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Presidncia da Repblica
Ministrio da Educao
Secretaria-Executiva
MINISTRIO DA EDUCAO
SECRETARIA DE EDUCAO BSICA
Programa Nacional Biblioteca
da Escola (PNBE): leitura e
biblioteca nas escolas pblicas brasileiras
Braslia
2008
Secretaria de Educao Bsica
Diretoria de Polticas de Formao, Materiais Didticos e
Tecnologias para Educao Bsica
Coordenao-Geral de Materiais Didticos
COORDENAO TCNICA
Jeanete Beauchamp
Jane Cristina da Silva
EQUIPE TCNICA
Andra Kluge Pereira
Ceclia Correia Lima
Elizngela Carvalho dos Santos
Ingrid Llian Fuhr Raad
Jos Ricardo Albens Lima
Lucineide Bezerra Dantas
Lunalva da Conceio Gomes
Maria Marismene Gonzaga
EQUIPE DE APOIO
Andra Cristina de Souza Brando
Leandro Pereira de Oliveira
Paulo Roberto Gonzaga
Ministrio da Educao
Secretaria de Educao Bsica
Esplanada dos Ministrios Bloco L 6 andar sala 612
Braslia-DF 70047-900
TIRAGEM
146 mil exemplares
Impresso no Brasil
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)
Brasil. Ministrio da Educao.
Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE): leitura e bibliotecas nas escolas pblicas
brasileiras / Secretaria de Educao Bsica, Coordenao-Geral de Materiais Didticos; elaborao
Andra Berenblum e Jane Paiva. Braslia: Ministrio da Educao, 2008.
130 p. ; il. color. ; 24 cm.
Inclui anexos e bibliografia.
ISBN 978-85-7783-013-8
1. Escola Pblica Brasil. 2. Leitura. 3. Biblioteca. 4. Poltica pblica. 5. Educao. I.
Berenblum, Andra. II. Paiva, Jane. III. Ttulo.
CDD 370
ELABORAO
Andra Berenblum
Jane Paiva
EDITORAO
Aline Cristina de Lima Dantas
FOTOGRAFIA
Aline Cristina de Lima Dantas
Edna Castro de Oliveira
Jssica Ferreira
Luiza de Miranda Lemos
Maria Jaqueline de Grammont M. de Arajo
Marinaide Queiroz
Odila Dessaune de Almeida
Tnia Moura
Wanir Azarany de Almeida
SumrioAPRESENTAO
POR QUE AVALIAO DIAGNSTICA DOS
PROGRAMAS DO PNBE?
DIMENSES DO PROGRAMA NACIONAL
BIBLIOTECA DA ESCOLA
A LEITURA NO BRASIL: COMO CONHECER A
DIVERSIDADE DE PRTICAS PEDAGGICAS?
A PESQUISA AVALIATIVA: METODOLOGIA PARA
O DIAGNSTICO DO PNBE.
CONHECIMENTOS PRODUZIDOS NO CAMPO DA
PESQUISA: DA VIDA DA ESCOLA A POLTICAS PBLICAS
Brasil: Escolas, Matrculas e Bibliotecas
Regio Norte: Par
Regio Nordeste: Cear, Bahia e Sergipe
Regio Sudeste: Minas Gerais e Esprito Santo
Regio Sul: Rio Grande do Sul
Regio Centro-Oeste: Gois
COLHEITA A RIQUEZA DO CAMPO
Leitura e Condies Sociais e Culturais
Concepes de Leitura e Escrita e de Leitores
Espaos de Leitura nas Escolas
As Crianas e Adolescentes que nos
Escapam: eles no gostam de ler?
Atividades / Prticas de Leitura e Currculo
Leitura Como Fundamento do Projeto Poltico-Pedaggico da Escola
Professores No So Leitores?
Formao Docente Para Trabalhar com os Acervos
Formao de Gestores para o Trabalho com a Leitura
Problematizao: livros literrios ou livros didticos?
Prticas e Atos de Leitura
Publicidade de Incentivo Leitura
Polticas de Leitura e Descontinuidades Participao
Local nas Escolhas dos Acervos; Autores Regionais; Relao Mais
Prxima do MEC com as Escolas; Investigao da Realidade
Antes da Implantao de Programas
SEMEADURA AS SEMENTES VOLTAM AO CAMPO
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
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11
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35
37
37
41
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110
121
130
Apresentao
Uma ao pblica de incentivo leitura, como parte da poltica educacional, tem
por princpio proporcionar melhores condies de insero dos alunos das escolas pblicas
na cultura letrada, no momento de sua escolarizao. Constitui, ainda, no contexto da
sociedade brasileira, uma forma de reverter uma tendncia histrica de restrio do acesso
aos livros e leitura, como bem cultural privilegiado, a limitadas parcelas da populao. A
instituio, pelo Ministrio da Educao, de uma poltica de formao de leitores, ,
portanto, condio bsica para que o poder pblico possa atuar sobre a democratizao das
fontes de informao, sobre o fomento leitura e formao de alunos e professores
leitores.
As primeiras aes voltadas para a biblioteca escolar e para o incentivo leitura e
formao de leitores, como o Programa Salas de Leitura, tiveram incio nos anos oitenta.
Em 1997, foi institudo o Programa Nacional Biblioteca da Escola PNBE, por meio do
qual vm sendo distribudos, em formatos de atendimento variados, acervos s bibliotecas
e a alunos e professores das escolas pblicas do ensino fundamental. O modelo de
interveno adotado vem historicamente privilegiando um nico aspecto que compe uma
poltica de formao de leitores: a compra e a distribuio de livros s escolas e aos alunos.
Considerando os baixos resultados apresentados pelos alunos das escolas pblicas
do ensino fundamental em avaliaes como o PISA e os dados crticos levantados pelo
Sistema Nacional da Educao Bsica SAEB sobre os indicadores de desempenho em
leitura das crianas ao final dos primeiros e dos ltimos anos do ensino fundamental,
constata-se que a distribuio de acervos s escolas, alunos e professores pelo PNBE vem
cumprindo de forma tmida sua funo de promover a insero dos alunos na cultura
letrada. Embora fundamental para a implantao de uma poltica de formao de leitores, o
Programa deve ser entendido como uma das aes dessa poltica que est estruturada em
dois eixos principais: (1) Qualificao dos recursos humanos e (2) Ampliao do acesso a
materiais de leitura diversificados. Esses eixos encontram-se detalhados no documento
Por uma Poltica de Formao de Leitores disponvel na pgina www.mec.gov.br.
Dessa forma, e entendendo que uma poltica de formao de leitores deve ser
encaminhada para alm de aes de aquisio e distribuio de acervos, o MEC realizou ,
por intermdio da Secretaria de Educao Bsica (SEB), uma pesquisa avaliativa do
PNBE, intitulada Avaliao diagnstica do Programa Nacional Biblioteca da Escola, com
o objetivo de obter subsdios sobre o uso que vem sendo feito dos livros encaminhados s
escolas e sobre o impacto desse Programa na formao de leitores. Essa pesquisa foi
desenvolvida pela Associao Latino-americana de Pesquisa e Ao Cultural ALPAC e
forneceu dados importantes sobre questes centrais relacionadas s bibliotecas escolares e
s prticas de leitura e de escrita realizadas nas salas de aula e pelas escolas.
O objetivo do Ministrio da Educao ao divulgar o resultado dessa pesquisa
contribuir para a reflexo de gestores e professores no que diz respeito s prticas de leitura
que se desenvolvem na escola, formao do professor e situao do espao fsico
necessrio para a implantao da biblioteca escolar, de forma a integr-la dinmica
escolar como ambiente central aos processos de aprendizagem e de disseminao de
informao. Para tanto, necessrio, no s repensar as prticas de leitura desenvolvidas
na sala de aula como, tambm, o papel da biblioteca no projeto poltico-pedaggico das
escolas, transformando-a em um espao de convivncia, de debate, de reflexo e de
fomento leitura.
Secretaria de Educao Bsica
POR QUE AVALIAO DIAGNSTICA
DOS PROGRAMAS DO PNBE?
Este documento apresenta os resultados da pesquisa Avaliao diagnstica do
Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) realizada pela Secretaria de Educao
Bsica do Ministrio da Educao em parceria com uma equipe de pesquisadores ligados
Associao Latino-americana de Pesquisa e Ao Cultural (ALPAC), do Laboratrio de
Polticas Pblicas (LPP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
A pesquisa teve a finalidade de investigar a realidade das prticas pedaggicas em
torno das obras distribudas pelo Programa Nacional Biblioteca da Escola, realizando um
diagnstico sobre: o que professoras e professores, diretores, coordenadores pedaggicos,
responsveis por biblioteca, estudantes e pais pensam sobre os livros de literatura que
chegam s escolas; que uso vem sendo feito desses livros; quais so as prticas de leitura e
de escrita realizadas nas salas de aula e pelas escolas; e que papel a biblioteca tem
representado nas escolas pblicas. Para que esse diagnstico fosse o mais prximo
possvel da realidade, foram preservadas as falas dos depoentes, mantendo as formas orais
como se expressaram, sem alterar os modos de dizer, mesmo quando eles, do ponto de vista
da lngua padro, pudessem apresentar algum "erro" de concordncia ou de qualquer
natureza. O que estava em jogo era saber como cada um pensava essas questes, ou seja,
interessava o contedo das falas, e por isso essas falas foram intencionalmente preservadas
sem qualquer retificao.
A divulgao dessa pesquisa pelo MEC se constitui como mais um material de
formao, discusso e debate em torno da leitura e da escrita, ao apresentar os caminhos
possveis de uma pesquisa avaliativa, as escolhas feitas, os modos como se vai produzindo
a metodologia para abordar a realidade que se deseja conhecer, as questes enfrentadas no
trabalho de campo, a sistematizao de informaes coletadas e as possveis leituras dessas
informaes como dados significativos, que revelam aspectos at ento encobertos pela
fragmentao de informaes do campo sobre o objeto de estudo.
O documento pretende, principalmente, dialogar com professores e gestores sobre
situaes vividas por eles cotidianamente, que merecem ateno na prtica pedaggica,
porque afetam muitos estudantes e comprometem, se no forem assumidos como questes
centrais da escola brasileira, a qualidade da educao como poltica pblica.
Esse dilogo, pela leitura e atribuio de sentidos ao que foi escrito, visa a exercitar
prticas de leitura compreensiva, que consideram todo leitor como um co-autor do texto,
ao atribuir sentidos ao que l. Desse modo, o ato de leitura deste relato da pesquisa pode
constituir um evento formador autnomo, ou ser compartilhado coletivamente para
dialogar com concepes, prticas e experincias que esses profissionais desenvolvem no
cotidiano da escola, reforando-as ou transformando-as.
A Avaliao Diagnstica do PNBE: desenvolvimento da pesquisa em 2005
Com vistas a subsidiar a elaborao de uma poltica de formao de leitores que v
alm das aes de aquisio e distribuio de livros e acervos s escolas pblicas de
educao bsica, a Secretaria de Educao Bsica (SEB) realizou, em 2005, uma srie de
seminrios regionais, onde foram discutidas com representantes dos sistemas pblicos de
ensino as idias e conceitos que norteariam essa poltica. Paralelamente, foi realizada a
pesquisa em questo sobre o impacto da distribuio dos acervos do PNBE nas prticas de
incentivo leitura desenvolvidas nas escolas brasileiras.
A partir dessa pesquisa, pde-se traar uma espcie de retrato do que vem
acontecendo nas escolas brasileiras desde 1998, quando o MEC passou a distribuir,
sistematicamente, acervos literrios coletivos e individuais s escolas pblicas de ensino
fundamental de todo o pas.
Para que a pesquisa pudesse ter validade nos dados levantados, um nmero
significativo de escolas 196 foi selecionado, por amostra estatstica, em oito estados
e 19 municpios, representando o universo de escolas de ensino fundamental de crianas,
jovens e adultos existentes nas redes pblicas. Essas escolas acolheram os pesquisadores e
ofereceram um vasto panorama sobre as prticas de leitura e escrita realizadas a partir dos
livros recebidos ao longo desses anos.
09
1
No perodo de 2001 a 2003, o MEC distribuiu acervos de literatura para uso individual de alunos da 4 e da 8 sries do ensino
fundamental e de estudantes das ltimas sries, etapas, fases e ciclos da educao de jovens e adultos, acervo este denominado Palavra
da Gente.
A idia central da pesquisa era avaliar se a poltica de distribuio de livros afetava
as prticas pedaggicas dos professores e como isso acontecia para, s ento, orientar a
continuidade ou reviso do Programa.
Com essa questo para investigar, organizou-se a pesquisa de modo a verificar os
usos feitos com os acervos; se os livros que se destinavam aos estudantes foram ou no
distribudos; que prticas de leitura/escrita professores e estudantes exerciam na escola;
que orientao cada escola dava a seus professores quanto ao uso dos livros; que prticas
de leitura e escrita aconteciam na escola durante a permanncia dos pesquisadores; se a
poltica centralizada de distribuio de livros pelo Governo Federal contribura para a
qualidade da educao, promovendo a incluso de crianas, adolescentes, jovens e adultos
leitores e escritores autnomos no mundo letrado; e as formas como esses livros eram
aproveitados na comunidade.
Devolvendo os Resultados a Professoras e Professores, Gestores e Estudantes
No tem sido prtica dos pesquisadores tanto de universidades quanto de
governos devolver resultados de pesquisas a todos os interessados, incluindo aqueles
que participaram como informantes e depoentes da coleta de informaes/dados. Por isso,
essa pesquisa inova ao organizar esta publicao destinada especialmente a gestores,
professoras e professores extensiva a estudantes e demais profissionais da escola ,
que desejem conhecer em que suas prticas com a leitura e a escrita se parecem ou no com
a de muitos outros professores do pas, suas dificuldades, xitos e realizaes.
A todos os que participaram da pesquisa, o nosso agradecimento pelo
envolvimento, pela acolhida, desejando que o retorno dos resultados, por meio dessa
publicao, satisfaa curiosidade de tantos que apostaram na importncia de saber como
um programa de distribuio de livros avaliado pelos que o usam/no usam, praticam/no
praticam a leitura e a escrita, transformam suas prticas pedaggicas dando lugar a textos
que, mexendo com a imaginao de crianas, jovens e adultos, podem fazer diferena na
qualidade da escola brasileira: a escola que queremos, para que todos os brasileiros e
brasileiras, alm de ter sucesso no aprender, passem nela um tempo de vida muito feliz.
10
DIMENSES DO PROGRAMA
NACIONAL BIBLIOTECA DA ESCOLA
Para que se possa compreender a complexidade do Programa pesquisado e,
principalmente, porque muitos professores que lero esse texto no participaram da gnese
do PNBE fato constatado pela prpria pesquisa , inicia-se este captulo pela
apresentao dos diferentes acervos que compuseram, ano a ano, o Programa Nacional
Biblioteca da Escola. Cada um dos acervos datado e surge em circunstncias diversas,
com determinadas caractersticas, ao longo do perodo em que foi distribudo.
Programa Nacional Biblioteca da Escola PNBE 1998 1 a 8 sries
Em 1998, o Programa distribuiu 20.000 acervos para 16.600.000 estudantes de
20.000 escolas de 1 a 8 sries com mais de 500 estudantes.
Programa Nacional Biblioteca da Escola PNBE 1999 1 a 4 sries
Em 1999, o Programa distribuiu 36.000 acervos, beneficiando 10.800.000
estudantes de 1 a 4 sries, de 36.000 escolas com mais de 150 estudantes.
Programa Nacional Biblioteca da Escola PNBE 2000 - Biblioteca do Professor
O Programa voltou-se para a distribuio, em 2000, de 30.718 acervos para
profissionais da educao em 30.718 escolas.
Programa Nacional Biblioteca da Escola PNBE 2001 - Literatura em minha Casa 4 e
5 sries
Em 2001, o Programa deixou de distribuir acervos coletivos para as bibliotecas
escolares e voltou-se distribuio de 12.184.788 colees para 8.561.639 estudantes de
4 e 5 sries de 139.119 escolas. As colees foram organizadas segundo critrios de
gnero literrio e com formato prprio, o que exigiu adaptaes grficas das editoras
quando se tratava de obras j comercializadas, incluindo a padronizao de tamanho e a
ausncia de cor no miolo, restringindo a cor capa. As escolas desses estudantes receberam
um conjunto de cada coleo selecionada.
Programa Nacional Biblioteca da Escola PNBE 2002 - Literatura em minha Casa 4
srie
Em 2002, novamente o Programa atendeu ao pblico de 4 srie, distribuindo
4.216.576 colees a 3.527.014 estudantes em 70.455 escolas.
Programa Nacional Biblioteca da Escola PNBE 2003 - Literatura em minha Casa 4 e
8 sries e Palavra da Gente EJA
O PNBE 2003, dentro da mesma sistemtica de acervos para uso individual,
atendeu: 3.449.253 estudantes de 4 srie, em 124.408 escolas, com 4.062.510 colees;
2.969.086 estudantes de 8 srie, em 35.685 escolas, com 3.745.810 colees; e 463.134
estudantes de sries, etapas e ciclos finais do ensino fundamental de educao de jovens e
adultos (EJA), em 10.964 escolas, com 544.916 colees.
Os dados apresentados a seguir ajudam a dimensionar o universo de escolas que
vem atendendo, no Pas, a cerca de 97% da populao em idade escolar, qual se destina o
Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE). Referem-se ao total de escolas pblicas
de ensino fundamental, s que tm biblioteca e ao total de matrculas nessas escolas, de
reas urbanas e rurais, conforme registrado no sistema de dados do INEP, o EDUDATA, de
2003.
13
2
No Brasil, existem 5560 municpios, o que significa que a distribuio desses acervos atingiu cerca de 65% dos municpios brasileiros.
Observando os dados, pode-se verificar de imediato o descompasso entre o total de
escolas, de bibliotecas e de estudantes potenciais usurios dessas bibliotecas no
universo contabilizado. Mas a constatao precisa ser compreendida em sua
complexidade, para alm da percepo da falta que o nmero de bibliotecas logo sugere.
Desde 1998, o Governo Federal vem distribuindo acervos, obras, colees de
livros de literatura e obras de referncia, tanto para estudantes quanto para professores. No
ano de 2004, inclusive, foram distribudos acervos para 3659 municpios, com o objetivo
de ampliar a ateno s comunidades. O volume de obras distribudas e o investimento
total realizado, muitas vezes, contrastam com a situao estrutural das escolas
demonstrada pela pesquisa e com o uso que vem sendo feito desses acervos.
Nascido com a finalidade de dotar os estabelecimentos pblicos de ensino com
acervos para as bibliotecas das escolas, em meio do percurso o Programa destinou os
investimentos para colees pessoais recebidas por poucos estudantes no universo de
matrculas, de definio prvia do Ministrio, e praticamente manteve-se como tal um
grande programa de distribuio de livros, sem apoio de projetos de formao continuada
de professores que tivesse o objetivo de repensar a formao de leitores pelas escolas
pblicas brasileiras.
Fonte: MEC/INEP: EDUDATA, 2003.
Critrio de seleo: Estabelecimentos com Ensino Fundamental Ano: 2003, Dependncia
Administrativa: Pblica
Abrangncia Geogrfica
Total
BRASIL
149.968
Rural 96.600
Urbana 53.368
Critrio de seleo: Estabelecimentos com Ensino Fundamental Ano: 2003, Dependncia
Administrativa: Pblica Abrangncia Geogrfica Escolas com Biblioteca BRASIL 34.307 Rural
5.752
Urbana
28.555
Fonte: MEC/INEP: EDUDATA, 2003.
Tabela 3: Matrculas de ensino fundamental em escolas pblicas Brasil
Critrio de seleo: Matrcula no Ensino Fundamental Ano: 2003, Dependncia Administrativa:
Pblica
Abrangncia Geogrfica
Matrcula total
BRASIL
31.162.624
Rural
6.136.317
Urbana
25.026.307
Fonte: MEC/INEP: EDUDATA, 2003.
Tabela 1: Estabelecimentos pblicos de ensino fundamental Brasil
Tabela 2: Escolas pblicas com biblioteca Brasil
14
A LEITURA NO BRASIL:
COMO CONHECER A DIVERSIDADE
DE PRTICAS PEDAGGICAS?
Do brasileiro, diz-se que no gosta de ler. Poucas pesquisas tm sido realizadas
contestando essa afirmao do senso comum, mas entre elas destaca-se o Retrato da
Leitura no Brasil, de 2000, realizada por iniciativa de entidades do livro e de fabricantes de
papel, nica que tentou definir o consumo de livros no pas, medindo sua penetrao e as
dificuldades de acesso.
Essa pesquisa foi feita por amostragem, na populao com mais de 14 anos de
idade, com pelo menos trs anos de escolaridade, o que equivalia a 86 milhes de pessoas.
Nesse nmero imenso, estava includo o grupo de analfabetos funcionais, que alcana 65%
da populao.
A pesquisa descobriu, por exemplo, que 49% dos leitores e 53% dos compradores
de livros esto concentrados na Regio Sudeste, e que 62% dos entrevistados disse gostar
de livros. Tambm percebeu que o nvel de escolaridade tem forte vnculo com prticas de
leitura ler e comprar livros, entre outras. Mas duas concluses foram importantes para
desfazer alguns mitos sobre a leitura, como o de que o brasileiro no gosta de ler. A
primeira, a de que os brasileiros com mais instruo lem bastante cerca de 35% leitor
freqente; a segunda, que o baixo ndice de escolaridade com qualidade e as condies de
acesso ao livro so a raiz do problema.
De certa forma, e com mais profundidade, comentando os resultados da pesquisa,
Maus (2002, p. 68) concorda com essas concluses, ampliando a compreenso sobre o
problema:
Entre as vrias revelaes da pesquisa algumas novas e surpreendentes, outras
nem tanto , uma deve ser vista com especial preocupao: a excluso da leitura a
que est forada grande parte da populao brasileira. Pode-se dizer que o quadro
de excluso social que caracteriza o pas reproduzido de modo tristemente fiel nesse
campo.
E ainda, referindo-se ao modo como muitos brasileiros se tornam leitores, afirma:
Muitas vezes esse um leitor quase herico, que consegue, de alguma forma em
igrejas, por emprstimos de amigos, por meio da escola ou das poucas e precrias
bibliotecas existentes , superar os obstculos que lhe so impostos e chegar at o
livro, contra quase todas as probabilidades. (MAUS, 2002, p. 70).
Lindoso (2005), antroplogo-editor que esteve frente da pesquisa Retrato da
Leitura no Brasil, refletindo sobre os problemas atuais na rea, em srie de quatro matrias
publicadas aos sbados no caderno Prosa e Verso do jornal O Globo, do Rio de Janeiro,
questiona, no dia 11 de fevereiro de 2006:
Ou ser que essa verso de que brasileiro no gosta de ler revela mais sobre uma
elite poltica, econmica e administrativa que no percebe a importncia do
acesso leitura para todos como um componente essencial na construo de uma
sociedade democrtica? Ser que os exemplos [...] no mostram como as pessoas
buscam, nos interstcios do seu tempo e com parcos recursos, condies para saciar
necessidades multifacetadas de acesso a esses instrumentos de informao, cultura,
lazer e de satisfao de inquietaes psicolgicas, religiosas e morais que so os
livros?
Anterior pesquisa das entidades do setor editorial, tambm a Associao de
Leitura do Brasil (ALB) props um Censo de Leitura, valendo-se da reunio de mais de
17
2000 profissionais no evento bienal Congresso de Leitura do Brasil (COLE), em 1999,
com o objetivo de identificar que tipo de texto se l, de que maneira e com qual finalidade,
mapeando uma amostra estatisticamente representativa de pessoas. A ALB ressaltava o
possvel descompasso entre "os discursos catastrofistas sobre condies de leitura no pas
e os dados numricos" sobre tiragens de livros, jornais e revistas, crescentes nos anos 1990.
Segundo a entidade, isso ocorria porque se trabalhava com uma concepo mtica de leitor
e de leitura, que:
[...] no considera leitura o ato de inteleco de best-sellers, de livros religiosos, de
jornais populares, revistas femininas, novelas sentimentais, livros de auto-ajuda.
Nega-se a existncia de leitores, pois espera-se que todos leiam clssicos da
literatura, revistas e jornais cultos, livros tcnicos eruditos. Construiu-se
historicamente uma idia mtica de livro e de leitura, evidentemente inatingvel como
qualquer mito. (ABREU, 1999. Disponvel em www.alb.com.br. Acesso em 14 fev.
2006).
O conceito de letramento comea a ser utilizado nos meios acadmicos na tentativa
de superar a concepo de alfabetizao centrada nos aspectos tecnolgicos (codificao e
decodificao) da aquisio da lngua escrita. Vrios autores (KLEIMAN, 1995;
SOARES, 2002; ROJO, 1998; TFOUNI, 2002; GOULART, 2001; entre outros), partindo
de diversos paradigmas tericos, tm-se dedicado a definir o conceito de letramento, que
envolve prticas sociais efetivas de leitura e escrita.
Um argumento a favor do uso do termo refere-se ao fato de que os diversos grupos
sociais utilizam a leitura e a escrita de forma diferenciada em relao s suas prticas
sociais e culturais. Ainda que uma pessoa no domine o cdigo escrito e por esse motivo
no possa ser definida como alfabetizada, pode ser, no entanto, considerada letrada, j que
possui determinadas estratgias orais letradas e competncias necessrias para participar
de diversos eventos de letramento (KLEIMAN, 1995), conhecendo os usos sociais da
escrita em diferentes contextos.
A Cultura Avaliativa desde a Dcada de 1990: influncias externas
A dcada de 1990 pode ser definida, no plano da poltica educacional, como poca
de instaurao de uma cultura avaliativa. Essa cultura no est em julgamento quanto
concepo que encerra, apenas constatando-se a influncia externa exercida sobre a
educao brasileira para adotar parmetros e indicadores de avaliao, segundo a
concepo do mximo rendimento para o menor investimento.
Nesse tempo, autoridades educacionais locais criaram sistemas de avaliao
quantitativa de habilidades e competncias individuais para as diversas reas de
conhecimento, referenciados por parmetros internacionais de avaliao de desempenho
de estudantes, o que permitia realizar comparaes entre os diversos pases participantes.
As orientaes, ditadas por agncias de financiamento internacional, construram
metodologias e referenciais tpicos e concordantes com o projeto poltico neoliberal, o que
inclua a desqualificao da escola pblica e o no-reconhecimento da multiculturalidade
inerente s populaes e constituinte de seus universos culturais e simblicos. Em seu
lugar, passou-se a oferecer um modelo nico, pensado para supostos sujeitos homogneos,
segundo paradigmas educacionais de prestgio para a elite, como forma de resolver os
problemas da desigualdade educacional.
O modelo incluiu a concepo de esbanjamento de recursos e inoperncia do
Estado para prestar servios educacionais, e oferecia uma alternativa educao pblica: a
privatizao. Essa alternativa tinha como fundamento um conjunto de instrumentos de
avaliao, todos a partir da mesma lgica, no admitindo a heterogeneidade, as diferenas,
nem mesmo o debate acadmico, e inevitavelmente esses instrumentos confirmavam os
pressupostos que os geraram.
18
Com a intensificao dos acordos da Organizao Mundial do Comrcio (OMC),
acelerando os processos de mercantilizao de servios educacionais, em que o lucro, para
ser garantido, exigia prever ofertas mnimas de servio a consumidores, a substituio de
um modo de pensar a educao como direito , para outro como consumidor ,
esvaziava politicamente o sentido e as finalidades da educao: formao do cidado
crtico, a quem se devia, para form-lo, um mximo de oferta, em contrapartida a um
mnimo padronizado.
O Programa Internacional de Avaliao de Alunos (PISA) em 2000: Foco na Leitura
Um exemplo de proposta de avaliao foi estabelecido pelo Programa
Internacional de Avaliao de Alunos (PISA), da Organizao para Cooperao e
Desenvolvimento Econmico (OCDE) a partir de 2000, cujo objetivo medir o
desempenho dos estudantes nas reas de leitura, matemtica e cincias. Naquele ano, o
Programa centrou-se na avaliao de aptides para a leitura, e do Brasil participaram 4.893
jovens com idades entre 15 e 16 anos. Os resultados da avaliao mostraram que os pases
da Amrica Latina ocuparam os ltimos lugares na avaliao e, entre estes, o ltimo
colocado foi o Brasil.
Segundo o relatrio do Programa, o PISA avaliou conhecimentos, habilidades e
competncias adquiridos pelos estudantes que os capacitam para uma participao efetiva
na sociedade e o letramento em leitura, ou seja, o uso e a reflexo sobre textos escritos para
alcanar objetivos pessoais, desenvolver o conhecimento e o potencial individuais e
participar plenamente na vida em sociedade.
O letramento em leitura foi avaliado em trs dimenses: a) a forma do material de
leitura; b) o tipo de tarefa de leitura, o que corresponde s vrias habilidades cognitivas
prprias de um leitor efetivo; c) o uso para o qual o texto foi construdo. Alguns estudantes
apresentaram melhor desempenho em uma situao de leitura do que em outra, o que
justificou a incluso de diversos tipos de leitura nos itens de avaliao.
Segundo o documento, os conhecimentos e habilidades em leitura demandados
pelas provas do PISA requerem que os participantes estabeleam relaes diferenciadas
com o texto escrito, abrangendo processos de identificao de informaes especficas, de
compreenso, de interpretao e de reflexo.
Os resultados mostraram que o desempenho dos estudantes brasileiros nas provas
de leitura estava relacionado ao nmero de sries concludas, o que confirmava a primeira
pesquisa referida nesse texto. Entre os estudantes com nove ou mais anos de escolarizao,
a mdia nacional chegava a 431, numa escala de zero a 625. Quando os estudantes tinham
oito anos de estudo, a pontuao caa para 368, e com sete anos de estudo, era ainda menor,
de 322. Essa diferena de pontuao fez com que a mdia geral ficasse em 396, colocando
o Pas em ltimo lugar na lista da avaliao, que inclua 28 naes desenvolvidas e quatro
emergentes: Brasil, Letnia, Mxico e Rssia.
Como interpretar esses resultados? O que eles poderiam indicar? Quais seriam
algumas possveis causas do baixo rendimento dos estudantes brasileiros na rea de
leitura? Que crticas vm sendo realizadas pela academia quanto ao modelo formulado?
Coincidindo com a anlise crtica do Programa PISA realizada por Emilia Ferreiro
(2005), no parecem existir padres de avaliao universais eficientes para dar conta do
desempenho dos estudantes em nenhuma rea de conhecimento. Isto porque, como se
sabe, existem enormes diferenas entre os pases em relao s condies de acesso a
conhecimentos e habilidades, considerados necessrios para a plena participao social.
Como mostram dados apresentados no relatrio do Programa PISA, o Brasil um
dos pases com maior desigualdade na distribuio da renda e de bens culturais, e um
pas culturalmente diverso. , portanto, possvel medir competncias, habilidades e
rendimentos individuais com um nico padro de medida em um pas to desigual e to
diverso como o nosso?
Sem aprofundar no contedo especfico das provas de rendimento aplicadas, o
PISA na rea de leitura se prope a avaliar o letramento em leitura, entendido como a
19
compreenso, o uso e a reflexo sobre textos escritos para alcanar objetivos pessoais,
desenvolver o conhecimento e potencial individuais e participar plenamente na vida em
sociedade. Esta definio, primeira vista, pareceria indicar que as provas avaliam a
capacidade dos estudantes para alcanar uma determinada compreenso de sentido que se
encontra no prprio texto; e que todos os estudantes tm os mesmos objetivos pessoais e as
mesmas possibilidades e condies de participao na sociedade.
Outras Questes: onde esto as bibliotecas?
Segundo WERTHEIN (Correio Braziliense, 10 abr. 2005), ex-representante da
UNESCO no Brasil, calcula-se que, no Pas, 73% dos livros est concentrado nas mos de
16% da populao, e ainda, segundo dados do IBGE, 89% dos municpios no tm
bibliotecas pblicas e 65% no possui livrarias, nem lojas de msica. As bibliotecas
equipadas esto localizadas nas zonas urbanas ou nas reas centrais das cidades.
Dados levantados pelo Censo Escolar 2004 (INEP) mostram que, das 53 mil
bibliotecas escolares existentes em todo o pas, 46 mil (86%) encontram-se em reas
urbanas, sendo que a rede privada concentra o maior nmero de bibliotecas. A Regio
Sudeste possui o maior nmero de bibliotecas escolares (39% do total). Essas estatsticas
alarmantes mostram as enormes desigualdades regionais e a desigualdade na distribuio
de bens culturais.
Os Achados da Pesquisa: como desatar os ns da leitura na escola?
Do mesmo modo que esses dados, a pesquisa realizada e objeto deste livro
tambm retrata a multiplicidade de dificuldades que enfrentam diretores e professores nas
escolas brasileiras para organizar e manter bibliotecas, garantir funcionamento adequado
s necessidades dos professores e s demandas dos estudantes e possibilitar o acesso destes
aos acervos, alm de dificuldades no que se refere qualidade das obras e ao estado em que
se encontram os livros.
Nos ltimos anos, a concepo de leitura vem sendo repensada a partir de uma srie
de debates e trabalhos tericos que a concebem como uma questo pedaggica, ao mesmo
tempo em que lingstica e social (ORLANDI, 1985). Autores nacionais como Geraldi,
Lajolo, Zilberman, Soares, Goulart, Zaccur, entre outros, partindo de concepes tericas
diferentes, desenvolveram trabalhos que permitem pensar a leitura como atividade
humana que implica algo mais que a decodificao e a compreenso de um sentido que est
dado no prprio texto.
A leitura implica, tambm e principalmente, a produo e construo de sentidos e,
nesse processo, o sujeito se forma como leitor em interao com o texto, com outros textos,
a partir da sua prpria histria de leitor e de suas experincias de vida. Considera-se, ento,
que o acesso aos bens culturais fundamental para o processo de se tornar leitor, ao mesmo
tempo em que essencial, para isso, realizar um tipo de trabalho com a leitura que
possibilite refletir sobre essas relaes, sobre os sentidos apreendidos no texto e sobre os
sentidos construdos e reconstrudos pelo leitor.
No entanto, no a distribuio de acervos que muda as prticas dos professores
quanto ao uso dos livros de literatura nas atividades pedaggicas, nem muda nos sujeitos a
compreenso do que lem, melhorando sua apropriao de sentidos.
Mesmo quando utilizados, esses livros continuam marcados pela ordem da
gramtica e do contedo, pela busca de resposta certa e nica interpretao para a leitura.
Por essa razo, a democratizao do acesso leitura esperada pela distribuio de
livros do PNBE, com alcance amplo no que diz respeito a usurios de diversos segmentos
estudantes, professores e pessoas das comunidades e em variados desenhos
escolas e comunidade, acervos coletivos e individuais, obras e colees , parece no ter
acontecido como previsto.
20
O fato de existirem recentemente acervos literrios e obras de referncia na cultura
escolar no muda por si s as prticas privadas e, de certa forma, autoritrias, ainda
encontradas entre gestores e professores, que devem realizar, com liberdade e esprito
pblico, um trabalho qualificado com os ttulos literrios, questionando pensamentos
circulantes na cultura vigente de que os alunos estragam os livros, como se estes no
merecessem o que lhes destinado.
Outro aspecto a considerar exige pr na roda de discusso a ideologia do livro
didtico implantada no pas h mais de duas dcadas, o que tem feito com que este tipo de
livro ocupe um lugar central nos processos de aprendizagem, na quase totalidade das salas
de aula das escolas brasileiras. Mesmo admitindo-se os avanos de qualidade que vm
sendo, h alguns anos, impulsionados pelo Ministrio da Educao na indstria editorial
construda em torno desse tipo de texto, esta sustenta a ideologia de livro central com
muita fora, sendo bastante difcil realizar sua substituio por outros tipos de obras.
Portanto, a publicao de livros didticos no apenas se imps s polticas
pblicas, mas imps um modo de ser pedaggico, um modo de ser professor e um modo de
ser estudante nas escolas brasileiras que, sem dvida, interessam ao mercado editorial
sobremaneira, mas tem deixado fraturas expostas na formao de crianas, adolescentes e
jovens como leitores e escritores e aprisionado na mesma teia seus professores.
Essa disparidade entre o tipo de trabalho realizado com a leitura nas escolas e as
capacidades e habilidades de leitura medidas nas avaliaes que implicariam um
trabalho bem diferente com a lngua escrita confirma o entendimento de Emlia Ferreiro
(2005, p. 39) em relao aos programas de avaliao de rendimento: temos [como
resultado] avaliaes individuais feitas com toda independncia da avaliao das
condies que permitiriam aceder a ditas competncias.
A pesquisa Avaliao diagnstica do Programa Nacional Biblioteca da Escola
pode, portanto, constituir importante contribuio a autoridades polticas, professores e
gestores, ao mapear o tipo de trabalho de leitura e escrita efetivamente realizado nas salas
de aula. Com esse conhecimento, talvez se possa interpretar de forma crtica e produtiva os
resultados dos programas de avaliao, questionando as reais condies de acesso s
habilidades consideradas indispensveis para que os sujeitos possam participar
plenamente da vida em sociedade.
Considerando a excluso e a desigualdade de bens e servios (principalmente no
que diz respeito educao, cultura e lazer) existente entre as diferentes classes sociais
brasileiras, os resultados das provas no surpreendem. Parece que a questo central das
avaliaes refere-se ao uso que se faz desses dados, como interpret-los e que tipo de
decises polticas podem suscitar. Se, em lugar de responsabilizar estudantes e suas
famlias pelo baixo rendimento nas provas aplicadas, esses dados fossem utilizados para
avaliar o verdadeiro trabalho realizado nas escolas, as reais condies de produo dos
conhecimentos e a coerncia entre a oferta educacional e as habilidades e aptides
solicitadas nas provas, esses dados poderiam ser significativos para contribuir na
elaborao de polticas de interveno educativa concretas.
No mais possvel desenhar polticas educativas sem enfrentar a problemtica de
extrema desigualdade social existente no Brasil, sem avaliar a real oferta dos sistemas e das
instituies pblicas e sem se pensar nos professores como verdadeiros protagonistas da
ao educacional. s perversas condies de trabalho no cotidiano escolar e aos magros
salrios dos professores, quase nunca levados em conta, somou-se a responsabilidade
pelos resultados obtidos pelos estudantes nas provas de rendimento individual,
penalizando ainda mais o quadro do magistrio no Brasil.
Na rea especfica de leitura, espera-se dos professores que sejam bons leitores,
que estejam informados, que incentivem e dinamizem a leitura compreensiva,
comparativa e crtica, e que realizem diversos tipos de atividades com a linguagem escrita.
A partir da pesquisa realizada, pde-se, principalmente, constatar: a dificuldade
dos professores para trabalharem com os acervos; a ausncia quase total de formao que
21
22
permita a esses profissionais refletir sobre sua prtica pedaggica e discutir diferentes
concepes de linguagem, de leitura e escrita; os limites de aproveitamento do material
disponvel e a angstia dos professores, pela falta de tempo para exercitar a prpria leitura.
A PESQUISA AVALIATIVA:
METODOLOGIA PARA O
DIAGNSTICO DO PNBE
3 Aleatrio, segundo o Dicionrio Houaiss, o que depende das circunstncias, do acaso; casual, fortuito, contingente. Uma
amostra aleatria, portanto, aquela que no depende de indicaes prvias, mas se faz ao acaso.
A partir da metodologia do projeto de pesquisa de avaliao diagnstica,
estabeleceu-se uma amostra de escolas pertencentes a oito Unidades da Federao,
abrangendo 19 municpios, distribudos geograficamente, atendendo os resultados do
Censo Demogrfico de 2000 efetuado pelo IBGE, e considerando a cobertura de 467.275
escolas contempladas com as remessas dos livros integrantes do Programa Nacional
Biblioteca da Escola (PNBE).
A opo de trabalhar por amostra um subconjunto do universo envolvido pela
temtica baseou-se no fato de esta constituir uma poro ou parcela convenientemente
selecionada do universo (populao). Para compor essa amostragem, a populao foi
dividida em subpopulaes, que por sua vez foram divididas em subsubpopulaes, e
assim por diante, em vrios estgios processo chamado de amostragem multiestgios
(AM). Uma amostra aleatria foi selecionada em cada estgio para compor a amostra total.
Por no requerer uma lista (cadastro) de todos os elementos constituintes da populao,
mas apenas listas de regies, estados, municpios, bairros, ruas etc., este esquema de
amostragem mostrou-se vantajoso.
Os critrios mais importantes em qualquer levantamento de dados so aqueles que
garantem a confiabilidade registrar a informao corretamente , validam a
informao e registram o tipo correto de informao. O resultado mnimo exigido do
levantamento que este indique o alcance e a distribuio da questo em foco.
Para garantir a confiabilidade do levantamento, ou seja, fazer o levantamento de
dados sem cometer erros de amostragem, exigiu-se ter uma amostra com a mesma
composio que a populao em sua totalidade. Do mesmo modo, a validade precisou ser
garantida, requerendo-se, para isso, que os pesquisadores e os entrevistados tivessem
idias precisas sobre o que se investigava. A ao voluntria de participar do levantamento
era desejvel, porm o controle dos entrevistados foi indispensvel, para no desequilibrar
a estrutura desejada na pesquisa.
Para a realizao do estudo, o modelo de amostragem multiestgios teve a seguinte
abordagem:
Primeiro estgio: grandes regies geogrficas selecionadas.
Segundo estgio: estados selecionados.
Terceiro estgio: municpios selecionados, com dois critrios qualitativos: sempre incluir a
capital do estado e dois municpios selecionados num raio de at 100 km da capital.
Quarto estgio: escolas selecionadas conforme critrios de porte (nmero de estudantes),
caractersticas, nmero de livros recebidos do PNBE, entre outros.
Foram consideradas todas as escolas que receberam livros do acervo Literatura em
minha Casa, por serem as mais indicadas para a avaliao, e foi identificada a populao de
7 a 14 anos nos resultados do Censo Populacional de 2000, realizado pelo IBGE.
Para que cada entrevistado tivesse a mesma probabilidade de ser escolhido
utilizou-se a regra de PPT, ou seja, para cada municpio fez-se a comparao entre o
tamanho da amostra desejada e o tamanho do cadastro existente, aplicando-se o fator de
correo, e chegando-se ao seguinte quadro amostral:
25
Tabela 1: Quadro Amostral Estgios 1, 2 e 3 e quantitativo de escolas por municpio
A seleo apontou a escolha de 102 escolas nas capitais e 94 nos demais municpios
num raio de at 100 km. A seleo dos municpios em cada estado baseou-se nos dois/trs
municpios com maior probabilidade. Verificou-se ainda a localizao do municpio
selecionado, um fator importante no desenvolvimento da pesquisa, haja vista a
impossibilidade de realizao do trabalho de campo em determinadas reas devido a
dificuldades de acesso e tempos de deslocamento, entre outros fatores.
Do conjunto de 196 escolas, 100 eram estaduais e 96 municipais, resultado da
escolha aleatria. A identidade dessas escolas foi preservada, mas alguns elementos so
oferecidos aos leitores para conhecimento da realidade das instituies e compreenso dos
usos que fazem ou no fazem dos diferentes acervos recebidos. Neste livro, por
razes ticas, nenhuma escola e nenhum sujeito estaro identificados.
Um Guia do Pesquisador orientou os trabalhos da pesquisa, desde o projeto
elaborado, passando por indicadores, modos de observao e toda a discusso sobre a
metodologia para desenvolv-lo: roteiros de entrevistas com os diversos sujeitos, roteiros
de grupos focais, listagens de escolas, orientaes quanto ao trabalho de campo e para a
elaborao do relatrio final, alm de ofcio de apresentao dos pesquisadores preparado
pelo MEC, em apoio negociao do trabalho de campo. O Guia no reduzia, no entanto,
REGIES ESTADOS MUNICPIOS ESCOLAS
25 Par
Belm -
Ananindeua
Castanhal 5
15 Bahia
Salvador
Camaari 9
17
Cear Fortaleza
Caucaia
15
6
Sergipe Aracaju
Lagarto
4
10
Gois
Goinia
Anpolis
10
5
Esprito
Santo
Vitria
Vila Velha
7
12
9 Minas
Gerais
Belo
Horizonte
Betim
Contagem
9
12
13
Rio
Grande
Do Sul
Porto
Alegre
Canoas
Viamo
13
8
19
196
26
Norte
Nordeste
Centro-Oeste
Sudeste
Sul
Total
os limites da pesquisa, sempre deixando que a realidade e, em sntese, a prtica social e
educativa, guiassem o trabalho de campo.
A metodologia adotada no projeto previu a coleta de dados no campo,
contemplando quatro procedimentos:
a observao de campo;
a realizao de entrevistas com diretores, coordenadores pedaggicos, agentes de biblioteca
(auxiliares, tcnicos, responsveis, bibliotecrios);
a realizao de grupo focal com estudantes e professores;
a realizao de entrevistas com pais e comunidade.
Todas as entrevistas e as diversas formas de abordagem metodolgica foram
levadas a cabo a partir de um roteiro previamente elaborado e de fichas de perfil dos
sujeitos participantes, no identificados. As observaes de campo se realizaram, tambm,
com base em um roteiro que apontava alguns aspectos a serem verificados nas escolas
selecionadas.
Grupo Focal: metodologia na avaliao diagnstica
Por ser uma tcnica de pesquisa de abordagem qualitativa com diversos sujeitos, o
grupo focal (GF) no deve ser confundido com entrevista coletiva. A escolha metodolgica
dessa tcnica grupal de coleta de concepes e de opinies deu-se pelo favorecimento de
rpidas posies a respeito de um tema, o que a recomenda para avaliao de polticas
pblicas. Alm disso, o grupo focal tem a vantagem de concentrar-se nos objetivos e no
tema da pesquisa de forma mais rpida, pelo fato de se valer de grupos estruturados, com
pessoas que se renem para discutir um objetivo ou tema comum, um ponto focal,
estabelecido a partir de um roteiro bsico.
Mas, para isso, h a necessidade de se garantir uma certa homogeneidade nos
grupos formados (grupo s de professores, s de estudantes de uma srie, o fato de todos
terem recebido acervos, de todos freqentarem a biblioteca e usarem os livros do acervo
recebido, entre outros). Embora os grupos representem recortes de grupos sociais
determinados, no so formados aleatoriamente, mas levando em conta o objeto focal e
passando, neste sentido, a constituir um grupo homogneo.
Por meio do grupo focal, todas as singularidades presentes e assumidas pelos
participantes tendem a aparecer, sem que se precise destacar seus enunciadores.
Interessam as idias sobre os temas, e no os sujeitos enunciadores. Um cuidado observado
quando se utiliza essa metodologia que os pesquisadores faam o mnimo de
intervenes, e no expressem opinies, pois estas nada acrescentam e at podem
dificultar o levantamento de idias do grupo. A participao dos pesquisadores perante o
grupo deve ser mnima, permanecendo atentos funo de manter o fio condutor do tema
proposto para evitar divagaes
Na interlocuo que se estabelece entre os pares participantes do grupo focal
chega-se opinio do grupo, no se registrando a identificao de cada um quanto ao que
disse.
Os pesquisadores devem ficar atentos a toda a movimentao dos participantes do
grupo, alm dos discursos, assim como dos no-ditos. Gestos, posturas, intervenes
significativas dos participantes so expresses importantes que no podem ser perdidos.
A liberdade da fala dos participantes convidados a expressarem suas posies
sobre um ponto focal fica garantida, por no se aceitarem pessoas que no se incluam nos
critrios de formao daquele grupo, o que invalidaria o uso da tcnica. Para isso, a
explicitao dos objetivos da pesquisa, seus usos, finalidades e quem so os pesquisadores
(no confundidos com os pesquisados) fundamental, assim como o estabelecimento de
27
regras de funcionamento de forma clara e objetiva, garantindo aos participantes o sigilo
das identidades, o compromisso tico e de privacidade, construindo um pacto de respeito
mtuo. Na tcnica do GF, no o entrevistador quem concede a palavra, mas cabe a ele
garantir que todos a tomem, sem dirigir, sem interromper, apenas trazendo o grupo para o
foco, quando se afasta dele. Tambm cabe ao entrevistador mobilizar os participantes para
que percam a censura, a inibio.
Um aspecto metodolgico importante a destacar que o GF no busca o consenso,
pois o que interessa ouvir o mximo de opinies do grupo e, para isso, quanto mais
espontneas forem as participaes, melhor. Os pesquisadores precisam, para isso,
conhecer bem o roteiro de questes para no perder o rumo, da mesma forma que podero
ampliar o roteiro com perguntas no previstas, no incio ou no meio do trabalho, a partir de
questes surgidas no contexto do grupo. A ordem dos assuntos tratados pode ser sem/com
alternncia, garantindo-se a proposta original planejada no roteiro.
Para assegurar resultados adequados com a tcnica do GF, recomendou-se, a partir
da experincia de vrios pesquisadores, que se fizesse um mnimo de quatro grupos focais
para cada segmento (quatro para professores e quatro para estudantes) e um mximo de
seis, por estado, distribudos por igual no municpio selecionado da Regio Metropolitana
e na capital. Esse quantitativo baseia-se na experincia de outras pesquisas que tm
demonstrado que, superado esse nmero de participantes, os grupos passam a enunciar as
mesmas idias, com redundncias de tal ordem que indicam a saturao das opinies.
Para o caso do grupo focal de estudantes, estabeleceu-se a prioridade de estudantes
de 5 a 8 sries que participam ou participaram do Programa (de alguma de suas ofertas,
fosse individual ou coletiva), embora tenha ocorrido o caso de estudantes j freqentando o
ensino mdio que integraram o grupo focal, pelo fato de terem recebido o acervo
Literatura em minha casa no primeiro ano de sua distribuio.
A metodologia do GF deve levar a categorias de anlise comuns a todas as equipes
e estados/municpios, ainda que seja possvel acrescer categorias novas que surjam dos
prprios grupos, o que exige estar atento para sua emergncia na realidade pesquisada.
O grupo focal mostrou-se acertado como metodologia de pesquisa. Trouxeram
surpresas, quando realizados com estudantes, quanto a prticas de leitura desconhecidas,
em muitos casos, talvez, pelos professores, diretores e bibliotecrios.
Questes Metodolgicas da Pesquisa de Campo: dos entrevistados e dos locais
visitados
No caso das entrevistas com os responsveis das crianas/adolescentes que
receberam o material do Literatura em minha casa, no se fixou um nmero previamente
definido, pelas dificuldades inerentes marcao de entrevistas com pais e mes
trabalhadores, recomendando-se que fossem realizadas sempre que possvel.
Para que se garantissem as condies da pesquisa, facilitando a ida dos
pesquisadores ao campo, foram feitos contatos diretos do MEC com as Secretarias de
Educao dos estados e encaminhado um ofcio com informaes sobre a pesquisa,
solicitando colaborao para seu desenvolvimento. Mesmo assim, na prtica, alguns
problemas ocorreram, desafiando a percia dos pesquisadores para super-los.
As distncias entre as escolas, em muitos casos, foram bastante grandes, exigindo
deslocamentos especficos e longas demoras, muitas vezes pelo fato de as localidades
serem de difcil acesso, sem transporte adequado para chegar a elas. Povoados, por
exemplo, em Lagarto (SE), distavam at 24 km da sede de um municpio pequeno e com
poucas opes de transporte para a periferia. nibus, trem, metr, txi, carro particular etc.
foram utilizados, alm das caminhadas que integraram o roteiro dos pesquisadores.
Em regies no Sudeste, como Belo Horizonte, por exemplo, as chuvas imprevistas
muitas vezes caam do nada, no dizer dos pesquisadores, que eram obrigados a escapar
das intempries sbitas.
28
Entre os municpios, a referncia de integrar a regio metropolitana no impediu a
incluso de um municpio distante 80 km de Belm Castanhal , embora nem sempre o
acesso favorecesse o percurso de distncias menores, em outros municpios, obrigando a
gastar tempos longos e demorados.
Notcias alegres e outras nem tanto foram chegando durante os 11 longos dias em
que a equipe de coordenao acompanhou, distncia, atenta e vivamente o trabalho dos
22 pesquisadores nos oito estados (e em alguns casos esse tempo se ampliou, como no
Cear, na Bahia, no Esprito Santo, em Minas Gerais e em Gois, com equipes locais). Os
pesquisadores diziam das dificuldades em chegar a alguma comunidade para entrevistas
com pais; das suspeitas de que os livros haviam chegado, mas no se encontravam nas
mos dos destinatrios originais; das idias preconceituosas em relao populao pobre,
quanto a no saber cuidar de livros; das evidncias de escolas sem conhecimento dos
acervos do PNBE, com diretores afastados por irregularidades; das dificuldades de
conseguir marcar os grupos focais, porque para isso se retiravam professores das salas de
aula; de bibliotecas fechadas. Mas tambm diziam das atividades observadas, gravadas e
fotografadas realizadas com estudantes, explorando contos, poesia; de bibliotecas bem
organizadas e acessveis aos usurios; de participao da comunidade na vida da biblioteca
escolar; da emoo dos pesquisadores com a garra de diretores e professores que, apesar
das pssimas e impraticveis condies de trabalho, realizavam com vontade e
competncia um trabalho cidado, digno e de qualidade junto s crianas, por intermdio
da leitura.
Na maioria das unidades, diretores e outros profissionais de cada turno auxiliaram
bastante para que entrevistas e grupos focais acontecessem, dentro do possvel, em lugar
apropriado, identificando e convidando tambm pais de estudantes e pessoas da
comunidade para entrevistas.
O tempo da pesquisa tambm foi considerado extremamente curto, dado o nmero
de escolas a serem pesquisadas e a complexidade das questes metodolgicas, que
exigiam, muitas vezes, disponibilidade dos pesquisadores para retorno, o que demonstrou
e reforou a necessidade de mais tempo em cada municpio para a realizao do trabalho de
campo.
Como apresentado na tabela 2, a pesquisa, do ponto de vista quantitativo, abordou
359 sujeitos estudantes, 303 professores, 200 diretores, 5 bibliotecrios, 152 responsveis
por bibliotecas e 31 pais, alm de 37 outros profissionais ligados escola, totalizando 1087
pessoas de 196 escolas, em 19 municpios de oito estados.
As abordagens a cada um desses sujeitos foram bastante diferenciadas, embora a
questo mais intensa vivenciada, do ponto de vista metodolgico, tenha sido em relao
aos grupos focais de professores, cuja ausncia das salas de aula criava situaes nem
sempre facilmente contornadas pelas escolas.
Pelo depoimento dos diretores, principalmente, pde-se saber que os livros foram
distribudos, embora muitos tivessem dificuldade de precisar quais colees receberam, as
quantidades recebidas e as formas de distribuio. visvel, no trabalho de alguns
gestores, a falta de controle quanto aos materiais recebidos. Registre-se que, em muitos
casos, a alternncia de poderes, tanto em nvel estadual e municipal, quanto nas escolas,
diretamente, afeta a continuidade das aes pedaggicas, no somente interrompendo
projetos e fluxos de trabalho, como sonegando informaes aos sucessores, o que imprime
descontinuidade.
A afirmao de que no sabe o que a escola recebeu porque era outro o diretor
remete para a confirmao do que se vem sinalizando a cada dia: no h um projeto
pedaggico na escola, e os vnculos de trabalho frgeis do professor, que entra e sai
rapidamente, d suas aulas e vai embora sem participar da continuidade e do cotidiano da
escola fazem com que se ignorem aes, acervos recebidos, projetos. Os professores
desconhecem o movimento da escola como um todo, que fica restrito, no mximo, aos
acontecimentos de sua classe.
29
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Outra dificuldade metodolgica esteve afeta ao aspecto operacional,
especificamente para agendamento de grupo focal com professores, em funo das formas
de organizao do trabalho escolar em cada turno e de cronogramas de formao
continuada e eventos na escola e nas sedes administrativas s quais tinham que atender.
Muitos professores no tinham tempo disponvel para permanecer na escola aps o
perodo de aulas, pois deveriam se deslocar imediatamente para outra escola, e s vezes at
mesmo para outra rede de ensino em que tm uma segunda matrcula como professores.
Jornadas duplas ou triplas de trabalho, no permitiram, em muitos casos, encontrar horrio
adequado para reunir professores das vrias reas. Alm disso, alguns professores fizeram
objeo idia de participar dos GF, por questionarem a validade da pesquisa e os
benefcios que dela poderiam advir.
Estes foram desafios que, mais uma vez, exigiram negociaes, muitas vezes
apresentando alternativas sinalizadas pelos diretores/professores: liberao dos estudantes
mais cedo; mobilizao de funcionrios para assumirem as turmas dos professores que
participariam do grupo focal; perda, para o professor, do seu tempo de descanso (recreio
dos estudantes); e alterao do horrio do incio das aulas.
Outra questo a considerar em muitas redes como, por exemplo, em Vila Velha,
disse respeito municipalizao e grande movimentao de professores, o que provocou
mudanas no corpo docente, fazendo com que em algumas escolas no mais se
encontrassem os antigos professores que trabalharam com o Programa. Os novos, que
atuavam na escola no momento, o desconheciam.
Experincias singulares na chegada em cada unidade escolar, e a dinmica de cada
uma imprimiram ritmos diferentes ao prosseguimento do trabalho, levando as equipes a
tomarem decises quanto ao que seria considerado prioritrio em relao ao
funcionamento do PNBE em cada escola.
Objetivos da Avaliao e Limites da Pesquisa
O objetivo da avaliao, como definido no projeto, centrou-se em construir um
diagnstico abrangente, que permitisse identificar, compreender e ampliar o
conhecimento sobre:
as formas dos atos de leitura nas escolas brasileiras contempladas com os diversos
acervos referidos;
os objetivos que cada escola vem produzindo para os diversos acervos;
as formas de implementao dos objetivos produzidos pelas escolas;
as concepes circulantes sobre biblioteca, leitura e sobre as prticas e atos dela
decorrentes;
os pblicos envolvidos e o alcance dos acervos;
o perfil dos professores e do pblico envolvido;
as formas que as propostas pedaggicas assumem a partir da existncia de acervos,
vistas sob os aspectos filosficos e metodolgicos; os desenhos curriculares e de gesto;
o potencial das escolas para ampliar a oferta de acervos e de servios a partir dos
acervos/bibliotecas j existentes;
o conhecimento sobre as preferncias de formato do recebimento de acervos (provi-
mento individual Literatura em minha casa ou coletivo biblioteca
escolar/espao de leitura);
as formas concretas de ampliao da oferta de acervos e de servios por parte da
escola;
as necessidades da escola quanto a livros para o acervo coletivo (literatura, obras de
referncia, de apoio pesquisa, entre outros);
31
a formao continuada de professores para dinamizar a leitura e a escrita;
as concepes de avaliao sobre atos e prticas de leitura;
a existncia de regime de colaborao entre as escolas e outras entidades na realizao
de prticas, atos e projetos de leitura;
a aceitao, os limites e as possibilidades dos diferentes projetos decorrentes do
Programa;
o apoio elaborao de uma poltica de formao de leitores.
Nem todos os objetivos, no entanto, foram inteiramente atingidos, observando-se
alguns elementos adicionais, no previstos a priori, que emergiram da interveno da
pesquisa.
Pode-se dizer que os objetivos foram tratados diferenciadamente pelos
pesquisadores, tomando em conta modos prprios de trabalho, facilidade nas abordagens
com diretores e demais gestores, tempo reservado pelas escolas para o acolhimento aos
pesquisadores, entre outros.
Ao tomar como referncia a concepo de avaliao diagnstica, assumida no
projeto em questo, se tece uma narrativa marcada pelas muitas vozes dos
pesquisadores, dos participantes envolvidos e de vrios autores/interlocutores que
estudam essas questes capazes de revelar a multiplicidade de prticas leitoras, os
sentidos variados atribudos a elas e a dimenso coletiva da discusso, na perspectiva de
encontrar indcios de mudanas nas prticas locais, com vista (re)formulao de polticas
pblicas na rea.
A complexidade que envolve os atos da leitura e da escrita ps em cheque,
entretanto, o tempo previsto para desenvolvimento da pesquisa bastante restrito ,
considerando a quantidade de dados coletados, a sistematizao que incluiu a escrita de
relatrios de campo e do Relatrio Final e, conseqentemente, a necessidade de
aprofundamento de estudos tericos, de modo a entrecruzar as mltiplas possibilidades
explicativas sobre esses mesmos dados.
Outro limite da pesquisa disse respeito ao uso da metodologia de grupo focal, face
ao tempo necessrio para realiz-lo e o tempo da escola, este marcado pelas rotinas de
aula, de recreio, de merenda, de reunio de professores. Situao que impe pensar os
agrupamentos formados pelos professores disponveis e dos estudantes como sujeitos da
pesquisa. Estes ltimos se colocaram para a pesquisa em funo de suas disponibilidades
de tempo, escapando do critrio de seleo suas trajetrias pregressas escolares e os
percursos integrados, ou no, pelo contato com acervos do PNBE. Essas variveis se
evidenciaram com mais fora, de acordo com as sries em que se encontravam ao tempo da
pesquisa, realizada em 2005, e o quanto de tempo se passou desde que receberam/tiveram
acesso a livros de qualquer um dos acervos do PNBE.
Tais limites, no entanto, no significaram imobilismo. Ao contrrio, serviram de
desafio aos pesquisadores para super-los e, por meio desse movimento, criar espaos de
discusso coletiva constitudos como outros momentos de formao continuada para todas
as pessoas envolvidas nessa experincia: pesquisadores, professores, diretores,
responsveis por bibliotecas, estudantes, pais e mes de estudantes, representantes de
secretarias de educao municipais e estaduais.
Um ltimo aspecto sobressaiu na pesquisa, demonstrado pelo destemor de alguns
participantes, que reverteram a posio de entrevistados para a de entrevistadores,
devolvendo aos pesquisadores questes avaliativas, pelo vvido interesse que tinham de
conhecer a posio de quem avaliava o trabalho da escola. Eis um exemplo: depois de
desligado o gravador, um diretor perguntou insistentemente o que se pensava de sua
entrevista, completando agora a minha vez de entrevist-los; o que acharam do nosso
trabalho? Da nossa escola? Essa idia do livro na casa do estudante, vocs tm a minha
promessa, eles vo ser entregues!.
32
A pesquisa permitiu chegar a reflexes coletivas que conduziram ao objetivo de
registrar a complexidade, a pluralidade de aes e de solues que marcam as prticas
leitoras nos mltiplos espaos das escolas e de seu entorno, na tentativa de avanar no
controle social de programas educacionais, especialmente o PNBE. Essas reflexes tanto
podem contribuir para a tomada de decises sobre seu desenho, quanto sobre aes dele
decorrentes ou com ele imbricadas, que exigem reorientao ou reposicionamento, como
o caso precpuo de apoio a projetos de formao continuada de professores.
33
CONHECIMENTOS PRODUZIDOS NO
CAMPO DA PESQUISA: DA VIDA DA
ESCOLA A POLTICAS PBLICAS
A partir deste captulo, os principais dados da pesquisa sero apresentados,
oferecendo ao leitor uma viso panormica de todos os estados em que foi realizada,
contextualizando, sempre que possvel, a regio em que os dados se inserem. Todos os
dados estatsticos do sistema educacional apresentados referem-se fonte MEC/INEP:
EDUDATA, do ano de 2003.
Tambm a referncia feita s escolas ser sempre em relao s efetivamente
includas na amostra, ou seja, aquelas que foram abordadas pela equipe de pesquisa. Todas
as informaes foram prestadas pelos sujeitos que circulam na escola, como demonstrado
em tabela anterior, assim como os depoimentos que aparecero ao longo do texto. Trazer a
fala das pessoas para o texto tem uma dupla finalidade: em primeiro lugar, garantir que os
informantes tenham preservadas suas vozes, o que sabem e o que pensam sobre a vida e o
cotidiano das escolas e, em segundo lugar, conferir legitimidade a essas pessoas como as
que precisam ser escutadas quando se discutem polticas educacionais, porque mais do que
ningum vivenciam processos, dificuldades, constroem sadas e arranjam solues para os
fatos do cotidiano. As falas denotam saberes e conhecimentos da realidade, muito difceis
de serem assegurados sem a vivncia diria das complexidades presentes nas escolas
brasileiras.
Alm disso, um ltimo motivo se impe: o dever tico de pesquisadores de
devolver o significado do que disseram as pessoas que participaram da pesquisa, do que
contaram e de como essa disposio de participar pde ser conformada como
conhecimento. Conhecimento que ajuda a compreender as lgicas da vida cotidiana, os
problemas muitas vezes invisveis aos gestores pblicos e invisveis, freqentemente, para
as prprias pessoas que vivem a escola, que no consideram como saberes tudo o que
sabem.
Desse modo, o texto foi organizado seguindo todas as regies seus estados e
municpios e em cada uma delas trazendo tona a situao das escolas pesquisadas e do
que disseram os entrevistados sobre elas, sobre a vida escolar, o livro, a leitura e sobre o
PNBE.
Brasil: escolas, matrculas e bibliotecas
O conjunto de escolas pblicas brasileiras de ensino fundamental de que se partiu
para formar a amostra foi de 149.968 unidades, sendo 96.600 na rea rural e 53.368 na rea
urbana.
As matrculas alcanavam em 2003 o quantitativo de 31.162.624 de estudantes,
com 6.136.317 matriculados em rea rural e 25.026.307 em rea urbana, o que representa
quatro vezes o nmero de estudantes da rea rural. Observa-se que o nmero de escolas em
rea rural bem maior do que na urbana, diferindo significativamente, no entanto, quando
se refere ao nmero de matrculas, fortemente concentradas em rea urbana, em menor
nmero de escolas, porm maiores em capacidade de atendimento. Esta caracterstica
acompanhar todas as regies, como se observar na continuidade da leitura.
Se a rede pblica de ensino fundamental ampla, no entanto, o nmero de escolas
com biblioteca representa do total, ou seja, apenas 34.307 tm biblioteca. Destas, 5.752
esto em rea rural e 28.555 em rea urbana, o que representa cerca de 6% das escolas em
rea rural contra mais de 50% em rea urbana.
Regio Norte: Par
A Regio Norte foi contemplada pela amostra com o estado do Par, abrangendo
trs municpios: a capital Belm, Ananindeua municpio conurbado a Belm, e
Castanhal, distante 80 km de Belm, e o mais longe de todos os selecionados nos demais
estados. Embora constitua a maior regio geogrfica, tem populao rarefeita e grandes
espaos desabitados e distantes, o que dificulta, em muito, a realizao de pesquisas.
37
A relao entre escolas com bibliotecas e o total de escolas pblicas na Regio
Norte fortemente discrepante. So 23.160 escolas, destacando-se o fato de a maioria das
escolas ser em rea rural 18.950, onde justamente est o menor nmero de bibliotecas, e
4.210 na urbana.
As matrculas em toda a regio alcanaram 3.169.809 estudantes, dos quais
1.038.951 na rea rural e aproximadamente o dobro na urbana 2.130.858. Para esses
estudantes, as bibliotecas so muito poucas: 2.438 no total de escolas, com 493 em escolas
da rea rural e, praticamente, o qudruplo em escolas urbanas 1.945.
Considerando-se que a poltica de distribuio de livros do PNBE privilegiou, no
incio, escolas com nmero mnimo de 500 estudantes, baixando depois para 250 e,
finalmente para 100, pode-se afirmar que na srie histrica do Programa as menos
contempladas foram as escolas rurais, em uma realidade de carncias preexistentes na
maioria delas.
No Par: Belm, Ananindeua e Castanhal
A amostra no estado do Par foi de 30 escolas, sendo 25 na capital Belm e no
municpio de Ananindeua e cinco em Castanhal.
A rede pblica no estado de 11.670 estabelecimentos de ensino (federais,
estaduais e municipais, sendo 9.831 na rea rural e 1.839 na urbana), com matrcula de
1.562.315 crianas e adolescentes no ensino fundamental, sendo 622.726 matrculas na
rea rural e 939.589 na urbana, apesar de o nmero de escolas ser quase oito vezes o da
urbana. Do total de escolas, apenas 692 tm biblioteca, com 150 na rea rural e 542 na
urbana, o que mostra a fragilidade da rede, em que somente cerca de 6% tm biblioteca,
ainda assim concentradas na rea urbana.
Belm
Belm tem rede pblica de ensino fundamental composta por 292 escolas, das
quais 5 esto em rea rural e 287 na rea urbana. As matrculas alcanam 196.381
estudantes no total, com 1.324 na rea rural e 195.057 na urbana. A situao da biblioteca
escolar nessas unidades apresenta o seguinte quadro: 103 no total, ou seja, menos de 50%
das escolas tm biblioteca, estando todas elas na rea urbana. No h, pois, bibliotecas em
qualquer das cinco escolas da rea rural.
Ananindeua
Em Ananindeua, so 141 escolas pblicas, e quase a totalidade 133 na rea
urbana. Apenas oito escolas esto na rea rural. Essas escolas tm 73.470 matrculas, das
quais 70.347 na rea urbana e 3.123 nas oito escolas rurais. O quadro de bibliotecas nas
escolas segue a mesma tendncia do estado, com 39 escolas com bibliotecas, sendo 38 na
rea urbana e apenas uma dentre as oito escolas da rea rural.
Castanhal
Em Castanhal, as matrculas alcanam 25.327 estudantes, distribudos em 80
escolas, estando 3.098 deles em 42 escolas rurais e 22.139 em 38 escolas urbanas. Das 80
escolas, apenas 15 tm biblioteca: uma no conjunto de 42 escolas rurais e 14 dentre as 38
urbanas.
Situao das Escolas e Revelaes da Pesquisa
No Par, o Programa teve incio, na maior parte das escolas pesquisadas, nos anos
de 2002 e 2003.
38
Menos da metade das escolas percorridas possua espao reservado para biblioteca
ou sala de leitura e, ainda assim, algumas se encontravam desativadas.
As escolas pesquisadas da rede estadual comportavam as estruturas mais precrias.
Um pequeno nmero dispunha de espao destinado biblioteca. A maioria das unidades
visitadas precisava de reformas, e a falta de manuteno nos espaos fsicos s permitia a
utilizao precria. O funcionamento das atividades se fazia em locais inadequados, e
muitos professores atuavam em regime de contratao temporria.
Nas escolas municipais, em geral, a realidade era diferente, ao menos quanto ao
espao fsico. Observou-se melhor adequao de espaos, maior quantidade de
bibliotecas e articulao mais direta com o rgo gestor, justificado pela proximidade das
administraes municipais com suas redes, diversamente da situao da administrao
estadual em relao s suas escolas.
Principalmente as escolas do municpio de Belm foram contempladas com cerca
de 1.500 a 2.000 ttulos variados, desde a administrao anterior e por alguns anos. As do
municpio de Castanhal tambm receberam colees, alm dos acervos do PNBE. O
municpio de Ananindeua pareceu mais frgil neste aspecto.
Em relao quantidade de livros recebidos do Literatura em minha casa, as
informaes foram muito variadas. Em aproximadamente 40% das escolas os livros no
foram suficientes para todas as crianas, e as colees foram repartidas, sem muito
prejuzo na distribuio. Nas demais escolas no se detectaram problemas, e em duas
houve relato de que as colees chegaram em quantidade muito superior ao nmero de
estudantes.
Houve ainda o registro de uma escola que trabalhava com educao de jovens e
adultos no perodo vespertino e que recebeu livros para crianas, em vez da coleo
especfica para a modalidade PNBE 2003 Palavra da Gente.
Em meio ao grupo entrevistado observou-se que poucos estudantes freqentavam a
biblioteca da escola espontaneamente. A maior parte a ela recorria em funo dos trabalhos
de sala de aula, embora todos afirmassem que gostavam do espao e que acabavam lendo
outras coisas, alm das que eram demandadas pelas atividades escolares. possvel que o
maior problema em relao utilizao da biblioteca para pesquisas se situasse no fato de
que estas pesquisas quase sempre se restringiam a contedos escolares, demandando a
utilizao de outros livros didticos. Como conseqncia, constatou-se a subutilizao do
espao: Vamos sim na biblioteca, mas vou falar a verdade: a gente s faz copiar [...] e
temos que ler muito para explicar o trabalho.
Nos depoimentos dos prprios estudantes, a distribuio individual de colees do
Literatura em minha casa foi destacada como aspecto muito positivo. A sensao era a de
que o livro em casa tinha significado especial. Essa estratgia adotada pelo PNBE, no
entanto, dificilmente conseguiu ser avaliada de forma aprofundada, pelas dificuldades de
se chegar s famlias e conhecer de fato o que ocorreu na vida cotidiana, quando o livro se
fez presente.
Depois que as escolas realizavam atividades com os livros, e que estes iam para a
casa dos estudantes, as informaes eram escassas: no sabiam se circulavam nas mos de
outros leitores; se os estudantes voltavam a l-los; se liam os ttulos no explorados na
escola etc. Paralelamente, os acervos coletivos das escolas estavam deficitrios, o que
exigia refletir se, como poltica pblica, era vivel continuar a distribuio do material
desta forma.
Em algumas escolas estaduais visitadas, apesar das experincias desenvolvidas de
incentivo leitura, percebeu-se tambm que os espaos de biblioteca eram utilizados
prioritariamente para pesquisas escolares demandadas pelas diferentes disciplinas, mesmo
quando reuniam significativo acervo de ttulos de diferentes gneros, que eram, por isso
mesmo, subutilizados.
Em espaos de salas de leitura municipais pde-se perceber como, mesmo com
acervo de qualidade e professores responsveis para o trabalho nesse espao, o uso se fazia
como alternativa sala de aula, para a realizao de projetos de reforo escolar.
39
Nenhuma atividade era estruturada de modo a que a leitura de ttulos disponveis tivesse
posio central, mas, ao contrrio, restringia-se a trabalhos pedaggicos que reproduziam
a lgica da sala de aula, com cpias, disciplinas e passividades, e utilizando,
prioritariamente, o livro didtico.
Apesar dos esforos, eram muitas as dificuldades, desde as relacionadas precria
condio de leitores dos prprios professores, at os conflitos relacionados cultura
escolar em que predominavam, ainda, metas conteudistas. Frente s dificuldades de
aprendizagem do cdigo escrito, por parte de muitos estudantes, a sala de leitura
funcionava subordinada apenas a projetos de reforo escolar.
Em algumas escolas com biblioteca ouviu-se que o acervo de livros estava
disponvel utilizao da comunidade local, muitas vezes a nica opo na regio para o
acesso a livros variados, o que, por isso mesmo, fazia com que as bibliotecas fossem muito
solicitadas.
O relato a seguir simblico para expressar um dos principais desafios junto aos
profissionais responsveis pelo espao de leitura na escola: a no-prioridade desse espao
como projeto coletivo aspecto central no que diz respeito sua pertinncia.
[...] a coordenadora, uma das primeiras coisas que ela faz: ela rene os professores,
rene o professor daqui que sou eu. E geralmente ela pergunta qual a atividade que
eu gostaria de estar desenvolvendo na sala de leitura [...] ento, todo projeto, a sala
de leitura participa [...] pois , porque a sala de leitura ela tem que... fugir de um
esteretipo que foi criado que quem trabalha em sala de leitura fica na sala de leitura
apenas para tirar o p dos livros, organizar a estante e receber o visitante. E no s
isso que eu queria e nem quero. Eu gostaria de estar na sala de leitura, mas da forma
como eu estou. Tendo um projeto e desenvolvendo esse projeto da melhor maneira
possvel, juntamente com os meus colegas da sala de aula.
Na rede estadual do Par registrou-se, em sntese, que nem todas as escolas
contavam efetivamente com espaos de biblioteca, e tambm que estes espaos no eram
padronizados, assumindo em cada escola configuraes que revelavam as condies
locais, no tocante a espao fsico, gesto e aos modos de organizar o trabalho coletivo em
relao leitura.
Observou-se, ainda, que se a organizao desse espao fazia parte de uma iniciativa
formal da rede oferecendo infra-estrutura, lotao de professores para o trabalho,
formao continuada para docentes e para os demais profissionais, disseminando
conhecimentos sobre a importncia da leitura , no era correspondida, no interior da
escola, por movimentos de reivindicao e de valorizao desse espao formal, na
organizao de referenciais de incentivo leitura para toda a comunidade escolar.
Parte das entrevistas e das conversas informais com dirigentes e professores
revelaram que as bibliotecas escolares poderiam no apenas servir s necessidades de
leitura da comunidade escolar, mas tambm comunidade mais ampla, e principalmente a
do entorno da escola, incluindo pais de estudantes e mesmo ex-estudantes da escola.
[...] que vem sendo utilizada por professores, por alunos e at mesmo pela
comunidade... De outras escolas que vm aqui fazer leitura... Porque a gente sabe que
biblioteca na nossa cidade muito difcil... A gente tem uma biblioteca pblica que
muito pobre, o acervo que existe l... Das escolas aqui em Castanhal, poucas tm
biblioteca. A nossa escola se sente at privilegiada, apesar de ter uma biblioteca
pequena, com poucos livros, mesmo assim tem privilgio em relao a outras escolas
que no possuem livros.
40
Um dado significativo quanto s prticas de leitura, recolhido nos grupos focais
com estudantes, foi relativo postura das famlias. Embora a maior parte dos pais ou
responsveis pelas crianas no tivesse contato sistemtico com a leitura grande parte
deles, inclusive, com baixa escolaridade era comum o relato de crianas sobre a
cobrana dos pais em relao ao exerccio da leitura. Esse exerccio vinha sempre
associado escrita, mas do seguinte modo: cpia de textos para melhorar a grafia,
realizao de leituras obrigatrias e aleatrias cotidianamente, assim como a escrita de
cartas. Percebeu-se, em vrias situaes, a tentativa de reforo ao trabalho escolar por
iniciativa das prprias famlias, com prticas que complementavam atividades
consideradas fundamentais para o aprendizado da leitura e da escrita.
Algumas escolas se esforavam para desenvolver programaes como: Semanas
de Leitura; Feiras Literrias; Gincanas Literrias, entre outras. Este esforo poderia ser
compreendido como resultado da percepo do lugar da leitura na formao dos sujeitos.
Mas o que pareceu fundamental para ser pensado pode ser assim resumido: como se
desenrola a proposta de trabalho com a leitura e a escrita no cotidiano da biblioteca escolar
ou da sala de leitura, e de como estas se articulam, ou no, com o que proposto pelo
projeto poltico-pedaggico da escola e vice-versa?
Sujeitos leitores e escritores em formao, nas escolas, devem ser os protagonistas
deste trabalho, pensando no alcance das prticas de leitura e escrita, dentro e fora da escola.
Estariam, contudo, os professores reflexionando coletivamente sobre os significados das
programaes realizadas e oferecidas aos estudantes como prticas de incentivo leitura?
Regio Nordest