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Miguel Faria e Castro Macroeconomia I 1 Disciplina: Macroeconomia I Professor Regente: André Castro Silva Professor Assistente: José Mário Lopes Livro: Macroeconomics, Williamson (3ª Edição, 2008) Data de Realização: 2º Sem 07/08

Macroeconomia (Miguel Faria e Castro)

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Miguel Faria e Castro Macroeconomia I

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Disciplina: Macroeconomia I Professor Regente: André Castro Silva Professor Assistente: José Mário Lopes Livro: Macroeconomics, Williamson (3ª Edição, 2008) Data de Realização: 2º Sem 07/08

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1. Conceitos Básicos e Medição

1.1. Conceitos Básicos PIB – Produto Interno Bruto, quantidade/valor de todos os bens e serviços produzidos num dado país, num dado período de tempo A análise do PIB é uma das mais poderosas ferramentas na Macroeconomia. De uma forma geral, permite a detecção e análise de tendências e de ciclos. O crescimento do PIB pode ser medido de diversas formas. A fórmula mais comum e prática de análise da taxa de crescimento anual é a seguinte:

1

1tt

t

yg

y −

= −

Onde tg é a taxa de crescimento e y representa o produto (no ano t em relação ao ano

anterior, neste caso, 1t − ). PIB norte-americano de 1900 a 2000:

1.1.1. Análise Logarítmica Caso as taxas registadas sejam suficientemente pequenas, a aplicação do logaritmo natural ao indicador em análise poderá constituir uma boa aproximação. Nesse caso, tem-se:

1ln lnt t tg y y −≈ −

A aplicação de logaritmos a séries temporais de produto pode ser útil por outras razões. De uma forma geral, permite o ajustamento parcial de tendências, realçando o verdadeiro crescimento e ciclos económicos ao longo de uma série temporal. Ao longo do século XX,

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por exemplo, a tendência de crescimento do PIB real da maioria dos países ocidentais seguiu uma tendência exponencial. A aplicação do logaritmo permite que a análise dessa tendência se torne linear, simplificando muitos dos cálculos. Como é evidenciado pelo seguinte gráfico, a escala logarítmica permite uma mais fácil identificação dos diferentes ciclos económicos (expansões e recessões):

1.1.2. Modelos Macroeconómicos Dada a natural problemática da experimentação na grande maioria das ciências sociais, a ciência económica é forçada a estudar os respectivos fenómenos por via de modelos. Estes são simplificações estilizadas da realidade, que visam a análise e compreensão matemática (e não só) do comportamento dos diversos agentes que interagem numa economia. De uma forma geral, um modelo macroeconómico engloba os seguintes aspectos: 1. Os consumidores e empresas que interagem numa economia; 2. Os bens que os consumidores adquirem e que as empresas produzem; 3. As preferências dos consumidores em relação a esses bens; 4. A tecnologia que as empresas empregam na produção desses bens; 5. Os recursos disponíveis para a produção desses bens. Uma série de hipóteses são tomadas para regular o funcionamento de um modelo. Primeiramente, assume-se que tanto consumidores como empresas visam a optimização, isto é, a afectação mais eficiente dos recursos que lhes são disponibilizados, face às restrições que enfrentam. Por outro lado, assume-se que a interacção entre estes diferentes agentes conduz, inevitavelmente, a um equilíbrio. O equilíbrio que é geralmente considerado é um equilíbrio competitivo, que advém da interacção entre agentes em mercados onde todos são price-takers – nenhuma das suas acções é capaz de influenciar os preços. A experimentação na Macroeconomia faz-se, doravante, com recurso a modelos. A investigação macroeconómica assenta, quase exclusivamente, no desenvolvimento de

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modelos melhores, que sejam capazes de simular um grande número de características e factores representados na realidade social. Actualmente, e como consequência da chamada Lucas Critique dos anos 70, a grande maioria dos modelos macroeconómicos assenta em fundamentos microeconómicos.

1.1.3. Outros conceitos importantes Produtividade Média do Trabalho – Define-se como rácio entre o produto agregado Y e o número de trabalhadores empregados N . É, no longo prazo, o crescimento da produtividade que permite maior qualidade de vida à população. Apesar de ter vindo crescer a um ritmo estável ao século XX, a produtividade média americana registou um abrandamento na década de 70. Pensa-se hoje que esse abrandamento se deveu ao ajustamento de competências e formação que adveio de um choque tecnológico: o aparecimento dos computadores e de novas tecnologias de comunicação. O abrandamento deveu-se, então, aos custos de aprendizagem e ajustamento a essas novas tecnologias. Gastos e Receitas do Estado – Os actuais modelos indicam que um aumento do peso do Estado na economia (mais impostos, gastos e intervenção) tem um efeito de crowding out na actividade económica. Isto é, o Estado “ocupa espaço” que era anteriormente “ocupado” por privados na economia. Assim, associa-se a um aumento da actividade do Estado uma diminuição do investimento e consumo por parte de privados. Na maioria das vezes, o Estado opera em défice, ou seja, gasta mais recursos do que acumula por via de receitas como os impostos. Ao nível agregado, a operação em défice pode não ser assim tão negativa como parece, dependendo das causas que conduziram a esse défice. Se, por exemplo, este advém de uma diminuição dos impostos, acredita-se que terá de ser pago, mais tarde ou mais cedo, por um aumento futuro destes: transferem-se os impostos de um grupo actual para um grupo futuro (se for o mesmo, as consequências do défice são, a bem dizer, nulas). Esta ideia é conhecida como o Teorema da Equivalência Ricardiana. Já um défice gerado por maiores gastos do Estado poderá ter consequências a nível do crowding out da economia. Taxas de Juro – Uma breve análise da evolução da taxa de juro nominal e da inflação aparenta evidenciar correlação positiva entre estes dois indicadores. Para explicar esta relação, recorre-se à taxa de juro real, a taxa que verdadeiramente motiva as decisões dos agentes, mesmo que inconscientemente. Grosso modo, a taxa real é normalmente tomada como a taxa nominal menos a taxa de inflação. Se contraio um empréstimo anual a uma taxa nominal de 9% e a inflação é de 3%, então a taxa real – aquela que estou efectivamente a pagar – é de 6%. A taxa de juro real resulta da actuação das forças de mercado e raramente consegue ser prevista com absoluta exactidão – a sua margem de erro é a mesma que enfrentam os economistas quando tentam prever a inflação. No curto prazo, a taxa real pode ser manipulada por via da política monetária levada a cabo, usualmente, pelo Banco Central. Uma diminuição do crescimento da massa monetária leva a um aumento da taxa de juro real, por exemplo. No entanto, o objectivo principal da política monetária não é a manipulação da taxa de juro real. Este processo é uma mera ferramenta num combate muito maior: contra a inflação. Balança Corrente – As economias ocidentais tornam-se cada vez mais abertas após a 2ª Guerra Mundial, e ainda mais com o final da Guerra Fria. A evolução das tecnologias de comunicação e transporte, aliadas a essa abertura levaram a um crescimento dramático do

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comércio internacional. Apesar do comércio internacional ser primariamente positivo, dado que permite a exploração das vantagens comparativas de cada país, torna-o também vulnerável aos ciclos económicos internacionais. A mais importante medida do comércio internacional é a balança corrente, que mede as exportações líquidas (exportações menos importações) mais os pagamentos líquidos de factores (rendimentos líquidos vindos do exterior). Os EUA, por exemplo, mantêm um défice da balança corrente: o valor das suas importações é superior ao das suas exportações. Isto implica que, para financiar as importações, o Estado e/ou privados terão de contrair empréstimos no estrangeiro. Isto não é necessariamente um mau sinal, principalmente se os empréstimos que são contraídos no estrangeiro são utilizados para incrementar a capacidade produtiva nacional, levando a maior produção futura. Pode existir, também, correlação positiva entre os défices governamentais e da balança corrente. Se o Estado quer gastar mais, tem de financiar esses gastos através de empréstimos. Mas se o sector privado nacional não poupou o suficiente para cobrir esses gastos, o Estado é forçado a recorrer a crédito estrangeiro, o que por sua vez agrava o défice da balança corrente. Ciclos Económicos – Definem-se como os desvios em relação à tendência esperada de actividade económica. Podem ser recessões ou expansões. A discussão das suas causas e de como lidar com os diferentes ciclos é uma fonte de muita discordância entre economistas. Actualmente, prevalecem três grandes teorias sobre as causas e consequências dos ciclos. A Teoria do Ciclo Económico Real alega que estes fenómenos advêm de choques da capacidade tecnológica e produtiva de uma economia, e que as políticas governamentais para os combater são, usualmente, negativas para a economia como um todo. A Teoria da Segmentação de Mercado enuncia como principal causa os choques na massa monetária, que se vão lentamente fazendo sentir pelos diferentes mercados e sectores de uma economia, começando pelos mercados financeiros. Finalmente, a Teoria Keynesiana assenta a origem dos ciclos nas vagas de optimismo e pessimismo dos agentes económicos, desempenhando o Estado um papel fundamental no seu controlo.

1.2. Medição Macroeconómica

1.2.1. Contabilidade Nacional A medição do Produto Interno Bruto pode ser feita a partir de três ópticas distintas, mas perfeitamente equivalentes: a) Óptica do Produto Baseia-se na soma simples de todo o valor acrescentado gerado na economia, num determinado ano:

pmPIB VAB=∑

b) Óptica da Despesa É a soma de toda a despesa efectuada em bens e serviços finais na economia. Soma a despesa realizada por famílias e consumidores privados C , gastos do Estado G e

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investimento bruto por parte das empresas BI . Como parte da despesa efectuada pelos

agentes nacionais destina-se a produtos não nacionais, subtraem-se as importações M . De igual forma, como parte da despesa interna é levada a cabo por agentes não nacionais, somam-se também as exportações X .

pm BPIB DI C G I X M= = + + + −

O investimento bruto resulta do investimento que é efectivamente realizado em novo capital somado às amortizações, o investimento que é realizado para compensar o desgaste do capital já existente.

B LI I Amort= +

Por outro lado, o investimento poderá também ser entendido como a soma da formação bruta de capital fixo (investimento em máquinas e outros tipos de capital, que irão gerar mais riqueza no futuro, somado às amortizações cujo fim já foi explicitado) mais a variação dos stocks: se as empresas acumulam e guardam stocks, tal acção é vista como um investimento, dado que não os vendem agora na expectativa de os venderem futuramente.

BI FBCF Stocks= + ∆

c) Óptica do Rendimento O produto pode também ser calculado como a soma de todo o rendimento recebido por agentes económicos que contribuem para o processo de produção. Aqui são considerados os factores de produção clássicos: trabalhadores (que recebem salários e subsídios da segurança social), capital (que gera rendas), terra (rendas) e o empreendedorismo (lucros).

RecfPIL RI W SSe Juros ndas Lucros= = + + + +

É de ressalvar que o rendimento interno, ao contrário das situações anteriores, não corresponde ao produto interno bruto a preços de mercado, mas sim ao produto interno líquido a custos de factores. Para resolver a situação:

cf cfPIL Amort PIB+ =

cf pmPIB Ti Ze PIB+ − =

Somam-se as amortizações para converter o produto interno líquido em bruto. Posteriormente, somam-se impostos indirectos e subtraem-se subsídios indirectos para gerar o produto a preços de mercado. Obtém-se, então, a seguinte identidade:

pmRI Amort Ti Ze DI Y PIB+ + − = = =

1.2.2. Índices de Preços Os índices de preços têm diversos objectivos. Para além de apoiarem na medição da inflação, são indispensáveis no processo de conversão de séries nominais em reais.

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1. Deflator do PIB É o simples rácio entre PIB nominal e PIB real (normalmente multiplicado por 100). O PIB real, como é óbvio, terá de vir medido aos preços constantes de um determinado ano base. Suponhamos que queremos medir o deflator do PIB do ano t com base no ano 0:

00

Nominal

Re

tt tt

tt

PQPIBPIBDeflator

PIB al P QPIB= = = ∑

É o somatório dos preços do ano corrente, multiplicados pelas quantidades do ano corrente, dividido pelo somatório dessas quantidades multiplicadas pelos preços do ano base. Corresponde a um Índice de Paasche, onde as quantidades estão fixas no ano corrente. Tem como principal problema, normalmente, o facto de subestimar o papel das importações. 2. Índice de Preços do Consumidor Toma-se um consumidor representativo, que adquire um determinado cabaz de bens essenciais e médios, analisando-se a evolução do preço desse cabaz fixo ao longo do tempo. Como as quantidades não se alteram, o índice é muito sensível às variações de preço ao longo do tempo.

0

0 0

tPQIPC

P Q= ∑∑

Como se encontram fixas as quantidades do ano base, este é um Índice de Laspeyres. O IPC normalmente sofre de vários problemas:

Novos Bens – Não considera o aparecimento de novos bens, possivelmente mais baratos e substitutos de bens incluídos no cabaz. Esta falha pode levar tanto a um enviesamento positivo como negativo da estimação da inflação.

Qualidade dos Bens – O IPC não considera o aumento de qualidade dos bens, que pode vir necessariamente associado a um aumento do seu preço. Isto é, apesar dos bens que o consumidor adquire estarem mais caros, o IPC não considera o facto de esses bens serem melhores do que aqueles que eram anteriormente consumidos.

Viés de Selecção – Advém primariamente do efeito substituição. Quando um bem se torna relativamente mais caro, irei consumir menos desse bem e procurarei substitutos próximos. Ao fixar as quantidades, o IPC ignora esse efeito.

3. Índice em Cadeia Para tentar resolver algumas das falhas inerentes às medidas anteriormente apresentadas, pode-se optar por uma abordagem integrada: a média geométrica do deflator e do índice de preços. No fundo, é um Índice de Fisher:

/0 /0 /0*Q Q Qt t tF = ℘ℓ

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1.2.3. Ciclos Económicos

A análise dos ciclos económicos é particularmente importante na macroeconomia. Tem-se, no entanto, que ter alguns cuidados ao tentar analisar os ciclos referentes a uma determinada série. Um dos maiores perigos são as tendências. A análise de uma série do PIB nominal norte-americano no século XX, por exemplo, revela uma tendência claramente exponencial. Como resolver este problema? 1) Converte-se a tendência exponencial numa tendência linear, por via da aplicação do logaritmo natural. 2) Com uma tendência linear, já é possível a aplicação de uma regressão linear: uma recta que passa pela nuvem de pontos e que minimiza a soma dos quadrados dos resíduos. 3) Subtraindo a recta de regressão ao logaritmo do produto, é possível criar uma série estável, que flutua em torno de uma recta horizontal. Torna-se possível uma análise cuidada dos ciclos económicos. Surgem três questões fundamentais na análise de variáveis macroeconómicas com comportamento cíclico: a) Volatilidade Será que a variável é mais volátil que o PIB? Isto é, tem uma maior variabilidade que o PIB? Esta questão é geralmente respondida pelo rácio dos desvios-padrão. Tomando uma qualquer variável x :

x

PIB

σσ

Se este rácio for superior a 1, então a variabilidade é superior, pelo que a variável é mais volátil do que o produto. Exemplos de variáveis que são usualmente voláteis são o investimento e o desemprego. O gráfico seguinte compara a evolução de um investimento extremamente volátil com o produto:

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b) Persistência Uma variável diz-se persistente se o seu comportamento actual pode ser facilmente previsto pelo seu comportamento nos períodos imediatamente anteriores. A persistência é normalmente medida com recurso à autocorrelação entre o valor da variável no período actual e no período anterior. Se ( )1corr ,t tx x − for elevada, então a variável é persistente.

c) Timing e Direcção Se o comportamento de uma variável consegue antever o comportamento do produto nos períodos seguintes, então diz-se que é avançada. Para o caso contrário, isto é, o comportamento do produto prevê o comportamento da variável, diz-se atrasada. Se variam de forma simultânea, então é coincidente. Para determinar o timing da variável, calculam-se três coeficientes de correlação entre a variável no período actual e o PIB no período anterior, o PIB no período actual e o PIB no período seguinte.

( ) ( ) ( )1 1corr , , corr , , corr ,t t t t t tx PIB x PIB x PIB− +

Se o primeiro assumir valor absoluto mais próximo de 1, então a variável é atrasada. Será coincidente ou avançada para os restantes dois, respectivamente. Em relação à direcção, se a correlação entre a variável e o produto no período actual for positiva, então é procíclica. Se for negativa, é contracíclica. O gráfico seguinte apresenta uma variável que é claramente procíclica e avançada: a massa monetária.

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2. Modelo Estático: Consumidor e Empresa Para melhor compreender os fundamentos microeconómicos que motivam o comportamento dos consumidores e das empresas, considera-se um modelo de um único período, no qual estes agentes tomam decisões estáticas, em oposição a um comportamento dinâmico. Assume-se que o comportamento de todos os agentes é competitivo, são todos price-takers num mercado perfeitamente concorrencial.

2.1. O Consumidor Representativo Num modelo estático, considera-se que o consumidor tentará esgotar todos os recursos que lhe são disponíveis, incluindo o seu próprio dinheiro. Isto é, não se consideram decisões de poupança, com vista ao consumo futuro. Toma-se o comportamento de um único consumidor como representativo de todos os agentes afins numa economia. O que irá relevar será a sua decisão de trabalho e consumo. Esta decisão assenta num trade-off básico: para poder consumir mais bens e serviços e, logo, manter um nível de vida mais elevado, o consumidor terá de trabalhar mais, tendo menos tempo disponível para lazer.

2.1.1. Preferências Neste modelo, o consumidor pode adquirir dois bens distintos: um bem compósito, que representa todo o consumo efectuado, e o lazer, que representa todo o tempo não despendido a trabalhar (inclui actividades de lazer, tempo de sono, etc). Para compreender como é que o consumidor representativo irá formular a sua decisão de consumo, é necessário considerar as suas preferências: quanto valoriza o consumo, e quanto valoriza o lazer. As suas preferências podem ser matematicamente expressas através da função utilidade, que, como o nome indica, tenta medir o bem-estar do consumidor em função das quantidades consumidas desses dois bens: ( ),U C l . Relevante constatar que

a utilidade é, essencialmente, uma medida relativa, ou seja, serve unicamente para representar preferências por um cabaz em relação a outro(s). Para facilitar a análise, tomam-se uma série de hipóteses, que descrevem aquilo que em Microeconomia são conhecidas como “preferências bem-comportadas”. Estas são: 1. Monotonicidade – Mais bens é sempre melhor que menos. Um consumidor irá sempre preferir cabazes com mais consumo, mais lazer ou mais dos dois bens. Assume-se que este nunca se encontrará saciado. 2. Convexidade – O consumidor prefere cabazes intermédios, isto é, que contenham quantidades intermédias de ambos os bens a cabazes extremos – que contenham só consumo ou só lazer. Assume-se que um consumidor que adquira consumo e lazer em quantidades intermédias estará melhor que um que possua só consumo ou só lazer. Daqui

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vem que, se um consumidor é indiferente entre dois cabazes, então irá certamente preferir uma mistura destes. 3. Normalidade dos Bens – Ambos os bens são normais: quanto mais rendimento possuir o consumidor, mais irá querer consumir de ambos os bens. Isto em oposição aos bens inferiores para os quais um aumento de rendimento provoca uma diminuição do consumo. Graficamente, é possível representar as preferências do consumidor representativo, assim como as três hipóteses acima formuladas a partir de um mapa de indiferença, onde se encontram representadas as suas curvas de indiferença – curvas que unem todos os cabazes entre os quais o consumidor é indiferente.

No mapa de indiferença acima representado, por exemplo, o consumidor é indiferente entre os cabazes B e D, dado que se encontram sobre a mesma curva de indiferença. Por outro lado, como A encontra-se numa curva de indiferença mais distante da origem, será um cabaz preferido tanto a B como a D, dado que a curva sobre a qual se encontra corresponde a um nível de utilidade superior (as curvas de indiferença são, no fundo, curvas de nível da função utilidade). Uma propriedade importante das curvas de indiferença diz respeito à taxa marginal de substituição (marginal rate of substitution) ,l CMRS , que é a expressão da taxa à qual o

consumidor estará disposto a trocar lazer por consumo, de forma a manter a sua utilidade constante. É o declive da curva de indiferença, quanto está o consumidor disposto a abdicar de consumo para adquirir mais uma unidade de lazer, mantendo a utilidade constante (isto é, mantendo-se sobre a mesma curva de indiferença). A MRS pode ser calculada de diversas formas:

,l C

UdC lMRS

UdlC

∂∂= = −

∂∂

A MRS é um valor negativo, dado que, para manter a sua utilidade constante, e para consumir mais uma unidade de lazer, o consumidor terá, necessariamente, de abdicar de consumo!

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2.1.2. Restrição Orçamental Tem-se, no entanto, que o consumidor enfrenta uma série de restrições à aquisição de consumo e lazer. Não se considera dinheiro propriamente dito. Para analisar a escolha do consumidor, e como é comum na Teoria do Consumidor, tomam-se unicamente preços relativos, isto é, quanto custa o lazer em relação ao consumo e vice-versa. O lazer, neste modelo, é medido em horas. Horas que não são utilizadas para o trabalho e, doravante, não geram rendimento que permite mais consumo. A disponibilidade horária total do consumidor é dada por h . Por outro lado, o número de horas trabalhadas é dado por sN (também representativo da oferta de trabalho). Daí se tem que:

sl h N= −

Ou seja, a quantidade de lazer de que o consumidor dispõe equivale à sua disponibilidade horária total menos o número de horas trabalhadas. Por vezes, estes valores podem surgir em absoluto (exemplo: 24h = horas totais), ou então em proporção ( 1h = , 0,4l = , etc). A esta identidade, ou qualquer reformulação, chama-se restrição temporal. Para que possa consumir, é necessário considerar igualmente o rendimento real do consumidor. As horas trabalhadas resultam da oferta de trabalho no mercado de trabalho, que são transaccionadas por um salário real w . Como se fala em salário real, toma-se este como uma medida do poder de compra do consumidor. Sendo que os preços são relativos, o preço do consumo é igual a 1. O rendimento real do consumidor é, logicamente, o produto entre o número de horas trabalhadas e o seu salário horário.

( )SwN w h l= −

Outra fonte de rendimento para o consumidor é o lucro gerado pelas empresas, ou dividendos distribuídos por estas. Considera-se, também, que o consumidor paga impostos ao Estado, sendo que neste modelo estes são considerados como lump-sum: em vez de uma percentagem sobre o seu rendimento, são quantias que terão de ser pagas independentemente das acções do agente. O rendimento passa, assim, a ser:

( )w h l Tπ− + −

Já existem condições para representar a restrição orçamental do consumidor. Dado que este é um modelo estático, e todas as decisões do consumidor são tomadas com vista a este único período, não existem incentivos à poupança e, doravante, este consome todo o rendimento disponível. Logo:

( )C w h l Tπ= − + −

O consumo é igual aos rendimentos auferidos pelo trabalho mais os lucros/dividendos e menos os impostos pagos ao Estado. A identidade pode ser reformulada para explicitar a despesa em consumo e lazer no primeiro membro e o rendimento efectivamente gerado no segundo:

C wl wh Tπ+ = + −

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Pode-se dizer que o salário real é o preço do lazer dado que este é o seu custo de oportunidade – aquilo que o consumidor poderia ganhar se não estivesse a gastar o seu tempo em lazer. Para tornar mais simples a representação gráfica, reformula-se a expressão isolando a variável que se encontra no eixo das ordenadas – o consumo:

C wl wh Tπ= − + + −

Como é imediatamente constatável, o coeficiente do bem que se encontra no eixo das abcissas – o lazer – é igual ao salário real que, doravante, irá corresponder ao declive da restrição. Para o caso em que os impostos são superiores aos dividendos, tem-se:

Se, na equação, o consumo for zero (ponto B), tem-se que o lazer será de T

hw

π −+ . Este

é, necessariamente, um valor inferior a h , dado que T π> . O lazer nunca pode ser superior à disponibilidade horária total, dado que se encontra medido em horas. Neste caso, o consumidor não pode aproveitar todas as suas horas para o lazer dado que necessita de trabalhar para pagar o défice gerado pelos impostos. Da mesma forma, para zero horas de lazer (ponto A), o consumidor torna-se habilitado para adquirir wh Tπ+ − unidades de consumo. Para o caso oposto, quando os dividendos são superiores aos impostos, o problema anteriormente referido é evidenciado. Como não pode despender em lazer mais do que a sua restrição horária, o excedente gerado por esta situação pode ser despendido através de lazer total e ainda aquisição de algumas unidades de consumo.

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2.1.3. Optimização De forma a deduzir aquilo que o consumidor realmente decide, torna-se necessário confrontar as suas preferências com as restrições que ele enfrenta. Assume-se que o consumidor é racional, isto é, que o consumidor tentará sempre atingir o seu óptimo, com plena informação sobre as suas preferências e restrições. Tentará sempre atingir a curva de indiferença mais elevada que é permitida pelo seu orçamento e disponibilidade horária. Imediatamente se constata que o consumidor irá optar por um cabaz cuja curva de indiferença é tangente à restrição orçamental. Isto é – o melhor cabaz que a sua restrição permite adquirir. Se é tangente, então os declives das duas curvas são iguais. Tem-se, no óptimo, que o consumidor valoriza tanto os bens (MRS) como o mercado os valoriza (w):

,l CMRS w=

Assume-se, à partida, que o consumidor não opta por nenhum ponto dentro da restrição – dado que mais bens são preferidos a menos! Também o segmento BD está fora de questão dado que, para a quantidade máxima de lazer, o consumidor tem sempre a oportunidade de adquirir mais consumo, e mais é preferido a menos! Logo, irá consumir no segmento AB, quando a curva de indiferença for tangente à restrição. Podia ser argumentado que o consumidor gostaria de se ficar pelo ponto B, onde não trabalha e ainda consome. Mas se o consumidor não trabalha, sendo ele representativo, nenhum irá trabalhar e, doravante, as empresas não irão produzir nada – acaba por não consumir nada! É uma questão de consistência entre os comportamentos dos consumidores e das empresas.

2.1.4. Variação dos Dividendos e Impostos As variações dos dividendos e impostos são variações puras do rendimento do consumidor. A sua restrição horária mantém-se, ou seja, em qualquer dos casos, não poderá consumir mais lazer do que a disponibilidade horária total. Pode ocorrer, contudo, que um aumento dos dividendos leve a que o consumidor tenha necessidade de trabalhar menos, passando a adquirir maiores quantidades de ambos os bens. Um exemplo é o consumidor que ganha a lotaria: irá consumir mais, e trabalhar menos. Dado que as

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variações do consumo advêm unicamente da variação do rendimento e os preços relativos mantêm-se inalterados, verifica-se um efeito rendimento puro.

A hipótese de que tanto consumo como lazer são bens normais implica que um aumento do rendimento não proveniente do salário leva a uma diminuição da oferta de trabalho. Outra implicação é o facto de, confrontados com uma diminuição dos impostos, os consumidores adquirirem mais bens e trabalharem menos.

2.1.5. Variação do Salário Real Já a variação do salário real é um pouco mais complicada. Dado que os preços relativos dos bens se alteram, surge um efeito adicional que condiciona a nova escolha de consumo – o efeito substituição. Supondo um aumento do salário:

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De AB, a restrição passou a EB. Como o salário é maior, o consumidor pode adquirir mais consumo no extremo. Ele começa por consumir em F, mas quando sofre o aumento do salário, a transição para o novo cabaz de consumo H pode ser decomposta em duas fases: na primeira, assume-se que, para os novos preços relativos, o consumidor mantém-se na mesma curva de indiferença. Traça-se uma restrição imaginária JK, onde o agente passa a consumir O. Esta variação do consumo, originária na alteração dos preços relativos unicamente, designa-se efeito substituição. Dado que o consumo se tornou relativamente mais barato após o aumento do salário (mais salário => maior custo de oportunidade para o lazer), o consumidor adquire menos lazer e mais consumo. Seguidamente, aplica-se o consequente aumento do rendimento que uma diminuição do preço do lazer traz – a transição de O para H é já efeito rendimento puro. Dado que ambos os bens são normais, o aumento do rendimento leva a um aumento no consumo de ambos. Os efeitos rendimento e substituição têm sinais opostos no que toca ao lazer, face a um aumento salarial. Daí que seja incerto se um aumento do salário irá provocar uma expansão ou contracção da oferta de trabalho. Pode ser que o agente, confrontado com um salário superior, decida trabalhar mais para ganhar ainda mais. Mas pode também acontecer que esteja contente com o seu rendimento total actual, trabalhando menos para ganhar o mesmo. De uma forma geral, é possível transformar o lazer numa função do salário – um passo essencial para a construção da curva de oferta de trabalho.

( ) ( )sN w h l w= −

2.1.6. Oferta de Trabalho Construída a curva de oferta de trabalho, torna-se agora possível ver como é que as variações anteriores irão influenciar as movimentações desta. As variações nos rendimentos do consumidor que não provêm do trabalho (dividendos e impostos) irão, como foi visto, provocar efeitos rendimento puros: um aumento do rendimento leva a que mais consumo e lazer sejam adquiridos, e vice-versa. Dado que um aumento do rendimento leva a que mais lazer seja consumido, para um mesmo salário real, o consumidor irá trabalhar menos – a curva de oferta de trabalho contrai-se.

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O efeito inverso ocorre para uma redução do rendimento “externo” do consumidor: confrontado com uma redução forçosa do seu tempo de lazer e consumo, irá, para um mesmo salário, trabalhar mais. Já as variações do salário real reflectem-se em movimentações ao longo da curva da oferta de trabalho. Um aumento do salário real leva a que o custo de oportunidade do lazer aumenta – logo, o consumidor irá adquirir mais consumo e menos lazer, pelo que se dá uma movimentação crescente ao longo da curva.

2.2. A Empresa Representativa Até agora foi analisado o problema do consumidor representativo, que fornece trabalho e procura bens de consumo. Passando para o outro lado da barricada, observa-se o comportamento da empresa representativa, que procura trabalho e fornece bens de consumo. Uma vez mais, o problema é de optimização: não de utilidade, mas sim de lucro.

2.2.1. Função Produção Tal como as preferências do consumidor podiam ser expressas por uma função utilidade, também a capacidade de produção de uma empresa pode ser descrita matematicamente pela função produção. Em função dos inputs, esta função gera a quantidade de output que a empresa é tecnologicamente capaz de produzir.

( ), dY zF K N=

Onde z é a produtividade total dos factores (total factor productivity, TFP), K é o capital (que, sendo este um modelo estático, é tida como fixa), dN é a quantidade de horas trabalhadas pelos empregados e Y é o produto total. O conceito de TFP, um pouco complexo, relaciona-se com a produtividade dos inputs empregues no processo de produção. Pode ser visto como uma expressão algébrica da tecnologia, qualidade de gestão e sofisticação do processo de produção – quanto maior for, mais a empresa conseguirá produzir com os mesmos inputs.

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Esta função baseia-se numa série de pressupostos e hipóteses de grande importância, que são tidos como “benchmarks” para a empresa representativa na análise do mercado de trabalho: 1. Rendimentos Constantes à Escala – Basicamente, exprimem a ideia de que um qualquer aumento percentual das quantidades de ambos os inputs gera um aumento idêntico (percentualmente) do output. Matematicamente, implica que a função produção é homogénea de grau 1:

( ) ( ), ,d dzF K N zF K Nλ λ λ=

Enquanto a ideia de rendimentos crescentes à escala beneficia empresas grandes e a de rendimentos decrescentes ajuda as empresas pequenas, o conceito de rendimentos constantes é um consenso para a empresa representativa. 2. Monotonicidade – Um aumento de qualquer um dos inputs leva a um aumento do output. A implicação deste pressuposto é de que a produtividade marginal de cada um dos inputs é sempre positiva. Produtividade marginal é o acréscimo de output gerado pela inclusão de uma unidade adicional de qualquer um dos inputs no processo produtivo. Matematicamente, é a derivada parcial da função produção em ordem a esse input. Por exemplo, a produtividade marginal do trabalho poderá ser dada por:

N d

YMP

N

∂=∂

3. Produtividade Marginal Decrescente – Apesar de ser sempre positiva, a produtividade marginal de cada um dos inputs é decrescente. Isto é, quanto mais trabalho (por exemplo) a empresa utilizar, menos produtivo este será individualmente. Matematicamente, a segunda derivada da função produção em ordem a cada um dos inputs terá de ser negativa. O conceito de produtividade marginal decrescente é bem ilustrado pelo gráfico parcial da função produção – uma curva côncava. O mesmo se aplica ao capital.

4. Produtividade Marginal do Trabalho aumenta com Reforço de Capital – Apesar de ser decrescente, a produtividade marginal do trabalho aumenta com a aquisição de mais

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capital. Aqui implícita encontra-se, uma vez mais, a ideia de convexidade: também a empresa prefere combinações intermédias de inputs. A aquisição de capital provoca um deslocamento da curva da produtividade marginal do trabalho.

2.2.2. Produtividade Total dos Factores O parâmetro z é crucial para uma boa análise das causas do crescimento e ciclos económicos. Representando uma enorme série de factores, tais como tecnologia disponível, boas técnicas de gestão ou uma conjuntura favorável, o seu aumento leva, tal como a denominação TFP indica, a um aumento da produtividade total dos factores de produção. Leva a que a curva parcial da função produção se expanda:

Ou seja, com a mesma quantidade de inputs, produz-se mais output. Mas esta não é a única consequência. Também a produtividade marginal de cada um dos inputs é afectada. Se, por um lado, a aquisição de capital levava a que, para a mesma quantidade de trabalho, este garantisse uma produtividade marginal superior, os efeitos do aumento da TFP são muito semelhantes: só a deslocação da curva é que, desta vez, se dá na horizontal.

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Factores que possam influenciar a TFP são: Progresso tecnológico – atenção que, por vezes, este se encontra imbuído no stock

de capital da empresa (exemplo: computadores pessoais); Técnicas de Gestão e Organização da Empresa; Clima favorável (crucial na produção agrícola e construção, por exemplo); Intervenção e Regulação do Estado (exemplo: combate à poluição, leis laborais,

etc.); Preço da energia

2.2.3. Maximização do Lucro Tal como o consumidor, a empresa representativa ir-se-á comportar de forma competitiva, tomando o salário real como exógeno e optimizando a sua escolha de alocação de recursos em função desta variável. Esta será a principal variável exógena, dado que num modelo estático, considera-se o capital como sendo fixo, e o trabalho o único factor variável. Será esta a variável de decisão da empresa – que irá maximizar o lucro em função da quantidade óptima de trabalho a empregar. O lucro da empresa é dado por:

( ), d dzF K N wNπ = −

Onde a produção total corresponde às receitas geradas pela empresa Y , e os seus custos serão o produto do salário real pela quantidade de trabalho empregue (medido em horas). O lucro é, pois, a diferença entre a receita total e os custos variáveis. Este é um simples problema de maximização, resolvido por via da aplicação das condições de primeira ordem (derivando a função em ordem à variável de decisão – a quantidade de trabalho):

0 0 N

Yw PM w

N N

π∂ ∂= <=> − = <=> =∂ ∂

Ou seja, no óptimo, a produtividade marginal do trabalho deverá igualar o salário real. Esta condição é bem ilustrada no gráfico seguinte:

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A recta dwN representa os custos totais da empresa, enquanto a função produção as receitas. Logo, a empresa irá gerar lucro enquanto a função produção se mantiver acima da função custo. O máximo corresponde, pois, ao ponto onde a função produção é tangente a uma paralela da função custos que, como pode ser observado, corresponde à quantidade de trabalho para a qual o lucro é maximizado *N . Porque é que isto acontece? Suponha-se que a empresa decide empregar menos trabalho. Nesse caso, a produtividade marginal deste factor é superior ao seu custo. Logo, o “lucro marginal” será positivo – compensará à empresa empregar mais trabalho, dado que o ganho supera a perda. Por outro lado, se a empresa decidir empregar uma quantidade de trabalho superior a *N , tem-se que a produtividade marginal do último trabalhador empregue é inferior ao custo que este acarretou, logo é compensatória a utilização de menos trabalho.

2.2.4. Procura de Trabalho Da análise anterior infere-se que, para a empresa competitiva, que optimiza os recursos disponíveis, a procura de trabalho irá depender directamente da produtividade marginal deste. No óptimo, a produtividade marginal é sempre igual ao salário real. Logo, para uma pequena quantidade de trabalho, a produtividade marginal será elevada, pelo que a empresa estará disposta a pagar um salário real mais elevado. Por outro lado, para uma grande quantidade de trabalho, a produtividade marginal decresce, e assim decresce o salário real que a empresa estará disposta a pagar. A curva de procura de trabalho é a curva de produtividade marginal deste factor.

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3. Modelo Estático da Macroeconomia Agora que foram tomados os fundamentos microeconómicos para o comportamento óptimo da empresa e do consumidor representativos, resta agregá-los e construir um modelo funcional da macroeconomia. Esta primeira abordagem é feita através da análise de uma economia fechada ao exterior, onde se consideram três actores principais: consumidores (vendem trabalho e consomem bens), empresas (compram trabalho e vendem bens) e um novo participante, o Estado.

3.1. Estado O Estado compra bens e serviços, tal como um consumidor representativo, incorrendo em gastos públicos G . Estes gastos são financiados por impostos, recolhidos junto do consumidor representativo T . O consumo do Estado implica a utilização de recursos produzidos na economia, pelo que se considera que os gastos públicos “capturam” parte de produção nacional. Como a identidade seguinte indica, esta tem dois destinos essenciais: o consumo privado e o consumo público.

Y C G= +

Esta é a identidade despesa-rendimento: numa economia fechada, a produção poderá ser consumida por privados ou pelo Estado. Os gastos públicos são tidos como uma variável exógena, não determinada pelo modelo. Tem-se, também, que o Estado é obrigado a obedecer a uma restrição orçamental dada por:

G T=

Ou seja, se quiser consumir mais, terá de gerar mais receitas através da sua política fiscal, que diz respeito a despesa, impostos, transferências e empréstimos. Não se considera que o Estado se encontra em posição de contrair empréstimos, dado que este é um modelo estático da macroeconomia, logo não fará sentido a nenhum agente emprestar ao Estado.

3.2. Equilíbrio Competitivo Fala-se em equilíbrio competitivo quando, dados os preços que vigoram no mercado, a economia chegou a um estado em que a procura iguala a oferta. Neste caso, todos os agentes são price-takers, o que neste caso se refere a um único preço que irá relevar para a análise – o do trabalho, ou salário real w . Poderá também ser considerado, para efeitos de simplificação, que existe apenas um mercado relevante na economia, o mercado de trabalho. Será neste mercado que consumidores e empresas irão confrontar as suas decisões de optimização em relação a

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variáveis como a produção de bens, tempo de lazer e decisão de trabalho. Neste modelo, tomam-se como variáveis exógenas os factores que não variam no curto-prazo: a tecnologia (e outros factores que influenciam a produção), os gastos públicos e a quantidade de capital empregue no processo produtivo: ,z G e K , respectivamente. Todas as restantes variáveis são endógenas – são explicadas pelo modelo. O salário real terá de ser tal que o mercado de trabalho se encontra em equilíbrio (oferta de trabalho iguala a procura). No entanto, a oferta de trabalho é em parte determinada por T , variável condicionada por G e por π , que é função dos lucros gerados por cada empresa. Tem-se um equilíbrio competitivo quando as seguintes condições forem satisfeitas: 1. O consumidor representativo escolhe C e sN de forma a maximizar a sua utilidade, dados w , T e π . 2. A empresa representativa escolhe dN de forma a maximizar o seu lucro dY wNπ = − , dados z , K e w . 3. O mercado de trabalho atinge o equilíbrio, o que implica que s dN N= . 4. A restrição orçamental pública é satisfeita T G= . Retome-se a identidade despesa-rendimento, que é uma importante propriedade de qualquer equilíbrio competitivo. Como é facilmente identificável, esta é uma versão simplificada da identidade:

Y C I G X M= + + + −

Nesta situação, a economia encontra-se fechada, pelo que 0X M− = . Da mesma forma, sendo este um modelo estático, não existe presente nem futuro. Logo, não podendo existir decisões que concernem o futuro, o investimento será, também, nulo. Para provar que esta identidade é sempre verdadeira em equilíbrio competitivo, tome-se a restrição orçamental do consumidor:

sC wN Tπ= + −

Substituindo o lucro pela sua anterior expressão e tendo em consideração a restrição pública, obtém-se:

s dC wN Y wN G= + − −

Mas, sendo que o mercado de trabalho se encontra em equilíbrio, tem-se que s dN N= , pelo que se verifica a identidade inicial.

3.2.1. Equilíbrio em Economia Fechada Assumindo que s dN N= , tome-se N como sendo o emprego total na economia. Tem-se, também, que em equilíbrio, o emprego total é igual à disponibilidade horária dos consumidores menos o tempo gasto em lazer: N h l= − . Logo, a função produção poderá ser expressa como:

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( ) ( ), ,Y zF K N zF K h l= = −

O que, considerando as variáveis exógenas z e K dá o output total da economia como uma função do lazer. O gráfico desta função será um “espelho” da função produção original, que gerava o output em função do trabalho.

Se o declive da função produção era a produtividade marginal do trabalho, então o declive desta nova função, decrescente, será o simétrico da produtividade marginal NPM− . Assim, para lazer total l h= , o produto da economia é igual a zero (ninguém trabalha,

0N = ). Da mesma forma, o produto máximo é atingido quando o lazer é igual a zero e N h= . Ora, em equilíbrio, o consumo terá necessariamente de ser igual à produção total menos os gastos públicos.

( ),C zF K h l G= − −

O que exprime uma relação entre consumo e lazer, dado que todas as restantes variáveis são exógenas. Esta expressão representa a Fronteira de Possibilidades de Produção, descrevendo todas as possibilidades de produção para a economia dada a tecnologia actual. É, no fundo, uma translação vertical da função produção – à qual são subtraídos os gastos públicos.

É a representação gráfica do trade-off entre consumo e lazer que a tecnologia corrente permite ao consumidor nesta economia. Note-se que os pontos no segmento AB não são possíveis para a economia – dado que o consumo nunca poderá ser negativo! Apenas os pontos DB interessam para a análise: lembremo-nos de que os gastos do Estado são feitos em bens e serviços, e se estes não existem, como poderá o Estado consumi-los?

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O declive da FPP – o simétrico da produtividade marginal do trabalho – é também conhecido como Taxa Marginal de Transformação (MRT), a taxa a que um bem poderá ser tecnologicamente convertido noutro bem. Neste caso, será a taxa à qual o lazer poderá ser tecnologicamente convertido em bens de consumo através do trabalho.

,l C NMRT PM=

Ora, dado que a empresa representativa optimiza os seus lucros através da identidade

NPM w= , é possível determinar, para um dado salário, qual será o ponto de produção

óptimo para o sector privado desta economia através da relação ,l C NMRT MP w= = .

Tome-se o segmento AD como tendo declive w− : o salário de equilíbrio.

Para este dado salário, a empresa escolhe como ponto óptimo de produção o ponto J. A este ponto encontra-se associada uma determinada quantidade de lazer, que determina a procura óptima de trabalho *h l− . Sendo esta a única variável endógena da função produção, o ponto óptimo de produção é dado por ( )* , *Y zF K h l= − .

Assim, geram-se também os lucros óptimos através de ( ) ( )* , * *zF K h l w h lπ = − − − ,

que no fundo correspondem à distância DH: a receita total da produção menos o custo de empregar trabalho (lembremo-nos de que este é o “espelho” da função produção original). Ora, DB é, como é evidente, igual aos lucros totais menos os gastos públicos. Logo, pela restrição pública tem-se * *G Tπ π− = − . Tem-se daqui que a figura ADB é, precisamente, a restrição orçamental do consumidor representativo: enfrenta um salário de w , que corresponde ao declive da recta, com o rendimento adicional dos lucros menos os impostos. Dado que J é o ponto de produção competitivo, que corresponde a uma determinada quantidade de lazer *l e consumo *C , então será também esta a quantidade que os consumidores querem adquirir em bens de consumo. Tal implica que teremos uma curva de indiferença tangente à restrição orçamental em J. Isto implica que ,l CMRS w= . O que, por sua vez, origina:

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, ,l C l C NMRS MRT MP w= = =

Como no equilíbrio, empresas e consumidores enfrentam o mesmo salário real, a taxa a que um consumidor estará disposto a trocar lazer por consumo será igual à taxa à qual o lazer poderá ser tecnologicamente convertido em bens de consumo.

3.2.2. Optimalidade A optimalidade neste modelo é extremamente importante, na medida em que a análise da relação entre um equilíbrio competitivo e a eficiência económica (eficiência de Pareto) poderá provar que mercados livres são capazes de produzir resultados óptimos do ponto de vista social. De uma forma geral, o critério de eficiência utilizado para a análise de equilíbrio em mercados é a optimalidade de Pareto. Diz-se que um equilíbrio competitivo é Pareto-eficiente se não existir outra forma de alocar os recursos para que seja possível melhorar a situação de um agente sem piorar a situação de pelo menos outro. Num óptimo de Pareto, é impossível melhorar a situação de alguém sem piorar a situação de outra pessoa. Para analisar a optimalidade de Pareto deste modelo, toma-se a figura do planeador social. Não intervém no mercado, mas pode impor regras relativas à procura e oferta de bens e trabalho. Esta figura é tida como benevolente – irá escolher as quantidades que optimizam a situação do consumidor. Neste modelo, o planeador tentará escolher o ponto de produção que permite ao consumidor localizar-se sobre a melhor curva de indiferença possível. No fundo, o problema do planeador é muito semelhante ao do consumidor: a principal diferença é que, enquanto o consumidor enfrenta uma restrição orçamental linear, o planeador tem as suas acções limitadas pela FPP da economia. Para este modelo, a opção do planeador será tangenciar a curva de indiferença à FPP.

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Logo, uma das propriedades do óptimo de Pareto desta economia será:

, ,l C l C NMRS MRT MP= =

Como é óbvio, neste modelo, o equilíbrio competitivo corresponde ao Óptimo de Pareto. Este modelo respeita o 1º e 2º Teoremas da Economia do Bem-Estar (sob certas condições um equilíbrio competitivo é um óptimo, e vice-versa, respectivamente). De uma forma geral, a figura do planeador social poderá ser comparada à “mão invisível” descrita por Adam Smith que, da vontade individual, gerava o bem-estar colectivo.

3.2.3. Ineficiências Sociais Existem diversas razões pelas quais um equilíbrio competitivo poderá não ser um óptimo de Pareto. Estas razões são conhecidas como ineficiências sociais, ou falhas de mercado. 1. Externalidades – Actividades que produzem efeitos que não são tidos em conta por consumidores ou produtores nos seus problemas de optimização. Exemplos são a poluição (externalidade negativa) ou as obras públicas (externalidade positiva). Torna-se, geralmente, demasiado caro ou logisticamente impossível a criação de mercados onde as externalidades possam ser transaccionadas, pelo que os seus efeitos negativos/positivos não são tidos em consideração na contabilidade. 2. Impostos distorcionários – Um imposto distorcionário, ao contrário de um lump-sum, é uma taxa proporcional que incide sobre uma qualquer transacção ou fluxo. Um bom exemplo é os impostos sobre o rendimento (IRS). De facto, a restrição orçamental poderia ser ajustada a um imposto proporcional da seguinte forma:

( ) ( )1C w t h l π≤ − − +

Qual é o problema? As empresas pagam um salário w , pelo que irão optimizar através da condição NMP w= . No entanto, os consumidores recebem esse salário menos a taxa que

sobre ele incide. Logo, optimizam segundo a condição ( ), 1l CMRS w t= − . Gera-se então a

situação:

, ,l C N l CMRS MP MRT< =

Gera-se uma distorção entre os óptimos para consumidores e empresas, distorção essa que previne a prevalência de um óptimo de Pareto num equilíbrio competitivo. Como o custo real do lazer diminui, os impostos proporcionais tendem a promover um sobre-consumo do lazer em relação aos bens de consumo, desincentivando a produção na economia (assumindo que o efeito substituição é superior ao efeito rendimento para o lazer, em consequência do aumento do salário). 3. Monopólios e Oligopólios – Outra fonte de ineficiência poderá ser a ausência da condição de que todas as empresas são price-takers. Se algumas das empresas forem relativamente maiores em relação ao resto do mercado, terão poder em relação à fixação dos preços relativos do consumo e lazer. Geralmente, um monopolista irá produzir menos do que é socialmente óptimo, aumentando os preços e os seus lucros.

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Apesar da identificação destes aspectos, o modelo não os toma em consideração. Isto porque, independentemente de todos os factores exógenos que afectam a macroeconomia, a equivalência de um equilíbrio competitivo a um óptimo social continua a ser, em média, verdadeira.

3.3. Gastos Públicos Analisadas as condições de equilíbrio, procede-se ao estudo do impacto das variáveis exógenas no modelo. Começa-se pelos gastos do Estado, G , e como a variação destes irá afectar as variáveis endógenas , ,C Y N e w . Um aumento dos gastos públicos irá provocar uma deslocação paralela da FPP para baixo, mantendo o declive da curva constante para cada l . A intuição é simples, e análoga à da deslocação da restrição orçamental do consumidor face a um aumento dos impostos. Isto porque, segundo uma das identidades fundamentais, G T= , todos os gastos terão de ser financiados por impostos! O aumento dos gastos provoca, assim, uma diminuição no rendimento do consumidor, provocando a contracção do consumo de lazer e bens (ambos são bens normais). O óptimo passa de A para B.

Dado que a quantidade de lazer diminui, o trabalho total N terá de aumentar, o que implica, por sua vez, um aumento do output Y . Isto deve-se, obviamente, ao facto da produtividade marginal do trabalho ser positiva. Segundo a identidade despesa-rendimento:

C Y G C Y G= − => ∆ = ∆ − ∆

A variação do consumo é, assim, igual à variação do output menos a variação dos gastos governamentais. Dado que o output aumentou ( 0Y∆ > ), tem-se que C G∆ > −∆ o que representa o efeito de crowding out. O aumento dos gastos públicos levou à produção de

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mais output. No entanto, esta variação de output não foi acompanhada pela variação do consumo, dado o efeito rendimento negativo provocado pelo aumento dos impostos necessário para o financiamento dos gastos. O consumidor compra menos bens e trabalha mais – para sustentar um Estado cada vez maior. Como a deslocação da FPP foi paralela e correspondeu ao efeito rendimento puro, o consumidor adquire menos lazer e bens. Logo, a curva de indiferença irá tangenciar a FPP num ponto menos inclinado, o que corresponde a uma diminuição do salário real. Isto seria de esperar: as pessoas consomem menos lazer e trabalham mais, logo as empresas podem empregar mais trabalho sem uma grande alteração nos seus custos. Em resumo, tem-se que:

, , ,G N Y C w↑=> ↑ ↑ ↓ ↓

3.4. Choques de Produtividade Um aumento da TFP (Total Factor Productivity, z ) implica melhores condições de conversão de inputs em output. Pode representar uma inovação tecnológica, melhores práticas de gestão, uma diminuição das restrições estatais ou até mesmo bom tempo. Como já foi visto, o efeito imediato do aumento da TFP é a expansão da função produção: para as mesmas quantidades de input, mais output poderá ser produzido.

Mas as alterações não se ficam por aqui: para a mesma quantidade de trabalho, também a sua produtividade marginal irá aumentar. Para um N fixo, o declive da nova curva de produção é maior, o que implica um aumento da produtividade marginal. Como a FPP é o “espelho” da função produção, também esta se irá expandir. Para a mesma tecnologia, mais lazer e bens poderão ser consumidos. Tem-se, no entanto, que devido ao aumento da produtividade marginal, para uma dada quantidade de lazer fixa, o declive da FPP torna-se maior – o lazer torna-se relativamente mais caro.

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Tem-se, então, que esta situação já não é tão simples como a dos gastos públicos, que provocavam um efeito rendimento puro. Aqui, também os preços relativos se alteram, despoletando o efeito substituição. Dado que os gastos se mantêm constantes e o consumo se altera de F para H, o output total da economia aumenta. Supondo que é impossível determinar o efeito total desta alteração na quantidade de lazer consumida, supõe-se que tanto o lazer como o trabalho não se alteram, apesar do salário real, para a mesma quantidade de lazer, ter aumentado. O aumento do salário real é facilmente explicado pelo impacto de z na curva de produtividade marginal de trabalho (expansão desta) que, como já foi visto, corresponde à procura de trabalho. Em resumo, tem-se que:

, , ,z Y C w N↑=> ↑ ↑ ↑ վ

É interessante relevar que, segundo a Teoria do Ciclo Económico Real, são estes choques de produtividade que constituem a causa primária dos ciclos económicos.

3.5. Impostos Distorcionários sobre o Salário Apesar de facilitar a análise, a hipótese de que o rendimento do consumidor é taxado por via de um imposto lump-sum é pouco realista. Na realidade, a grande parte dos impostos que são pagos pelas famílias são proporcionais, que sejam directos (sobre o rendimento) ou indirectos (sobre bens adquiridos). Ora, um imposto proporcional irá influenciar a decisão de trabalho e consumo do consumidor representativo, provocando um efeito distorcionário sobre esta e levando a que o equilíbrio competitivo possa não ser um óptimo de Pareto.

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3.5.1. Modelo Simplificado com Imposto Proporcional De forma a simplificar a análise do impacto de um imposto proporcional, consideram-se, sem perda de generalidade, uma série de hipóteses. Para começar, tem-se que o produto é exclusivamente função do trabalho:

dY zN= Ora, em equilíbrio competitivo, sendo que a procura de trabalho iguala a oferta dN h l= − e o produto iguala a soma do consumo privado e público Y C G= + tem-se que uma versão simplificada (linear!) da FPP pode ser representada por:

( )C z h l G= − −

Para financiar os seus gastos, o Estado decide impor um imposto proporcional sobre o rendimento salarial do consumidor, ao invés do tradicional lump-sum. Sendo t a taxa de imposto, o novo salário do consumidor é dado por ( )1w t− . Logo, a restrição orçamental

passa a ser dada por:

( )( )1C w t h l π= − − +

Por outro lado, o problema de maximização da empresa é, de certa forma, simplificado, dada a nova forma da função produção:

( )d dY wN z w Nπ = − = −

Ora, o lucro é facilmente visível pela expressão z w− . Se for positiva, a empresa terá sempre lucro por trabalhador contratado, pelo que irá contratar uma quantidade infinita de trabalho. Se negativa, a empresa não contrata trabalho de todo. Mas se z w= , então a empresa será indiferente em relação à quantidade de trabalho contratada. Logo, a procura de trabalho da empresa será infinitamente elástica para z w= - àquele preço, contrata qualquer quantidade de trabalho.

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Logo, em equilíbrio, e independentemente da forma assumida pela curva de oferta de trabalho, ter-se-á w z= (exclui-se a possibilidade de uma oferta infinitamente elástica). Se é esse o caso, em equilíbrio, então os lucros serão necessariamente zero 0π = . Daqui se tem que, em equilíbrio, a restrição orçamental do consumidor é dada por:

( ) ( )1C z t h l= − −

Pois o salário é igual a z e os lucros iguais a zero! Pela identidade despesa-rendimento tem-se então:

( ) ( )( ) ( ) ( )1C z h l G z t h l z h l G G zt h l= − − <=> − − = − − <=> = −

Ou seja, a despesa total do Estado iguala a percentagem de imposto vezes o salário vezes o número de horas trabalhadas. Por outras palavras, as receitas do Estado igualam as suas despesas!

Acima representadas encontram-se a FPP (AB) e a restrição orçamental do consumidor (DF). Em equilíbrio, a taxa de imposto ajustar-se-á para que o consumidor escolha o ponto H, onde a restrição orçamental intercepta a FPP. Mas o óptimo de Pareto, como é visível, encontrar-se-ia em E, dado que o óptimo do consumidor H não é tangente à FPP. Tem-se, necessariamente, que o equilíbrio sem o imposto proporcional em E terá de implicar uma quantidade maior de consumo (e de output) e menor de lazer. A intuição é simples: como o

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salário é reduzido pelo imposto, o custo de oportunidade do lazer diminui para os consumidores, logo optando por mais deste bem e por menos consumo.

3.5.2. Curva de Laffer Outra perspectiva, muito útil para previsão de efeitos e consequências assenta na criação de uma relação entre as receitas que o Estado quer gerar e a taxa de imposto sobre o salário dos consumidores, tomando em consideração a quantidade de trabalho que é oferecida para cada uma dessas taxas. Assim, torna-se possível determinar a taxa ideal que o Estado deve fixar para financiar uma dada quantidade de gastos G . Em equilíbrio, o consumidor escolhe uma determinada quantidade de consumo e lazer dada uma taxa de imposto t e um salário real w z= . Torna-se possível, então, derivar a procura de lazer em função da taxa de imposto ( )l t . Logo, o montante possível de receitas

a gerar pelo Estado pode ser dado por:

( )REV t h l t = −

Onde ( )h l t− é a base fiscal, a quantidade de trabalho transaccionada no mercado que

será taxada. Ora, as receitas fiscais irão depender não apenas da taxa de imposto mas também do tamanho da base fiscal, que por sua vez depende da taxa de imposto. Ora, se a base fiscal não varia face a um aumento da taxa, então as receitas totais aumentam. No entanto, grandes aumentos de t podem desencadear o efeito substituição que leva a um aumento de ( )l t , logo reduzindo a base fiscal e as receitas totais do Estado.

O gráfico que representa esta relação entre receitas e taxas fiscais é a Curva de Laffer.

Normalmente, o formato da curva entre A e B pode apenas ser determinado com recurso a uma análise detalhada do mercado de trabalho. Mas para A=0 e B=1, há certezas em relação a REV=0. Se A=0, então 0t = , o que implica obviamente receitas nulas. Mas se B=1, então ( )1l h= , o que “destrói” a base fiscal do Estado, anulando as receitas.

Ora, em equilíbrio, gastos igualam receitas públicas, pelo que:

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( )G t h l t = −

Para efeitos práticos, e dadas as restrições impostas pelo modelo, não se irá considerar

*G REV> , ou seja, gastos superiores à receita máxima que o Estado consegue gerar. No entanto, é possível considerar *G REV< (gastos inferiores à receita máxima), o que implicará a existência de duas possíveis taxas de equilíbrio (dado que a curva é simétrica em relação à taxa óptima, que gera a receita máxima *t ).

Considere-se 1t , à esquerda do máximo, e 2t , à direita, ambas capazes de gerar a mesma receita. Ora, um equilíbrio competitivo ir-se-á sempre localizar na intercepção da restrição com a FPP, pelo que tanto F como H são equilíbrios. É natural notar que a restrição orçamental correspondente a 1t é mais inclinada, dado que sendo a taxa inferior a 2t , o rendimento real do consumidor, disponível para a aquisição de bens de consumo, é superior. Note-se igualmente que no equilíbrio F, sendo a taxa inferior, o consumo é superior, o lazer é inferior e, doravante, o produto atinge níveis superiores. O consumidor estará, também, melhor no equilíbrio correspondente à taxa mais baixa. Assume-se que um Estado sensato nunca iria cobrar a taxa mais elevada, dado que a receita gerada é a mesma, mas o output e bem-estar são inferiores. O problema é que raramente Estados e Governos conseguem identificar de que lado da Curva de Laffer se encontram. Nos anos 80, a administração norte-americana foi convencida por economistas supply-side (economistas supply-side acreditam que existem grandes incentivos na redução de impostos em relação à oferta de trabalho) de que se encontrava do lado errado da curva. Os impostos desceram, e as receitas fiscais caíram, tudo isto porque os EUA já se encontravam do lado correcto!

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4. Modelo Dinâmico: Consumo vs Poupança Após a análise e formulação dos pressupostos do modelo estático da macroeconomia, passa-se para a questão das decisões intertemporais, que não envolvem unicamente trade-offs instantâneos, mas também ao longo do tempo. Um exemplo paradigmático é o da escolha entre consumo corrente e consumo futuro, posto por outras palavras, a decisão de consumo versus poupança, e que decisão óptima será tomada pelo consumidor. São, também, abertas as portas para modelos onde o Estado não tem, necessariamente, de financiar todos os seus gastos, podendo tomar decisões ao longo de vários períodos de tempo. Este modelo tem importantes aplicações, tais como o Teorema da Equivalência Ricardiana. Tal como a decisão de consumo corrente contra consumo futuro, este teorema pode ser visto como a decisão entre impostos actuais ou futuros – se quer diminuir impostos hoje, terá de recorrer a dívida privada, pelo que amanhã os impostos terão de subir. Este modelo, dinâmico, irá considerar dois períodos: um corrente e um futuro. A principal variável de decisão é a taxa de juro real, a taxa à qual consumidores e Estado podem emprestar e contrair empréstimos. Determina, por exemplo, o preço relativo do consumo corrente face a consumo futuro (se optar por consumir amanhã, terei mais dinheiro graças ao juro real). Um princípio importante na resposta do consumo a variações no rendimento é a suavização do consumo, um conjunto de forças naturais que forçam o consumidor a suavizar o seu padrão de consumo ao longo do tempo (as pessoas preferem consumir sempre o mesmo, do que alternar entre períodos de elevado e reduzido consumo).

4.1. Consumidor A decisão de consumo vs poupança é, assim, um trade-off entre consumo presente e consumo futuro. É uma decisão dinâmica, dado que tem implicações que vão para além do período presente, em oposição à decisão estática de consumo versus trabalho. Assume-se que, neste modelo, não existe uma decisão de consumo/trabalho – o rendimento é puramente exógeno. O trade-off do consumidor assenta em consumir mais hoje, mesmo que tal implique poupança negativa (contracção de empréstimos aumento do rendimento presente), ou consumir menos hoje para poder consumir mais no futuro (poupança positiva). No período presente, o consumidor tem como rendimento y e paga t de impostos, sendo que no futuro terá 'y e 't . Ora, estando o consumidor limitado ao rendimento actual, ele poderá escolher entre consumir ou poupar. Logo, para o período presente, a sua restrição orçamental será dada por:

c s y t+ = − .

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Caso 0s > , então o consumidor é um lender (“emprestador”: poupa em depósitos e, doravante, oferece dinheiro no mercado de crédito). Por outro lado, poupança negativa

0s < implica que o consumidor é um borrower (contrai empréstimos, logo procurando dinheiro no mercado de crédito). Assume-se que o bem transaccionado neste mercado é a obrigação: caso seja um lender, compra obrigações. Por outro lado, um borrower irá vender este tipo de títulos de dívida. Assume-se não apenas que as obrigações são idênticas e que são transaccionadas directamente no mercado de crédito. Quando um borrower vende uma obrigação, compromete-se a pagar, no período futuro, o seu valor acrescido de uma taxa de juro real 1 r+ . Isto implica que cada unidade de consumo presente pode ser transaccionada por 1 r+ unidades de consumo futuro, sendo

então o preço relativo do consumo futuro igual a 1

1 r+. Assume-se, também, que a taxa de

juro à qual os empréstimos são contraídos é a mesma à qual os consumidores emprestam. Já no período futuro, o consumidor terá rendimento igual a ' 'y t− , acrescido da poupança

que havia realizado no período corrente, capitalizada à taxa de juro real ( )1s r+ (quer esta

seja negativa ou positiva). Logo, a restrição orçamental futura será igual a:

( )' ' ' 1c y t s r= − + +

4.1.1. Restrição Intertemporal do Consumidor De forma a analisar a decisão consumo versus poupança, é necessário relacionar o consumo presente com o consumo futuro de forma directa. Tal é possível se for reescrita a restrição futura:

( ) ' ' '' ' ' 1

1

c y tc y t s r s

r

− += − + + <=> =+

Substituindo a poupança na restrição presente tem-se:

' ' '

1' ' '

1 1 1

c y tc y t

rc y t

c y tr r r

− ++ = −+

+ = + − −+ + +

Esta é a restrição intertemporal do consumidor, estabelecendo que o valor actual do consumo intertemporal (feito ao longo de vários períodos) terá de igualar o valor actual do rendimento (recebido ao longo de vários períodos) menos o valor actual dos impostos (pagos ao longo de vários períodos). Tal como qualquer outra restrição, também a intertemporal poderá ser expressa para que possa ser representada graficamente:

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( ) ( ) ( )( ) ( ) ( ) ( )

' ' ' ' ' '

1 1 1 1 1 1' 1 ' 1 ' 1

' 1 ' ' 1

c y t c y tc y t y t c

r r r r r rc y r y t r t c r

c y t r y t c r

+ = + − − <=> = + − − − <=>+ + + + + +

<=> = + + − + − − + <=>

<=> = − + − − − +

O declive da curva é dado por 1 r+ , ou seja, a taxa de juro mais um. É, como vimos, o preço relativo do consumo presente em relação ao consumo futuro. Neste tipo de modelo, o consumidor começa com uma dotação, isto é, a análise parte do princípio de que o consumidor tem já determinado o seu rendimento presente e futuro disponível, trocando consumo presente por futuro até atingir o seu óptimo. O ponto de dotação corresponde a um ponto de poupança zero, onde c y t= − e ' ' 'c y t= − , ou seja, não existe substituição intertemporal de consumo: todo o rendimento actual é consumido no primeiro período, o mesmo ocorrendo para o período futuro.

Encontrando-se o consumidor no ponto E (o ponto de dotação tem, sempre, que se encontrar sobre o gráfico), tornar-se-á lender se consumir à esquerda de E: isto é, abdica de consumo presente para aumentar o seu consumo futuro, logo emprestando dinheiro no período actual. Já à direita de E, o consumidor é borrower. Prefere trocar consumo futuro por presente, logo contraindo empréstimos e vendendo obrigações.

4.1.2. Preferências do Consumidor Assume-se que, em relação às preferências de consumo do consumidor, prevalecem três hipóteses: 1. Mais é preferido a menos: mais consumo corrente ou futuro irá sempre melhorar a situação do consumidor. 2. Convexidade: o consumidor prefere cabazes intermédios, não gostando de abdicar todo o seu consumo presente em prol de consumo futuro, ou vice-versa. 3. Consumo presente e futuro são bens normais. Ou seja, um aumento do rendimento provocará um aumento do consumo de ambos os bens.

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A convexidade das preferências de consumo é particularmente importante. O facto de um consumidor preferir cabazes intermédios tem implicações ao nível da suavização do consumo, isto é, o consumidor prefere consumir quantidades estáveis ao longo do tempo. Tal implicação é reflectida no declive decrescente da MRS.

4.1.3. Optimização A condição de optimização mantém-se, dadas as hipóteses assumidas. A MRS de consumo presente em relação a consumo futuro deverá igualar o preço do consumo presente sobre o preço do consumo futuro, que equivale à taxa de juro. O preço do consumo presente é, em termos reais, igual a 1. Já o preço do consumo futuro, tendo em consideração que é possível capitalizar o rendimento presente a uma dada taxa de juro, será mais baixo, igual a 1 / (1+r). Logo, o rácio dos preços é simplesmente igual a 1+r:

, ' 1c cMRS r= +

Ou seja, o ponto óptimo de escolha será aquele no qual a taxa à qual o consumidor se encontra disposto a trocar consumo presente e futuro é aquela à qual o mercado troca consumo presente e futuro através do mercado de crédito.

Supondo a dotação inicial de E, o consumidor opta por optimizar em A. Logo, a diferença entre D e B irá corresponder à poupança realizada: ao consumo presente que o consumidor poderia ter efectuado, mas que decidiu trocar por consumo futuro através de poupança.

*s y t c= − −

Neste caso, o consumidor é um lender. Mas também poderia ter sido um borrower, se o seu óptimo fosse à direita do ponto de dotação. Tal implicaria que, em relação à sua dotação, o consumidor iria querer mais consumo presente e menos consumo futuro.

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4.1.4. Aumento do Rendimento Corrente Passando para estática comparada, um aumento do rendimento ou redução dos impostos provocam um efeito rendimento puro. Suponha-se que, mantendo tudo o resto constante (incluindo rendimento futuro), o consumidor recebe um incremento do seu rendimento corrente. Supondo que o rendimento corrente aumentou de 1y para 2y , então a variação do seu rendimento intertemporal foi:

2 1 2 1

' ' ' '

1 1 1 1

y t y twe y t y t y y

r r r r ∆ = + − − − + − − = − + + + +

we é outra forma de representar o rendimento total (intertemporal) do consumidor. Ora, esta variação irá implicar uma expansão da recta de restrição orçamental, sem alterações no declive, e uma expansão na dotação inicial do consumidor. Como consumo futuro e corrente são bens normais, este aumento do rendimento irá aumentar a quantidade consumida de ambos.

Da mesma forma que consome mais no presente, também poupa mais. Tem-se que:

s y t c∆ = ∆ − ∆ − ∆

A variação dos impostos é nula, e a variação do rendimento foi superior à variação do consumo presente. Logo, a variação da poupança é positiva. Não apenas irá o consumidor adquirir mais bens no período corrente como também poupará mais para consumir no futuro. Outro exemplo da chamada suavização do consumo – manter o nível de consumo estável através do tempo. É relevante notar que, de uma forma geral, os dados macroeconómicos de consumo, poupança e rendimento são consistentes com este postulado.

4.1.5. Aumento do Rendimento Futuro É, também, interessante analisar os efeitos de um aumento do rendimento futuro na decisão de poupança do consumidor. Um aumento esperado do rendimento irá,

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certamente, aumentar de forma considerável o consumo futuro. Mas, partindo de princípio de que um consumidor gosta de suavizar o seu consumo, também quererá consumir mais no presente, podendo para tal contrair empréstimos.

Um aumento do rendimento futuro é, desta forma, muito semelhante a um aumento do rendimento corrente. A principal diferença é a de que, enquanto um aumento do rendimento corrente provoca uma variação positiva na poupança, o aumento do rendimento futuro terá uma influência negativa. Ora, o rendimento o corrente e os impostos mantiveram-se constantes. Mas o consumo corrente aumentou face a notícias de aumentos futuros. Logo, tem-se que:

0s y t c s∆ = ∆ − ∆ − ∆ <=> ∆ <

As consequências são, desta forma, muito semelhantes. Mas, enquanto um aumento do rendimento corrente provoca uma suavização “para a frente”, poupando mais agora para consumir mais no futuro, um aumento do rendimento futuro provoca uma suavização “para trás”, endividando agora para consumir mais no presente.

4.1.6. Variações Temporárias e Permanentes do Rendimento Os efeitos reais de uma variação no rendimento corrente irão ser altamente condicionados pelo facto de essa variação ser temporária ou permanente. De facto, ganhar a lotaria e receber um aumento salarial, ambos aumentos do rendimento, irão condicionar acções e decisões distintas. Estas diferenças foram articuladas por Milton Friedman na sua Hipótese de Rendimento Permanente. Segundo esta hipótese, a principal determinante do consumo corrente é o seu rendimento permanente, sendo que variações temporárias produzem efeitos residuais na decisão de consumo poupança. Tal pode ser observado graficamente: com AB sendo a restrição inicial, ED a restrição gerada por um aumento temporário do rendimento (apenas no período corrente) e GF um aumento permanente (no corrente e no futuro):

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O efeito principal é, essencialmente, ao nível do consumo corrente. Se o aumento for unicamente temporário, o consumidor terá o cuidado de aumentar a sua poupança de forma a suavizar o consumo com vista a evitar grandes quebras no período futuro. Mas, caso o aumento seja permanente, a poupança já não irá ser tão relevante, dado que o consumidor poderá esperar rendimento semelhante no período seguinte, conseguindo assim manter estável o trade-off entre consumo corrente e futuro. Isto torna-se particularmente importante ao analisar questões como o efeito das descidas de impostos. Uma redução temporária dos impostos não irá aumentar significativamente o consumo corrente, incentivando antes a poupança. Por outro lado, uma redução permanente terá efeitos muito mais estáveis ao nível do aumento do consumo corrente, como é exemplificado pelo gráfico: a diferença entre 3c e 2c é significativamente superior à

diferença entre 2c e 1c .

4.1.7. Variação da Taxa de Juro Uma variação da taxa de juro constitui uma mudança de incentivos, dado que o preço relativo do consumo corrente em relação ao futuro varia. Um aumento da taxa de juro aumenta o custo de oportunidade do consumo corrente, o que pode ser observado de duas formas: se o consumidor for lender, então o aumento da taxa de juro permite que a sua poupança hoje valha mais no futuro, pelo que irá reduzir o consumo corrente e aumentar o futuro. Por outro lado, se for borrower, o custo de consumir mais do que o rendimento irá aumentar significativamente, pelo que o mesmo efeito terá lugar. Tem-se, também, que um aumento da taxa de juro corresponde a uma diminuição do rendimento intertemporal do consumidor. Isso é facilmente observável pela expressão do rendimento total:

' '

1 1

y twe y t

r r= + − −

+ +

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Um aumento de r provoca um aumento do factor de desconto do rendimento futuro e dos impostos futuros. Mas, assumindo que o rendimento líquido é sempre positivo ( 0y t− > ), isso provoca, efectivamente, uma redução do rendimento futuro. O efeito gráfico de um aumento da taxa de juro é uma rotação da restrição intertemporal em torno do ponto de dotação E. O ponto de dotação E terá de pertencer à restrição, dado que o consumidor poderá gastar aquele rendimento inicial, independentemente da taxa de juro. Por outro lado, a maior taxa de juro irá permitir, para um mesmo nível de consumo corrente, um maior nível de consumo futuro (a poupança vale mais!).

O sacrifício de consumo corrente hoje para consumir mais no futuro torna-se mais atractivo, dado que a poupança de todo o rendimento hoje irá permitir um consumo de mais bens amanhã. Da mesma forma, o consumo de todo o rendimento hoje permite a aquisição de menos bens, dado que o valor actual do rendimento é inferior (sendo o rendimento futuro descontado à taxa de juro). O efeito substituição dá-se sempre no mesmo sentido: o consumo futuro torna-se relativamente mais barato, em detrimento do consumo corrente. Logo, o efeito imediato, tanto para um lender como para um borrower, é consumir menos hoje e poupar mais para amanhã. No entanto, o efeito rendimento irá variar, consoante o consumidor é borrower ou lender. No caso de um lender:

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Consome inicialmente em A, à esquerda da dotação E. O efeito substituição previsivelmente move o consumo para D, tornando-se a poupança mais atractiva. O aumento do juro é benéfico para os lenders, que o recebem ao poupar e emprestar a borrowers. Logo, o efeito rendimento é positivo para ambos os bens (sendo estes normais). Daqui se tem, doravante, que enquanto o efeito de um aumento da taxa de juro é claro no aumento do consumo futuro, pode ser indeterminado no que toca ao consumo corrente, que pode aumentar ou diminuir, no caso particular de um lender. Sendo esse efeito indeterminado, também o efeito na poupança não será claro. Já em relação ao um borrower, a situação altera-se um pouco.

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Com dotação inicial de E, consome em A. Um aumento da taxa de juro desloca o óptimo para D, provocando o efeito substituição esperado de aumento do consumo futuro em detrimento do corrente. No entanto, como o borrower consome presentemente mais do que a sua dotação inicial o permite, então paga juros pela poupança negativa. Isto implica que o seu rendimento real diminui face ao aumento da taxa de juro. O efeito rendimento provoca, então a rotação da restrição em torno do ponto E, levando ao consumo final de B. Como o efeito rendimento é negativo para ambos os bens, prevê-se uma redução clara do consumo corrente, sendo o efeito indeterminado para o consumo futuro (E.S. positivo versus E.R. negativo). Tanto para lenders como para borrowers, verifica-se um efeito de substituição intertemporal: as variações da taxa de juro levam a que os consumidores troquem consumo presente por futuro, levando a variações do nível de poupança. Análises agregadas parecem indicar que os efeitos rendimento de lenders e borrowers compensam-se mutuamente, o que leva os economistas a prestar mais atenção ao efeito substituição provocado pelas variações da taxa.

4.2. Estado Tal como o consumidor, também o Estado sujeita a sua actividade a uma restrição orçamental intertemporal. Tem gastos presentes e futuros G e 'G , que financia com impostos presentes e futuros T e 'T . O Estado poderá, também, contrair empréstimos para financiar os seus gastos, recorrendo à emissão de obrigações. Logo, no período presente tem-se:

G T B= +

A parte dos gastos que não é coberta por impostos tem de ser paga pela emissão e venda de obrigações. Logo, no período futuro, o Estado terá de financiar não apenas os seus gastos futuros como também o pagamento do valor das obrigações, ao qual se acresce a taxa de juro:

( )' 1 'G r B T+ + =

A variável B , obrigações, pode ser vista também como o contrário da variável de poupança individual s . Em situação normal, o Estado financia os seus gastos com recurso à venda de obrigações. Mas poderá acontecer que 0B < , ou seja, o Estado confrontado com um superavit comprou obrigações ao sector privado, recebendo no futuro o seu valor acrescido do juro. A restrição intertemporal pode ser obtida através do isolamento da variável das obrigações:

' '

1

T GB

r

−=+

Inserindo na restrição corrente:

' ' ' '

1 1 1

T G G TG T G T

r r r

−= + <=> + = ++ + +

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Enquanto no modelo estático se tinha que os gastos públicos tinham de igualar a receita dos impostos, a nova restrição diz exactamente o mesmo, mas referindo-se ao valor actual. Surge a oportunidade do Estado incorrer em défices – que terão de ser pagos no período seguinte.

4.3. Equilíbrio Competitivo O mercado no qual interagem os N consumidores desta economia e o Estado é o mercado de crédito, também conhecido como mercado de obrigações. Neste mercado, consumidores e Estado interagem, emprestando ou contraindo empréstimos. Na prática, troca-se consumo futuro por corrente, com o preço definido pela taxa de juro real. Para que se atinja um equilíbrio competitivo, três condições terão de se verificar: 1. A escolha óptima de cada consumidor é feita com base na taxa de juro real r ; 2. O Estado obedece à sua restrição intertemporal; 3. O mercado “clears”, isto é, oferta iguala a procura. Neste caso, ter-se-á que a quantidade de crédito a oferecer pelos consumidores será igual à quantidade de crédito que o Estado deseja adquirir para financiar os seus gastos. A condição de equilíbrio é, doravante, quando a poupança agregada de todos os consumidores privados igualar o valor das obrigações que o Estado emite:

pS B=

Para além de implicar que a poupança privada é igual à dívida emitida pelo Estado, esta identidade indica igualmente que a poupança nacional, igual à poupança privada menos a dívida pública, é igual a zero em equilíbrio:

p gS S S= +

Sendo que, neste caso particular, gS B= − , ou seja, a poupança pública é o simétrico da dívida. Note-se, igualmente, que a poupança privada é toda a parte do rendimento que não é consumida. Logo:

pS Y T C= − −

E, pela restrição do Estado:

B G T= −

Logo, substituindo ambas as variáveis na condição de equilíbrio do mercado das obrigações tem-se:

Y T C G T Y C G− − = − <=> = +

A identidade despesa-rendimento. Tem-se, assim, que sempre que esta identidade se verificar, o mercado encontra-se em equilíbrio.

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4.4. Teorema da Equivalência Ricardiana No modelo estático, o aumento dos gastos do Estado provocavam um efeito crowding-out sobre o consumo e investimento privados, visto que o Estado se encontrava forçado a obedecer à identidade gastos-impostos. Isso já não se aplica a este modelo, no qual é dada ao Estado a possibilidade de incorrer num défice no período corrente. O Teorema da Equivalência Ricardiana formula que o timing dos impostos é neutro. Isto significa que qualquer variação corrente dos impostos terá de ser compensada, de forma oposta, no futuro. Logo, o efeito final sobre a taxa de juro e consumo privado é, em termos de valor actual, nulo. Este resultado é um pouco contra-intuitivo, dado que basicamente indica que os défices são irrelevantes. Mesmo não sendo esta a conclusão final, o Teorema é extremamente importante para expor o facto pelo qual uma descida de impostos não é um almoço grátis. Para provar de que forma é que o Teorema se aplica neste modelo, convém substituir, na restrição intertemporal do Estado, o valor dos impostos T por N vezes o imposto pago por cada consumidor t : T Nt= .

' '

1 1' 1 '

1 1

G NtG Nt

r rt G

t Gr N r

+ = ++ +

+ = + + +

A última identidade é equivalente a dizer que o valor actual dos impostos pagos por cada consumidor corresponde a uma fatia equivalente do valor actual da despesa pública per capita. Ora, então esta porção da despesa pública per capita poderá ser introduzida na restrição intertemporal do consumidor, em substituição do valor actual dos impostos:

' ' 1 '

1 1 1

c y Gc y G

r r N r + = + − + + + +

Suponha-se agora que o mercado se encontra em equilíbrio a uma dada taxa de juro, sendo que o consumidor escolhe consumo presente e futuro e o Estado iguala o valor actual dos seus gastos e despesa, sendo que a igualdade da poupança privada – dívida pública também se verifica. Vamos supor agora que, respeitando a sua restrição, o Estado decide subir os impostos

hoje, prevendo a sua descida no futuro. t∆ é compensado por 1

t

r

∆−+

. Ora, facilmente se

compreende que a restrição intertemporal do consumidor não será afectada: tanto , ', ,y y G N e 'G se mantiveram, logo mantendo-se o rendimento e a taxa de juro

constante, a escolha do consumidor não foi afectada por esta variação dos impostos. Ora, como o consumo se mantém, também a condição Y C G= + se mantém, o que implica o equilíbrio no mercado de crédito. Demonstrou-se assim, que para qualquer variação de impostos, necessariamente compensada no futuro para que o Estado possa obedecer à restrição orçamental, nenhum

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dos parâmetros da restrição intertemporal varia, logo se mantendo o consumo constante e a taxa de juro no mesmo valor de equilíbrio. Prova-se que a Equivalência Ricardiana se verifica neste modelo. Apesar de não se verificarem efeitos a nível do equilíbrio, despesa e rendimento, a variação dos impostos tem implicações ao nível da poupança. Qualquer aumento de impostos diminui a poupança privada pS Y T C= − − e aumenta a poupança pública pelo mesmo montante gS T G= − . Já uma diminuição dos impostos provoca o efeito inverso: a maior poupança dos consumidores reflecte a sua preocupação de ter de pagar mais impostos no futuro. Graficamente, a equivalência Ricardiana é facilmente visível. No gráfico seguinte, o consumidor começa com a dotação 1E , escolhendo o óptimo A .

Suponha-se então que há uma redução dos impostos no período corrente, 0t∆ < . Ora, o Estado terá de contrair empréstimos através de obrigações de forma a compensar este “buraco”, logo tendo os impostos de aumentar ( )1t r∆ + no período seguinte, de forma a

compensar igualmente o juro pago pelo Estado devido aos empréstimos contraídos. Ora, o efeito na restrição vitalícia do consumidor mantém-se então inalterado. Apenas o ponto de dotação se altera para 2E , dado que uma redução actual dos impostos permite maior consumo corrente, mas menor consumo futuro dada a necessária subida dos impostos.

4.5. Mercado de Crédito A posição do consumidor, de devedor ou credor, irá depender em grande parte da taxa de juro que vigora numa dada economia. No entanto, tal como o salário representava o equilíbrio do mercado de trabalho, também a taxa de juro resulta da actuação de forças económicas no mercado de crédito. A função da poupança privada já foi apresentada como sendo pS Y T C= − − . Assume-se, geralmente, que esta será uma função com declive positivo. De facto, empiricamente, atesta-se que aumentos da taxa de juro implicam reduções do consumo e subsequentes

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aumentos da poupança. Isto pode não ser verdade para todos os consumidores, mas assume-se que, ao somar todos os efeitos substituição e rendimento, os primeiros predominam. Do lado da procura de crédito, para já, considera-se unicamente o Estado. Este será forçado a cobrir a sua dívida pública a qualquer preço, logo apresentando uma procura perfeitamente inelástica. O cruzamento da procura de crédito (a venda de obrigações por parte do Estado) e da oferta privada geram uma taxa de juro de equilíbrio.

4.5.1. Equivalência Ricardiana no Mercado de Crédito

O gráfico anterior demonstra a aplicação da equivalência Ricardiana no mercado do crédito. Suponha-se que o Estado reduz os impostos no período corrente. Como os seus gastos se mantêm, a procura de crédito expande-se de 1B para 2B . No entanto, sob a hipótese de suavização do consumo, parte do aumento do rendimento corrente terá de ser transferida para o consumo futuro. Sob a hipótese da Teoria do Rendimento Permanente, os consumidores são racionais o suficiente para compreender que toda a redução dos impostos hoje será compensada no futuro, pelo que o seu óptimo não se altera (como havíamos visto anteriormente), e o aumento do rendimento é totalmente poupado. Consequência: a oferta de crédito desloca-se exactamente na mesma proporção, mantendo assim a taxa de juro inalterada.

4.6. Equilíbrio do Mercado de Crédito Sem intervenção do Estado e sem investimento, o equilíbrio do mercado de crédito irá resultar das dotações de rendimento corrente e futuro, assim como das expectativas dos consumidores. A taxa de juro de equilíbrio será uma tal que os consumidores credores estarão dispostos a emprestar todas as suas poupanças aos consumidores devedores. Ou seja, a nível agregado, e em equilíbrio, a poupança numa economia deverá ser igual a zero.

0PS =

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Se a taxa de juro for superior ao seu nível de equilíbrio, os consumidores irão querer mais consumo futuro, em detrimento de consumo corrente. Logo, o nível de poupança agregado da economia irá aumentar (haverá mais indivíduos a oferecer crédito do que a procurar). O mesmo ocorre para níveis da taxa de juro inferiores ao equilíbrio: os consumidores querem consumir mais hoje, logo haverá um excesso da procura de crédito. Logo, a curva da poupança agregada será positivamente inclinada, em função da taxa de juro. 1+r PS 1 r+ S Por exemplo, um aumento do rendimento corrente aumenta o consumo hoje e amanhã. Como já vimos, a variação do consumo corrente terá de ser inferior à variação do rendimento, devido à suavização do consumo. Logo, a curva da poupança agregada expandir-se-ia através de uma deslocação para a direita. Para a mesma taxa de juro, haveria mais consumidores a poupar e dispostos a oferecer crédito. Tal implicaria que o nível da taxa de juro de equilíbrio, quando a poupança é igual a zero, diminuiria.

1y r↑=> ↓ Já um aumento do rendimento futuro levaria a um aumento do consumo hoje, sem variação do rendimento corrente. Se este último parâmetro se manteve constante e o consumo corrente aumentou, a poupança individual tem necessariamente de diminuir. Logo, a curva de poupança contrair-se-ia, deslocando-se para a esquerda.

2y r↑=> ↑

E se os consumidores se tornam mais impacientes? Para medir o grau de impaciência relativamente ao consumo corrente e futuro, é normal modelar a função utilidade com base num parâmetro β . Este parâmetro, também conhecido como taxa de desconto, tenta modelar o nível de impaciência do consumidor, ponderando o peso do consumo futuro na sua função de utilidade.

( ) ( ) ( )1 2 1 2, ln ln , 0 1U c c c cβ β= + < <

Quanto mais próximo de zero estiver o parâmetro, mais impaciente é o consumidor (ou seja, o efeito de um aumento do consumo futuro na utilidade será quase nulo). Quanto maior, mais pacientes são e mais valorizam o consumo futuro. Caso este parâmetro diminua, os consumidores tornam-se mais impacientes. Preferem consumir mais hoje e

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menos amanhã. A propensão a se tornarem devedores aumenta, pelo que a procura de consumo corrente, a procura por crédito, ir-se-á expandir. A poupança contrai-se e a taxa de juro de equilíbrio aumenta.

rβ ↑=> ↑

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5. Modelo Intertemporal e Investimento Até agora, foram apenas analisadas a decisão de consumo e lazer e de produção a um período e a decisão de consumo e poupança a dois períodos. A introdução da variável investimento permite modelar o comportamento da empresa a dois períodos, permitindo assim analisar a decisão intertemporal de consumo e lazer e, doravante, determinar os níveis reais de produção, trabalho, consumo e taxa de juro em dois períodos. O investimento pode, também, ser visto como um trade-off entre consumo presente e futuro. A particularidade encontra-se no facto do investimento conseguir aumentar a capacidade produtiva futura da economia, ou seja, abdicamos de consumo hoje, para mais consumo no futuro. Para além disso, a introdução do investimento permite analisar as variações do stock de capital da economia, factor que era considerado fixo a um período. Ao investir, a empresa está a trocar os lucros de hoje por lucros ainda maiores no período futuro. A taxa de juro real será um dos factores mais determinantes na decisão de investimento: quanto maior esta for, maior o custo de oportunidade do investimento e, logo, menor será este. A análise do impacto do investimento será feita ao nível dos três principais agentes do modelo: o consumidor representativo, a empresa e o Estado.

5.1. Consumidor Representativo Desta vez, a decisão de consumo e trabalho terá de ser feita a dois períodos, e em simultâneo com a decisão de consumo presente ou futuro. Assume-se que o consumidor dispõe de uma restrição horária de h tanto no período presente como futuro, dividindo-a entre lazer e trabalho. Face ao salário presente, futuro, taxa de juro real, impostos presentes e futuros, o consumidor irá escolher consumo corrente e futuro, lazer corrente e futuro, assim como poupança. A restrição orçamental corrente do consumidor é dada por:

( )pC S w h l Tπ+ = − + −

Sendo no futuro dada por:

( ) ( )' ' ' ' ' 1 pC w h l T r Sπ= − + − + +

Para unir as duas restrições numa única restrição intertemporal, isola-se a poupança na restrição corrente e substitui-se a variável respectiva na restrição futura. O resultado final será:

( ) ( )' ' ' ''

1 1

w h l TCC w h l T

r r

ππ

− + −+ = − + − +

+ +

Ou seja, o valor presente do consumo iguala o valor presente do rendimento total intertemporal. As variáveis de decisão do consumidor serão quatro: consumo e lazer

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correntes e futuros. Não sendo possível resolver o problema graficamente, o problema de optimização do consumidor terá de ser resolvido com base em três condições marginais:

1) ,l CMRS w=

2) ', ' 'l CMRS w=

3) , ' 1C CMRS r= +

5.1.1. Oferta de Trabalho Corrente A oferta corrente de trabalho será determinada pelo consumidor com base em três variáveis fundamentais.

1) Salário Real Corrente – Assume-se, por hipótese, de que um aumento do salário real corrente provoca um efeito substituição que se sobrepõe ao efeito rendimento. Logo, um aumento do salário real deverá reduzir o consumo de lazer corrente e, doravante, aumentar o trabalho oferecido pelo consumidor.

0SN

w

∂ >∂

2) Taxa de Juro Real - Não apenas o consumidor poderá trocar consumo corrente

por futuro como lazer corrente por futuro. Esta decisão será determinada pela taxa de juro real. Tal ocorre pois um aumento da taxa de juro aumenta não apenas o preço do consumo corrente (daí que o consumidor prefira mais consumo futuro), como também o valor do salário corrente. Se a taxa de juro aumenta, o consumidor irá querer obter um rendimento do trabalho superior hoje, dado que este valerá mais no futuro. Logo, um aumento da taxa de juro deverá levar a que o lazer corrente diminua, podendo o consumidor auferir um rendimento superior hoje e descansar mais no futuro. A este fenómeno chama-se substituição intertemporal do lazer.

0, 0SN l

r r

∂ ∂> <∂ ∂

3) Rendimento Intertemporal (Total) – Nos casos anteriores, notava-se que

quando o rendimento total aumentava, o consumidor aumentava tanto o consumo corrente como futuro. O mesmo ocorre com o lazer: um efeito rendimento puro leva a um aumento do lazer corrente, sendo o lazer um bem normal, logo diminuindo a oferta de trabalho.

0SN

we

∂ <∂

Feita esta análise, torna-se possível a construção de uma curva positivamente inclinada que representa a oferta corrente de trabalho, em função directa do salário corrente, mas também da taxa de juro real.

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Quando a taxa de juro real aumenta, dá-se o efeito de substituição intertemporal de lazer, pelo que o consumidor opta por menos lazer hoje para poder ter mais amanhã. Logo, para o mesmo salário, estará disposto a trabalhar mais horas: a curva de oferta de trabalho expande-se para a direita. O efeito é precisamente o oposto no caso de um aumento do rendimento intertemporal.

5.1.2. Procura de Bens Corrente A procura corrente por bens de consumo será determinada por dois factores principais:

1) Taxa de Juro Real – Assume-se que o efeito substituição predomina sempre no aumento da taxa de juro, pelo que o consumidor irá sempre optar por menos bens de consumo, quer seja devedor ou credor. O aumento da taxa de juro leva o consumidor a optar por menos consumo corrente e mais futuro.

0dC

r

∂ <∂

2) Rendimento Intertemporal – Já tendo sido exaustivamente analisado, um

qualquer efeito no rendimento intertemporal, quer seja permanente ou temporário, corrente ou futuro, irá sempre provocar um aumento do consumo corrente.

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0dC

we

∂ >∂

O salário corrente influencia também o consumo corrente, mas não é considerado, sem perda de generalização, de forma a simplificar a análise. Tem-se também em consideração o facto do consumo corrente ser apenas parte da procura total de bens numa economia. Esta será determinada, também, pela procura de bens por parte do Estado e pelo investimento das empresas.

5.2. Empresa Representativa A empresa produz bens e serviços com base em dois inputs: capital e trabalho. A principal diferença em relação ao problema da empresa anteriormente estudado é de que a produção ocorre em dois períodos, e a empresa poderá alterar o seu stock de capital com recurso ao investimento. A sua produção corrente é dada pela função produção:

( ),Y zF K N=

Já a produção futura terá em consideração as quantidades futuras de inputs, assim como potenciais choques de produtividade na economia (alterações do parâmetro z):

( )' ' ', 'Y z F K N=

Neste modelo, tem-se em consideração que o investimento resulta de um trade-off de consumo corrente. Logo, parte-se da hipótese de que o investimento é o processo de transformação de consumo corrente em capital futuro. Ora, a empresa abdica de lucros presentes para investir e produzir mais no futuro, pelo que se considera que as perdas podem ser medidas em consumo (lembremo-nos de que o consumidor transforma os lucros da empresa em rendimento e consumo). Considera-se, também, que o capital deprecia a uma taxa d , pelo que a quantidade total de capital futura poderá ser dada pelo capital de hoje, depreciado, mais o investimento:

( )' 1K d K I= − +

Considera-se também que, no final do período futuro, a empresa liquida todo o capital que tem disponível ( )' 1K d− , convertendo-o em bens de consumo (como é o último período,

não há necessidade de capital nem de qualquer tipo de inputs).

5.2.1. Lucros e Procura de Trabalho Corrente Os lucros correntes da empresa são análogos aos considerados no modelo a 1 período, com o acréscimo do investimento enquanto custo corrente:

Y wN Iπ = − −

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55

Já os lucros futuros serão dados pela produção futura, menos os custos com o trabalho futuros, mais a liquidação do capital futuro:

( )' ' ' ' 1 'Y w N d Kπ = − + −

Os lucros presentes e futuros são pagos aos accionistas, aqui representados pelo consumidor representativo. Como a empresa actua no interesse dele, tentará maximizar o valor presente dos seus lucros correntes e futuros.

'

1V

r

ππ= ++

Sendo as variáveis de decisão a procura de trabalho corrente, a procura de trabalho futura e o investimento. A procura de trabalho corrente influencia unicamente os lucros correntes, sendo esta decisão baseada na condição NMP w= . Nada se altera, efectivamente, em relação ao modelo a 1 período.

Tal como havia sido explicado, um aumento da TFP ou do stock de capital levam ao aumento da produtividade marginal do trabalho, o que leva a que a empresa esteja disposta a pagar um salário superior por cada unidade de trabalho. Logo, a curva expande-se para a direita. A procura de trabalho futura é perfeitamente análoga, dependendo dos mesmos factores e influenciando unicamente os lucros futuros.

5.2.2. Decisão de Investimento A escolha de investimento da empresa é feita ponderando os custos e benefícios marginais desta decisão. O custo marginal do investimento será, com base nas hipóteses assumidas, igual a 1. Isto deve-se ao facto de cada unidade adicional de investimento reduzir os lucros correntes em uma unidade e, logo, o valor presente dos lucros em uma unidade.

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56

( ) 1MC I =

O benefício marginal do investimento será aquilo que cada unidade adicional de investimento acrescenta ao valor presente dos lucros. Ora, o investimento influencia o capital futuro, pelo que o benefício é sentido nos lucros futuros, em duas componentes: o aumento de output gerado pela adição de capital que advém de mais uma unidade de investimento, que é igual à produtividade marginal do capital, e o aumento de capital disponível para liquidação no final do período futuro. Logo, o benefício marginal do investimento, em termos de lucros futuros é igual à produtividade marginal do capital futuro mais 1 d− , a quantidade adicional de capital disponível para liquidação. O benefício marginal do investimento, em termos de valor presente dos lucros é dado por:

( ) ' 1

1KMP d

MB Ir

+ −=

+

Como qualquer condição marginal, a empresa investe até que o benefício marginal iguale o custo marginal:

'

'

11

1K

K

MP d

rMP d r

+ −=

+− =

Logo, a empresa investe até que o produto marginal líquido do capital iguale a taxa de juro real. De facto, a taxa de juro pode ser vista como um indicador do custo de oportunidade do investimento, dado que equivale à taxa de retorno de um qualquer outro activo na economia, equivale ao valor da melhor alternativa possível ao investimento. De facto, o consumidor é o detentor indirecto do capital da empresa, pelo que irá ponderar entre uma unidade adicional de lucro corrente, que poderá ser investida à taxa de juro, ou a taxa de retorno que será gerada pelo investimento em capital. Por isso é que a empresa nunca irá investir se o produto marginal líquido do capital for inferior à taxa de juro: implica que o consumidor estaria a ganhar mais dinheiro ao poupar esse investimento à taxa de juro. Daqui se infere que, quanto menor a taxa de juro, maior a procura de investimento. Se a taxa de juro real sobe, a empresa irá optar por uma menor quantidade de capital futuro, para que a produtividade marginal deste factor aumente e iguale a taxa de juro. A procura de investimento por parte da empresa é análoga à procura de trabalho na medida em que é dada pela curva da produtividade marginal do capital (líquida, ou seja, menos a taxa de depreciação):

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Este diagrama expressa a decisão de investimento em função da taxa de juro real. Mas o investimento irá, também, depender de outros factores:

1) Produtividade Total dos Factores Futura – Um aumento da TFP futura implica um aumento da produtividade futura para cada nível de capital, pelo que a empresa estará disposta a investir mais

0'

dI

z

∂ >∂

2) Stock de Capital Corrente – Quanto mais capital a empresa possuir no período

corrente, menor a sua produtividade marginal. Logo, menos estará disposta a investir.

0dI

K

∂ <∂

O primeiro ponto provocaria uma expansão da curva de procura por investimento, dado que para cada nível de capital, a produtividade marginal estaria maior. O inverso ocorre para o segundo ponto, que equivale a uma contracção. Estas variáveis podem explicar a elevada volatilidade do investimento enquanto indicador macroeconómico. Ao contrário do consumo, que é suavizado pelos consumidores, as empresas têm de ser rápidas a reagir a variações nas taxas de juro e expectativas de produtividade futuras.

5.3. Estado O comportamento do Estado será idêntico ao que era verificado no modelo de escolha intertemporal. Os gastos, aquisição de bens por parte do Estado, continuam a ser exógenos, tendo o seu valor presente de ser igualado pelas receitas fiscais e pela emissão de

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títulos e obrigações que terão de ser reembolsados no período futuro. Logo, assume-se a restrição estatal intertemporal:

' '

1 1

G TG T

r r+ = +

+ +

5.4. Equilíbrio Competitivo No período corrente, o consumidor oferece trabalho e procura consumo. A empresa procura trabalho, procura investimento e oferece consumo. O Estado procura bens, sob a forma de gastos públicos. O equilíbrio competitivo é atingido quando é atingido o equilíbrio em três mercados distintos: Trabalho, Bens e Crédito. O mercado de crédito não é representado graficamente, mas o seu equilíbrio encontra-se implícito na representação dos dois mercados anteriores.

5.4.1. Mercado de Trabalho Corrente e Oferta de Output O mercado de trabalho corrente é análogo ao mercado a 1 período, resultando da interacção entre procura e oferta deste factor de produção. Para uma dada taxa de juro real (que condiciona a oferta de trabalho corrente), o equilíbrio é atingido, determinando o salário óptimo e a quantidade óptima de trabalho. Essa quantidade é contratada pela empresa que, a partir da sua função de produção, irá determinar a quantidade óptima de output a ser produzido no período corrente. Essa quantidade óptima encontra-se dependente, também, do stock inicial de capital (que é fixo no período corrente) e da TFP. Torna-se, então, possível determinar a quantidade total de produção da economia em função da taxa de juro real – lembremo-nos de que a oferta de trabalho é função desta variável. Se a taxa de juro aumentar de 1r para 2r , então a oferta de trabalho expandir-se-á (substituição intertemporal do lazer). Tal movimento não só reduz o salário real de equilíbrio como aumenta a quantidade de trabalho na economia. Esta, por sua vez, faz aumentar a quantidade óptima de produto de 1Y para 2Y . Com base neste raciocínio, torna-se possível a construção da curva de oferta de output, uma curva positivamente inclinada que relaciona todas as combinações possíveis de output e taxa de juro real, dado que o mercado de trabalho se encontra em equilíbrio. A curva é denominada por sY . A representação seguinte considera:

a) O equilíbrio no mercado de trabalho resultante do aumento da taxa de juro; b) O aumento do output através da função produção; c) O aumento do output face à variação da taxa de juro real.

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A curva de oferta de output irá reagir a diversas variáveis. Qualquer factor, que não seja a taxa de juro, e que provoque um movimento da oferta de trabalho, procura de trabalho ou função produção irá provocar um movimento da oferta de output.

1) Rendimento Intertemporal e Impostos – Uma redução do rendimento intertemporal provoca a expansão da oferta de trabalho (redução do consumo e lazer correntes). Um aumento dos gastos públicos levará, pela Equivalência Ricardiana, a uma diminuição do rendimento intertemporal do consumidor. Logo, para uma dada taxa de juro real (não se alterou), para o mesmo salário, a quantidade de trabalho aumentou, o que conduz a um aumento da produção e, doravante, uma expansão da oferta de output.

0 0

0 0' '

s s

s s

N Y

G G

N Y

G G

∂ ∂> => >∂ ∂∂ ∂> => >∂ ∂

2) Produtividade Total dos Factores/Capital Corrente – A função produção

expande-se: cada unidade de trabalho produz agora mais output. A produtividade marginal do trabalho também aumenta, pelo que a procura de trabalho se expande, levando a um maior salário real e a mais trabalho contratado. O nível de output aumenta para a mesma taxa de juro, pela que a oferta se expande.

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0 0

0 0

d d

d d

N Y

z z

N Y

K K

∂ ∂> => >∂ ∂

∂ ∂> => >∂ ∂

5.4.2. Mercado de Bens Corrente e Procura de Output A procura total por bens obedece à identidade despesa-rendimento. Como estamos em economia fechada, não se consideram exportações nem importações. Será a soma da procura de consumo de bens, função do rendimento e da taxa de juro, do investimento das empresas, função da taxa de juro, e dos gastos do Estado, que são uma variável exógena.

( ) ( ),d d d dY C Y r I r G= + +

A procura de consumo corrente aumenta quando o rendimento intertemporal aumenta, mas este aumenta também quando o rendimento corrente aumenta. Mas a identidade despesa-rendimento acerta que o rendimento corrente total deverá igualar a despesa total em bens, que é igual à procura total de bens. Logo, a procura por bens de consumo corrente irá aumentar à medida que a procura total por bens dY aumenta. Tem-se, igualmente, que o aumento da taxa de juro real provoca um efeito negativo tanto no consumo corrente como no investimento. O que complica é o facto da procura de output depender da procura de consumo e esta, por sua vez, depender da procura de output. Logo, qualquer variação exógena, quer seja por consumo, investimento ou Estado, da procura de output irá aumentar a procura de consumo. Isso deve-se ao facto do aumento da procura de output aumentar o rendimento corrente que, por sua vez, aumenta o consumo. Ora, esse aumento do consumo irá, doravante, aumentar ainda mais a procura de output, num processo que é conhecido como multiplicador (Keynesiano). O seu nome advém do facto de ser uma dedução proveniente da função de despesa agregada Keynesiana: AE C I G C MPC Y I G= + + = + ⋅ + + Onde o consumo tem uma componente autónoma, e outra que depende do nível de rendimento. Suponhamos que a TFP futura 'z aumenta, um aumento exógeno que cria um aumento exógeno dos gastos genéricos E∆ . Suponha-se também que, face a qualquer variação da procura de output corrente, o consumo varia por dMPC Y∆ , onde MPC é a propensão marginal a consumir, por quanto aumenta o meu consumo quando o meu rendimento intertemporal aumenta por 1 unidade. Note-se que a MPC terá de ser um valor entre 0 e 1, dada a suavização do consumo.

d dY MPC Y E∆ = ∆ + ∆ Isolando a variação do output, obtém-se a expressão do multiplicador:

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61

1

1dY E

MPC∆ = ∆

Quanto maior a propensão marginal a consumir, maior o multiplicador, e maior será a variação da procura agregada de output. Sabendo já que o consumo e o investimento reagem negativamente a variações da taxa de juro, tem-se então que:

0dY

r

∂ <∂

De onde se infere que a curva da procura agregada de output será negativamente inclinada, face à taxa de juro real.

Para uma dada taxa de juro, a curva de procura de output ir-se-á mover face a uma qualquer variação do consumo, investimento ou gastos públicos. Os factores que provocam uma expansão (deslocação para a direita) desta são:

1) Redução de impostos (correntes ou futuros) – Quando o valor presente dos impostos diminui, o seu rendimento intertemporal varia por WE∆ , o que provoca uma expansão na procura de:

1

WE

MPC

∆−

2) Aumento do rendimento futuro – Se o consumidor antecipar um aumento do seu

rendimento futuro de 'Y∆ , então o rendimento intertemporal aumenta em '

1

Y

r

∆+

, o

que leva a um aumento de:

( )( )'

1 1

Y

r MPC

∆+ −

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3) Aumento da TFP futura – Se a empresa espera maior produtividade total futura, espera maior produtividade marginal do capital, pelo que aumenta a sua procura por investimento, levando a um aumento de:

1

I

MPC

∆−

4) Redução do stock de capital corrente – O raciocínio é análoga ao anterior: a

produtividade marginal do capital aumenta, pelo que o investimento aumenta e a curva se expande pela mesma proporção.

5) Aumento dos gastos públicos – Sendo este um factor exógeno que influencia directamente a procura de output, esta expande-se por:

1

G

MPC

∆−

Note-se que não é tido em conta o impacto dos impostos necessários para financiar este aumento dos gastos.

5.4.3. Modelo Real Intertemporal Completo O modelo baseia-se na análise de dois únicos diagramas: o do mercado de trabalho, em função do salário e taxa de juro real, e o do mercado de bens (output), em função da taxa de juro real.

Para melhor compreender como funciona o modelo, consideram-se de seguida uma série de choques na economia, e como estes poderão ser analisados à vista destes dois diagramas.

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5.4.4. Aumento Corrente dos Gastos Públicos Analisa-se o impacto de um aumento na despesa pública corrente, em virtude de, por exemplo, uma guerra. O aumento de G tem dois efeitos imediatos: ao nível da procura de output e da oferta de output. Pela restrição estatal, um aumento corrente de G, mantendo G’ constante, implicará um aumento no valor presente dos impostos, que terá também de aumentar. Logo, o rendimento intertemporal do consumidor terá que diminuir. Como o lazer e o consumo são bens normais, ambos diminuem, o que leva a uma expansão da oferta de trabalho. Como as empresas contratam mais trabalho, irão produzir mais, o que por sua vez leva à expansão da oferta de output. Como o consumo diminui em virtude do aumento dos impostos (presentes ou futuros), e o Estado aumentou os seus gastos, geram-se forças opostas na movimentação da procura de output. Ora, seja G∆ o aumento dos gastos correntes, terá de ser também a variação do valor dos impostos e, doravante, a variação negativa no rendimento do consumidor. Logo, a redução do consumo é dada por

MPC G− ∆ . A expansão da procura de output é, assim, dada por:

1

d MPC G GY G

MPC

− ∆ + ∆∆ = = ∆−

Existe forte evidência empírica para atestar que a expansão da procura de output será superior à expansão da oferta. Isto implica, doravante, um aumento não apenas do produto de equilíbrio, mas também da taxa de juro de equilíbrio. Esse aumento da taxa de juro leva, por sua vez, a uma nova expansão da curva de oferta de trabalho (aumento da taxa de juro – redução do lazer corrente).

A variação total do output de equilíbrio terá de ser forçosamente inferior à variação dos gastos do Estado, não apenas porque as despesas de consumo diminuíram, como também pelo facto do aumento da taxa de juro real levar à redução do investimento. Dá-se um efeito crowding out não apenas no consumo (como ocorria no modelo a 1 período), mas também no investimento privado. Não apenas o Estado reduz o consumo, como também assegura que a economia irá dispor de um menor stock de capital, o que implica menor

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capacidade produtiva no futuro. O aumento da taxa de juro levou, igualmente, a que o salário real descesse. Ou seja, um aumento temporário dos gastos públicos vem associado a mais emprego e mais produção na economia. Mas não apenas o consumidor representativo consome menos, tem menos lazer e um salário real inferior, como a capacidade futura de produção da economia é afectada.

5.4.5. Aumento Permanente dos Gastos Públicos Agora não apenas G aumenta como G’ também. O Estado decide aumentar os seus gastos por G∆ , aumento esse que permanece no futuro. Desta feita, o valor presente dos impostos terá de aumentar por uma fatia equivalente, ou seja:

1

GG

r

∆∆ ++

Tal é traduzido em menor rendimento permanente das famílias, que implica menos consumo e lazer. Logo, a oferta de trabalho expande-se, o que conduz não apenas a um salário real inferior como a uma maior quantidade de trabalho. Este aumento provoca a expansão da curva de oferta de output. Já a procura de output será influenciada por três diferentes factores. Primeiro, o aumento directo gerado pelos gastos públicos correntes G∆ . Segundo, o aumento do valor actual dos impostos, cuja variação já foi apresentada. Terceiro, o aumento no rendimento real do consumidor de 'Y∆ que, actualizado ao momento presente, terá de ser dividido pela taxa de juro. Logo, a variação total da procura de output é dada por:

[ ]

( )( )

''1 1

1 1 1d

Y GMPC G G

MPC Y Gr rY G

MPC r MPC

∆ ∆ − ∆ − + ∆ ∆ − ∆+ + ∆ = = + ∆− + −

Como simplificação, que será demonstrada correcta mais tarde, assume-se que 'Y G∆ = ∆ , pelo que a expansão da procura se dá pela mesma proporção do aumento dos gastos no período corrente.

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A expansão da procura e oferta de output tornam claro o aumento do output corrente em consequência do aumento permanente dos gastos. No entanto, como é graficamente demonstrado acima, a taxa de juro real manteve-se inalterada. Tal deve-se ao facto de, sendo o aumento dos gastos públicos permanente, o consumidor ser igualmente afectado tanto em termos de consumo corrente como futuro. Logo, não existem incentivos a desencadear e levar a cabo acções de suavização de consumo, não se alterando assim o comportamento no mercado de crédito. Dado que a taxa de juro não se altera, o investimento não é afectado, pelo que não há alterações no stock de capital futuro. Ora, como nada mais se altera no período futuro, fora a variação dos gastos públicos, a variação no rendimento futuro terá de ser necessariamente igual à variação desses mesmos gastos. 'Y G∆ = ∆ Tal como havia sido assumido! Não há qualquer movimentação adicional da oferta de trabalho dado que a taxa de juro real não se alterou. Como a expansão da oferta de output foi maior, o output aumentou por uma maior quantidade do que na situação anterior. Para além disso, o efeito crowding out foi minimizado pelo facto de não existir variação da taxa de juro real – os gastos públicos acrescidos foram quase totalmente sustentados pela diminuição do salário real (que não foi tão grave como a anterior) e pelo aumento do trabalho.

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5.4.6. Redução do stock corrente de Capital Tipicamente, um país acumula capital ao longo do tempo de forma mais ou menos estável. No entanto, eventos como uma guerra ou catástrofe natural podem gerar uma rápida perda do capital disponível numa economia. Uma redução do stock de capital começa por influenciar negativamente a produtividade marginal do trabalho, o que leva a que a procura de trabalho por parte das empresas se contraia. Menos trabalho e menos capital implicam menos produção, pelo que a oferta de output ir-se-á, igualmente, contrair. No entanto, a redução do stock de capital aumenta a produtividade marginal do capital futuro, pelo que o investimento das empresas, para a mesma taxa de juro, irá aumentar. A expansão da procura de output, aliada à oferta, levará necessariamente a um aumento da taxa de juro de equilíbrio, apesar do efeito final no output não poder ser determinado (assume-se, normalmente, que a quebra na produção é superior ao aumento do investimento, pelo que este cai). O aumento da taxa de juro, por sua vez, leva a uma quebra do consumo e lazer correntes, pelo que a oferta de trabalho se expande. No final, o salário real decresce, sendo o efeito ambíguo sobre o trabalho.

Pode ser argumentado que o aumento da taxa de juro leva, igualmente a uma quebra do investimento. Logo, aliado à quebra do consumo, a procura agregada deveria contrair. Mas, então, menos capital levaria a menos investimento, o que é inconsistente com a hipótese de que menos capital implica maior produtividade marginal deste, e logo um maior retorno sobre o investimento.

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5.4.7. Choque de Produtividade Corrente Neste caso, a TFP corrente z aumenta, o que provoca o aumento da produtividade marginal do trabalho e do capital. Tal implica maior produtividade marginal do trabalho, pelo que a procura de trabalho se expande. Por sua vez, mais trabalho na economia implica mais produção, pelo que também se verifica a expansão da oferta de output. O output de equilíbrio aumenta, sendo que a taxa de juro diminui. Tal motiva o consumo e o investimento, assim como o lazer corrente. Ora, aumentando o lazer corrente, a oferta de trabalho contrai-se. O aumento do salário real é claro, mas dados os efeitos opostos das curvas, o efeito final no trabalho torna-se ambíguo. O modelo consegue, assim, prever o carácter procíclico do consumo, investimento, trabalho, salários e produtividade do trabalho. Tal evidencia o carácter da TFP como uma das principais causas para a ocorrência dos ciclos económicos – teoria que é defendida pela Teoria do Ciclo Económico Real.

5.4.8. Choque de Produtividade Futura Desta vez, será z’ que irá aumentar, em virtude de expectativas de, por exemplo, uma grande inovação tecnológica futura. O efeito imediato é o aumento da produtividade marginal do capital futuro, o que constitui um incentivo ao investimento, assim provocando a expansão da procura de output. O produto de equilíbrio aumenta, assim como a taxa de juro real. Este aumento provoca, por sua vez, a substituição intertemporal do lazer, dado que o corrente se torna mais caro, e fazendo expandir a oferta de trabalho. Esta expansão leva a uma maior quantidade de trabalho na economia (consistente com o aumento do rendimento de equilíbrio) e a uma redução do salário real.

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6. Modelo Monetário Intertemporal Até agora, temos analisado a economia em termos puramente reais. Por essa mesma razão, têm-nos escapado uma série de fenómenos de grande relevância macroeconómica: o papel da moeda enquanto meio de transacção e o nível de preços (inflação). Vários economistas defendem a neutralidade da moeda: isto é, a moeda não tem quaisquer consequências de longo prazo para uma economia, de um ponto de vista real. Mas os efeitos de curto prazo existem, e é por isso que se torna tão relevante esta análise.

6.1. O que é a Moeda A moeda é, acima de tudo, um meio de troca, que é generalizadamente aceite na troca por outros bens. É o meio de troca mais líquido em existência: outros meios de troca, como acções, obrigações ou títulos não são perfeitamente líquidos devido a informação imperfeita em relação à sua qualidade ou características intrínsecas. Serve também como unidade de medida, permitindo a um agente económico rapidamente avaliar o valor de qualquer bem ou serviço, visto que o valor de qualquer transacção é medido em moeda. Finalmente, é uma reserva de valor, visto que é o principal instrumento que permite trocar bens e consumo correntes por futuros. A moeda pode surgir de diversas formas: dinheiro em circulação, depósitos à ordem, depósitos a prazo, etc. O modelo monetário intertemporal ir-se-á focar, essencialmente, na moeda que se encontra em circulação para a aquisição de bens e serviços, e quanta desta moeda irão os consumidores querer levantar, manter nos seus bolsos e despender. Várias definições de moeda poderão ser utilizadas neste modelo. M corresponde à moeda total numa economia, variável nominal que agrega todos os tipos de moeda anteriormente referidos. /M P é o chamado valor real da moeda, dado que divide a moeda pelo nível de preços verificado, num dado momento, na economia. Finalmente, outro rácio que poderá ser de interesse é o rácio moeda-rendimento ( )/M PY que nos dá a quantidade

real de moeda em termos de rendimento que se encontra numa economia, num dado período.

6.1.1. Relação de Fisher A relação de Fisher relaciona taxas nominais e reais de juro com a inflação. Assume-se, no modelo, que existem apenas dois activos: moeda e obrigações do Estado, que custam 1 unidade monetária no período corrente e pagam 1 R+ unidades monetárias no período futuro (taxa de juro nominal). A esta taxa se acresce a taxa de inflação, a variação do nível de preços entre dois períodos:

'P P

iP

−=

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A partir da taxa de juro nominal (quanto valorizam as obrigações em termos nominais), à qual tem de ser descontada a desvalorização da moeda que a inflação implica, é possível calcular a taxa de juro real pela Relação de Fisher:

11

1

Rr

i

++ =+

Ou, aproximadamente: r R i≈ −

6.2. Modelo Baumol-Tobin

6.2.1. Procura de Moeda Considere-se um consumidor representativo. O seu consumo real anual é de c , o que implica que, em termos nominais, consome Pc (o número de unidades de consumo multiplicado pelos seus preços). Para consumir, necessita de ir levantar dinheiro ao banco ou a outra qualquer instituição financeira. Assume-se, então, que vai com uma periodicidade T (por exemplo, se vai todos os meses, 1 /12T = ). Se vai todos os meses, então vai 12 vezes ao banco, pelo que o número de vezes que vai ao banco pode ser dado

por 1

T.

Mas a ida ao banco implica diversos tipos de custos. Os bancos cobram, normalmente, custos de transacção e manutenção em depósitos à ordem, para que as pessoas possam ter o dinheiro pronto a levantar. Para além disso, existem os custos de oportunidade associados ao facto da pessoa ter de se deslocar ao multibanco ou ao banco, e dar-se ao trabalho de proceder a todas as operações quando poderia estar a despender o seu tempo de forma muito mais produtiva. A este tipo de custos chamamos custos de transacção, γ . Ora, se o consumidor levanta 1/T vezes por ano, então os custos totais de transacção serão

1

Tγ . Dividindo pelo nível de preços, obtêm-se os custos reais de transacção

1

P T

γ.

Como gasta Pc por ano, e o intervalo entre levantamentos é de T, então precisará de levantar PcT de cada vez. O dinheiro vai sendo gasto ao longo do período, até ser zero quando o período T termina. Nesse ponto, o consumidor levanta novamente a mesma quantia. Moeda PcT 0 T 2T 3T Tempo

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71

O montante médio de moeda que o consumidor irá deter em carteira durante todo o período é, obviamente, a quantidade que quer levantar de cada vez dividida por 2:

2

PcTm =

Em termos reais, basta dividir pelo nível de preços:

2

m cT

P=

Mas o consumidor enfrenta outro problema. Seria muito simples minimizar os custos de transacção levantando apenas uma vez uma grande quantia de dinheiro durante todo o ano. Mas, desta forma, estará a incorrer naquele que é chamado o custo de oportunidade do uso de moeda – a taxa de juro nominal, que poderia ter sido ganha se a moeda estivesse depositada (aplicada em títulos do Estado). O total de juro perdido por ano pode ser calculado como o produto entre a taxa de juro nominal e a quantidade média de dinheiro que o consumidor teve no bolso:

2

m cTR R

P=

Se todos os activos disponíveis ao consumidor tivessem sido aplicados em títulos da dívida pública, então o consumidor teria recebido este valor em juro. Temos então dois tipos de custos em que o consumidor incorre, e que tentará minimizar. Será este problema de optimização que nos dará a quantidade óptima de moeda a ser detida pelo consumidor, e o número de vezes que este deverá ir ao banco, para um dado nível de consumo, uma dada taxa de juro nominal e um dado custo de transacção:

( )

min2T

PcTR

T

γ+

Aplicando as condições de primeira ordem em ordem à variável de decisão T:

( ) ( )

2

20 0

2

P PTC cRT

T cRT

γ γ∂ = <=> − = <=> =∂

Mas, para determinar a procura de moeda, o que é relevante não é propriamente o intervalo entre levantamentos, mas antes a quantidade média real de moeda que o consumidor quer deter, dado um intervalo de transacção.

( )*

2 2

c Pm cT

P R

γ= =

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Esta é a fórmula da função procura real de moeda, a quantidade óptima que cada consumidor quer deter, dada uma taxa de juro, um nível de consumo e custos de transacção (que se assumem como fixos ou residuais, para já).

( ), ,m

L R c PPγ=

Um aumento da taxa de juro irá provocar uma redução da procura de moeda, dado que o custo de oportunidade de deter moeda tornar-se-á superior. Um aumento do consumo provoca, logicamente, um aumento da procura de moeda (as pessoas necessitam de mais moeda para consumir mais). Já um aumento dos custos reais de transacção aumentará, também, a procura de moeda – se estes custos aumentam, irei levantar mais dinheiro de cada vez, de forma a ter que ir ao banco menos vezes. A procura nominal de moeda é dada por:

( ), ,m P L R c Pγ= ⋅

O facto do nível de preços não estar incluído na procura real de moeda é exemplificativo da diferença entre variáveis nominais e reais. Se o nível de preços aumenta, todas as variáveis dentro da função procura irão aumentar pela mesma proporção – pelo que a escolha do consumidor se mantém inalterada! Em equilíbrio do modelo real intertemporal, tem-se que C Y= , pelo que a procura real de moeda poderá ser dada em função não do consumo, mas do rendimento. ( ),dM PL R Y=

Note-se que, por vezes, assumindo inflação igual a zero, torna-se possível substituir a taxa nominal pela taxa real de juro na procura real de moeda.

Se Y , produto/rendimento, aumenta, então a procura de moeda irá aumentar. No entanto, a expansão não ocorre como noutras curvas de procura. Como se tem que, caso o nível de preços fosse igual a zero, não seria necessária moeda, a procura de moeda terá de ser sempre zero. Logo, dá-se uma deslocação não paralela para a direita/baixo, reduzindo-se o declive. O mesmo ocorreria para uma descida da taxa de juro.

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Já um aumento da taxa de juro ou uma diminuição do rendimento iriam provocar o efeito oposto, com uma contracção não paralela da procura de moeda.

6.2.2. Oferta de Moeda e Equilíbrio Monetário Já a oferta de moeda é assumida como sendo perfeitamente rígida. Apenas uma entidade controla a oferta e emissão de moeda nesta economia – o Banco Central, que se considera como pertencendo ao Estado.

O encontro entre procura e oferta geram o equilíbrio do mercado monetário. A quantidade de equilíbrio será sempre, neste caso, igual àquela que é impressa e emitida pelo Estado. Mas o nível de preços de equilíbrio irá depender, essencialmente, da procura e dos parâmetros que a afectam.

6.3. Modelo Intertemporal Monetário Completo O mercado monetário poderá agora ser integrado com o modelo intertemporal real anteriormente deduzido. Um aspecto interessante é o de que todas as variáveis que determinam o equilíbrio monetário são endógenas – taxa de juro e produto de equilíbrio, determinadas pela integração do mercado de trabalho com o mercado de bens.

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6.3.1. Neutralidade da Moeda

No entanto, nenhuma das variáveis determinadas pelo mercado monetário irá influenciar os outros dois mercados. Esta condição é conhecida como a neutralidade da moeda: os mercados reais influenciam o monetário, mas o reverso não se verifica. A quantidade de moeda de equilíbrio é exógena, visto que é determinada pela oferta de moeda, totalmente controlada pelo Banco Central. O que é que poderá determinar uma variação na quantidade de moeda numa economia?

1) Uma redução dos impostos é equivalente a um aumento das transferências, e a um aumento do rendimento das famílias. Milton Friedman conhecidamente apelidou esta táctica de variação da quantidade de moeda como queda de helicóptero, visto que é semelhante à contratação de helicópteros do exército para voarem sobre as cidades e atirarem sacos cheios de dinheiro.

2) O Banco Central pode fazer variar a quantidade de títulos da dívida pública disponíveis em mercado através das operações de open market, quando a entidade fiscal emite novos títulos de dívida pública e o Banco Central compra alguns desses títulos através da emissão de moeda. Uma compra em open market é a aquisição desses títulos, levando a uma maior quantidade de moeda em circulação na economia. Por outro lado, para reduzir essa quantidade, o Banco Central pode

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levar a cabo uma venda em open market, vendendo esses títulos a outras instituições em troco de moeda.

3) Por vezes, o Estado poderá imprimir moeda para financiar um aumento dos seus gastos. Esta técnica é conhecida como senhoragem (análoga às receitas feitas pelos senhores feudais pela cunhagem de moeda) ou imposto de inflação (dado que leva a um inevitável aumento do nível de preços).

Um aumento da quantidade de moeda numa economia provoca a expansão da oferta de moeda, logo aumentando a quantidade de equilíbrio e, igualmente, o nível dos preços. O que se verifica é que esse aumento do nível dos preços e da moeda é absolutamente neutro, isto é, não influencia qualquer um dos mercados reais.

É possível, então, dizer que a dicotomia clássica se aplica a este modelo: variáveis reais não são influenciadas por agregados nominais.

6.3.2. Política Monetária De acordo com as conclusões já abordadas, a alteração da quantidade da moeda no modelo real intertemporal não tem qualquer tipo de consequências reais – influencia unicamente o nível de preços. O facto é que, como veremos mais adiante, o nível de preços (e a inflação) influenciam de forma decisiva o bem-estar dos consumidores, assim como as suas decisões de consumo e trabalho, e consumo corrente e futuro.

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O facto é que, sendo a oferta de moeda perfeitamente rígida, a autoridade monetária (o Banco Central – BC) tem total controlo sobre a quantidade de moeda em circulação na economia. Logo, torna-se possível controlá-la para que, acompanhando os movimentos da procura de moeda, a inflação seja mantida a níveis considerados aceitáveis para um normal funcionamento da economia. Na figura abaixo é exemplificado como o BC poderá estabilizar a evolução do nível de preços (evitar a inflação) através da cuidada manipulação do agregado monetário.

Face a uma expansão da procura nominal de moeda, caso a oferta de moeda se desloque pela mesma proporção, o nível de preços poderá ser mantido constante em P1, ao invés de descer para P2. Mas aqui assume-se que o BC tem informação completa a perfeita sobre aquilo que ocorre na economia, tornando claras as acções a tomar na eventualidade de choques sobre a procura de moeda. No entanto, este não é o caso. Daí que a política monetária seja uma matéria tão complexa. Para facilitar a sua abordagem, reune-se a discussão em torno de uma série de regras de política monetária, que determinam o que deverá o BC fazer em relação a determinadas variáveis face à informação que consegue recolher da economia. As regras de política monetária distinguem-se com base no agregado ou variável da economia que o BC deverá tentar controlar de forma a manter estável o nível dos preços e, dessa forma, promover um crescimento sustentado da economia. De uma forma geral, duas variáveis podem ser controladas pelo BC: o agregado monetário, directamente, a taxa de juro ou a taxa de inflação.

6.3.3. Política Monetarista O seu nome advém do facto de este tipo de políticas tentarem “alvejar” o agregado monetário de forma directa. A política monetarista, defendida essencialmente por Friedman nos anos 60 e 70, defende que o BC deverá definir uma taxa de crescimento fixa para o agregado monetário, facilitando assim o crescimento controlado e sustentado de longo-prazo da economia, através da definição de sólidas expectativas. A sua base teórica assenta na Teoria Quantitativa da Moeda. Esta enuncia que:

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PY

MV PY MV

= <=> =

Ou seja, o produto nominal PY é igual à quantidade de moeda multiplicada pela sua velocidade de circulação. Tal por sua vez implica que a moeda é igual ao produto nominal dividido pela velocidade de circulação (a velocidade é igual ao produto nominal sobre a moeda). Aplicando logaritmos à equação quantitativa tem-se que: M V P Y M P Y Vg g g g g g g g+ = + <=> = + − Ora, segundo os pressupostos monetaristas, a velocidade de circulação da moeda teria que ser constante, pelo que 0Vg ≈ . Logo, o crescimento da moeda deveria ser igual ao crescimento dos preços mais o crescimento do produto real. Tendo em consideração que o crescimento dos preços seria igual ao crescimento da moeda menos o crescimento do produto real, o BC teria nas suas mãos o controlo da inflação (dado que o crescimento da moeda é da total responsabilidade do BC). As políticas monetaristas começam a falhar nos anos 80, quando o grande nível de inovação financeira começa a causar sérias distorções e falhas de previsão da velocidade de circulação da moeda. Os choques da procura passam então a ser a principal fonte de preocupações dos BC’s.

6.3.4. Regra de Taylor – Taxa de Juro Com o “shift” nas preocupações dos Bancos Centrais, a Taxa de Juro começa a ser o alvo preferencial. Estas políticas assentam, igualmente, na manipulação da quantidade de moeda na economia. Mas o alvo fixado pelo BC é a taxa de juro nominal: para uma expansão da procura de moeda, se o Banco Central não fizer nada, o nível de preços desce o que irá aumentar as expectativas de inflação e, doravante, aumentar a taxa de juro nominal (que, como já vimos pela relação de Fisher é a soma da inflação esperada e da taxa de juro real). Ora, aumentando a oferta de moeda o suficiente, o BC consegue manter a taxa de juro nominal estável através da estabilização do nível de preços. Por outro lado, suponhamos que há um aumento da taxa de juro real, tal que a procura de moeda se contrai. De forma a estabilizar a taxa de juro nominal, o BC terá de provocar um aumento do nível de preços de forma a reduzir as expectativas de inflação. Tal implica que terá de expandir o suficiente a oferta de moeda, de forma a reduzir ao máximo as expectativas de inflação e garantir que a taxa de juro nominal se mantém. Este tipo de políticas é, no entanto, extremamente complicado. Logo, não se aplicam de forma eficaz aos casos em que a taxa de juro real se altera (quando ocorrem choques na procura ou oferta de output). O controlo da Taxa de Juro torna-se numa preocupação da Reserva Federal em 1993, ano em que John Taylor enuncia a sua regra de controlo da inflação por via da taxa de juro de curto prazo. Segundo a Regra de Taylor, a taxa de juro nominal fixada no período t deverá ser tal que:

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( ) ( )* 0,5 0,5T Pott t t t tR r i i i Y Y= + + − + −

A taxa de juro nominal deverá igualar a taxa de juro real de equilíbrio de curto-prazo mais a inflação no período t mais 0,5 vezes a diferença entre a inflação verificada menos a inflação “alvejada” pelo BC, mais 0,5 vezes a diferença entre o produto real e o produto real potencial para esse período. Esta última parcela corresponde ao output gap, uma medida de flutuação do produto real em relação à sua tendência. Esta, ao contrário da monetarista, é uma regra activa, dado que reage às condições da economia. Se tanto a inflação como o produto forem iguais ao alvo e potencial, respectivamente, então a taxa de juro nominal deverá respeitar a equação de Fisher: taxa de juro real mais inflação. Quanto mais acima se encontrar a inflação do seu alvo, ou quanto mais acima se encontrar o produto do potencial (sobreaquecimento), mais a taxa de juro nominal deverá aumentar (para refrear o crédito e arrefecer a economia).

6.3.5. Regra de McCallum – Consensual A Regra de McCallum é consensual na medida em que o seu principal alvo é a base monetária – mas é uma política proactiva que reage às condições da economia. A base monetária deve ser entendida como a moeda em circulação mais as reservas de moeda. A regra enuncia que:

( ) ( )

1

0,5T T

t

PY PYH V PY

H PY V PY PY −

∆ ∆∆ ∆ ∆ = − + − ∆ ∆

Define um alvo (target) para o produto nominal, que combina então crescimento do produto real e do nível de preços. Se o produto nominal crescer demasiado em relação ao alvo, o Banco Central deverá reduzir a base monetária (por exemplo, através de operações de open-market) e vice-versa.

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7. Ciclo Económico Real (RBC) Até aos anos 60, o pensamento macroeconómico era dominado por correntes Keynesianas, que acreditavam na estabilização da economia no curto-prazo por via das políticas monetária e orçamental por parte do Estado. Os preços e os salários eram vistos como inflexíveis (sticky) e duvidava-se que determinados mercados conseguissem atingir equilíbrios no curto prazo. Até esta era, os Keynesianos eram unicamente enfrentados nas suas posições pelos monetaristas, que acreditavam na política monetária como a principal ferramenta estatal de intervenção e estabilização da economia. Tudo se altera no início da década de 70 com a Revolução das Expectativas Racionais, motivada pela Crítica de Lucas. Os princípios desta revolução eram os de que os modelos macroeconómicos deveriam ser microfundados, isto é, baseados em princípios microeconómicos de preferências, tecnologia e comportamento racional, e de que seria possível estudar modelos macroeconómicos de forma eficiente com recurso a modelos de equilíbrio, onde todos os mercados atingissem este estado estacionário. Ao longo da década de 80, estes dois princípios tornaram-se generalizadamente aceites, dando origem a uma série de modelos que, neles baseados, tentassem explicar as flutuações da macroeconomia – como prevê-las, e como suavizá-las. Destas, uma das mais importantes e revolucionárias foi a Teoria do Ciclo Económico Real – Real Business Cycle Theory ou RBC.

7.1. RBC e Resíduo de Solow Desenvolvido no início dos anos 80 por Kydland e Prescott, baseia-se na hipótese de que a principal causa das flutuações económicas (por isto se entendam flutuações do produto) são os choques de produtividade. Estes choques de produtividade eram medidos com base nas variações do Resíduo de Solow, correspondente, no fundo, a uma visão agregada da produtividade total dos factores encontrada nas funções produção do modelo real. Estes resíduo de Solow considera, tal como anteriormente, todos os factores que, não sendo trabalho nem capital, influenciam a produção na economia. Para determinar o resíduo de Solow, considerou-se uma “função produção nacional” Cobb-Douglas: 1Y zK Nα α−= Onde os expoentes correspondem à proporção do rendimento que é utilizada para remunerar cada um dos factores. No fundo, a proporção do rendimento que é gerada por cada um dos factores, trabalho e capital. Logaritmizando a função:

( )log log log 1 logt t t tY z K Nα α= + + −

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Analisando a expressão em termos de taxas de crescimento (isto é, derivando cada argumento em ordem ao tempo):

( ) ( ) ( ) ( ) ( )

( )

' ' ' '1

1Y z K N

Y t z t K t N t

Y z K Ng g g g

α α

α α

= + + −

= + + −

Sabendo que os expoentes Cobb-Douglas são a proporção do rendimento gerado por cada um dos factores, tem-se:

, 1rK wN

Y Yα α= − =

Tal pode ser demonstrado tomando em consideração que a remuneração do capital, no óptimo, igual a sua produtividade marginal (a demonstração é análoga para o trabalho). Tem-se então que: 1 1

Kr MP zK Nα αα − −= = De onde se tem então que:

1 1 1zK N K zK N

Y Y

α α α αα αα α− − −

= = =

Note-se, igualmente, que esta função satisfaz a Identidade de Euler, sendo homogénea de grau 1, o que implica rendimentos constantes à escala (esta propriedade será importante mais adiante, no estudo do Modelo de Crescimento Económico de Solow). Ao estudar a evolução deste resíduo, conclui-se que as suas flutuações acompanhavam de perto, com fortíssima correlação, as flutuações do produto real. Tal levou a pensar que esta teoria teria, de facto, um grande papel na explicação dos ciclos económicos, e de como a economia reage a este tipo de choques através das suas naturais flutuações.

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Note-se, igualmente, que o resíduo de Solow é uma variável persistente, isto é, tende a reproduzir os efeitos sentidos no passado. Quando sobe acima do produto, é de esperar que se mantenha acima, e vice-versa. O resíduo pode ser expresso como um processo econométrico de autocorrelação positiva: .1t t tz zρ ε−= +

Onde o coeficiente de correlação é próximo de 1, mas diferente deste valor (caso contrário seria um passeio aleatório).

7.2. Choques de Produtividade Como vimos, o RBC argumenta que as flutuações económicas advêm, essencialmente, dos choques de produtividade, que tendem a ser persistentes. Interessa-nos, então, saber como reage o modelo real intertemporal a um choque persistente de produtividade, entendido como um choque de produtividade corrente e futura.

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Comecemos pelo choque de produtividade corrente, z . Como sabemos, aumenta a produtividade do trabalho no período corrente, o que provoca a expansão da curva de procura de trabalho. Por sua vez, o aumento do trabalho de equilíbrio, para a mesma taxa de juro, leva a uma expansão da curva de oferta de output. Já o choque de produtividade futura, 'z , leva a que o capital futuro seja mais produtivo. As empresas, para a mesma taxa de juro, estarão interessadas em investir mais, provocando assim a expansão da procura de output. Como a expansão da procura em virtude do aumento do investimento é assumida como sendo menor que a expansão da oferta, o produto aumenta e a taxa de juro real diminui. Esta hipótese deriva do facto do choque ser, em parte temporário. Logo, os consumidores irão considerar que o seu rendimento futuro será menor, poupando mais hoje. Esse aumento da poupança terá de provocar uma diminuição da taxa de juro de equilíbrio o que, por sua vez, impulsiona o aumento do consumo corrente. Também é despoletado o efeito de substituição intertemporal do trabalho – como o consumo presente se tornou mais barato, a quantidade de lazer corrente aumenta, contraindo a oferta de trabalho. Como o produto aumentou e a taxa de juro diminuiu, a procura de moeda expande-se, provocando a queda do nível de preços. Os efeitos finais nos agregados estimados pelo modelo são comparados aos efeitos empíricos na tabela seguinte:

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O RBC é consistente com os dados em relação a virtualmente todos os agregados macroeconómicos. Assume-se que a produtividade média do trabalho aumenta em virtude deste choque dado que o aumento da tecnologia levou a que o aumento da produção fosse superior ao aumento do número de horas trabalhadas na economia. A única grande questão que permanece diz respeito à oferta da moeda. Dado que o RBC assenta em pressupostos reais, não existe forma de explicar a variação na moeda, tida como exógena e controlada pelo BC.

7.3. Oferta de Moeda no RBC O RBC não é capaz de explicar duas particularidades que concernem a moeda:

i) A oferta nominal de moeda é procíclica; ii) A oferta nominal de moeda tende a prever as flutuações do produto real.

É fácil ajustar o RBC de forma a ter em consideração estes dois aspectos. A prociclicidade da oferta de moeda pode ser obtida através da endogenização da moeda, método através do qual a moeda deixa de ser determinada exogenamente, passando a ser determinada pelo BC com base nas condições e flutuações da economia. A explicação endógena parte do pressuposto do RBC – de que os choques económicos são gerados pelas flutuações da produtividade. Ora, quando o output aumenta, também o sector financeiro atravessa um período de maior actividade, aumentando o número de depósitos e, doravante, aumentando a quantidade de moeda na economia (lembremo-nos do efeito multiplicador dos bancos). Da mesma forma, pode ser assumido que o BC tenta manter estável o nível de preços, provocando movimentações da oferta de moeda em resposta às movimentações da procura. O segundo facto é mais problemático, visto que não existe forma de o incorporar, ou mesmo explicar, com base no RBC. As principais explicações tentam relacional o facto do sector financeiro, sendo o mais líquido, ser também o que mais rapidamente reage a flutuações da economia, logo prevendo o que se espalhará aos restantes sectores, ou então as previsões que o BC faz dos choques de produtividade.

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7.4. Política Orçamental no RBC Neste modelo, não há espaço para a intervenção directa do Estado em termos de política orçamental. A política monetária é logo excluída, dado que a moeda é neutra. Como todos os mercados atingem o equilíbrio e não existem ineficiências, o Estado não necessita de intervir directamente, intervenção essa que só irá gerar distorções. Ao contrário dos Keynesianos, o Estado não tem qualquer papel na suavização e estabilização das flutuações económicas. Isso porque, sendo o RBC um modelo microfundado, parte do princípio de que tanto consumidores como empresas estão constantemente a optimizar a sua situação com base nas variáveis da economia. Logo, as flutuações económicas deverão ser vistas como não mais do que uma resposta óptima da economia.

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8. Ciclo Económico Keynesiano Como já foi dado a entender, grande parte da Macroeconomia concentra-se em torno do trabalho desenvolvido por John Maynard Keynes. Não obstante o grande conflito que eclodiu nos anos 70 com a Revolução das Expectativas Racionais, muito do trabalho e ideias Keynesianas continuam actuais, activamente utilizadas e aplicadas em política económica. Muitos dos pressupostos que fundamentaram o modelo monetário intertemporal também constituem as bases para o Modelo Keynesiano. A principal diferença reside naquilo que é conhecido como sticky wages and prices (preços e salários “pegajosos”), isto é, pouco flexíveis num horizonte temporal curto. De facto, este pressuposto parece bastante plausível: independentemente da evolução do nível de preços numa economia, a renegociação de salários e contratos é sempre um processo moroso, caro e que opõe fortíssimos interesses e poderes. Outro aspecto interessante é do que o Modelo Keynesiano, ao contrário do Neoclássico, tem preocupações essencialmente de curto-prazo. “No longo prazo, estamos todos mortos.”, uma das mais conhecidas citações de Keynes. Tal implica que, por exemplo, a moeda não é neutra, e o nível de preços tem sério impacto no funcionamento da economia.

8.1. Mercado de Trabalho e Sticky Wages Os Keynesianos argumentam que, no curto prazo, o salário nominal W é inflexível, pelas razões já apontadas. No modelo, assume-se como sendo fixo, apenas podendo ser alterado por choques exógenos ou no longo prazo. O salário real poderá então ser definido como:

W

wP

=

O salário nominal ajustado ao nível de preços da economia. De uma forma geral, e tentando reflectir as condições vividas na maioria das economias ocidentais aquando do desenvolvimento do modelo, assume-se que existem sempre desemprego positivo. Isto é, no curto prazo, o mercado de trabalho não consegue atingir um equilíbrio! O salário nominal, fixo, é tal que a oferta de trabalho excede a procura.

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Se a oferta excede a procura, então a quantidade de trabalho desta economia é totalmente determinada pela procura de trabalho, sendo neste caso N*. A diferença entre N**, a quantidade de trabalho que os consumidores estariam dispostos a oferecer para este salário nominal, e N*, a quantidade que as empresas estão dispostas a empregar, é o desemprego. Se partimos da hipótese de que o desemprego é estritamente positivo, então estamos a assumir que o salário nominal é sempre superior ao que seria determinado num mercado de trabalho em equilíbrio. Tal implica que a oferta excede sempre a procura, e que a quantidade de trabalho é sempre determinada por esta última. Isto significa que, no Modelo Keynesiano, a curva de oferta de trabalho acaba por ser totalmente dispensável: toda a informação relevante pode ser extraída da curva de procura de trabalho.

8.2. Oferta Agregada - AS Como vimos, o salário real que é verificado no diagrama do mercado de trabalho resulta da divisão do salário nominal, fixo, pelo nível de preços. Tal implica que o salário real é função do nível de preços. Se este aumentar, então o salário real diminui, e vice-versa. Estas variações correspondem a movimentos ao longo da curva de procura de trabalho. A partir da relação entre produto (que é função do trabalho) e nível de preços, é possível construir a curva de Oferta Agregada, AS (Aggregate Supply). Um aumento do nível de preços leva a que os salário reais diminuam. Logo, as empresas irão contratar mais trabalho, levando a uma maior produção e oferta de output.

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Visto que a oferta de trabalho é irrelevante na determinação da quantidade de trabalho nesta economia, apenas factores que influenciem directamente as curvas de procura de trabalho e da função produção irão provocar movimentações na AS. Tal implica, por exemplo, que variações da taxa de juro real, que influenciavam a oferta de trabalho, não terão qualquer efeito na oferta agregada. Os factores que deslocam a curva da oferta agregada são essencialmente dois:

i) Um aumento do salário nominal levará a que, para a mesma quantidade de trabalho, as empresas queiram contratar menos (provoca o aumento do salário real para a mesma quantidade de trabalho). Logo, reduzindo-se a quantidade de trabalho, para o mesmo nível de preços, as empresas irão produzir menos. AS contrai-se.

ii) Uma diminuição na TFP leva a que o trabalho seja, agora, um factor menos produtivo. A procura de trabalho, para o mesmo nível de preços, contrai-se. No entanto, tem-se também uma contracção da função produção – o efeito é duplo. AS contrai-se, dado que, para um mesmo nível de preços, o produto é agora menor.

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8.3. Modelo IS-LM O modelo IS-LM, embora considerado desactualizado por alguns, continua a ser um dos mais poderosos instrumentos da análise macroeconómica Keynesiana. Os modelos mais antigos desconsideravam o papel da oferta agregada, concentrando-se antes na análise das flutuações e choques sobre a procura agregada. Para a determinação e derivação desta última curva, é essencial a compreensão do modelo IS-LM.

8.3.1. Curva IS O seu nome deriva de Investment/Saving Equilibrium. É virtualmente idêntica à curva de procura de output derivada no âmbito do modelo real. Relaciona a procura de produto real com a taxa de juro real.

Os factores que influenciam as suas possíveis deslocações são os já nossos conhecidos:

i) Aumento dos gastos públicos. ii) Redução do valor actualizado dos impostos, aumentando assim, para a

mesma taxa de juro, o consumo corrente. iii) Expectativas de rendimento futuro superior, provocando um efeito

análogo ao anterior. iv) Redução do stock de capital corrente, aumentando o investimento pelo

aumento da produtividade marginal do capital, para a mesma taxa de juro. v) Aumento na TFP futura, pela mesma razão do argumento anterior.

A curva IS pode ser derivada através da Cruz Keynesiana, o modelo que considera que, em equilíbrio, a despesa agregada planeada tem de igualar o produto. A bissectriz de 45º corresponde a todos os pontos de equilíbrio, onde Y=AE. O produto de equilíbrio é, então, dado pela intercepção entre a função despesa e a bissectriz. Uma diminuição da taxa de juro, como sabemos, aumenta o consumo e o investimento, logo expandindo a AE:

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AE AE(r1) r AE(r0) r0

r1 IS Y0 Y1 Y Y0 Y1 Y A partir deste diagrama é, também, possível deduzir um dos mais importantes resultados da Macroeconomia:

( )

( ) ( )Y AE Y C I G Y T C T I G Y T C T I G

Y T C T I G S T I G S T G I S SO I

= <=> = + + <=> − = − + + <=> − − + = + <=>

− − + = + <=> + = + <=> + − = <=> + =

Que nos diz que, em equilíbrio, a poupança privada mais a poupança pública terão de igualar o investimento.

8.3.2. Curva LM É a curva Liquidity preference/Money supply equilibrium. Agrega todos os pontos de equilíbrio do mercado monetário, relacionado produto real com taxa de juro real. A sua derivação implica uma abordagem do mercado monetário ligeiramente diferente daquela que havia sido feita no âmbito do modelo real. Supondo uma economia com inflação zero, tem-se pela Relação de Fisher que R r= , podendo-se então considerar a procura de moeda nominal como sendo a função ( ),PL Y r

- crescente para o produto real, e decrescente para a taxa de juro real. Apresentemos então o mercado monetário com a taxa de juro real, ao invés do nível de preços, no eixo das ordendadas:

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Uma vez mais, a oferta de moeda é considerada exógena, determinada pelo Estado ou pelo Banco Central, sendo por esta determinada a moeda em equilíbrio. Suponhamos que o nível de rendimento aumenta, mantendo-se o nível de preços constante. Sendo a procura de moeda nominal crescente com o rendimento, a procura de moeda expande-se, levando a um equilíbrio monetário com uma taxa de juro real superior. A partir das relações de equilíbrio entre produto e taxa de juro reais, torna-se assim possível deduzir a curva LM. Os factores que podem provocar deslocações na curva LM são aqueles que, para um dado nível de produto alteram a taxa de juro real, ou vice-versa:

i) Um aumento da quantidade de moeda, exógena, na economia. Para o mesmo nível de produto real, a taxa de juro real será mais baixa, logo expandindo a curva LM.

ii) Um aumento do nível de preços leva a uma expansão da procura de moeda. Logo, para o mesmo produto real, a taxa de juro será mais elevada. A curva LM contrai-se.

iii) Um choque exógeno na procura de moeda leva a que ocorra um efeito

análogo ao anterior: sendo a quantidade de moeda na economia constante, qualquer factor que leve à expansão da procura de moeda irá contrair a curva LM. Entre os factores exógenos que possam potenciar este movimento encontra-se a tecnologia e qualidade dos serviços financeiros.

Pela Lei de Walras, e considerando que existem apenas dois tipos de activos monetários: moeda e títulos, a curva LM dá-nos não apenas o equilíbrio do mercado de moeda como também o equilíbrio do mercado de títulos. Este mercado varia de forma inversa ao da moeda: se, por um lado, a procura de moeda é decrescente para a taxa de juro, a procura de títulos será crescente dado que estes pagam juro. É precisamente por isto que a procura de moeda é decrescente – as pessoas preferem gastá-la em títulos quando a taxa de juro é elevada!

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8.4. Procura Agregada – AD A construção do modelo IS-LM permite a derivação da curva de procura agregada, que relaciona a procura de produto real com o nível de preços. Lembremo-nos de que o modelo IS-LM é construído para um dado nível de preços. Tendo em consideração o modelo IS-LM completo, suponhamos um aumento do nível de preços. Como a curva IS é análoga à procura real de output, nada varia em relação a esta. No entanto, a procura de moeda deslocar-se-á para a direita, gerando, para o mesmo nível de produto, uma taxa de juro superior. A curva LM contrai-se. Resultado? O produto real é agora menor e a taxa de juro real superior. A procura agregada agrega todas estas relações entre nível de preços e produto real que são derivadas a partir do IS-LM. Para um nível de preços superior, o produto real é inferior:

Os factores que poderão levar a deslocações da AD relacionam-se, essencialmente, com o que se está a passar, para um dado nível de preços, no IS-LM:

i) Uma expansão da IS levará a que, para o mesmo nível de preços, o produto real seja maior. Logo, a curva AD expande-se. A intuição é de que, para um dado nível de preços, o nível de rendimento ao qual os mercados de bens e moeda se encontram equilíbrio torna-se superior.

ii) Uma expansão da LM leva, igualmente, a uma expansão da AD. A intuição é a mesma: para o mesmo nível de preços, o rendimento de equilíbrio dos mercados monetário e de bens é superior.

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iii) Os factores que deslocam a AD podem ser resumidos numa lista que

congrega todos os factores que movimentam as curvas IS-LM: aumento dos gastos públicos, diminuição do valor actual dos impostos, diminuição do stock corrente de capital, aumento da produtividade total futura, aumento da oferta de moeda, contracções da procura de moeda. Tudo isto para o mesmo nível de preços.

8.5. Modelo Keynesiano Completo O modelo monetário intertemporal utilizava três diagramas: mercado do trabalho, mercado de bens e mercado monetário. O modelo Keynesiano irá, igualmente, utilizar três diagramas: mercado do trabalho, IS-LM e AD-AS. A principal diferença, como já vimos, assenta na inflexibilidade dos salários e no facto de, como iremos ver, a moeda nem os preços serem neutros neste modelo.

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8.5.1. Não-Neutralidade da Moeda Testemos a neutralidade da moeda no modelo Keynesiano com um choque na oferta da moeda (expansão da oferta).

Nível de preços constante, a expansão da oferta de moeda leva a uma diminuição da taxa de juro real, para o mesmo nível de rendimento. Logo, a curva LM expande-se de LM1 para LM2. Tal indica que, para o mesmo nível de preços, o rendimento de equilíbrio é superior, pelo que AD1 expande-se para AD2. Tal leva a um aumento do nível de preços. Este aumento reflecte-se, para começar, na curva LM, que passa de LM2 para LM3. Lembremo-nos de que um aumento do nível de preços leva à expansão da procura de moeda, pelo que a taxa de juro real irá subir para o mesmo nível de rendimento (esta deslocação encontra-se, obviamente, já prevista nas deslocações ao longo da curva AD). Sabe-se, também, que a contracção de LM não poderá anular a sua expansão inicial, visto que o rendimento de equilíbrio aumentou. Também o aumento do nível de preços levou a que os salários reais diminuíssem: as empresas contratam mais trabalho, de N1 para N2, movimento este que já se encontra previsto nas deslocações ao longo da curva AS. O rendimento de equilíbrio passa então de Y1 para Y2.

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A diminuição da taxa de juro despoletou também a substituição intertemporal do lazer e do consumo, pelo que os trabalhadores querem mais lazer corrente e a oferta de trabalho se contrai. O desemprego diminui, doravante. Como vimos, então um choque na oferta de moeda levou a alterações de variáveis reais: o produto, a taxa de juro, os salários e o trabalho. Esta violação da dicotomia clássica constitui o chamado mecanismo Keynesiano de transmissão. Apesar desta abordagem da macroeconomia, os Keynesianos acreditam, tal como os neoclássicos, que estes são efeitos de apenas curto prazo. Concordam que, no longo, a moeda tende para a neutralidade sobre as variáveis reais.

8.5.2. Choques da Procura Keynesianos Apesar do exemplo anterior, a Teoria Keynesiana não vê os choques monetários como a causa primordial dos ciclos económicos. Segundo Keynes, as principais flutuações económicas advinham de choques verificados na procura agregada. Acreditava que as expectativas, optimismo ou pessimismo, dos investidores eram extremamente voláteis em relação à produtividade marginal futura do capital. Logo, os choques ao nível da procura de investimento, derivados destes animal spirits, podem ser comparados de forma distante aos choques de produtividade futura defendidos pelo RBC. Consideremos então um choque positivo dos animal spirits: os investidores tornam-se optimistas em relação à produtividade do capital futuro.

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O aumento do investimento, para uma mesma taxa de juro, tem efeitos iniciais na expansão da curva IS (que, lembremo-nos, é igual à curva da procura de output). Ora, para um mesmo nível de preços, o rendimento aumenta, pelo que a curva AD expande-se. No entanto, esta expansão leva a um equilíbrio com um rendimento e nível de preços superiores. A procura de moeda expandir-se-á, aumentando a taxa de juro para o mesmo rendimento, e logo contraindo a curva LM. Como o rendimento de equilíbrio aumentou, sabe-se que a contracção da LM não poderá ser mais acentuada que a expansão inicial da IS. Da mesma forma, o aumento dos preços leva à queda do salário real, pelo que o trabalho aumenta. Encontra-se explicado então o aumento do rendimento pelo lado da oferta. Dado que a quantidade de trabalho aumentou, mas a tecnologia não variou, conclui-se que a produtividade média do trabalho irá, também, diminuir. Aqui são confrontados os resultados do modelo com os dados:

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Daqui se conclui que o modelo RBC aparenta fazer melhores previsões em relação aos choques e flutuações macroeocnómicas, dado que não contradizia os dados empíricos em nenhum ponto naquela que considerava ser a primordial fonte de flutuações económicas. Na principal origem das flutuações Keynesianas, o modelo não só contradiz os dados em dois aspectos (salário real e produtividade média), como também não explica a prociclicidade da oferta de moeda!

8.5.3. Política Orçamental e o Papel do Estado Ao contrário do RBC, que não prevê qualquer motivo ou consideração para a intervenção directa do Estado no processo dos ciclos e flutuações económicas, os Keynesianos acreditam numa postura activa com vista à suavização dos ciclos – política estabilizadora. Acreditam que o Estado deverá ter um papel no aumento do produto quando este é inferior à tendência, e vice-versa, de forma a manter um crescimento relativamente constante. Da mesma forma que um consumidor optimizador da sua utilidade suaviza o seu consumo em relação ao rendimento, ao longo do tempo, os Keynesianos acreditam que o Estado consegue maximizar o bem-estar social através da suavização do rendimento ao longo do tempo. As razões pelas quais os proponentes do RBC se opunham a intervenção do Estado e os Keynesianos a apoiam são claramente explicadas por cada um dos modelos. Para o comporovar, consideremos um choque numa economia que se encontrava em pleno equilíbrio. Esse choque levou a que o salário real abandonasse o seu nível de equilíbrio e se tornasse anormalmente alto. Um exemplo de um choque desse tipo poderia ser um aumento no preço relativo da energia: as empresas passam a contratar menos trabalho e gera-se desemprego Keynesiano na economia. O mercado de trabalho deixa de estar em equilíbrio, a economia abandona o seu óptimo de Pareto. O Estado tem duas opções: deixar que os mercados se reajustem, ou intervir activamente para resolver a situação.

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Consideremos a primeira abordagem, ajustamento de longo prazo dos mercados. Se o salário real se encontra anormalmente elevado, a tendência será para que o salário nominal decresça. A redução do salário nominal leva, como sabemos, a que a economia, para um mesmo nível de preços, tenha mais trabalho e produção. Logo, a oferta agregada expande-se de AS1 para AS2. Esta pressão negativa no nível de preços leva a uma contracção da procura de moeda: para o mesmo rendimento, a taxa de juro real diminui. Logo, LM expande-se de LM1 para LM2. A redução da taxa de juro real contrai, também a oferta de trabalho. Uma série de ajustamentos são assim realizados, de forma a que, no longo-prazo, o mercado de trabalho recuperou o seu equilíbrio: o salário real subiu em relação à situação inicial (antes do choque, e isto deve-se essencialmente á diminuição do nível de preços), o trabalho e o produto aumentaram, e a taxa de juro real diminuiu. A chave encontra-se, então, no ajustamento dos salário nominais no longo-prazo. Mas, segundo Keynes, o longo prazo era demasiado longo para esperar por ele. Um Keynesiano defenderia assim a resolução deste problema, no curto-prazo, através da aplicação de políticas monetárias ou fiscais.

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Uma segunda abordagem ao problema passaria pela aplicação de política monetária. O Banco Central aumenta a oferta de moeda na economia. Para um mesmo nível de preços e de rendimento, a taxa de juro real desce, pelo que LM1 se expande para LM2. Um aumento do produto de equilíbrio levaria então à expansão da curva AD1 para AD2, aumentando o nível de preços e, doravante, provocando uma contracção de LM2 para LM3, não tão grande como a expansão anterior devido ao aumento do rendimento em equilíbrio. A taxa de juro real caiu para r2, o que leva então à contracção da oferta de trabalho. Também o salário real terá que diminuir, visto que o nível de preços aumentou. Dependendo do quão certeiro foi o aumento inicial da oferta de moeda, o equilíbrio poderá ser restaurado em N2. Tem-se, então, que a aplicação de política monetária restaurou o equilíbrio na economia, sendo as únicas diferenças em relação à situação anterior um salário nominal mais elevado (aqui o salário nominal não variou, no caso anterior teve de reduzir) e um nível de preços mais elevado.

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Finalmente, um Governo Keynesiano poderia também resolver a situação por via de política fiscal ou orçamental. O Governo decide aumentar os seus gastos. Logo, para a mesma taxa de juro e nível de preços, a curva IS1 expande-se para IS2. Esta deslocação leva a que a curva AD1 também se expanda para AD2. O consequente aumento do nível de preços leva a uma ligeira contracção da curva LM1 para LM2. Como a taxa de juro real aumentou e o valor presente dos impostos também (pela Equivalência Ricardiana), a oferta de trabalho expandir-se-á tal que, conjugando este efeito com a redução do salário real desencadeada pelo aumento do nível de preços, o mercado de trabalho regressa ao equilíbrio. Nesta situação, a taxa de juro real aumentou, provocando um efeito crowding-out na despesa privada pela despesa pública. No entanto, tal provocou uma expansão da oferta de trabalho. Logo, quando a política fiscal, ao invés da política monetária é utilizada, não apenas o investimento privado irá diminuir como o trabalho irá aumentar ainda mais, impulsionando assim o output. Os pressupostos fundamentais da política Keynesiana são, então, os seguintes:

i) Os mercados privados não operam de forma completamente eficiente, não sendo os salários nem os preços totalmente flexíveis e, implicando, que a eficiência económica não consegue ser sempre atingida sem intervenção do Estado.

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ii) Se as políticas fiscal e monetária forem desencadeadas a tempo, e com informação completa sobre os choques que afligem a economia, o Estado consegue restaurar o estado de equilíbrio da economia.

8.6. Expectativas no Modelo Keynesiano Uma das bases do modelo Keynesiano é a análise das expectativas das pessoas, e de como estas interagem com as orientações de política monetária do Estado. Até agora, falou-se apenas do que ocorre no modelo Keynesiano do curto prazo. No longo prazo, assim que o modelo se expande para mais do que dois períodos (para F períodos), as expectativas da população, principalmente sobre os preços, passam a assumir um papel fundamental no desenrolar dos eventos macroeconómicos. Existem dois tipos fundamentais de expectativas: racionais e adaptativas.

8.6.1. Expectativas Adaptativas O fundamento das expectativas adaptativas é que estas consideram o nível de preços como um passeio aleatório:

( )1

1

t t t

t t

P P

E P P

ε−

= +=

É um processo autoregressivo de ordem 1, o que implica que o valor esperado do nível de preços para um período t é o nível de preços do período imediatamente anterior. Daí o seu nome – as expectativas adaptam-se ao presente, tendo em consideração o que ocorreu no passado. Imaginemos que tudo começa com um aumento, não anunciado, da oferta de moeda pelo BC. Como sabemos, quando sM se expande, para o mesmo nível de preços e de rendimento, a taxa de juro real desce. Pelo que a curva LM se expande. Mas a expansão desta despoleta uma expansão da procura agregada AD, pelo que o nível de preços aumenta, a procura de moeda aumenta ligeiramente e a LM sofre uma ligeira contracção. Resultado de curto prazo: produto aumentou, preços aumentaram, taxa de juro real desceu. Os consumidores tinham registado 0P no período anterior. Logo, seria este o valor

esperado para os preços no período 1: 1 0eP P= . Mas, como o nível de preços aumentou, as

suas expectativas ir-se-ão adaptar: 2 1eP P= , o nível de preços esperado para o período 2 será

já um nível de preços superior, aquele verificado em 1. Logo, como as expectativas aumentaram, os salários nominais tenderão a ajustar-se com base nestas. O salários nominais vão lentamente aumentando, de acordo com as expectativas, pelo que a curva AS se vai lentamente contraindo, o produto diminuindo e o nível de preços aumentando. Dado este último efeito, a curva LM também se vai lentamente contraindo.

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Após F períodos, a curva AS contraiu-se de tal forma que o produto real é igual ao que era no período 0, mas a um nível de preços superior. Da mesma forma, a LM contraiu-se de tal forma que o produto real é o mesmo que em 0. No longo prazo, nada se alterou em IS-LM, o produto e a taxa de juro mantiveram-se. Os preços subiram (visto que a AS teve de se contrair para que o produto regressasse ao seu estado potencial). O stock real de moeda manteve-se (se Y e r mantiveram-se, L(Y,r) = M/P mantiveram-se ambos). Ou seja, no longo prazo, verificou-se uma vez mais neutralidade da moeda – a sua variação não afectou nenhuma das variáveis reais!

Basicamente, e tal como o seu nome indica, a economia vai-se lentamente adaptando ao choque monetário ao longo dos períodos 0, 1, 2, …, F.

8.6.2. Expectativas Racionais Consumidores com expectativas racionais definem um valor esperado para o nível de preços futuro com base em toda a informação que lhes é possível recolher no período anterior. Essa informação pode estar relacionada com comportamentos passados do BC, com reacções do Governo a determinados eventos, choques de produtividade, etc. ( )1|e

t t tP E P −= Ω

Ou seja, o nível de preços esperado para o período t é igual ao valor esperado do nível de preços desse período dada toda a informação que é possível ao consumidor racional recolher. As expectativas racionais consideram dois tipos de choques: os antecipados e os não antecipados. Num choque não antecipado, no curto-prazo, os efeitos são idênticos ao caso das expectativas adaptativas: ninguém esperava um choque, o que provoca a expansão das curvas AD e LM. No entanto, sendo os consumidores racionais, já sabem o que irá ocorrer na economia aquando do período 1. Tal implica que, se do período 0 a 1, ocorre o mesmo

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que anteriormente, desta vez a passagem será feita directamente do período 1 para o período F. Após o período 1, toda a informação relevante é recolhida e todos os ajustamentos levados a cabo de forma a que a economia regressa novamente ao produto potencial, de equilíbrio. Num choque antecipado, as alterações são ainda mais imediatas: como os agentes esperam esse tipo de choque, a passagem é feita de forma imediata de 0 para F. Daí que os neoclássicos usualmente refiram que os únicos choques que são realmente relevantes para o estudo do ciclo económico são os não antecipados, nos quais o regresso ao equilíbrio não é feito de forma tão imediata.

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9. Crescimento Económico Para além dos ciclos económicos, a principal grande questão da macroeconomia relaciona-se com o crescimento económico das nações. Este interesse é impulsionado pela análise histórica do fenómeno: se até aos séculos XVIII e XIX, não apenas o crescimento era mínimo e estável, a eclosão da Revolução Industrial gerou uma onda de crescimento exponencial em virtualmente todos os países (mesmo aqueles que ainda hoje são considerados não desenvolvidos). Alguns factos merecem especial atenção: se hoje, em dia, as disparidades entre países são gritantes, os padrões de vida na era pré-industrial variavam pouco de país para país. A isto se acrescem uma série de correlações: positiva entre investimento e produto per capita, e negativa entre o crescimento populacional e produto per capita. Por outro lado, aparenta não existir, no passado recente, qualquer correlação entre crescimento do produto e produto per capita, se tomada uma amostra de países suficientemente grande. Vários modelos têm vindo a ser utilizados para descrever os efeitos e a dinâmica do crescimento económico. Destes, destacam-se dois, pela sua simplicidade e coerência com os dados empíricos: o Modelo de Malthus e o Modelo de Solow.

9.1. Modelo de Solow O Modelo de Solow, na sua simplicidade, é capaz de levar a cabo previsões extremamente precisas sobre as causas e efeitos do crescimento enquanto fenómeno económico. Ao contrário do modelo Malthusiano, que enunciava crescimento nulo ao longo do tempo, apenas quebrado por ocasionais flutuações positivas e negativas, o Modelo de Solow é muito mais optimista, prevendo crescimento constante ao longo do tempo e enunciando alguns dos factores que o poderão influenciar.

9.1.1. Consumidores Neste modelo, consideram-se dois períodos: um corrente e um futuro. O crescimento da população, da massa de consumidores na economia, é tido como exógeno e constante, podendo ser dado por: ( )' 1N n N= +

Neste modelo, assume-se que população, consumidores e trabalhadores são sinónimos, uma generalização que não provoca qualquer perda para o modelo. Os consumidores recebem, de forma colectiva, toda a produção da economia como rendimento (não apenas através dos salários, mas também dos lucros distribuídos pelas empresas), assumindo a inexistência de gastos públicos e impostos. Ao contrário de uma decisão de consumo e lazer, assume-se que os consumidores mantêm essa decisão constante ao longo dos períodos, enfrentarão a possibilidade de consumir ou poupar, parte do seu rendimento. Tudo o que não é consumido é poupado, o que implica C S Y+ = :

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( )1C s Y= −

O pequeno s representa a propensão marginal a poupar dos consumidores. Um s de 10% implica que os consumidores poupam 10% de todo o rendimento que recebem S sY= .

9.1.2. Empresa Representativa Tal como no modelo estático, a produção total da economia é dada pela função produção de uma empresa representativa: ( ),Y zF K N=

Lembremo-nos de que esta função produção mantém todas as propriedades já estudadas, incluindo rendimentos constantes à escala. Ou seja, se cada um dos inputs aumentar por 10%, espera-se que o output aumente por 10%. Matematicamente, tal é equivalente a dizer que a função produção é homogéna de grau 1. Daqui se tem, então, que:

( )1, , ,1

Y K N KzF K N zF zF

N N N N N = = =

O que nos dá o produto por trabalhador em função da TFP (exógena) e do capital por trabalhador. As variáveis per capita são apresentadas com letra minúscula, y e k respectivamente. A função produção per capita pode então ser escrita como: ( )y zf k=

Esta função produção apresenta virtualmente todas as propriedades que eram aplicáveis à sua equivalente agregada. Como é facilmente compreensível, o seu declive continuará a ser a produtividade marginal do capital: mantendo constante o número de trabalhadores, se eu adicionar uma unidade adicional de capital per capita, obtenho kMP unidades adicionais de output per capita:

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Tal como anteriormente, assume-se também que parte do capital desgasta-se ao longo do tempo, através de uma taxa constante de depreciação. Tem-se, então, que o capital do período futuro é igual ao capital do período corrente, devidamente depreciado, mais o investimento: ( )' 1K d K I= − +

9.1.3. Equilíbrio Competitivo O Modelo de Solow assenta na interacção entre empresas e consumidores com as propriedades e hipóteses anteriormente assumidas. Existem dois mercados neste modelo: um em que o trabalho é trocado por bens de consumo, e outro em que bens de consumo são trocados por capital, por intermédio da poupança e do investimento. Em equilíbrio competitivo, tanto o mercado de trabalho como o de capital encontram-se em equilíbrio. Sendo a oferta de trabalho inelástica, o salário real ajustar-se-á sempre. Já no mercado de capital, haverá equilíbrio se a poupança igualar a quantidade de investimento, S I= . Ora, sendo que a poupança é tudo aquilo que não é consumido: Y S C I C= + = + Tem-se que o investimento é dado por: ( )' 1I K d K= − −

O produto pode então ser escrito como: ( ) ( )' 1 1Y K d K s Y= − − + −

O que por sua vez implica que a quantidade de capital futura é função de: ( ) ( ) ( )' 1 1 ,K d K sY d K szF K N= − + = − +

Se este resultado for convertido em variáveis per capita:

( ) ( ) ( ) ( ) ( ),' '1 1 ' 1

'

zF K NK N Kd s d k szf k k n

N N N N= − + = − + = +

Torna-se necessário fazer a manipulação inicial visto que estamos a dividir toda a equação por N , a força e trabalho no período corrente, mas o rácio entre o capital futuro e a população corrente não tem qualquer significado prático! O capital futuro per capita é, assim, expresso por:

( ) ( )1

'1 1

d k szf kk

n n

−= +

+ +

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Segundo Solow, o capital per capita mantém-se constante no estado estacionário, o estado para o qual tende a economia. A relação entre capital futuro e capital corrente pode ser graficamente representada por uma função muito semelhante à função produção, dado que consiste na soma de uma função linear (a primeira parcela) pela multiplicação da função produção por uma constante (segunda parcela). A linha de 45º representa todos os pontos em que o capital futuro iguala o capital presente. Segundo Solow, a economia irá tender para um ponto desses, o ponto no qual a bissectriz intercepta a função do capital futuro:

A intuição relaciona-se com a relação entre a poupança (acumulação de capital) e o desgaste deste, provocado tanto pela depreciação como pelo crescimento populacional. Lembremo-nos de que mais crescimento implica maior população, logo menor capital per capita. O capital tender-se-á a manter a um nível tal que a sua acumulação (poupança) é totalmente compensada pelo seu desgaste (depreciação e crescimento da população). Se a economia se encontrar num ponto em que tem menos capital corrente do que seria previsto pelo estado estacionário, *k k< , irá continuar a acumular capital a uma taxa superior ao crescimento populacional e à depreciação, convergindo para k*. O inverso ocorre se se encontrar à direita do steady state: a depreciação e o crescimento populacional encarregar-se-ão de contrabalancear o seu crescimento e forçá-lo a reduzir-se para k*. Dado que o capital per capita converge para uma constante, também o output per capita converge para um nível constante: ( )* *y zf k=

Ou seja, para taxas constantes de poupança, depreciação, crescimento da população e produtividade total, o rendimento per capita não poderá crescer no longo prazo. Tal deve-se ao facto da produtividade marginal do capital ser decrescente, o que implica que o produto per capita apenas poderá crescer se o capital crescer. Mas os rendimentos marginais do investimento, que dita o crescimento capital, são também decrescentes, pelo que, a longo prazo, o investimento tende para níveis que apenas acompanham a depreciação e o crescimento demográfico. No longo prazo, como é visível, os agregados irão tender para uma taxa de crescimento de n , igual à taxa de crescimento populacional:

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( )( )

K kN

Y zf k N

S I szf k N

==

= =

Daí que este seja também conhecido como modelo de crescimento exógeno – no longo prazo, apenas um factor exógeno determina o crescimento dos agregados – o crescimento da força de trabalho.

9.1.4. Análise do Steady State No estado estacionário, a quantidade de capital (corrente e futura) é dada por:

( ) ( ) ( ) ( ) ( )( ) ( )

1 * ** 1 * 1 * *

1 1* *

d k szf kk n k d k szf k

n nszf k n d k

−= + <=> + = − + <=>

+ += +

Será este um dos resultados formais mais importantes do modelo. Enuncia que o capital estacionário encontra-se no ponto em que a função poupança per capita intercepta a função desgaste (dada pelo crescimento populacional e depreciação).

O que ocorre se a taxa de poupança aumentar? Suponhamos que ocorre um aumento em s. A função poupança per capita ir-se-á expandir, o que irá levar a que o ponto de intercepção gerador do steady state se encontre mais à direita do que anteriormente. O capital per capita aumenta, o que implica também um aumento do produto per capita. Apesar de se ter registado este aumento instantâneo, no longo prazo a taxa de crescimento dos agregados mantém-se! Este resultado pode parecer estranho, dado que seria de supôr que uma população que poupa mais acumula capital mais rapidamente e, doravante, cresce mais! O que se passa é que levará algum tempo até que o capital se ajuste ao novo steady state, o que dará a ilusão de crescimento mais acelerado no curto prazo, mas regressando a taxas constantes no longo. Tal é representado na figura seguinte:

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Não obstante o produto per capita servir de uma boa medida de aproximação ao bem-estar, o consumidor estará, na realidade, interessado em maximizar o consumo ao longo da sua vida. É possível ajustar o diagrama do Modelo de Solow de forma a poder representar o consumo per capita (no fundo, a diferença entre o rendimento e a função poupança). O facto é que um aumento na taxa de poupança irá, efectivamente, diminuir o consumo per capita da economia, visto que: ( ) ( ) ( ) ( )1 * * *c s zf k zf k szf k= − = −

Mas, como no steady state se tem que: ( ) ( )* *szf k n d k= +

Pode-se então dizer que o consumo óptimo per capita será dado por: ( ) ( )* * *c zf k n d k= − +

O consumo máximo será, como é visível, dado pelo ponto de capital para o qual a distância entre a função produção per capita e a função desgaste de capital é superior. Esta formulação é conhecida como quantidade de regra dourada de capital por trabalhador. Basicamente, indica-nos que o ponto da função produção que maximiza consumo é aquele em que esta tem o mesmo declive da função desgaste:

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Como o declive da função produção per capita é igual à produtividade marginal de capital, tem-se que o steady state da golden rule pode ser dado por: KMP n d= +

Ou seja, se a economia acumular capital de forma a maximizar o consumo per capita, no steady state o produto marginal do capital deverá igualar a taxa de crescimento da população mais a depreciação. A taxa de poupança da golden rule deve ser tal que o máximo de consumo é atingido em todos os períodos. É assim que se define a taxa de poupança – as sociedades irão tentar atingir um steady state tal, através da taxa de poupança, que o consumo é maximizado. Já os efeitos de um aumento do crescimento da população ou da taxa de depreciação são relativamente previsíveis: um aumento de qualquer um destes parâmetros irá forçar a contracção da função de desgaste, o que por sua vez atira o steady state para um nível de capital per capita inferior. Apesar dos agregados crescerem a uma taxa superior, existirão mais trabalhadores por entre os quais será dividido o rendimento, pelo que os agregados per capita descrescem.

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Já foi demonstrado que um aumento da taxa de poupança ou uma diminuição do crescimento populacional provocam alterações instantâneas no rendimento per capita de uma economia. Mas estas alterações não são persistentes – no longo prazo, a economia regressa ao seu steady state. Tanto a taxa de poupança nunca poderá exceder 1 como o crescimento populacional não poderá decair indefinidamente. A única forma de obter crescimento persistente e continuado é através de continuados choques na TFP, no resíduo de Solow da economia. O efeito de um aumento da TFP é análogo ao efeito de um aumento na taxa da poupança, mas com a vantagem de que a TFP pode continuar a aumentar indefinidamente. Solow considera que a verdadeira essência do crescimento se encontra no progresso tecnológico.

Sendo a taxa de poupança constante entre países e a tecnologia um bem não-rival, amplamente disponível, segundo o Modelo de Solow deveria haver convergência em termos de crescimento entre países ricos e países pobres.

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10. Inflação e Política Monetária Como já foi explicado, a moeda é um instrumento de vital importância para o funcionamento das economias modernas. Independentemente da sua estrutura, sejam economias liberais de mercado ou planificadas de direcção central, as diversas aplicações da moeda foram sempre potenciadas. Como já vimos, e apesar da sua importância, a moeda é neutra sob o modelo neoclássico real. Sendo uma variável que se encontra directamente relacionada com outras variáveis nominais (como o nível de preços), não influencia, sob as hipóteses do modelo, qualquer variável real no longo prazo, mesmo podendo ter consequências de curto prazo em modelos como o Keynesiano. Apesar da sua neutralidade, o que pode ser constatado é que a taxa de crescimento da moeda não é neutra no longo prazo. A moeda é neutra, mas o seu crescimento não é, influenciado de forma decisiva algumas variáveis reais. O aumento da moeda encontra-se directamente relacionado com a inflação, um fenómeno essencialmente nominal mas que tem várias implicações reais na economia!

10.1. Inflação de Longo Prazo no Modelo Real Se várias flutuações de variáveis reais potenciam alterações do nível de preços, como pode ser analisado pelo modelo real monetário (choques de produtividade, etc.), sabe-se que a inflação enquanto fenómeno persistente resulta essencialmente do crescimento sustentado da quantidade de moeda na economia. Existe forte correlação empírica entre taxas de inflação e taxas de crescimento da moeda, como foi enfatizado por Friedman e Schwarz no início da década de 60. Para além de estudar esta correlação, Friedman propôs também uma relação de causalidade entre crescimento da moeda e inflação. Segundo este, o primeiro é causa do segundo. Suponhamos que a moeda, numa economia, cresce a uma taxa constante: ( )' 1M x M= +

Para simplificar o argumento, assume-se que todas as variáveis reais, por enquanto, se mantêm inalteradas, variando apenas a oferta de moeda segundo a taxa acima apresentada. No período corrente e futuro, em equilíbrio, a oferta de moeda iguala a procura:

( )( )

,

' ' ', ' '

M PL Y r i

M P L Y r i

= +

= +

Em equilíbrio, como já foi dito, assume-se que todas as variáveis reais, assim como a inflação, se mantêm constantes de um período para o outro. Tal implica então que:

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( )( )

' ', ' '' ' '

,

P L Y r iM M P

M PL Y r i M P

x i

+= <=> =

+=> =

Esse facto implica que a moeda e os preços terão de crescer à mesma taxa, levando a concluir que a taxa de crescimento da moeda tem de ser igual à taxa de crescimento do nível de preços, mais conhecido como taxa de inflação! É normal pensar nesta conclusão como extremamente vulnerável, visto que nada nos garante que as variáveis reais como o produto ou a taxa de juro se mantenham perfeitamente constantes ao longo do tempo, logo levando a que a procura real de moeda não seja exactamente igual nos dois períodos. Mas a conclusão mais importante que é possível retirar é de que a inflação aumenta quando o crescimento da moeda aumenta. Como podemos agora medir o impacto de um aumento na taxa de crescimento da moeda nas variáveis reais?

10.1.1. Modelo Cash-in-Advance Para medir o impacto das variações do crescimento da moeda, é necessário recorrer a um mecanismo de dedução do modelo monetário diferente do Modelo Baumol-Tobin anteriormente apresentado. Este é o chamado Modelo Cash-in-Advance, cuja hipótese fundamental é a de que os consumidores adquirem bens e serviços no período anterior a receberem o seu salário. É equivalente a dizer que só recebo o meu salário no final do mês – faço as compras que tenho a fazer no mês 0 e recebo o salário no final do mês. Esse salário será então utilizado para as compras no mês 1, etc. Como sabemos, a condição de optimalidade para o consumidor, na decisão de consumo corrente ou futuro é: , ' 1C CMRS r= +

O meu salário actual é Pw , o nível de preços multiplicado pelo salário real. Mas o meu salário actual só pode ser utilizado para fazer compras no período seguinte! Tal implica que terei de descontar o meu actual salário real, para consumo futuro, ao nível de preços futuro. Tenho então que a decisão marginal de lazer corrente e consumo futuro pode ser representada por:

, ' 'l C

PwMRS

P=

Ora, mas estas condições marginais são obtidas através da seguinte formulação:

, '

, '

/'

/'

C C

l C

U UMRS

C CU U

MRSl C

∂ ∂=∂ ∂

∂ ∂=∂ ∂

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Pelo que, através de uma pequena manipulação matemática, é possível obter a verdadeira taxa marginal de substituição de lazer por consumo corrente:

, ',

, '

/ '

1 ' 1l C

l CC C

MRS Pw P P wMRS

MRS r P r= = =

+ +

Mas, pela equação de Fisher tem-se que:

( )( )' 1 1 1 1

P w w w

P r i r R= =

+ + + +

A verdadeira MRS é, no modelo cash-in-advance, o salário real dividido pela taxa nominal de juro. Tal distorção deve-se ao pressuposto do modelo: ao abdicar de uma unidade de lazer, estarei a ganhar salário real que apenas receberei para poder consumir no período seguinte. Ora, nada me garante que, no período seguinte, os bens que quero consumir não serão mais caros, logo tenho de descontar a inflação. Para além disso, eu apenas recebo o salário no final do período. Se o recebesse agora, poderia estar a aplicá-lo em títulos à taxa de juro real, logo tenho também de descontar esse juro. O efeito conjugado da inflação e do juro real surge sob a forma da taxa de juro nominal. Uma maior taxa de juro nominal implica que o meu salário real irá valer menos. Logo, para elevadas taxas de juro nominais, os consumidores preferem menos consumo e mais lazer. O custo de oportunidade do lazer diminui quando a taxa de juro aumenta.

10.1.2. Implicações no Modelo Real O que acontece, então, no modelo real se a taxa de crescimento da moeda aumenta? Como esta é igual à inflação, a inflação aumenta também. Tal leva a que os consumidores prefiram, no período corrente, optar por mais lazer e menos consumo, pelo que a curva de oferta de trabalho se contrai. Este movimento implica uma contracção da curva de oferta de output – para a mesma taxa de juro real (a nominal variou, mas a real não!), há menos emprego na economia.

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No entanto, como os consumidores optam por menos consumo, para a mesma taxa de juro real, também a curva de procura de output se contrai. Apesar do efeito na taxa real de juro ser indeterminado, assume-se que esta se mantém, por simplicidade. O output desceu, o emprego diminuiu e o salário real aumentou. Como a taxa de juro real, por hipótese, se manteve constante e o aumento da inflação foi equivalente ao aumento do crescimento da moeda, a taxa de juro nominal aumenta por um montante equivalente ao aumento do crescimento da moeda. No longo prazo, o facto dos aumentos da taxa de juro nominal corresponderem quase unicamente à inflação é conhecido como o Efeito de Fisher. Da mesma forma, se considerarmos a procura real de moeda:

( ),M

L Y r iP

= +

Como a inflação aumentou e o produto diminuiu, conclui-se que a procura real de moeda se contraiu. O que implica, doravante, que, numa situação como esta, as pessoas irão preferir ter menos “currency”, dinheiro real nos bolsos. Como foi demonstrado, mesmo sendo a moeda neutra, conclui-se que não é super neutra. Isto é, mesmo não influenciando variáveis reais, o seu crescimento influencia. Foi capaz de reduzir o consumo, o trabalho e o produto.

10.1.3. Política Monetária Óptima: Regra de Friedman A inflação, como sabemos, vem acrescida de toda uma série de custos sociais que, por via da aplicação de determinadas políticas, podem ser minimizados. Aqui é apresentado um desses custos, e como minimizá-lo. Como sabemos, o equilíbrio de Pareto numa economia, em análise estática, é dado pela seguinte condição: , ,l C l CMRS MRT=

A empresa competitiva define a sua decisão de contratação do factor trabalho através da regra ,l CMRT w= . No entanto, surge aqui um pequeno problema:

,, 1 1

l Cl C

MRTwMRS

R R= =

+ +

O que implica que qualquer equilíbrio atingido neste modelo não poderá ser um óptimo de Pareto! A taxa de juro nominal é uma fonte de ineficiência que gera uma séria distorção de incentivos nesta economia. Sendo normalmente positiva, implica que demasiado lazer é consumido nesta economia, em contrabalanço com consumo e produção a menos. Uma forma de reduzir esta ineficiência seria através da redução da taxa de juro nominal, o que implicaria que a MRS e a MRT assumiriam valores mais próximos uma da outra. Ora, se a inflação é igual ao crescimento da moeda, tem-se então que:

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R r x= + Idealmente, nenhuma ineficiência surgiria se a taxa nominal de juro fosse nula. Logo, assumindo uma taxa real sempre positiva tem-se que: 0 0R r x x r= <=> + = <=> = − Esta condição é conhecida como a Política Monetária Óptima de Friedman, ou Regra de Friedman. Enuncia que o crescimento da moeda deve ser o simétrico da taxa real de juro, ou seja, negativo. Crescimento negativo da moeda implica deflação, logo torna-se óptimo um decréscimo do nível de preços ao longo dos períodos. Ora, se a taxa nominal de juro decresce, também os custos de utilização do sistema bancário irão diminuir, dado que o custo de oportunidade de ter dinheiro no bolso diminui. As pessoas poderão levantar mais dinheiro de cada vez com menores custos acrescidos. Como o juro pago pelos activos financeiros diminui, as pessoas tornam-se menos propensas a investir nestes, aumentando assim a liquidez da economia. Mas, olhando para a realidade, constata-se que nenhum BC segue este tipo de política. Segundo a maioria dos economistas, os ganhos gerados pela redução de um baixo nível de inflação são residuais. Logo, tendo em consideração o enorme esforço que teria de ser realizado para conduzir políticas deflacionistas, os benefícios não são considerados compensatórios. Para além de que a deflação é geralmente associada a graves problemas de funcionamento de uma economia – historicamente, apenas ocorreu durante graves e grandes depressões ou recessões. Numa perspectiva mais Keynesiana, é possível também analisar os chamados custos de inflação de Dornbusch, analisados através do modelo AS-AD. O pressuposto básico é de que, segundo Friedman, para provocar deflação, é necessário que o crescimento da moeda seja negativo. Ora, tal provocaria uma contracção da oferta de moeda o que, no modelo monetário Keynesiano, levará a um aumento da taxa de juro para o mesmo produto real, contraindo a curva LM. A contracção de LM leva, por sua vez, a que a procura agregada AD se contraia (para o mesmo nível de preços, a procura por produto é inferior). De facto, ocorre uma redução do nível de preços, mas ao custo de uma redução do produto real – ao custo de uma recessão! O principal problema que aqui se coloca é o de que a curva AS não se irá ajustar de forma imediata, pelo menos se considerarmos expectativas adaptativas. À medida que esta se for ajustando, o produto tenderá para os seus níveis potenciais, a um nível de preços reduzido.

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10.2. Curva de Phillips e Banco Central Se, como vimos, uma situação ideal óptima contemplaria inflação zero (deflação, na realidade), porque é que as autoridades monetárias permitem a sua existência? Uma explicação poderia ser a senhoragem: confrontado com um elevado défice orçamental, que os contribuintes não estariam dispostos a cobrir, o Estado vê-se forçado a imprimir moeda, criando uma espiral inflacionária. No entanto, esta não é a única razão, e muito menos a principal e mais comum razão da inflação moderada. Pode ser provado que numa situação de Money surprise (aumento não antecipado da oferta de moeda), poderão existir ganhos para a economia pelo menos no curto prazo. Estes ganhos podem ser analisados através da relação conhecida como Curva de Phillips.

10.2.1. Curva de Phillips Nos anos 50, Phillips identificou uma relação negativa entre variações do salário nominal e desemprego. Ora, como as variações do salário nominal encontram-se positivamente correlacionadas com o nível de preços dado que W Pw= e as variações no desemprego, em relação à sua tendência, encontram-se negativamente correlacionadas com as variações do produto em relação à sua tendência, esta relação levou a uma outra: positiva entre variações do produto em relação à tendência e nível de preços. A relação pode ser enunciada como:

( )Ti H Y Y= −

Isto é, a inflação é igual a uma constante H vezes o desvio do produto em relação à tendência.

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Empiricamente, existe forte evidência desta formulação da curva de Phillips desde o final da 2ª Guerra Mundial até ao final da década de 50, aquando da sua criação. No entanto, ao longo das décadas, o declive da curva foi-se reduzindo até que, nos anos 80, chega mesmo a ser negativo.

10.2.2. Modelo Money Surprise de Friedman-Lucas Este modelo foi formulado no final da década de 60 por Friedman e Lucas. Segundo os pressupostos da Regra de Friedman, o BC consegue controlar a taxa de inflação (igual ao crescimento da moeda). Num modelo Money Surprise, as pessoas possuem informação imperfeita: apesar de conhecerem os salários nominais, não têm informação exacta sobre os preços dos bens (de TODOS os bens) e, consequentemente, o seu próprio salário real. Se o BC aumentar a taxa de inflação, então os salários nominais irão crescer a uma taxa superior. No entanto, as pessoas não são capazes de compreender imediatamente se o aumento é real ou apenas gerado pelo aumento do nível dos preços lembremo-nos de que:

W Pw

W P w

==> ∆ = ∆ + ∆

Se as pessoas pensarem que o aumento do salário foi real, então irão reajustar a sua decisão de consumo e lazer, trabalhando mais (curva de oferta de trabalho positivamente inclinada) e, logo, produzindo mais output. Logo, um aumento surpresa da inflação irá, pelo menos no curto prazo, levar a um aumento da produção e do rendimento, levando a que o produto suba acima da sua tendência. A relação Friedman-Lucas pode ser formulada como:

( )e Ti i a Y Y− = −

Isto é, a diferença positiva entre a inflação realizada e a inflação esperada gera uma diferença positiva entre o produto real e o produto potencial. Implica uma relação positiva entre inflação realizada e produto real, caso essa inflação realizada seja uma surpresa realizada pelo BC. A equação pode ser reescrita ao estilo de uma curva de Phillips:

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( )e Ti i a Y Y= + −

Ou seja, quando o produto real igualar o potencial, então a inflação realizada é igual à inflação esperada. Tal implica que as pessoas não foram surpreendidas pelo BC, o produto é igual ao esperado – o potencial, que representa a sua tendência. A curva de Phillips pode ser deslocada por, essencialmente, alterações nas expectativas das pessoas. Se as pessoas passarem a esperar inflação mais elevada para o mesmo nível de produto potencial, então a curva desloca-se para cima:

É isto que torna a estimação e observação da curva de Phillips tão difícil ao longo do tempo – a falta de informação sobre as expectativas dos consumidores!

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10.2.3. Comportamento do Banco Central Nos anos 50, o Fed (Banco Central norte-americano) começou a aplicar activamente os resultados aprendidos através da curva de Phillips na condução de política monetária. Para compreender o seu comportamento, é necessário modelá-lo como se fosse um consumidor. Supomos que existem dois bens na economia: inflação e produto. O seu bem-estar deverá reflectir o bem-estar da sociedade em geral. O seu objectivo principal será a definição de uma taxa de inflação alvo *i e a maximização do produto sujeita a esse alvo, considerado óptimo pelo BC.

Para um dado nível de produto, suponhamos que a inflação se desvia do seu alvo óptimo. Para se manter indiferente, e não diminuir o seu bem-estar, o BC deveria assistir a um aumento do produto. É isso que explica o formato destas curvas de indiferença. Quanto mais para a direita se encontrarem, melhor estará o BC e, por implicação, a sociedade. Quando a inflação se encontra abaixo do nível óptimo, as preferências são convexas, e ambos são considerados bens económicos: o BC quer mais dos dois. Mas quando a inflação sobe acima do óptimo, tornam-se concavas: a inflação passa a ser um mal económico, e o BC gostaria de mais produto e menos inflação! Se o BC considerar a curva de Phillips como sendo uma relação fixa, então poderá escolher qualquer ponto desta que preferir:

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No ponto A encontra-se a expectativa de inflação, acima do nível óptimo do BC. Mas o declive da curva de indiferença em A é superior ao declive da curva de Phillips: isso implica que o BC valoriza mais o produto do que os consumidores em relação à inflação: o BC não se importaria de ter mais um bocadinho de inflação, dado que isso irá garantir mais produto. Logo, poderá fazer uma money surprise, aumentando a taxa de crescimento da moeda. A inflação aumenta acima das expectativas e, logo, o produto aumenta acima da tendência, atingindo o ponto B. Este é um ponto óptimo, dado que o BC valoriza tanto produto e inflação como os consumidores o fazem. Mas as pessoas não são parvas! Percebem que a inflação é superior àquilo que esperavam e, assim, irão ajustar as suas expectativas. Ao ajustá-las, a curva de Phillips expande-se (lembremo-nos de que o produto potencial é sempre o mesmo). O BC poderá tentar criar outra money surprise, movendo-se para o novo ponto B, onde as pessoas são novamente enganadas.

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Uma vez mais, as expectativas ajustam-se até que um equilíbrio seja atingido no ponto D. Neste ponto, o óptimo BC versus Pessoas é igual à inflação esperada, logo não havendo espaço para mais surpresas por parte do banco central. No final, o produto mantém-se constante no potencial, mas a inflação aumentou consideravelmente. Este modelo prevê, assim,que a curva de Phillips é uma relação muito instável e volátil, variando consoante as expectativas de inflação. Não existe qualquer trade-off entre produto e inflação – no longo prazo, o produto acaba sempre por regressar ao seu nível potencial. Ao compreender isto, o BC deixa as surpresas para se fixar no ponto E, onde a inflação é igual ao seu alvo e o produto igual ao potencial. É este tipo de comportamento que explica muita da inflação norte-americana nos anos 70.

10.2.4. Compromissos do Banco Central A redução na inflação verificada nos EUA nas décadas de 80 e 90 pode ser explicada através dos compromissos do BC. Isto é, o BC compromete-se a acertar uma dada taxa de inflação – a taxa óptima alvo – e o público, com expectativas racionais, poderá acreditar ou não nesse compromisso. As expectativas racionais implicam que as pessoas não cometem erros sistemáticos: aprendem com a informação passada e aplicam-na da melhor forma para maximizar a sua utilidade. Basicamente, dizem-nos que as pessoas não são estúpidas. Conseguem prever os padrões de comportamento do BC. Tudo depende da capacidade que o BC tem de manter um compromisso. Se o conseguir, então o equilíbrio encontrar-se-á em A.

Mas, como é visível, este equilíbrio não é óptimo para o BC. Este estaria a maximizar o seu bem-estar ao passar para D. Mas, sendo as pessoas racionais, sabem onde é que a festa vai parar, logo movimentando, em resposta, as suas expectativas para uma curva de Phillips que obrigue o BC a passar para B. Resultado final: ao custo de algum aumento de bem-estar no curto-prazo, o BC passa a estar pior do que estava no início!

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A questão das expectativas racionais explica grande parte dos motivos que levaram a que os Bancos Centrais abandonassem o money-targeting nos anos 80, passando para o inflation-targeting. Por outro lado, uma anedota corrente na Alemanha é a de que os alemães acreditam mais no Bundesbank do que em Deus. Tal ocorre pois o Bundesbank, dado o historial de inflação alemão, tem-se mantido persistentemente fiel aos seus compromissos, nunca defraudando as expectativas das pessoas. Sendo um dos BC’s mais credíveis do mundo, não é então de espantar que o Banco Central Europeu se encontre actualmente sedeado na Alemanha. A questão dos compromissos é também a razão pela qual o Banco Central é, geralmente, independente do poder político. Em Portugal, por exemplo, o Governador tem um mandato superior ao do Primeiro-Ministro. Tal ocorre para evitar casos persistentes de inflação e defraudação das expectativas.

10.2.5. Modelo Kydland-Prescott Virtualmente análogo ao modelo anterior, é aqui apresentado um tratamento algébrico mais detalhado do problema do BC. Suponhamos agora que, para além de fixar um alvo em ordem à inflação, o BC pretende, também, estabilizar o produto real em torno do seu nível de tendência. O problema a resolver é o seguinte:

( ) ( )

( )

2 2

,

1 1min *

2 2

.

T

Y i

e T

Y Y b i i

s a i i a Y Y

− + −

= + −

Ou seja, quer minimizar, em ordem ao produto e à inflação, todos os desvios em relação aos respectivos alvos (daí que os desvios estejam ao quadrado – o BC quer minimizar desvios negativos e positivos!). O coeficiente b é um ponderador da importância que o BC dá ao controlo da inflação em relação ao controlo sobre o produto. Se for igual a zero, o BC quer apenas controlar o produto, e não se importa com a inflação. Se estiver entre 0 e 1, atribui maior importância ao produto do que à inflação. Se for superior a 1, então o BC estará mais preocupado com o controlo da inflação do que com as flutuações do produto real. As curvas de indiferença são, em tudo, semelhantes às do modelo anterior, com a diferença de que serão círculos concêntricos, centrados num ponto que equivale ao produto potencial e inflação alvo definida pelo BC. Uma vez mais, o seu objectivo será tangenciar a curva de Phillips – o melhor que pode fazer (lembremo-nos de que é um problema de minimização!).

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11. Economia Internacional No último século, as forças da globalização invadiram as economias mundiais, com crescente integração, maior mobilidade e facilidade da troca física de bens e serviços, e com o derrube das barreiras e imposições proteccionistas ao comércio internacional. O aumento das relações económicas com o exterior implica, doravante, um aumento do peso do exterior na economia! A economia internacional é abordada principalmente do ponto de vista da pequena economia aberta, ou SOE (Small Open Economy). Uma SOE é pequena o suficiente para ser price taker em todos os grandes mercados internacionais, ajudando assim na modelação das relações entre países.

11.1. Modelo a Dois Bens da SOE Sendo a SOE uma pequena economia, as suas acções não têm qualquer efeito sobre os preços internacionais, que são tomados como exógenos. Consideremos que a SOE produz um bem a e um bem b, capacidade de produção essa que é descrita por uma FPP, cujo declive irá equivaler à Taxa Marginal de Transformação, ou ,a bMRT , que equivale à

quantidade do bem b que tem de ser sacrificada para a produção de uma unidade adicional de a.

Também as preferências dos consumidores da SOE poderão ser descritas por curvas de indiferença, que se assumem bem comportadas.

11.1.1. Equilíbrio Competitivo sem Comércio De forma ilustrar os ganhos do comércio internacional, torna-se necessária a comparação de uma situação em que este não existe com uma em que existe. Vamos começar por considerar o primeiro caso, em que não existe comércio internacional. Como sabemos, num modelo estático de economia fechada, o equilíbrio competitivo é dado pela condição: , ,a b a bMRS MRT=

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Ora, os preços relativos serão equivalentes ao declive da recta que é, no óptimo, tangente às curvas de indiferença do consumidor: ,a b abMRS p=

Mas, optimização por parte das empresas irá implicar que a taxa a que um bem é transformado noutro iguale os preços relativos. Tal acontece pois, se MRT for inferior aos preços relativos, tal implica que o bem a é facilmente produzido, e os seus custos de produção são inferiores aos seus custos no mercado em termos do bem b. Logo, as empresas optariam por produzir mais a. ,a b abMRT p=

Tal leva-nos a confirmar a condição de equilíbrio inicial. Sem comércio, a SOE é forçada a consumir no ponto de produção. Ou seja, apenas poderá escolher pontos pertencentes à FPP.

11.1.2. Efeitos do Comércio Suponhamos agora que, fazendo jus ao seu nome, a SOE se abre ao comércio internacional. Os preços internacionais dos bens, impostos à SOE, são diferentes dos preços internos, e dados pelos termos de troca. Os preços relativos são expressos como

abTOT (Terms Of Trade). A abertura da economia tem uma implicação muito importante – o consumidor já não terá de consumir no ponto de produção! Sendo que os preços internacionais se sobrepõem aos nacionais, tem-se que: ,a b abMRT TOT=

Suponhamos que tal leva a concluir que as quantidades óptimas de produção são 1a e 1b . Estas quantidades podem ser vistas como uma dotação, que poderá agora ser transaccionada aos termos de troca que vigoram nos mercados internacionais. Logo, tendo

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um ponto de dotação e os preços relativos (os termos de troca), torna-se possível desenhar uma restrição orçamental para o consumidor: 1 1ab abTOT a b TOT a b+ = +

O primeiro membro diz respeito às quantidades que o consumidor pode adquirir, enquanto o segundo é o valor da dotação – a quantidade de despesa máxima em que pode incorrer. Sendo este um modelo a um período, assume-se que tudo é gasto e não há poupança (daí a igualdade). A partir de agora, a coisa torna-se simples, com o consumidor a optimizar a sua posição e a optar por consumir 2a e 2b :

Como é fácil de notar, a quantidade consumida do bem a é superior à quantidade produzida. Logo, o bem a é importado. Por outro lado, a quantidade consumida de b é inferior àquela que é produzida na economia, o que nos leva a concluir que este é exportado pela SOE. Podemos assim definir a balança de transacções correntes da SOE como: ( ) ( )1 2 2 1abCA X M b b TOT a a= − = − − −

Aplicando a restrição orçamental a esta equação, conclui-se que a CA é igual a zero. Tal é verdade em qualquer modelo estático, dado que a poupança não faz sentido. Ninguém irá exportar mais do que importa, e logo ninguém poderá importar mais do que exporta! Os padrões de troca dos diferentes países são determinados não apenas pelas preferências dos consumidores, mas também pelas vantagens comparativas. Como é visível, dados os termos de troca, é vantajoso à SOE produzir muito mais b do que a, mesmo que venha a consumir mais a do que b. Tal ocorre porque a SOE tem vantagem comparativa na produção do bem b. Em relação ao resto do mundo, a SOE é mais eficiente a produzir o bem b. Um dos mais importantes resultados do modelo é o de que o consumidor se encontrará sempre melhor com comércio do que sem ele. A preferências revelada torna este resultado óbvio: com trocas, o consumidor poderá continuar a escolher o ponto que escolhia sem comércio, mas o reverso não é verdade.

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11.1.3. Alterações nos TOT: Produção, Consumo e Bem-Estar O choque essencial num modelo de troca estático é uma alteração dos termos de troca. Este tema não será muito desenvolvido na sebenta pois é perfeitamente análogo ao que ocorre a um consumidor, num modelo de consumo intertemporal, quando a taxa de juro varia. Aqui fica uma súmula, para um aumento dos termos de troca de a em relação a b: Se a SOE exporta b e importa a – Se a SOE importa a e este bem se torna relativamente mais caro, então esta situação é equivalente àquela em que o consumidor é devedor e a taxa de juro aumenta, ou seja, o seu bem-estar irá diminuir. Se a SOE importa b e exporta a – A mesma situação, mas assumindo que o consumidor era credor. O seu bem-estar irá aumentar. A análise dos efeitos substituição é, igualmente, análoga. Note-se que a alteração dos termos de troca terá, forçosamente, de provocar uma alteração na decisão de produção da economia, visto que o declive da curva de possibilidades de consumo se altera e, doravante, também se altera o ponto de tangencia com a FPP.

11.2. Balança Corrente a Dois Períodos Não obstante a importância da análise das vantagens do comércio de um ponto de vista estático, a análise da economia aberta tem de ser feita de um ponto de vista dinâmico. Como sabemos, nenhum país tem um saldo de balança corrente igual a zero, e tal deve-se, precisamente, à existência de poupança e investimento – decisões intertemporais. Suponhamos um modelo análogo ao já estudado, de consumo intertemporal. O consumidor, dada uma dotação de rendimento e impostos presentes e futuros, enfrenta a seguinte restrição:

' ' '

1 1

C Y TC Y T

r r

−+ = − ++ +

Numa economia fechada, o consumidor é forçado a consumir no seu ponto de dotação. Isto é, a poupança terá de igualar a zero em equilíbrio, e a taxa de juro é determinada pelas preferências e pela dotação do consumidor: é traçada, ao longo do ponto de dotação, uma curva com declive tal que seja tangente à curva de indiferença do consumidor. Esta é a chamada taxa de juro da economia fechada, ou Fr . No entanto, ao abrir a economia ao exterior, surge uma taxa de juro internacional, *r . Agora, os consumidores da SOE já se poderão integrar nos mercados de crédito internacionais, adaptando o seu consumo presente e futuro às condições destes. Já não serão forçados a consumir no ponto de dotação.

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A poupança privada no período corrente pode ser dada como: *PS Y T C= − − No entanto, tal como no modelo anterior, também o Estado irá enfrentar uma restrição intertemporal:

' '

1 1

G TG T

r r+ = +

+ +

Pelo que a poupança pública pode ser dada por: GS T G= − Logo se tem o saldo da balança corrente, no período corrente, como:

( ) 0P GCA S I S S Y T C T G Y C G= − = + − = − − + − = − −

Isto num modelo onde ainda não é considerado o investimento. Os principais factores que irão influenciar o saldo da balança corrente são os seguintes:

Rendimento Corrente – Um aumento do rendimento corrente provoca aumentos do consumo corrente e futuro, ambos inferiores ao aumento do rendimento por via da suavização do consumo. Um aumento de Y levaria a um aumento do saldo da balança corrente, o que implicaria que estaria a poupar mais do que o exterior, emprestando ao exterior.

Despesa Pública Corrente – Um aumento nos gastos públicos leva a uma diminuição do rendimento do consumidor pelo mesmo valor, em termos do valor presente dos impostos. Tal implica uma redução do rendimento intertemporal do consumidor, levando a uma variação negativa do consumo inferior à variação dos

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gastos, devido à suavização. Logo, o saldo da balança corrente deverá ser negativamente afectado.

Impostos – Dada a Equivalência Ricardiana, alterações na estrutura temporal dos

impostos (mais impostos hoje, menos amanhã ou vice-versa) não terão qualquer efeito na riqueza intertemporal do consumidor. Tal alteração corresponderia a um movimento do ponto da dotação ao longo da restrição orçamental intertemporal. Como a restrição não se altera, o consumidor não altera o seu óptimo. Tudo fica na mesma!

Taxas de Juro Internacional – Os efeitos são os já descritos anteriormente, e

análogos igualmente aos que se aplicam a variações dos termos de troca. De uma forma geral, e considerando residuais os efeitos rendimento (dado que as variações da taxa de juro costumam ser muito pequenas), uma taxa de juro maior envolvem uma redução do consumo corrente e, logo, um aumento do saldo da balança corrente.

11.3. Produção, Investimento e Balança Corrente Para compreender, de forma completa, o comportamento da balança corrente da SOE, é necessário completar o modelo através da introdução do investimento. Neste modelo, a SOE enfrenta uma taxa de juro internacional, exógena. A produção na economia é dada pela nossa conhecida curva de oferta de produto sY . No entanto, a procura de output pode ser dividida em duas componentes, uma interna e uma externa. Pela identidade despesa-rendimento, sabemos que: Y C I G X M= + + + − A componente interna corresponde às primeiras três parcelas: consumo, investimento e gastos públicos, correspondendo a componente interna à restante: exportações líquidas das importações. A componente interna é usualmente denominada de absorção, a parte do produto que é absorvida por agentes internos.

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Neste caso, a SOE enfrenta, internamente, a taxa de juro Cr , pelo que será este o ponto em

que a curva de absorção 2dY C I G= + + intercepta a oferta de output. No entanto, a curva

de procura de output real 1dY C I G X M= + + + − , que inclui a componente externa, terá

necessariamente de interceptar a oferta de output num ponto tal que a taxa de juro gerada seja a internacional *r . A diferença entre os outputs 1 e 2 é exactamente igual à distância entre as curvas X M− - o saldo da balança corrente! Neste caso, o saldo é obviamente positivo, dado que sendo a taxa de juro internacional superior à real, o produto total da economia será superior à absorção interna, pelo que o excedente será exportado.

11.3.1. Aumento da Taxa de Juro Internacional Um aumento da taxa de juro internacional provocaria uma expansão da curva de procura de output, o que levaria a um óbvio aumento das exportações líquidas e, consequentemente, do saldo da balança de capitais. É interessante pensar porque é que a taxa de juro aumentaria. Uma possível explicação é um choque negativo de produtividade generalizado noutros países. Levaria a menor capacidade produtiva nos outros países e, consequentemente, maior necessidade de importações (exportações para a SOE). Não apenas o output doméstico da SOE aumentaria, como a taxa de juro internacional. É um caso simples de desfazamento de efeitos entre os sectores interno e externo, que se movimentam em sentidos opostos.

11.3.2. Aumentos Permanentes e Temporários dos Gastos Consideremos primeiro o caso do aumento temporário dos gastos públicos. Como é lógico, a curva de absorção expandir-se-á, aumentando a taxa de juro interna. Dá-se um efeito sobre a oferta de trabalho, que se expande devido à diminuição da riqueza intertemporal das famílias. Tal provoca a expansão da oferta de output. Por outro lado, de forma manter a taxa de juro internacional, também a procura de output terá de se expandir, na mesma proporção. Como se considera que o impacto dos gastos na curva de absorção é superior ao relativamente pequeno impacto do aumento da oferta de trabalho na oferta de

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output, e consequente ajustamento da procura de output, assume-se que o saldo da balança corrente decresce.

Já se o aumento dos gastos for permanente, o impacto na curva de absorção será o mesmo, mas a diminuição do rendimento será tão maior que ambas as curvas, de oferta e procura de oputput, deslocar-se-ão para à direita de tal forma que o saldo da balança corrente se mantém inalterado (isto é, a distância entre a procura de output e a curva de absorção permanece a mesma).

11.3.3. Aumentos na TFP Corrente e Futura Suponhamos um choque de produtividade corrente. O efeito imediato dá-se ao nível da expansão da procura de trabalho e consequente expansão da oferta de output. Como a curva de absorção não se movimentou, e a procura de output ter-se-á que expandir para ajustar a taxa de juro internacional, o saldo da balança comercial aumenta. A nível interno, mesmo não tendo havido qualquer movimentação da curva de absorção, o consumo irá aumentar, visto que a oferta de output se expandiu, não havendo qualquer efeito sobre o investimento, tendo-se mantido a taxa de juro real internacional.

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Tal vem em oposição ao que ocorria em economia fechada: a expansão da oferta de output levava a uma diminuição da taxa de juro, que favorecia não apenas o consumo mas também o investimento. No entanto, os choques de produtividade positivos tendem-se a espalhar entre países, levando a expansões generalizadas da oferta de produto e forçando a uma diminuição da taxa de juro internacional!

Já um aumento antecipado da produtividade futura conduz a um aumento do investimento. Da mesma forma, o facto do rendimento esperado futuro ser superior leva a que o consumo corrente aumente. Estes dois factos, conjugados, expandem não apenas a curva de absorção (que, como podem ter reparado, não se encontra representada em nenhum gráfico), como também, obviamente, a curva de procura de output. Tudo o que expande a curva de absorção expande igualmente a procura de output. No entanto, como a produção se mantém constante, a procura de output contrai-se de forma a satisfazer a taxa de juro internacional. Tal deve-se ao facto de que, como não há tanta produção na economia para satisfazer este aumento da procura, para uma dada taxa de juro internacional fixa, as importações tiveram que aumentar. No final, tudo fica na mesma, e o saldo da balança corrente diminui. Este resultado era óbvio, dado que a curva de absorção se expandiu, mas a curva de procura de output acabou por ficar na mesma. Logo, a diferença entre estas diminuiu.

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De facto, com investimento tem-se que:

( )P G

P G

Y C I G X M

X M Y C I G

X M Y T C T G I

X M S S I

I S S X M

= + + + −− = − − −

− = − − + − −− = + −

= + − −

No fundo, o investimento terá sempre de ser igual à poupança total da economia: poupança privada mais poupança pública mais poupança externa (lembremo-nos de que a poupança externa é o contrário da nossa poupança – ganham com as importações e perdem com as exportações). Para haver um aumento do investimento, terá de haver uma contrapartida ao nível de pelo menos uma destas poupanças.

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12. Finanças Internacionais

12.1. Paridade de Poder de Compra Todos os bens produzidos e vendidos internamente são vendidos ao nível de preços interno, P , em termos da moeda nacional. Já no estrangeiro, os mesmos bens serão vendidos ao nível de preços *P , expresso em moeda estrangeira. Ora, assume-se a existência de um mercado onde a moeda nacional pode ser trocada por moeda estrangeira, a uma determinada razão. Essa razão, e , é conhecida por taxa de câmbio nominal. 1 unidade de moeda estrangeira custa e unidades de moeda nacional. Se a taxa de câmbio nominal entre o Euro e o Dólar for de 0.7, por exemplo, então 0.7 Euros compram 1 Dólar. No estrangeiro, os bens são vendidos ao preço de *eP , em termos de moeda nacional. Tal ocorre pois, para adquirir bens no estrangeiro, é necessário, primeiro, trocar moeda nacional por estrangeira. A partir desta relação é possível obter a taxa de câmbio real entre moeda estrangeira e nacional:

*

Taxa RealeP

P=

Se assumirmos que não existem barreiras físicas e legais ao comércio de bens e de moeda estrangeira, então, caso *eP P> , torna-se mais atractivo comprar bens e serviços no mercado nacional do que no estrangeiro. Tal implica que os consumidores estrangeiros iriam, também, querer entrar no mercado nacional e comprar bens com moeda nacional, pelo que o nível de preços tenderia a aumentar. A existência de oportunidades de arbitragem seria imediatamente dissipada, pelo que, em equilíbrio:

*

*1

P eP

eP

P

=

=

Esta relação é conhecida como Paridade do Poder de Compra ou PPP (Purchasing Power Parity), enunciando que, sob as condições acima assumidas, o preço real dos bens deverá ser sempre o mesmo, quer no mercado doméstico, quer no internacional. De forma geral, a PPP não se irá aplicar a determinados tipos de bens ou serviços. Exemplos são bens cujo transporte possa ser muito custoso ou serviços que, simplesmente, não possam ser exportados (cortes de cabelo, por exemplo). Mas, para a maioria dos bens, espera-se que a PPP seja válida no longo prazo. Uma forma curiosa de medir a validade da PPP é a experiência que tem vindo a ser conduzida, desde há uns anos, pela revista The Economist, o chamado Big Mac Index. Nesta análise, são comparados os preços de um Big Mac em diversos países, associados à taxa de câmbio da respectiva moeda nacional face ao Dólar.

Miguel Faria e Castro Macroeconomia I

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12.2. Taxas de Câmbio Para além da PPP, outra importante ferramenta das Finanças Internacionais é o sistema de câmbio que é adoptado por um dado país. O sistema de câmbio irá influenciar de forma decisiva a capacidade de um Estado de condução de política monetária e fiscal. Sob um sistema de câmbio flexível, não há intervenção estatal em relação à taxa de câmbio à qual deverá obedecer uma dada moeda. A sua taxa de câmbio e é perfeitamente flexível, adaptando-se às condições e forças do mercado. Dada a sua flexibilidade, serão vulneráveis às actuações do Banco Central e do Governo, que actuam com políticas monetária e fiscal, respectivamente, para manipular o estado da economia. Já num sistema de câmbio fixo as autoridades, tal como o nome indica, fixam a taxa de câmbio em relação a uma dada moeda, usualmente uma moeda estável e internacionalmente reconhecida (por exemplo, o dólar). Periodicamente, as autoridades poderão apostar em valorizações, através da diminuição da taxa de câmbio (isto é, a minha moeda passa a poder comprar mais moeda estrangeira) ou desvalorizações, com o aumento da taxa de câmbio (a minha moeda compra menos moeda estrangeira). Um sistema de câmbio fixo é geralmente preferido por países com economias mais instáveis. Visto que elimina quase por completo qualquer possibilidade de controlo da moeda por via de política monetária (basicamente implica que a oferta de moeda nacional terá de obedecer às flutuações da oferta de moeda do país a cuja moeda quero fixar a minha), torna a economia nacional extremamente vulnerável a fenómenos económicos que têm lugar no país ao qual a moeda foi fixada. Uma onda de inflação pode, assim, alastrar a vários países que optem por fixar taxas de câmbio, situação que seria resolvida pelo mercado num sistema de câmbio flexível. Por outro lado, um país com uma economia que passa por períodos inflacionistas, optaria racionalmente por fixar o câmbio, contribuindo para aliviar tais pressões.