo o cuidado, toda a intervenção do MEC em seu processo de

composição13. Para melhor compreendermos esse cuidado do MEC e entendermos até aonde vai

essa intervenção, faz-se necessário esclarecer o modo como se deu o processo de elaboração das

coleções e sua posterior distribuição às escolas.

O primeiro passo foi a constituição, através de uma portaria do Ministro da Educação, na

época Paulo Renato, de uma comissão técnica formada por especialistas e representantes das

mais respeitadas instituições que trabalham com a questão da leitura: Elizabeth D’Angelo Serra

(FNLIJ), Luiz Percival Leme (ALB – Associação Brasileira de Leitura), Maria José Nóbrega,

Antônio Augusto Batista (CEALE – Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita), Maria da Glória

Bordini, a presidência do CONSED (Conselho Nacional de Secretários da Educação) e da

UNDIME (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação) e um representante da

Secretaria de Educação Fundamental. Antes da formação dessa comissão, alguns aspectos já

haviam sido definidos: o formato da publicação, o número de volumes das coleções, a opção por

12 Esse edital direcionava todo o trabalho das editoras na elaboração dos livros, contendo as especificações técnicas (formato, capa, miolo, acabamento) e os critérios de avaliação e seleção das coleções (quanto à tipologia, temática, seleção de autores e títulos, textualidade, projeto gráfico, projeto editorial). 13 Como vimos no primeiro capítulo, essa sobrevalorização do livro e da leitura surge no final século XVIII vinculada aos ideais iluministas. Seu papel na formação da criança é um dos fatores que justifica a sua promoção e será discutido no próximo capítulo.

Page 43: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

livros que não fossem os disponíveis no mercado, mas elaborados pelas editoras segundo critérios

bem definidos, além da decisão de que as coleções seriam entregues aos alunos e que a avaliação

seria feita por um colegiado de professores.

À comissão técnica coube coordenar essa avaliação e decidir algumas questões pendentes,

como, por exemplo, o nome do programa – sugerido por Luiz Percival Leme Britto – e quais

seriam os gêneros dos cinco volumes. Segundo Maria José Nóbrega, uma das integrantes da

comissão, a escolha em função dos gêneros se deu porque se queria oportunizar o contato da

criança e da família com a representatividade da literatura brasileira e universal. E, pelo que

pudemos compreender, essa representação só seria alcançada pela inclusão dos mais diversos

gêneros e das mais diversas épocas literárias, isto é, trabalhando-se com a diversidade. Há um

trecho do edital, o tópico sobre a seleção de títulos e autores, que esclarece o que seria essa

representatividade:

[...] A representatividade dos autores escolhidos – isto é, o quanto são conhecidos e assumidos como ícones da cultura brasileira – torna-se um fator bastante relevante na escolha da obra. Os títulos e autores selecionados devem ser representativos da produção literária brasileira e universal. Serão privilegiadas as coleções compostas de títulos e autores de diferentes épocas e regiões.

O processo de seleção era realizado em duas etapas: a triagem do livro e a avaliação da

qualidade literária. Na primeira, realizada pelo IPT (Instituto de Pesquisa Tecnológica), da USP,

verificava-se a qualidade física do livro, observando-se se a estrutura editorial e as especificações

técnicas mínimas (formato, capa, miolo, acabamento) estariam de acordo com o edital. Já a

segunda etapa, a avaliação da qualidade literária, era feita por um colegiado designado pelo

Ministro da Educação e coordenada pela comissão técnica. Esse colegiado era formado por

professores indicados por cada Estado pelo CONSED, pela UNDIME e pelo Proler que tivessem

experiência com o Ensino Fundamental e com a literatura infantil.

Nessa segunda etapa, o cuidado do MEC era evidenciado não apenas na escolha de uma

comissão técnica e de um colegiado familiarizado com a questão da leitura, mas, principalmente,

no modo como a seleção das coleções era realizada. Os professores integrantes do colegiado eram

divididos em duplas, e cada dupla lia e avaliava um determinado número de coleções14, levando

em consideração os critérios prescritos no edital: referentes à textualidade (equilíbrio, 14 Cada editora poderia inscrever apenas uma coleção.

Page 44: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

diversidade), à temática (propriedade do tema, adequação ao público leitor a quem se dirige), à

seleção de títulos e autores (a representatividade na cena literária, o quanto são conhecidos e

valorizados), ao projeto gráfico e às ilustrações (relação entre imagem e texto, adequada

distribuição espacial), ao projeto editorial (a existência de um eixo organizador que estabelecesse

relação entre os volumes, o oferecimento de informações adicionais relevantes, mas que não

didatizassem o texto para não correr o risco de descaracterizar o trabalho artístico). No entanto, o

que percebemos, como mostraremos no terceiro capítulo, é que algumas dessas informações, a

exemplo das notas, tendem a direcionar a interpretação do leitor.

Selecionadas as coleções, o FNDE fazia as encomendas e a habilitação junto às editoras.

O preço de cada uma com os cinco livros, devido às negociações e à larga escala, ficava em torno

de R$ 3,93. Por fim, realizava-se a distribuição através dos Correios. As entregas, feitas mediante

registro de comprovação, eram viabilizadas por caminhão e até embarcações, dependendo da

localização da escola. Para garantir a perfeita execução da distribuição, técnicos do FNDE e das

Secretarias de Educação acompanhavam todo o processo. As editoras só recebiam o pagamento

quando os Correios postavam o material e os correios, por sua vez, só recebiam quando

entregavam ao FNDE o aviso de recebimento das escolas. Por outro lado, para garantir a

transparência das ações, ficava disponibilizada na Internet a data das entregas, possíveis atrasos,

número de coleções que a escola deveria receber. E as secretarias de Educação recebiam uma

reserva técnica para eventuais provimentos: novas escolas, novas turmas, novas matrículas.

3.2 As pedras no meio do caminho ou os impasses do MEC

Em 2002, a FNLIJ, com o apoio da Companhia Suzano, do Instituto Ecofuturo e da BR

Distribuidora, promoveu o “4º salão do Livro para crianças e jovens”, na Cinemateca do Museu

de Arte Moderna (MAM), no Rio de Janeiro. Paralelamente ao desenrolar desse evento, houve

um Seminário que teve como foco principal de discussão as ações desenvolvidas pelo PNBE

desde a sua origem até aquele momento. Reunindo os diversos elos que constituem a cadeia de

trabalho com o livro e a leitura, ou seja, escritores, ilustradores, editores, professores, além

daqueles que estavam à frente dos programas executados pelo MEC, a exemplo da Secretária da

Educação Fundamental, Drª Iara Prado, e da Presidente do FNDE, Drª Mônica Messenberg, bem

Page 45: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

como de representantes da comissão técnica e do colegiado de professores que avaliaram e

selecionaram as coleções do LMC. O referido seminário foi um evento importante não apenas

pela minuciosa exposição das ações do PNBE e dos seus resultados, mas também porque as

discussões travadas entre os diversos segmentos citados mostraram o posicionamento de cada um

deles frente à questão da leitura, bem como o reconhecimento das falhas e a exposição de

sugestões com vistas ao aperfeiçoamento da política de promoção do livro e da leitura no Brasil,

encabeçada, no âmbito governamental, pelo Ministério da Educação e pelo Ministério da Cultura.

O primeiro com o PNBE, o segundo com o Proler.

No primeiro momento do Seminário, Laura Sandroni, que já fez parte da FNLIJ, inclusive

como uma de suas fundadoras, rememorou a história do “Ciranda de Livros”, programa pioneiro

na área da democratização da leitura, já comentado anteriormente, o qual integrou como membro

da equipe de criação. Ao recontar a história da Ciranda, ela tocou em pontos fundamentais da

política da leitura; pontos que, posteriormente, tornaram-se uma constante nas vozes de outros

participantes, como, por exemplo, a necessidade de um trabalho com a literatura que estivesse

voltado para a fruição, longe de imposições didáticas, e para a importância do espaço da

biblioteca.

À medida que os membros do Seminário foram discursando sobre a sua participação nos

programas do PNBE, minúcias foram sendo reveladas. A primeira que recordamos e que, na

verdade, aparece como uma das justificativas para as falhas encontradas no LMC é o caráter de

urgência com que esse programa foi realizado. Como já havíamos comentado anteriormente, a

idéia para a construção do LMC surgiu das dificuldades diagnosticadas nas ações desenvolvidas

pelo PNBE nos anos anteriores, o que mostra o quanto as avaliações realizadas pelo MEC, seu

contato com a realidade, em especial o trabalho realizado “na ponta”, ou seja, o acompanhamento

dos resultados obtidos nas escolas, são importantes para o aprimoramento de seus programas.

Outro programa que surgiu do contato imediato com a realidade, dessa vez com a da atuação dos

professores, foi o PROFA (Programa de formação de professores alfabetizadores). A necessidade

deste apareceu quando diagnosticou-se, através dos cursos de capacitação, que os professores não

estavam preparados para trabalhar nem com a leitura, nem, conseqüentemente, com a escrita.

Assim, montou-se um programa voltado à didática da alfabetização, justamente o PROFA, que

também objetivava transformar os professores em professores-leitores.

Page 46: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

No caso do LMC, as idéias para a sua criação partiram, em especial, de um fato que

gerou extrema preocupação naqueles que integravam a equipe do PNBE: a pouca utilização, por

parte dos alunos e professores, dos acervos distribuídos nos anos anteriores. Chegavam notícias

dos quatro cantos do país de que os acervos ficavam empilhados nas salas dos diretores e nas

bibliotecas. Mesmo tendo criado manuais e guias para auxiliarem os professores no trabalho com

os livros disponibilizados, estes continuavam estocados, não estavam sendo inseridos no trabalho

cotidiano da escola, e a aproximação entre a criança e o livro não estava sendo efetuada. Chegou-

se a uma conclusão até certo ponto óbvia: a mera distribuição de livros não é suficiente, ainda

mais quando o espaço onde ela ocorre, o da escola, é tradicionalmente tido como um espaço que,

pelo excessivo de didatismo que confere ao trabalho com a leitura ou pela simples ausência dela,

é avesso à consolidação do hábito da leitura. Essa constatação se acentua quando se pensa em seu

principal agente, o professor, condenado, pelo desinteresse, pela má-formação e pela falta de

tempo e/ou pelas parcas condições financeiras para ter acesso ao livro, a ser um não-leitor, um

profissional despreparado para lidar com a leitura, para não ser um intermediário entre a criança e

o livro. Esse distanciamento entre escola e leitura se consolidou de maneira tão forte que durante

certo tempo, segundo Felipe Lindoso (2002), todo programa de leitura era pensado para ser

executado fora da escola. Em 1996, por exemplo, em um encontro do Proler, “se ouviu um

discurso de que a escola não tinha nada a ver com a leitura. Era bom ler nas cadeias, nos

hospitais, mas não nas escolas, porque elas eram “assassinas” da leitura.” (LINDOSO, 2002,

p.35). Ainda segundo o referido editor, foi graças aos Parâmetros Curriculares que a questão da

leitura foi trazida novamente para dentro da escola.

Além dessa visão da escola e do professor, a não-valorização do espaço das bibliotecas

também contribuiu para a pouca utilização dos acervos. Sabemos que, em nossa sociedade, a

freqüência às bibliotecas é baixa, e o problema não está, simplesmente, na existência ínfima

delas, mas na sua não-valorização, no seu não-reconhecimento como um espaço de contato com a

construção do conhecimento. Uma questão aparentemente boba, mas muito discutida durante o

seminário, principalmente por Elizabeth D’Angelo Serra, secretária geral da FNLIJ, foi a da

necessidade de se denominarem as bibliotecas escolares de bibliotecas e não de salas de leitura,

como quer o Conselho Federal de Biblioteconomia, que alega que para as bibliotecas escolares

funcionarem como verdadeiras bibliotecas têm que ter bibliotecários. Esse posicionamento de

Page 47: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

Serra revela exatamente a busca do conhecimento e da valorização das bibliotecas pelos membros

da comunidade escolar, em especial pelos alunos.

Todavia, envolta em todas essas motivações, a pouca utilização dos acervos do PNBE,

que eram destinados às bibliotecas escolares, ocasionou uma necessidade urgente de mudança de

rumo nas ações do MEC, ou seria mais um ano acometido pelo risco de que milhões de livros

estavam sendo distribuídos, mas não utilizados. Dessa forma, dentro dessa necessidade de se

pensar em mudanças num curto espaço de tempo, não foram feitas pesquisas mais detalhadas

antes dessas mudanças. Segundo Messenberg (2002, p.20):

Ou se tomava uma decisão em função do feeling de especialistas, de algumas informações e feedbacks de pessoas envolvidas no mundo da leitura, fazendo-se um redesenho do programa rapidamente, ou íamos perder mais um ano entregando novamente livros nas escolas dentro de uma perspectiva que não estava dando certo. Essa agilidade, no sentido de realizar uma mudança, talvez não seja tão coerente quanto às formas mais adequadas que os manuais e a boa técnica predizem. No caso do governo federal, algumas decisões, se não tomadas, fazem com que se perca o ‘bonde da história’.

A mudança mais significativa ocorreu em relação ao destino que teriam os livros: eles não

mais ficariam nas bibliotecas, mas seriam entregues aos alunos. Primeiramente, cogitou-se a idéia

de permitir que as escolas escolhessem, através de uma espécie de catálogo, os livros que mais

lhe agradassem, segundo seus interesses e particularidades; mas como a realidade mostrava que

os professores não eram muito adeptos da leitura, logo descartou-se essa possibilidade. Se eles

não utilizavam o acervo existente na biblioteca nem tinham muito conhecimento acerca de

literatura, conseqüentemente, não poderiam saber quais títulos eram mais adequados ou

despertavam mais interesse.

Outra resolução pioneira foi a de não mais formar os acervos com livros já existentes no

mercado, mas com coleções produzidas a partir de critérios previamente estabelecidos no edital

lançado às editoras. Como vimos, anteriormente, as coleções inscritas pelas editoras eram

avaliadas e selecionadas por um colegiado de professores, sendo todo o processo coordenado por

uma comissão técnica cuidadosamente composta por profissionais renomados na área da leitura e

da literatura, a exemplo de Elizabeth D’Angelo Serra, secretária geral da FNLIJ e de Luiz

Percival Leme de Brito, presidente da ALB (Associação de Leitura do Brasil).

Page 48: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

É evidente o cuidado com que todo o processo foi realizado; todos os participantes do

Seminário realizado pela FNLIJ são unânimes em evidenciar a importância e o pioneirismo do

projeto; no entanto, essa mesma unanimidade aparece quando se expõem as possíveis falhas que

integraram as ações do MEC. Em acordo com a idéia, sempre proferida por quem alçava a voz

para avaliar o projeto, de que o que se pretendia não era invalidar o PNBE, nem o LMC, mas se

discutir algumas das suas idéias-chave para que ele pudesse ser aprimorado e, cada vez mais, a

política de promoção do livro e da leitura pudesse se aperfeiçoar, nós nos dispomos a refletir

sobre os supostos acertos e erros executados no LMC, sempre a partir do que foi dito nas

referidas discussões por aqueles que, de alguma forma, integraram as ações do PNBE e que, pela

posição que ocupam dentro do mercado do livro, são credenciados para propor alterações.

Desde sua fomentação, o PNBE elegeu dois pólos centrais sobre os quais se debruçariam

as suas ações: a literatura e a biblioteca escolar, ou seja, pólos essenciais quando se pensa na

busca pela democratização da leitura. Não há dúvida de que as intenções eram as melhores e os

esforços em prol da concretização dos objetivos traçados, entre os quais estavam a valorização e

a democratização da leitura e a formação de leitores, foram grandes e dispendiosos; no entanto,

como nenhuma política pública, com todas as dificuldades orçamentárias e de execução que

encerra, está isenta de falhas, estas também surgiram no PNBE. Uma que ficou evidente desde os

primeiros anos do programa, quando o destino dos acervos era a biblioteca escolar, diz respeito à

falta de investimento em recursos humanos, investimento que seria a pedra-de-toque na busca

pela formação de leitores. Os livros chegavam às escolas, mas os professores não estavam

preparados para trabalhar com o material, mesmo a SEF e o FNDE tendo feito materiais de apoio,

como guias, cartilhas e cd-rom, eles não intermediavam o contato da criança com aquele acervo,

“e se não há um professor leitor dificilmente haverá um aluno leitor” (MESSENBERG, 2002,

p.20). Yunes (1995), a partir das experiências que vivenciou com a promoção da leitura na

FNLIJ, já enfatizava, como mostramos no capítulo anterior, a importância da formação de

recursos humanos para a leitura, e não apenas da formação do corpo docente, embora esta se

configure como a principal, mas também da mobilização de toda a comunidade nesse processo.

Embora possa parecer utopia essa total mobilização em torno da questão da leitura,

compactuamos com a opinião de Maria José Nóbrega (2002, p.17) de que “sem uma certa utopia

não se faz educação e não se trabalha na área da leitura”. Além do mais, não foram raras as

experiências de projetos da FNLIJ, em especial na década de 80, que envolveram a comunidade e

Page 49: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

obtiveram bons resultados. Segundo Yunes (1995), quando a comunidade se envolve, quando se

consegue mobilizar as famílias, o projeto consegue um alcance político maior, há um excedente

de resultados positivos, podendo-se superar, inclusive, questões de ordem econômica.

O caso do LMC, como o de outras experiências do MEC, a exemplo dos programas de

capacitação de professores, já mostravam o despreparo desses profissionais para trabalhar com a

leitura, decidiu-se, como vimos, retirar deles o papel de intermediador entre a criança e o livro e

entregar as coleções diretamente aos alunos. Essa resolução tinha em vista, também, inserir a

literatura no cotidiano das famílias; não apenas alcançando as crianças, mas também os pais e

outros membros da família. A preocupação com a circulação das coleções fica evidente não

apenas pela ação citada, como pelos discursos dos participantes ao longo do seminário; segundo

Messenberg (2002, p.9), “a busca era estar incentivando a leitura, a troca de livros e a inserção da

literatura dentro do núcleo familiar”. Em outro momento, sempre evidenciando a preocupação de

fazer com que a literatura chegasse até às famílias, um dos membros do colegiado de professores,

Suely Duque Rodarte (2002, p.17), afirma que o LMC procurou conciliar dois eixos importantes:

“colocar o menino dono do livro e ligar a família e a leitura. Escuta-se dizer que é preciso ler.

Mas não temos o exemplo. Esse chamamento à família faz com que todos fiquem

compromissados com a leitura”. Essas palavras lembram a de Yunes (1995), quando esta

evidencia a importância de se mobilizar toda a comunidade em torno da questão da leitura para

que os programas tenham melhores resultados. O LMC parecia ter tomado o caminho mais

acertado; no entanto, mais uma vez, problemas no decorrer do processo estavam impedindo que

os objetivos se concretizassem.

Depositava-se uma grande expectativa na troca dos livros entre as crianças, ou seja, no

fato destas virem a ser as próprias intermediadoras, inclusive dentro de seus lares. E, até certo

ponto, essa expectativa não foi frustrada, pois algumas pesquisas apontaram as crianças como as

principais responsáveis pela circulação das coleções. Mas notícias de que estas não estavam

seguindo o destino traçado pelo PNBE, ou seja, a casa dos alunos, começaram a preocupar os que

integravam o programa. Teve-se conhecimento de que muitas escolas não estavam entregando os

livros. Na voz de Lucia Maroto (2002, p.16), membro do colegiado: “A história se repete: 20

anos atrás se encontravam Ciranda de Livros guardadas e sem uso e, hoje, recebemos notícias

semelhantes sobre o Literatura em minha casa”.

Page 50: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

Muitos dirigentes de escolas alegavam que os alunos não cuidariam bem dos livros; e

amparavam-se, assim, numa prática de proteção a esse objeto. Um ofício era dirigido às escolas

explicando qual deveria ser o destino dos livros, e às Secretarias de Estado era enviada uma

reserva técnica; mas, como o contato entre as Secretarias e as escolas ainda hoje é pequeno, estas

desconheciam essa reserva. Problemas advindos de uma falta de articulação entre as diversas

esferas que compunham o programa afetaram a sua execução. A avaliação dos programas do

PNBE realizada pelo TCU (Tribunal de Contas da União), entre agosto e outubro de 2001,

apontou essa falta de articulação como um dos pontos que mais afetou o sucesso das ações do

MEC. Segundo Marcelo Soares (2002, p.18), coordenador da auditoria:

Não havia interação significativa do PNBE com outros programas federais e nem articulação com os três níveis de governo. Aí está um dos pontos mais importantes na determinação do sucesso ou fracasso das políticas: são necessários mecanismos de descentralização. O PNBE sendo mantido deverá dar prioridade aos canais de interação e articulação, principalmente com programas do próprio governo federal (como TV escola, PROFA, Parâmetros em Ação, Parâmetros Curriculares Nacionais) que podem servir de veículo e potencializar sua ação.

Os integrantes do PNBE reconheceram esse lapso, essa falha na articulação, na

divulgação de informações, que apenas em 2002 começou a ser alvo de maior atenção, quando

algumas ações foram realizadas nesse sentido: cartazes e folders chamando a atenção da

comunidade para a cobrança da distribuição das coleções, cartilhas para os professores contendo

sugestões de utilização, vinhetas na TV para divulgar a entrega dos livros e, sobretudo, um

convênio do FNDE com as Secretarias de Educação, em que o primeiro ficaria responsável pelo

processo de distribuição das coleções e monitoramento da produção e do seu recebimento e as

Secretarias ficariam responsáveis pela capacitação dos professores para trabalhar as coleções,

bem como pela realização de seminários com os mesmos, além de participarem do

monitoramento juntamente com o FNDE e o Estado (MESSENBERG, 2002).

O trabalho realizado pelo TCU, citado anteriormente, foi de fundamental importância para

uma reavaliação do PNBE; não que os problemas que acometeram a sua execução fossem

desconhecidos, mas as pesquisas realizadas os fundamentaram. Foram visitadas 60 escolas em

cinco estados, e informações foram colhidas com o pessoal do MEC e com as Secretarias de

Educação das capitais. Os resultados mostraram que as etapas de seleção e entrega de livros

estavam sendo bem efetivadas, mas o mesmo não se repetia quanto à sua utilização, em especial

Page 51: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

os dos primeiros anos do PNBE, que tinham como destino as bibliotecas escolares. Os

professores reconheciam a qualidade do acervo, mas não o inseriam em seu cotidiano junto aos

alunos, e quanto aos materiais de apoio distribuídos, os docentes simplesmente os desconheciam.

A equipe do TCU, a partir dos dados colhidos através do contato direto com as escolas,

fez algumas sugestões visando o aprimoramento do programa. Entre elas, o investimento na

capacitação de professores e bibliotecários, aspecto há muito reconhecido como fundamental para

o sucesso do trabalho com a leitura, mas que, na prática, ainda não se fortaleceu, o cuidado com

as ações de monitoramento do programa, principalmente a partir da chegada dos livros nas

escolas, momento a partir do qual o MEC deixava de acompanhar o processo, e avaliações

regulares baseadas em dados concretos que pudessem fundamentar mudanças na sistemática de

oferta e de destinatários.

Uma observação interessante e irônica proferida pela equipe do TCU, através da voz do

coordenador da auditoria, diz respeito à importância de se conhecer a realidade das escolas, partir

destas para se realizar as mudanças necessárias: “Caso as dificuldades não sejam mapeadas e as

decisões tomadas a partir do que está acontecendo nas escolas, dificilmente mudanças

sistemáticas concorrerão para uma melhoria do quadro” (SOARES, 2002, p. 20). Lembremos

que, apesar de conhecer a realidade da educação e da leitura nas escolas brasileiras e da

experiência com os programas desenvolvidos em prol desses dois setores, a equipe do LMC

reconheceu que a criação desse programa foi realizada em caráter de urgência, baseado em

opiniões e impressões de alguns especialistas, já que pesquisas mais detalhadas levariam um

tempo do qual eles não dispunham.

Além da exposição dessa avaliação realizada pelo TCU, outras vozes, em especial a dos

editores e escritores, tocaram em alguns pontos considerados falhos no LMC. É evidente que

algumas dessas vozes eram proferidas sob interesses particulares de cada setor; mas, mesmo

assim, merecem a nossa atenção; bem como, também merecem a nossa atenção, as respostas

dadas pelos membros que compõem a equipe do LMC para essas prováveis falhas.

Dois aspectos que foram alvo de críticas recorrentes dizem respeito à formação das

coleções e à centralização das decisões. Segundo a opinião de alguns editores, a exemplo de José

Henrique Grossi (2002), o formato rígido das coleções apresentava muitos problemas que

precisariam ser modificados para que houvesse uma melhoria na qualidade dos livros. Em

primeiro lugar, há uma padronização, imposta pelo edital elaborado pelo MEC, que homogeneíza

Page 52: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

as coleções e desconsidera a grande oferta do mercado editorial. A compra dos livros é feita sob

encomenda em editoras de grande porte, o que exclui as editoras menores e as livrarias,

mobilizando apenas uma parcela ínfima do mercado editorial. Segundo Grossi (2002, p.22), “essa

restrição de oferta não é sem conseqüência, homogeneíza o que por sua própria natureza é

heterogêneo: as necessidades dos projetos pedagógicos desenvolvidos pelas escolas”, que têm,

além do mais, particularidades econômicas, regionais, culturais. Por exemplo, a grande repetição

de escritores, que seguramente ocorre devido à imposição do edital segundo a qual para serem

escolhidos para compor as coleções deveriam ter representatividade dentro da cena cultural

brasileira. Esta imposição fecha o espaço para os menos conhecidos, para os autores locais, por

exemplo, e para outros conhecidos, porém não-canônicos. Felipe Lindoso, diretor de Relações

internacionais da CBL (Câmera Brasileira do Livro), toca nesse ponto quando comenta:

A produção local fica desprezada. Em programas federais com escolhas de acervos centralizadas é impossível que um poeta local, por exemplo, tenha seu livro escolhido. Se não é a bibliotecária, a professora que o conhece, acaba havendo cada vez mais um processo de concentração e de reiteração das virtudes de quem já é virtuoso, ou seja, de quem já é publicado, de quem circula pelas grandes editoras, pelos grandes centros. (LINDOSO, 2002, p.24)

É interessante, e até certo ponto irônico, observar que uma das qualidades que mais os

membros da comissão técnica e do colegiado atribuíram às coleções do LMC e que, na realidade,

fora uma das principais metas traçadas no processo de seleção era exatamente a diversidade.

Diversidade de gêneros, diversidade de temáticas, diversidade de épocas literárias. Inclusive,

sempre deixando evidente o cuidado de não se repetir títulos que já houvessem sido publicados

em edições anteriores dos programas. No edital do PNBE/2002, por exemplo, temos como uma

das condições de participação das obras por parte das editoras a não inscrição de coleções que

contivessem obras que compuseram o acervo do PNBE/2001. No entanto, especificamente

quando observamos os volumes de poesia, percebemos que se deixa escapar o critério da

diversidade, pois a recorrência de certos autores e de certos poemas fica muito evidente. No

entanto, esse fato pode ser explicado pela própria condição dos volumes de poesia, em sua grande

parte, terem o caráter de antologia e, ainda mais, antologias que contivessem os autores e textos

mais significativos da literatura brasileira. Sendo assim, a possibilidade de os organizadores

desses volumes pensarem nos mesmos autores e textos era muito grande. Olavo Bilac, por

exemplo, o precursor da poesia infantil brasileira com seu livro Poesias Infantis, publicado em

Page 53: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

1910, aparece na grande maioria das antologias, recorrentemente com um poema chamado “A

boneca”, citado por nós no capítulo primeiro.

Outro aspecto também alvo de muitas críticas foi o fato de as ilustrações terem sido

padronizadas em preto e branco, o que limitou o trabalho dos ilustradores e a qualidade das obras.

Como muito bem afirmou o escritor e ilustrador Roger Mello (2002, p.26), “o livro deve ser

valorizado como objeto. Não se pode falar do livro apenas do ponto de vista do conteúdo. O livro

é forma e conteúdo. E a forma também tem conteúdo. A própria letra é imagem”. Já Rogério

Andrade Barbosa (2002, p.25), presidente da AEILIJ (Associação de Escritores e Ilustradores de

Literatura Infantil e Juvenil) questiona: “Por que entregar livros tão iguais? Por que não receber

um livro ilustrado belissimamente?”.

Após o cruzamento dessas e de outras críticas relativas à padronização das coleções,

Elizabeth D’Angelo Serra (2002), como representante maior da comissão técnica, lança

justificativas de ordem econômica e estrutural, mas reconhece que, no que diz respeito às

ilustrações, por exemplo, o preto e branco produz uma lacuna na coleção, e confessa que a FNLIJ

queria que fossem livros de mercado, como os editores sugeriam, mas “produzir 60 milhões de

livros de uma só vez, em dois meses, eram as condições que se tinha. A intenção e a imensidão

do programa acabou vencendo”. (SERRA, 2002, p.26). Além do mais, os membros da comissão

técnica não poderiam ter feito muito a respeito, pois, quando esta foi formada, muitos aspectos do

programa já tinham sido decididos; inclusive, o formato das coleções e a determinação de que

seriam cinco volumes.

Um último ponto, também alvo de inúmeras críticas, toca em um dos aspectos mais

positivos, enfatizado pela equipe da comissão técnica e do colegiado: a maneira democrática

como as coleções foram formadas. E a garantia dessa “democratização” estaria, principalmente,

no próprio colegiado, formado por profissionais bem qualificados, isto é, com experiência e

conhecimento na área da literatura infanto-juvenil, de todas as partes do país, mais

especificamente de professores indicados por cada Estado pelo CONSED e pela UNDIME. Essa

indicação e essa participação garantiriam a resolução de outro problema existente no PNLD, que

seria a pequena participação das Secretarias na discussão e na escolha do livro didático.

Dessa forma, a escolha seria feita por esses professores indicados, cabendo à comissão

técnica apenas coordenar o processo, interferindo para evitar quaisquer incoerências. Serra (2002,

p.15) nos diz: “Talvez esse ponto tenha sido pouco divulgado: a comissão técnica coordenou um

Page 54: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

processo de avaliação transparente e democrático. Não foi ela própria que avaliou. A fundação

tem sido penalizada por alguns descontentamentos porque acham que foi ela, sozinha, quem

realizou as escolhas”.

Maria José Nóbrega, assim como Serra integrante da comissão técnica, também fala em

co-responsabilidade tanto em relação aos méritos quanto às falhas existentes no programa: “[...]

se houver falhas, o MEC não falhou sozinho. Se os livros não agradarem, se não forem analisados

suficientemente, a culpa é de todos os envolvidos nesta seleção”. (NOBREGA, 2002, p.17).

Alguns participantes do seminário, porém, não concordaram com essa “evidência” de que

o processo tenha sido democrático. Os editores, por exemplo, foram unânimes em considerar uma

falha a exclusão dos professores do processo de seleção. Argumentaram que são esses

profissionais que conhecem as necessidades das escolas onde atuam e, sendo assim, são eles que

sabem quais as obras mais adequadas. Para que o processo tivesse sido realmente democrático as

decisões não poderiam ter sido tão centralizadas em um número ínfimo de pessoas e apenas em

uma esfera do governo: a federal. A idéia predominante era a de ser disponibilizada para os

professores uma espécie de catálogo, como as editoras fazem em relação às escolas privadas, com

títulos e informações sobre obras infanto-juvenis, a exemplo dos que existem na FNLIJ e no

Departamento de bibliotecas Infanto-Juvenis de São Paulo. Segundo Grossi (2002), a escolha das

coleções por uma comissão e não pelos mestres estaria anulando uma conquista realizada desde

1985, quando o então Ministro da Educação Marco Maciel decidiu que os livros didáticos seriam

escolhidos pelos próprios professores e não mais por uma equipe de especialistas. Não estava em

questão a competência dos membros da comissão, mas a necessidade de abertura, de

democratização do processo. Segundo Lindoso (2002, p.27): “Não há nenhuma suspeita ou

restrição ao trabalho da comissão de seleção. O único problema da comissão é ser comissão.

Também é preciso expandir o universo de escolha dessas coleções”. Inclusive, foi sugerida a

idéia de que os próprios alunos tivessem a liberdade de escolher quais livros gostariam de

possuir.

Sempre expondo justificativas, os membros da comissão, em especial a sua principal

representante no evento, Elizabeth D’Angelo Serra, travaram discussões acerca dos pontos

levantados sobre a democratização do processo. Quanto à escolha ser feita pelos professores,

Serra aponta isso como um sonho e diz ser difícil oportunizar todo o montante de obras existentes

na FNLIJ, como o sugerido, para os professores selecionarem: “Como ler 25.000 títulos e

Page 55: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

selecioná-los democraticamente?” (2002, p.28). E não havia como não ser levada em

consideração a questão do despreparo dos professores, apontada por pesquisas e pela realidade

dos cursos de capacitação, para lidarem com a leitura, mais especificamente, com a leitura

literária. Além do mais, um ponto inquestionavelmente positivo, ainda segundo Serra (2002),

seria o fato de que a corrupção que havia por parte dos editores em relação aos professores no

processo de compra havia sido encerrada.

Todavia, entre todas as críticas e sugestões expostas, uma em especial mereceria maior

atenção por parte dos que fazem não apenas o LMC ou outros programas de promoção da leitura,

mas por todos os que, de alguma forma, trabalham com políticas públicas. Estamos falando sobre

a necessidade de se trabalhar diretamente com as escolas, de conhecer a realidade, de se

monitorar o trabalho e a utilização dos livros distribuídos, como o TCU fizera, durante o processo

de avaliação dos programas. O próprio MEC reconheceu sua falha nesse sentido, afirmando ter o

controle até a chegada das coleções nas escolas; mas, a partir de então, o desconhecimento

imperava; as notícias de que os livros não estavam sendo entregues e utilizados chegavam, mas

não havia pesquisas sérias realizadas diretamente nas escolas. Talvez, aí fosse o momento das

Secretarias de Educação darem grande contribuição ao programa, pois o governo federal sozinho

não tinha condições de obter o controle sobre tudo. Seria o momento perfeito para ser efetivada a

descentralização das ações do programa, de haver aquela articulação sugerida pelo TCU.

Algumas perguntas precisavam ser respondidas; pensamos, por exemplo, nos questionamentos

feitos pelo escritor Luiz Antonio Aguiar (2002, p.28), membro da AEILIJ:

Estão sendo formados leitores? Não é só distribuir os livros. É preciso conhecer o efeito que os livros causam nos lares. Isso tem que ser avaliado para que se possa repensar o programa, aumentá-lo e alargá-lo e criar outros que contemplem outras necessidades. Cinco livros não formam leitores. É ainda insuficiente. É preciso ir muito mais a frente. (grifo nosso)

Concordamos com a consideração de que “cinco livros não formam leitores”; na verdade,

nem cinco nem cem; a disponibilidade material é fundamental, mas é preciso um processo de

valorização da leitura e da biblioteca – esta como espaço principal de encontro com a leitura - não

apenas nas escolas, junto a professores e alunos, mas junto à comunidade como um todo. Vimos,

por exemplo, que o PNBE se concentra em dois pólos de ação: a biblioteca escolar e a literatura.

Livros são distribuídos, as bibliotecas escolares contam com acervos do governo, mas a realidade

Page 56: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

mostra que nem os professores costumam freqüentar o local onde esses acervos são guardados.

Além disso, muitas escolas, amparando-se em uma espécie de discurso de proteção do objeto

livro, restringem ou até mesmo impedem o acesso dos alunos e dos professores a ele.

Não desconsideramos o montante de dificuldades, de ordem econômica, política e cultural

com as quais se deparam os programas de promoção da leitura. O mercado do livro infantil tem

gerado muito lucro para aqueles que estão inseridos nele, interesses de ordem pessoal atravessam

muitas das vozes expostas ao longo do presente tópico, mas acreditamos firmemente no desejo de

melhoria daqueles que integram esses programas; não é à toa que grandes esforços têm sido

despendidos. O PNBE, mais especificamente o LMC, é uma prova disso, pois apesar de todas as

falhas apontadas e reconhecidas, não se pode apagar os méritos angariados por esse programa, a

exemplo do cuidado com que foram formadas as comissões e selecionadas as coleções. Além

disso, apesar de restrições em sua formação, como as ilustrações em preto e branco, as coleções

são obras reconhecidamente de qualidade, com investimento financeiro sem precedentes na

aquisição de um quantitativo alto de livros, na busca de fazer com que eles chegassem ao maior

número possível de leitores.

Outros méritos e falhas só ficam evidentes quando lemos e analisamos as coleções, seus

prefácios e textos. Ao tecermos essa consideração, já estamos direcionando nosso discurso para o

capítulo próximo, que tem como objetivo apresentar e analisar as concepções de literatura, de

leitura e de leitor que subsidiam a seleção de textos e autores, que embasam os discursos daqueles

que, de alguma forma, foram responsáveis pela formação das coleções. No entanto, antes de

adentrarmos no terceiro capítulo, faz-se necessário mostrar, de forma sucinta, o rumo que o

PNBE tomou e algumas ações que este fomentou na tentativa de solucionar alguns dos seus

impasses.

3.3 Novos passos em busca de soluções

Como já expusemos anteriormente, o PNBE é um programa criado pelo MEC que, gerido

com recursos financeiros originários do Orçamento Geral da União e da arrecadação do salário-

educação, desde 1997 vem promovendo ações de incentivo à leitura e de formação de leitores

junto a alunos, professores e à comunidade como um todo. Os projetos que o integram estão

Page 57: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

constantemente sendo reavaliados e, diante das falhas detectadas, novas ações são pensadas. A

avaliação realizada pelo TCU e as discussões ocorridas durante o 4o Salão do livro, promovido

em 2002 pela FNLIJ, foram fundamentais para as decisões tomadas para o PNBE 2003. Neste

ano, o referido programa recebeu uma ampliação, através da realização de seis ações diferentes,

cada uma tendo um destino específico: LMC – 4a. série; LMC – 8a. série; Palavra de gente;

Biblioteca Escolar; Biblioteca do Professor e Casa de Leitura.

Em relação ao LMC, não apenas o número de coleções foi ampliado, mas também o

número de destinatários. Enquanto em 2002 apenas os alunos da 4a. série receberam livros, em

2003 também os da 8a foram agraciados. Dessa forma, estava-se provendo o alunado em duas

séries que representavam passagem de níveis: da primeira fase do ensino fundamental para a

segunda e desta para o nível médio. E, além dos alunos, as escolas recebiam exemplares das

coleções que integravam o acervo daquele ano; no caso, dez da 4a série e dez da 8a.

Ainda em relação ao LMC, houve uma preocupação maior com a divulgação de

informações; em especial, em relação ao destino das coleções, a sua circulação, a sua utilização

nas atividades escolares e a sua integração aos projetos pedagógicos da escola. Essa preocupação

fica evidente no texto distribuído aos mestres e aos diretores.

O referido texto traz, logo no início, a voz do então Ministro da Educação, Cristovam

Buarque, dirigindo-se aos “amigos professores”; voz esta que pretendia “alertar” esses

profissionais sobre o papel que têm na formação de leitores e sobre o real destino dos livros, bem

como sobre a utilização dos mesmos. O texto do primeiro parágrafo evidencia bem o que estamos

dizendo. Vejamos: “As coleções Literatura em minha casa e Palavra de Gente têm por objetivo

oferecer aos alunos textos vivos, isto é, textos feitos para serem lidos, contemplados, não para

serem guardados”. (BUARQUE, 2003, p.1, grifo nosso)

Percebemos nesse trecho a preocupação com um dos pontos mais tocados durante as

avaliações feitas do PNBE: os livros não estavam sendo entregues a seus destinatários, os alunos,

mas guardados nas salas dos diretores ou nas estantes das bibliotecas; e os professores, por sua

vez, não tomavam partido no incentivo à leitura, não inseriam os livros em suas práticas

cotidianas.

É interessante observar que a resolução de que os livros seriam entregues aos alunos teve

como um dos pontos de apoio a idéia de que o livro, estando desvinculado da escola, sem

nenhuma relação com componentes didáticos, proporcionaria uma leitura mais livre, uma leitura

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de fruição, possibilitando com que a criança se interessasse mais pelo universo dos livros, tanto a

criança quanto os familiares desta. Além de tudo, se estaria retirando os professores e a escola da

responsabilidade quase exclusiva pela formação dos leitores, já que a realidade mostrava que os

mestres não conseguiam cumprir esse papel, pois não estavam sabendo lidar com a questão da

leitura. Tanto que, como vimos, os acervos de anos anteriores do PNBE, que foram distribuídos

às bibliotecas escolares para uso dos professores em seu trabalho junto aos alunos, não estavam

sendo utilizados.

Entretanto, percebeu-se, através das avaliações e discussões realizadas em torno do

PNBE, que para obter sucesso seus programas deveriam envolver o maior número possível de

setores; lembrando Serra (2003) e Yunes (1995), deveriam ser programas completos, que

envolvessem todas as esferas do governo e toda a comunidade. Assim, no PNBE 2003, resolveu-

se integrar novamente como instrumento importante a escola, em especial a figura do professor;

mas deixando claro que a leitura trabalhada e incentivada por este deveria ser a leitura de deleite,

não aquela sempre vinculada a tarefas didáticas. Vejamos o último trecho da fala de Crsitovam

Buarque (2003, p.1):

Este é o papel de vocês, professores: levar a leitura a seus alunos ou, melhor ainda, proporcionar-lhes momentos de puro deleite em contato com autores que tanto têm a dizer a todos nós, crianças, adultos, alunos, professores, pais, mães e quem mais possa se interessar por eles – e tomara que sejam muitos.

Percebemos, ainda, pelo trecho citado, a preocupação com a circulação dos livros, o

desejo de que estes atingissem o maior número possível de leitores. Em outra parte do texto, após

as considerações do Ministro, há um “lembrete” que reforça tanto esse desejo quanto o fato dos

livros pertenceram aos alunos, como se nunca fosse demais lembrar:

Como sugere o título, os livros são do aluno. Ele deve levá-lo para casa como algo definitivamente seu. Nossa intenção é que os leitores tenham toda a oportunidade de lê-los em diferentes situações; que não só tenham apreço e gostem de usá-los, mas que também queiram mostrar seus livros aos amigos e familiares por perceberem que possuí-los e compreendê-los os tornam um pouco mais importantes e melhores como pessoa. (BUARQUE, 2003, p.2)

Essa inserção da literatura na família é tão evidenciada que se sugere que, no momento de

entrega das coleções, a família seja convidada a participar. Além disso, o tópico “O papel da

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escola na formação do leitor” é iniciado com letras garrafais: “Sim, os livros são dos alunos e de

suas famílias” (BUARQUE, 2003, p.2). No entanto, embora essa posse seja tão enfatizada, o

papel da escola, como sugere o título e como já expusemos anteriormente, é novamente retomado

pelo MEC, quando expõe que a função dela não é simplesmente entregar os livros aos alunos e

mandar lê-los, mas criar condições para que a leitura aconteça. E essas condições seriam

estabelecidas dentro da escola, na vivência cotidiana entre professores, livros e alunos.

Movido por esse pensamento, o texto fornece sugestões de atividades com as coleções

distribuídas; inclusive, atividades para cada um dos gêneros que compõem as coleções; atividades

que, segundo a equipe de elaboração do texto, que inclui nomes como o do professor Luiz

Percival Leme de Britto, pudessem promover a troca de experiências, a partilha de leituras, a

realização de atividades sempre realizadas a partir do interesse dos alunos, nunca de forma

diretiva, impositiva, mas como sugestões que pudessem estimular, instigar o pequeno leitor.

Retornando à questão da circulação das obras, além da expectativa de que houvesse a

troca dos livros entre os próprios alunos, seja por iniciativa deles próprios, seja por uma espécie

de rodízio organizado pela escola, havia o desejo de que, além da família, as coleções pudessem

chegar a todos que fazem a escola, a toda a comunidade, através das coleções disponibilizadas

para a biblioteca escolar. Assim, no texto, são sugeridas ações de leitura pública, que

envolvessem toda a escola, bem como também é sugerida uma prática que, segundo Ana Maria

Machado (2004), é habitual nas escolas da Inglaterra: estabelecer-se um momento diário ou

semanal para a leitura ou, ainda, uma pausa coletiva para a leitura, onde todos os membros da

comunidade escolar parassem para se dedicar a essa atividade.

Por fim, credenciando-se responsabilidade pela formação de leitores ao professor, a tenta-

se esclarecer que foram expostas apenas algumas sugestões, alguns caminhos, mas outros podem

e devem ser encontrados: “Tentamos apontar alguns caminhos, mas você tem todas as condições

para multiplicar o universo de leitura de seus alunos e – por que não? – o seu” (BUARQUE,

2003, p.7).

O referido trecho, ao afirmar que o professor é dotado de todas as condições para realizar

a tarefa proposta, está buscando, acreditamos, motivar o seu trabalho e a sua auto-estima, e essas

condições seriam tanto intelectuais quanto instrumentais, já que a disponibilidade do material o

MEC estava provendo, e as intelectuais o professor, supostamente, as tinha. E, para que esse

profissional pudesse aperfeiçoar o trabalho com a leitura, o ministro refere-se à existência do que

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ele julga serem bons livros que discutem a formação do leitor e o trabalho com a literatura; no

entanto, não é citado nenhum título como sugestão para consulta.

O texto de cujo conteúdo acabamos de expor algumas considerações que julgamos

importantes faz parte de apenas uma das tantas ações realizadas pelo PNBE 2003. Vimos que,

além do LMC, foram idealizadas e postas em prática a “Palavra de Gente”, a “Biblioteca

Escolar”, a “Biblioteca do Professor” e a “Casa da leitura”.

Com a “Palavra de Gente” foi distribuída uma coleção específica para jovens e adultos,

composta de seis volumes de obras de literatura e de informação, para cada aluno da última série

ou equivalente do curso presencial de educação de jovens e adultos do ensino fundamental. Além

da distribuição aos alunos, foram entregues também quatro coleções para cada uma das escolas

públicas que possuíssem mais de quatro alunos na última série ou equivalente do curso presencial

de educação de jovens e adultos do ensino fundamental.

Já com as três últimas ações, o MEC conseguiu atingir, pelo menos disponibilizando

materialmente em níveis quantitativos, categorias diversas de leitores, realizando uma

considerável ampliação no PNBE, cujas ações, nos anos anteriores, tinham atingido uma

categoria de cada vez e não várias ao mesmo tempo. Nos de 1998 e 1999 o alvo foram as

bibliotecas escolares; já no de 2000 passou-se aos professores; enquanto nos anos de 2001 e

2002, com o LMC, foi o alunado a classe provida. Com o PNBE 2003, nenhum setor ficou de

fora. Além dos alunos da quarta e da oitava série do ensino fundamental e dos alunos do ensino

para jovens e adultos, atingidos, respectivamente, pelo LMC e pela “Palavra de Gente”, toda a

comunidade escolar estava sendo beneficiada pela ação “Biblioteca Escolar”, que distribuiu

acervos contendo 144 títulos de ficção e de não-ficção, com ênfase na formação histórica,

econômica e política do Brasil. A prioridade foi para as vinte mil escolas com maior número de

alunos de quinta a oitava série, bem como para os professores, especificamente, com a ação

“Biblioteca do Professor”, que distribuiu dois livros para cada professor da rede pública das

classes de alfabetização e de primeira a quarta série do ensino fundamental, escolhidos,

livremente, entre uma lista que disponibilizava os 144 títulos distribuídos pela “Biblioteca

Escolar”.

Finalmente, levando suas ações para além do espaço das escolas e daqueles que o

constituem, o MEC distribuiu acervos para o uso da comunidade. Os livros, 154 escolhidos entre

as coleções do LMC e da “Palavra de Gente”, foram entregues nas prefeituras municipais, que

Page 61: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

ficariam responsáveis por dinamizar os acervos, em bibliotecas públicas ou em outro lugar que

fosse apropriado à utilização. Dessa forma, o MEC estaria tentando, inclusive, chamar a esfera

municipal para integrar o programa, descentralizando um pouco suas ações. Pretendia-se, além

disso, uma articulação, uma parceria com as escolas para a realização de atividades de incentivo à

leitura.

Ainda em relação ao PNBE 2003, é importante salientar que além da expansão

quantitativa no que diz respeito ao número de ações e à clientela atingida, aos recursos

financeiros obtidos, da ordem de R$ 110 milhões, o programa, especificamente a sua ação mais

ousada, o LMC, atingiu um número maior de editoras, abertura que vinha sendo muito esperada

pelos titulares de direitos autorais. Comparemos, nesse sentido, o PNBE 2003 com o PNBE dos

anos anteriores. Em 2001, apenas 36 editoras participaram do processo de seleção, tendo sido

escolhidas 6; já em 2002 esse número aumentou para 58, entre as quais ficaram 8; finalmente, em

2003, foram 10 editoras. Esses dados indicam que, gradativamente, o LMC envolveu uma maior

parte do mercado livreiro do Brasil, embora outros setores, como as livrarias, por exemplo,

tenham ficado de fora. É óbvio que esse desejo de ampliação é amparado por interesses

financeiros dos que fazem parte do mercado do livro, mas não podemos negar que a referida

ampliação ajudou a democratizar mais o processo.

Durante as avaliações do PNBE promovidas durante o ano de 2002, uma das

preocupações mais expostas dizia respeito à continuidade do programa, tendo em vista que

aquele era ano eleitoral e haveria a mudança de governo. Muitos acreditavam que a luta pela

democratização do livro e da leitura estava acima de questões partidárias. Mesmo assim, diversas

ações começaram a ser realizadas em prol da continuação do programa, em especial do LMC,

pois, apesar das falhas apontadas, a importância do programa era evidenciada em clima de

unanimidade. Alguns documentos foram organizados pela equipe do MEC para serem entregues

ao novo governo, bem como textos de outros setores, a exemplo da “Carta de Jundiaí pela Leitura

Literária no Brasil”; todos enfatizando a importância do PNBE e do LMC.

Como vimos, a resposta do novo governo foi boa, pois em 2003 houve não somente a

continuação, mas também a ampliação do PNBE. No entanto, em 2004, houve apenas a

conclusão, ao longo do primeiro semestre, das ações “Biblioteca Escolar”, “Biblioteca do

Professor” e “Casa da Leitura”, não sendo realizada nenhuma nova ação. Já nos anos de 2005 e

de 2006 as ações foram exclusivamente voltadas para as bibliotecas escolares. Em 2005 todas as

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escolas públicas brasileiras com as séries iniciais do ensino fundamental, da primeira à quarta

série, receberam, pelo menos, um acervo de 20 títulos diferentes, dependendo do número de

alunos. Já em 2006 foram atendidas as escolas públicas que têm turmas das séries finais do

ensino fundamental (sexto ao nono ano); as que possuíam até 150 alunos receberam um acervo

com 75 livros, as com 151 a 300 alunos receberam 150 livros e as com mais de 300 alunos

receberam um acervo de 225 títulos.

Page 63: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

4 LITERATURA EM MINHA CASA: ANALISANDO OS LIVROS

[...]E começou a fazer peraltagens.

Foi capaz de interromper o vôo de um pássaro botando ponto final na frase.

Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela. O menino fazia prodígios.

Até fez uma pedra dar flor!

A mãe reparava o menino com ternura […]

(O menino que carregava água na peneira – Manoel de Barros)

4.1 Dos editais: concepções que se impõem Para o historiador Roger Chartier (1990, p.8),“o livro sempre visou instaurar uma ordem;

fosse a ordem de sua decifração, a ordem no interior da qual ele deve ser compreendido ou,

ainda, a ordem desejada pela autoridade que o encomendou ou permitiu a sua publicação.” No

caso dos livros produzidos para o LMC, é na entrância desta última ordem, a da autoridade que

os encomendou, como também a das editoras que elaboraram os livros, que analisaremos as

concepções de leitura, de literatura e de leitor que estão subjacentes à formação das coleções

encomendadas e distribuídas pelo MEC.

Como assinalamos anteriormente, o processo de formação e seleção das coleções foi todo

coordenado por uma comissão técnica constituída por alguns dos principais nomes que trabalham

com a leitura no Brasil. E, apesar de algumas decisões já terem sido tomadas antes da

constituição dessa comissão, como, por exemplo, o fato de que os livros seriam distribuídos aos

alunos e o de que as imagens teriam que ser em preto em branco, em prol da economia de

recursos, a maioria dos aspectos relativos aos livros, em especial os de caráter textual, entre os

quais a seleção dos autores e das obras, foram pensados pela comissão. Esta se configura, na

textura social, como uma das “instâncias autorizadas” a falar sobre a questão da leitura e a decidir

que tipo de livro deve ser instrumento da formação dos leitores.

Assim como o sentido literal de um texto, como bem assinalou Michel de Certeau (1994,

p.267), “é o sinal e o efeito de um poder social, o de uma elite [...] que legitima, como “literal”, a

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interpretação de profissionais e de clérigos socialmente autorizados”, a decisão do que é um texto

adequado para atuar na formação de pequenos leitores também é poder de uma elite, aquela

formada por profissionais – pesquisadores, professores, escritores, todos renomados – que têm a

leitura como objeto de trabalho. Sendo assim, conhecer as concepções dessa comissão-elite é

conhecer as concepções que regem o trabalho com a leitura no Brasil e, em especial, que

fundamentam os programas de promoção da leitura e de formação de leitores.

Essas concepções se encontram dispersas em vários documentos integrantes do PNBE,

em especial nos editais de convocação para inscrição das coleções, que dirimiam todo o trabalho

das editoras na composição do formato físico das coleções e na seleção de autores e textos. O

programa não trabalhou com livros já existentes no mercado, mas os produziu, ou melhor, os

encomendou especificamente para o programa, o que possibilitou a sedimentação, nos livros, de

uma marca ainda maior da autoridade que o estava promovendo, bem como uma apreensão mais

nítida do tipo de leitor que ela tinha em mente.

Luiz Percival Leme Britto (2003), inclusive um dos integrantes da comissão técnica

formada pelo MEC, nos chama a atenção para a importância de se analisar as idéias, conceitos,

valores e ações que justificam a formação dos leitores e, em especial, nos instiga a refletir sobre a

representação de leitura e de leitor que estaria subjacente a essa formação. Problematizando a

questão, ele diz: “Talvez porque assumamos desde logo que o hábito da leitura é algo valioso e

desejável não indagamos suficientemente a respeito de alguns valores que se agregam aos

discursos sobre a leitura, admitindo-os inadvertidamente” (BRITTO, 2003, p.115-116).

E que valores são estes? Que importância é esta atribuída à leitura que a torna objeto de

tantas campanhas em prol de sua efetivação e de tantos encontros científicos? Que torna a sua

suposta ausência motivo de preocupação por parte de setores diversos da sociedade, como a

escola, o Estado, a sociedade privada, o sistema editorial? Interessante e necessário é dizer que

nem sempre foi assim,

nem sempre a leitura foi vista de forma tão positiva. Ao contrário do que hoje fazemos, sucederam-se, ao longo da história, diversos movimentos para afastar as pessoas da leitura, vista como grande perigo. A idéia de que os livros eram portadores de um “veneno lento que corre nas veias” esteve subjacente a variados movimentos de interdição de leitura. Os desejos de proscrevê-la ancoram-se nas justificativas mais variadas. (ABREU, 2000, p. 10)

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Essas justificativas eram tanto de ordem física quanto de ordem moral. Acreditava-se que

o esforço intelectual e físico despendido no ato de ler afetava os olhos, o cérebro, os nervos, o

estômago. E as únicas soluções encontradas para tais males seriam a de ler pouco e fazer

exercícios. Essas idéias eram uma constante no século XVIII e, acompanhadas de outras que

envolviam questões religiosas e políticas, atestavam a estreita e tumultuada relação que as

autoridades da época estabeleciam com a leitura. Crentes no poder que esta última possuía de

alterar comportamentos, de despertar no leitor o desejo de vivenciar o que lia, as autoridades -

Igreja e Estado - não economizavam esforços na tentativa de censurar leituras e livros

indesejados, perigosos para a corrupção da alma e para a estabilidade das referidas instituições. A

Igreja, por exemplo, temendo “uma secularização e descristianização ampla através da leitura”

(WITTMANN, 1999, p.146), pregava em seus sermões uma forte crítica à chamada “febre de

leitura” que se deu no século XVIII, em especial com a circulação dos romances, considerados os

primeiros best-sellers da história. A leitura desse novo gênero, permeado de trágicas histórias de

amor, que dava espaço à fantasia e à evasão e que objetivava o puro e simples entretenimento,

atingiu as mais diversas instâncias sociais, sobretudo as mulheres e os jovens, justamente os

setores que mais sofriam as imposições e censuras sociais. Dessa forma, tanto pelo conteúdo que

agregavam quanto pelo alcance que obtiveram, os romances tornaram-se objetos incômodos tanto

para as autoridades eclesiásticas e estatais quanto para os iluministas, que maldiziam uma leitura

socialmente inútil que se apresentava como obstáculo para a tão sonhada emancipação, que só

poderia acontecer através de uma leitura “útil”, “disciplinada” e “racional” (WITTMANN, 1999,

p.151).

Entretanto, a leitura não era considerada um mal em si, não eram todas as formas de ler e

todos os objetos que eram considerados impróprios. Havia as leituras consideradas legítimas,

assim, como acertadamente esclarece Márcia Abreu (2000, p.14), “o atual elogio à leitura não se

dirige ao contato com os livros em geral” e isto ocorre porque a leitura não é uma prática neutra,

ela é um campo de disputa no qual estão envolvidas questões culturais, políticas, históricas e

sociais (ABREU, 2000, 2001). Vejamos, por exemplo, as discussões sobre os efeitos provocados

pela leitura, sobre a febre da leitura no final do século XVIII. Como citamos anteriormente, havia

aqueles que condenavam os malefícios físicos e morais supostamente provocados pela leitura,

mas, do lado positivo, havia os que amenizavam esses malefícios, opinando que, caso se

imprimisse uma postura correta ao corpo e se evitasse ler após as refeições e quando se estivesse

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de pé, a leitura poderia ser uma atividade benéfica cuja arte deveria incluir “lavar o rosto com

água fria e fazer caminhadas ao ar livre, bem como a concentração e a meditação” (DARNTON,

1990, p.160).

Esse nosso retorno ao “passado”, através de considerações ancoradas no século XVIII,

serve também como força exemplificadora de que apesar de alguns imaginarem a leitura como o

simples processo de extrair informação de um texto, não há como se negar que:

a informação precisa ser peneirada, classificada, interpretada. Os esquemas interpretativos fazem parte de configurações culturais, que variam imensamente ao longo do tempo. Como nossos antepassados viviam em mundos diferentes, deviam também ler de maneira diferente, e a história da leitura pode ser tão complexa quanto a história do pensamento (DARNTON, 1990, p 171-172).

Em outras palavras, “a leitura tem uma história” (DARNTON, 1990, p.171) feita por

sujeitos inseridos num lugar social e perpassados por determinações culturais e políticas que

fazem parte do jogo que eles travam com os textos lidos.

E a história da leitura na contemporaneidade é marcada, ao contrário do que fora descrito

no século XVIII, por um elogio à sua prática. As concepções cristalizadas em torno dessa

atividade que fundamentam os programas em prol de sua democratização são marcadas pela idéia

de que ler não é apenas preciso, mas fundamental para o desenvolvimento intelectual e moral do

ser humano. Ao citarmos essa “premissa”, a da essencialidade do ato de ler na formação do

homem moderno, já estamos nos situando nos discursos que o MEC anuncia como justificativa

para a ação do PNBE chamada LMC.

Ao longo do segundo capítulo, remontamos toda a história da referida ação do MEC, bem

como o caminho desses livros. Agora é chegada a vez de nos determos em alguns textos

elaborados pelo MEC para descobrirmos, como explicitamos mais acima, quais concepções de

leitura, de literatura e de leitor estão subjacentes a eles e se impõem como uma “fórmula/forma”

editorial no processo de elaboração das coleções. Os editais, sem sombra de dúvida, são a fonte

mais rica na busca por essas concepções, em especial seus anexos, nos quais estão explicitados os

critérios de avaliação e seleção das coleções e as especificações técnicas mínimas que elas

deveriam conter.

Em primeiro lugar, o que esses editais revelam é o cuidado que o MEC teve em

demonstrar credibilidade e honestidade no trato com as editoras, que poderiam concorrer com

Page 67: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

apenas uma coleção. Havia a etapa da pré-inscrição, que correspondia ao cadastramento para

participação, e a da inscrição, que seria a entrega efetiva das coleções. Estas, formadas por cinco

gêneros diferentes, deveriam ter um único titular e ser entregues já em edição finalizada. Só

poderiam concorrer coleções que não contivessem obras do PNBE do ano anterior e que fossem

elaboradas por um único titular de direito editorial; outra exigência dizia respeito à quantidade

mínima e máxima de páginas por coleção e por volume, bem como a exigência de que o projeto

gráfico, ou seja, a apresentação física da obra, caracterizasse os volumes como uma coleção.

O que essas condições de participação já demonstram é a consciência que o MEC tinha da

importância da materialidade do livro, da sua condição como objeto. O primeiro anexo, por

exemplo, especifica a análise de estrutura editorial, ditando, minuciosamente, os elementos que

deveriam constar na primeira capa, na quarta capa, na folha de rosto e no verso da folha de rosto.

Já a segunda e a terceira capas deveriam ser reservadas a possíveis mensagens relativas ao

programa de autoria do próprio MEC. Caso um dos volumes integrantes da coleção não estivesse

em acordo com as especificações constantes no referido anexo, a coleção toda seria excluída do

processo.

Ampliando algumas imposições de ordem física, temos no anexo III as especificações

técnicas mínimas para cada um dos volumes que compõem as coleções; especificações que

detalham o formato dos livros, o material da capa e o tipo de impressão desta, bem como o tipo e

o tamanho de sua fonte; especificações em relação ao miolo, incluindo o tipo de papel e a alvura

e a opacidade mínima permitidas e, finalmente, algumas imposições referentes ao acabamento

dos livros; imposições estas que eram diferenciadas para os livros com mais de 96 páginas e que

se referiam, por exemplo, ao tipo de lombada e ao grampeamento.

Dispomos, em última análise, das considerações expostas no Anexo II dos editais porque

são elas que melhor revelam os objetivos do LMC e as motivações que justificaram essa

iniciativa do MEC. É especificamente nesse espaço do edital que vemos destrinchados os

critérios de avaliação e de seleção das coleções; critérios referentes ao projeto editorial, à

temática e à textualidade, à seleção de títulos e autores, ao projeto gráfico e às ilustrações.

O referido anexo é iniciado com uma apresentação que deixa expostas a finalidade do

LMC e as razões que o justificariam. A finalidade seria selecionar e distribuir coleções para

alunos da rede pública; nesse momento não é anunciado o objeto dessas coleções, o tipo de texto

que elas apresentariam, apenas a série cujos alunos seriam contemplados. Já as razões para tal

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distribuição mostram uma nítida preocupação com uma formação de leitor que se confunde com

a formação do próprio cidadão, um leitor-cidadão. A leitura, sob esse aspecto, não acarretaria

apenas transformações intelectuais e de efeito estético sobre o leitor, mas contribuiria para

transformações práticas; sendo estas efeito daquelas. Através da leitura de textos literários e de

textos de reflexão sobre a realidade brasileira, o sujeito-leitor, caracterizado como alguém cujas

condições de acesso ao livro, tanto fora quanto dentro da escola – nesta, muitas vezes restrita ao

contato com o livro didático - são extremamente limitadas, seria possibilitado, através do

desenvolvimento intelectual e do letramento, de participar da sociedade letrada. E tanto a leitura

de textos literários, quanto a de textos sobre a realidade brasileira provocaria essa inserção,

apesar da importância dos primeiros se sobrepor a dos segundos, mesmo que isso se revele de

maneira sutil, não apenas pela excelência quantitativa que se concede ao texto literário quanto

pela qualitativa, de elogio aos seus efeitos no leitor e pela crença de sua importância para a

preservação do patrimônio cultural brasileiro.

Dessa forma, o governo acreditava estar realizando uma iniciativa de caráter político-

pedagógico, uma iniciativa importante para a democratização do acesso ao saber e à cultura, até

mesmo porque a doação aos alunos permitiria inserir, como uma espécie de “prêmio-extra”, a

família no usufruto desses bens culturais; fato que revela, como já comentamos no capítulo

anterior, a preocupação do MEC com a circulação dos livros; preocupação esta enfatizada nos

editais pelo desejo explícito do MEC de que se formassem círculos de leitura através de trocas de

textos. Vejamos um trecho do edital que confirma essas nossas considerações:

Uma iniciativa dessa natureza representa para milhões de brasileiros – crianças, jovens e adultos - a primeira oportunidade de ter contato com obras de literatura e de reflexão sobre a realidade brasileira. Neste sentido, são evidentes seu caráter pedagógico e sua importância como elemento de disseminação de cultura. Além disso, possibilita a criação de círculos de leitura, por meio de trocas e intercâmbio de textos. (BRASIL, 2003, p. 17, grifo nosso).

O referido trecho aponta alguns pontos interessantes para reflexão. O primeiro, tocante à

inserção econômica e social do leitor, o revela como um sujeito que não tem nenhum acesso a

certos bens culturais, especificamente aos que estariam sendo oferecidos aos destinatários do

LMC, como os textos literários, por exemplo. Ao afirmar e generalizar esse não-acesso, o MEC

desconsidera até mesmo a experiência que esses leitores, de alguma forma, vivenciaram com o

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texto literário na escola, nem que tenha sido apenas através do livro didático, ou seja, anula a

experiência, a vivência do leitor e o toma como uma espécie de tábula rasa, pronta a receber os

textos que o MEC, muito cuidadosamente, estava selecionando para ser objeto de suas leituras.

Utilizando as palavras de Márcia Abreu (2001, p.150), temos que “um texto desta natureza só faz

sentido se imaginar que estamos diante de uma tábula rasa, de um país sem leitores”.

No entanto, talvez essa ausência que o MEC tanto aponta seja a do contato não

exatamente com o texto literário, mas com esse texto amparado por um suporte que não seja o

livro didático, ou seja, a ausência do livro mesmo de literatura. Textos ou, muito comumente,

fragmentos de textos, lidos e trabalhados nas aulas de português através do livro didático são bem

comuns no universo infantil, mas o contato com o livro de literatura, esse, realmente, é menos

recorrente. Se adentrarmos nos espaços em que esse contato poderia se dar, percebemos que neles

ou há o objeto, mas não o leitor, ou abriga o leitor, mas não possui o objeto. Justificamos essa

consideração com imagens de bibliotecas públicas quase vazias, da quase inexistência de

bibliotecas particulares, de salas de aula amontoadas de alunos e nenhum livro literário, da parca

existência de livrarias no território brasileiro e do alto preço do livro, que restringe a freqüência a

esses locais a alguns poucos privilegiados; enfim, há uma série de desencontros entre livros e

leitores e, conseqüentemente, menos espaço para a leitura.

Esse quadro social a respeito da tríade - livro, leitor, leitura - já nos permite retomar

uma outra reflexão que diz respeito à distribuição desigual da cultura e que interroga até que

ponto um maior contato com certos bens culturais, como a leitura, significa uma maior

participação na sociedade letrada, como o MEC acredita e expõe como uma das razões de suas

ações em prol da democratização do livro e da leitura.

Ao levantarmos essa reflexão estamos adentrando em uma relação considerada por muitos

como uma espécie de causa e efeito, sendo a segunda efeito da primeira: estamos falando da

relação leitura e cidadania ou, ainda, estamos pensando no quanto a expressão-ação formação do

leitor tem da expressão-ação formação do cidadão. No cenário de pesquisas sobre a leitura no

Brasil, temos Luiz Percival Leme Britto como um dos professores/pesquisadores que mais têm

refletido sobre a questão, e é dialogando com alguns dos seus textos, em especial Sociedade de

cultura escrita, alfabetismo e participação, Implicações éticas e políticas no ensino e na

promoção da leitura e Leitura e política, que iremos iniciar nossa reflexão.

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Logo no inicio do primeiro texto citado acima, Britto (2003b, p.47) “joga” uma

interrogativa interessante:

de que maneira e com que intensidade as pessoas dos diferentes segmentos sociais, em função das habilidades de leitura e de escrita que desenvolvem no processo de escolarização e em outras práticas sociais, participam da e usufruem a produção material e cultural da sociedade em que vivem?

Comumente, se costuma pensar, e essa é uma das razões da proliferação de tantas

campanhas em prol da alfabetização e da promoção da leitura, que as habilidades de leitura e de

escrita são fatores determinantes para a ascensão social e econômica de um indivíduo. Sem

jamais diminuir a importância dessas habilidades para a vida cotidiana das pessoas e para o seu

desenvolvimento intelectual e cognitivo, podemos dizer, pelo menos, que não necessariamente

isso se traduz numa fórmula matemática inquestionável, ou seja, não necessariamente uma pessoa

que lê mais e escreve melhor terá sua ascensão social garantida, fará parte, numa posição

privilegiada, na sociedade urbano-industrial. Primeiro, porque o usufruto que se obtém da leitura

depende da maneira como se lê e “as possibilidades e formas de ler estão sobredeterminadas

pelas formas gerais de educação e de participação social” (BRITTO, 2003, p. 136), ou seja, não

podemos desconsiderar a historicidade do ato de ler, o fato de que o leitor é um sujeito histórico-

social e essa sua condição não é apagada no momento da leitura. Britto (2003b, p.56) inverte

aquela “fórmula” citada logo acima; baseado em dados fornecidos pelo INAF (Índice Nacional de

Alfabestismo Funcional), ele afirma que mesmo existindo uma correlação direta entre

alfabetismo e oportunidades sociais, “isso não quer dizer que a oportunidade profissional é

conseqüência imediata do letramento: “[...] a condição de maior ou menor domínio de

habilidades de leitura e escrita e o exercício de atividades dessa natureza é antes o resultado da

situação social que a possibilidade de maior participação”; por esse motivo, formar o leitor, assim

como formar o cidadão, exige ações para ampliar a participação popular na vida pública, exige

uma mudança na forma mesma de organização social, exige investimentos em educação básica e

na qualificação profissional, pois não seriam “as habilidades pressupostas na leitura ou o gosto ou

a determinação de ler que promovem a democracia e a participação social; ao contrário, é a

possibilidade de participar da sociedade que permite o acesso à leitura” (BRITTO, 2003, p.134).

Indo ao encontro das proposições de Luiz Percival, Márcia Abreu tece considerações similares

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quanto à necessidade de transformações mais profundas para que a atuação do governo, na

formação dos leitores, obtenha maiores efeitos. Segundo Márcia Abreu (2001, p.156-157):

Se queremos uma sociedade democrática e justa, inclusive do ponto de vista cultural, é fundamental que se alfabetize a população, que existam escolas e bibliotecas públicas de qualidade. É preciso que haja emprego e salários decentes. É preciso que não haja fome e que as doenças sejam tratadas. Um desempregado, um faminto, não pode se interessar pela “viagem” proporcionada pelos livros, pelo conhecimento de si e do mundo proporcionado pela alta literatura. É preciso que as pessoas tenham condições materiais para ser leitores.

Sob esse ponto de vista, disseminar cultura, como objetivava o MEC com o LMC, não

podia significar, apenas, distribuir livros; cinco livros, a quantidade que era distribuída através do

LMC, não formam leitores, e para que houvesse uma interferência maior na formação destes

seria preciso ações além das que são objetivadas por um programa de leitura; como comentamos

anteriormente, seria preciso transformações profundas na organização social em que vivemos. No

entanto, não podemos desmerecer as ações do referido ministério; este tinha consciência tamanha

do fato citado que enfatizava sempre em seus textos a necessidade da circulação e de que a escola

também assumisse essa luta, não sendo a mera distribuidora das coleções que chegavam para

serem entregues aos alunos, mas uma espécie de difusora da cultura e dos valores fundamentais

da sociedade (BRASIL, 2003).

Ao citarmos esses papéis concedidos à escola recuperamos outro ponto anunciado

anteriormente, na citação de um trecho do edital, como interessante para ser alvo de reflexão.

Estamos falando no caráter pedagógico que o MEC aponta como inevitável em uma ação, como o

LMC, que, segundo ele, é a primeira oportunidade, para muitos brasileiros, de contato com o

texto literário. Se este é “fundamental para o desenvolvimento da percepção estética e das

referências culturais e éticas do cidadão [...] como forma de expressão artística e cultural, é um

patrimônio que deve ser protegido e difundido” (BRASIL, p.16-17). Essa importância e o fato de,

provavelmente, estar sendo o primeiro contato de muitos leitores com uma obra de literatura,

como acreditava o MEC, justificariam todo o cuidado que o ministério empreendeu em escolher

os textos “certos”, textos que pudessem ser referência cultural, ética e pedagógica para o leitor

em gestação. Além de tudo, não se estava lidando com qualquer tipo de público, mas,

especialmente, com leitores que ainda se encontravam em formação escolar, a maioria,

Page 72: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

certamente, formada por crianças, já que em seus três anos de existência o LMC privilegiou os

alunos de 4a série.

E a literatura destinada ao público infantil sempre foi alvo de uma polêmica que gira em

torno de sua natureza específica: ela pertenceria à arte literária ou à arte pedagógica? Segundo

Nelly Novaes Coelho (2003, p.46), essa controvérsia vem de longe:

tem raízes na Antiguidade Clássica, desde quando se discute a natureza da própria literatura (utile ou dulce? Isto é, didática ou lúdica?) e, na mesma linha, se põe em questão a finalidade destinada aos pequenos. Instruir ou divertir? Eis o problema que está longe de ser resolvido. As opiniões divergem e em certas épocas se radicalizam.

Ainda segundo Coelho (2003), em épocas de consolidação de um determinado sistema, o

caráter pedagógico se impõe devido à necessidade de se transmitir valores para serem

incorporados pelas novas gerações. E cita o exemplo da literatura romântica, que, na luta pela

consolidação do sistema liberal-burguês, impõe a todos uma literatura exemplar, cheia de

fórmulas. No entanto, apesar da predominância de um ou outro pólo em determinadas épocas,

como resultado do próprio momento histórico-social, o que houve e há é a oscilação desses pólos.

A produção contemporânea para crianças e jovens, por exemplo, consegue equacioná-los:

“literatura para divertir, dar prazer, emocionar...e que, ao mesmo tempo, ensina modos novos de

ver o mundo, de viver, pensar, reagir, criar....” (COELHO, 2003, p.49)

A concepção de literatura que o MEC deixa entrever nos editais revela justamente uma

oscilação entre esses dois pólos, isto é, mesmo tentando desvincular o uso das coleções ao

didatismo a que elas provavelmente iriam ser submetidas caso estivessem vinculadas ao trabalho

escolar, o caráter pedagógico é explicitamente assumido, em especial quando se fala em valores

culturais e éticos que devem ser propagados. Se, de um lado, por exemplo, o MEC demonstra

uma notória preocupação em não didatizar os textos veiculados nas coleções - e isso fica muito

claro quando, no tópico sobre o projeto editoral, posterior à sugestão de que sejam oferecidas

informações adicionais relevantes (glossário, notas explicativas, informações históricas,

bibliografia), é logo exposto um alerta para que essas informações não didatizassem o texto, nem

ocupassem um espaço maior, em tamanho ou destaque, do que o mesmo, afinal a coleção não

seria uma “obra didática” (BRASIL, 2003, p.19), por outro lado, como apontamos, existia o

desejo e a preocupação de propagar certos valores culturais e éticos que, na realidade, estão

Page 73: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

atrelados a uma concepção elitista de literatura, revelada, em especial, nos critérios de seleção das

coleções, no padrão de “qualidade” tomado pelo MEC para conduzir a produção/seleção dessas

coleções.

No decorrer da exposição desses critérios, dois aspectos, que muito contribuem para fazer

entender o que seria essa qualidade e esses valores perseguidos pelo MEC, chamam a atenção. O

primeiro diz respeito ao amplo espaço cedido no edital às prováveis expectativas e interesses do

leitor. Em diversos momentos do referido documento apela-se para que se priorizem temas de

interesse do público ao qual se destinam as coleções, mas também outros que despertem novos

interesses e novas referências culturais, que a textualidade das obras se paute “não apenas nas

expectativas atuais a respeito da recepção literária do público, mas também na ampliação dessas

expectativas” (BRASIL, 2003, p.20), ou seja, uma preocupação que oscila entre o desejo de

agradar, de fornecer textos que seguramente despertem o prazer no leitor, e uma busca para que

este amplie seus horizontes por intermédio da leitura.

E é atrelado a esses “novos horizontes”, mais do que às expectativas reais do leitor, que

o MEC iria propagar aqueles valores culturais e éticos a que temos nos referido. E acreditamos

nisso porque a literatura que o público infantil e juvenil aprecia e desenvolve com mais

freqüência em seu cotidiano é a de história em quadrinhos, ficção científica, os best-sellers do

momento, e os valores a serem propagados por um programa que pretende disseminar a cultura,

fazer conhecer o patrimônio cultural brasileiro estaria, sobretudo, nos clássicos, nos textos e

autores canônicos.

Duas observações a respeito do que afirmamos acima precisam ser feitas. A primeira

merece ser desenvolvida para que não incorramos no erro de pensar que, já que o MEC não levou

em consideração os gêneros preferidos pelo público infanto-juvenil, o desejo de atender às

expectativas deste só ficou no papel ou, mais apropriadamente, ele se contradisse ao explicitar

esse desejo e não abrir espaço nos volumes que formariam as coleções para esses gêneros. Na

verdade, as expectativas que o MEC pede para serem cumpridas dizem respeito a temáticas, à

textualidade, para que sejam diversificadas, exatamente para que se pudesse atingir interesses e

gostos diversos, bem como diferentes contextos sociais, culturais e históricos; postura que mostra

que o MEC é consciente da diversidade do público leitor, tanto dessa diversidade de gostos

quanto da diversidade de faixa etária e de contexto social. Chega-se mesmo a ser traçado, em

certo ponto do edital, um rápido perfil sócio-cultural desse público, onde, além das diversidades

Page 74: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

já citadas, também é pensada a diversidade quanto à maturação intelectual, à experiência de vida,

bem como é apontada a pouca experiência dos leitores com o texto literário.

A outra observação pretende explicar a afirmação que fizemos sobre o fato de que os

valores que o MEC pretendia disseminar estariam nos clássicos, nos textos e autores consagrados.

Para a iniciarmos citaremos as duas espécies de palavras-chave que o MEC impôs como critérios

de seleção das coleções e a relação existente entre ambas: a diversidade e a representatividade.

Vimos que o MEC tinha o objetivo de oferecer aos leitores o patrimônio cultural

brasileiro e, para que esse objetivo pudesse ser concretizado dentro da maior amplitude possível,

fazia-se necessário que as coleções abrigassem textos e autores de diversas épocas literárias e de

diversas regiões. De acordo com o que consta no edital, os autores deveriam ser escolhidos

segundo a representatividade que tivessem dentro da cena cultural brasileira, devendo ser

conhecidos e assumidos como referência para a cultura nacional, e os textos deveriam ser

representativos de diferentes quadros de referência, “favorecendo a experiência estética

diversificada e o desenvolvimento da leitura” (BRASIL, 2003, p.20).

Tudo isso aponta para uma literatura que é aquela já solidificada pela crítica e pela

História da Literatura, inclusive aquela veiculada pelo livro didático, ou seja, a literatura dos

autores e textos consagrados, integrantes do seleto grupo pertencente ao cânone. Uma literatura

que não costuma ser a que os leitores apreciam para ler nas horas de lazer, mas aquela que eles

quase sempre associam ao didatismo e ao autoritarismo da sala de aula.

Como sempre se acreditou que era o mau trabalho empreendido nas aulas de português, o

excesso de didatismo e o envolto avaliativo que fazia com que os alunos se afastassem dos textos

literários, o MEC achou que, talvez, desvinculá-los da escola, permitindo que os alunos lessem

no espaço que bem lhe aprouvesse, faria com que o interesse deles fosse despertado. No entanto,

dentro da escola ou fora dela, sempre foi essa literatura canônica, a Grande literatura, bem

recebida pelas instâncias autorizadas, que foi alvo de esforços em prol da disseminação de sua

leitura.

E isso só ocorre porque essas instâncias que a legitimam e/ou procuram democratizar o

seu acesso vêem nela valores culturais e, em especial quando se trata de sua democratização entre

o público infanto-juvenil, valores éticos, que precisam ser divulgados e assimilados.

E para entendermos com mais precisão quais são esses valores que o MEC objetivava

divulgar através do LMC é necessário adentrar em um campo teórico escorregadio, alvo de

Page 75: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

acirradas disputas ideológicos: o da concepção de literatura e de outros termos a ela vinculados,

como o da literariedade.

Márcia Abreu (2004), em Cultura letrada, literatura e leitura, tece algumas

considerações interessantes em relação aos referidos termos. Contrariando a idéia de que a

literariedade de um texto está presente apenas nos elementos intrínsecos a ele, defende a posição

de que não é, apenas, o valor interno à obra que a consagra, mas também elementos externos ao

texto. Vejamos palavras suas capazes de expressar bem o que estamos discutindo:

O modo de organizar o texto, o emprego de certa linguagem, a adesão a uma convenção contribuem para que algo seja considerado literário. Mas esses elementos não bastam. A literariedade vem também de elementos externos ao texto, como nome do autor, mercado editorial, grupo cultural, critérios críticos em vigor (ABREU, 2004, p.41).

E observando os critérios de seleção das coleções expostos pelo MEC percebemos que

esses “elementos externos” são postos em caráter de grande relevância, em especial o do “nome

do autor”. A representatividade que o autor teria dentro da cultura nacional seria um dos fatores

que pesaria no processo de escolha das coleções. Basta olharmos a lista com os nomes dos

autores e obras selecionadas para comprovarmos essa afirmação (ANEXO B). Nos volumes de

poesia, por exemplo, em quase todas as antologias de autores diversos, repetem-se nomes

consagrados, como o de Casimiro de Abreu, Álvares de Azevedo, Carlos Drummond de Andrade,

Olavo Bilac, Manuel Bandeira, Ana Maria Machado. Caso exemplar é dos dois primeiros citados,

ambos do período romântico. Seus nomes aparecem em destaque para apresentar os volumes que

integram. O caso de Álvares de Azevedo é mais exemplar ainda, pois das quatro antologias de

poesia que integram as coleções da “Palavra de Gente”, destinadas aos alunos do EJA, três o

MEC apresenta, na lista que dispôs em seu site, com o nome do referido poeta em destaque.

Nessa lista figuram os nomes das editoras selecionadas, os títulos dos volumes que compõem

cada coleção produzida por essas editoras e os respectivos autores de cada título. No caso dos

volumes de poesia, como a maioria é formada por antologias de autores diversos - fato já

comentado logo acima - no quadro da autoria, para não citar todos os nomes que integravam a

antologia, o MEC, muitas vezes, expunha um só nome e acrescentava o pronome “outros”.

Analisemos os quadros (ANEXO B) referentes às coleções distribuídas aos alunos de 4a serie nos

três anos do LMC, em especial os títulos de poesia, objeto do nosso trabalho.

Page 76: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

Todas as nossas observações em relação aos referidos quadros giram em torno das

questões da diversidade e da representatividade, tão expostas nos editais elaborados pelo MEC.

Em primeiro lugar, analisando o nome das editoras que tiveram suas coleções selecionadas para

integrar o LMC, o que percebemos é uma concentração de editoras de grande porte, mesmo que,

a cada ano, tivesse havido um aumento no número de editoras participantes. Nomes como

“Companhia das Letrinhas”, “Objetiva” e “Moderna” aparecem nos três anos do LMC. E, apesar

de a cada ano ter havido um aumento no número de editoras participantes (no primeiro foram

apenas 6, no segundo foram 8 e no terceiro foram 17), fruto mesmo do aumento do número das

coleções e das séries que seriam contempladas - já que no terceiro ano os alunos da 8a série e do

EJA também foram alvo do programa - o espaço não foi aberto para editoras menores.

Ao tecermos essas considerações não estamos duvidando da honestidade e da

transparência do MEC no trato com as editoras, que foram escolhidas porque, certamente,

ofereceram coleções que melhor se enquadravam nos parâmetros de qualidade expostos nos

editais lançados pelo MEC. Além disso, muito provavelmente, as grandes editoras possuíam

todas as documentações legais exigidas, dentre as quais documentações que comprovassem a boa

situação financeira do titular de direito autoral. O que queremos mostrar, na verdade, é que a

presença de algumas poucas editoras é mais um aspecto que nos faz repensar se de fato foi

democrático, como a todo tempo o MEC esteve tentando provar, o processo de seleção das

coleções, bem como se a diversidade esteve mesmo presente como uma das características mais

marcantes do programa. Recordemos que a intenção era produzir coleções cujos autores e textos

fossem representativos de diversas épocas literárias e de diversas regiões e que fossem, os

autores, “conhecidos e assumidos como referências da cultura brasileira” (BRASIL, 2003, p.20).

No caso dos autores e dos textos de poesia, verificamos uma concentração nos

modernistas e contemporâneos, apesar de alguns de épocas anteriores também terem encontrado

espaço nas antologias, em especial os românticos, a exemplo de Gonçalves Dias, Casimiro de

Abreu e Álvares de Azevedo. Os autores que têm volumes inteiros dedicados a si são, por

exemplo, do modernismo e da contemporaneidade, a exemplo de Vinicius de Moraes, com sua

famosa obra infantil Arca de Noé, Carlos Drummond de Andrade, que teve poemas seus reunidos

no volume Simplesmente Drummond, Roseana Murray, com A bailarina e outros poemas. De

outros estilos de época, encontramos apenas como presença constante Olavo Bilac, cuja obra

Poesias Infantis, lançada em 1910, é considerada pioneira na área da Literatura feita para

Page 77: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

crianças no Brasil; fato que vai ao encontro da exigência do MEC de ter autores que fossem

referência para a cultura nacional e que por si só justificaria a sua maciça presença nas antologias

poéticas do LMC.

Arriscamos lançar hipóteses para justificar a presença de autores mais contemporâneos,

hipóteses que giram em torno da linguagem e das expectativas e interesses do público mirim. Por

possuir, mesmo que ao tecer esse comentário estejamos correndo o risco de homogeneizarmos

uma produção tão heterogênea como é a contemporânea, uma linguagem mais sintética, mais

cotidiana, ou seja, mais próxima do público atual, a literatura de autores modernistas e

contemporâneos seria mais adequada aos gostos e interesses dos leitores de hoje, em especial do

público infantil; ainda mais quando se supõe, como o MEC supunha, que esse público não tivesse

quase nenhum contato com o texto literário. O mesmo aconteceria com a poesia romântica, que

também ocupa um bom espaço nas antologias do LMC, embora não alcance a mesma dimensão

da modernista e da contemporânea. Como expõe Ana Maria Machado no prefácio de um dos

livros de poesia do LMC, o Cinco Estrelas, a literatura romântica causou “uma verdadeira

revolução em relação à literatura dos tempos anteriores, muito cheia de regras” (MACHADO,

2001, p.11). Em meio a todas as idéias de liberdade e independência arraigadas no seio das

antigas colônias européias na América, entre elas o Brasil, era preciso uma linguagem mais

simples, que conseguisse discutir com o público todas essas idéias sociais e políticas. Em acordo

com uma nova linguagem, novas temáticas começaram a configurar espaço na literatura

brasileira, entre elas uma “que até hoje continua sendo muito importante para nós: o que é ser

brasileiro?” (MACHADO, 2001, p.11).

As referidas palavras de Ana Maria Machado justificam a presença da literatura romântica

não apenas pelo caráter revolucionário que ela traz em termos de conteúdo e linguagem, mas

também por veicular uma questão que se apresenta como um valor essencial: a da identidade

nacional. E não podemos esquecer que uma das razões que o MEC usa como justificativa para a

realização do LMC é justamente possibilitar, através da leitura do texto literário, o

desenvolvimento das referências culturais e éticas do cidadão, e a questão da identidade nacional

se apresentaria como um ponto primordial.

Essa questão da identidade nacional é evidenciada, em especial, pela preocupação em

oferecer textos representativos de diversas regiões e de diversas realidades histórico-culturais do

Brasil, isto é, há a preocupação de mostrar o patrimônio cultural brasileiro em sua

Page 78: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

totalidade/diversidade, abarcando, inclusive como um dos volumes das coleções, textos de

tradição popular brasileira.

Um outro aspecto que nos chamou a atenção nos volumes de poesia foi a forte presença

de autores e textos que não são especificamente da literatura infanto-juvenil. Os que integram as

coleções e são reconhecidos como tais são nomes contemporâneos, como Ana Maria Machado,

Roseana Murray, Elias José, Pedro Bandeira, entre outros. Para tal aspecto, encontramos uma

explicação histórica, ao mesmo tempo em que, por intermédio dela, chegamos a uma concepção

interessante que o MEC mostra ter a respeito da literatura.

A explicação histórica residiria no fato de a literatura infanto-juvenil ser um gênero

recente. Segundo Arroyo (1990, p.26), “a literatura infantil como categoria literária, de acordo

com a conceituação perfilhada hoje pelos maiores especialistas no assunto...é muito recente...data

ela dos fins do século XVII”. No caso da literatura infantil brasileira, mais especificamente dos

textos e autores de poesia, ela só vai se expandir nos primeiros anos do século XX. Era uma

produção poética pequena, restrita a poemas lúdicos, quase sempre pueris, e comprometida com a

tarefa educativa escolar, “no sentido de contribuir para formar no aluno o futuro cidadão e

indivíduo de bons sentimentos. Daí a importância dos recitativos nas festividades patrióticas ou

familiares, e a exemplaridade ou a sentimentalidade que caracterizaram tal poesia” (COELHO,

2003, p.224). Nessa época, os nomes de destaque no gênero eram: Olavo Bilac, Zalina Rolim,

Alexina de Magalhães Pinto, Francisca Júlia, Maria Eugênia Celso, entre outros (COELHO,

2003). Dentre estes, os únicos nomes que aparecem em coleções do LMC são os de Bilac e

Francisca Júlia, embora só o primeiro seja recorrente ao longo das coleções, justamente o que se

consolidou não apenas como escritor de literatura infantil, mas, principalmente, da literatura

destinada ao público adulto, e que teve uma atuação bastante efetiva na sociedade da época, tendo

estado envolvido em diversas campanhas cívicas e tendo escrito, inclusive, o Hino à Bandeira

(MACHADO, 2001).

Sendo assim, como em termos quantitativos e no que concerne ao prestígio junto à critica

os autores e textos da literatura adulta ocupavam um espaço bem maior do que os da literatura

infantil, não nos surpreende que os primeiros tenham sido selecionados em maior quantidade para

compor as coleções do LMC, que tenham sido tomados como patrimônio cultural brasileiro que

precisa ser divulgado. Inclusive, até mesmo quando aparecem textos que foram intencionalmente

escritos para o publico infantil, em sua maioria são textos de escritores que, primeiramente, são

Page 79: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

reconhecidos por sua literatura destinada ao público adulto, exemplo de Carlos Drummond,

Vinicius de Moraes, Manoel de Barros, Ferreira Gullar, Cecília Meireles e Olavo Bilac, que já

havíamos citado.

Exposta a explicação histórica, nos falta refletir sobre a concepção de literatura que o

MEC revela ao ofertar textos que não estão, a priori, destinados ao público infantil. Se, por um

lado, essa oferta não nos surpreende, visto que os autores cujos textos são ofertados se inserem no

seleto quadro de autores consagrados pela critica brasileira, ou seja, se inserem nos padrões

exigidos nos editais do MEC e estão em acordo com uma tradição amparada e consolidada pela

escola, a de apresentar, seja através do livro didático, seja através das aulas de “História da

Literatura”, obras e autores consagrados, bem aceitos pela crítica e presentes nos compêndios

literários, por outro lado vemos aí uma concepção de literatura, mais especificamente de literatura

destinada ao público infantil, que não se limita aos textos produzidos especificamente para esse

público, mas que congrega textos que, a princípio, pela linguagem mais bem elaborada ou pela

temática que veiculam, poderiam ser considerados inadequados às crianças e jovens.

No entanto, devemos lembrar que o MEC objetivava possibilitar, através da leitura do

texto literário, a experiência estética diversificada e o desenvolvimento intelectual do leitor e,

para tanto, apontava a importância do contato com textos representativos de quadros de

referência diversos. Além do mais, não podemos deixar de comentar a preocupação que o MEC

revela com o leitor, suas necessidades e expectativas, bem como com a ampliação dessas

expectativas, com a oferta de novos horizontes para o público leitor, tendo mostrado estar

consciente da diversidade dele; até mesmo porque a intenção não era a de que as coleções

atingissem apenas os alunos, mas a de que circulassem por outras vias, em especial entre as

famílias dos alunos contemplados. Desse modo, não eram apenas crianças e jovens que entrariam

em contato com as obras, mas também um público adulto.

Assim, procurando atingir as expectativas desse público amplo, ao mesmo tempo em que

desejava ir além delas, o MEC trabalhou com uma concepção ampla de literatura. Amplidão

encontrada nos gêneros com que a coleção trabalhou, nas épocas literárias, na diversidade de

textos - tanto nacionais quanto clássicos universais traduzidos ou adaptados, tanto textos da

literatura destinada ao público adulto quanto textos da literatura destinada ao público infantil.

É claro que se formos pensar na diversidade e no caráter democrático que o MEC

desejava para o LMC as coleções deixam a desejar. Quanto aos gêneros, por exemplo, apesar de

Page 80: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

serem formadas por cinco - uma antologia poética, uma antologia de contos brasileiros, uma

novela brasileira, uma obra clássica da literatura universal traduzida ou adaptada, uma peça

teatral ou obra ou antologia de textos de tradição popular brasileira – poderíamos lastimar nas

coleções a ausência de gêneros tão apreciados por crianças e jovens, como as histórias em

quadrinhos, por exemplo. Por outro lado, temos a inserção da música popular brasileira: nomes

como os de Cachaça, Braguinha, João Bosco, Adoniran Barbosa dividem espaço com os dos

poetas, e as canções que eles compõem são ofertadas como poemas. No prefácio do volume

Cinco Estrelas, por exemplo, Ana Maria Machado, ao comentar sobre algumas produções

artísticas e de entretenimento que se destacam na contemporaneidade, como a produção de filmes

e programas de televisão, destaca o trabalho de alguns compositores que, segundo a escritora,

podem ser considerados verdadeiros poetas, “pelo uso criativo que fizeram da linguagem”

(MACHADO, 2001, p.14).

A partir de todas essas constatações podemos afirmar que a literatura que o MEC desejava

ofertar está sempre transitando por dois espaços: ao mesmo tempo em que pretende se mostrar

em sua diversidade, em sua amplidão - estética, de estilos de época, de temáticas - não deixa de

ser a literatura elitista dos autores e textos consagrados pelas instâncias autorizadas - a exemplo

da critica literária e da escola -, ou seja, autores e textos representativos do que o MEC concebe

como patrimônio cultural brasileiro. E, considerando-se a sua suposta função, é investida de um

caráter pedagógico explicitamente assumido pelo MEC, em especial quando se pensa nos valores

culturais e éticos dos quais ela deve ser portadora, mas, por outro lado, é revelado o desejo de que

sua leitura seja efetivada longe de imposições didáticas.

4.2 Dos livros: concepções que dialogam

Conhecidos os critérios de seleção do MEC, verificaremos como tais critérios foram

trabalhados na elaboração das coleções selecionadas e se elas estão em acordo com as primeiras,

como é de se esperar, já que os editais direcionavam todo o trabalho editorial.

Para tanto, como foi exposto na introdução, analisaremos os textos introdutórios –

prefácios - e a seleção de autores e textos de três volumes de poesia do LMC: o Cinco estrelas,

Page 81: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

prefaciado por Ana Maria Machado, o Palavras de Encantamento, prefaciado por Marisa Lajolo,

e o Trem de Alagoas e outros poemas, cujo prefácio é assinado por Eduardo Brandão.

A nossa escolha definiu-se a partir da seguinte perspectiva: analisar como os critérios

“impostos” pelo MEC foram recebidos por três categorias diferentes do universo de trabalho com

o livro infantil: a primeira, uma escritora renomada da Literatura Infanto-Juvenil, conhecida

internacionalmente, ganhadora de diversos prêmios, inclusive aquele considerado o Nobel da

Literatura feita para crianças: o Hans Christian Andersen. A segunda, uma

professora/pesquisadora da UNICAMP muito conhecida no cenário nacional por seu trabalho na

área da leitura e da Literatura Infanto-Juvenil, e o terceiro um tradutor, colaborador da editora

Martins Fontes. Temos, portanto, um exemplo das concepções de quem escreve, de quem

pesquisa e de quem edita o livro para crianças no Brasil.

4.2.1 Sobre diversidade e representatividade

O primeiro aspecto a ser estudado será aquele que apresentamos como o mais enfatizado

nos editais, ou seja, a diversidade e a representatividade dos autores e textos. As três coleções

analisadas trabalham com esses dois critérios, embora de formas diversas. Podemos afirmar que

Ana Maria Machado é a que melhor responde às imposições dos editais, pois o conceito de

diversidade está presente não apenas na seleção de autores e textos, mas também nas épocas

literárias em que estes se inserem. A composição da coleção organizada por ela é feita da

seguinte forma: são selecionados poemas dos autores mais representativos de cada momento

literário brasileiro. Assim, teremos o poeta Gonçalves Dias representando o Romantismo, Olavo

Bilac o Parnasianismo e para o Modernismo temos não apenas um, mas três representantes, sendo

um deles compositor e não poeta; estamos nos referindo a Henriqueta Lisboa, Carlos Drummond

de Andrade e ao compositor Chico Buarque.

Quanto à escolha dos autores algumas observações já podem ser feitas. A primeira diz

respeito ao caráter de representatividade imposto pelo MEC. A obediência a esse critério no

volume organizado por Ana Maria Machado pode ser apreendido desde o título: Cinco Estrelas.

O vocábulo “estrela” tomado isoladamente já expressa, segundo o dicionário Aurélio (p.297), a

idéia de astro ou, mais amplamente, de astro luminoso, de pessoa que se sobressai em

Page 82: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

determinada área, isto é, vai ao encontro do referido critério exigido pelo MEC. E quando

tomamos a expressão toda como referência - cinco estrelas - vemos que o critério de

representatividade é apreendido com mais precisão ainda, pois a citada expressão está relacionada

a um alto padrão de qualidade, sendo muito aplicada no campo do turismo e da hotelaria, por

exemplo, para caracterizar hotéis que oferecem serviço luxuosos.

A fim de confirmar a importância dos cinco autores, as “cinco estrelas”, dentro da cena

cultural brasileira e, mais especificamente, dentro do estilo de época do qual cada um está

inserido, é aberto um amplo espaço para a divulgação da vida e da obra deles, ressaltando-se o

que de mais valioso existe nestas. Vejamos: na apresentação de Chico Buarque Ana Maria

Machado opina que alguns compositores contemporâneos são verdadeiros poetas; porém, não

deixa de fazer uma espécie de alerta: “Nem toda letra de música é um exemplo de poesia”

(MACHADO, 2001, p.15). E o critério que define quais as letras que podem ser tidas como

poesia, ou seja, o que caracteriza um texto como literário, é o uso criativo e rico da linguagem

(MACHADO, 2001, p.14). A partir desse critério começa a citar algumas qualidades das letras de

Chico Buarque que poderiam inseri-las no universo da poesia, mais especificamente da poesia

contemporânea, como, por exemplo, uma espécie de linguagem cinematográfica, uma incisiva

crítica social, uma boa dose de humor e um processo que Ana Maria Machado cita como sendo

muito característico da poesia contemporânea: a alusão a outras obras culturais, como filmes,

contos de fadas, outros poemas, isto é, a recorrência da intertextualidade. Há uma consideração

exposta ainda no texto introdutório da coleção e não no de apresentação do autor que diz bem da

importância conferida a Chico Buarque: “Sem dúvida, Chico Buarque de Holanda é um dos

completos entre eles, conseguindo, ao mesmo tempo, aliar a inegável sofisticação literária e a

marca popular” (MACHADO, 2001, p.14).

O segundo poeta apresentado é o mineiro Carlos Drummond de Andrade. A exposição da

sua vida e da sua obra é feita de modo a deixar entrever a sua grandeza. Isto fica muito

perceptível nas expressões que Ana Maria Machado usa para apresentá-lo: “o maior poeta

brasileiro”, segundo a visão de muitos críticos, um “mestre da língua portuguesa”, “poeta e

prosador admirável” (2001, p.24), “inteligência aguda”, “sensibilidade lúdica”, “absoluto

domínio da linguagem poética” (2001, p.24). Além dessas adjetivações louváveis e genéricas

também são apontadas, tendo em vista à confirmação da importância do autor, sua versatilidade

como escritor: “poeta e prosador admirável, desenvolveu sua obra por cerca de 60 anos, passando

Page 83: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

por diferentes fases” (MACHADO, 2001, p.24). Por fim, quando Ana Maria Machado aponta o

que seria um dos “segredos” da grandeza de Drummond, ela está, na verdade, revelando que os

textos do poeta mineiro correspondem perfeitamente a um dos aspectos expostos no edital: o de

trabalhar com temáticas universais, mas sem deixar de lado aspectos locais, a exemplo das

memórias da família, da infância.

Sempre contextualizando, logo no início da apresentação de Henriqueta Lisboa, mais uma

representante do Modernismo que teve textos selecionados para o volume, Ana Maria Machado

comenta sobre a presença feminina na Literatura Brasileira, que só apareceria com mais nitidez a

partir, justamente, do referido estilo de época, e Henriqueta seria um dos nomes de destaque, ao

lado de Cecília Meireles e de outras poetas que viriam depois, a exemplo de Cora Coralina e

Adélia Prado. Assim como no decurso da apresentação dos outros poetas que integram o volume,

também no caso de Henriqueta é feita uma exposição detalhada de sua poesia, da qualidade de

sua poética. Vejamos:

Seus poemas são delicados e intensos, com imagens e metáforas corajosas, apoiadas numa rara capacidade de evocar visualmente uma cena utilizando poucas palavras, como se não quisesse jogar conversa fora, mas tratasse de extrair o suco poético da realidade e nele descobrisse um sabor que transporta para algo muito maior. (MACHADO, 2001, p.30-31).

Além de esboçar opinião própria a respeito da obra da referida poeta mineira, Ana Maria

Machado fundamenta essa opinião com a voz de um crítico, Alfredo Bosi, o que confirma ainda

com mais propriedade a representatividade de Henriqueta na literatura brasileira. No trecho

citado por Ana Maria Machado, Bosi define Henriqueta como uma sutil tecedora de imagens

capazes de dar uma dimensão metafísica ao seu intimismo.

Na apresentação de Olavo Bilac, partindo do pressuposto dele ter saído de moda, assim

como o movimento do qual ele é representante, o Parnasianismo, Ana Maria Machado

contextualiza sua obra mais detalhadamente ainda e enfatiza a atuação cívica do poeta e do

homem Olavo Bilac ao revelar que ele escreveu o Hino da Bandeira, se envolveu em campanhas

cívicas, que sua obra era permeada pelo culto à pátria e ao progresso (MACHADO, 2001, p.36).

Essa característica da obra bilaquiana, o civismo, é tão exposta no texto que a imagem

escolhida para ilustrá-lo é a bandeira nacional. Muitos fatos da tumultuada vida do poeta são

recuperados justamente para comprovar a sua forte atuação na sociedade daquela época: “preso

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por motivos políticos, lutou em duelos, ajudou a fundar a Academia Brasileira de Letras,

organizou campanhas pelo serviço militar obrigatório em defesa da educação para todos”

(MACHADO, 2001, p.37). Ana Maria Machado detalha tanto que chega a expor o curioso fato de

Bilac ter sido personagem do primeiro acidente de automóvel no Brasil. Ao final, um dado de

extrema importância que ajuda a justificar a escolha de Bilac como uma das “estrelas” do livro: o

fato de ter sido autor do primeiro livro brasileiro para crianças: Poesias Infantis.

Por fim, Ana Maria Machado apresenta Gonçalves Dias. Sempre procurando realçar a

importância dos autores selecionados, a escritora apresenta o referido poeta como aquele que

“solidificou a poesia romântica no Brasil” (MACHADO, 2001, p.42). O mais interessante, pelo

que percebemos ao longo da apresentação dos poetas, é o cuidado com que Ana Maria Machado

contextualiza o poeta e a sua obra; quanto a esta, sempre levando ao conhecimento do leitor as

características mais peculiares, as quais, coerentemente, aparecem nos poemas selecionados. No

caso específico de Gonçalves Dias, ela enfatiza a “notável diversidade de ritmos e de métricas”

(MACHADO, 2001, p.42) presentes em alguns poemas do autor romântico, e exemplifica essa

diversidade citando dois de seus poemas mais conhecidos: I – Juca Pirama e A Tempestade. Ao

final, exibe a importância de um dos poemas de Gonçalves Dias presentes na coleção: a Canção

do Exílio, identificando-o como “um dos poemas mais famosos de toda a nossa literatura, e até

citado no Hino Nacional” (MACHADO, 2001, p.43).

Nos outros dois volumes, apesar do caráter de representatividade estar expresso na

predileção por autores consagrados, os recursos para comprovar essa representatividade, para

imprimir credibilidade ao livro não são tão utilizados como fora no Cinco Estrelas. Ao contrário

do que acontecia neste, nas apresentações dos autores feitas em Palavras de encantamento,

prefaciado por Marisa Lajolo, não aparecem longas exposições da qualidade poética dos autores,

as caracterizações de sua vida e de sua obra se restringem à exposição de alguns dados

biográficos (lugar e data de nascimento, por exemplo) e à enumeração de alguns prêmios

recebidos, em especial aqueles concedidos por uma das instâncias mais importantes para a

divulgação e julgamento de valor do livro infantil no Brasil, a Fundação Nacional do Livro

Infantil e Juvenil (FNLIJ). As informações extras expostas a fim de enfatizar a importância dos

autores são feitas de modo muito geral e superficial, sem atentar para características específicas

da poética de cada um; informações do tipo: “considerado um dos maiores poetas brasileiros”

(2001, p.7), ao referir-se a Manoel de Barros, “considerada um dos maiores fenômenos da poesia

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brasileira” (2001, p.25), no caso de Elisa Lucinda, “considerado um dos maiores poetas

brasileiros de todos os tempos” (2001, p.71), desta vez em referência a Ferreira Gullar.

No terceiro volume que selecionamos para análise, o Trem de Alagoas e outros poemas,

prefaciado pelo tradutor Eduardo Brandão, acontece essa mesma restrição de informações a

respeito do autor e de sua obra. São expostos, assim como em Palavras de Encantamento, apenas

alguns dados biográficos do autor e opiniões mais gerais; Castro Alves, por exemplo, é

apresentado como “o mais brilhante dos poetas românticos brasileiros” (p.8), Olavo Bilac como

“O Príncipe dos poetas brasileiros” (p.7), Noel Rosa como “um dos grandes gênios da nossa

música e poesia” (p.9). No entanto, no caso do Trem de Alagoas e outros poemas, o espaço

reservado aos autores é menor ainda: nos outros dois volumes os autores são apresentados em

páginas reservadas exclusivamente para isso, antes da exposição de seus poemas e no mesmo

tamanho de letra em que aparecem os poemas e os textos introdutórios. Em Trem de Alagoas e

outros poemas todos os autores são apresentados a um só tempo, logo após os textos

introdutórios, num tamanho de letra menor do que a destes e a dos poemas e em espaço intitulado

“Os poemas e seus autores”. Título, aliás, impróprio, pois se há a apresentação dos autores,

embora através de dados gerais, não há considerações, naquele espaço, sobre os poemas, a não

ser uma exposição, antes da apresentação dos autores, sobre a diversidade de imagens,

personagens e paisagens que eles possuiriam, bem como uma explicação sobre a presença de

algumas letras de música. Vejamos:

Esta antologia de poemas traz obras de autores de diferentes regiões do Brasil, para lhe dar uma imagem abrangente dos personagens e fatos que compõem a rica paisagem brasileira. Mas poesia não é só o que se escreve para a publicação em livros ou jornais: ela também está em nosso cancioneiro, que contém verdadeiras pérolas poéticas, como você poderá constatar. Por isso, incluímos também letras de sambas [...] (BRANDÃO, 2003, p.7).

A justificativa para a presença das letras de música é bem próxima a que Ana Maria

Machado dá, ou seja, a de que existem letras que são verdadeiros poemas; mas Brandão não

fundamenta a sua justificativa, ao contrário da referida escritora, que expõe como condição para

que uma letra possa ser considerada um poema o uso criativo e rico que um compositor faz com a

linguagem (MACHADO, 2001, p.14).

Nesse momento e sob esse aspecto - a representatividade dos autores e textos - é

necessário observar o lugar desses prefaciadores no espaço de trabalho com o livro. De Ana

Page 86: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

Maria Machado, por ser escritora, espera-se uma conscientização mais ampla do autor e de sua

obra, que é exatamente o que acontece. E isso é perceptível não apenas pela maneira detalhada e

fundamentada como ela apresenta autores e obras, mas também pela espécie de “passeio” que ela

faz no prefácio - e que se configura como uma verdadeira aula - pelas diversas épocas literárias,

mais especificamente sobre o lugar e as características do texto poético em cada uma delas.

Ainda analisando a escolha dos autores e textos e o modo como esses são apresentados,

percebemos, como foi dito mais acima, que as três coleções cumpriram os critérios da

diversidade e da representatividade impostos pelo MEC, embora cada uma de forma diferente. A

representatividade e a diversidade que guiaram as escolhas do Cinco Estrelas foi a dos estilos de

época, ou seja, Ana Maria Machado procurou apresentar aos leitores os autores e textos mais

significativos de cada um desses estilos, não deixando, porém, de levar em consideração outros

critérios também muito evidenciados pelos editais, como, por exemplo, a prerrogativa de se

selecionar textos que veiculassem temáticas de interesse do universo infantil, mas também outras

que ampliassem os horizontes deste. Dessa forma, as letras de Chico Buarque, por exemplo,

seriam representativas do referido universo infantil, como João e Maria e Doze anos, mas

também oportunizariam a reflexão sobre fatos bastante discutidos na atualidade, a exemplo do

desrespeito do homem pela natureza, que aparece em Passaredo.

A primeira canção citada se justificaria como adequada ao público infantil por trazer

alguns elementos próprios dos contos de fadas (o próprio título, a presença das figuras do rei e da

princesa), para os quais a própria Ana Maria Machado nos chama a atenção nas “notas

explicativas” que escreve para cada poema. Vejamos a primeira nota e logo abaixo a transcrição

da letra citada: “O título é uma alusão a um conto de fadas. Outros personagens desse universo

infantil tradicional também aparecem no poema: o rei, a princesa.” (p.22).

Agora eu era o herói E o meu cavalo só falava inglês A noiva do cowboy era você além das outras três Eu enfrentava os batalhões, os alemães e seus canhões Guardava o meu bodoque e ensaiava o rock para as matinês Agora eu era o rei Era o bedel e era também juiz E pela minha lei a gente era obrigado a ser feliz E você era a princesa que eu fiz coroar E era tão linda de se admirar Que andava nua pelo meu país Não, não fuja não Finja que agora eu era o seu brinquedo

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Eu era o seu pião, o seu bicho preferido Vem, me dê a mão, a gente agora já não tinha medo No tempo da maldade acho que a gente nem tinha nascido Agora era fatal que o faz-de-conta terminasse assim Pra lá desse quintal era uma noite que não tem mais fim Pois você sumiu no mundo sem me avisar E agora eu era um louco a perguntar O que é que a vida vai fazer de mim?

(PESSOA, 2001, p.17-18)

Já a presença da segunda canção, Doze anos, paródia de um dos poemas mais famosos da

literatura brasileira, Meus oito anos, também se justificaria por expor fatos e elementos próprios

da infância, mas não daquela infância pura dos oito anos de Casimiro de Abreu, autor do poema,

mas uma infância cheia de travessuras - chutando lata, matando passarinho - e que já apontava o

florescimento da adolescência - olhando fechadura, vendo mulher nua, isto é, uma infância bem

próxima à realidade de nossas crianças:

Ai, que saudades que eu tenho Dos meus doze anos Que saudade ingrata Dar banda por aí Fazendo grandes planos E chutando lata Trocando figurinha Matando passarinho Colecionando minhoca Jogando muito botão Rodopiando pião Fazendo troca-troca Ai, que saudades que eu tenho Duma travessura Um futebol de rua Sair pulando muro Olhando fechadura E vendo mulher nua Comendo fruta no pé Chupando picolé Pé-de-moleque, paçoca E disputando troféu Guerra de pipa no céu Concurso de pipoca

(PESSOA, 2001, p.21-22)

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Quanto à canção Passaredo, também de Chico Buarque, nela é apresentada a matança de

animais, no caso passarinhos, pelo homem; matança cuja crueldade fica mais acentuada pela

citação, ao longo de toda a letra, de vários tipos dessa ave, sendo lançado, na direção de todos,

um grito de alerta - “foge”, “vai”, “xô”, “some”, “anda”, “bico calado”, “muito cuidado” - diante

da aproximação do homem - “que o homem vem aí”. Vejamos a letra:

Ei, pintassilgo Oi, pintaroxo Melro, uirapuru Ai, chega-e-vira Engole-vento Saíra, inhambu Foge asa-branca Vai, patativa Tordo, tuju, tuim Xô, tié-sangue Xô, tié-fogo Xô, rouxinol sem fim Some, coleiro Anda, trigueiro Te esconde colibri Voa, macuco Voa, viúva Utiariti Bico calado Toma cuidado Que o homem vem aí O homem vem aí O homem vem aí Ei, quero-quero Oi, tico-tico Anum, pardal, chapim Xô, cotovia Xô, ave-fria Xô, pescador-martim Some, rolinha Anda, andorinha Te esconde, bem-te-vi Voa, bicudo Voa, sanhaço Vai, juriti Bico calado Muito cuidado Que o homem vem aí O homem vem aí O homem vem aí

(PESSOA, 2001, p. 19-20)

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Ora pensando nos interesses dos alunos, ora levando-se em consideração a ampliação dos

horizontes destes, dá-se a seleção do Cinco Estrelas. Acreditamos que poemas como Infância, de

Carlos Drummond de Andrade, e A boneca, de Olavo Bilac, foram escolhidos porque agregariam

as duas coisas: são poemas dos mais (re)conhecidos dentro da obra desses autores, como também

trabalham com assuntos do universo infantil. No primeiro, a memória do eu lírico o conduz a

recordações do pai, da mãe, das leituras da infância. Já o segundo apresenta uma briguinha típica

do universo infantil - duas meninas que discutem pela posse de uma boneca. Por outro lado, um

poema como Canção do exílio, de Gonçalves Dias, está inserido no livro em questão, muito

provavelmente, não por se acreditar que agradaria aos pequenos leitores, mas porque é o poema

mais famoso do citado autor romântico e um dos mais conhecidos da literatura brasileira. Em

seus livros, entrevistas e ensaios Ana Maria Machado está sempre defendendo a oferta dos

clássicos para as crianças. Vejamos as seguintes palavras suas: “[...] a escola deve criar

oportunidades para que os alunos possam chegar à literatura, não apenas à leitura de

entretenimento. Para muita gente, será a única oportunidade na vida de conhecer os clássicos

[...]” (MACHADO, 2004, p.14).

Já no volume Palavras de encantamento, organizado por Marisa Lajolo, há uma maior

diversidade de autores; no total são 10 poetas integrando a coleção, dentre os quais a grande

maioria, exceto Olavo Bilac e Luiz Gama, são poetas da modernidade, além de serem

reconhecidos por seu trabalho com a literatura infantil. Mesmo os autores que são mais

conhecidos por seu trabalho destinado ao público adulto também escreveram para crianças, caso

de Mário Quintana, Ferreira Gullar e Manoel de Barros. Essa predileção pela poesia modernista e

contemporânea é uma constante ao longo das três coleções. O Cinco estrelas, como vimos, apesar

de trazer autores de momentos literários diversos prioriza os modernistas e contemporâneos; nele,

para todos os outros estilos literários são apresentados poemas de apenas um autor, mas, no caso

do Modernismo, esse número aumenta para três: Henriqueta Lisboa, Carlos Drummond de

Andrade e Chico Buarque. O mesmo acontece com a seleção feita para o Trem de Alagoas e

outros poemas. Neste, os autores são divididos em três grupos: o dos autores clássicos, no caso

Álvares de Azevedo, Olavo Bilac, Vicente de Carvalho e Castro Alves, o dos autores modernos,

que agregam um número bem maior, sete no total - Cora Coralina, Manuel Bandeira, Juvenal

Galeano, Ascenso Ferreira, Rachel de Queiroz, Hermínio Bello de Carvalho e Cecília Meireles -

Page 90: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

e a dos poetas de raízes populares, que representariam o cancioneiro brasileiro: Vadico, Noel

Rosa, Carlinhos Vergueiro, Adoniran Barbosa, João Bosco e Aldir Blanc.

Em nenhum dos três volumes é explicitado o porquê dessa ênfase na modernidade, mas

nós arriscamos duas explicações: a primeira recairia nas expectativas que os autores supõem ser a

do público infantil e a segunda teria um caráter quantitativo. Destrinchando, respectivamente,

essas explicações, teríamos o seguinte: sabemos que a linguagem da poesia moderna e outras

características recorrentes nela, como o humor, por exemplo, atenderiam com mais probabilidade

aos interesses e gostos das crianças do que, por exemplo, a poesia barroca, detentora de uma

linguagem mais rebuscada, ou a parnasiana, propulsora da idéia de uma “arte pela arte” que

trabalhava com uma linguagem mais formal. Além do que, se recorrermos à história da literatura

infantil no Brasil, mais especificamente ao gênero poético, iremos constatar que é somente na

primeira década do século XX que vão aparecer obras escritas diretamente ao público infantil, a

exemplo do livro Poesias Infantis, de Olavo Bilac, lançado em 1910 (ARROYO, 1990). E nesses

primeiros tempos, até a década de 70, que é quando ocorre uma espécie de “boom” da literatura

infantil, a produção para crianças era ainda pequena (COELHO, 2003).

Sendo assim, tanto por possuir uma maior produção quanto por, supostamente, atender

com mais facilidade às expectativas do público infantil, a poesia moderna ocuparia um espaço

maior nas coleções do LMC; fato este que, no entanto, não compromete a obediência aos

critérios de representatividade e diversidade exigidos nos editais, pois, como vimos, estes foram

cumpridos, embora cada coleção os tenha trazido de um modo próprio: o Cinco Estrelas se

concentrou na diversidade e representatividade dos estilos de época; o Palavras de encantamento

na diversidade e representatividade da literatura infantil contemporânea; já o Trem de Alagoas e

outros poemas procurou eleger textos que fossem representativos das diversas paisagens

brasileiras; para compô-lo foram selecionados poetas de diferentes regiões cujos poemas

pudessem levar os leitores a conhecer paisagens e cenas de vários cantos do Brasil (BRANDÃO,

2003).

No entanto, em relação a este último, uma ressalva precisa ser feita. Ao lermos os poemas

escolhidos, percebemos que essa diversidade regional vai estar presente mais no fato dos autores

escolhidos serem de regiões diversas do que na diversidade de cenas e paisagens que os textos

apresentam.

Page 91: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

O discurso proclamado pela “turma da editora”, em um texto introdutório que antecipa o

de Eduardo Brandão, se assemelha, em seu teor cívico, ao discurso de Olavo Bilac e do ensaísta

Manoel Bonfim em prefácio de um livro de leitura, escrito em parceria e lançado em 1910 para

ser trabalhado no curso médio das escolas primárias do país. Estamos nos referindo a Através do

Brasil, que narra a trajetória de dois garotos que, em busca do pai, fazem uma viagem pelo

território nacional, conhecendo sua gente, seus costumes, bem como a diversidade lingüística e as

paisagens que o atravessam de norte a sul.

Ao lermos o referido prefácio, intitulado “Advertência e Explicação”, percebemos o

cunho cívico-pedagógico que os autores imprimiram à narrativa e o quanto o discurso expresso

por eles se assemelha, como comentamos, àquele escrito pela equipe da editora do livro Trem de

Alagoas e outros poemas. Comparemos os discursos:

Estamos certos que a criança, com a sua simples leitura, já lucraria alguma coisa: aprenderá a conhecer um pouco o Brasil; terá uma visão, a um tempo geral e concreta, da vida brasileira – as suas gentes, os seus costumes, as suas paisagens, os aspectos distintivos. (BILAC; BONFIM, 2000, p. 6) Quisemos também que, além desse amor à leitura, a seleção de textos proporcionasse um amplo retrato do Brasil [...] que os poemas e narrativas escolhidas, ajudando-o a conhecer melhor nosso país, suas paisagens, sua gente e seus costumes, levem você a amá-lo cada vez mais. (RIVERA, 2003, p.2)

A narrativa de Através do Brasil realmente traz esses aspectos da vida brasileira

substanciados em suas páginas, já em Trem de Alagoas e outros poemas não: os poemas são de

autores de lugares diversos, mas seus textos, em sua maioria, não revelam as particularidades

desses lugares, a diversidade de gente e de costumes, embora alguns escapem a essa falta;

poemas como Ô de casa!, de Cora Coralina, realmente apresentam os costumes e a gente de um

lugar demarcado: o da roça, com “práticas que se cumpriam religiosamente”; práticas estas que o

eu lírico vai descrevendo ao longo do poema.

Mas, se observamos um poema como A onda, de Manuel Bandeira, ou letras de música

como Labirinto, de Hermínio Borba Filho, e Prenda minha, de autor desconhecido, para ficarmos

só em três exemplos, constatamos que eles não dizem nada de hábitos ou paisagens específicas

de algum lugar do Brasil. No primeiro, temos uma espécie de jogo lingüístico com o vocábulo

“onda”, relacionando-a a outros vocábulos que têm uma proximidade sonora com ele e sugerindo

o barulho e o balançar das ondas do mar. Já a segunda traça uma discussão sobre uma espécie de

Page 92: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

receio de ficar preso a certas banalidades da vida; sob uma confissão expressa de maneira triste, o

eu lírico fala que perdeu a capacidade de reter as coisas boas em sua memória. E a terceira é uma

letra que discursa sobre a chegada do amor. Vejamos os três textos:

A onda

a onda a onda anda a onda? a onda ainda ainda onda ainda onda aonde? aonde? A onda a onda (RIVERA, 2003, p.33)

Labirinto

Acho bonito falar alemão. Por isso, talvez, eu não queira aprender a falar alemão. Seu eu falasse alemão as pessoas iriam dizer, simplesmente, “ele fala alemão” e aí perderia toda a graça. A graça está em achar bonito falar alemão. Por isso, às vezes, eu deixo de fazer algumas coisas. Deixo de dizer que te amo porque dizer que te amo soaria como uma banalidade a mais nesse mundo cheio de banalidades. e onde habito eu, um poeta das banalidades E simplesmente me calo, deixo a barba crescer escrevo poemas para depois apagá-los de minha lembrança e esqueço coisas que seriam inesquecíveis simplesmente porque perdi a capacidade de reter as coisas boas em minha memória.

(RIVERA, 2003, p.45)

Prenda minha

Vou-me embora, vou-me embora Prenda minha Tenho muito que fazer Tenho de ir para o rodeio, prenda minha

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No campo do bem querer Noite escura, noite escura Prenda minha Toda noite me atentou Quando foi de madrugada Prenda minha Foi-se embora e me deixou Troncos secos deram frutos Prenda minha Coração reverdeceu Riu-se a própria natureza Prenda minha No dia em que o amor nasceu.

(RIVERA, 2003, p.51)

Quando encontramos algum poema ou letra de música que apresente um lugar, uma

paisagem, um costume específico, estes aparecem apenas como uma espécie de pano de fundo

para falar de assuntos outros. Um bom exemplo para ilustrar o que estamos afirmando é o texto

Telha de vidro, de Raquel de Queiroz:

Telha de vidro

Quando a moça da cidade chegou veio morar na fazenda, na casa velha... Tão velha! Quem fez aquela casa foi o bisavô... Deram-lhe para dormir a camarinha, uma alcova sem luzes, tão escura! mergulhada na tristura de sua treva e de sua única portinha...

A moça não disse nada, mas mandou buscar na cidade uma telha de vidro... Queria que ficasse iluminada sua camarinha sem claridade...

Agora, o quarto onde ela mora é o quarto mais alegre da fazenda, tão claro que, ao meio dia, aparece uma renda de arabesco de sol nos ladrilhos vermelhos, que — coitados — tão velhos só hoje é que conhecem a luz doa dia... A luz branca e fria também se mete às vezes pelo clarão

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da telha milagrosa... Ou alguma estrela audaciosa careteia no espelho onde a moça se penteia.

Que linda camarinha! Era tão feia! — Você me disse um dia que sua vida era toda escuridão cinzenta, fria, sem um luar, sem um clarão... Por que você na experimenta? A moça foi tão vem sucedida... Ponha uma telha de vidro em sua vida!

(RIVERA, 2003, p.41)

Nele, aparece a imagem de uma moça da cidade que vai morar na roça, na casa velha do

avô, mas não são os hábitos e particularidades da roça que o texto mostra. Ele é, na verdade,

construído a partir de uma metáfora apresentada já desde o seu título. A moça, ao colocar uma

telha de vidro no quarto em que dorme, consegue subverter a escuridão que havia nele. Ao final,

é sugerido a partir do exemplo da moça: “Por que você não experimenta?/ A moça foi tão bem

sucedida.../Ponha uma telha de vidro em sua vida”. A telha de vidro, então, seria metáfora para

alguma mudança, ação que possa ser realizada para melhorar a vida.

Através dos poemas citados, pudemos apreender o que comentamos anteriormente: a

diversidade que a editora Martins Fontes pretendia apresentar através do volume Trem de

Alagoas e outros poemas, ou seja, a diversidade de paisagens, de gente e de costumes brasileiros

não se faz tão presente nos textos selecionados. Na verdade, nós não temos nem mesmo a

confirmação, exposta em um dos textos introdutórios, do fato dos autores serem de diferentes

regiões brasileiras, pois, apesar de termos alguns nordestinos, a exemplo de Raquel de Queiroz,

Ascenso Ferreira e Manuel Bandeira, há uma concentração de autores da região sudeste, em

especial do Rio de Janeiro e de São Paulo. Dentre os dezessete nomes presentes no Trem de

Alagoas e outros poemas, 10 são dos estados citados.

4.2.2 Sobre leitura e leitores

4.2.2.1 Leitura e prazer: o mundo maravilhoso do texto

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Dialogando com a tradição de incentivo à leitura, a concepção que aparece mais

enfaticamente nos livros em análise é a que associa a leitura ao prazer, a que divulga o mundo

maravilhoso do texto. Segundo Luiz Percival Leme Britto (2003), cuja opinião é compartilhada

por Abreu (2001), a referida concepção - a da leitura como entretenimento, como diversão - é a

imagem mais presente em campanhas de promoção do livro e da leitura. Ela se sustentaria em

uma certa tradição da crítica e supõe desligamento do mundo real e forte caráter subjetivo

(BRITTO, 2003).

No volume Cinco Estrelas, por exemplo, a leitura é apresentada como uma espécie de

brincadeira, de encantamento que envolve o leitor e o faz se esquecer da hora. Vejamos:

Esta é uma coleção de livros para você ler na escola – e levar para casa também. Sabe aquela brincadeira que prende a atenção e faz a gente se esquecer da hora? Quando o escritor é bom, acontece a mesma coisa: o livro encanta e envolve a gente. Os autores que você vai ler formam um time de craques da nossa literatura. Pela primeira vez estão juntos, especialmente convocados para esta seleção. (PESSOA, 2001, p.6)

O referido trecho, além de colocar em evidência a preocupação com a circulação dos

livros, estabelecendo como destino para eles tanto a escola quanto a casa dos alunos, apresenta

essa relação entre leitura e prazer sob um aspecto interessante: a condição para que o leitor se

encante é a de que o autor seja bom e não especificamente o texto; aspecto coerente com a ênfase

que o Cinco Estrelas confere à questão da autoria. Já expomos como uma possível causa para

essa ênfase o fato de a organizadora, Ana Maria Machado, ser escritora; no entanto, o trecho

citado não é de Ana Maria Machado, mas parece ser - pois não está assinado - da equipe editorial,

que apresenta a coleção de livros, da qual o Cinco Estrelas é apenas um dos volumes.

Nessa apresentação “editorial”, exposta antes do texto introdutório de Ana Maria

Machado, vemos presente os mesmos recursos de valorização dos autores que integram o

volume, inclusive a importância da organizadora, apresentada como uma escritora que ganhou

diversos prêmios literários, inclusive o Hans Christian Andersen, considerado o Nobel da

literatura infanto-juvenil. Já as características dos escritores que integram a coleção estão sempre

associando a leitura ao prazer, ao encantamento, à emoção: os textos de Luiz Fernando

Veríssimo, por exemplo, fariam os leitores rirem e se emocionarem e Chico Buarque seria capaz

de convencer que poesia pode ser fácil e gostoso (MACHADO, 2001).

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Os dois adjetivos citados como uma espécie de condição para que a criança possa

estabelecer uma relação de empatia com o texto poético partem do pressuposto de que esse tipo

de texto é considerado difícil e chato. As pesquisas realizadas pelo INAF confirmam essa

consideração e apontam a escola como um espaço que tem grande responsabilidade por esse

desinteresse pela poesia. O índice de leitores desse gênero é pequeno e decresce entre os que

cursaram o Ensino Superior. Segundo Marica Abreu (2003, pp. 39-40):

A permanência na escola parece inibir até mesmo o gosto pela leitura de poesias: 28% dos que passam pelo segundo segmento do Ensino Fundamental dizem que costumam ler poesia, números que sobem ligeiramente (29%) entre os que foram ao ensino médio e caem fortemente entre os que estiveram em um curso superior (16%).

Entretanto, além do fato citado, a idéia da leitura, no caso específico da leitura de poesia,

ter que ser fácil e prazerosa recai no que Luiz Percival Leme Britto (2003, p.108) denominou de

“pedagogia do gostoso”:

Neutralizando a diferença fundamental estabelecida por Barthes, generalizou-se a idéia de que o que se faz com prazer é mais gostoso e mais fácil de aprender. Escamoteando a necessidade de disciplina e de trabalho, difundiu-se a crença de que a educação não pode ser chata, tem de ser natural. [...] a produção desta prática de leitura, que em outra oportunidade chamei de pedagogia do gostoso, favorece tanto o desenvolvimento de uma produção editorial de textos facilitados, colados na oralidade, de reprodução do senso comum, como uma aversão ao senso crítico e ao estudo sistemático.

A partir da citação acima, algumas considerações precisam ser feitas. A primeira diz

respeito à própria natureza do LMC, que, apesar de ter a escola como distribuidora,

intermediadora das coleções, o objetivo maior era o de que essas coleções fossem lidas

despretensiosamente, distantes do contexto de avaliação cobrado nas escolas. Assim, se dentro do

espaço escolar já se enfatiza a necessidade de um trabalho com a leitura que fosse perpassado

pelo prazer, fora dele essa idéia se firma com mais força ainda. E, tendo em vista a constatação de

que os leitores não lêem muito o gênero poético, nada mais natural que Ana Maria Machado

tentasse causar uma impressão positiva no leitor em relação ao referido gênero.

Outra consideração diz respeito ao que Luiz Percival Leme Britto expõe como

conseqüência dessa “pedagogia do gostoso”, e que seria o favorecimento da produção de textos

facilitados, que não pudessem incitar uma leitura crítica. Primeiro, sabemos, como o próprio

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Britto (2003) afirma, que o problema não tem a ver diretamente com o texto em si, mas com o

modo de recepção do texto. Recordemos Chartier ( 1999, p. 7): “a leitura é rebelde e vadia” e se,

por um lado, o leitor se depara com a tentativa de controle da produção de sentido expressa por

algumas instâncias que trabalham com o livro, como, por exemplo, o autor, o livreiro-editor, o

ilustrador, por outro lado “os artifícios de que lançam os leitores para obter um livro proibido, ler

nas entrelinhas, e subverter as lições impostas são infinitos” (CHARTIER, 1999, p.7). O leitor

não é um sujeito neutro, mas um ser histórico que constrói os sentidos que lê a partir de suas

referências sócio-culturais (BRITTO, 2003).

Em segundo lugar, vimos que as coleções escolhidas para compor o LMC obedeceram a

uma rigorosa seleção, apesar de contradições existentes em certos volumes, como no caso do

Trem de Alagoas e outros poemas, cujo contato com a diversidade de costumes, gente e

paisagens do território brasileiro, apesar de ser trazida no texto introdutório como um dos

objetivos do volume, quando nos confrontamos com os poemas, não encontramos a sua presença.

Os poemas escolhidos para compor as antologias estão longe de ser “textos facilitados”,

tanto que nos editais o MEC aconselha a presença de “notas explicativas”, embora, muitas vezes,

essas notas ou não acrescentem nenhuma informação de valor ao texto ou induzam a

interpretação do leitor de uma forma que condiciona o que o MEC pediu para ser evitado, ou seja,

o “didatismo”15.

O trecho de Britto que citamos ainda suscita algumas discussões em torno da concepção

de prazer que atravessa o contexto escolar e as campanhas de promoção da leitura. Como vimos,

ele afirma que se costuma neutralizar a diferença apontada por Barthes. E que diferença seria

essa, qual seria a concepção de prazer que validaria o discurso em torno da necessidade de prazer

no ato da leitura? Bem, Barthes demarca a diferença entre texto de prazer e texto de fruição,

sempre expressando a linha tênue dessa demarcação. Ele indaga: “O prazer não é uma pequena

fruição? A fruição não é apenas um prazer extremo?” (BARTHES, 2004, p. 27). A diferença ele

traduz em termos de sensações que cada texto - o de prazer e o de fruição - pode provocar nos

leitores:

Texto de prazer: aquele que contenta, enche, dá euforia; aquele que vem da cultura, não rompe com ela, está ligado a uma prática confortável de leitura.

15 Uma discussão mais detalhada acerca da presença dessas notas explicativas será feita mais à frente, quando estivermos analisando a concepção de leitor.

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Texto de fruição: aquele que põe em estado de perda, aquele que desconforta (até um certo enfado), faz vacilar as bases históricas, culturais e psicológicas do leitor, a consistência de seus gostos, de seus valores e de suas lembranças, faz entrar em crise sua relação com a linguagem. (BARTHES, 2004, p. 20-21).

E é essa espécie de prazer associado a uma “prática confortável de leitura” que Britto

critica em seus textos. Segundo ele:

[...] em função do debate escolar sobre a leitura e de um entendimento estreito da idéia de fruição do texto, vulgarizada a partir de livros como O prazer do texto, de Rolando Barthes, e Sobre a Leitura, de Marcel Proust, passou-se a promover a leitura de entretenimento, enfatizando-se o envolvimento emocional do leitor com a narrativa de ficção ou a identidade imediata entre o mundo do texto e o mundo do leitor. (BRITTO, 1999, p. 86).

Márcia Abreu (2001, p.150), tecendo uma crítica às campanhas de promoção de leitura,

fala dessa mesma leitura de evasão e de identificação entre leitor e texto que aquelas campanhas

divulgam. São palavras suas: “A leitura que se quer estimular é a de identificação e evasão,

aquela que faz com que o leitor se sinta Peri em uma academia de ginástica”.

A referida pesquisadora defende a idéia de que o governo desperdiça dinheiro com esse

tipo de campanha, pois o brasileiro se interessa pela leitura, só que a idéia de uma leitura mítica,

associada sempre ao prazer, à tranqüilidade, ao conforto, ao saber fecha os nossos olhos para

outras práticas de leitura existentes no cotidiano, que nem sempre se relacionam aos substantivos

citados (ABREU, 2001).

Essa leitura de evasão, de entretenimento relacionada sempre ao prazer vai aparecer nos

três volumes analisados. Vejamos alguns fragmentos dos textos introdutórios que confirmam essa

afirmação:

Do volume Cinco Estrelas:

Sabe aquela brincadeira que prende a atenção e faz a gente se esquecer da hora? Quando o escritor é bom, acontece a mesma coisa: o livro encanta e envolve a gente [...] Você vai rir e se emocionar com os personagens que o gaúcho Luiz Fernando Veríssimo é capaz de inventar [...] Chico Buarque vai convencer você de que poesia pode ser fácil e gostoso de ler [...] Prepare-se para uma viagem pela literatura com o prazer de quem vai começar um jogo com amigos queridos (PESSOA, 2001, pp.5-6).

Page 99: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

Nesse primeiro trecho, já podemos apreender as duas metáforas, também presentes nos

outros volumes, que vão caracterizar a relação entre leitura e prazer: a metáfora do

jogo/brincadeira e a da viagem. No volume Cinco Estrelas, essas metáforas são construídas a

partir da relação leitor/autor. Como vimos, em momento anterior, nesse trabalho, o referido

volume concede bastante destaque à figura do escritor. Sendo assim, os efeitos de prazer e de

emoção suscitados pela leitura o leitor os sentiria não exatamente a partir do contato com o texto,

mas com o autor do texto. A condição estabelecida para que esses efeitos surjam não é a de que o

texto seja bom, mas a de que o escritor o seja. O jogo estabelecido é entre o leitor e o autor: “um

jogo com amigos queridos” (2001, p.6). E a idéia de viajar “pela literatura” tanto pode referir-se

ao trânsito que o leitor terá a oportunidade de fazer pelas diversas épocas literárias, conhecendo

os autores de maior destaque em cada uma delas, já que o Cinco Estrelas procurou escolher

textos de momentos diversos, como também relacionar-se ao fato de querer apresentar para a o

leitor o efeito de evasão a que ele vai chegar através da literatura, ou seja, tendo a literatura como

instrumento, meio.

Uma das obras que Britto (1999) comenta ter influenciado na sedimentação de uma idéia

distorcida do prazer provocado pela leitura foi o Sobre a Leitura, do escritor francês Marcel

Proust. E a relação entre leitura e prazer revelada no trecho citado lembra muito a existente nessa

obra de Proust. A idéia da brincadeira que prende a atenção e faz esquecer a hora vai estar

presente em diversas imagens descritas por Proust ao mostrar o estado de encantamento

provocado pela leitura, capaz de fazer o pequeno leitor renunciar a outras fontes de divertimento,

como algumas brincadeiras típicas da infância. Vejamos um trecho que ilustra isso:

Talvez não haja na nossa infância dias que tenhamos vivido tão plenamente como a aqueles que pensamos ter deixado passar sem vivê-los, aqueles que passamos em companhia de um livro predileto. Era como se tudo aquilo que para os outros os transformava em dias cheios, nós desprezássemos como um obstáculo vulgar a um prazer divino: o convite de um para um jogo exatamente na passagem mais interessante, a abelha ou o raio de sol que nos forçava a erguer os olhos da página ou mudar de lugar, a merenda que nos obrigávamos a levar e que deixávamos intocada no banco, enquanto em nossa cabeça o sol empalidecia no céu azul, o jantar que nos fazia voltar para casa e em cujo fim não deixávamos de pensar para, logo em seguida, poder terminar o capítulo interrompido, tudo isso que a leitura nos fazia perceber apenas como inconveniências [...] (PROUST, 1991, p.9, grifo nosso).

Page 100: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

Temos expressa nesse trecho de Proust uma relação entre leitura e prazer que toma

proporções gigantescas: há um desligamento quase total do mundo real, substituído pelo mundo

da fantasia, isto é, pelo mundo construído pelo e a partir dos livros. Todas as atividades e

acontecimentos da realidade são descritos como obstáculos ao único prazer verdadeiramente

possível - um “prazer divino”: aquele causado pela leitura. Dizemos “único”, pois até mesmo os

fatos do cotidiano que, freqüentemente, costumam ser fonte de deleite para uma criança, como o

jogo e a merenda, por exemplo, são descritos em termos de total apatia frente às possibilidades de

encantamento provocadas pelo contato com o livro.

É interessante observar, porém, que essa leitura de prazer não é uma leitura onde cabe

qualquer objeto; o objeto não é um livro qualquer, mas “um livro predileto”; caso do trecho

citado do volume Cinco Estrelas; porém, neste, a condição do efeito de prazer e de encantamento

é conferida não à relação livro/leitor, mas à figura do autor, não se levando em consideração os

gostos e interesses particulares: bastaria o escritor ser bom! A exposição dessa idéia, na verdade,

faz a editora aparentar total controle sobre a certeza de que o volume irá agradar quaisquer

leitores.

E nós não podemos esquecer que além da importância de se ter feito uma seleção de

autores e textos que agradassem os membros do MEC, ou seja, que obedecessem às imposições

do edital, os textos introdutórios, sendo escritos numa linguagem sedutora e persuasiva, era um

elemento a mais do qual as editoras poderiam se servir para conseguir que seus livros fossem

selecionados.

Do volume Palavras de Encantamento:

Poesia brinca com a linguagem cotidiana, dando uma vontade danada de ser poeta também, de brincar com as palavras, de criar mundos e seres fantásticos, ou de ver os seres fantásticos que vivem em nós mesmos, em nossa vida e a nosso lado. Um poema deixa leitores e ouvintes encantados [...] Você não quer entrar nesse reino de palavras? (LAJOLO, 2001, p.6)

O trecho acima traz a mesma concepção de prazer associada a uma espécie de brincadeira,

de viagem. Todavia, essa brincadeira se refere tanto ao processo de leitura quanto ao de criação

do texto: a brincadeira que o poeta faz com as palavras, ou seja, que é intrínseca ao ato criador, se

estende para a relação entre o leitor e o texto originado, podendo se dar sob duas formas: a que

Page 101: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

contempla a evasão provocada pela leitura, imprimindo no leitor a capacidade de recriar a

realidade existente, tanto a realidade exterior quanto a realidade interior, e a que provoca no leitor

o desejo de ocupar um lugar de autor, ou seja, de também brincar com as palavras e criar

universos e seres fantásticos.

Essa brincadeira que o poeta realiza com as palavras cujo resultado, o texto, pode

envolver o leitor a ponto de despertar nele o desejo de também criar, nos faz recordar a relação

estabelecida por Roland Barthes (2004, p.9) entre o prazer do autor e o prazer do leitor:

Se leio com prazer essa frase, essa história ou essa palavra, é porque foram escritas no prazer (esse prazer não está em contradição com as queixas do escritor). Mas e o contrário? Escrever no prazer me assegura – a mim, escritor – o prazer do meu leitor? De modo algum. Esse leitor, é mister que eu o procure (que eu o “drague”), sem saber onde ele está. Um espaço de fruição fica então criado. Não é a “pessoa” do outro que me é necessária, é o espaço: a possibilidade de uma dialética do desejo, de uma impressão do desfrute: que os dados não estejam lançados, que haja um jogo.

Ao contrário do que tínhamos no volume Cinco Estrelas, a garantia de que se o escritor

fosse bom seus textos agradariam, Barthes argumenta que o prazer do autor não é garantia do

prazer do leitor, o que se cria é uma possibilidade, um espaço - “espaço de fruição” - que pode ou

não ser adentrado pelo leitor. A idéia desse prazer é, na verdade, muita mais voltada para a da

fruição, ou seja, não é um prazer relacionado apenas a uma sensação de deleite, de contentamento

e de conforto, mas sim aquele que também angustia, desconcerta, que agrega as “queixas do

escritor”.

A outra condicionante, porém, Barthes tem como verdadeira: se o leitor sente prazer na

leitura de um texto isso significa que esse texto foi criado no prazer; nesse caso, o leitor teria se

deparado com aquele espaço de fruição construído no ato de criação.

Ainda associada à idéia de viagem, de evasão, temos o poema apresentado como um

reino, espaço que faz parte de uma imagem muito presente no universo infantil: a de um lugar de

príncipes, princesas, fantasia, histórias fantásticas, ou seja, um espaço que facilmente seduz o

público infantil. O da poesia seria um “reino de palavras”, onde para adentrá-lo a única chave é a

leitura do livro que era entregue em mãos.

Do volume Trem de Alagoas e outros poemas:

Page 102: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

Poesia já é uma espécie de viagem, em que nossa emoção, nossa imaginação voam. O poeta, com suas idéias, suas imagens, o ritmo das suas palavras, nos leva para um mundo imaginário que vamos criando gostosamente, de verso em verso [...] A viagem poética também nos leva a outros rumos: ela nos fala de impressões, de sentimentos, de idéias que o poeta tem da vida, do mundo, do próprio cotidiano. É uma viagem que nos faz sonhar, pensar, rir e até chorar. Uma viagem para dentro de nós mesmos. (BRANDÃO, 2003, p.6)

Poderíamos dizer que “viagem” é o vocábulo-chave para entendermos a relação entre

leitura e prazer existente no volume Trem de Alagoas e outros poemas, bem como para

entendermos o que os editores objetivavam com a seleção de autores e textos feita para o referido

volume.

A idéia da editora, apresentada nos trechos introdutórios, era a de fazer com que o leitor

pudesse, através das imagens e personagens retratados nos poemas, conhecer o Brasil: sua gente,

seus costumes e suas paisagens. Segundo Brandão (2003, p.5): “Com esta antologia poética,

queremos convidá-lo a fazer uma viagem por nosso Brasil”.

Já a idéia da poesia como uma viagem desencadeia uma concepção de leitura que, como

temos apresentado, está presente em todos os volumes que são objeto de nossa análise: a da

leitura como entretenimento, evasão. As palavras relacionadas a esse tipo de leitura são

recorrentes em todo o trecho: emoção, imaginação, imaginário, impressões, sentimentos. No

entanto, no Trem de Alagoas e outros poemas temos explicitados quais elementos do texto

poético - imagem, ritmo e idéias - seriam os responsáveis por essa viagem, que, assim como em

Palavras de Encantamento, além de fazer com que o leitor se desligue da realidade e passeie por

universos fantásticos, tem o poder também de permitir que esse leitor se encontre consigo

mesmo, com o seu mundo interior.

4.2.2.2 Leitores: entre liberdades e interdições

O LMC conferiu um lugar de destaque à figura do leitor. Lembremos que os livros foram

selecionados para serem entregues diretamente aos alunos da rede pública - comunidade de

leitores a quem se dirigia o programa. Sendo assim, desde essa opção de entrega, passando pelos

critérios impostos pelos editais e chegando às páginas dos livros selecionados, o leitor teve seu

espaço garantido. No entanto, a ocupação desse lugar sempre oscilou entre dois pólos. Vejamos:

Page 103: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

por um lado, o leitor, tendo a posse do livro, poderia lê-lo distante da obrigatoriedade e

autoridade através das quais se articulam a leitura na escola; mas, por outro lado, era

“confrontado por todo um conjunto de constrangimentos e regras” (CHARTIER, 1999, p.7).

Comecemos explicando esses “constrangimentos e regras” a partir do texto dos editais.

Nele, o MEC alertava as editoras para a necessidade de se conhecer os interesses e gostos do

público atual para que os textos escolhidos pudessem atendê-los, mas também, pensando na

ampliação dessa rede de expectativas, dizia ser importante ofertar outros tipos de textos, daí a

importância de se ter trabalhado com a diversidade que, como vimos, é uma idéia-chave para

entendermos as escolhas realizadas pelo MEC e a composição das coleções. No entanto, quando

observamos a seleção de autores e textos realizada pelas editoras, bem como algumas idéias que

se desenvolvem nos textos introdutórios, percebemos que elas estavam mais preocupadas em

atender prontamente a certos pontos dos editais do que às expectativas dos leitores, ou seja,

estavam mais interessadas em provar ao MEC que as coleções se encaixavam nos moldes que ele

tinha elaborado. Sendo assim, apesar de se dirigirem à comunidade de leitores que iria receber as

coleções, a preocupação com os leitores do MEC, seu colegiado de professores e sua comissão

técnica, esteve a todo tempo presente no trabalho das editoras. Em síntese, são dois os leitores

que aparecem nas coleções: o público infantil das escolas da rede pública que as receberiam e o

MEC, na figura de seu colegiado de professores e de sua comissão técnica.

Nos três volumes que selecionamos para análise percebemos escolhas e estratégias feitas

para aproximar o leitor, tanto o leitor infantil quanto o leitor do MEC. Direcionado ao primeiro,

temos a opção pela escrita de uma linguagem simples, coloquial informal, tanto que o texto

introdutório de Palavras de Encantamento foi escrito, por Marisa Lajolo, no gênero carta,

explícito desde o título, “Carta aos leitores”, passando pela saudação inicial e estando também

presente na imagem que ampara o texto: o desenho de uma folha de caderno e a figura, ao final

do texto, de um envelope aberto. Vejamos o trecho inicial dessa “cartinha”:

Olá meninas, alô meninos, oi todo mundo! Este é um livro de poesia. Palavras de encantamento talvez seja o primeiro livro de poesia de sua biblioteca. Ou quem sabe você coleciona poemas? De qualquer maneira, você já leu e ouviu poesia. Ouviu e leu poesia na escola, em letras de música, no pregão de um vendedor de feira, num cartaz na parede. Talvez até você tenha escrito ou tenha tido vontade de escrever poemas. Você sabe como é um poema, não é mesmo? (2001, p.5).

Page 104: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

A primeira consideração que podemos extrair do trecho citado é a preocupação com a

circulação dos livros, a intenção de atingir um público extenso, não apenas o infantil. Intenção

esta deixada explícita no último parágrafo do texto, quando Marisa Lajolo estende a possibilidade

de acesso ao livro e aos amigos, colegas e familiares dos leitores que receberiam os livros: “Você

não quer entrar nesse reino de palavras? A chave é sua, que tem este livro nas mãos, e nele cabe

você, cabem seus amigos, seus colegas, sua família” (2001, p.6).

Ela joga com todas as possibilidades de leitores, não exatamente em relação ao hábito de

leitura de poesia, mas à posse mesma do livro desse gênero: “Palavras de Encantamento talvez

seja o primeiro livro de poesia de sua biblioteca. Ou quem sabe você coleciona poemas?” (2001,

p.5). E é pautada, assim, na diversidade, que ela une os diferentes leitores em torno do fato de que

todos já leram poesia, pois esta estaria presente nos mais diversos espaços: a poesia estudada nas

escolas, a dos cordéis vendidos nas feiras, aquela que está nas letras de música.

Ainda inserida nessa abertura para a diversidade, Lajolo considera a criatividade do leitor,

a possibilidade de existir entre os leitores do LMC pessoas que também tenham gosto pela escrita

da poesia. Mais à frente, reforça essa idéia ao afirmar que a leitura de poesia provoca uma

vontade danada de ser poeta também, de brincar com as palavras e criar mundos fantásticos: “[...]

poesia brinca com a linguagem cotidiana, dando uma vontade danada de ser poeta também, de

brincar com as palavras, de criar mundos e seres fantásticos [...]” (LAJOLO, 2001, p.6).

Encontramos no Palavras de Encantamento um recurso de aproximação do leitor que vai

estar presente em todos os outros também. Estamos falando nos momentos em que os

prefaciadores, em tom de convite ou questionamento, se dirigem aos leitores. Vejamos exemplos

dos três volumes:

Do Palavras de Encantamento:

“Você sabe como é um poema, não é mesmo?” (p.5)

“Você não quer entrar nesse reino de palavras?” (p.6)

Do Cinco Estrelas:

“Sabe aquela brincadeira que prende a atenção e faz a gente se esquecer da hora? (p.5)

Do Trem de Alagoas e outros poemas:

Page 105: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

“Quer ver como é?” (p.5)

“Curiosa maneira de ver as coisas, não acha?” (p.6)

Ainda no tocante a esses “recursos de aproximação do leitor” temos no Trem de Alagoas e

outros poemas um texto introdutório, assinado pela “turma da editora”, escrito sob a forma de um

recadinho, tanto que o título dado ao texto é “Nosso recado”. Neste, além da coloquialidade da

linguagem, que não poderia ser mais adequada, visto que o texto pretende ser um recado, a

editora Martins Fontes tenta mostrar que sua relação com o livro vai além de uma simples relação

comercial, configurando-se como uma paixão. Vejamos o trecho inicial desse texto: Livro, para nós, é muito mais que uma profissão, que o nosso meio de vida. É uma paixão. E, você sabe, quando a gente gosta muito de uma coisa, fica querendo que todo o mundo compartilhe esse entusiasmo. Por isso, esta coleção também foi, para nós, um meio de transmitir essa nossa paixão pelo livro e contribuir para enraizar em você o gosto pela leitura (RIVERA, 2003, p.2).

A exposição entusiasmada dessa paixão pelo livro e a intenção de compartilhá-la com o

leitor, através da idéia de que quando a gente gosta demais de uma coisa quer levá-la ao

conhecimento dos outros, é uma tentativa de despertar o desejo do leitor para a leitura dos livros,

mas também de chamar a atenção de leitores “especiais”, ou seja, o colegiado de professores e a

comissão técnica formada pelo MEC para selecionar os livros. Não podemos esquecer que as

editores, ao criarem as coleções, estavam interessadas em provar o quão elas eram

suficientemente boas para fazerem parte do LMC. E essa qualidade, além de ser mostrada através

da obediência aos critérios estabelecidos pelo MEC, também era apresentada nos textos

introdutórios, bem como nos textos de apresentação dos autores.

Dizer, por exemplo, que aqueles que participaram da criação das coleções, ou seja, a

“turma da editora”, possui não apenas uma relação profissional, mas também de amor para com o

livro, confere um papel de leitor especial aos membros da editora, um leitor apaixonado, atento,

capaz de realizar um trabalho de qualidade. Mas, este é apenas um exemplo, dentre tantos, em

que é nítida a preocupação em mostrar credibilidade e qualidade ao MEC. Outro recurso muito

presente, por exemplo, é mostrar, a qualidade dos textos e autores escolhidos, seja através da

exposição de qualidades existentes na obra desses autores, seja através da enumeração de prêmios

angariados pelos mesmos. O volume Cinco Estrelas é o que mais vai trabalhar esses recursos,

Page 106: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

mas os encontramos, em menor ou maior grau, nos três volumes. Vejamos um fragmento do texto

editorial que antecede o prefácio de Ana Maria Machado:

Você vai rir e se emocionar com os personagens que o gaúcho Luis Fernando Veríssimo é capaz de inventar. O paulista José Roberto Torero estréia na literatura para crianças e jovens, a carioca Sylvia Orthof prova que sabe escrever como poucos. Chico Buarque vai convencer você de que poesia pode ser fácil e gostoso de ler, e o mineiro Carlos Drummond de Andrade resgata memórias da infância – reinando como o mestre que sempre foi. É a escritora Ana Maria Machado quem apresenta este time de estrelas [...] Ana ganhou em 2001 o mais importante prêmio literário nacional, e um ano antes recebeu o Hans Christian Andersen, considerada o Nobel da Literatura Infantil (2001, p. 6-7).

No trecho citado temos os dois recursos: o da apresentação de características dos autores

que mostram a qualidade de suas obras e a certeza de que os leitores vão se agradar dos seus

escritos e a enumeração de prêmios recebidos; no caso, não especificamente a exposição de

prêmios concedidos aos autores, mas à organizadora do volume: Ana Maria Machado. Dos outros

dois volumes também podemos extrair exemplos. No Palavras de Encantamento, por exemplo,

em relação aos escritores estão sempre sendo divulgados os prêmios que eles receberam e sua

posição de destaque dentro da literatura brasileira. Citaremos dois exemplos. Sobre Elisa Lucinda

temos: “Elisa Lucinda é considerada um dos maiores fenômenos da poesia brasileira. A menina

transparente, poema que marca sua estréia na literatura infantil, recebeu o prêmio Altamente

Recomendável da FNLIJ (Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil)” (2001, p.33). Já sobre

Elias José é exposto: “José recebeu diversos prêmios, entre eles, Jabuti e APCA. Vários de seus

livros foram traduzidos e publicados no México, Argentina, Polônia, Estados Unidos e

Nicarágua” (2001, p.33).

No Trem de Alagoas e outros poemas, embora as estratégias citadas acima tenham sido

bem menos utilizadas, ainda assim encontramos alguns exemplos. Nele, Castro Alves é

apresentado como “o mais brilhante dos poetas românticos” (RIVERA, 2003, p.8). Noel Rosa

seria “um dos grandes gênios da nossa música e poesia” (RIVERA, 2003, p.9). Em relação a

Olavo Bilac é mostrada a sua condição de “Príncipe dos poetas brasileiros” (RIVERA, 2003,

p.8).

Ainda no Trem de Alagoas e outros poemas temos um fato curioso sobre o cuidado e o

esmero na elaboração dos livros e na preocupação em mostrá-los para o MEC. Estamos falando

do fato de, em consonância com o objetivo maior do livro elaborado pela Martins Fontes, o de

Page 107: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

fazer com que o leitor conhecesse mais sobre o Brasil, suas paisagens, seus costumes, sua gente,

houve a apresentação, nas capas e nos logotipos, de objetos da arte popular brasileira para,

segundo a “turma da editora”, “simbolizar a florida diversidade regional que tanto enriquece

nosso país” (RIVERA, 2003, p.2).

Não fugindo a esse cuidado, a essa preocupação com o leitor, vemos ser sugerido, nos

editais, que a utilização de qualquer informação adicional não chegasse a didatizar o texto.

Vejamos:

A coleção não é uma obra didática. A apresentação da coleção ou das obras, as orientações de leitura e o oferecimento de informações adicionais quando relevantes (bibliografia, glossário, notas explicativas, informações históricas) devem estar submetidos a uma lógica editorial evidente e consistente e, em nenhum momento, suplantar em tamanho ou destaque os textos selecionados (RIVERA, 2003, p.19).

Ana Maria Machado, no volume Cinco Estrelas, utiliza muitas notas explicativas.

Algumas, realmente, são enriquecedoras; outras, porém, condicionam a interpretação do leitor e

tomam um amplo espaço nos livros, mesmo que um espaço menor do que aquele reservado aos

poemas, estando escritas em um tamanho de letra menor. Dentre as notas que julgamos

enriquecedoras, temos as que foram feitas em relação ao poema de Carlos Drummond de

Andrade Balada do amor através das idades:

Balada do amor através das idades

Eu te gosto, você me gosta

desde tempos imemoriais.

Eu era grego, você troiana,

troiana mas não Helena.

Saí do cavalo de pau

para matar seu irmão.

Matei, brigamos, morremos.

Virei soldado romano,

perseguidor de cristãos.

Na porta da catacumba

encontrei-te novamente.

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Mas quando vi você nua

caída na areia do circo

e o leão vinha vindo,

dei um pulo desesperado

e o leão comeu nós dois.

Depois fui pirata mouro,

flagelo da Tripolitânia.

Toquei fogo na fragata

onde você se escondia

da fúria de meu bergantim.

Mas quando ia te pegar

e te fazer minha escrava,

você fez o sinal-da-cruz

e rasgou o peito a punhal...

Me suicidei também.

Depois (tempos mais amenos)

fui cortesão de Versailles

espirituoso e devasso,

Você cismou de ser freira...

Pulei muro de convento

mas complicações políticas

nos levaram à guilhotina.

Hoje sou moço moderno,

remo, pulo, danço, boxo,

tenho dinheiro no banco.

Você é uma loura notável,

boxa, dança, pula, rema.

Seu pai é que não faz gosto.

Mas depois de mil peripécias,

eu, herói da Paramount,

te abraço, beijo e casamos.

(PESSOA, 2001, p. 26-28)

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Este poema narra a história de um amor que tem início na Grécia antiga, nos “tempos

imemoriais”, como os define Drummond, passando pelo Império Romano, pela época da

Revolução Francesa e, finalmente, chegando ao estado e tempo real desse amor: a

contemporaneidade. O passeio por todas essas épocas e lugares vai sendo descrito e revelando

figuras e acontecimentos históricos próprios a eles. Nas notas, Ana Maria Machado fornece

algumas informações históricas a respeito dessas figuras e acontecimentos, como, por exemplo,

explica quem foi Helena de Tróia e os mouros, apresenta o palácio de Versailles, fala um pouco

sobre a Revolução Francesa, revela o que vem a ser Paramount, que fora um dos estúdios mais

importantes de Hollywood.

No entanto, às vezes, como comentamos, essas notas condicionam a interpretação do

leitor, apresentando explicações a respeito de certas passagens que, na verdade, “ditam” uma

interpretação para elas. Ainda em relação a essas mesmas notas sobre o poema de Drummond,

em uma delas Ana Maria Machado desfia uma “explicação” para a última estrofe, afirmando que

ela se refere ao final feliz dos filmes, “como se só no cinema fosse possível um amor dar certo”

(MACHADO, 2001, p.29), ou seja, observando a auto-denominação do eu lírico de “herói da

Paramount”, depois das referidas explicações de Ana Maria Machado a respeito do termo

Paramount e do final feliz só ser possível no cinema, o leitor é levado a imaginar que aquela

história de amor, que atravessara séculos, na verdade, não terminou bem, como o verso final

poderia fazer parecer - “te abraço, beijo e casamos”.

Outros textos cujas notas condicionam a interpretação do leitor são os escritos para as

letras de Chico Buarque. Em relação às canções João e Maria e Passaredo, por exemplo, Ana

Maria Machado (2001, p.22) constrói, respectivamente, as notas transcritas abaixo:

4 – Repare como a segunda nota do poema introduz um elemento ameaçador (com termos como fuga, medo, maldade, fatal, noite que não tem mais, louco) que contrasta com a paz e felicidade de faz-de-conta no quintal. 5 – Este poema é construído de uma maneira muito simples e muito eficiente, pela alternância entre a sensação de variedade quase infinita (os muito nomes de pássaros que se sucedem) e a repetição do estribilho ameaçador, quase sem variedade. O contraste criado fica muito forte.

Logo na primeira, já podemos observar o tom de imposição através da utilização do modo

imperativo: “Repare”, que pretende não deixar o leitor passar despercebido pelo contraste

Page 110: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

existente entre o que Ana Maria Machado distingue como primeira e segunda partes do poema.

Na primeira, seriam apresentados toda a felicidade e encantamento presente nas histórias de faz-

de-conta, enquanto na segunda seriam revelados elementos que ameaçariam desfazer essa

felicidade e esse encantamento. Antes da exposição dessa primeira nota, outras três explicam ao

leitor esse universo de faz-de-conta revelado na “primeira” parte da canção. Vejamos:

1 – O título é uma alusão a um conto de fadas. Outros personagens desse universo infantil tradicional também aparecem no poema: o rei, a princesa. 2 – Esta construção “agora era eu...” pode parecer esquisita gramaticalmente, ao misturar um advérbio no presente com um verbo no passado. Mas é exatamente como criança fala quando brinca e vai fingir que é outro personagem: “agora eu era a mãe e você era o filho...” Basta essa expressão para que o poeta se situe na lembrança da infância. 3 – Uma das marcas registradas de Chico Buarque é conseguir rimar palavras em português com outras de línguas estrangeiras, mas que são muito usadas no Brasil, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Nesta estrofe temos três exemplos, dois em inglês (herói/cawboy e bodoque/rock) e um com francês (três/matinês) (MACHADO, 2001, p.22).

Percebemos que Ana Maria Machado constrói as notas a partir do mesmo perfil de leitor

que o MEC deixa entrever nos editais quando afirma que as crianças para as quais as coleções do

LMC se dirigem, provavelmente, não têm nenhum contato com obras de literatura. No tocante às

notas, essa ausência de contato é sugerida em relação aos contos de fada, pois ao sentir a

necessidade de explicar ao leitor que o título do poema diz respeito a um desses contos, um dos

mais conhecidos, João e Maria, e ao chamar a atenção desse leitor para a presença, na canção, de

personagens recorrentes no universo do faz-de-conta - rei, princesa - Ana Maria Machado está

exercendo, ainda que não tivesse sido a sua intenção, controle sobre o processo de interpretação

do leitor. A nosso ver, ao contrário das referências históricas escritas em relação ao poema de

Carlos Drummond, Balada do amor através das idades, as transcritas acima, ao invés de

enriquecerem o texto, funcionam mais como uma espécie de mecanismo de controle da leitura,

ou seja, Ana Maria Machado procura concentrar a atenção do leitor naqueles elementos que ela

julga interessantes no texto e/ou desconhecidos pelo leitor.

O mesmo controle de interpretação ou, mais precisamente, essa tentativa de chamar a

atenção do leitor para elementos importantes do texto, nós vemos na nota feita em relação ao

poema Passaredo. Transcrita mais acima, essa nota pretende fazer com o que o leitor se atente

para a sutileza da construção da canção; sutileza esta conseguida, segundo Ana Maria Machado

(2001, p.22), pela exposição de inúmeros nomes de pássaros em contraste com a “repetição do

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estribilho ameaçador, quase sem variedade”, ou seja, o estribilho que alerta para o perigo da

aproximação do homem: “Que o homem vem aí/o homem vem aí/o homem vem aí” (p.19-20).

A constatação que podemos fazer a partir dos exemplos acima é a de que Ana Maria

Machado não se retira de seu lugar de autora, de produtora de sentidos, ao fazer parte da

produção do volume Cinco Estrelas; na verdade, ela é a responsável por grande parte dos

elementos que constituem o referido volume, pois, ao contrário dos prefaciadores dos outros dois

volumes analisados, Marisa Lajolo, no Palavras de Encantamento, e Eduardo Brandão, no Trem

de Alagoas e outros poemas, ela não ocupou apenas o lugar de prefaciadora, mas também foi a

responsável pela escolha dos poemas e pela apresentação dos autores. Em relação a estes, por

exemplo, como vimos anteriormente, Ana Maria Machado, ao invés de expor simples dados

biográficos e premiações recebidas, ela apresenta aquelas que seriam as principais

características/qualidades das obras de cada autor.

Se, por um lado, esse fato demonstra um maior cuidado em apresentar os autores com

detalhes e não através de simples fatos corriqueiros, como, por exemplo, a exposição de data de

nascimento e de morte, por outro lado, ele pode condicionar uma leitura dos poemas a partir

dessas características, similar ao que costuma ocorrer nas aulas de literatura: o professor faz uma

exposição das principais características de determinado estilo de época e/ou autor para, em

seguida, os alunos as procurarem nos textos estudados. Em alguns casos, por exemplo, Ana

Maria Machado relaciona as características citadas aos poemas selecionados. Vejamos um

exemplo em relação à obra de Chico Buarque:

Ele é um poeta de obra variada, com um lirismo muito característico e extremamente brasileiro. Mas a delicadeza dos sentimentos que é capaz de evocar em seus versos não exclui uma boa dose de humor e uma incisiva capacidade de criticar o que considera errado [...] Nestes poemas que escolhemos, pode-se apreciar o poder que Chico tem para usar uma linguagem quase cinematográfica, como se fosse uma sucessão de fotografias em movimento. Essa técnica pode servir para evocar, com ternura e uma saudade um pouco triste, algumas cenas que fazem parte das memórias da infância e da adolescência (é o caso de “João e Maria” e de “Doze anos”). Também pode pintar com carinho um grande painel dos pássaros brasileiros soltos na natureza, denunciando as ameaças humanas ao meio ambiente (“Passaredo”) (MACHADO, 2001, pp. 15-16).

No trecho acima, fica nítido o quanto a exposição das características dos autores e obras

podem induzir a leitura dos poemas. Até mesmo porque Ana Maria Machado aponta a presença

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dessas características nos textos selecionados, inclusive antecipando para o leitor a temática de

cada um deles. Em relação ao poema Passaredo, por exemplo, ela chega a comentar o caráter de

denúncia que ele assume. Caso o leitor se depare com essas informações antes de entrar em

contato com os poemas, até mesmo porque elas são expostas antes dos textos, ele vai estar

efetuando a leitura com o olhar direcionado por Ana Maria Machado, pelas informações

fornecidas.

A oscilação que constatamos, quando analisamos os editais de produção e seleção das

coleções, acerca da concepção de literatura com que o programa trabalhou, repete-se em relação à

concepção de leitor. No tocante à primeira, temos uma literatura que, apesar de pretender ser

mostrada em sua diversidade, de estilos, de textos e de autores, aquela trazida pelas coleções é, na

realidade, uma literatura centrada no cânone literário. Nos volumes analisados, a quase totalidade

dos autores e textos que os integram são, como os editais impunham, representativos da cultura

brasileira, reconhecidos nacionalmente. Já em relação ao leitor, a referida oscilação se dá porque

ao mesmo tempo em que lhe são concedidas certas liberdades, como a de levar o livro para casa,

de lê-lo sem quaisquer imposições didáticas, também lhe são impostas algumas interdições,

sugeridas nos editais e articuladas no próprio processo de composição dos livros, a exemplo das

notas explicativas, que mesmo que se tenha tido o cuidado de que a presença delas não

didatizassem o texto, essa didatização acaba acontecendo, como vimos no caso do volume Cinco

Estrelas.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

[...] A mãe reparava o menino com ternura.

A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta.

Você vai carregar água na peneira a vida toda.

Você vai encher os vazios com as suas peraltagens

e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos.

(O menino que carregava água na peneira – Manoel de Barros)

No início deste trabalho esclarecemos que iríamos construí-lo em um terreno pontuado

por livros, leitura, literatura e leitor. Percorridos todos esses pontos, torna-se necessário retomar

os principais aspectos analisados em cada um deles para, enfim, apresentarmos os resultados a

que chegamos.

Tendo como objeto de estudo uma das ações promovidas pelo MEC através do PNBE

(Programa Nacional Biblioteca da Escola), o Literatura em minha casa, nosso trabalho foi

elaborado a partir de dois objetivos principais: o de investigar quais as concepções de leitura, de

literatura e de leitor o MEC tinha em mente ao elaborar os critérios de avaliação e seleção das

coleções que fariam parte do programa, bem como o de investigar como esses critérios foram

trabalhados pelas editoras no processo de composição dessas coleções. Todavia, além desses

objetivos primeiros, as pesquisas que realizamos nos foram apontando um outro: o de contar a

história desse programa, isto é, as motivações que o originaram, o processo de composição e

avaliação das suas coleções, o destino destas, os impasses vivenciados, as soluções buscadas.

A construção dos objetivos citados, no caso da investigação das concepções, foi feita

pensando-se no fato de que conhecer as concepções do MEC e das editoras a respeito dos

referidos objetos que fazem parte da História da Leitura - literatura, leitura e leitor - significa

conhecer as concepções daqueles que compõem os mais importantes setores de trabalho com o

livro e com a leitura no Brasil, ou seja, dos professores e pesquisadores que integravam a

comissão técnica e o colegiado formados pelo MEC para tomar as principais decisões referentes

ao LMC, como, por exemplo, avaliar e selecionar os livros que integravam as coleções do

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mesmo, bem como dos profissionais que, trabalhando para as editoras, escreviam os prefácios e

selecionavam quais os textos integrariam as coleções.

No que se refere à apresentação da história do programa, a sua importância reside no fato

de que uma ação da dimensão do LMC, que foi a pioneira em tantos aspectos, como, por

exemplo, na entrega dos livros aos alunos e na elaboração de coleções feitas exclusivamente para

o programa e não de livros do mercado, além do montante financeiro investido e da amplidão do

público atendido, não poderia ficar escondida nos documentos e relatórios guardados nos

arquivos do MEC. E é conhecendo os acertos e erros das ações promovidas pelos programas de

promoção da leitura que se constroem melhorias em prol da tão sonhada democratização desse

bem cultural. Além do mais, conhecê-lo e compreender a sua gênese e a trajetória que percorreu

significou conhecer mais um capítulo, dentre tantos outros, da História da Leitura no Brasil.

E foi percorrendo um pouco essa história que pontuamos, no primeiro capítulo, de início

as duas idéias que fundamentam o tão aclamado discurso do “ler é preciso”, e que seriam a

carência cultural brasileira ou o lamento da falta e o elogio à leitura literária e, em seguida, uma

espécie de histórico dos programas já realizados no Brasil, tanto no âmbito do setor

governamental quanto no do setor privado.

A discussão em torno do lamento da falta mostrou, a partir dos dados apontados por

algumas pesquisas e levando-se em consideração uma idéia de leitura que não é apenas aquela

validada por algumas instâncias autorizadas, como a leitura dos textos e autores clássicos, mas

também leituras que têm como objeto textos que estariam à margem da autorização dessas

instâncias, que esse lamento não encontra um espaço tão amplo como se costuma achar

comumente e a sua proclamação ocorreria porque a história da leitura costuma desconsiderar

certas práticas e objetos muito presentes no cotidiano. Já no tocante ao elogio da leitura literária,

apresentamos as suas raízes históricas até chegarmos a sua dimensão na atualidade, quando a

proliferação de campanhas e programas de promoção desse tipo específico de leitura só confirma

a ampliação do seu espaço.

No segundo capítulo, antes de iniciarmos a apresentação da história do LMC,

discorremos, um pouco, sobre as ações anteriores do PNBE, justamente para mostrar que

caminhos - acertos e erros - motivaram a tomada, por parte do MEC, de algumas decisões

inovadoras que fizeram parte do LMC; por exemplo, os acervos das ações anteriores ficavam

guardados nas estantes das bibliotecas, sendo alvo de pouca utilização por parte de professores e

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alunos. A partir dessa constatação foi que se formulou a decisão de que os livros deveriam ser

entregues diretamente aos alunos.

Logo em seguida, a partir da leitura de documentos e relatórios escritos sobre o

andamento do programa, apresentamos os impasses e frustrações vivenciados pelo MEC, tanto no

que se refere a algumas ações promovidas, a exemplo das notícias que chegavam de que os livros

não estavam sendo entregues aos alunos, como no que diz respeito a alguns critérios

estabelecidos para o processo de elaboração dos livros. Em relação a estes, um dos discursos mais

recorrentes no processo de avaliação do programa reclamava do fato de que as ilustrações eram

em preto e branco e que o processo de seleção de autores e textos não estava sendo muito

democrático, pois havia uma maciça repetição de certos autores. Essa repetição é confirmada em

nosso trabalho quando, no capítulo terceiro, mostramos que nas antologias poéticas há grande

recorrência de alguns autores e textos. Ainda nesse mesmo capítulo, detectamos, através de

avaliação dos editais, que essa preferência por certos autores e textos, sempre aqueles

consagrados, residiria no fato de o MEC ter lançado às editoras como principal critério de seleção

a representatividade dos autores na cena cultural brasileira, o que significa impor que aqueles que

fossem escolhidos deveriam fazer parte do seleto grupo dos autores consagrados pelas instâncias

autorizadas. Por fim, ainda inseridas na história do LMC, mostramos a dissolução do programa e

a busca do MEC por novas ações.

O traçado histórico que apresentamos, desde as primeiras ações promovidas pelo PNBE

até a configuração e dissolução do LMC, mostra o caráter inovador deste no que se refere, como

citamos mais acima, à distribuição das coleções diretamente aos alunos, à opção por trabalhos

com livros que não fossem os já existentes no mercado, mas aponta também para o fato de que,

apesar da boa vontade e dos altos investimentos do governo federal, os objetivos traçados por

esses programas de promoção do livro e da leitura são sempre frustrados em sua essência, que

seria a de auxiliar na formação/consolidação do hábito de leitura. No caso específico do LMC, o

MEC chegou à conclusão de que tinha o controle sobre as ações do programa até a entrega dos

acervos nas escolas; mas, a partir daí, esse controle era perdido. Muitas das escolas não

repassavam os livros aos alunos, mas armazenava-os em suas bibliotecas ou quaisquer outros

espaços. Fato que nos faz recordar a opinião de Magda Soares e Eliana Yunes, apresentada no

primeiro capítulo, em torno do que poderia ser feito para que esses programas obtivessem mais

resultados positivos.

Page 116: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

Se, por um lado, o estudo sobre a história do LMC apontou o seu caráter inovador, como

citamos acima, a nossa busca pelas concepções que orientaram o trabalho do MEC e das editoras

no processo de elaboração e escolha das coleções apontou uma outra faceta do programa: aquela

que está inserida na tradição, pois as concepções que a avaliação dos editais e dos prefácios nos

mostraram, bem como a da seleção de autores e textos, foram idéias sobre leitura, literatura e

leitor que há tempos conduzem os trabalhos em torno da tentativa de democratização do livro e

da leitura. Tais idéias seriam as seguintes:

Embora a comissão técnica que coordenou o processo de escolha das coleções sempre

tenha enfatizado o quanto ela fora democrática, e apesar do MEC ter eleito a diversidade de

autores, de textos e de épocas literárias como um dos critérios de seleção, a literatura que vemos

presente nas antologias poéticas selecionadas para análise é a literatura dos autores e textos

consagrados, a mesma que aparece nos editais como critério de seleção.

Em relação à leitura, a concepção que mais tem espaço é a da leitura de prazer, de evasão;

concepção esta que, como vimos, segundo a observação de pesquisadores como Márcia Abreu e

Luiz Percival Leme Britto, é a que costuma ser divulgada pelas campanhas de incentivo à leitura

e de promoção do livro.

No tocante ao leitor, ao mesmo tempo em que lhe são concedidas certas liberdades, como

a de ler em um espaço e um tempo escolhidos por ele próprio, longe de quaisquer imposições

didáticas, já que os livros eram dados de “presente” aos alunos, são também impostas algumas

interdições, a exemplo da presença de notas explicativas, que são sugeridas nos editais com o

intuito de enriquecer a leitura, mas que, por vezes, tendem a direcionar a interpretação do leitor, a

didatizar o texto; didatização esta que o MEC pedia para que fosse evitada.

Ainda no que se refere ao leitor, ao analisarmos os livros, constatamos que o público no

qual as editoras pensavam ao elaborar as coleções eram dois: os alunos da rede pública que as

receberiam e os membros do MEC, através da figura de sua comissão técnica e de seu colegiado

de professores encarregados de selecionar quais coleções integrariam o LMC.

Tendo em vista uma maior aproximação em relação aos leitores-alvo do programa que,

segundo opinião expressa nos editais, provavelmente tinham pouco ou nenhum contato com

textos literários, percebemos a utilização, por parte daqueles que escreveram os prefácios, de

alguns recursos, algumas estratégias, a começar pela própria linguagem e gênero em que

escolheram escrever: ora em forma de carta, como no caso do volume Palavras de encantamento,

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ora em forma de um recadinho assinado pela “turma da editora”, caso do Trem de Alagoas e

outros poemas, os textos introdutórios foram todos escritos numa linguagem informal e sedutora:

estava-se sempre tentando provar o quanto ler podia ser divertido e fácil, o quanto o mundo da

literatura era maravilhoso. No entanto, todas as vezes que se mostrava o quanto os textos

selecionados eram bons e o quanto os autores eram reconhecidos e premiados, era especialmente

para os leitores que integravam a equipe de seleção do MEC que os editores estavam falando,

buscando convencê-los da qualidade do livro e de que mereciam estar entre os escolhidos para

integrar o acervo do programa.

As idéias apresentadas acima acerca da concepção de leitura, de literatura e de leitor estão

presentes nos três volumes de poesia analisados em nosso trabalho, embora assumam certas

particularidades em alguns deles, dentre as quais a mais interessante aparece no Cinco Estrelas,

prefaciado pela escritora Ana Maria Machado, onde vamos ter, por exemplo, uma tentativa de

maior controle no que se refere à leitura: além da presença de notas explicativas que, por vezes,

tendem a induzir a interpretação, como comentamos mais acima, na própria apresentação dos

autores que integram os volumes há citação de características de suas obras que são ilustradas

fazendo-se referência aos textos selecionados, ou seja, os leitores, caso leiam essas apresentações

antes de realizar a leitura dos próprios textos podem ser levados a procurar nestes aquelas

características que Ana Maria Machado enumerou. Esta não é apenas prefaciadora, ao contrário

dos nomes que assinam os textos introdutórios dos outros dois volumes, ou seja, ao contrário da

professora/pesquisadora Marisa Lajolo e do tradutor Eduardo Brandão. Além de escrever o

prefácio, ela também é responsável pela seleção e apresentação dos autores e textos, e, estando

inserida nesses dois lugares, tem um maior controle na produção do livro, acabando por exercer,

também, uma tentativa, embora não seja explícita, de controlar os sentidos que o texto pode

assumir na perspectiva do leitor.

É importante atentar para o fato de que antes de se fazerem presentes nos livros as

concepções acerca da leitura, da literatura e do leitor que constatamos, elas já se impunham nos

editais, e eram estes que direcionavam o processo de produção das editoras, de modo que era

esperada a recorrência de tais concepções nos volumes analisados.

Tendo chegado ao fim do caminho sobre o qual estendemos a nossa pesquisa, um

caminho feito de leitura, de literatura e de leitores, nos deparamos com muitas vias e atalhos que

também precisam/merecem ser trilhados pelos resultados que podem apontar: o de conhecer,

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desbravar uns palmos a mais da História da leitura no Brasil. Nós continuaremos a nos aventurar,

e esperamos que outros também se sintam tentados e iniciem o percurso.

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<http://www.snel.org.br/downloads/relatorioseminarioPNBEMAM.doc> Acesso em 23 de maio de 2006 VIANNA, Catia Maria S.V. Documento interno da FNLIJ. Rio de Janeiro: FNLIJ, 2002. Disponível em <http://www.snel.org.br/downloads/relatorioseminarioPNBEMAM.doc> Acesso em 23 de maio de 2006. ZILBERMAN, Regina. A leitura e o ensino da literatura. São Paulo: Contexto, 1988. ZILBERMAN, Regina et al. De leitor para leitores: políticas públicas e programas de incentivo à leitura. In: ABREU, Márcia. Leituras no Brasil. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1995. __________. O leitor moderno no Brasil. In: SUSSEKIND, Flora e DIAS, Tânia (orgs). A historiografia literária e as técnicas de escrita. Do manuscrito ao hipertexto. Rio de Janeiro: Edições Casa Rui Barbosa: Vieira e Lent, 2004. ZILBERMAN, Regina & LAJOLO, Marisa. A formação da leitura no Brasil. 2. ed. São Paulo: Ática, 1998. __________A Leitura rarefeita. São Paulo: Ática, 2002. __________. O preço da leitura. São Paulo: Ática, 2002. YUNES, Eliana. De leitor para leitores: políticas públicas e programas de incentivo à leitura. In: ABREU, Márcia. Leituras no Brasil. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1995. WITTMANN, Reinhard. Existe uma revolução da leitura no final do século XVIII? IN: CAVALLO, Gugliemo & CHARTIER, ROGER (orgs). História da leitura no mundo ocidental. vol 2. São Paulo: Ática, 1999.

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ANEXO A - EDITAL DE CONVOCAÇÃO DAS COLEÇÕES

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO

SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL PROGRAMA NACIONAL BIBLIOTECA DA ESCOLA PNBE/2003 EDITAL DE CONVOCAÇÃO PARA INSCRIÇÃO DE COLEÇÕES DEOBRAS DE LITERATURA PARA ALUNOS DE 4ª E 8ª SÉRIES DOENSINO FUNDAMENTAL E DE LITERATURA E INFORMAÇÃOPARA ALUNOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS - EJA, NO PROCESSO DE AVALIAÇÃO E SELEÇÃO PARA O PROGRAMA NACIONAL BIBLIOTECA DA ESCOLA – PNBE/2003 O Ministério da Educação, por intermédio da Secretaria de Educação Fundamental – SEF e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE, faz saber aos titulares de direito autoral que se encontram abertas as inscrições noprocesso de avaliação e seleção de coleções de obras de literatura para alunos de 4ª e 8ª séries do ensino fundamental e de literatura e informação para alunos do 2º segmento do ensino fundamental, na modalidade de Educação de Jovens e Adultos – EJA –, matriculados na última série ou similar de cursos presenciais e com avaliação no processo, a serem adquiridas para o Programa Nacional Biblioteca da Escola – PNBE/2003. 1. DO OBJETO O processo de avaliação e seleção para o Programa Nacional Biblioteca da Escola – PNBE/2003 tem por objeto avaliar e selecionar: 1.1. 10 (dez) coleções, intituladas “Literatura em Minha Casa”, adequadas a alunos de 4ª série do ensino fundamental e compostas de cinco volumes de literatura, sendo: uma antologia poética brasileira; uma antologia de contos brasileiros; uma novela brasileira; uma obra clássica da literatura universal, traduzida ou adaptada; uma peça teatral brasileira ou obra ou antologia de textos de tradição popular brasileira, observadas as condições e especificações constantes neste edital e seus anexos. 1.2. 10 (dez) coleções, intituladas “Literatura em Minha Casa”, adequadas a alunos de 8ª série do ensino fundamental e compostas de quatro volumes de literatura, sendo: uma antologia poética brasileira; uma antologia de crônicas e contos brasileiros; uma novela ou romance nacional ou estrangeiro (neste último caso, traduzido, adaptado ou não) e uma peça teatral brasileira ou estrangeira, observadas as condições e especificações constantes neste edital e seus anexos. 1.3. 04 (quatro) coleções, intituladas “Palavra da Gente”, adequadas a alunos do 2o segmento do ensino fundamental, na modalidade de educação de jovens de adultos –

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EJA –, matriculados na última série ou similar de cursos presenciais e com avaliação no processo, compostas de seis volumes de literatura e de informação, sendo: um ensaio ou reportagem sobre um aspecto da realidade brasileira; uma antologia de crônicas e contos brasileiros; uma obra ou antologia de textos de tradição popular brasileira em prosa ou verso; uma antologia poética brasileira; uma peça teatral brasileira ou estrangeira e, por fim, uma biografia ou relato de viagem, observadas as condições e especificações constantes neste edital e seus anexos. 2. DOS PRAZOS As etapas de cadastramento, pré-inscrição e inscrição no PNBE/2003 serão realizadas nos seguintes prazos: 2.1. Cadastramento de Titulares de Direito Autoral Período: da data de publicação deste Edital até as 18h do dia 13/06/2003. 2.2. Pré-Inscrição Período: da data de publicação deste Edital até as 18h do dia 16/06/2003. 2.3. Inscrição 2.3.1. Entrega das Coleções Período: de 07 a 11/07/2003, no horário das 8h às 17h. 3. DAS CONDIÇÕES DE PARTICIPAÇÃO 3.1. Os titulares de direito autoral poderão inscrever coleções para os três tipos de acervos, sendo: 3.1.1. uma única coleção composta de 05 (cinco) volumes de literatura, adequados a alunos de 4ª série do ensino fundamental; 3.1.2. uma única coleção composta de 04 (quatro) volumes de literatura, adequados a alunos de 8ª série do ensino fundamental; 3.1.3. uma única coleção composta de 06 (seis) volumes de literatura e de informação adequados a alunos do 2o segmento do ensino fundamental, na modalidade de educação de jovens de adultos – EJA –, matriculados na última série ou similar de cursos presenciais e com avaliação no processo. 3.2. Não poderão ser inscritas coleções ou obras selecionadas e adquiridas para atender o Programa Nacional Biblioteca da Escola em 2001 e 2002. 3.3. A coleção destinada à 4ª série deverá ser, obrigatoriamente, composta de 05 (cinco) volumes, cujo projeto gráfico os identifique como coleção para essa série, obedecendo às características abaixo ordenadas: 3.3.1. Volume 1: uma antologia poética brasileira; 3.3.2. Volume 2: uma antologia de contos brasileiros;

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3.3.3. Volume 3: uma novela brasileira; 3.3.4. Volume 4: uma obra clássica da literatura universal, traduzida ou adaptada; 3.3.5. Volume 5: uma peça teatral brasileira ou obra ou antologia de textos de tradição popular brasileira; 3.3.6. Cada coleção deverá conter um total mínimo de 304 (trezentos e quatro) e máximo de 320 (trezentos e vinte) páginas, sendo que cada volume deverá conter, individualmente, no mínimo, 48 (quarenta e oito) páginas; e 3.3.7. A coleção composta de 05 (cinco) volumes será intitulada “Literatura em Minha Casa”. 3.4. A coleção destinada à 8ª série deverá ser, obrigatoriamente, composta de 04 (quatro) volumes, cujo projeto gráfico os identifique como coleção para essa série, obedecendo às características abaixo ordenadas: 3.4.1. Volume 1: uma antologia poética brasileira; 3.4.2. Volume 2: uma antologia de crônicas e contos brasileiros; 3.4.3. Volume 3: uma novela ou romance brasileiro ou estrangeiro (neste caso, traduzido ou adaptado); 3.4.4. Volume 4: uma peça teatral brasileira ou estrangeira; 3.4.5. Cada coleção deverá conter um total mínimo de 304 (trezentos e quatro) e máximo de 320 (trezentos e vinte) páginas, sendo que cada volume deverá conter, individualmente, no mínimo, 64 (sessenta e quatro) páginas; e 3.4.6. A coleção composta de 04 (quatro) volumes será intitulada “Literatura em Minha Casa”. 3.5. A coleção destinada à Educação de Jovens e Adultos – EJA – deve ser, obrigatoriamente, composta de 06 (seis) volumes, cujo projeto gráfico os identifique como coleção para essa modalidade de ensino, obedecendo às características abaixo ordenadas: 3.5.1. Volume 1: um ensaio ou reportagem sobre um aspecto da realidade brasileira; 3.5.2. Volume 2: uma antologia de crônicas e contos brasileiros; 3.5.3. Volume 3: uma obra ou antologia de textos de tradição popular brasileira em prosa ou verso; 3.5.4. Volume 4: uma antologia poética brasileira; 3.5.5. Volume 5: uma peça teatral brasileira ou estrangeira; 3.5.6. Volume 6: uma biografia ou relato de viagens; 3.5.7. Cada coleção deverá conter um total mínimo de 336 (trezentos e trinta e seis ) e máximo de 352 (trezentos e cinqüenta e duas) páginas, sendo que cada volume deverá conter, individualmente, no mínimo, 48 (quarenta e oito) páginas; e 3.5.8. A coleção composta de 06 (seis) volumes será intitulada “Palavra da Gente”. 3.6. Poderão participar do processo de inscrição e seleção de que trata este edital os titulares de direito autoral, inclusive consórcios. 3.6.1.No caso de participação em consórcio, a liderança caberá à empresa consorciada que detiver o maior capital social.

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3.6.2.No consórcio de empresas brasileiras e estrangeiras, a liderança caberá à empresa brasileira que detiver o maior capital social. 3.6.3.A empresa consorciada não poderá participar na licitação através de mais de um consórcio ou isoladamente. 4. DOS PROCEDIMENTOS 4.1. Do Cadastramento de Titulares de Direito Autoral Os titulares de direito autoral formalizarão seu cadastramento no PNBE/2003, por meio do endereço eletrônico www.fnde.gov.br (no campo Pré-Inscrição relativo ao PNBE), informando o “login” pelo qual deseja ser identificado. 4.1.1. Concluído o fornecimento do “login”, os interessados receberão a confirmação do mesmo, via e-mail, bem como as respectivas senhas de acesso. 4.1.1.1. O acesso às demais etapas desse procedimento estará vinculado à confirmação do “login”. 4.2. Da Pré-inscrição A Pré-inscrição é o prévio cadastramento, pelos titulares de direito autoral, de obras que atendam às disposições deste Edital, no sistema informatizado do FNDE, exclusivamente por meio da Internet, no endereço eletrônico citado no subitem 4.1. deste Edital. 4.2.1. Poderão participar da Pré-inscrição, exclusivamente, os titulares de direito autoral cuja(s) obra(s) atenda(m) às exigências constantes neste Edital. 4.2.2. Os titulares de direito autoral interessados em participar do PNBE/2003 deverão manter seus dados permanentemente atualizados junto ao FNDE, por intermédio do endereço eletrônico citado no subitem 4.1. deste Edital. 4.3. Da Inscrição A inscrição deverá ser realizada, pessoalmente, pelo titular de direito autoral ou por seu procurador legalmente constituído, ambos devidamente cadastrados no sistema informatizado do FNDE, para fins do PNBE/2003, na fase de Pré inscrição, e consistirá na entrega da coleção. 4.3.1. A coleção inscrita deverá ter um único titular, o qual detenha o direito autoral de todas as obras que a compõem. 4.3.2. Da entrega das Coleções 4.3.2.1. Os titulares de direito autoral que realizarem a préinscrição de coleções serão convocados pelo FNDE, em dia, horário e local previamente agendados, para a entrega das coleções, de acordo com o período estabelecido no subitem 2.3.1 . deste Edital. 4.3.2.2. As coleções deverão ser entregues de acordo com o especificado abaixo: 4.3.2.2.1. 12 (doze) exemplares de cada um dos 05 (cinco) volumes integrantes da coleção destinada à 4ª série, em edição finalizada, devendo cada obra estar concluída com todos os textos em sua forma e paginação finais, e de acordo com os Anexos I e III. 4.3.2.2.2. 12 (doze) exemplares de cada um dos 04 (quatro) volumes integrantes da coleção destinada à 8ª série, em edição finalizada, devendo cada obra estar concluída com todos os textos em sua forma e paginação finais, e de acordo com os Anexos I e III.

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4.3.2.2.3. 12 (doze) exemplares de cada um dos 06 (seis) volumes integrantes da coleção, em edição finalizada, devendo cada obra estar concluída com todos os textos em sua forma e paginação finais, e de acordo com osAnexos I e III. 4.3.2.2.4. em nenhuma hipótese serão aceitas obras não finalizadas, com páginas faltantes, rasuras e/ou indicação de modificações futuras. 4.3.3. Da Comprovação de Inscrição A coleção será conferida e, para efeito de confirmação da inscrição, será emitido Comprovante de Entrega das Obras. 5. DO PROCESSO DE SELEÇÃO O processo de seleção compreende as etapas de triagem e avaliação das coleções. 5.1. Da Triagem A triagem é a primeira etapa do processo de seleção e poderá, a critério do FNDE, ser realizada por instituição contratada. 5.1.1. A coleção que não atender às exigências contidas no Anexo I deste Edital será automaticamente excluída nessa etapa. 5.2. Da Avaliação A avaliação constitui a segunda e última etapa do processo de seleção, e será assim realizada: 5.2.1. As coleções inscritas para o PNBE/2003 serão avaliadas por um Colegiado, subsidiado por uma Comissão Técnica, ambos designados pelo Ministro de Estado da Educação. Todo o processo de avaliação será coordenado pela SEF/MEC. 5.2.2. A avaliação das coleções será feita de acordo com o disposto no Anexo II – Critérios de Avaliação e Seleção - deste Edital. 5.2.3. Na etapa de avaliação, serão selecionadas 10 (dez) coleções destinadas à 4ª série, 10 (dez) coleções destinadas à 8ª série e 04 (quatro) coleções destinadas à Educação de Jovens e Adultos-EJA, para aquisição e distribuição pelo PNBE/2003, conforme disposto na Resolução/FNDE/CD nº 8, de 08 de abril de 2003, publicada no Diário Oficial da União, de 14 de abril de 2003. 6. DOS PROCESSOS DE HABILITAÇÃO, AQUISIÇÃO, PRODUÇÃO E ENTREGA 6.1. Da Habilitação O processo de habilitação consistirá na apresentação ao FNDE, pelo titular de direito autoral, dos documentos constantes no subitem 6.1.3, no prazo de 10 dias úteis, após a divulgação no Diário Oficial da União das coleções selecionadas para o PNBE/2003 e o atesto do recebimento do ofício solicitando a documentação pertinente à habilitação. 6.1.1. Essa atividade será feita por Comissão Especial de Habilitação, especialmente constituída pelo FNDE, que analisará a documentação na forma do disposto neste Edital. 6.1.2. Nessa fase deverão ser observados os seguintes procedimentos: a) toda e qualquer documentação necessária à habilitação deverá ser apresentada, datada e assinada pelo titular de direito autoral ou por seu procurador legalmente constituído, por meio de instrumento hábil;

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b) os documentos necessários à habilitação, em conformidade com o disposto no subitem 6.1.3, poderão ser apresentados por qualquer processo de cópia, desde que autenticada por cartório competente ou pela Comissão Especial de Habilitação, mediante a apresentação do documento original; c) nos casos em que o Contrato de Edição vigente não determinar o número de exemplares em quantidade suficiente para atender à aquisição a ser realizada pelo FNDE, o titular de direito autoral obrigar-se-á a celebrar instrumento específico com o autor, como, por exemplo, Adendo Contratual, Instrumento de Retificação ou Ratificação, novo Contrato de Edição etc. para a celebração das novas circunstâncias contratuais; d) o novo instrumento, previsto na alínea anterior, deverá especificar a quantidade da nova tiragem, ratificar as cláusulas não alteradas do Contrato de Edição original e alterar ou complementar, apenas, os termos relati vos à venda especial, se for o caso, conforme a legislação que regulamenta os direitos autorais; e) a Comissão Especial de Habilitação, no curso do processo de análise da documentação, poderá promover diligências, solicitar esclarecimentos, estabelecer exigências a serem cumpridas, tudo objetivando certificar-se da licitude, veracidade e eficácia da documentação e respectivos dados fornecidos. 6.1.3. Da Documentação Exigida 6.1.3.1. Da Documentação referente à edição a) Contrato de Edição – instrumento mediante o qual o editor obriga-se a reproduzir, divulgar e comercializar a obra literária, ficando autorizado, em caráter de exclusividade, a publicá-la e explorá-la, pelo prazo e nas condições pactuadas com o autor, com base no que preceitua a legislação que rege a matéria, em especial as Leis nº 5.988/73 e nº 9.610/98; b) Adendo ao Contrato – instrumento legal a ser apresentado nos casos previstos nas alíneas c e d do subitem 6.1.2 deste Edital. c) Declaração de Vigência – nos casos de contratos com prazo de vigência indeterminado, ou não expresso, deverá ser apresentada, sob as penas da lei, declaração complementar com firmas reconhecidas em cartório, na qual os titulares do direito autoral declarem que o Contrato de Edição apresentado encontra-se em plena vigência; d) Contrato de Edição Traduzido – quando se tratar de obra estrangeira, o titular de direito autoral deverá apresentar tradução juramentada do Contrato de Edição, autorização para adaptação e/ou adendo conforme o caso. 6.1.3.2. Da Documentação Comprobatória de Habilitação Jurídica e Fiscal a) cédula de identidade, CPF e instrumento de procuração, para o representante legal do titular do direito autoral ou, quando tratar-se do próprio, cédula de identidade e CPF; b) declaração de inexistência de fator impeditivo, ratificando a inexistência de circunstâncias que impeçam o titular do direito autoral de contratar com a Administração Pública Federal; c) contrato/estatuto social da empresa, alterações contratuais e atas de reuniões/assembléias; d) extrato de Sistema Unificado de Cadastramento de Fornecedores – SICAF, devendo ser realizada consulta “on-line” ao SICAF, conforme previsto na Lei nº 8.666/93 e na

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IN/MARE nº 05/95 e respectivas modificações posteriores, bem como no Decreto nº 3.722, de 09 de janeiro de 2002. 6.1.3.3. Da Documentação referente à situação financeira do titular de direito autoral Quando da habilitação, será verificada a boa situação financeira do titular de direito autoral, por meio dos índices de Liquidez Geral (LG), Solvência Geral (SG) e Liquidez Corrente (LC). Caso quaisquer desses índices estejam inferiores ou iguais a 01 (um), será exigida prestação de garantia em uma das modalidades previstas pelo § 1º do art. 56 da Lei nº 8.666/93, e respectivas modificações posteriores. A garantia a ser prestada corresponderá a três por cento do valor a ser contratado, devendo ser entregue ao FNDE até a data da assinatura do contrato, sendo que a vigência da garantia deve coincidir com a vigência do contrato e sua liberação e restituição ocorrerá somente após o término da vigência do contrato. 6.1.3.4. No caso de consórcio, além da documentação exigida nos subitens anteriores, será exigido, ainda, os itens I, II e III do art. 33, bem como o registro do consórcio, nos termos do parágrafo segundo, do item V, do mesmo artigo da Lei 8.666/93. 6.2. Da Aquisição O titular de direito autoral, declarado habilitado pela Comissão Especial de Habilitação, será convocado, por Comissão especialmente constituída pelo FNDE, para proceder à negociação de preço das obras a serem adquiridas. 6.2.1. Havendo ocorrências que venham a inviabilizar a aquisição de quaisquer das coleções selecionadas, serão adquiridas apenas as coleções negociadas, alterando-se a fórmula estabelecida pela Resolução/FNDE/CD nº 8, publicada no D.O.U. de 14 de abril de 2003, na qual os fatores: C = número de coleções e o multiplicador do fator E (número de escolas) serão adequados ao número de coleções negociadas. 6.3. Da Produção Após a assinatura do instrumento próprio, os titulares de direito autoral contratados estarão aptos a iniciar a produção dos quantitativos de coleções adquiridos pelo FNDE, de acordo com as especificações técnicas estabelecidas no Anexo III. 6.3.1. Do Controle de Qualidade Por ocasião da produção das obras, o FNDE, ou a instituição por ele contratada para esse fim, poderá realizar Controle de Qualidade, mediante amostragem definida na NBR 5426/1985 – ABNT, a ser especificada no contrato, que consistirá na análise dos itens de conformidade constantes do “Manual de Instrução para o Controle de Qualidade” estabelecidos pelo FNDE, disponibilizado por ocasião da contratação. 6.4. Da Entrega As coleções produzidas deverão ser entregues para postagem, diretamente pelos contratados, à empresa definida pelo FNDE como responsável pela distribuição, conforme instruções operacionais a serem fornecidas no momento da negociação, e de acordo com o arquivo de endereçamento a ser fornecido pelo FNDE. 7. DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

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7.1. A inscrição de coleção no PNBE/2003 implica aceitação, pelo participante, de forma integral e irretratável dos termos deste Edital, bem como da legislação aplicável, especialmente em matéria de direito autoral, não cabendo controvérsias posteriores. 7.2. O titular de direito autoral deve manter toda a documentação atualizada durante o período de execução do contrato, especialmente no que se refere ao SICAF. 7.3. A documentação constante no subitem 6.1.3 deste Edital deverá ser apresentada pelos titulares em tempo hábil, sob pena de ter a coleção excluída. 7.4. A simples participação no processo de inscrição de coleções não implica obrigação de contratação por parte do FNDE/MEC, que poderá, a qualquer tempo, desde que devidamente comprovado por razões de interesse público, decorrentes de fato superveniente, de forma justificada, revogar, total ou parcialmente, o presente processo. 7.5. Eventuais pedidos de esclarecimentos, de acordo com a sua natureza, devem ser dirigidos: 7.5.1. Ao FNDE, se relativos aos processos de inscrição, triagem, habilitação, aquisição, produção e distribuição, no seguinte endereço: FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO DIVISÃO DE APOIO ADMINISTRATIVO Setor Bancário Sul, Quadra 2, Bloco "F", Edifício Áurea, 5º andar CEP: 70070-929 – Brasília–DF Telefones: (61) 212-4824 e 212-4828 e Fax: (061) 212-4149 7.5.2. À SEF/MEC, se relativos à avaliação pedagógica, no seguinte endereço: MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL Esplanada dos Ministérios – Bloco “L” – 5º andar – Sala 500 70047-900 – Brasília–DF Telefone: (61) 410-8612 e 410-8613 e Fax: (61) 321-1543 7.5.3. Os pedidos de esclarecimentos serão aceitos se postados, comprovadamente por Aviso de Recebimento – AR, até o prazo máximo de 10 (dez) dias consecutivos e anteriores à data final para inscrição. 7.6. As coleções selecionadas poderão ser comercializadas, com seus títulos originais, desde que mantidas as características dos exemplares apresentados para o PNBE/2003 no que se refere ao conteúdo, ao projeto gráfico (observado o subitem 7.7 deste Edital) e à organização em coleção. 7.6.1. As demais coleções, inscritas e não-selecionadas, poderão ser comercializadas sem as expressões Literatura em Minha Casa e Palavra da Gente, bem como sem o selo e a logomarca. 7.7. Fica vedada a utilização das logomarcas oficiais do Ministério da Educação, de suas Unidades ou Autarquias vinculadas, bem como do PNBE, para efeito de propaganda e publicidade, em especial aquelas que, de alguma forma, induzam ao entendimento de que os livros objeto da propaganda, publicidade ou divulgação, sejam recomendados preferencialmente pelo Ministério para adoção nas escolas, ou que o sejam em detrimento de outros.

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7.8. Os titulares de direito autoral que descumprirem os dispositivos descritos no subitem 7.6. e subitem 7.6.1. bem como no subitem 7.7. ficarão impedidos de participar do PNBE por 02 (dois) anos. 7.9. Os integrantes de consórcios responderão solidariamente pelos atos praticados junto ao MEC/FNDE a que se refere o presente Edital, bem como aqueles decorrentes da execução do contrato. 7.10. Situações não previstas neste Edital serão analisadas pelo FNDE e pela SEF, de acordo com as suas competências e com a natureza do assunto. 7.11. Integram o presente Edital, como se transcritos fossem e como partes indissolúveis, os seguintes anexos: a) Anexo I – Triagem; b) Anexo II – Critérios de Avaliação e Seleção; c) Anexo III – Especificações Técnicas. Brasília, 09 de maio ade 2003. HERMES RICARDO MATIAS DE PAULA Presidente do FNDE MARIA JOSÉ VIEIRA FÉRES Secretária de Educação Fundamental PROGRAMA NACIONAL BIBLIOTECA DA ESCOLA PNBE/2003 EDITAL DE CONVOCAÇÃO PARA INSCRIÇÃO DE COLEÇÕES DE OBRAS DE LITERATURA PARA ALUNOS DE 4ª E 8ª SÉRIES DO ENSINO FUNDAMENTAL E DE LITERATURA E INFORMAÇÃO PARA ALUNOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS - EJA, NO PROCESSO DE AVALIAÇÃO E SELEÇÃO PARA O PROGRAMA NACIONAL BIBLIOTECA DA ESCOLA – PNBE/2003

ANEXO I TRIAGEM

1. ANÁLISE DE ESTRUTURA EDITORIAL Cada volume da coleção deve estar claramente identificado, contendo os seguintes elementos: 1.1. Na primeira capa: 1.1.1. nome da coleção – (Literatura em Minha Casa para as coleções destinadas à 4ª e 8ª séries e Palavra da Gente para as coleções destinadas à Educação de Jovens e Adultos) 1.1.2. a palavra “Volume” seguida do número correspondente em algarismos arábicos (1, 2, 3, 4, 5 ou 6) 1.1.3. Gênero da obra: 4ª série: Poesia, Conto, Novela, Clássico universal, Peça teatral ou Texto de tradição popular 8ª série: Poesia, Crônica e Conto, Novela ou Romance, Peça teatral Educação de Jovens e Adultos: Ensaio ou Reportagem, Crônica e Conto, Textos de tradição popular, Poesia, Peça teatral, Biografia ou Relato de viagem

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1.1.4. título da obra 1.1.5. autor ou autores 1.1.6. nome da editora ou consórcio de editoras 1.1.7. selo do PNBE/2003, de acordo com modelo a ser fornecido pelo FNDE 1.2. Na quarta capa: 1.2.1. Descrição dos títulos da coleção. 1.3. Na folha de rosto: 1.3.1. nome da coleção – (“Literatura em Minha Casa“ para as coleções destinadas à 4ª e 8ª séries e “Palavra da Gente” para as coleções destinadas à Educação de Jovens e Adultos) 1.3.2. a palavra “Volume”, seguida do número correspondente em algarismos arábicos (1, 2, 3, 4, 5 ou 6) 1.3.3. Gênero da obra: 4ª série: Poesia, Conto, Novela, Clássico universal, Peça teatral ou Texto de tradição popular 8ª série: Poesia, Crônica e conto, Novela/Romance, Peça teatral Educação de Jovens e Adultos: Ensaio ou Reportagem, Crônica e Conto, Textos de tradição popular, Poesia, Peça teatral, Biografia ou Relato de viagem 1.3.4. título da obra 1.3.5. autor ou autores; no caso de antologia nome do organizador 1.3.6. nome do organizador da coleção 1.3.7. nome do ilustrador, quando houver 1.3.8. nome do tradutor, se obra traduzida 1.3.9. nome do adaptador, se obra adaptada 1.3.10. número da edição, local e ano da publicação 1.3.11. nome da editora ou consórcio de editoras 1.4. No verso da folha de rosto: 1.4.1. ficha catalográfica 1.4.2. número ISBN 1.4.3. endereço da editora ou consórcio de editoras 1.4.4. título original da obra, com os respectivos copyright e número ISBN, no caso de obra estrangeira. 1.5. As segunda e terceira capas não devem conter textos ou ilustrações, podendo o FNDE/MEC incluir mensagens institucionais relativas ao Programa, por ocasião do processo de aquisição. 2. CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO Será excluída nessa fase toda coleção quando: 2.1. não atender ao Item 3 do Edital; 2.2. o formato, as cores de impressão e o tipo de lombada estiverem em desacordo com as especificações técnicas definidas no Anexo III deste Edital; 2.3. não atender as especificações constantes no Item 1 deste Anexo; 2.4. um dos seus volumes for excluído nessa etapa de triagem. PROGRAMA NACIONAL BIBLIOTECA DA ESCOLAPNBE/2003 EDITAL DE CONVOCAÇÃO PARA INSCRIÇÃO DE COLEÇÕES DOBRAS DE LITERATURA

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PARA ALUNOS DE 4ª E 8ª SÉRIES DO ENSINO FUNDAMENTAL E DE LITERATURA E INFORMAÇÃO PARA ALUNOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS - EJA, NO PROCESSO DE AVALIAÇÃO E SELEÇÃO PARA O PROGRAMA NACIONAL BIBLIOTECA DA ESCOLA – PNBE/2003

ANEXO II CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO E SELEÇÃO

1. APRESENTAÇÃO A finalidade desta ação do PNBE/2003 é selecionar coleções para compor os acervos intitulados “Literatura em Minha Casa”, que serão distribuídos aos alunos da rede pública que estejam cursando, em 2004, a 4ª e a 8ª séries do Ensino Fundamental e para as escolas que tenham essas séries, bem como selecionar coleções para compor o acervo intitulado “Palavra da Gente”, que será distribuído, em 2004, aos alunos do 2º segmento do Ensino Fundamental na modalidade Educação de Jovens e Adultos, matriculados na última série ou similar de cursos presenciais, com avaliação no processo, na rede pública e para as escolas públicas que atendam estes alunos. Há três razões principais sustentando essa iniciativa. A primeira é que a leitura de textos literários e de reflexão sobre a realidade brasileira é fundamental para o desenvolvimento da percepção estética e das referências culturais e éticas do cidadão. A segunda razão é que a leitura destes textos constitui um importante exercício para a participação na sociedade letrada. A experiência com textos literários, em função da criação artística e das condições de leitura, e com textos sobre a realidade brasileira é essencial para o desenvolvimento intelectual e letramento dos alunos. A terceira razão está no fato de que o texto literário, como forma de expressão artística e cultural, é um patrimônio nacional que deve ser protegido e difundido. Uma iniciativa dessa natureza representa para milhões de brasileiros – crianças, jovens e adultos – a primeira oportunidade de ter contato com obras de literatura e de reflexão sobre a realidade brasileira. Neste sentido, são evidentes seu caráter pedagógico e sua importância como elemento de disseminação de cultura. Além disso, possibilita a criação de círculos de leitura, por meio de trocas e intercâmbio de textos. Ao ofertar livros aos estudantes e suas famílias por meio da escola, este Ministério assume que a ação político-pedagógica se estende para além do espaço escolar, supondo sua repercussão no espaço social mais amplo. Reforça-se com isso o caráter da escola de agência difusora da cultura e valores fundamentais da sociedade. Não se trata, portanto, de tomar a escola como simples intermediária, com a função exclusiva de distribuir livros. Cabe a ela a tarefa fundamental de tornar possível a leitura pelos estudantes e seus familiares, através de atividades que instiguem e tornem possível a fruição e intelecção das obras constantes das coleções. 2. CRITÉRIOS DE SELEÇÃO A seleção será realizada a partir de processo de avaliação que recairá tanto sobre a qualidade do conjunto de títulos que compõem a coleção quanto sobre a qualidade de cada título considerado individualmente. Serão privilegiadas coleções compostas de títulos de qualidade uniforme em detrimento daquelas de qualidade desigual. As coleções devem ser compostas de títulos pertencentes a cada uma das categorias abaixo.

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“Literatura em Minha Casa” – 4ª série: • uma antologia poética brasileira; • uma antologia de contos brasileiros; • uma novela brasileira; • uma obra clássica da literatura universal, traduzida ou adaptada; • uma peça teatral brasileira ou obra ou antologia de textos de tradição popular brasileira. “Literatura em Minha Casa” – 8ª série • uma antologia poética brasileira; • uma antologia de crônicas e contos brasileiros; • uma novela ou romance brasileiro ou estrangeiro; • uma peça teatral brasileira ou estrangeira. “Palavra da Gente” – EJA • um ensaio ou reportagem sobre um aspecto da realidade brasileira; • uma antologia de crônicas e contos brasileiros; • uma obra ou antologia de textos de tradição popular brasileira em prosa ou verso; • uma antologia poética brasileira; • uma peça teatral brasileira ou estrangeira; • uma biografia ou relato de viagens. Será eliminada do processo de avaliação a coleção que apresente: • uma ou mais de uma obra que não corresponda ao gênero exigido para o respectivo volume; • um ou mais de um título que faça parte das coleções que foram selecionadas e adquiridas pelos PNBE/2001 e 2002. Na análise, serão considerados os seguintes aspectos: 2. 1. Projeto editorial A coleção, na perspectiva político-pedagógica que se imprime a esta ação, deve ser um projeto orgânico, e não apenas uma reunião casual de textos. Neste sentido, deve apresentar-se como um pequeno retrato da cultura brasileira, convidando e instigando o leitor à experiência estética e à reflexão crítica sobre o mundo em que vive. O projeto editorial dá consistência à coleção, considerando suas finalidades e o leitor. Isto supõe a presença de um eixo organizador definido, com estabelecimento de relações entre as obras, equilíbrio na autoria (diversidade e representatividade) e no tamanho dos volumes. A coleção não é uma obra didática. A apresentação da coleção ou das obras, as orientações de leitura e o oferecimento de informações adicionais quando relevantes (bibliografia, glossário, notas explicativas, informações históricas) devem estar submetidos a uma lógica editorial evidente e consistente e, em nenhum momento, suplantar em tamanho ou destaque os textos selecionados. As peculiaridades que caracterizam cada grupo devem ser levadas em consideração na composição da coleção, abarcando temas de interesse do público ao qual se destina e promovendo o

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desencadeamento de novos interesses e de novas referências culturais. Os estudantes de 4ª e 8ª séries quase sempre têm como única experiência de leitura os livros didáticos, tendo pouco acesso a outros tipos de texto, em particular aos de literatura, tanto no espaço doméstico como na própria escola. Há uma significativa diversidade de faixa etária entre os alunos das séries contempladas (segundo o censo 2001, a média de idade na rede pública é de 11 para a 4ª série e de 16 anos, entre os rapazes, e de 15 anos, entre as moças, para a 8ª série), o que implica maturação intelectual e experiência de vida bastante diversificadas. A maior parte dos estudantes do segundo segmento de EJA tem idade entre 20 e 40 anos, é proveniente de famílias pouco ou não escolarizadas, apresenta biografia educativa variada e exerce atividades profissionais que exigem pouca qualificação; a maioria passou por cursos regulares de modo intermitente durante a infância e a adolescência, muitos abandonaram os estudos para exercer atividades profissionais e os retomaram na juventude e idade adulta. 2.2. Temática As coleções devem apresentar temáticas diversificadas, considerando diferentes contextos sociais, culturais e históricos, estando adequadas aos interesses e peculiaridades do público a que se dirigem e sendo capazes de motivar a leitura dos livros e de ampliar as referências culturais e literárias desse público. A abordagem de temáticas controversas deve se pautar pela problematização, por sua atualidade e diversidade de enfoques, contribuindo para o desenvolvimento ético do leitor e, em hipótese alguma, promovendo a discriminação ou o sectarismo. Os textos informativos devem apresentar correção conceitual e atualidade temática. 2. 3. Seleção de títulos e autores A representatividade dos autores escolhidos – isto é, o quanto são conhecidos e assumidos como referências da cultura brasileira –, em função da finalidade e do caráter do PNBE/2003, assim como da abrangência da distribuição das coleções, torna -se um fator relevante na escolha da obra. Os títulos e autores selecionados devem ser representativos da produção literária. Serão privilegiadas as coleções compostas de títulos e autores de diferentes épocas e regiões. 2. 4. Textualidade Os textos de natureza literária devem ser representativos de diferentes quadros de referência, favorecendo a experiência estética diversificada e o desenvolvimento da leitura. A textualidade das obras deve se apoiar não apenas nas expectativas atuais a respeito da recepção literária do público, mas também na ampliação dessas expectativas. Os textos informativos devem ser contextualizados e oferecer referências completas para que o leitor relacione -os a aspectos de caráter mais abrangente de seu campo ou área de conhecimento. A estruturação dos textos informativos deve apresentar abordagem encadeada e hierarquizada de temas e assuntos. 2. 5. Projeto gráfico e ilustrações O projeto gráfico corresponde à apresentação física da obra, incluindo aspectos, tais como: a relação entre texto e imagem, distribuição espacial, capa, tamanho da mancha, recursos gráficos. Os padrões utilizados no conjunto devem favorecer a legibilidade dos textos e manifestar adequação às características de cada título. Erros de impressão e

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revisão são negativos para a adequada leitura das obras. As ilustrações devem contribuir para a leitura das obras, dialogando com os textos, utilizando linguagem visual coerente e apropriada. São desaconselháveis ilustrações que reproduzam clichês e que pouco acrescentem à leitura. No caso dos textos informativos, as ilustrações (fotografias, mapas, esquemas, tabelas, gráficos, entre outros) devem colaborar para complementar as informações textuais e promover a compreensão do leitor. PROGRAMA NACIONAL BIBLIOTECA DA ESCOLA PNBE/2003 EDITAL DE CONVOCAÇÃO PARA INSCRIÇÃO DE COLEÇÕES DE OBRAS DE LITERATURA PARA ALUNOS DE 4ª E 8ª SÉRIES DO ENSINO FUNDAMENTAL E DE LITERATURA E INFORMAÇÃO PARA ALUNOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS - EJA, NO PROCESSO DE AVALIAÇÃO E SELEÇÃO PARA O PROGRAMA NACIONAL BIBLIOTECA DA ESCOLA – PNBE/2003

ANEXO III ESPECIFICAÇÕES TÉCNICAS MÍNIMAS

As especificações são para todos os exemplares de cada um dos livros que compõem as coleções: 1. FORMATO: 137 mm x 209 mm, com tolerância de desvio para mais ou para menos 4mm nas medidas. 2. CAPA: Cartão branco, de 240 g/m2 a 312g/m2 nominais, com tolerância de variação de 4% (quatro por cento) nas gramaturas nominais, revestido na frente, plastificado ou envernizado com verniz UV, com as seguintes características: • Impressão n.º de cores - 4/1; • Tipo e tamanho de fonte da capa: adequado ao projeto gráfico; • Selo do PNBE/2003, a ser disponibilizado ao titular de direito autoral após a etapa de pré-inscrição. 3. MIOLO: Papel "off set" branco, com gramatura de 75 g/m2 nominais, com tolerância de variação de 4% (quatro por cento), nas gramaturas nominais. Alvura mínima de 80 (oitenta por cento) e opacidade mínima de 82% (oitenta e dois por cento); • Impressão n.º de cores: 1/1. Poderá ser utilizada qualquer cor desde que adequada ao projeto gráfico. 4. ACABAMENTO 4.1. Para livros com até 96 páginas de miolo: 4.1.1. Tipo de lombada: canoa; 4.1.2. Miolo e capa: grampeados com 2 (dois) grampos acavalados na lombada; 4.1.3. Características do grampo: galvanizado com bitola n.º 26 ou 25; 4.1.4. Grampeamento: distribuídos simetricamente em relação à extensão pé à cabeça do livro com variação de 1,5 cm, e tolerância máxima de desalinhamento de 0,5 mm em relação ao vinco da dobra; 4.1.5. A distância nominal entre a lombada e a mancha deve ser de 15 a 20 mm;

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4.1.6. A distância nominal entre o corte trilateral e a mancha deve respeitar as características do projeto gráfico adequado ao gênero. 4.2. Para livros com mais de 96 páginas de miolo: 4.2.1. Tipo de lombada: quadrada; 4.2.2. Miolo costurado com linha, “falsa/termo costura”, ou costura de cola, ou colagem de poliuretano reativo (PUR); 4.2.3. Capa com vinco de manuseio a 7 mm da lombada com tolerância de mais ou menos 1 mm; 4.2.4. Colagem lateral de capa até o vinco de manuseio, com tolerância de até menos 1,5 mm; 4.2.5. A distância nominal entre a lombada e a mancha deve ser de 15 a 20 mm; 4.2.6. A distância nominal entre o corte trilateral e a mancha deve respeitar as características do projeto gráfico adequado ao gênero. 4.3. Para os diversos tipos de acabamento deverão ser utilizadas as seguintes especificações: 4.3.1. Para os livros costurados com linha, esta deve ser de algodão, sintética ou mista, com resistência suficiente para garantir a integridade física do miolo; 4.3.2. Para os livros com acabamento “falsa/termo costura”, a linha deve ser mista, com resistência suficiente para garantir a integridade física do miolo; 4.3.3. Para os livros costurados com cola o processo deverá ser “Burst”, “nottched” ou “slotted binding”, de forma a garantir a integridade física do miolo; 4.3.4. Para os livros com a lombada raspada e colada, ou raspada, frezada e colada, o processo de colagem deverá ser com a utilização de cola de poliuretano reativo (PUR); 4.3.5. Toda cola utilizada deverá ser flexível após secagem.

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ANEXO B - QUADRO DAS EDITORAS, OBRAS E AUTORES QUE INTEGRAM AS

COLEÇÕES DO LITERATURA EM MINHA CASA

Composição do acervo do PNBE/2001

Volume 1 - uma obra de poesia de autor brasileiro ou uma antologia de poetas brasileiros;

Volume 2 - uma obra de contos de autor brasileiro ou uma antologia de contistas brasileiros;

Volume 3 - uma novela de autor brasileiro;

Volume 4 - uma obra clássica da literatura universal, traduzida ou adaptada;

Volume 5 - uma peça teatral ou obra ou antologia de textos de tradição popular.

EDITORA OBRAS AUTORES

ÁTICA

Palavra de poeta Henriqueta Lisboa José Paulo Paes, Mário Quintana e Vinícius de Mores

De conto em conto Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino, Ivan Ângelo, Luiz Vilela, Lygia Fagundes Telles, Machado de Assis, Marcos Rey, Pedro Bandeira e Wander

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Piroli

A árvore que dava dinheiro

Domingos Pelegrini

A ilha do tesouro Robert Louis

Stevenson, adap. Claire Ubac

Bazar do Folclore Ricardo Azevedo

FTD

A bailarina e outros poemas

Roseana Murray

Quem conta um conto? Ana Maria Machado, Cristina Porto, Flávio de Souza, Ruth Rocha, Sylvia Orthof

Carta errante, avó atrapalhada, menina aniversariante

Mirna Pinsky

Os miseráveis Victor Hugo, trad. E

adap. Walcyr Carrasco

O fantástico mistério de Feiurinha

Pedro Bandeira

CIA. DAS LETRINHAS

A arca de Noé Vinícius de Moraes

Era uma vez um conto Moacyr Scliar, José Paulo Paes, Milton Hatoum, Marcelo Coelho e Drauzio Varella

Minhas memórias de Lobato

Luciana Sandroni

Odisséia Adap. Ruth Rocha Pluft, o fantasminha Maria Clara Machado

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MODERNA

Palavras de encantamento

Manuel de Barros, Elisa Lucinda, Elias José, Roseana Murray, Pedro Bandeira Mário Quintana, Luiz Gama Olavo Bilac, José Paulo Paes Ferreira Gullar

Historinhas pescadas Angela Lago, Artur Azevedo, Bartolomeu Campos Queirós, Christiane Gribel, Eva Furnari, Machado de Assis, Moacyr Scliar, Pedro Bandeira, Rosa Amanda Strausz, Ruth Rocha

Bisa Bia, Bisa Bel Ana Maria Machado

A formiguinha e a neve Adap. João de Barro

(Braguinha) O macaco malandro Tatiana Belinky

NOVA FRONTEIRA

Meus primeiros versos Manuel Bandeira, Cecília Meirelles, Roseana Murray

Meus primeiros contos Leo Cunha, Hebe Coimbra, Luiz Raul Machado, Machado de Assis e Sylvia Orthof

Vida e paixão de Pandonar, o cruel

João Ubaldo Ribeiro

Histórias de fadas Oscar Wilde;

trad. Barbara Heliodora

Hoje tem espetáculo: no país dos prequetés

Ana Maria Machado

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OBJETIVA

Cinco Estrelas Chico Buarque, Henriqueta Lisboa, Olavo Bilac, Caros Drummond de Andrade e Gonçalves Dias

O Santinho Luis Fernando

Veríssimo Uma história de futebol José Roberto Torero

Um assassinato, um mistério e um casamento

Mark Twain; trad. Ana Maria Machado

Eu chovo, tu choves, ele chove

Sylvia Orthof

Composição do acervo do PNBE/2002

Volume 1 - uma obra de poesia de autor brasileiro ou uma antologia de poetas brasileiros;

Volume 2 - uma obra de contos de autor brasileiro ou uma antologia de contistas brasileiros;

Volume 3 - uma novela de autor brasileiro;

Volume 4 - uma obra clássica da literatura universal, traduzida ou adaptada;

Volume 5 - uma peça teatral ou obra ou antologia de textos de tradição popular.

EDITORA OBRAS AUTORES

Varal de poesia Cecília Meireles, Fernando Paixão, José Paulo Paes e

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ÁTICA

Mario Quintana.

Deixa que eu conto Carlos Drummond de Andrade, Dalton Trevisan, Domingos Pellegrini, Fernando Sabino, Ignácio de Loyola Brandão, Lygia Fagundes Telles, Machado de Assis e Moacyr Scliar

Do outro mundo Ana Maria Machado

Ali Babá e os quarenta ladrões

Antoine Galland, adap. Luc Lefort e trad. Ruth Salles.

Histórias que o povo conta

Ricardo Azevedo

BERTRAND BRASIL

A poesia dos bichos Carlos Drummond de Andrade, Manoel de Barros e Thiago de Mello

Histórias fantásticas José J. Veiga

O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá

Jorge Amado

O velho e o Mar Ernest Hemingway,

trad. Fernando de Castro Ferro

Folclore vivo Herberto Sales

COMPANHIA DAS LETRINHAS

Um poema puxa o outro

José Paulo Paes, Marcelo R. L. Oliveira, Ricardo Azevedo e Ricardo da Cunha Lima

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Conta que eu conto Ana Maria Machado, Angela-Lago, Daniel Munduruku, Heloisa Prieto e Roger Mello

O irmão que veio de longe

Moacyr Scliar

As aventuras de Pinóquio

Carlo Collodi; adap. Fernando Nuno e trad. Marina Colasanti.

O rapto das cebolinhas

Maria Clara Machado

GLOBAL

Pé de poesia Cecília Meireles Ferreira Gullar, Mario Quintana, Cora Coralina, Olavo Bilac, Henriqueta Lisboa, Manuel Bandeira e Sidónio Muralha.

Faz de conto Mario Quintana, Ignácio de Loyola Brandão, Sylvia Orthof, Câmara Cascudo, Cora Coralina, Sidónio Muralha e Marina Colasanti.

A vaca voadora Edy Lima

O rouxinol e o imperador da China

Hans Christian Andersen, adap. Cecília Reggiani Lopes

Os Saltimbancos Chico Buarque

Tem gato na tuba e outros poemas

Sidónio Muralha, Cecília Meireles, Menotti del Picchia,

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MARTINS FONTES

Casimiro de Abreu, Olavo Bilac, Gonçalves Dias, João de Barro (Braguinha) e Alberto Ribeiro, Cartola, Carlos Cachaça e Hermínio Bello de Carvalho, Marino Pinto e Paulo Soledade

A garupa e outros contos

Sylvia Orthof, Marina Colasanti, Paulo Mendes Campos, Machado de Assis, Afonso Arinos

O fantasma no porão Elias José

As aventuras de Alice no país das maravilhas

Lewis Carroll, adap.Tony Ross

Um saci no meu quintal Monica Stahel NOVA FRONTEIRA

Poemas que contam a história

Gonçalves Dias, Olavo Bilac, Castro Alves, Manuel Bandeira, Cecília Meireles, Evaristo da Veiga, João Cabral de Melo Neto

Em família Artur Azevedo, Marina Martinez, Ana Maria Machado, Ziraldo, Clarice Lispector, João Guimarães Rosa

A casa da madrinha Lygia Bojunga

Contos de Grimm: Animais encantados

Irmãos Grimm, trad. E adap. Ana Maria Machado.

Zé vagão da roda fina e sua mãe Leopoldina

Sylvia Orthof

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OBJETIVA

Toda criança do mundo Ruth Rocha, Sérgio Capparelli, Fagundes Varela, Luís Fernando Veríssimo, Ferreira Gullar e Samir Meserani

Contos de estimação Sylvia Orthof, Érico Veríssimo, Ruy Castro, Adriana Falcão, Sílvio Romero.

A bolsa amarela Lygia Bojunga

O máscara de ferro Alexandre Dumas,

adap. Carlos Heitor Cony

História de Aladim e a lâmpada maravilhosa

Patativa do Assaré.

RECORD

Simplesmente Drummond

Carlos Drummond de Andrade

Meninos, eu conto Rachel de Queiroz, Rubem Braga, Antônio Torres, Leo Cunha, Zélia Gattai, Jorge Amado, Marco Túlio Costa, Malba Tahan, Fernando Sabino.

A terra dos meninos pelados

Graciliano Ramos

O mágico de Oz L. Frank Baun; trad. Adap. Celso Luiz Amorim.

Histórias de lenços e ventos

Ilo Krugli

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Composição do acervo do PNBE/2003

Literatura em Minha Casa - 4ª série

Foram selecionadas 10 (dez) coleções, com cinco volumes:

Volume 1 - uma antologia poética brasileira;

Volume 2 - uma antologia de contos brasileiros;

Volume 3 - uma novela brasileira;

Volume 4 - uma obra clássica da literatura universal, traduzida ou adaptada;

Volume 5 - uma peça teatral brasileira ou obra ou antologia de textos de tradição popular brasileira.

EDITORA OBRAS AUTORES

AGIR Nossos Poetas Clássicos

Casimiro de Abreu e outros

Contos de Ontem e de Hoje

Lima Barreto e outros

Ludi Vai à Praia Luciana Sandroni

O Pequeno Príncipe Antoine de Saint-

Exupéry Histórias Daqui e Dali Roger Mello e outros

GLOBAL Caminho da Poesia Cecília Meireles e

outros Conto com Você Cora Coralina, e outros Caçadas de Pedrinho Monteiro Lobato

A Bela Adormecida no Bosque

Charles Perrault

Contos Tradicionais do Luís da Câmara

Page 149: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

Brasil Cascudo

MARTINS FONTES Trem de Alagoas e outros Poemas

Álvares de Azevedo e outros

Puratig - O Remo Sagrado e outros contos

Moacyr Scliar e outros

O Empinador de Estrela

Lourenço Diaféria

Lendas dos Cavaleiros da Távola Redonda

Chrétien de Troyes e outros

Quatro Mitos Brasileiros

Monica Stahel

MELHORAMENTOS Poesia Quando Nasce...

Leo Cunha e outros

Os Contadores de Histórias

Pedro Bandeira e outros

Uma professora muito Maluquinha

Ziraldo

Os Três Mosqueteiros Alexandre Dumas A Linguagem da Mata Ciça Fittipaldi

MODERNA Gotas de Poesia Angela Leite de Souza

e outros

Nem te Conto! Ana Maria Machado e

outros A Droga da Obediência Pedro Bandeira Chapeuzinho Vermelho João de Barro O Menino Narigudo Walcyr Carrasco

NEWTEC Poesia Fora da Estante Dilan Camargo e outros

Histórias do Bruxo Cosme Velho

Machado de Assis

Os Meninos da Rua da Praia

Sérgio Capparelli

Uma História de Natal Charles Dickens

A Fada que tinha idéias Fernanda Lopes de

Almeida

Page 150: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

NOVA FRONTEIRA Poesia das Crianças Casimiro de Abreu e

outros Meninos e Meninas Ruth Rocha e outros

Do Outro Lado tem Segredos

Ana Maria Machado

Clássicos de Verdade: Mitos e Lendas Greco-Romanas

Esopo e outros

Os Cigarras e os Formigas

Maria Clara Machado

OBJETIVA Poemas do Mar Ana Maria Machado e

outros Contos da Escola Lygia F. Telles e outros Uólace e João Victor Rosa Amanda Strausz Tom Sawyer Mark Twain

Baile do Menino Deus Ronaldo Correia de

Brito e Assis Lima QUINTETO Bichos de Versos Ferreira Gullar e outros

Ciranda de Contos Ruth Rocha e outros

Palavras, Palavrinhas & Palavrões

Ana Maria Machado

Tom Sawyer Detetive Mark Twain O Cavalo Transparente Sylvia Orthof

SALAMANDRA Fazedores de Amanhecer

Augusto Massi e outros

Contos para Rir e Sonhar

Ruth Rocha e Sylvia Orthof

Raul da Ferrugem Azul Ana Maria Machado

As Loucas Aventuras do Barão de Munchausen

Rudolph Erich Raspe

Dois Corações e Quatro Segredos

Beto Andretta e Liliana Iacocca

Page 151: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

Literatura em Minha Casa - 8ª série

Foram selecionadas 10 (dez) coleções, com quatro volumes:

Volume 1 - uma antologia poética brasileira;

Volume 2 - uma antologia de crônicas e contos brasileiros;

Volume 3 - uma novela ou romance nacional ou estrangeiro (neste último caso, traduzido, adaptado ou não);

Volume 4 - uma peça teatral brasileira ou estrangeira.

EDITORA OBRAS AUTORES ÁTICA

Na Onda dos Versos

Ana Cristina Cesar e outros

O Peru de Natal e Outras Histórias

Carlos Drummond de Andrade e outros

O Vampiro que

Descobriu o Brasil Ivan Jaf

O Fingidor Samir Yazbek

BERTRAND BRASIL Os Estatutos do

Homem

Thiago de Mello

As Eternas

Coincidências Paulo Mendes Campos

e outro Homens e Caranguejos Josué de Castro

Page 152: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

O Pagador de

Promessas Dias Gomes

COMPANHIA DAS LETRINHAS

Receita de Poesia Vinicius de Moraes

Pipocas Moacyr Scliar e outros A Metamorfose Franz Kafka

O Diamante do Grão-

Mogol Maria Clara Machado

GLOBAL Tempo de Poesia Henriqueta Lisboa e

outros

Deixa que eu Conto Mario Quintana e

outros

Um Sonho no Caroço

de Abacate

Moacyr Scliar

Sonho de uma noite de

Verão

William Shakespeare

JOSE OLYMPIO Poesia Sempre Gonçalves Dias e

outros

Nossas Palavras Carlos Drummond de

Andrade e outros Menino de Engenho José Lins do Rego O Santo e a Porca Ariano Suassuna

MARTINS FONTES Discurso de um Sonho

e Outros Poemas Gregório de Matos e

outros

O Novo Manifesto Érico Veríssimo e

outros Ubirajara José de Alencar As Mãos de Eurídice Pedro Bloch

MELHORAMENTOS

Amores Diversos Arnaldo Antunes e outros

Page 153: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

Olhar de Descoberta João Anzanello

Carrascoza e outros

Vito Grandam - Uma

História de Vôos Ziraldo

Sonho de uma Noite de

Verão

William Shakespeare

COMPANHIA EDITORA NACIONAL

A Descoberta do Amor em Versos

Casimiro de Abreu e outros

A Descoberta do Amor

em Prosa

Elias José e outros

Raptado Robert Louis

Stevenson

O Judas em Sábado de

Aleluia

Martins Pena

SALAMANDRA Conversa de Poeta Álvares de Azevedo e

outros Do Conto à Crônica Leo Cunha e outros Pra que Serve? Ruth Rocha A Aurora da Minha Vida Naum Alves de Souza

SCIPIONE Ofício de Poeta Álvares de Azevedo e

outros

Histórias de Humor Aluísio Azevedo e

outros

Aprendendo a Amar - e

a Curar Moacyr Scliar

As Aventuras de Ripió

Lacraia

Chico de Assis

Palavra da Gente - Educação de Jovens e Adultos

Foram selecionadas 04 (quatro) coleções, constituídas por seis volumes:

Volume 1 - um ensaio ou reportagem sobre um aspecto da realidade brasileira;

Page 154: Literatura Em Minha Casa: uma história sobre leitura, literatura e

Volume 2 - uma antologia de crônicas e contos brasileiros;

Volume 3 - uma obra ou antologia de textos de tradição popular brasileira em prosa ou verso;

Volume 4 - uma antologia poética brasileira;

Volume 5 - uma peça teatral brasileira ou estrangeira;

Volume 6 - uma biografia ou relato de viagem.

EDITORA OBRAS AUTORES

MODERNA A Importância do Ato

de Ler Paulo Freire

Leituras da Vida Domingos Pellegrini e

outros Proezas de João Grilo João Ferreira Lima

Poesia Romântica

Brasileira

Álvares de Azevedo e outros

O Burguês Fidalgo Molière

A Viagem de Cabral na

Carta de Caminha

Douglas Tufano

NEWTEC A Violência que Oculta

a Favela

Fernanda Pedrosa e outros

Histórias de Grandeza

e de Miséria

Caio Fernando Abreu e outros

Dicionário dos Sonhos e outras Histórias de

Cordel

J. Borges

Na Boca do Povo -

Poesias da Memória Brasileira

Álvares de Azevedo e outros

A Greve do Sexo -

Lisístrata

Aristófanes

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Brasil: Terra à Vista! A aventura Ilustrada do

Descobrimento

Eduardo Bueno

ROCCO O que é o Brasil? Roberto DaMatta

Pequenas Descobertas

do Mundo

Clarice Lispector

ABC do Lavrador e

outros Cantos Silvio Romero

Três Homens Falam de

Amor Affonso Romano de Sant´Anna, e outros

A Beata Maria do Egito Rachel de Queiroz

Anita Garibaldi - Estrela

da Tempestade

Heloísa Prieto

SCIPIONE Um Olhar Sobre a

Saúde Pública

Moacyr Scliar

Histórias de Fantasia e

Mistério

Bernardo Guimarães e outros

Histórias Folclóricas de Medo e de Quebranto

Ricardo Azevedo

Canções do Brasil Álvares de Azevedo e

outros

Uma Pátria que Eu

Tenho

Fernando Bonassi e outro

Pixinguinha, Menino bom que se tornou

Imortal

Nereide Schilaro Santa Rosa

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