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05/03/2010 1 Trovadorismo Período que engloba a produção literária de Portugal durante seus primeiros séculos de existência (séc. XII ao XV). No âmbito da poesia, a tônica são mesmo as Cantigas em suas modalidades; enquanto a prosa apresenta as Novelas de Cavalaria. Fragmento de canções do rei D. Dinis, descoberto pelo Prof. Harvey L. Sharrer. IAN/Torre do Tombo. Contexto Histórico Momento final da Idade Média na Península Ibérica, onde a cultura apresenta a religiosidade como elemento marcante. A vida do homem medieval é totalmente norteada pelos valores religiosos e para a salvação da alma. O maior temor humano era a idéia do inferno que torna o ser medieval submisso à Igreja e seus representantes. São comuns procissões, romarias, construção de templos religiosos, missas etc. A arte reflete, então, esse sentimento religioso em que tudo gira em torno de Deus. Por isso, essa época é chamada de Teocêntrica. As relações sociais estão baseadas também na submissão aos senhores feudais. Estes eram os detentores da posse da terra, habitavam castelos e exerciam o poder absoluto sobre seus servos ou vassalos. Há bastante distanciamento entre as classes sociais, marcando bem a superioridade de uma sobre a outra. O marco inicial do Trovadorismo data da primeira cantiga feita por Paio Soares Taveirós, provavelmente em 1198, intitulada Cantiga da Ribeirinha.

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Trovadorismo

• Período que engloba a produção literária de Portugaldurante seus primeiros séculos de existência (séc. XIIao XV).

• No âmbito da poesia, a tônica são mesmo as Cantigasem suas modalidades;

• enquanto a prosa apresenta as Novelas de Cavalaria.

Fragmento de canções do rei D. Dinis, descoberto pelo Prof. Harvey L. Sharrer. IAN/Torre do Tombo.

Contexto Histórico

• Momento final da Idade Média na Península Ibérica, onde a cultura apresenta a

religiosidade como elemento marcante.

• A vida do homem medieval é totalmente norteada pelos valores religiosos e para a

salvação da alma. O maior temor humano era a idéia do inferno que torna o ser

medieval submisso à Igreja e seus representantes.

• São comuns procissões, romarias, construção de templos religiosos, missas etc.

• A arte reflete, então, esse sentimento religioso em que tudo gira em torno de Deus.

Por isso, essa época é chamada de Teocêntrica.

• As relações sociais estão baseadas também na submissão aos senhores feudais. Estes

eram os detentores da posse da terra, habitavam castelos e exerciam o poder

absoluto sobre seus servos ou vassalos. Há bastante distanciamento entre as classes

sociais, marcando bem a superioridade de uma sobre a outra.

• O marco inicial do Trovadorismo data da primeira cantiga feita por Paio Soares

Taveirós, provavelmente em 1198, intitulada Cantiga da Ribeirinha.

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Cantiga da Guarvaiaou da Ribeirinha

• No mundo nom me sei parelha,

mentre me for como me vai;

ca ja moiro por vós, e ai!,

mia senhor branca e vermelha,

queredes que vos retraia

quando vos eu vi em saia?

Mao dia me levantei,

que vos entom nom vi feia!

E, mia senhor, des aquelha,

me foi a mi mui mal di' ai!

E vós, filha de Dom Pai

Moniz, en bem vos semelha

d' haver eu por vós garvaia?

Pois eu, mia senhor, d' alfaia

nunca de vós houve nem hei

valia d'ua correia!

•Cantiga da garvaia, Paio Soares Taveiroos

• No mundo não conheço outro como eu,

enquanto me acontecer como me acontece:

porque já morro por vós, e ai!,

minha senhora branca e vermelha,

quereis que vos censure

quando vos eu vi em saia? (em corpo bem feito)

Mau dia me levantei

que vos então não vi feia!

E, minha senhora, desde então,

passei muitos maus dias, ai!

E vós, filha de D. Paio

Moniz, parece-vos bem

ter eu de vós uma garvaia? (manto)

Pois eu, minha senhora, de presente

nunca de vós tive nem tenho

nem a mais pequenina coisa.

•Tradução livre, de algumas possíveis, daCantiga da garvaia de Paio Soares Taveiroos

Cantiga da Guarvaia ou da Ribeirinha• Paio Soares Taveiroos (ou Taveirós) foi um trovador da primeira

metade do século XIII, de origem da pequena nobreza galega.• É uma cantiga de amor plena de ironia.• Perdeu o seu estatuto de mais antiga cantiga conhecida, em favor

de uma outra do trovador João Soares de Pávia.

DESACORDO QUANTO AO SEU REAL SENTIDO:• nomeadamente no que diz respeito à personagem a quem é

dirigida - uma filha de D. Pai Moniz, por muito tempo identificadacomo D. Maria Pais Ribeiro, a célebre Ribeirinha, amante do reiportuguês D. Sancho I.

• A constatação da existência, na época, de várias personalidadeschamadas Pai Moniz, ou Paio Moniz, bem como a origem galega dePaio Soares, parecem, no entanto, contrariar esta hipótese, hojemuito discutível.

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Trovadorismo

Contexto histórico

•Século XII (“Cantiga da Ribeirinha”-1189 ou 1198, Paio Soares de Taveirós)

•Idade média

•Feudalismo

•Teocentrismo (Deus é o centro e a medida de todas as coisa)

VALOR DA POESIA MEDIEVAL

• Interesse social e histórico

- sentimentos de homens e mulheres;- alguns usos e costumes da época;- relações entre fidalgos e plebeus;- lutas entre trovadores e jograis;- covardia de alguns militares;- etc.

• Interesse artístico e estilístico

• Interesse para o estudo linguístico diacrónico

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Artistas!

Hierarquia dos poetas-músicos medievais.

Trovador ���� Geralmente da nobreza e sabia compor a letra poética, bem como

a melodia e também cantava.

Jogral � artistas de origem não nobre, que sobreviviam declamando, tocando

e cantando as composições dos trovadores; faziam mímica e acrobacias – todos

acompanhados pelas soldadeiras, cantoras e dançarinas que se exibiam em

suas apresentações.

Segrel ���� Fidalgo que ganhava a vida indo de corte em corte com

o intuito de levar a arte, a música e literatura.

Menestrel ���� A partir do século XIV, o jogral passa, pejorativamente,

a ser reconhecido como vagabundo. Para perder esse estigma o jogral

começou a ser conhecido como menestrel.

Soldadeira ou jogralesca � moça que dançava e tocava castanholas ou

pandeiros.

POESIA LÍRICA GALEGO-PORTUGUESA

• Sob esta designação são considerados os 1679 (Tavani) ou 1683(D’Heur) textos poéticos compostos em galego-português entreos finais do século XII e 1350.

• Estes poemas medievais em galego-português foram compiladose deram origem a colectâneas:

- Cancioneiro da Ajuda

- Cancioneiro da Vaticana

- Cancioneiro da Biblioteca Nacional (Colocci-Brancuti)

- Cantigas de Santa Maria

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As Cantigas...

Líricas: de amor e de amigo

Satíricas: de escárnio e de maldizer

As Cantigas...

Cantiga de Amor

� Nobreza

� Eu lírico é masculino

� Dirigido a Donzela

� Drama altamente passional

� Trovador é o vassalo da mulher amada

� Sofrimento por amor (coita d’Amor)

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Cantigas de amor

• Em algumas cantigas de amor, por influência do lirismotradicional, está presente o paralelismo imperfeito e semântico.

• Nas cantigas de amor há menos fingimento e mais sinceridadedo que nas composições provençais.

Variedades dasCantigas de Amor

• Canções de mestria

• Tenções

• Desacordos

• Prantos

• Cantigas de refrão

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A forma das cantigas:

• Cantiga de maestria: sete versos em cada estrofe, sem refrão, mais difíceis e sofisticadas.

• Cantigas de refrão: quatro versos em cada estrofe, com repetição de um deles (refrão) no final, mais popular.

• Cantigas paralelísticas: há versos encadeados que repetem a mesma estrutura, com pequenas variações em pares de estrofes consecutivos, com rimas.

Cantiga de Amigo

� Eu lírico é feminino

� “Amigo” = namorado,

amado ou amante

� Saudade

� Paralelismo

* D. Dinis foi rei de Portugal entre 1261 e 1291. Deixou quase 140

composições entre cantigas de Amor, de Amigo e de maldizer. Fundou a

Universidade de Lisboa e foi um dos maiores protetores das letras e dos

artistas de Portugal.

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• "Ai flores, ai flores do verde pino,

se sabedes novas do meu amigo!

ai Deus, e u é?

Ai flores, ai flores do verde ramo,

se sabedes novas do meu amado!

ai Deus, e u é?

Se sabedes novas do meu amigo, aquel que mentiu do que pôs comigo!

ai Deus, e u é?

Se sabedes novas do meu amado, aquel que mentiu do que mi há jurado!

ai Deus, e u é?“

(...)

(Cantiga de amigo da autoria do rei D. Dinis)

• Se sabedes novas do meu amigo é que venho perguntar: -Que ao que levou meu amigo Há-de a noite encarcerar Dentro de fel e vinagre Sua boca há-de fechar Com sete chave? de treva E fechaduras de neve Que ao que levou meu amigo Há-de a febre devorar Sobre a parede mais fria Suas tripas há-de o dia Pendurar em argolas de veneno Sua carne há-de queimar Com carvões de acetileno Mai-lo sangue que há-de arder Que ao que levou meu amigo Há-de a noite decepar Há-de o dia ver morrer.

Cantigas de Amigo - quanto ao tema:

• Alvas, Albas, Alvoradas ou Serenas• Barcarolas ou Marinhas• Bailias ou Bailadas• Pastorelas• Cantigas de Romaria

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Confidentes:- a mãe;- a irmã;- as amigas.

Sentimentos:- o sofrimento de amor;- a morte de amor;- cuidados e ansiedade;- tristeza e saudade;- alegria na volta do amigo;- ódio aos mexericos.

Tipos psicológicos:- a ingénua; a confiada; a martirizada; a narcisada; a indiferente; a vingativa.

Ambientes:- a fonte e o rio;- a praia e o campo;- a casa.

Estabelecem-se algumas relações entre a natureza e a vida interior dos protagonistas das canções

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SÁTIRA TROVADORESCA

• Influenciada pela literatura provençal.• As composições satíricas da Provença tinham o nome

de sirventês.

sirventês moral

sirventês político

sirventês pessoal

Cantigas Satíricas

Cantigas de escárnio

� Sátira indireta

� Duplo sentido

� Ironia

� Criticar!

Cantigas de maldizer

� Sátira direta

� Irreverência

� Agressividade

� Malícias

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Cantiga de EscárnioAi, dona fea, fostes-vos queixar

que vos nunca louv[o] em meu cantar;

mais ora quero fazer um cantar em que vos loarei toda via; e vedes como vos quero loar: dona fea, velha e sandia! Dona fea, se Deus mi pardom, pois avedes [a]tam gram coraçomque vos eu loe, em esta razomvos quero ja loar toda via; e vedes qual sera a loaçom: dona fea, velha e sandia! Dona fea, nunca vos eu loeiem meu trobar, pero muito trobei; mais ora ja um bom cantrar farei, em que vos loarei toda via; e direi-vos como vos loarei: dona fea, velha e sandia!

• (Joan Garcia de Guilhade )

Ai, dona feia, foste-vos queixar que nunca vos louvo em meu cantar; mas agora quero fazer um cantar em que vos louvares de qualquer modo; e vede como quero vos louvar dona feia, velha e maluca! Dona feia, que Deus me perdoe, pois tendes tão grande desejo de que eu vos louve, por este motivo quero vos louvar já de qualquer modo; e vede qual será a louvação: dona feia, velha e maluca! Dona feia, eu nunca vos louvei em meu trovar, embora tenha trovado

muito; mas agora já farei um bom cantar; em que vos louvarei de qualquer modo; e vos direi como vos louvarei: dona feia, velha e maluca!

Antiga de Maldizer

Marinha, o teu folgar tenho eu por desacertado,e ando maravilhado de te não ver rebentar; pois tapo com esta minhaboca, a tua boca, Marinha; e com este nariz meu, tapo eu, Marinha, o teu;com as mãos tapo as orelhas, os olhos e as

sobrancelhas, tapo-te ao primeiro sono; com a minha piça o teu cono;e como o não faz nenhum, com os colhões te tapo o cu. E não rebentas, Marinha?

• (Afonso Eanes de Coton)

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Características da Sátira Trovadoresca

• É concreta e particular;

• fundamentalmente de carácter social;

• é, por vezes muito obscena.

A poesia satírica galego-portuguesa oferece-nos um precioso

testemunho sobre a Idade Média portuguesa e peninsular

na medida em que documenta os seus costumes, sem a

idealização da cantiga de amor, e nos informa sobre os

factos históricos e sociais mais relevantes.

Cantigas de Escárnio

e de Maldizer - temas• a cruzada da Balteira;• o escândalo das amas e tecedeiras; • a decadência e a sovinice dos infanções;• a deposição de D. Sancho II e a entrega dos castelos ao Conde de Bolonha,

futuro D. Afonso III;• as disputas entre jograis;• a traição dos fidalgos na guerra de Granada;• o desconcerto do mundo;• a vida duvidosa das soldadeiras;• amores entre fidalgos e plebeias;• as mentiras do amor.

A Sátira Trovadoresca visa ainda outras entidades, como:

- os fidalgos prepotentes; os reis e outros nobres que viajam muito; os peregrinos e as suas gabarolices de aventura; os fidalgos pelintras; os membros do clero, as abadessas e freiras e os cavaleiros das ordens

militares; os trovadores e os jograis; os médicos, os juízes e os juristas; os ladrões, os linguareiros, os avarentos…

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Prosa no período trovadoresco

• A prosa literária inicia-se nos mosteiros com as traduções do latim.

Pode ser dividida em quatro tipos de narrativas:

• Cronições: narrativas de fatos históricos importantes colocados em ordem cronológica, entremeados de fatos fictícios;

• Hagiografias: narrativas que contam a vida de santos (biografias)

• Nobiliários: ou livros de linhagens, são relatórios a respeito da vida de um nobre: sua árvore genealógica (antepassados), relação das riquezas e dos títulos de nobreza que possui, etc;

• Novelas de Cavalaria: narrativas literárias em capítulos que contam os grandes feitos de um herói (acompanhado de seus cavaleiros), entremeados de célebres histórias de amor.

Ciclos

A maioria das novelas de cavalaria em língua portuguesa são traduções ou adaptações de novelas francesas ou inglesas. Dependendo de quem é o herói principal da novela, ela faz parte de um dos seguintes ciclos:

• Ciclo clássico: conjunto de novelas de cavalaria que narram as façanhas de heróis da Antigüidade;

• Ciclo carolíngeo ou francês: novelas cujo herói é Carlos Magno;

• Ciclo arturiano ou bretão: as novelas deste ciclo são as mais famosas, adaptadas e traduzidas; o herói dessas novelas é o Rei Artur , sempre acompanhado de seus célebres cavaleiros da távola redonda.

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Ciclo arturiano ou bretão

• Essa Matéria da Bretanha é uma das fontes que dão origem àsnovelas de cavalaria portuguesas: tanto que as novelasportuguesas mais importantes pertencem ao Ciclo Arturiano ouBretão, como "José de Arimatéia", "História de Merlin", etc.As novelas mais marcantes porém são:

• A Demanda do Santo Graal : narra a busca do cálice sagradopelo rei Artur e os cavaleiros da távola redonda;

• Amadis de Gaula, de autoria de Vasco ou João da Lobeira.

Os cavaleiros Galahad, Bors (o filho), e Percival acham o Graal

Características• Expressa a simplicidade, a ingenuidade e a passividade do homem

medieval e contém marcas do contexto em que foi produzida.

• Apesar de completamente dominado pelo medo do pecado e com o objetivode agradar sempre a Deus, o homem medieval ainda consegue fazer umaliteratura que em determinados momentos rompe com esse domínio: é ocaso das novelas de cavalaria, dos romances ou xácaras.

• O segundo período medieval vai mostrar que esse "rompimento" vaiaumentando com o passar do tempo, até que o homem consegue sair dastrevas medievais definitivamente.

• As novelas de cavalaria portuguesas também são inspiradas nas Canções de

Gesta ou Matéria de França (cantigas que homenageavam os heróis e seus feitos).

• A prosa medieval portuguesa, como se pode concluir, épredominantemente do gênero épico.