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DIALOGANDO por JOÃO Craveirinha (JC) (doutorando na F.L.U.L., artista plástico e autor). SOBRE A JUVENTUDE DE MOÇAMBIQUE - 1 O tema sobre a actual questão da falta de auto-estima entre a juventude de Moçambique parece controverso mas não é. Trata-se de uma questão de fundo e de nos situarmos no nosso tempo de cabeça fria, e analisarmos o quotidiano socorrendo-nos das ferramentas do passado e do presente – da antropologia cultural à sociologia, e da história de todas as disciplinas do “way of life” (caminho de vida) como foi sintetizada a CULTURA – de T.S. Eliot a Raymond Firth, de Raymond Williams a Stuart Hall sem nos esquecermos de outros ilustres académicos, pesquisadores e investigadores como Mikhail Mikhailovich Bakhtin, Anthony Giddens, et cetera. Por outro lado as intituladas Indústrias da Cultura dinamizariam a propagação vertiginosa de novas ideologias do mainstream (correntes comuns hegemónicas) assentes numa atitude passiva do consumidor perante as “máquinas” de promoção do consumismo desenfreado. Theodor W. Adorno (1903-1969) definiria esta temática no seu ensaio Sobre a Indústria da Cultura (2003). Coimbra: Angelus Novus Editora. (Edição traduzida). Independentemente do exemplo negativo de alguns dirigentes políticos (africanos) tudo tem uma origem sociológica cultural. Os estereótipos ou estereotipias inculcados durante séculos pelas dominações exteriores ao continente 1

macua.blogs.commacua.blogs.com/files/minha-irmã-europeia-autarca.docx · Web viewNa realidade e muitas vezes nada mais que estereotipias aplicadas sobre o “outro” [the other]

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DIALOGANDO

por JOÃO Craveirinha (JC)(doutorando na F.L.U.L., artista plástico e autor).

SOBRE A JUVENTUDE DE MOÇAMBIQUE - 1

O tema sobre a actual questão da falta de auto-estima entre a juventude de Moçambique

parece controverso mas não é. Trata-se de uma questão de fundo e de nos situarmos no

nosso tempo de cabeça fria, e analisarmos o quotidiano socorrendo-nos das ferramentas

do passado e do presente – da antropologia cultural à sociologia, e da história de todas

as disciplinas do “way of life” (caminho de vida) como foi sintetizada a CULTURA – de

T.S. Eliot a Raymond Firth, de Raymond Williams a Stuart Hall sem nos esquecermos

de outros ilustres académicos, pesquisadores e investigadores como Mikhail

Mikhailovich Bakhtin, Anthony Giddens, et cetera.

Por outro lado as intituladas Indústrias da Cultura dinamizariam a propagação

vertiginosa de novas ideologias do mainstream (correntes comuns hegemónicas)

assentes numa atitude passiva do consumidor perante as “máquinas” de promoção do

consumismo desenfreado. Theodor W. Adorno (1903-1969) definiria esta temática no

seu ensaio Sobre a Indústria da Cultura (2003). Coimbra: Angelus Novus Editora.

(Edição traduzida).

Independentemente do exemplo negativo de alguns dirigentes políticos (africanos) tudo

tem uma origem sociológica cultural. Os estereótipos ou estereotipias inculcados

durante séculos pelas dominações exteriores ao continente africano em mais de mil anos

nomeadamente a partir do século VII (639) com os árabes, e depois com os europeus no

século XV (1441) instituiriam violentamente modelos alienados (mentais) de afirmação

do ser e estar no homem e na mulher africanos. Aspectos esses que dificilmente

desaparecerão nos escassos anos do pós-colonial do século XX / XXI num mundo cada

vez mais globalizado obedecendo às leis externas de mercados financeiros impiedosos.

A corrupção vem por acréscimo numa promiscuidade entre a política e o negócio. O

exemplo corruptor surge grosso modo do mundo exterior. Onde há corruptos há

corruptores. Lei de causa e efeito. Acção e reacção. A história vai-se repetindo e

moldando.

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Na realidade e muitas vezes nada mais que estereotipias aplicadas sobre o “outro” [the

other] para o dominar e manipular. “The intellectual and moral, as well as the physical,

qualities of the European are superior; the same powers and capacities which have

made him rise in a few centuries.” (Wallace 1870 apud Armstrong 2006: 222).

[Tradução livre: “As qualidades intelectuais e morais, como também físicas, do europeu

são superiores; os mesmos poderes e capacidades que o fizeram elevar-se (sobre os

outros povos) em poucos séculos].

Sem dúvida a questão colonial teria (tem) um impacto colossal na construção do

imaginário colectivo ocidental sobre o outro, e da absorção deste último do fenómeno

estereotipado como era e tem sido representado na literatura, no cinema, e noutras

formas de representações culturais assumidas globalmente como cultura universal e em

idiomas europeus. A juventude moçambicana culturalmente à deriva sofre esta pressão e

vai-se abaixo sem indicativos de valores de dignidade numa sociedade a saque. Daí à

falta de auto-estima é um passo. Muitos governantes são os primeiros a darem exemplos

negativos de consumo alienado como marca – brand – de “civilizados” através de sinais

exteriores de riqueza de duvidosa origem e gosto. Os jovens deixam de respeitar os

valores cívicos, onde o que importa é o ter, e o não ser digno. (JC).

Palavras-chave: conceitos; culturas em exibição; estereótipos; marcas; mitos; poder;

preconceito. [Keywords: brands; concepts; cultures in display; myths; stereotypes;

power; prejudice.] (JC).

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DIALOGANDO

por JOÃO Craveirinha (JC)(doutorando na F.L.U.L., artista plástico e autor).

SOBRE A JUVENTUDE DE MOÇAMBIQUE – 2(ver edição anterior)

O meu poema, aqui, graficamente adaptado para este formato d’O Autarca poderá ser

introdutório à problematização que pontualmente retomarei SOBRE A JUVENTUDE

DE MOÇAMBIQUE.

2

MINHA IRMÃ EUROPEIA [Poema em prosa de JOÃO Craveirinha]

I: Minha irmã europeia / Só poderás sentir nossa indignação / Quando um dia sem

prosopopeia / Sentires em tua memória / Não como maldição / Nem ressentimento ou

reclamação / Os látegos que não imaginas / Rasgando o corpo africano / E ouvires os

insepultos gritos / Silenciosos de minha gente / Arrancados a ferro e fogo / Bordados

por azorragues sangrentos / Na pele escura do afro-escravo / Conotado com negro e

desgraçado / Da cor das trevas amaldiçoado/ Por tal acorrentado e massacrado/

Dezenas de Milhões em África, Europa, / Ásia e Novo Mundo e se mais mundo

houvera. / Holocausto por teus historiadores denegado/ Também da mulher africana

violada e humilhada/ Reeditadas no preconceito pós-moderno / Aos próprios Afro-

descendentes/ Sem língua sem cultura sem heróis (Só nos futebóis) / Um apagão

colectivo da memória. /

 II: Se puderes minha irmã, veste a pele por um segundo/ Fecha os olhos e tenta sentir o

que não podes sentir/ Porque foste assim deseducada / Talvez aí, possas um dia sentir /

Um pouco quanto dói/ Aquilo que me dói na tua injustiça/ Quando nos acusas de

complexos (Sempre de inferioridade) / Olhando verticalmente / De cima para baixo/

Na mão a matraca, da tua intolerância/ Tu do alto da tua arrogância/ Tecnocrata e

materialista/ (perdeste a sensibilidade, da tua superior alma feminina?) /

 III: E (nós) os outros – serão para ti os que te guardam rancor? / Quando nem tu

mesma consegues-te libertar do torpor/ Da memória conquistadora do passado em

estupor?! /

 IV: Ah minha irmã europeia/ Não te tenho rancor não/ Tenho pena de ti/ Por não te

lembrares que também em tuas veias/ Corre o mesmo sangue vermelho/ Que teus

antepassados fizeram correr/ Em África, em Tenochtitlan e Hispaniola/ Vera Cruz,

Virgínia e Cuba/ Brasil e Argentina sem Tango nem Habanera! /

 V: Já não nem choro pelo nosso holocausto africano/ Pois não tenho mais lágrimas pra

chorar/ Mas o que resta ainda no meu globo ocular/ Choro pela tua insensibilidade/ De

mulher europeia/ Que devia saber o que custa ser/ Uma pessoa duplamente

discriminada!

 VI: No entanto se quiseres pego em tua mão/ Ao som de um Fado corrido/

Rodopiamos no salão/ Tu, com tua saia minhota/ E eu sem correntes nos tornozelos/ E

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tu sem correntes mentais/ Dancemos livres de nossos fantasmas! / JOÃO Craveirinha@

Olissipo, 11 Outubro 2008/ 02h:00 – madrugada - http://recantodasletras.uol.com.br/poesias/1222151

“Como facilmente poderia ter acontecido”. Excerto de legenda traduzida do alemão sobre o

colonialismo europeu em África. Caricatura alemã de 1906 invertendo os papéis da situação colonial…

numa alusão se a história tivesse sido ao contrário. Será que os europeus teriam gostado de serem

dominados pelos africanos, e tratados da mesma forma como os destrataram?! Lá diz o provérbio: “Não

faças aos outros o que não gostarias que fizessem a ti”. (JC)

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Palavras-chave: conceitos; culturas em exibição; estereótipos; marcas; mitos; poder;

preconceito. [Keywords: brands; concepts; cultures in display; myths; stereotypes;

power; prejudice.] (JC).

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