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A escola e a leitura da literatura Regina Zilberman A literatura viabiliza algo que de outro modo seria impossível: ler a cultura. Wolfgang Iser A adoção da escrita decorreu primeiramente de práticas econômicas. Na Suméria do quarto milênio antes da Era Cristã, letras em formato de cunha fixadas em tabuletas de argila registravam, segundo Henri-Jean Martin, "o movimento de bens" 1 . Mateo Maciá observa, na mesma direção, que "um dos elementos-chave no aparecimento da escrita são as marcas de propriedade" 2 . José Martínez de Souza complementa: Os acádios usaram-na [a escrita cuneiforme] nos milênios IV e III a.c. como simples procedimento memorístico aplicado aos negócios; mais tarde, até o ano 2600 a.c., para a redação de contratos, e depois no campo jurídico; ao finalizar o terceiro milênio a.c. foi empregada nas atividades religiosas e literárias. 3 As práticas jurídicas, religiosas e literárias aparecem na sequência do uso da escrita como registro da propriedade. Essas novas práticas, por sua vez, supõem a intermediação de uma instituição - a escola, conforme destaca Itamar Even-Zohar. Para esse estudioso dos bens culturais, os povos sumérios, os mesmos que se situam na origem da escrita, adotaram a reprodução dos textos canônicos, vinculados às práticas religiosas, requerendo, para tanto, a proposição da escola enquanto entidade encarregada dessa função: 1

A escola e a leitura da literatura

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A escola e a leitura da literaturaRegina Zilberman

A literatura viabiliza algo que de outro modo seria impossível: ler a cultura.

Wolfgang Iser

A adoção da escrita decorreu primeiramente de práticas econômicas. Na Suméria do quarto milênio antes da Era Cristã, letras em formato de cunha fixadas em tabuletas de argila registravam, segundo Henri-Jean Martin, "o movimento de bens"1. Mateo Maciá observa, na mesma direção, que "um dos elementos-chave no aparecimento da escrita são as marcas de propriedade"2. José Martínez de Souza complementa:

Os acádios usaram-na [a escrita cuneiforme] nos milênios IV e III a.c. como simples procedimento memorístico aplicado aos negócios; mais tarde, até o ano 2600 a.c., para a redação de contratos, e depois no campo jurídico; ao finalizar o terceiro milênio a.c. foi empregada nas atividades religiosas e literárias.3

As práticas jurídicas, religiosas e literárias aparecem na sequência do uso da escrita como registro da propriedade. Essas novas práticas, por sua vez, supõem a intermediação de uma instituição - a escola, conforme destaca Itamar Even-Zohar. Para esse estudioso dos bens culturais, os povos sumérios, os mesmos que se situam na origem da escrita, adotaram a reprodução dos textos canônicos, vinculados às práticas religiosas, requerendo, para tanto, a proposição da escola enquanto entidade encarregada dessa função:

Já na Suméria, através da escola (é-dubba), emergiu - talvez pela primeira vez na história da humanidade - a instituição dos textos canônicos, e com eles a importância das pessoas capazes de reproduzi-los.

Assim, se as práticas econômicas encontram-se na origem da escrita, as práticas religiosas, a que se vinculam as literárias e jurídicas, determinam a organização da escola, que se encarregará da difusão daquela ferramenta da linguagem verbal. A escola será dominada pelos religiosos, e seus frequentadores comungarão os ideais sagrados de que a escrita igualmente se reveste entre seus usuários. A utilização da escrita supõe, em todos os casos, o domínio de seu código, porque não se trata apenas de produzir textos, mas de entendê-los. À escrita associa-se a leitura, colocando-se a

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escola como o espaço de sua aprendizagem, domínio e uso, conforme uma ligação que o tempo não dissolve, ainda quando os demais vínculos - sobretudo os que se estabeleceram com a religião - desapareceram.

Escola e leitura instauram, desde então, sobretudo no Ocidente, uma afinidade raramente indissociável. Essa associação não se dá, porém, por razões lógicas, já que se pode aprender a ler fora da sala de aula, conforme exemplificam tanto situações concretas - crianças que chegam ao ensino fundamental já alfabetizadas -, quanto imaginárias, ao modo da personagem Tarzan, cuja aquisição da leitura é exposta com detalhes no primeiro da série de livros assinados por Edgar Rice Burroughs5. Com efeito, é por razões históricas que escola e leitura, na esteira de seus vínculos com a aquisição da escrita, convivem, tendo nascido em épocas próximas e derivando seu desenvolvimento de seus progressos recíprocos.

Por causa da mútua dependência, a crise da leitura é igualmente uma crise da escola, e vice-versa. Cabe, pois, compreender as histórias respectivas e concomitantes da instituição ligada ao ensino e à aquisição da prática da leitura, para apontar o papel que a escola pode vir a desempenhar, se tiver como meta a superação das dificuldades experimentadas nos dois campos, ação de que talvez ambos se beneficiem.

Leitura, economia e sociedade capitalista.A adoção da escrita na Antiguidade não significou sua ampla expansão

entre diferentes grupos sociais. Veio, porém, acompanhada da produção de textos que indicam seu uso entre religiosos, como os volumes do Pentateuco ou Torá, entre os hebreus, segundo Harold Bloom6 redigidos entre 980 e 900 a.c., ou entre políticos e juristas, como o código de Hamurábi, elaborado possivelmente entre 1792 e 1750 a.c., na Babilônia, que, de acordo com Fernando Báez, contava com uma biblioteca real para guardar as leis e "milhares de obras literárias, matemáticas, astronômicas e históricas"7.

A escolarização dos usuários desses textos era, provavelmente, imprescindível, mas essas pessoas, indivíduos livres ou libertos, dependiam das camadas dominantes, membros das castas religiosas, como entre os hebreus, ou administrativas, como entre os egípcios. Assim, a escola na Antiguidade era elitista, mesmo entre os gregos e os romanos, a quem competiu a separação entre a escola e a religião, de uma parte, e a escola e o Estado, de outra. Dela fica de fora a maior parte da população, vinculada à economia rural, logo, afastada dos centros urbanos e governamentais.

A situação não se altera significativamente durante a Idade Média, que restringiu a vida educacional, cultural e artística às atividades nos mosteiros dos cristãos, o que, se, por um lado, encolheu a vida escolar fora da égide da Igreja, por outro propiciou a expansão das manifestações mediadas pela oralidade, como a poesia e o teatro. Por longos séculos, a circulação da escrita dependeu da ingerência dos muçulmanos, que dominavam militar e

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administrativamente os povos mediterrâneos; mas, não tendo adotado as línguas neolatinas, como os primeiros habitantes daquelas regiões (Espanha e Portugal, por exemplo), não deram oportunidade à difusão, entre seus dominados, de seus ricos tesouros filosóficos, literários e linguísticos. Os povos cristãos da Idade Média ficaram à margem da escrita, da escola e da leitura, até o começo da modernidade, quando a invenção da tipografia começou a modificar as regras do jogo. Mesmo assim, as mudanças não foram imediatas.

Essas se evidenciaram com grande intensidade a partir do século XVIII, quando a sociedade europeia passa a viver sob o que Raymond William denomina a revolução duradoura8, expressa em diferentes níveis: • no econômico, presenciam-se as consequências da revolução industrial, a que se associam profundas modificações tecnológicas e científicas; • no plano político, a revolução democrática determina o avanço irrefreável das formas de participação coletiva, na direção de um sistema apoiado na noção de que todos os seus membros são iguais e dispõem dos mesmos direitos; • a revolução cultural, por sua vez, caracteriza-se por ampliar as oportunidades de acesso ao saber.

Examinada a revolução duradoura sob o ângulo econômico, político ou cultural, constata-se, de um lado, um amplo processo de democratização, pois muitos têm condições de obter o que, até o século XVII, era exclusivo de poucos: conhecimento, bens, participação no Estado; de outro, verifica-se o impacto da tecnologia, fruto tanto da valorização da ciência, quanto das exigências de fabricação acelerada de novos produtos e serviços. As novas tecnologias de comunicação, por exemplo, propiciam a multiplicação dos meios de reprodução mecânica, facultando a difusão dos objetos culturais, antes privilégio de uma elite social e intelectual, como indica Walter Benjamin9.

Dentre os novos serviços, conta-se a transformação do sistema escolar, que amplia seu atendimento às classes populares e altera sua estrutura, ao dividir-se em ciclos, disciplinas e terminalidades10. Por sua vez, a escola, agora modificada, propicia o aumento do público leitor e fortalece modalidades de expressão que se transmitem de preferência e quase exclusivamente por meio da escrita, não mais por intermédio do código oral e da audição, como a poesia e a música, ou por intermédio do código performático e da visão, como o teatro, o circo e a pantomina, populares até os séculos XVIII e XIX11.

A consolidação de um público leitor que se converte em um mercado ativo e exigente, a partir da época de que aqui se fala, é um dos fenômenos culturais que mais impacto provocam na sociedade ocidental, passando a configurar uma de suas principais características. Esse público emergente, por sua vez, não se estabiliza sem a contribuição da escola, cuja

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reformulação, mencionada antes, visa igualmente atender às novas necessidades e requisitos do mercado.

O papel original da escola, intermediando as relações entre o ser humano e a escrita, amplia-se, convertendo-se na principal ponte entre seu usuário - o estudante, que inicia na infância sua trajetória pelo ensino, já que a escolarização torna-se obrigatória desde os primeiros anos de vida12 - e a cultura, sendo a aquisição da leitura uma das condições da aprendizagem. São várias as razões pelas quais a leitura passa a ocupar o primeiro plano, em detrimento de outras modalidades de percepção e representação da realidade, vindo a funcionar como a porta de entrada do jovem ao universo do conhecimento: • como se anotou antes, desde os sumérios, os encarregados da transmissão do saber e das crenças, no Ocidente, tinham optado pelo texto escrito como receptáculo privilegiado dos produtos intelectuais e da tradição, em detrimento de outras alternativas de expressão, por exemplo, as de ordem visual ou performática; • dar acesso à leitura ajudou a estimular uma indústria que nascera no século XV, a da tipografia, e desenvolvera-se consideravelmente a partir de então, valorizando formas já então tradicionais de difusão da escrita, como o livro, e incentivando o aparecimento de novos modelos de exposição de textos, como o jornal, o cartaz, o folhetim; • o código empregado pela escrita, especialmente o alfabeto, é extremamente econômico, se comparado a outros modos de comunicação, como o visual ou o performático, por apresentar grande capacidade de condensação. Essa propriedade acentuou-se, sobretudo na passagem dos modelos ideográficos de escrita, como o sumério ou chinês, ou silábicos, utilizado em Creta e conhecido como Linear B, para o alfabeto fonético, que, se, de uma parte, é mais abstrato, portanto, mais difícil, de outra, mostra-se mais funcional13.

Desde a Antiguidade, a escrita e a leitura ocupavam um lugar relevante como instrumento necessário ao funcionamento da sociedade, já que conferiam materialidade aos bens em circulação - fossem propriedades e negócios, ou crenças e literatura. Contudo, seu emprego não era hegemônico, ainda que contassem com instituições destinadas à sua transmissão, como a escola, criada para tal fim, ou como a religião, que as valorizava enquanto podiam constituir a ferramenta de acesso e difusão dos textos considerados sagrados. Depois de instalada a revolução duradoura, a que se refere Raymond Williams, escrita e leitura alcançam um estatuto diferenciado, que as coloca acima das demais maneiras de interlocução entre os indivíduos e o meio social, representando seu domínio um dos instrumentos de distinção entre as pessoas, diferenciadas entre alfabetizadas ou não alfabetizadas, letradas ou iletradas, a partícula negativa recaindo sobre a privação das habilidades de ler e de escrever.

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Na mesma proporção, reforçou-se o papel da escola como responsável pela habilitação à escrita e à leitura, processo que não se restringe mais à aprendizagem dos processos de decifração de textos, mas inclui desde então o conhecimento da norma culta e do cânone literário, conteúdos já praticados no ensino clássico, mas que, na modernidade, se expandem por diferentes séries, ocupando grande parte do tempo de permanência do aluno em sala de aula.

A relevância da leitura na sociedade moderna mede-se, assim, pela função que vem a exercer, como propiciadora do fortalecimento de um contingente de consumidores necessários ao mercado da indústria do livro e da cultura, e pelo papel que vem a desempenhar na educação, já que se coloca na base da aprendizagem e acompanha os progressos dessa última durante suas várias etapas, que se estendem da infância à maturidade de um estudante e, depois, de um profissional, independentemente da classe social ou do grupo profissional a que pertença.

Compõe igualmente esse processo de valorização da leitura a constituição de uma ideologia que a coloca como objeto e finalidade. Do domínio da habilidade de ler e da familiaridade com a cultura resultaria a emancipação intelectual do indivíduo, capaz de formar as próprias opiniões, decidir seu destino e elevar-se espiritualmente14. Contudo, não é qualquer leitura que propicia esses efeitos positivos, pois a mesma ideologia chama a atenção para os perigos decorrentes do consumo de obras de ficção, consideradas escapistas e enganadoras, sobretudo quando seu público é formado por mulheres. Pensadores e educadores do final do século XVIII e começo do século XIX denunciam o que chamam de "leituromania", de que decorreram campanhas de esclarecimento e alerta contra os perigos da leitura em excesso15. Mary Wollstonecraft, conhecida por sua militância em favor dos direitos da mulher, é uma das autoras que advertem contra as obras que apresentam o "relato equivocado das paixões humaanas"16, pois, segundo a autora, podem levar as jovens a pensamentos errôneos sobre o amor e o casamento.

A instalação da leitura como prática corrente na sociedade burguesa e capitalista veio acompanhada de concepções contraditórias relativamente ao seu exercício. A pedagogia vigente, na passagem do século XVIII para o XIX, procura barrar o consumo de obras literárias, especialmente quando o público é formado por mulheres, incapazes, segundo os educadores, de discernir entre o bom (ou adequado) e o mau (ou inapropriado) livro. Por outro lado, o pensamento iluminista, naquela época e depois, acredita no livro como instrumento fundamental para a difusão do saber e a conquista da emancipação intelectual.

A leitura, desde então, comporta um duplo entendimento, dualidade de que não se livra, ainda que vocacionada para a liberdade: acusada de escapista (nos séculos passados, em razão dos condicionamentos da ficção

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literária; no século XX, por efeito da difusão da literatura de massa e da expansão dos meios de comunicação), por um lado; por outro, é compreendida como liberadora, caso se transforme em ponte para o conhecimento e incorporação de ideais autonomistas.

Examinada a história da leitura desde a perspectiva de seus compromissos com a sociedade, evidencia-se que a prática leitora não independe dos interesses econômicos que a acompanham, decorrentes das necessidades do mercado dos bens culturais, produtor de obras destinadas ao consumo e a seu descarte, estejam ou não comprometidas com a literatura de massa. Por outro lado, a disseminação da leitura decorreu de a escola ter adotado a alfabetização como sua primeira tarefa, tornada um direito constitucional nas nações modernas.

Escola e leitura expandem, assim, a associação nascida na Antiguidade, fraternidade, contudo, que abriga significados opostos. Pode representar tão somente a afirmação do "mito da alfabetização" (literacy myth)7 quando a valorização da leitura - e a aquisição do saber enquanto seu corolário - apresenta-se na qualidade de fiadora do sucesso profissional. Vale dizer, quando a escolarização é promovida como condição para a escalada na sociedade, na hipótese de que essa premiaria exclusivamente aqueles que se assenhoram de uma sólida formação intelectual, traduzida em graus e diplomas universitários. Nesse caso, a escola propõe-se como um modelo substitutivo para a sociedade, pois, organizando-se em função dos melhores (cuja capacidade é mensurada por meio de classificações e avaliações), ela supõe que toda a realidade pauta-se por este projeto, patrocinando-o então incondicionalmente e, para tanto, obscurecendo as divisões sociais que perduram. Por conseguinte, a escola formula igualmente uma concepção a respeito da mudança social, que resultaria da habilitação de cada indivíduo, não de uma ação coletiva e reivindicatória, e a sociedade forneceria os elementos para a própria transformação, o que, fechando o círculo, justificaria a existência do aparelho escolar. Logo, esse permanece não apenas para veicular uma ideologia condizente com a dominação burguesa, proprietária dos meios de produção, como afirma Louis Althusser,18 se não que se converte no substituto da mudança social, já que de sua atividade emana uma nova ordem regida pelos melhores e mais sábios.

Entretanto, por desencadear um processo de democratização do saber e maior acesso aos bens culturais, a escola é um elemento de transformação que não pode ser negligenciado. E este fator relaciona-se especialmente com a leitura, o que é sugerido, em uma primeira instância, pelas políticas educacionais das nações emergentes: ao conquistarem sua emancipação, desencadeiam programas de alfabetização em massa, por meio de

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campanhas patrocinadas pelo Estado, sobretudo quando este se proclama de extração popular. 19

Para a criança, que, enquanto não lê, depende exclusivamente da voz adulta que decodifica o mundo ao seu redor para ela, também a aprendizagem da leitura repercute como possibilidade de emancipação. Os bens culturais, que privilegiam a transmissão escrita, tornam-se acessíveis para ela e, por conseguinte, manipuláveis.

Por isso, seja no âmbito coletivo, seja no plano individual, a conquista da habilidade de ler é simultaneamente o primeiro passo na direção da liberdade, de uma parte e de outra, para a assimilação dos valores da sociedade. Situação contraditória desde o começo, ela não pode impedir que, no transcurso do processo de aprendizagem e assimilação do mundo que se transmite pelas letras, apareçam nossas contradições: de um lado, porque, na eventualidade de um entrechoque de diferentes civilizações, isto é, de povos em distintos estágios culturais, a introdução da escrita pode determinar uma violentação profunda das formas originais de expressão, como ocorreu ao longo da ocupação da América pelos colonizadores europeus; de outro, porque, ao aprender a ler, a criança recebe um universo de sinais antecipadamente constituído, cuja imutabilidade e codificação sofisticada reproduzem o mundo adulto, no qual começa a ter entrada por meio dos rituais de iniciação consagrados pelas técnicas de alfabetização e de letramento.20 Aprender a ler e a escrever é somar regras às que já conhece, mas que não elaborou e que contradizem sua primitiva experiência com a linguagem oral. Os erros que acumula - de entonação, de ritmo durante a leitura em voz alta, de ortografia - mimetizam seus conflitos com a norma dos adultos a que cabe submeter-se, sem subverter.

Alfabetização e letramento, portanto, carregam consigo dois movimentos paralelos e, como a escola, deflagram possibilidades de ação, que se estendem de uma meta emancipatória, rumo à afirmação de uma atitude autônoma do indivíduo, ao exercício de uma dominação, quando dirigida à aprendizagem de regras e condutas preestabelecidas. Todavia, a alfabetização e, na sequência, o letramento associam-se ao ato de ler e, sendo esse resultado o produto mais importante da ação da escola nos primeiros anos de formação de uma pessoa, pode representar também a condição de rompimento não apenas do sujeito, mas também da instituição que propicia a aquisição dessa prática.

A questão é saber se a escola brasileira, hoje, está preparada para o exercício dessa tarefa. A menção à crise da leitura, tão frequente em diagnósticos de procedência diversa (Pisa, Saeb, entre outros), reflete uma crise da escola em decorrência da parceria historicamente estabelecida entre o ensino e a aquisição das habilidades de ler e de escrever. A crise da escola relaciona-se a problemas de ordem variada, que, no Brasil, começam no âmbito da administração da educação, disseminada entre órgãos

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relacionados aos níveis federais, estaduais e municipais, sem que esses busquem afinar-se, e estendem-se à política de remuneração e qualificação dos professores, à conservação física dos prédios, incluindo-se salas de aula, bibliotecas e equipamentos de ensino, alcançando o plano da competência no exercício da missão para a qual foi edificada e justificou sua expansão na sociedade moderna. Nessa direção orientam-se os diagnósticos mencionados, destacando a falta de eficiência do ensino, já que os resultados alcançados são insuficientes, em relação às expectativas de aquisição do conhecimento que a escola deveria patrocinar e consolidar.

Se, pelo lado de dentro, a crise da leitura provém da crise da escola, em decorrência da escolarização precária de que são objeto os estudantes, pelo lado de fora, ela parece advir do aparecimento e da expansão de outros meios de veiculação de informações que, à primeira vista, provocam seu encolhimento e ameaçam substituí-Ia. Com efeito, as pessoas que poderiam vir a constituir o público da literatura apresentam outros interesses que não coincidem com o consumo de textos impressos, mas visuais, auditivos ou performáticos, como se a sociedade experimentasse um retorno a formas mais primitivas de comunicação, aquelas que teriam sido superadas quando da disseminação da escrita desde priscas eras.

O contexto mostra-se, assim, bastante adverso para a leitura e seus adeptos, constatação que determina uma tomada de posição. Propalar as virtudes da leitura pode representar tão somente um retorno aos tempos idos, a um passado em que, se, de uma parte, ela significou a liberação do indivíduo para o conhecimento e a consciência de sua cidadania, de outra, representou a afirmação dos valores da sociedade burguesa, do consumo e da economia de mercado. Nesse caso, trata-se de resgatar a leitura, recuperando seu teor revolucionário, de que poderá advir igualmente a salvação da escola, instituição que, como se observou, conta com uma longa história no Ocidente, mas vê-se ameaçada de extinção, dadas as insuficiências apontadas.

A leitura da literatura poderá, nesse caso, apresentar-se como alternativa possível, já que, dentre os materiais postos à disposição do público leitor, foram os de natureza ficcional os que mais sofreram críticas e restrições, especialmente por parte dos pedagogos, como se observou antes. Portanto, são os que experimentaram a exclusão do ensino, por apresentarem um teor revolucionário - mesmo quando interpretado como escapista -, que raramente se perde. Além disso, os suportes da literatura são flexíveis e mutáveis, adaptando-se às novas condições. Na Antiguidade, migraram da argila, utilizada pelos sempre lembrados sumérios, para o papiro dos egípcios e para o pergaminho de gregos e latinos, até chegar ao papel na modernidade. Atualmente, podem alojar-se na tela do computador ou na lâmina do CD, como já passaram pelo plástico do disquete e pelas fibras óticas da rede virtual, processo compartilhado pela permanência do

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formato do códice, representados pelos livros impressos em matéria de procedência vegetal.

Leitura e escola talvez devam recorrer à literatura para retomar seu rumo e reavaliar seus respectivos propósitos.

Com a incumbência de ensinar a ler, a escola tem interpretado essa tarefa de um modo mecânico. Quando atua de modo eficiente, dota as crianças do instrumental necessário e automatiza seu uso, por meio de exercícios que ocupam o primeiro - mas dificilmente o segundo - ano do ensino fundamental. Ler coincide então com a aquisição de um hábito e tem como consequência o acesso a um patamar do qual dificilmente se regride, a não ser quando falta competência à introdução do aluno à escrita. Porém, a ação implícita no verbo em causa não torna nítido seu objeto direto: ler, mas ler o quê? Dessa maneira, o sentido da leitura nem sempre se esclarece para aluno que é beneficiário dela. Por conseguinte, mesmo aprendendo a ler e conservando essa habilidade, a criança não se converte necessariamente em um leitor, já que este se define, em princípio, pela assiduidade a uma entidade determinada - a literatura.

Assim, a escola pode ou não ficar no meio do caminho: se cumprir sua tarefa de modo integral, transforma o indivíduo habilitado à leitura em um leitor; se não o fizer, arrisca -se a alcançar o efeito inverso, levando o aluno a afastar-se de qualquer leitura. Para evitar esse resultado, cabe entender o significado da leitura como procedimento de apropriação da realidade, bem como o sentido do objeto por meio do qual ela se concretiza: a obra literária. Pois,. acreditando que o ato de ler, em decorrência de sua natureza, se reveste de uma aptidão cognitiva, esta só se complementa na companhia do texto que demanda seu exercício.

Compreendida de modo amplo, a ação de ler caracteriza toda a relação racional entre o indivíduo e o mundo que o cerca. Se este lhe aparece, em um primeiro momento, desordenado e caótico, a tentativa de impor a ele uma hierarquia qualquer de significados representa, de antemão, uma leitura, porque imprime um ritmo e um conteúdo aos seres circundantes. Nessa medida, o real torna-se um código, com suas leis, e a revelação destas, ainda que de forma primitiva e incipiente, traduz uma modalidade de leitura que assegura a primazia de um sujeito, e de sua capacidade de racionalização, sobre o todo que o rodeia. É o que se passou com o homem primitivo que, por intermédio de sua cultura, propôs uma leitura mítica do mundo; e, se com isto reconheceu a natureza hostil que o circundava como poderosa e ameaçadora, não deixou de infundir a ela sua soberania, ao atribuir-lhe uma organização que era produto, antes de mais nada, da sua inteligência e imaginação.

Se ler qualifica toda a relação com o real, percebe-se que essa ação se expressa pela elaboração de um código, o qual, por sua vez, manifesta o domínio que o homem exerce (ou que deseja exercer) sobre sua

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circunstância. O mito, manifestação mais importante e duradoura da cultura primitiva, é esse código, pois funciona ao modo de uma língua. Porém, é igualmente uma linguagem, já que conota, de modo significativo, as trocas possíveis entre o indivíduo ou um grupo social determinado e a natureza que estava aprendendo a sobrepujar.21 O fato revela o vínculo íntimo e umbilical que toda a ação de ler estabelece não somente com o mundo dos objetos, mas principalmente com a linguagem. Emergindo esta da interação entre o ser humano e a realidade, sua existência não pode ser compreendida sem, ato de leitura, uma vez que ele está no bojo de um tal intercâmbio. Por sua vez, assistindo-se aí ao nascimento da linguagem, verifica-se que falar e ler a realidade implicam uma manifestação fundamentalmente verbal, de modo que, entre as possibilidades de expressão, a língua é a que contém de maneira mais completa o produto desses contatos primordiais com o real.

Por essa razão, a leitura perde a significação generalizadora mencionada de início, para traduzir principalmente uma relação com a linguagem, agora depositada no texto escrito. Esta conversão, por seu turno, não é mecânica, nem faz supor que a escrita mimetiza fielmente a expressão oral. Ao contrário, a passagem permite a fixação do dito, garantindo a autonomia desse com referência à ocasião de sua gênese ou às intenções que o produziram, configurando um universo independente, cuja significação advém da intimidade de suas fronteiras.

O trânsito da fala à escrita determina, portanto, o aparecimento de uma constelação específica de sinais - um código característico, o das letras, cuja missão é assegurar, de um lado, a imobilidade do texto, condição de sua perenidade no tempo; de outro, sua polissemia, vale dizer, a possibilidade de se extraírem dele múltiplos sentidos a partir de sua organização interior. Por meio deste processo, o texto realiza sua aspiração - a de distannciamento22

das circunstâncias de sua produção, a não ser que as incorpore à estrutura, projetando-se como enigma para o sujeito que o invoca: o leitor.

É a escrita, por conseguinte, que assinala o caráter enigmático da expressão, propondo-se a uma leitura que, para ser fiel à sua natureza, qualifica-se inevitavelmente como decifração. Assim sendo, se o ler conformava de antemão o relacionamento original do indivíduo com o mundo circundante, a expansão de sua prática demanda a metamorfose daquele em um texto, imagem derradeira da aspiração de soberania do ser humano sobre o ambiente que o rodeia. Porém, nesta conversão, o real não se dobra, senão que emerge mais uma vez na sua obscuridade de origem, reclamando um desvelamento.

Verifica-se em que medida a leitura da literatura reproduz a convivência com o mundo exterior, também essa uma modalidade de lê-lo. E porque essa ação não pode prescindir do objeto fixado pela escrita - o texto literário - sob pena de se tornar um exercício estéril, já que esvaziado daquilo que consiste no seu destino. Por sua vez, essa atividade de decifração traduz um

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adentramento no real, porque o texto age como uma síntese dele. Nesse aspecto, a obra de ficção, fundada na noção de representação da realidade, exerce tal papel sintético de forma mais acabada, fazendo com que leitura e literatura constituam uma unidade que mimetiza os contatos materiais do ser humano com seu contorno físico, social e histórico, propondo-se mesmo a substituí-los.

Em virtude disto, se o ato de ler se configura como uma relação privilegiada com o real, já que engloba tanto um convívio com a linguagem, quanto o exercício hermenêutico de interpretação dos significados ocultos que o texto enigmático suscita,23 a obra de ficção avulta como o modelo por excelência da leitura. Sendo uma imagem simbólica do mundo que se deseja conhecer, ela nunca se dá de maneira completa e fechada; ao contrário, sua estrutura, marcada pelos vazios e pelo inacabamento das situações e das figuras propostas, reclama a intervenção de um leitor, o qual preenche essas lacunas, dando vida ao mundo formulado pelo escritor.24 Desse modo, à tarefa de deciframento, implanta-se outra: a de preenchimento, executada particularmente por cada leitor, imiscuindo suas vivências e imaginação.

Caracterizando a experiência fundamental da realidade, a leitura pode ser qualificada como a mediadora entre cada ser humano e seu presente. Porém, se este se converte em uma obra, e como tal transmitindo um saber, mas exigindo simultaneamente a participação ativa do destinatário, percebe-se que, no decorrer dessa mediação, os dois seres acham-se comprometidos e entrelaçados. De um lado, o leitor, que decifra um objeto, mas não pode impedir que parte de si mesmo comece a se integrar ao texto, o que relativiza para sempre os resultados de sua interpretação, abrindo, por conseguinte, espaço para novas e infindáveis perspectivas. De outro, a criação literária, que, imobilizada pela escrita e aspirante à eternidade, não consegue escapar à violação procedida pelo olhar de cada indivíduo, que é tanto mais indiscreto, quanto mais penetrante e inquiridor. Com isto, relativiza-se igualmente sua significação, tornando-a moeda comum e, portanto, democratizando-a.

Modelo do desvelamento do mundo, a leitura encontra na literatura eventualmente seu recipiente imprescindível. Preservar essas relações é dar sentido a elas. E, se a escola não pode absorvê-las por inteiro, igualmente não pode ser o lugar onde estas se rompem em definitivo, sob pena de arriscar sua missão e prejudicar, irremediavelmente, o ser humano a quem diz servir.

A leitura na escolaO emprego do texto escrito e, depois, do livro na escola remonta, como

se observou, às épocas antigas, quando se fundou uma instituição específica focada no ensino. Suporte do aprendizado das primeiras letras, ao longo da história da educação no Brasil o livro passou por diversas fases. Camões, as

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seletas, as apostilas, o livro único, o didático, o paradidático, todos são facetas de um mesmo livro - aquele a quem se delegou a incumbência de acompanhar o estudante durante o transcurso das atividades discentes, servindo como depósito de informações e exercícios, sem negar nunca seu caráter utilitário que, se o degradou (e mesmo Camões foi vítima desse aviltamento), não impediu sua expansão crescente. Por isso, transcendeu o âmbito da sala de aula e converteu-se em uma vigorosa fonte de renda para autores, editores e livreiros, embora nem sempre na mesma proporção.

Sendo imediatista, por isso mesmo descartável, este livro, paradoxalmente, só se justifica pelas promessas que contém. O tipo de ensinamento que propicia - de regras linguísticas ou informações a respeito da história literária - apenas adquire sentido no futuro, quando o estudante eventualmente precisar dele, no exame vestibular, em um concurso ou na redação de um ofício ou requerimento. Assim, consumindo-se rapidamente e fomentando a indústria nacional, o livro didático - modelo privilegiado das outras espécies citadas - explica-se tão somente pelo que antecipa, fenômeno no qual está incluído o sucesso de que é, ainda, o avalista.

Esses fatores convertem o livro didático no avesso da leitura de que se falava antes. E, constituindo-se, de certa maneira, no arquétipo do livro em sala de aula, acaba por exercer um efeito que embacia a imagem que a prática da leitura almeja alcançar. Esta se caracteriza por uma experiência do presente, com a qual se compromete o leitor, já que este contribui com seu mundo íntimo no processo de decifração da obra. O livro didático exclui a interpretação e, com isso, exila o leitor. Propondo-se como autossuficiente, simboliza uma autoridade em tudo contrária à natureza da obra de ficção que, mesmo na sua autonomia, não sobrevive sem o diálogo que mantém com seu destinatário. E, enfim, o autoritarismo se apresenta de modo mais cabal, quando o livro didático se faz portador de normas linguísticas e do cânone literário. Ou quando a interpretação se imobiliza em respostas fechadas, de escolha simples, promovidas por fichas de leitura, sendo o resultado destas a anulação da experiência pessoal e igualitária com o texto.

Consequentemente, a proposta de que a leitura seja enfatizada na sala de aula significa o resgate de sua função primordial, buscando sobretudo a recuperação do contato do aluno com a obra de ficção. Desse intercâmbio, respeitando-se o convívio individualizado que se estabelece entre o texto e o leitor, emerge a possibilidade de um conhecimento do real, ampliando os limites - até físicos, já que a escola se constrói como um espaço à parte - a que o ensino se submete.

Com efeito, o recurso à literatura pode desencadear com eficiência um novo pacto entre os estudantes e o texto, assim como entre o aluno e o professor. No primeiro caso, trata-se de estimular uma vivência singular com a obra, visando ao enriquecimento pessoal do leitor, sem finalidades precípuas ou cobranças ulteriores. Já que a leitura é necessariamente uma

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descoberta de mundo, procedida segundo a imaginação e a experiência individual, cumpre deixar que este processo se viabilize na sua plenitude. Além disso, sendo toda a interpretação em princípio válida, porque oriunda da revelação do universo representado na obra, ela impede a fixação de uma verdade anterior e acabada, o que ratifica a expressão do aluno e desautoriza a certeza do professor. Com isso, desaparece a hierarquia rígida sobre a qual se apoia o sistema educativo, o que repercute em uma nova aliança, mais democrática, entre o docente e o discente. E com consequências relevantes, já que o aluno se torna coparticipante, e o professor, menos sobrecarregado e mais flexível para o diálogo.

Surgindo no horizonte de profundas transformações sociais e culturais, a leitura escolar e o ensino moderno desenvolveram-se paralelamente, entrecruzando seus respectivos caminhos. Nesse processo, envolveram-se com uma ideologia do saber, que resultou no seu comprometimento com os ideais que beneficiavam a classe que buscava o poder e suas formas de dominação. Porém, em decorrência de sua natureza, a leitura aponta a uma modalidade de experimentação do tempo e do espaço circundante que transcende sua função escolar. E restringir-se a esta pode significar mesmo sua esterilização. Dessa maneira, cabe recuperar seu papel, o que determina uma rejeição da figura caricatural do livro que circula normalmente na sala de aula. Se é a literatura de ficção, na sua globalidade, que deflagra a experiência mais ampla da leitura, sua presença no âmbito do ensino provoca transformações radicais que, por isso mesmo, são imprescindíveis. Além disso, ela é a condição de o ensino tornar-se mais satisfatório para seus principais interessados, a saber, os sujeitos que transitam pela sala de aula, sejam professores sejam alunos. E de a escola renovar-se, ainda quando resgatar sua função original, que é dar acesso à ação de ler, para efetivar a revolução duradoura no bojo da qual se popularizou.

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