Livro a Escolha Da Profissão - Laura Belluzzo

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Livro a Escolha Da Profissão - Laura Belluzzo

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LAURA BELLUZZO DE Cios SuvA

LAURA BELLUZZO DE Cios SuvA

A ESCOLHA DA PROFISSO: UMA ABORDAGEM PSICOSSOCIAL Sc uaa en Vacz UNIMARCO EDITORA So Paulo

Ficha Catalogrfica

ndice para catlogo sistemtico: . Psicologia social : Orientao vocacional

Unimarco Editora Rua Clvis Bueno de Azevedo, 176 04266-040 - So Paulo - SP TeL(Oll)914.4488 Fax: (011) 63.6877

Diagramao: Marcelo Perine Capa: Iranildo Alves da Silva Reviso: Marcelo Perine

UNIMARCO EDITORA Conselho Editorial: Jorge Cunha Lima, Cssio Mesquita Barros, Roberto Giroila, Myriarn Augusto da Silva Vilarinho, Francisco Ornelias, Joo Rodarte, Paulo Nathanael Pereira de Souza. Diretor Executivo: Marcelo Perine

ISBN 85-86022-02-0 UNIMARCO EDITORA 1996

SILVA, Laura Belluzzo de Campos A escolha da profisso: uma abordagem psicossocial. So Paulo LJnimarco Editora, 1996. (Srie Cincia em Devr).

Bibliografia. ISBN 85-86022-02-O

Escolha profissional 2. Orientao Vocacional 3. Psicologia social

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Este livro foi digitalizado por Naziberto Lopes de Oliveira para utilizao de pessoas com deficiencia visual de acordo com a Lei 9610 de direitos autorais em seu Artigo 46.

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APRE SENTAO As pesquisas desenvolvidas no Brasil sobre Orientao Vocacional so muito poucas. Em sua maioria elas tm focalizao a questo dos modelos de atendimento em Orientao Profissional. Esse modelos, em geral importados, tm uma fundamentao psicolgica, o que faz com que tanto orientandos quanto orientadores no se percebam como inseridos em uma realidade social. Ns no temos ainda uma tradio de pesquisa que procure explicitar como na nossa realidade os jovens escolhem suas profisses. Na dcada de 80, o Ministrio do Trabalho, em colaborao com o CENAFOR, promoveu uma pesquisa para avaliar a situao dos servios de Orientao Profissional em dez Estados brasileiros. Parte dos resultados, publicados em 1984, demonstrou que o processo se fundamenta em pressupostos liberais, bastante distantes da realidade brasileira, o que de certa forma impede os jovens de compreender as mltiplas determinaes que interferem na escolha profissional: classe social, caractersticas familiares, regio em que vive, mecanismos de oferta e de dispensa de mo de obra, requisitos reais para a entrada e permanncia em uma ocupao (e/ou cursos) e outra. A autora neste seu trabalho vai em busca das respostas a estas questes pois analisa os mecanismos sociais implcitos na escolha, esclarecendo as relaes existentes entre a estrutura social brasileira (que estabelece os mecanismos de insero do indivduo no social) e estrutura psquica (que estabelece os modos de incorporao e insero). Sua formao de psicloga e a dupla atuao na vida acadmica e na prtica do atendimento em Orientao Vocacional, seguramente possibilitaram a percepo de que as representaes profissionais so estabelecidas a partir da posio que o indivduo ocupa na sociedade, assim como a possibilidade de expresso dos desejos individuais se d desigualmente nos diferentes estratos sociais. A integrao que estabelece em seu trabalho assemelha-se a um dilogo entre aspectos psicolgicos (inconsciente) e as determinaes sociais (hbitos de classe) Mansa Todescan Dias da Silva Baptista 9

PREFCIO

Comeando a se propor a compreenso da opo profissional entre estudantes prximos ao trmino do segundo grau escolar, Laura Bel luzzo de Campos Silva seguiu uma trajetria que foi se tomando cada vez mais complexa, onde novos aspectos toricos ainda no incorporados por essa rea de estudos foram se somando, mltiplas aproximaes metodolgicas se fizeram necessrias, tendo isso terminado por coloc-la s voltas com uma verdadeira teoria da escolha. Nessa trajetria a autora enfrentou de fato, e no apenas nas colocaes tericas, a sobredeterminao que pesava sobre seu objeto de estudo: as determinaes de classe e segmento social, as relaes sociais de gnero, a oposio centro/periferia no mapa da cidade, as probabilidades objetivas e as aspiraes subjetivas e outras tantas regularidades objetivas, aquelas que aparecem nas estatsticas, que demandaram um duro trabalho emprico e terico aliado a uma fina sensibilidade para com o humano e o social. Convm lembrar que nesta rea o recurso a variveis psicolgicas ainda muito utilizado para encobrir a percepo de um patrimnio cultural herdado e produzido socoialmente. Nas palavras de Bourdieu e Passero&: Todo ensino, e mais particularmente o ensino de cultura (mesmo cientfico) pressupe implicitamente um corpo de saberes, de savoirfaire e de savoir - dire que constitui o patrimnio das classes cultivadas. A afirmao acima verdadeira, segundo esses autores, mesmo quando as condies econmicas e psicolgicas dos agentes sociais so igualitanamente distribudas. Transportando a questo para o Brasil o leitorj pode ir se antecipando pelas linhas deste livro... Utilizando pela primeira vez os dados da FUVEST- a partir dos quais a autora teve que proceder a tabulaes especiais com cruza-

1. BOURDIEU,P. e PASSERON,J.C. Les Hritiers. Les tudiants et la culture. Paris, Les ditions de Minuit,1964.

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rA ESCOLHA DA PROFISSO mentos - Laura Belluzzo de Campos Silva controi o pano de fundo a nvel social onde sero rebatidas as extraordinrias biografias que recolheu. Assim, a metodologia qualitativa e quantitativa se complementam, abandonando-se a oposio de pares de opostos que tantas vezes nos aparece. As dicotominas interioridade/exterioridade, subjetivo/objetivo ficam superadas atravs do conceito de habitus to bem compreendido e utilizado pela autora. Ao demonstrar, seguindo os passos da teoria sociolgica de Pierre Bourdieu, que h padres modais de escolha da profisso segundo o segmento de classe ao qual os indivduos pertencem e que no h, entre os diferentes segmentos de classe, uma distribuio equitativa das atividades que permitem a realizao sublimatria ou reparatria, a autora revela que as postulaes anteriores, que enfatizam ora o determinante psquico ora o socioeconmico, so verdades parciais, viesadas pelos efeitos de classe dos segmentos estudados pelos autores. Aos que alcanam as posies privilegiadas no campo do saber interessa proceder amnsia da gnese (Bourdieu). A autora no se deixou levar por essa tentao e lidou com todo esse complexo material com absoluta honestidade, alm de competncia e capacidade de trabalho que ficam evidentes nas pginas que se seguem. Arakcy Martins Rodrigues 12

SUMRIO AGRADECIMENTOS APRESENTAO PREFCIO INTRODUO 13 1- DEFINIO DO OBJETO 1. Escolha profissional. Primeiras teorias 19 2. Orientao Vocacional. Antecedentes histricos 21 3. As teorias vocacionais 25 3.1. Teorias psicolgicas 25 3.2. Teorias sociolgicas 36 3.3. Teorias econmicas 37 3.4. Teorias gerais 38 4. Consideraes crticas a respeito das teorias vocacionais 39 5. A estratgia clnica de Bohoslavsky 44 6. Bohoslavsky e Bourdieu - articulaes possveis 51 6.1. Representaes profissionais e posies sociais 68 6.2. Origem scio-econmica, sistema de ensino e gnese da carreira 70 7. A mulher e a opo profissional 73 7.1. Mulher, Educao e Trabalho 74 7.2. Socializao da mulher e opo profissional 80 7.3. Diferenas sexuais - interao versus reducionismo 84 II- METODOLOGIA 1. Procedimentos 91 2.Aamostra 98 2.1.Aabordagem 99 2.2. Descrio 101 3. Nveis de anlise 101 III - ANLISE 1. A receptividade das escolas 105 5

2. Posio social das carreiras. Perfil da estratificao socio-econmica da populao candidata e classificada no vestibular da Fuvest em1988 108 2.1. Nvel de escolaridade paterna, opo por carreira e desem penh 113 2.2. Renda Familiar, opo por carreira e desempenho 119 2.3. Sexo, opo por carreira e desempenho 122 2.4. Cristalizao da hierarquia social das carreiras 127 2.5. Anlise das escolhas profissionais dos sujeitos da amostra luz das probabilidades objetivas de acesso as diferentes carrei ra e instituies 128 3. Anlise das entrevistas 133 3.1. Desejo... Necessidade... Vontade 133 3.2. A famlia e a opo profissional 157 3.3. O vestibular e a opo profissional 172 3.4. A opo profissional e o exeicicio dos papis sexuais adultos 185 3.5. Direito e reparao 193 Algumas palavras sobre a minha escolha profissional 206 CONCLUSO 209 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 213 ANEXO 221 6

INTRODUO 1. A escolha do tema A opo por esse tema surge da sntese de dois interesses fundamentais. O primeiro, de ordem mais geral e de carter terico, diz respeito mediao indivduo-sociedade. para ns instigante o desafio que representa a necessidade da construo de modelos que revelem a articulao entre o sistema social e os homens. Se o indivduo isolado no passa de mera abstrao pois resulta de sua interao com o meio, tampouco se pode pretender compreender a estrutura social sem levar em conta os agentes em sua prtica concreta, dado que a realidade social produto da ao recproca dos homens. Interessa-nos compreender os mecanismos que regem essas relaes, sobretudo os encadeamentos simblicos que as mediatizam. O segundo, mais especfico e relacionado prtica, advm de nossa experincia de trabalho no campo da Orientao Vocacional junto a adolescentes e est intimamente ligado ao anterior. No casual nossa opo por essa rea de trabalho: a escolha profissional do jovem em vias de concluir o segundo grau parece-nos um campo privilegiado para o estudo dessas questes. O indivduo dotado de um desejo que anseia ver materializado no futuro, v-se diante do mundo do trabalho, que lhe surge como campo de possibilidades. um momento de ruptura socialmente determinado que exige um posicionamento do indivduo. A anlise dos mecanismos que presidem a escolha profissional deve situar-se, portanto, numa perspectivapsicossocial. 2. Da psicologia social orientao vocacional As questes relativas mediao indivduo-sociedade esto longe de terem sido resolvidas. Se Psicologia Social, enquanto regio de fron13

A ESCOLHA DA PROFISSO teira entre a Psicologia e a Sociologia caberia grande parte desse questionamento, razes diversas a distanciam dessa posio. Caracterizando-se pela adoo de um modelo individualista, a Psicologia Social, e particularmente a Psicologia Social americana, que a que se encontra mais desenvolvida, privilegia o estudo da interao pessoal transpondo esse modelo para os diversos nveis de anlise: individual, grupal e social. Segundo Moscovici, que faz uma anlise conclusiva da situao atuai da disciplina em questo, tal modelo baseia-se na aceitao de trs pressupostos: 1. a diferena entre os processos sociais e os no sociais consiste apenas em grau e pode ser estabelecida uma hierarquia dos fenmenos, que vai do mais simples ao mais complexo, havendo um continuum do individual ao coletivo. 2. os processos sociais no implicam a existncia de fenmenos sociais governados por suas prprias leis, mas podem ser avaliados pelas leis psicolgicas, que podem por sua vez ser baseadas em leis hipotticas da fisiologia. 3. no h diferena entre o comportamento social e o no-social: outras pessoas intervm apenas como uma parte do ambiente mais geral. (1972, p. 35) Por outro lado, ao enfatizar o carter experimental da disciplina, o modelo citado opta por um procedimento em que o controle rgido de variveis em situaes de laboratrio, embora correto para o paradigma adotado, peca pela artificializao que impede, na maioria das vezes, que o fenmeno social seja considerado em sua natureza, por distanci-lo do contexto em que ocorreu. A acumulao de experimentos sobre diversos tpicos isolados funda-se no pressuposto positivista de que se faz necessrio acumular fatos para que algum dia se torne possvel a construo de uma estrutura conceitual, o que resulta numa fragmentao do campo, bem como na negligncia da atividade terica. Contrapondo-se a esse modelo, Moscovici afirma que a criao de um sistema de atividades tericas essencial para um desenvolvimento coerente da Psicologia Social, pois somente uma estrutura de princpios 14

UMA ABORDAGEM PSICOSSOCIAL

e crit&tos comuns que permite aos cientistas se libertarem de presses externas, avaliarem os aspectos reXejarites da realidade e serem crticos em relao a suas prprias atividades. A negligncia da atividade terica faz com que questes relativas natureza das leis que regem a disciplina e seu modo de validao sejam evitadas. Dessa forma conclui que os conflitos entre o mtodo de observao e o experimental e entre o papel do social e o psicolgico transcendem os criticismos existentes e se situam no debate da definio da teoria sociopsicolgica e sua validao. (1972, p. 34) Considerando que no se pode falar na existncia de uma Psicologia Social europia, Moscovici prope que a criao de um modelo terico que supere as limitaes apontadas no modelo americano deve levar em conta contribuies da Psicologia, da Psicanlise e da Sociologia: ... para a maioria de ns, as idias de Marx, Freud, Piaget ou Durkheim so diretamente relevantes porque nos so familiares e ainda porque as questes que esto tentando resolver so tambm nossas prprias questes. Portanto, a estrutura de classes sociais, o fenmeno da linguagem, a influncia das idias sobre a sociedade, todos so critica- mente importantes e clamam prioridade na anlise da conduta coletiva, embora raramente apaream na psicologia social contempornea. (1972, p. 20)

Para Moscovici uma nova abordagem da relao entre o indivduo e a sociedade tera de reconhecer dois fenijienos Msicos jie o mdividuo io um dado biolgico, mas um produto social, e que a sociedade no um ambiente gerado para treinar os indivduos, mas um sistema de relaes entre individuos coletivos consistmdo o campo da Psicologia SoiaI,portint , de sujeitos sociais, ou seja, grupos e indivduos que criam tiea1idd social, que de fato, sua nica realidade. lih disso, para o autor, a Psicologia Social s poder ser entendida como cincia do comportamento na medida em que este significar um modo bastante especfico desse comportamento: o modo simblico. (l972,p.62) Se pretendemos passar a considerar a Psicologia Social sob esse ponto de vista, foroso reconhecer que at ento os processos sociais e suas formas coletivas tm sido ignorados.

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A ESCOLHA DA PROFISSAO PSICOSSOCIAL

Descortina-Se, portant0 uma perspectiva de trabalho rdua, nada menos que a onstrU0 de uma nova Psicologia Social, tarefa ambiciosa que transcende os limites de um nico estudo. Partindo dessas 0sidetae5 sobre a Psicologia Social que situamos este trabalho, sendo nossa inteno repensar a escolha profissional a partir dos parmetros que devem nortear a construo desse MOVO modelo.

Tomar como objeto de estudo os determinantes da escolha profissional implica a necessidade de se adotar uma perspectiva psicosSOcial dado que a escolha, ainda que se caracterize como deciso individual, decorre do inteijogO entre terminae5 estruturais e otivae5 subjetivas. A ausncia de um modelo terico capaz de articular tais detennifla es tambm se reflete no campo das teorias vocacionais, sendo visvel a limitao das teorias existentes. O questiOnamehlto que nos levou a realizar este estudo surgiu de nossa experincia profissional na rea de rjentaO Vocacional, inicial- mente num servio ligado Universidade e, posteriOrmet1te num colgio da rede particular onde atendamos os alunos do colegial e cursinho. Embora nossa formao de psicloga (e de certa forma mais identificada com uma ViSO clnica), o interesse pela situao do adolescente perante a escolha profissional e o referencial terico e tcnico adotado 1 nos levassem a pensar e a trabalhar a escolha profissional de um ponto de vista psicolgico a prtica nos levou a problematizar uma srie de questes. Ainda que a estratgia clnica proposta por Bobo slavsky fosse um instrumento valioso na compreenso da situao do adolescente perante a escolha e fornecesse subsdios importantes no auxlio da resoluo da crise vocacional, era insuficiente na anlise de certas questes que transcendiam o nvel individual tais como: - competitividade do vestibular, gratificaes materiais ou simblicas diferentes para as diversas profisses (e s vezes para a mesma profissO) prestgio social das profisses e dificuldades objetivas de acesso a determinadas profisses. Tais questes se tratadas exclusiVamenlte ro nvel clnico, implicam o risco de se tornarem o efeito de patolo gias mdi iduais, encarando-se o 1.0 modelo de trabalho adotado por ns consistia na estratgia clinica preconizada por Rodolfo BohoslaVSkY.

sujeito como nico responsvel por seu sucesso ou fracasso. Procede-se a uma psicologizao do campo, transformando-se determinaes sociais em determinaes psicolgicas. A constatao, advinda do fato de termos trabalhado com grupos de diversos segmentos sociais, de que as condies scio-economicas afetam significativamente a escolha profissional, nos levou a questionar de que modo esses determinantes atuam em tal deciso e a explorar a problemtica da escolha nas diferentes classes sociais. As diferenas nas representaes profissionais observadas nesses diversos segmentos gerou o questionamento de como se relacionam a posio social ocupada pelo sujeito e o significado atribuido s profisses. Essas questes nos levaram a procurar respostas que o referencial terico e tcnico at ento adotado no nos fornecia, parecendo-nos fundamental que alm da leitura da problemtica da escolha profissional no nvel dos processos psicolgicos envolvidos, se fizesse uma outra leitura, de carter mais abrangente, capaz de dar conta da especificidade do social. na confluncia desses dois nveis de anlise, portanto, que se situa o presente estudo, de carter exploratrio, que tem como objetivo levantar algumas hipteses que possam contribuir para uma teoria integrada dos determinantes da escolha profissional, articulando o nvel de anlise psicolgico, que parte das concepes tericas propostas por Bohoslavsky, e o sociolgico, para o qual encontramos subsdios no modelo proposto por Bourdieu.

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A ESCOLHA DA PROFISSO - ABORDAGEM PSICOSSOCIAL

dos ascendentes, os sistemas de valores e as representaes a que esto ligados, e a avaliao dessa trajetria pelas crianas, tomadas adultos, que deixam o mercado escolarpam entrar no mercado de trabalho. (MuelDreyfus, 1983,p. 10) A identificao profisso se realiza ao termo de um trabalho que inseparavelmente trabalho sobre a profisso e trabalho sobre si mesmo e que depende da histria social da profisso e da histria social do indivduo. Para compreender esse duplo movimento, essa dialtica da gnese, a anlise sincrnica no suficiente. necessrio colocar duas histrias em relao: a histria da profisso, ou sei a, da instituio que ela representa no mundo social e a histria familiar e individual daquele que a reencontra. (Muel-Dreyfus, 1983, p..9) Essas necessidades metodolgicas foram operacionalizadas atravs de trs procedimentos: 1) Relato da histria de vida dos sujeitos, visando explorar como os indivduos explicam suas prticas em relao escolha profissional em funo das representaes que se do das profisses, do futuro profissional e das condies materiais de vida. Maitre, partindo do princpio que a ideologia se situa exatamente na interseco dos dois campos epistemolgicos constitudos pela praxiologia social e pela subjetividade individual, considera a entrevista no-diretiva instrumento privilegiado na investigao dos fenmenos a serem apreendidos na interseco dos campos psicolgico e social. (1985, p. 218) Para Michelat (1985), a entrevista no-diretiva constitui-se no recurso predileto na apreenso dos sistemas de valores, de normas, de representaes e de smbolos prprios a uma cultura ou subcultura, na medida em que permite contornar certos cercearnentos impostos pelas entrevistas por questionrios. Com efeito, propor ao sujeito um conjunto de estmulos implica sempre uma opo por parte do pesquisador na qual corre-se o risco de incluir elementos que no fazem parte do referencial do entrevistado, o que resulta na introduo de um dado novo sem possibilidade de controle. Por outro lado, tal procedimento toma impossvel apreender a lgica interna que preside estruturao dos elementos num todo organizado pelo sujeito. Como escreve Rodrigues: ... que tipo de perguntas podem

levar produo de um material que revele as representaes, o tipo de percepo, os recursos explicativos? (1978, p. 32) Alm disso, afirma Michelat: a infonnao conseguida pela entrvista no-diretiva considerada como correspondendo a nveis mais profundos, tendo em vista que a liberdade deixada ao entrevistado (sendo a no-diretividade todavia relativa) facilita a produo de informaes sintomticas que correriam o risco de serem censuradas num outro tipo de entrevista. (1985, p. 193) Este nvel profundo, invisvel para o observador apressado, aquele no qual se articulam precisamente o jogo das foras sociais que operam no indivduo sem que este saiba, como ator social, e ojogo da subjetividade cuja parte consciente apenas a emergncia do cume do iceberg. Da a necessidade de fazer com que a pessoa interrogada assuma o papel de explorao e de provocar bolhas que rompero a superficie graas diminuio do controle social e da censura psquica. A entrevista no-diretiva serve ento de revelador para processos que no so apenas afetivos, mas que so ideologicamente mais determinantes do que aqueles que o sujeito apresentaria num discurso de superficie. (Maitre, 1985, p. 221) Optamos pela realizao de entrevistas abertas adotando o procedimento proposto por Rodrigues (1978). Segundo a autora, falar em entrevista aberta implica geralmente a idia de no se poder fixar regras fixas e imutveis, o que impediria qualquer reflexo mais profunda. Trazendo para o campo da investigao cientfica as concluses lanadas pela teoria psicanaltica a respeito da relao dual, a autora abre uma nova perspectiva metodolgica, incorporando situao de pesquisa os procedimentos do setting analtico, que partem do pressusposto de que o ambiente imediato suscita e mobiliza percepes e fantasias que imprimem seu selo ao materialfornecido pelo indivduo que produz o discurso. Alm disso, afirma a autora, todo o problema do setting visa tomar o discurso passvel de anlise. (grifos da autora) (1978, p. 34) Segundo Bieger (1980), o aprimoramento da tcnica da entrevista conduziu possibilidade de utiliz-la como instrumento cientfico e a sistematizao de uma srie de variveis permitiu maior rigor em sua aplicao e em seus resultados.

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A ESCOLHA DA PROFISSO Ainda segundo o autor, a relao entre o entrevistador e o entrevistado delimita e determina o campo da entrevista e tudo que nela acontece, porm o entrevistador deve atuar de tal forma que o campo seja configurado predominantemente pelo entrevistado. Isso pode ser obtido mantendo-se constantes certas variveis, como o papel do entrevistador, o lugar e o tempo da entrevista, bem como seus objetivos. Esse enquadramento funciona como espcie de padronizao da situao estmulo que oferecemos ao entrevistado pretendendo com isso, no que deixe de atuar como estmulo para ele, mas sim que deixe de oscilar como varivel para o entrevistador. Alm dos procedimentos metodolgicos oriundos da Psicanlise, outros cuidados devem ser tomados, particularmente na avaliao do material obtido na entrevista. A Sociologia nos alerta para o fato de que, dependendo do tipo de experincia anterior do sujeito em relao situao da entrevista, a apresentao que o sujeito faz de si mesmo bem como a expectativa que coloca na situao podem variar. (Bourdieu, 1986) Isso ficou muito claro, por exemplo, em uma das entrevistas na qual a jovem que entrevistvamos nos contou que j havia falado para um jornal, por ocasio da greve dos professores. Comentou que, ao saber que havia sido sorteada para a entrevista comigo, dissera me que estava ficando importante, poisj era a segunda vez que concedia uma entrevista. Adotando ainda uma perspectiva sociolgica, pode-se acrescentar compreenso da situao da entrevista elementos que permitam compreender melhoro que a distncia social entre os participantes pode suscitar. O sentimento de ilegitimidade diante do entrevistador pode ser apreendido nas falas dos sujeitos, particularmente nos casos em que estes provm das classes baixas, atravs da busca de experincias legitimadoras. Isso ficou claro numa das entrevistas com umajovem operria quando, depois de ter iniciado falando de seu projeto profissional de estudar Psicologia e das dificuldades para concretiz-lo, conclui dizendo que havia desanimado de tentar a profisso. Aps essa fala segue-se um perodo de silncio depois do que a entrevistada expressou dificuldade em continuar

liMA ABORDAGEM PSICOSSOCIAL Falar sobre o desejo frustrado de cursar Psicologia, para um entrevistador que no caso psiclogo, parece ter contribuido para aumentar o sentimento de ilegitimidade, que fica expresso na fala seguinte: Eu tenho at muita coisa pr falar mas no assim. E... sei l, olha, eu j participei de movimento, sabe? De igreja. Assim, mas... sei l, eu acho que no consegui... , como que eu digo?... ahn... pr tudo na cabea assim, conseguir ... assimilar tudo de uma forma sabe? Assim concreta, que eu pudesse emitir assim teses tambm, opinies, sabe? O uso do termo teses parece indicar o termo de comparao com o entrevistador (era dito aos entrevistados que a entrevista se destinava a um trabalho de tese de mestrado) e o recurso adotado a busca de experincia legitimadoras, dignas de serem contadas: Ento, sei l, no entanto eu participei... de grupos de jo de primeiro de comunidades eclesisticas, catequeses, essas coisas. Ai me chamaram assim prum... movimento.., assim maior n? Que seria a Pastoral da Juventude, participei da Pastoral da Juventude, a o pessoal assim me puxou muito pr... que a gente que tenha uma... conscincia crtica n das coisas que acontecem assim... a gente saber assim criticar n o mundo, a gente... fazer com que a gente tenha maior participao n, no... trabalho, em casa, no bairro, na escola. Ento foi... promovidos sabe, muitos encontros, eu conheci muita gente... conheci gente pessoal assim estr... estrangeiras, amigas estrangeiras, sabe? Uma experincia bacana na vida e boa... a gente conversa sobre tudo, sabe? E era uma poca gostosa que... nossa, eu tinha compromisso direto, n? Alm disso, esto presentes em toda entrevista as duas ansiedades bsicas: depressiva e paranide (Rodrigues, 1978). A primeira pode ser detectada atravs do sentimento manifestado por alguns sujeitos de no se sentirem importantes o suficiente para falar sobre alguma coisa, de no terem nada para dizer. Por outro lado, a ansiedade persecutria manifesta-se nos sentimentos de desconfiana em relao ao entrevistador, aos objetivos da entrevista e aos usos que o entrevistador far do material. O procedimento prescrito por Rodrigues consiste em adotar uma abordagem que leve em conta esses sentimentos tentando minimiz-los. Nesse sentido, a instruo inicial visa, alm de motivar o discurso do sujeito, diminuir os dois tipos de ansiedade: Estou fazendo uma pesquisa para

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A ESCOLHA DA PROFISSO saber como a vida das pessoas, saber o que elas fazem, o que elas pensam, sentem, acham das coisas. Tudo o que voc contar me interessa. Tudo que lhe ocorrer importante para mim. Tudo o que voc disser aqui ser sigiloso, no ser comentado com ningum, nem seu nome ir aparecer. Vou entrevistar uma poro de pessoas e depois vou juntar tudo o que as pessoas disserem para analisar. O fato de dizer que a pesquisa versava sobre a vida das pessoas, sem explicitar seu motivo especfico, justificou-se pela necessidade de no deixar claro para os sujeitos que estavam sendo entrevistados por pertencerem sua categoria scioprofissi0nal. Explicitar totalmente o motivo pelo qual o sujeito estava sendo entrevistado implicaria em definir papis, o que supe, resultaria num direcionamento do discurso. O procedimento adotado na realizao das entrevistas visou manter um enquadramento que garantisse condies de compreenso e anlise dos dados. Aps a instruo inicial ser dada aos sujeitos, o entrevistador limitou-se a ouvir atentamente tudo o que o sujeito dizia. Evitou-se ao mximo qualquer tipo de interveno no decorrer da entrevista como comentrios, perguntas, ou qualquer outro tipo de interferncias, mesmo que ocorressem pequenas pausas ou solicitaes por parte do entrevistado. Ao sentirmos que o sujeito duvidava da importncia do que estava dizendo, ou ficava muito tempo em silncio, reforvamos nOSSO interesse afirmando: tudo o que voc est me dizendo muito interessante, tudo o que voc disser importante para mim. Nos casos em que o entrevistado referiu-se s profisses que gostaria de seguir, a entrevista foi complementa1 (somente aps termos nos certificado de que o sujeito j havia terminado o discurso livre) com a seguinte pergunta: como voc v essa(s) profisso(s)?, visando explorar o significado atribudo pelo sujeito (s) profisso(es) citada(s). Para anlise qualitativa das entrevistas seguimos o procedimento proposto por Rodrigue&3 que consiste, inicialmente, na realizao de leituras sucessivas das entrevistas, o que permite, num segundo momento, configurar as categorias de anlise. Segundo Michelat (1985) o procedimento de ler e reler as entrevistas disponveis visa permitir ao pesquisador chegar a uma espcie de 13. Comunicao Pessoal. 96

J%4 ABORDAGEM PSICOSSOCIAL impregnao que vai aos poucos suscitando interpretaes (no sentido psicanaltico de destacar o sentido latente a partir do contedo manifesto). Segundo o autor, aps o perodo de impregnao pelo material, progressivamente vai se adquirindo um esquema provisrio que pode ser desenvolvido dedutivamente e posteriornrente ser confirmado ou no pela releitura das entrevistas. ... a ateno particular dedicada singularidade de cada entrevista concomitante a um relacionamento das diversas entrevistas entre si. Isto conduz a alternar as leituras verticais das entrevistas (guardando a lgica prpria a cada uma), e as leituras horizontais, para estabelecer a relao com as outras entrevistas. Um elemento do raciocnio pode faltar numa entrevista e ser encontrado em outra. Um elemento que s apareceu em uma entrevista pode, assim, levar a um novo questionamento do conjuntodo material. (Michelat, 1985, p. 206) 2) Defmir a trajetria social do sujeito e de sua famlia: a anlise dos relatos de vida no suficiente para se fazer uma anlise crtica dos processos sociais. Segundo Bourdieu a mera sucesso de acontecimentos relatados no suficiente para se compreender uma biografia: ... os acontecimentos biogrficos se defmem por outro lado, pelos investimentos e desinvestimentos de capital no espao social, ou mais precisamente, nos estados sucessivos da estrutura da distribuio que esto emjogo no campo considerado. (Bourdieu, 1986, p. 17) A noo de trajetria implica pois na srie de posies sucessivamente ocupadas por um mesmo agente (ou um mesmo grupo) num espaele mesmo em transformao e submetido a incessantes transformaes (Bourdieu, l986,p 17) Para traar a trajetria dos sujeitos e de sua famlia foi adotado o titodo elaborado por Rodrigues (1978), que consiste em realizar um questionrio fechado aps a entrevista. Esse questionrio composto por perguntas relativas procedncia, ocupao, escolaridade, mudanas de regio ou de ocupao dos avs, pais, irmos e do prprio entrevistado. Todo o material produzido (tanto na entrevista como no questionrio) foi registrado por meio de gravador. Segundo a teoria de Bourdieu, as diferenas dos habitus de classe dos diversos segmentos sociais encontram um correlato objetivo na estrutura

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de distribuio dos bens materiais, cujas regularidades podem ser apreendidas estatisticamente: Os grupos sociais, e particularmente as classes sociais, existem de qualquer forma duas vezes, e isto mesmo antes de qualquer interveno do olhar erudito: elas existem na objetividade de primeira ordem, aquela que registra as distribuies materiais: elas existem na objetividade de segunda ordem, aquela das classificaes e das representaes contrastantes que so produzidas pelos agentes na base de um conhecimento prtico das distribuies, de tal forma que se manifestam nos estilos devida. (Bourdieu, 1978, p. 16) No se pode pretender pois comparar indivduos sem se levar em conta um nvel de anlise mais abrangente que os situe na estrutura de distribuio dos bens materiais e culturais. esse pano de fundo que garante no estarmos falando de um indivduo isolado num meio social abstrato, mas de um indivduo coletivo, situado numa estrutura com leis prprias. Tendo em mente, ao falarmos do indivduo, as caractersticas do grupo social a que pertence, estamos autorizados a fazer comparaes mais objetivas. 3) Definir a posio relativa das carreiras em termos de alguns parmetros que permitissem estabelecer eventuais relaes entre a posio ocupada pela carreira escolhida e a origem socioeconmica e o habitus de classes dos sujeitos. Para isso utilizamos os dados que constam do questionrio de inscrio da Fuvest (1988). Partindo da distribuio da populao candidata e classificada segundo a renda familiar, escolaridade patema e sexo, por carreira, foram elaboradas tabelas que permitiram estudar a composio socioeconmica potencial e efetiva de cada carreira e a influncia desses parmetros na aprovao. Utilizamos ainda a nota de corte como indicador do prestgio da carreira. 2. A amostra Qual a amostra ideal para o tipo de problema exposto? Por que estudar a escolha profissional apenas nos sujeitos que atingiram o terceiro 98

ano do segundo grau, potencialmente aptos a disputar uma vaga no mercado universitrio? A escolha da amostra requer algumas consideraes Em primeiro lugar interessava-nos compreender que mecanismos entram emjogo na escolha de uma profisso. Precisvamos captar, portanto, o momento em que tal deciso estivesse sendo formada. A populao escolhida demonstrou ser a mais adequada, tendo em vista que por ocasio do trmino do segundo grau que a escolha profissional, tal como veiculada pela escola, pelos meios de comunicao de massa, pela famlia e pelas instituies de Orientao Vocacional, est mais presente. evidente que esta situao se restringe a um universo limitado. No Brasil a educao est longe de atingir grande parte da populao, mormente no que diz respeito aos estudos superiores. Entretanto, a crescente oferta de cursos universitrios que vem ocorrendo em nosso pas, aliada a uma pretensa valorizao do diploma, por si s ampliam, e muito, o quadro de aspirantes, tomando-o digno de estudo. So dignas de nota, ainda, constataes recentes, amplamente divulgadas pela imprensa escrita e televisionad&4, que demonstram um alto ndice de insatisfao de jovens universitrios em relao s opes profissionais feitas anteriormente. Alm disso, tendo em vista os objetivos a que nos propnhamos, era necessrio comparar representantes das trs classes sociais - a comparao entre sujeitos com o mesmo nvel de escolaridade revelou-se pertinente, no apenas por ser um dos poucos parmetros de comparao, mas, principalmente, por constituirse em passo necessrio na elaborao de hipteses que podero flortear a pesquisa de como se configura a problemtica da escolha profissional em segmentos scio-profissionais de escolaridade mais baixa, que a seqncia lgica da pesquisa que ora apresentamos. 2.1. A abordagem O levantamento da populao foi realizado a partir das listagens de todas as escolas da rede pblica e particular da cidade de So Paulo, obtidas atravs da Secretaria da Educao. 14. Notcia publicada no jomalO Estado de So Paulo em 06/12/85 e mencionada na revista: ACabea. So Paulo, Centro Educacional Objetivo, V.3, n 122. 09/01/86. 99

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Alm disso, basearnonos em uma srie de reportagens realizadas pelojomal A Folha de So Paulo sobre o ensino de Segundo Grau em So Paulo, no perodo de 24/04/88 a 12/06/88, na qual foram descritos diversos aspectos das escolas de segundo grau da capital: localizao, condies de ensino, condies das instalaes fisicas, qualificao do corpo docente, custo (no caso das particulares), etc. Atravs desses parmetros selecionamos trs grupos de escolas de acordo com o tipo de clientela que espervamos encontrar: de classe alta, mdia e baixa. O contato com os sujeitos foi realizado atravs da escola. Inicial- mente foi feito um contato com a direo expondo que se tratava de uma pesquisa para tese de mestrado em Psicologia e que gostaramos de entrevistar um dos alunos do terceiro ano do segundo grau. Tendo a autorizao da diretoria marcvamos uma data para fazer o contato com o aluno5 A amostra de alunos foi obtida da seguinte forma: partindo das listagens dos alunos do terceiro ano foram sorteados dez alunos (atravs da tabela de nmeros aleatrios), O primeiro era ento chamado, e explicvamos o seguinte: No perteno escola, estou fazendo uma pesquisa para a minha tese de mestrado e estou entrevistando uma poro de pessoas. As pessoas no so escolhidas, mas sim sorteadas, e voc foi sorteado, gostaria de saber se voc concordaria em me dar essa entrevista. Se o entrevistado perguns sobre o tema da entrevista a resposta dada era: Gostaria que voc me falasse sobre a sua vida. No caso de concordar era marcada a data e o local da entrevista (preferimos, sempre que possvel, realizar a entrevista na escola, nos casos em que isso no foi possvel, a entrevista foi realizada na casa do entrevistado). No caso do entrevistado no concordar, perguntvamos o motivo da recusa e era chamado o prximo da lista de dez. As entrevistas foram realizadas nos perodos de abril a junho de 1988 e 1989. Este perodo foi escolhido em funo do calendrio escolar, tendo em vista que no segundo semestre os alunos do terceiro ano, particularmente os das classes mdia e alta, tendem a estar sobrecarrega- 15. Tnhamos uma carta de apresentao da o trabalho.

com provas, cursinhos e simulados. Alm disso, como o perodo de ies para o exame vestibular se inicia em setembro, quando ocorre a cno para o principal vestibular (o da Fuvest), muitosjovensja decm nesse perodo ter tomado uma deciso. Como em nossa prtica na ,entao Vocacional constatamos que ha em muitos jovens uma recusa iquest1onar a deciso tomada, atendo-se a ela como forma de sentirem *is seguros, e como pretendamos explorar o mximo as representae os conflitos presentes na fase de deciso profissional, optamos por g1izar as entrevistas apenas no incio do ano letivo, quando o processo edeciso ainda esta em aberto, podendo capta-lo em toda sua compledade 22 Descrio - r, Foram entrevistados 18 sujeitos, com idades entre 17 e 30 anos, ido 9 do sexo feminino e 9 do sexo masculino Quanto a origem cioeconmica os sujeitos se distriburam em: 7 da classe baixa (3 homens e 4 mulheres), 6 da classe mdia (3 homens e 3 mulheres) e 5 da :. dasse alta (3 homens e 2 mulheres). Foram visitadas escolas dos seguintes bairros: Itaquera, Guaianazes, ituba, Brookhn, Vila Mariana, Pmheiros, Paraiso, Achmao, Jabaquara, Monimbi, Alto de Pmheiros, Vila So Jose, Higienopolis e Santo Amaro6

3 Nveis de anlise

o oP terico que constitui a escolha profissional como nosso objetde estudo situa a anlise da profisso escolhida no ponto de interseco date o significado singular que o sujeito da escolha lhe confere e o lugar nblico que essa profisso ocupa na diviso social do trabalho. Esse nvel de anlise, que podemos chamar de psicossocial, situa-se ha regio intermediria entre dois outros: - um que se situa ao nvel da singularidade do sujeito e permite revebfl a cadeia de significantes que subjaz profisso escolhida: o significado !6.Uma descrio mais detalhada dos dados relativos a cada sujeito se encontra na ftbelaVni que consta do Captulo It, item 3.2.

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ltimo de uma profisso para determinado indivduo s pode ser apreendido por tcnicas particulares, como a Psicanlise ou a Orientao Vocacional Clnica. A estratgia clnica preconizada por Bohoslavsky (1980) situa-se nesta perspectiva: ao estudar a que objetos internos a profisso escolhida est vinculada afetivamente, permite apreender o significado latente e os processos primrios que presidem esse encadeamento. Evidentemente no se pretendeu atingir esse nvel de anlise, o que implicaria submeter nossos sujeitos a uma das tcnicas citadas. Considerou-se, portanto, tendo em vista os objetivos da pesquisa e os limites impostos por uma nica entrevista, que o gosto por determinada profisso remeteria, em ltima anlise, aos objetos internos que clamam por reparao, ou ainda, seria a expresso mais superficial do desejo. - o segundo nvel referido consiste na anlise do significado que os diversos segmentos sociais atribuem mesma profisso, em funo de seu habitus de classe, da histria social da profisso e dos indicadores objetivos que a caracterizam, a exemplo do que fez Moscovici (1978) em relao Psicanlise no livro A representao social da Psicanlise. O presente trabalho situa-se igualmente na superficie de um estudo desse tipo: o tamanho reduzido da amostra nem sempre permitiu comparaes entre as representaes que os diversos sujeitos se do de uma mesma profisso. Por outro lado, o estudo da posio social das carreiras permitiu configurar, atravs de indicadores objetivos, como se estrutura a hierarquia das profisses para a populao de vestibulandos considerada. Cremos que as colocaes de Foucault, a respeito das relaes entre a Psicanlise e a Etnologia explicitam com maior clareza a regio de fronteira na qual se situa a possibilidade do saber psicossocial: Na verdade, elas (a Psicanlise e a Etnologia) tm somente um ponto comum, porm essencial e inevitvel: aquele em que elas se cortam em ngulo reto; pois a cadeia significante pela qual se constitui a experincia iinica do indivduo perpendicular ao sistema formal a partir do qual se constituem as significaes de uma cultura; a cada instante a estrutura prpria da experincia individual encontra nos sistemas da sociedade certo nmero de escolhas possveis (e de possibilidades excludas); inver102

samente, as estruturas sociais encontram, em cada um de seus pontos de escolha, certo nmero de indivduos possveis (e outros que no o so) - assim como na linguagem a estrutura linear torna sempre possvel, em dado momento, a escolha entre vrias palavras ou vrios fonemas (mas exclui todos os outros). (1985, p.397) Nossa anlise considerou cada sujeito como representante de sua classe social e, como tal, portador das determinaes socioeconmicas da classe a que pertence. As histrias devida, at certo ponto singulares, quando tomadas em conjunto pennitiram escrever o que Bourdieu (1972) denomina desvio codificado em relao a um estilo prprio a uma classe ou segmento social, num detenninado momento histrico. As dificuldades encontradas na tentativa de revelar num mesmo mo(vi)mento analtico as duas ordem de determinaes (da ordem do desejo e socioeconmicas) certamente podem ser melhor descritas (e justificadas) pelos comentrios de Bastide sobre as consideraes de Dvereux17. A G. Dvereux coube descobrir uma relao de indeterminao do tipo da de Heisenberg-Bohr, entre a explicao de ordem psicanaltica e a explicao de origem sociolgica ou etnolgica. Por certo, todo tomo se acha ligado a uma onda: contudo, embora no existam limites tericos preciso com que podem ser medidas essas duas variveis, Bohr demonstrou que a localizao de um sistema atmico no espao e no tempo e a determinao de seu estado de movimento no podem ser feitas numa mesma operao; a existncia de um quantum de ao impe uma limitao recproca determinao simultnea das duas variveis. Sabemos da mesma forma que todo o comportamento obedece a duas variveis, uma das quais , digamos, de ordem psicolgica, sendo a outra de ordem SOciolgjca; podemos, por conseguinte, postular a validez da complementaridade das diversas disciplinas consagradas ao estudo do comportanlento humano. Sua cooperao parece indispensvel; mas se pretendermos medir ao mesmo tempo as duas variveis, verificaremos que as diversas disciplinas implicadas se limitam mutuamente, desaparecendo a Preciso, diluda numa observao ou numa construo, cujo intento se 17 Dvux, O. Essais d ethnopsychjafrje gnrale. Gallimard, 1970.

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A ESCOLHA DA PROFISSO ria a simultaneidade. (...) No quadro de um esforo para compreender o homem de maneira significativa, impossivel dissociar o estudo da cultura do estudo do psiquismo, justamente porque psiquismo e cultura so dois conceitos que, embora inteiramente distintos, encontram-se em relao de complementaridade heisenburguiana8. Todavia, quanto mais aprofimdarmos a explicao psicolgica de um fato, menos o compreenderemos sociologicamente (...) pois, o que causal para uma das disciplinas toma-se instrumental para a outra, e vice-versa. Foi o que transpareceu ao longo de todas as pginas de nossa parte histrica; em ltima anlise, o debate entre marxistas e psicanalistas, ou entre psicanalistas e antroplogos, baseava-se sempre na impossibilidade de unir numa nica construo terica a causalidade psquica e a social, o que levava o psicanalista a estabelecer o psquico como causalidade final, ficando o sciocultural reduzido a puro instrumental, enquanto o etnlogo e o socilogo, para os quais a causalidade estava no sociocultural, tinham forosamente de encarar o psquico como instrumental. Em outras palavras, o que seria para um como interno, para outro era externo; trocando porm de perspectiva, o interno e o externo ficam invertidos. (1974, p. 209)

18. DVEREUX, G. Op. cit., p. 83. 104

1 DEFINIO DO OBJETO 1. Escolha profissional. Primeiras teorias Os levantamentos histricos indicam que a escolha profissional passa a se constituir num problema a ser estudado a partir do final da Idade Mdia. No se tem documentao sobre estudos que visavam detectar os talentos e tampouco orient-los antes disso. Assim, em 1498, na obra Speculum Vitae Humanae de Rodrigo Sanches Arvalo, citado por Chabassus (1981), encontramos a afirmao de que o exerccio daprofisso obedece a um impulso natural e sup Jn3a.scoUa. O autor trata ainda dos diversos aspectos que o indvfduo deve considerar para fazer uma escolha que lhe garanta realizao pessoal: suas inclinaj naturais e as circunstncias de vida oferecidas pelos diversos oficios. Na obra intitulada Trattato deli Ingegno deli Huomo, datada de 1576, o filsofo italiano Antonio Persio, citado por Chabassus (1982), versa sobre as causas eficientes do engenho humano, definindo engenho como aquela faculdade ou aptidao natural, que em ns se encontra, por meio da qual, compreendemos com facilidade as coisas dificeis e as ordenamos com vista ao fim que nos propomos (p. 83). Aponta como principal causa do engenho o esprito, da qual dependem todas as outras, a saber: o sangue quente e puro, o leite da mama, a alimentao, a contemplao da natureza, a educao, o ensino, a peregrinao, a necessidade, a pobreza e o prmio. Refere-se ainda s diversas atividades a que o esprito dirige cada um, o que supe uma inclinao diferente em cada

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A escolha DA PROFISSO pessoa: ... homens diferentes inventaram coisas diversar e so inclinados a artes e profisses diversas. (p. 94) A preocupao com os determinantes vocacionais e a diversidade dos talentos encontra-se de forma mais elaborada na obra de Juan Huarte de San Juan, citado por Chabassus (1 985a), Examen de ingenios para las ciencias, datada de 1575, que tem por objetivo conhecer as diferenas individuais e de acordo com estas encaminhar cada um cincia que mais se adapte ao seu engenho. Preconizava ainda o autor a existncia de orientadores nas escolas - quem dera que houvesse nas escolas de nosso tempo quem fizesse sondagem e exame de engenhos! (p. 101) No Examen de 1 examen des esprits, editado em 1631, Jourdain Guibelet, citado por Chabassus (1 986a), prope-se a um exame da obra de Huarte, atendo-se questo da natureza versus a vontade. Enquanto para Huarte o xito depende sobretudo das boas graas da natureza, da habilidade natural para o exerccio de uma profisso, Guibelet enfatiza o poder da vontade. Ainda contrariando Huarte, Guibelet afirma que nos limites da normalidade no h homens incapazes de aprender e que um indivduo no feito para uma s cincia. Segundo ele a educao vence a natureza. Encontramos ainda datadas desse perodo, publicaes relativas s profisses existentes na poca. No livro Descrio exata de todas as profisses sobre a terra de Jost Amman, Hans Sachs e Hartmann Schopper, citado por Chabassus (19861,), editado em 1568, constam 114 profisses com a ilustrao do profissional correspondente e um texto sucinto contendo a atividade exercida pelo profissional, o material com que trabalha, a origem do oficio, o nome do inventor, etc. Em obra do mesmo teor - La piazza universale di tutte te profess ioni dei mondo ednobiliedjgnobij de 1585, Tommaso Garzoni, citado por Chabassus (1 985b), apresenta 545 profisses, algumas com vrios ramos. Profisso para ele no somente o exerccio de alguma atividade que exija qualificao, quer intelectual, quer manual, mas toda e qualquer atividade exercida pelo homem, ainda que em detrimento alheio ou prprio, e mesmo a ausncia de qualquer atividade, como por exemplo, a de vagabundo. Para ele so profisses: o roubo, a pirataria, a prostituio, o lenocnio, a embriaguez a tirania, o assassnio, a gula, etc. 20

oni descreve sobretudo as qualidades, principalmente as morais, srias ou nocivas ao bom desempenho das profisses. Segundo is (1985b) essa obra pode ser comparada aos modernos dicio *io dc profisses pela abrangncia das informaes de que dispe. citado por Chabassus (1 985b) considera-a como um manual psnotmico das ocupaes da Europa seiscentista. Ainda tratando de profisses, encontramos na obra de Campbell, dtado por Chabassus (1987), The London Tradesman, de 1474, um balho exaustivo de pesquisa sobre cada profisso, cuja fmalidade, segundo o autor, fornecer aos pais um conhecimento geral dos oficios em uso em Londres e condies para que sejam capazes de descobrir as U idades e inclinaes de seus filhos a fim de poder orient-los para um iprego adequado. Atm-se s diferenas individuais, afimiando que cada iti4ivduo dotado de talentos naturais que o predispem a um determinad oficio, e que estes devem ser respeitados pelos pais, permitindo que osovens escolham a profisso que mais lhes agrade. Menciona ainda fatores como a afeio, o gosto e o prazer na profisso como elementos jnportantes para o bem-estar no s do indivduo como da sociedade. Entretanto, ainda que esses textos j prenunciem os reflexos da nova miem social que, paulatinamente, se instaura e na qual a transmisso herjitria das profisses viria a ser substituda pelo preceito de liberdade tbcscolha segundo as capacidades de cada um, e que neles j estivessem eoadas algumas das principais questes relativas escolha profissional, as condies histricas que vo permitir Orientao Vocacional cnfigurar-se como disciplina s estaro presentes mais tarde.

EM pSICOSSOCIAL

2. Orientao vocacional. Antecedentes histricos Trs fatores so comumente considerados relevantes para o surgimento da Orientao Vocacional:

2. ZYTOWSKY, D. Four hundread years before Parsons. The Personnel and Guidance Journal. 50(6): 443:450, 1972.

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1) Mudanas no modo de produo A produo industrial da poca feudal eia obtida quase que exclusiva- mente sob a forma artesanal e cooperativa. A diviso do trabalho caracterizava-se nessa poca pela separao dos oficios do artesanato, protegido pela defmio rgida do oficio global e pelo monoplio das irmandades e corporaes sobre o segredo de fabricao. Ao longo da crise do feudalismo, numerosas invenes vieram modificar o nvel das foras de produo. O uso da artilharia, a inveno da imprensa e o progresso da cincia da navegao do incio a um processo que colocar a indstria no primeiro plano do progresso. Segundo Navilie, E sob a forma das exigncias tcnicas das profisses que aparece por vezes neste sistema a preocupao com as ajes individuais, quer dizer, do ser humano, menos para as profisses manuais e mecnicas, alis, do que para as que desempenham um papel predominante no desenvolvimento do capitalismo nessa poca (como o negcio, o comrcio) e da cultura que delas depende (tipografia, livraria, ensino, artes liberais, etc.). (1975, p. 52) O aparecimento do maquinismo, com as invenes que concemem metalurgia e mquina a vapor, geram um novo avano das foras de produo, caracterizando de forma decisiva a era capitalista. Essa srie de invenes vai permitir multiplicar a produtividade do trabalho humano, reduzindo esse trabalho a um mecanismo mais abstrato e cada vez menos unido ao objeto produtivo (contrariamente ao trabalho artesanal). A diviso do trabalho prossegue em ritmo acelerado, paralelamente mecanizao manifesta-se um interessante crescente pelas tcnicas e pela procura de mo-de-obra adequada. A crescente especializao das tarefas acentua a preocupao com as aptides individuais: ... com a diviso manufatureira das tarefas que entramos no domnio da aptido no sentido em que a psicotecnia moderna a entende (...) as condies tcnicas da produo de um objeto acabado ou semi-acabado submetem uma massa de operrios a funes determinadas e complementares (...) cada processo parcial de produo considerado em si prprio, e conveniente- mente decomposto nos seus elementos constitutivos, sem se ter em conta previamente nem a mo nem o corpo do homem. Pelo contrrio, a mo que

U$A ABORDAGEM PSICOSSOCIAL ve em seguida adaptar-se (fabricar a aptido) operao exigida pela pquina (...) isto no so descobertas recentes dapsicotecnia ou dapsicometria, ni revelaes de Taylor, Ford ou dos seus imitadores ou iniciadores. So tos que se foram evidenciando desde meados do sculo XIX, na poca dos ocessos decisivos da diviso manufatureira do trabalho. Era o momento que as formas estereotipadas, complexas, matizadas, metaforizadas, do ocesso social de produo (tal como se manifestava sobretudo no trabalho esanal) davam lugar a utilizaes mais lgicas e cientficas de processos ncos sistematicamente agrupados em vista do fim particular pretendido Q4aville 1975, p. 65) 2) As doutrinas liberais dos sculos XVII e XVIII Os ideais de liberdade no trabalho opunham-se aos privilgios e 1estrutura das corporaes - mantidos pela transmisso hereditria do segredo de fabricao e pela negao da concorrncia - favorea ascenso da burguesia atravs da livre iniciativa e da acumudo lucro: ... a Lei de Le Chapelier destruiu todo o edificio das poraes e das associaes de trabalhadores. Ps em seu lugar o ncipio da liberdade de trabalho (Naville, 1975, p 54) As leis que ordenam que cada um permanea na sua profisso e a fa passar a seus filhos, no so e no podem ser uteis a no ser nos ados despticos, onde ningum pode nem deve ter emulao. Que no s diga que cada um ser melhor na sua profisso quando no a puder ocrpor outra. (Montesquieu3 citado por Naville (1975), p. 53) Entretanto, como escreve Naville, a palavra de ordem da liberdade profissional tinha sobretudo o carter limitado de uma possibilidade de se hegars camadas superiores.(1975, p. 53) 3) O desenvolvimento da Psicologia O desenvolvimento da Psicologia, e particularmente o movimento de medidas mentais iniciado no final do sculo XIX com os trabalhos de Galton, Cateli e Binet fornece o aparato tcnico e conceitual 3. Moi.ritsuiu, Espirit des bis, livro XX.

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que permite Orientao Vocacional configurar-se como disciplina cientfica. Data do incio do sculo a criao dos primeiros escritrios de Seleo e Orientao Profissional: o de Munique, em 1902, e o de Boston, fundado en 1908 por Frank Parsons. No incio no se distingue orientao de seleo. Conceitos e mtodos so utilizados indistintamente, constando de suas atribuies tanto a preocupao com a escolha profissional - que teria, segundo Santos (1972), norteado os trabalhos de PaArsons dando aos adolescentes oportunidades de expresso individual e de serem social e economicamente aproveitados na medida de suas capacidades - como a seleo de trabalhadores, com vistas a eliminar da produo os portadores de insuficincias psicofisicas, supostamente causadores de acidentes de trabalho, ou ainda selecionar os mais aptos adequando- os segundo suas potencialidades ao crescente nmero de especializaes. A utilizao dos primeiros testes coletivos de inteligncia de seleo de soldados americanos para a Primeira Guerra Mundial e a criao de bolsas de empregos na crise de 1931, foram acompanhados nos EUA de um grande avano no instrumental tcnico, tendo sido elaborados nessa fase novos mtodos de diagnstico das aptides profissionais, estudos programticos de eleio e adaptao vocacionais, descries de empregos e dicionrios de profissionais. Com a participao dos EUA na Segunda Guerra Mundial e a necessidade de selecionar um grande contingente de homens para o exrcito, a psicologia vocacional cresceu quase que da noite para o dia (Crites, 1974, p.21). Com o emprego da tcnica da anlise fatorial na construo de testes e a avaliao dos critrios de xito, chegou-se a detectar em torno de 50 a 100 traos independentes, postulando-se ainda a existncia de um alto grau de especificidade entre os requisitos para as diversas atividades. Paulatinamente, as duas reas vo se delimitando, passando a se adotar conceitos, mtodos e objetivos especficos para a Orientao Vocacional. 24

3. As teorias vocacionais Transcende os limites desta pesquisa a realizao de um estudo exaustivo de todas as teorias que versam sobre a escolha profissional. Tendo em vista os objetivos propostos cremos ser necessrio e suficiente proceder a uma descrio sucinta das principais teorias, colocando em evidncia o tipo de determinante privilegiado. _ Para isso adotamos a classificao proposta por Crites (1974, p. /95) que divide as teorias vocacionais em psicolgicas, no-psicolgicas [ (socilgicas e econmicas) e gerais (interdisciplinares). ( 3.1. Teorias psicolgicas Subdividem-se em: 1)Tmo e Fator, 2) Evolutivas, 3) Psicodinmicas, \ 4) Decisionais, 5) Tipolgica. \....J3.1.1. Teoria Trao-Fator A formulao inicial dessa teoria cabe a Parsons4 citado por Crites (1974), e consiste no modelo de adequao entre pessoas e empregos. Baseada na Psicologia Diferencial e na anlise das ocupaes, parte do piincpio de que as pessoas diferem em suas habilidades, interesses e ttaos de personalidade e que cada profisso requer indivduos com aptM&s especficas. Dessa forma, isolando e quantificando os traos pessoais e as exigncias das profisses, possvel adequar os indivduos s ocupaes. a teoria que preconiza o homem certo no lugar certo. Tmta-se, portanto, de uma teoria essencialmente normativa que visa autes fornecer parmetros para as tarefas de seleo e orientao do que aonstruo de um modelo terico sobre os determinantes da escolha. Crites define o perodo em que predominaram as tcnicas Plcomtricas como a era do empirismo estril, quando a pergunta prinera: qual a melhor ocupao para este indivduo? e no por que eu esta profisso em vez de outra? (1974, p. 637) A nfase na mfluncia das caractensticas individuais na escolha no tflete, como seria de se esperar, a uma teoria da motivao, sendo o 4.PARSONS,Frank.Choosjngavocarion. Boston, Houghton Mifflin, 1909. 25

A ESCOLHA DA PROFISSO comportamento vocacional explicado apenas em termos de conceitos definidos operacionalmente como aptido, interesses e traos de personalidade. Ainda que se tenha sofisticado, com o aprimoramento das tcnicas e instrumentos de mensurao, a teoria Trao-Fator permaneceu fiel a seus fundamentos at o fmal dos anos 40. A partir dos anos 50 a teoria Trao-Fator passa a ser questionada sob dois aspectos: 1) Pela falta de um modelo terico da escolha profissional subjacente s tcnicas de orientao. Ginzberg e col. (1966) chamam a ateno para o pragmatismo dos orientadores por se aterem apenas aos aspectos tcnicos da orientao em detrimento dos fundamentos tericos da escolha profissional: ...os conselheiros vocacionais so profissionais liberais ansiosos por melhorar suas tcnicas de aconselhamento (...) os que so dotados para a pesquisa devotam todo o tempo de que dispem no aperfeioamento da tcnica. Eles no so tericos trabalhando no problema de como os indivduos fazem sua escolha profissional, pois embora no tenham preconceito contra a teoria, dispem de pouco tempo para investir no desenvolvimento de uma. (1966, p. 7) E analisando as razes para isso, prossegue: ... h boas razes para que o problema (de como as escolhas ocupacionais so feitas) no tenha sido foco de investigao para a Psicologia ou Economia (...) o processo tem suas causas no interjogo entre o indivduo e a realidade e esse campo somente agora comea a ser includo nos limites da pesquisa psicolgica. A formulao inversa se aplica Economia, que, enquanto disciplina concentra-se na anlise detalhada das foras da realidade e se satisfaz com algumas hipteses simplificadas sobre o comportamento individual. (1966, p.7) 2) Pelo fato de ater-se escolha profissional como um momento definido no tempo. A constatao de que os interesses mudam com a idade e que as condutas de escolha amadurecem medida que o indivduo cresce levou alguns autores a propor que a escolha fosse encarada como um processo de desenvolvimento.

IjM.A ABORDAGEM PSICOSSOCIAL 3.1.2. Teorias evolutivas As teorias evolutivas colocam em evidncia o aspecto seqencial do comportamento vocacional, descrevendo os processos pelos quais o indivduo se desenvolve no plano vocacional. A teoria formulada por Ginzberg e col. (1966) tem como objetivo explicitar a interao entre as funes do ego e a rede de presses e apoios s quais o indivduo est submetido nos diferentes perodos da vida Sua teoria pode ser sumarizada em quatro proposies: 1) A escolha profissional um processo de desenvolvimento que se estende da pr-puberdade at os vinte anos aproximadamente. 2) Esse processo irreversvel no sentido de que a experincia no pode ser anulada, pois implica em investimentos de tempo, dinheiro e do ego e produz mudanas no indivduo. 3)0 processo de escolha profissional implica um compromisso entre os interesses, capacidades e valores e as oportunidades oferecidas pelo meio. 4) O processo de escolha profissional pode ser dividido em trs perodos segundo os aspectos considerados pelo indivduo para a esco perodo de fantasia, no qual as escolhas so baseadas no desejo de se tomar adulto sem que a criana leve em conta suas potencialidades nem as contingncias de tempo. - perodo provisrio, que se inicia por volta dos 11 anos de idade e determinado inicialmente pelos interesses, depois pelas capacidades e finalmente pelos valores. - perodo realista, que tem incio aproximadamente aos 17 anos e compreende trs fases: a) de explorao, na qual o indivduo explora as possibilidades profissionais que pode levar em conta seriamente; b) de cristalizao, na qual o indivduo circunscreve o setor de atividade no qual pode se realizar; e) de especificao, que se caracteriza pelo desejo de se especializar na rea escolhida.

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A ESCOLHA DA PROFISSO Em publicao mais recente, Ginzberg5, citado por Pelietier (1982), reviu alguns aspectos de sua teoria: - passou a considerar o processo de desenvolvimento vocacional mais limitado a um perodo de dez anos mas estendendo-se ao longo de toda a vida do indivduo. - minimizou o carter irreversvel da escolha, afirmando que nesse perodo houve um aumento das possibilidades de se preparar para uma ocupao em termos de tempo e de recursos materiais. - substituiu o termo compromisso por otimizao por considerlo um conceito mais dinmico no sentido de explicar melhor a interao entre os desejos cIo indivduo, que se modificam, e as circunstncias que vo evoluindo. Ainda que a concepo proposta por Ginzberg represente um avano terico em relao teoria trao-fator, destacando a necessidade de urna interao entre os fatores individuais e sociais e enfatizando o carter evolutivo dessa interao, no explicita claramente a natureza dos conceitos de compromisso e otimizao utilizados para essa mediao: A deciso concernente escolha ocupacional , em ltima anlise, um compromisso atravs do qual o indivduo espera obter o mximo grau de satisfao em sua vida profissional buscando uma carreira na qual possa fazer uso, tanto quanto possvel, de seus interesses e capacidades, numa situao que satisfaa, tanto quanto possvel, seus valores e objetivos. Ao procurar uma escolha apropriada, deve pesar as oportunidades e limitaes reais e o grau em que estas podem contribuir ou afetar a mxima satisfao no trabalho. Uma pessoa com verdadeiro talento para a msica pode ainda hesitar em se aventurar na carreira musical se descobre que os msicos bem sucedidos so raros. Apesar de seu desejo real, pode decidir-se contra a carreira musical, a menos que esta garanta vrios outros valores, particularmente a segurana econmica. (1966, p. 197) A esse respeito Super afirma: ...o ponto crucial do problema da escolha profissional e do ajustamento a natureza do compromisso entre o self e a realidade, o grau e as 5. GINZBERG, Eh. Toward a theory ofoccupational choice: a restatement, Vocacional GuidanceQuarterlv, l972,p. 169-176. 28

UMA ABORDAGEM PSICOSSOCIAL condies sob as quais um se submete ao outro, e o modo pelo qual esse compromisso e realizado . (1968, p. 124) Para Super (1968) o termo escolha deve ser substitudo pelo termo desenvolvimento pois este compreende os conceitos de preferncia, escolha, ingresso no mercado de trabalho e ajustamento. Super (1972) descreveu o processo de desenvolvimento vocacional baseado na teoria do autoconceito. O tema central de sua teoria que o autoconceito formado nas primeiras experincias com as outras pessoas e nas situaes da vida, traduz-se em experincias ocupacionais por meio da identificao, experincia e observao e se complementa pelas escolhas educacionais, embora a interao entre o indivduo e as situaes que ele vive continue a modificar a imagem que ele tem de si mesmo. Para Super6 citado por Crites (1974, p. 638) quando uma pessoa elege uma profisso est elegendo um modo de atualizar seu conceito de si nsmo. Super (1972) dividiu o processo de desenvolvimento vocacional em cinco estgios: 1) Estgio de crescimento (do nascimento at os 14 anos), perodo em que o autoconceito se desenvolve atravs da identificao com as figuras importantes na famlia e na escola. 2) Estgio de explorao (dos 15 aos 24 anos), que se caracteriza explorao de si mesmo e das ocupaes. 3) Estgio de estabelecimento (dos 25 aos 44 anos), perodo no qual o indivduo, tendo encontrado um campo apropriado, faz esforos para se estabilizar nessa rea. 4) Estgio de permanncia (dos 45 aos 64 anos), fase em que j se flflflouum lugar no mundo do trabalho, cabendo ao indivduo mant-lo. 5) estgio de declnio (dos 65 anos em diante), fase em que a capaidade fisica e mental entra em declnio, podendo ocorrer uma diminuio 110 ritmo de trabalho ou uma alterao na sua natureza. Super (1972) estudou ainda os padres de carreira, classificando as reIras em estveis (entrada direta para a vida profissional), convencio1s (de uma fase de tentativa estabilidade) e instveis e de mltipla SUPER, D.E. Appraising vocationalfitne.s. New York, Harper and Row, 1949.

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A ESCOLHA DA PROFISSO tentativa, afirmando que os padres de carreira estveis e convencionais so mais comuns nos nveis socioeconmicos mais altos, enquanto os padres instveis e os de mltipla tentativa so mais comuns nos nveis mais baixos. A natureza do padro de carreira determinada pelo nvel socioeconmico da famlia do indivduo, pela habilidade mental e caractersticas de personalidade e pelas oportunidades que so oferecidas pelo meio. Para Super: Os fatores internos e externos interagem para produzir decises. A questo crucial no desenvolvimento da carreira investigar como esses determinantes internos e externos se sintetizam para produzir a deciso. (l972,p. 171) A articulao entre as determinaes internas e externas na teoria de Super feita atravs do construto de autoconceito: O processo de desenvolvimento vocacional essencialmente o do desenvolvimento e implementao do autoconceito: um processo de compromisso no qual o autoconceito um produto da interao de aptides herdadas, da constituio neural e endcrina, da oportunidade de exercer diversos papis e da avaliao do grau em que o exerccio desses papis aprovado pelos superiores e pares. O processo de compromisso entre os fatores individuais e sociais, entre o autoconceito e a realidade se d atravs da execuo de papis, quer esta ocorra na fantasia, na entrevista de aconselhamento ou nas atividades da vida real. (Super, 1968, p. 128) A teoria do papel utilizada pelo autor para dar conta dos aspectos externos dos conceitos ocupacionais que as pessoas mantm, sendo o papel defmido como o conjunto de expectativas que a sociedade, ou um grupo identificvel dessa sociedade, tem das pessoas que exercem determinada ocupao. Entretanto, ainda que Super se refira importncia dos fatores externos, considerando a dimenso econmico-social, no a incorpora em sua teoria. Embora reconhea que a classe social, o contexto familiar e as esferas de atividades abertas e fechadas aos indivduos so forts determinantes dos padres de carreira e das decises profissionais, sua

liMA ABORDAGEM PSICOSSOCIAL teoria no prov instrumentos de articulao com fatores estruturais mais amplos, situando-se numa perspectiva interacionista. Pelietier e col. (1982) consideram a escolha profissional como um processo de resoluo de problemas que, como tal, pode implicar no uso de diversas habilidades intelectuais. Em funo disso estudaram as tarefas envolvidas em cada fase do desenvolvimento vocacional, descrevendo o papel que fatores intelectuais e atitudes cognitivas (tal como identificados por Guilford em seu modelo do intelecto) poderiam desempenhar na realizao dessas tarefas. Partindo dessas premissas Pelietier e col. elaboraram a concepo operatria a partir da qual propem um modelo de interveno que visa educar os processos cognitivos com vistas a ativar o desenvolvimento vocacional. 3.1.3. Teorias decisionais So teorias que utilizam modelos de deciso, inicialmente formulados em Economia, para explicar o processo de escolha profissional. Gelatt (1962) prope um modelo segundo o qual o processo de escolha compreende trs fases: 1)0 indivduo avalia, atravs de um sistema preditivo, as alternativas que lhe so oferecidas, as conseqncias possveis das decises que possa efetuar e a probabilidade de que tais conseqncias ocorram: - o sistema preditivo permite que o indivduo, com base em informaes que possui ou coleta, dimensione as alternativas de ao e suas conseqncias. O dimensionamento das conseqncias, do ponto de vista preditivo, implica em estimar a probabilidade de ocorrncia das mesmas. Ao tomar uma deciso, o indivduo apoia-se tanto em probabilidades objetivas (que podem ser estimadas atravs da descrio numrica de dados observados, da predio baseada na correlao de fenmenos (*1 em teorias e princpios j testados) como em probabilidades subjetivas (que significa o julgamento que o indivduo faz a respeito de suas possibihdades de alcanar determinado fim). A probabilidade subjetiva, tambm denominada probabilidade psiColgica ou expectativa, resulta:

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A ESCOLHA DA PROFISSO UMA ABORDAGEM PSICOSSOCIAL

- das experincias do indivduo relacionadas ao objetivo visado; - do conhecimento das possibilidades de sucesso ou fracasso na situao; - da soma dos fatores atrativos e dos desagradveis associados s experincias futuras. 2) Graas a seu sistema valorativo o indivduo estima a desejabilidade dessas conseqncias: - a desejabildade de certa conseqncia funo do valor subjetivo que o indivduo lhe confere, caracterizando-a como fonte de prazer ou desprazer. As propriedades que o indivduo valoriza como fonte de prazer tomam a conseqncia desejvel e, em termos da teoria da deciso, diz-se que ela tem utilidade positiva. Inversamente, as conseqncias consideradas indesejveis tm utilidade negativa. 3) Utilizando um critrio de deciso, o indivduo realiza a seleo entre as alternativas que lhe so apresentadas. - o indivduo estima, para cada uma das conseqncias que determinada alternativa pode gerar, a probabilidade subjetiva de concretiz-la e sua desejabilidade. Assim, a cada conseqncia est associada uma probabilidade subjetiva e um valor de utilidade. A regra utilizada para tomar a deciso consiste em combinar essas duas variveis de tal forma que se opte pela alternativa que permita obter a maior somatria do valor de utilidade e da probabilidade subjetiva. Caracteriza-se, portanto, como uma estratgia que permite minimizar custos e maximizar beneficios. O esquema formulado por Gelatt seqencia! e distingue duas ordens de decises: decises instrumentais, que conduzem obteno de novas informaes, e decises finais, que podem, por sua vez, originar novo ciclo de decises. Embora no se aprofunde no estudo dos determinantes da escolha profissional, Gelatt fornece as bases conceituais para que esse aprofundamento seja feito (ao falar em probabilidades objetivas, probabilidades subjetivas, valor subjetivo, desejabilidade e utilidade). A contribuio original dessa teoria consiste em propor um mecanismo de articulao entre as diversas variveis que incidem sobre o indivduo de modo a produzir a escolha. 32

Outra concepo da escolha como processo de tomada de deciso foi elaborada por Hilton (1962), para quem o processo de deciso se inicia quando o estmulo ambiental aumenta a dissonncia acima de um nvel tolervel. Neste caso o indivduo examina suas premissas, se estas podem ser modificadas para acomodar o estmulo, efetua a modificao e testa essa mudana em termos de dissonncia. Se as premissas no podem ser revistas, buscam-se outras alternativas profissionais. Se a nova alternativa tentada mantm a dissonncia abaixo do limiar de tolerncia o individuo toma a deciso, caso contrrio o processo reiniciado. Hershenson e Roth (1968) levantaram algumas objees s teorias anteriores, considerando que um modelo de deciso deve contribuir para uma compreenso global do processo de desenvolvimento vocacional e no se limitar a um momento definido. Desta feita projetaram duas tendncias no tempo: - as decises tomadas pelo indivduo no decorrer de seu desenvolvimento vocacional restringem as possibilidades futuras de escolha. - as possibilidades que subsistem tendem a reforar as opes j

feitas.

3.1.4. Teorias psicodinmicas

Bordin, Nachmann e Sega! (1968) adotam a concepo psicanaltica do trabalho como sublimao dos instintos, baseando sua teoria em trs princpios fundamentais: 1) h uma continuidade no desenvolvimento entre as atividades primrias do organismo (atividades de nutrio, de domnio das funes corporais, reaes aos estmulos do meio) e as atividades fisicas e intelectuais mais complexas e abstratas. 2) as atividades adultas complexas mantm as mesmas fontes instintivas de gratificao que as infantis. 3) embora a configurao e fora relativa das necessidades sofram uma modificao contnua durante todo o ciclo vital, seu padro essencial determinado nos primeiros seis anos devida. As experincias infantis vivenciadas nesse perodo so decisivas na formao da personalidade e na criao das necessidades que se expressaro mais tarde na conduta Vocacioml 33

J

A ESCOLHA DA PROFISSO mtodos tpicos para enfrentar os problemas cotidianos. Portanto, um tipo uma sntese completa de caractersticas pessoais. Este conjunto peculiar cria predisposies especiais, valores e aspiraes voltadas para determinado tipo de trabalho como, por exemplo: se algum se assemelha ao tipo social de se esperar que busque ocupaes sociais: o ensino, o trabalho social ou a religio e que tenha metas e valores socialmente orientados: ajudar seus semelhantes, valorizar a religio, servir comunidade. Para Holland quando as pessoas se reinem criam um ambiente que reflete sua tipologia; assim, possvel valorar um ambiente nos mesmos termos que se valora as pessoas individualmente: As pessoas buscam ambientes e vocaes que lhes permitam exercer suas habilidades e capacidades, expressar suas atitudes e valores, dedicar-se soluo de problemas ou atividades agradveis e evitar as desagradveis. (1975, p. 23) Partindo dessas consideraes, Holland defmiu seis tipos de personalidades que correspondem a seis tipos de ambientes: realista, intelectual, social, convencional, empreendedor e artstico. Nenhuma pessoa , entretanto, um tipo puro, tendo uma hierarquia de ambientes preferidos. 3.2. Teorias sociolgicas As teorias sociolgicas enfatizam a importncia dos determinantes socioeconmicos e culturais na escolha profissional. Para Miller e Form7, citados por Hewer (1968), so fatores decisivos na determinao da ocupao da maioria dos trabalhadores a famlia, a raa, a nacionalidade, a classe social e as oportunidades culturais e educacionais s quais o indivduo tem acesso. Segundo os autores o espectro de profisses considerado pelo indivduo ao fazer a escolha determinado principalmente pela expectativa de status da classe social que pertence. Caplow8, citado por Hewer (1968), afirma que as crianas herdam (aspas do autor) o nvel ocupacional dos pais escolhendo uma vo 7 MILLER, D. C. and FoRrI, W. H. Industrial sociology. New York, Harper, 1951. 8. CAPLOW, T. Thesociology of work. Minneapolis, Univer. ofMinn. Press, 1954. 3

LIMA ABORDAGEM PSICOSSOCIAL cao nos limites de uma gama restrita de ocupaes que aceitvel para a classe social a que pertencem; entretanto, no explicita claramente os mecanismos dessa herana. Caplow analisa ainda a seletividade exercida pelo sistema de ensino ao excluir da formao e eventualmente das prMias ocupaes os estudantes que carecem das qualidades intelectuais tj das caractersticas sociais consideradas necessrias. Como os autores citados, Hollingshead9 citado por Crites (1974) tambm conclui que a pauta das escolhas profissionais corresponde de modo geral s pautas de emprego associadas a cada classe social. Para ollingshead as idias do adolescente sobre empregos desejveis so um reflexo de suas experincias nos complexos da cultura de classe e familiar: Os adolescentes tm conscincia no s do prestgio diferencial das profisses como tambm conhecem sua prpria posio e a de suas fm1ias no sistema de prestgio, e compreendem a conexo que existe entre a ocupao do pai e a posio econmica e de prestgio de sua finilia. (p. 241) Num estudo realizado sobre a juventude de Elmtown em 1941, Hollingshead comprovou empiricamente a influncia da classes social na escolha profissional demonstrando graficamente as porcentagens de escolhas ocupacionais nas diferentes classes. Seus estudos revelam que a n*iria dosjovens de classe alta escolhe profisses de nvel mais elevado seqsnparados com os jovens da classe baixa, que tendem com maior rcia a escolher trabalhos menos qualificados. 3.3. Teorias econmicas Para os economistas clssicos do sculo XVIII, Senior e Mill, citados por Crites (1974), o fator determinante da escolha profissional a fltagem econmica oferecida pela profisso. Segundo Adam Smith1 cita4 por Crites (1974), desde que haja completa liberdade de opo o dividuo tende a eleger a profisso que imagina lhe trazer maiores vantaNGHSHEAD, A. B. Elmtown youth. NewYork, Wiley, 1949. TIf, A. An inquiry into the nature and causes ofthe wealth of nations. New Rondonllouse, 1937

cit.

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A ESCOLHA DA PROFISSO (j?44 ABORDAGEM PSICOSSOCIAL

gens. Desta forma, os indivduos tenderiam a procurar as ocupaes que oferecem melhores salrios, evitando as que pagam salrios menores. A distribuio dos trabalhadores no mercado de trabalho seria, portanto, funo da lei da oferta e da procura. Essas concluses foram contestadas pelos economistas neo-clssicos com o argumento de que se tal distribuio fosse regida somente pela lei da oferta e da procura, haveria uma tendncia diminuio do salrio das mais requisitadas, gerando um equilbrio na distribuio, o que no acontece. Para Clark2 (citado por Crites, 1974) essa igualdade no ocorre devido a dois fatores: - nem todos os indivduos dispem de informaes sobre as vantagens oferecidas por cada profisso. - nem todos dispem de recursos para manter a formao tcnica ou educacional necessrias para se atingir as profisses de nvel mais elevado. 3.4. Teorias gerais Blau e col. (1968), afirmando que a identificao de determinantes isolados no suficiente para explicar a escolha ocupacional, elaboraram um esquema conceitual em que os fatores externos interagem com os determinantes internos, reunindo contribuies da Economia, Sociologia e Psicologia. Blau e col. preconizam que alm dos processos de escolha, devem ser levados em conta os processos de seleo na explicao de por que as pessoas terminam em diferentes ocupaes. Segundo os autores, a estrutura social (padres de atividades, interaes pessoais e valores) exerces uma dupla influncia na escolha ocupacional: por um lado influencia o desenvolvimento da personalidade, por outro, define as condies socioeconmicas em que a seleo ocorre. Esses dois efeitos, entretanto, no ocorrem simultaneamente: enquan 12 CLARK, H. F. Economic theory and correci occupational distribution. NewYork, Theachers Coliege Bureau os Publications, 1931.

to a influncia sobre os interesses e padres de deciso ocorrem no passado, as oportunidades ocupacionais so determinadas pela estrutura atual. Blau e co!. salientam ainda que nem sempre a escolha profissional ocorre de forma deliberada, envolvendo a resoluo de problemas, mas que o ingresso numa ocupao pode ser uma ao habitual, particular- mente nos casos em que o indivduo no detm muitas informaes sobre as profisses. 4. Consideraes crticas a respeito das teorias vocacionais A anlise das teorias torna evidente uma pluralidade de enfoques que se caracterizam por privilegiar aspectos isolados da questo, destacando determinadas variveis em detrimento de outras, dependendo da natureza da disciplina de que derivam. Desta feita, as teorias psicolgicas se atm s caractersticas pessoais dos indivduos e aos processos psqui-os que governam suas escolhas profissionais, considerando a estrutura social e econmica como condies dadas que meramente impem os lirr4tes nos quais esses processos psicolgicos operam. As teorias econnicas, por sua vez, examinam o modo pelo qual a estrutura de salrios e os fatores econmicos canalizam o fluxo da fora de trabalho para ditrentes ocupaes, tratando como dados os motivos psicolgicos atravs dos quais tais foras socioeconmicas se tornam efetivas. J as teorias sociolgicas focalizam a estrutura social estratificada em detrimento das caractersticas pessoais dos indivduos ou da organizao da economia, analisando os efeitos do status dos pais sobre as oportunidades da Criana, sem contudo explicitar os mecanismos atravs dos quais tais efeitCe se reproduzem. As iniciativas interdisciplinares constituem exceo, a exemplo da teoria de Blau e co!. (1968), embora, como reconhecem os 6prios autores, trata-se antes de um esquema conceitual do que pro$lamente de uma teoria de escolha e seleo profissional, na medida em eearece de comprovao empfrica. Em que pese, portanto, o fato de a problemtica vocacional permitir CrSos enfoques, o que por si sj fala a favor da necessidade de uma Ordagem interdisciplinar, prevalece a dicotomia indivduo-sociedade.

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A ESCOLHA DA PROFISSO Se por um lado tem-se explicaes que enfatizam os determinantes estruturais envolvidos no processo de escolha, tais concepes no explicitam os mecanismos atravs dos quais essas detennrnaes so vividas e atualizadas na experincia concreta dos sujeitos. Corre-se o risco de considerar o agente social como mero executante de algo que se encontra objetivamente programado e que lhe exterior. Por outro lado, nas teorias psicolgicas a nfase recai sobre caractersticas ou processos psiqiicos isolados, pois, embora faam referncia importncia do meio, nopropem uma conceituao adequada para os fatores ambientais. A esse respeito afirma Ferretti: As teorias, implcita ou explicitamente, consideram que os indivduos diferem entre si por uma srie de caractersticas (aptides, interesses, caractersticas de personalidade, ritmo de desenvolvimento, auto-conceito, etc.). E essas diferenas os levaro a optar por diferentes caminhos profssionais. Como as teorias no se propem a explicar as escolhas dos indivduos segundo a influncia de fatores tais como raa, cor, origem socioeconmica, sexo, filiao religiosa, etc. (exceto talvez o esquema conceitual de Blau e co!.) autorizam a suposio de que os processos descritos se aplica a todos os indivduos. Na medida em que pressupem ser o ato de escolha de responsabilidade do individuo que o realiza e medida em que supem aplicveis, indistintamente, aos diferentes indiduos os processos de escolha que descrevem, as teorias implicitamente admitem que todos tm a mesma liberdade de determinar seu futuro profissional. (1988a, p. 30) Alm disso, cumpre ressaltar que nem todas as teorias econmicas e sociolgicas foram elaboradas com a fmalidade especfica de solucionar as questes relativas problemtica vocacional. Nesse sentido convergem as colocaes de Ferrett: Relativamente a tais teorias, vale a pena notar, de incio, que elas representam, na verdade, emprstimos feitos economia e sociologia para justificar e explicar o ceme das preocupaes dos autores ligados Psicologia Vocacional, ou seja, as escolhas individuais. (1988, p. 23) Observa-se, portanto, um predomnio das teorias psicolgicas, que pode ser atribudo a fatores ideolgicos e histricos.

ABORDAGEM PSICOSSOCL Com efeito, a explicao do processo de escolha profissional de uma peispectiva exclusivamente psicolgica, na medida em que tende a explicar ejustificar a escolha somente em terms das djferenas individuais, considerando que todos tm a mesma liberdade de escolha, tem se estado a reforar a ideologia liberal. Ainda que as teorias psicolgicas de escolha tenham acompanhado aevoluo da Psicologia, passando de concepes que atribuam s diferenas individuais um carter inato para concepes que privilegiam os processos de socializao na produo de tais diferenas, o fato de no levarem em conta as leis que regem a diviso social do trabalho e as desigualdades na distribuio do poder e dos privilgios numa sociedade de classes, faz com que a diversificao nas escolhas seja encarada como algo natural, que decorre da natural diferenciao de talentos e aptides. Essa diferenciao natural em nenhum momento questionada e se presta ajustificar uma ordem econmica e social que no se origina nessas mas sim na forma como o trabalho humano utlizado e explor 1o. Um exemplo caracterstico desse tipo de formulao pode ser ilusUsdo pela teoria de Holland (1975): ao ignorar as leis que regem a diviso Social do trabalho, o autor autoriza a suposio de que a diferenciao e*e os ambientes profissionais se deve ao agrupamento de indivduos eorncaractersticas semelhantes. No se trata de negar que diferenas individuais existam, mas de apontar para o fato de como a negao das condies objetivas nas quais essas diferenas so retraduzidas numa dada ordem socioeconmica perm que sejam naturalizadas. Alm disso, tendo em vista as condies histricas nas quais essas se originaram, servindo antes como fundamentao para as tcniCa de Orientao Vocacional do que como teorias especulativas sobre a bbIemtica da escolha vocacional, justificam a afirmao de que as 0rias de Orientao Vocacional encontram-se impregnadas de uma ide4b gia que serve s classes dirigentes numa sociedade capitalista de das (Ferretti, l98l,p.95) * De modo geral, o que se pode constatar do exame das teonas psie que corroborado por sua origem histrica, que estas fo 40

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A ESCOLHA DA PROFISSO PSICOSSOCIAL

ram elaboradas guisa de fundamentos para as tcnicas de Orientao Vocacional. De tal forma que se caracterizam por um aspecto normativo, visando, em ltima instncia, a otimizao da escolha profissional, ou seja, a efetivao, por parte do sujeito da escolha, de uma opo profissional consciente, adaptada, ajustada, conforme a terminologia adotada por cada teoria. Nesse sentido, tais teorias situam-se no mbito restrito das condies que as tornam possveis: o ideal liberal de escolha. Se plausvel supor que a ideologia de ascenso social e de oportunidades iguais para todos perpassa todos os estratos socioeconmicos e que portanto o conflito relativo escolha profissional pode se manifestai; ao menos enquanto representao subjetiva, em indivduos dos diversos segmentos socioeconmicos, no menos verdade que o alcance de tais teorias (e conseqentemente tcnicas) seja limitado s situaes em que tais conflitos tm condies efetivas de serem resolvidos. Seria exigir muito das teorias de escolha, tal como so formuladas, que dessem conta dessas questes pelo simples fato de que se situam aqum, em suas formulaes, dos determinantes socioeconmicos, que so os determinantes primeiros da colocao profissional. As teorias assim formuladas restringem-se, portanto, aos limites em que elas prprias se configuram: confiando (e confinando) a mecanismos psicolgicos a eficcia de sua ao, todos os conflitos que se situam para alm desse domnio so ignorados ou psicologizados. Haja visto, a respeito da pedagogia, a grande esperana depositada por alguns orientadores no papel da informao profissional, sem questionar previamente a produo social desse desconhecimento. Embora alguns tericos, a exemplo de Ginzberg e Super, tenham alertado para o carter pragmtico das teorias vocacionais e para a necessidade da criao de modelos tericos capazes de articular determinaes psicolgicas e sociais, o tratamento dado ao social, quando ocorre, se situa numa perspectiva funcionalista onde prevalece a tica da adequao: Quando o problema social examinado mais teoricamente, os modelos utilizados so quase sempre importados e em geral correspondem aos do funcionalismo norte-americano. Ento se fala de uma realidade em mudana, de uma realidade social com mudanas vertiginosas, da falta de

uma boa adaptao da