Mais Diarios de Uma Sala de Aula

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  • 7/25/2019 Mais Diarios de Uma Sala de Aula

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    Mais

    dirios de umaSala de AulaQuatro professoras

    Coordenao

    MARIA FILOMENA MNICA

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    Mais dirios de uma Sala de AulaO projecto Dirios de uma Sala de Aulaabrangeu docentes e alunos que deramo seu testemunho directo do dia-a-diapassado em algumas escolas portuguesas.Sob a forma de dirios, escritos com

    a salvaguarda do anonimato, o livro conta--nos o que se passa no interior das salas deaula sem intermedirios ou intrpretes.Em rigor, este projecto infindvel e aindabem. Todos os anos, novos alunos entramno sistema de ensino. Todos os anos,

    reabre-se um concurso nacional quemovimenta milhares e milhares deprofessores pelo pas inteiro. A riquezae a diversidade dos depoimentos recolhidoslevaram publicao desta nova srie, como ttulo Mais dirios de uma Sala de Aula.

    Para o bem e para o mal sobretudo parao mal confirmam e reforam a impressoque tnhamos sobre a coragem de quemensina e a tragdia de quem quer aprender.

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    Mais dirios de uma Sala de Aula

  • 7/25/2019 Mais Diarios de Uma Sala de Aula

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    Largo Monterroio Mascarenhas, n. - LisboaPortugal

    E-mail: [email protected].:

    Fundao Francisco Manuel dos SantosDezembro de

    Director de Publicaes: Antnio Arajo

    Reviso: Vasco Grcio

    Design e paginao: Guidesign

    Fotografia da capa: Antnio Pedrosa/See

    As opinies expressas nesta edio so da exclusivaresponsabilidade do autor e no vinculam a FundaoFrancisco Manuel dos Santos. A autorizao parareproduo total ou parcial dos contedos desta obradeve ser solicitada ao autor e ao editor.

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    PREFCIO DE

    Maria Filomena Mnica

    e Antnio Arajo

    QUATRO PROFESSORAS

    Maisdirios de uma

    Sala de Aula

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    ndice

    Prefcio

    Dirios

    Helena Celeste

    Maria do Mar

    Maria Pala Maria Queirs

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    Prefcio

    , -

    mar a escola. Seja como for, continuamos a pensar que, se quisermos

    uma escola pblica decente, teremos de lutar por uma sociedade

    mais justa. Mantendo-se tudo como est, as escolas dos pobres sero

    inevitavelmente guetos de onde difcil sair e as dos ricos aqurios

    onde os meninos s vem uma parte do mundo. Se as escolas pbli-cas forem boas, os filhos dos pobres podero, at certo ponto, sair do

    crculo de misria em que esto encerrados.

    A Fundao Francisco Manuel dos Santos publicou em Maro de

    o livro de Maria Filomena Mnica intituladoA Sala de Aula, em

    simultneo com outro, Dirios de uma Sala de Aula. Entendeu-se

    que seria interessante e importante e sobretudo, justo para quemtestemunhou publicar ainda e autonomamente na Internet os outros

    dirios de professores e de alunos que igualmente revelam o dia-a-

    -dia passado numa sala de aula. Dizendo talvez melhor, os dirios

    de professoras e de alunas, pois todas so mulheres, ainda que no

    tenha existido qualquer critrio de gnero na escolha dos diaris-

    tas. Aconteceu assim, simplesmente.Por vrios motivos, editoriais e de calendrio, no foi possvel

    incluir logo no livro Dirios de uma Sala de Aulatodos os textos que

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    generosamente nos fizeram chegar. Saem agora, em formato digital,

    mantendo-se o anonimato das fontes e o respeito escrupuloso por

    tudo quanto entenderam dizer, com inteira liberdade. Agradecemos

    a pacincia e o tempo que dedicaram a este projecto. Admiramos

    a coragem e a dedicao com que responderam solicitao para

    connosco colaborar.

    Muito obrigado,

    Maria Filomena Mnica

    Antnio Arajo

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    Dirios

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    Helena Celeste

    16 de abril de 2012

    Acontecimento do dia

    Teve de ser, de certa forma, refeito o impresso relativo eventual

    visita de estudo Baixa Pombalina, em Lisboa.

    Esta visita para realizar com os alunos da turma . M. Ora estaturma uma espcie de um conjunto de micrbios saltitantes. Uma

    metade destes muito inteligente, a outra nem tanto! Todos irrequie-

    tos. Uns quantos mal-educados.

    Em todo o caso o melhor gostar deles, j que passo umas tantas

    horas da minha vida com esta turma. Portanto se gostar dos mi-

    dos mais fcil. Por isso pensei em ressuscitar a tal ida, meio forade prazo, Baixa Pombalina. (Esta visita j tinha sido pensada, pla-

    neada e posta na prateleira vrias vezes pelo peso burocrtico que

    estas coisas tm). Mas pode ser que isto me faa gostar dos pequenos

    e encontrar-lhes graa.

    Sentimento do dia: conformada (em escrevinhar mais papis).

    Sensao do dia: alguma resignao; aborrece-me mais ter deescrever umas papeladas do que fazer as coisas a que essas papela-

    das se referem.

  • 7/25/2019 Mais Diarios de Uma Sala de Aula

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    17 de abril de 2012

    Acontecimento do dia

    Tutoria com a Margarida. Pela primeira vez a sala que est desti-

    nada ao trabalho de tutoria estava livre. As escolas tm sempre este

    problema dos espaos. Por isso que ainda no obrigaram os profes-

    sores a ficarem l todos horas em permanncia. que ns, docen-

    tes, nem caberamos. Alm de que dvamos despesa, consumindo

    pelo menos gua e luz.

    Pronto, ento estive com a Margarida. O problema dela, sobre o

    qual j troquei impresses com a diretora de turma, que a mida

    est sempre convencida de que domina bem as matrias! A prop-

    sito de qualquer disciplina est sempre convencida de que sabe o

    suficiente ou mesmo mais. Na verdade, perante o mais simples exer-

    ccio, no produz nada ou quase nada! Tem sempre uma desculpapara essas situaes: Esqueci-me, mais foi s isso, foi uma branca,

    mas foi s agora.

    Isto, parece-me, nada tem a ver com autoestima. como se a

    aluna no se conseguisse ver ao espelho!

    Vou ter de dar uma volta ao assunto, nem sei bem qual. Quando

    descobrir digo.Desolao pela preocupao com a Margarida. De resto tudo

    como habitual.

  • 7/25/2019 Mais Diarios de Uma Sala de Aula

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    18 de abril de 2012

    Acontecimento do dia

    Tutoria com o Joo. Tambm no conseguimos ter a tal sala livre.

    Mudei para a sala onde se recebem os alunos que so postos fora da

    sala de aula, o chamado espao cidado!

    O Joo um mimo. Ao longo de toda a escolaridade pouco tem

    estudado. Vai andando. Agora ns temos mesmo de o fazer andar. Ele

    esfora-se e trabalha, muito presso, e tem de ser bastante empur-

    rado. Mas curiosamente at bem esperto. E quando se pe a pensar,

    para ser capaz de responder s questes, consegue ir ao fundo dos seus

    saberes e encontrar tudo o que por l existe, o que infelizmente no

    assim muito, simplesmente porque no estuda. E comea a falar baixi-

    nho: Isto eu sei, eu consigo fazer, isto no, isto eu devia saber, mas

    No incio da aula com o . M os pequenos tinham a ideia de queamos dar um passeio ao campo. Realmente numa ficha provisria

    para a diretora de turma escrevi sada de campo sendo que empre-

    guei a palavra campo num sentido tcnico. Foi um alvoroo para

    saberem onde ficava esse campo, se amos a p e porque que com

    a disciplina de Histria amos a um campo!

    Como ainda no tinha a aprovao para a sada fui brincando. Oresto da aula correu de modo razovel. Ou muito me engano ou a

    Berta estava com uns fones. Esta mida veio de um colgio privado

    (pudera, no h colgio privado que esteja interessado em ter alu-

    nos com este perfil). Quando o pai se der conta, j a filha vai l longe

    em incumprimentos diversos, incluindo os familiares. Mas uma

    cena da vida deles e os pais, infelizmente, reagem muito mal a algumreparo que um professor faa nestas matrias. Na prxima aula tenho

    de estar mais atenta porque esta aluna dissimulada e ardilosa.

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    Sala de professores

    Hoje reparei que havia muito barulho na sala de professores. Se o

    gabinete de grupo ficasse c em baixo, mais perto, iria para l mais vezes

    e cada vez menos para a sala de professores. Durante muito tempo

    achava que esta sala era o melhor lugar do mundo no que diz respeito

    ao ambiente de trabalho. J no acho. Os intervalos quase inexistentes

    e outros longos demais, graas infeliz passagem de Ana Benavente

    pelo Ministrio da Educao, fizeram o primeiro estrago. Questes de

    avaliao mal-amanhadas entre pares desfizeram o resto. Por acaso

    pena. Porque a nossa matria-prima so seres humanos. E ns, pro-

    fessores, devamos estar preferencialmente bem-dispostos por eles.

    Portanto, no que respeita a sensaes e a sentimentos, tudo ali

    assim pelo mais ou menos.

    19 de abril de 2012

    Acontecimento do dia

    Hoje dei uma aula de substituio.

    Apesar de este tipo de aula j existir h uns anos os alunos ainda so

    muito resistentes a estas aulas. Tratava-se de uma turma que minha, dealunos a quem dou aulas curriculares, normais; portanto conhecem-me.

    Para eles era a ltima aula do dia, ao fim da manh. Os que puderam

    (sempre os mesmos) piraram-se. No sei como, mas acho que fizeram

    muito bem. Estavam trs alunos na sala. Aproveitei para dar uma aula

    de preparao para o teste intermdio da minha disciplina. Passado um

    pouco chegaram mais seis ou sete. Marquei falta aos restantes.A aula terminou e eu fiquei por ali a organizar umas coisas.

    Quando ia a sair da escola ainda estavam alguns alunos desta turma

  • 7/25/2019 Mais Diarios de Uma Sala de Aula

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    a batalhar com o porteiro para que ele os deixasse sair. Ser porteiro de

    uma escola bsica e secundria obra! No tanto por causa dos alu-

    nos, esses so umas formiguinhas a sair do frasco, mas por causa

    dos pais! Estes exigem que o porteiro faa o que eles no conseguem

    fazer. E por mais engenhoso e malfico que tenha sido o filhinho a

    iludir ou a enganar o porteiro, para os pais ele sempre um anjo e

    o que fez at aceitvel. O porteiro que no cumpre a sua tarefa!

    Mas se o porteiro for muito rigoroso outros pais tambm se queixam

    Sala de professores

    Soube pela coordenadora que o pedido de visita de estudo sada

    de campo Baixa Pombalina foi aprovado no conselho pedaggico.

    Sensao/sentimento do dia

    Ufa, ainda bem que alvio! Tenho a tarde livre. Ai ? Ento voupara casa fazer a matriz do exame de equivalncia frequncia. Sim, o

    GAVE tem uma malta l destacada, mas h muito exame feito na escola.

    20 de abril de 2012

    Sala de professores

    Estive a trocar impresses com as colegas sobre a matriz do exame

    de equivalncia frequncia. Na minha opinio, e bato-me todos os

    anos por ela, estes exames so para dar aos alunos a possibilidade

    de tirar a carta de conduo e candidatarem-se a um emprego na

    junta de freguesia. Ou seja, devem permitir ao jovem obter o diplomado . ano sem delongas. No uma balda. Mas o exame tem de se

    adequar ao cliente. Se o aluno tem dificuldades com o raciocnio

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    abstrato, reduz-se a abstrao do exame, por exemplo. Isso no faz

    do exame um teste nem mais simples nem mais simplrio, mas sim

    mais assertivo, logo mais justo.

    Sentimento/sensao do dia

    Alguma insatisfao. No estou certa de conseguir que todos os

    exames de equivalncia tenham esta inteno. H professores muito

    ronhosos!

    23 de abril de 2012

    Acontecimento do dia

    Amanh, tera-feira, devia haver reunio do grupo de professores

    de Histria, mas a delegada no a convocou. Tem havido aqui umdesencontro entre a delegada e a coordenadora (esta diviso de com-

    petncias outra das maravilhosas introdues da mente brilhante

    de Ana Benavente). Havia o delegado e pronto. Foi, ento, criado o

    coordenador. Parece que se queria acabar com os delegados! Como

    se fosse mais prtico! O resultado que agora temos coordenador

    de departamento e delegado de disciplina. E reunies para as duasfunes, pois claro!

    Tem havido uns atrasos nas convocatrias. Ao segundo atraso da

    delegada de disciplina, a coordenadora (hierarquicamente acima e

    com assento no conselho pedaggico) reagiu no estando presente

    na reunio e exigiu que a justificao da falta fosse essa mesma:

    ausncia de convocatria nos termos legais!Este episdio provocou uma confuso no calendrio da escola. Ao

    que parece a coordenadora enviou para a delegada um calendrio

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    desatualizado. No estou muito por dentro de todos os pormenores. No

    tnhamos feito reunio em maro. Se calhar em abril teria sido til. Mas

    embora tenha o assunto da matriz do exame de equivalncia para tratar

    (mudar uns contedos), tenho feito os contactos por maile tudo est OK.

    Se calhar, sem dar por isso, j estou dependente de reunies! Isso

    que era mau.

    O melhor delegado que tive em anos era tambm croupierno

    casino local. Manobrava a papelada do Ministrio e afins como quem

    mexe com fichas e j estava, acabou a reunio, tudo para casa.

    Sentimento/Sensao do dia

    Fiquei um tanto desolada. No queria nada que as colegas se

    desentendessem e muito menos que houvesse estas coisinhas de

    queixas e acusaes por minudncias de burocracias.

    24 de abril de 2012

    Acontecimento do dia

    Hoje passei no mercado e comprei uns cravos antes de ir para a

    escola. Levei-os para dar aos alunos que me soubessem dizer algosobre os acontecimentos de de Abril de . Acabei por os distri-

    buir tambm na portaria e na receo. Levei-os direo da escola e

    deixei-os na sala de professores. J l vai o tempo em que as Cmaras

    Municipais mandavam cravos para a escola. Numa escola em que

    estive, o ento presidente do Municpio, que era um cavalheiro, alm

    de uma figura interessante, at no Dia da Mulher mandava flores parans, professoras. Agora nem a escola compra dois cravinhos. Deve

    ser para no ferir suscetibilidades, como est na moda!

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    Bom, mas voltando ao assunto, l fiz as perguntas sobre o de

    Abril. verdade que a matria, em termos formais, ainda no foi

    dada: mais para o final de maio (h professores que nem chegam

    a d-la). Mas nem um simples nome saa. E a minha pergunta no

    era de avaliao escolar. L consegui ouvir um miado: Salgueiro

    Maia. Ofereci um cravo. Os meninos e as meninas acharam muito

    bom ter uma flor. Seguiu-se um corrupio de nomes e de factos L

    veio um Otelo Saraiva de Carvalho e depois mais umas quantas coi-

    sas soltas entre as quais algumas corretas. Foram-se os cravos. Espero

    que alguns tenham chegado a casa e motivado conversa!

    Sentimento/Sensao do dia

    Divertimento. O dia acabou por ser divertido. Mas gostava que

    houvesse mais emoo a propsito da Revoluo de Abril.

    26 de abril de 2012

    Acontecimento do dia

    Hoje andei mais preocupada com a ao de formao que estou a

    fazer. quinta-feira s dou uma aula, a de hoje correu normalmente.Fiz uma aula de substituio. A essa, mais de metade dos alunos fal-

    tou. Tratava-se de uma turma de secundrio e era ao fim da manh, de

    modo que os alunos se foram embora. Claro que h alguns que gas-

    tam mal esse tempo de aulas, l fora. Mas so os mesmos que tambm

    desperdiam o tempo quando esto numa sala de aula encarcerados

    fora com um professor. Apostam em boicotar tudo e dar cabo do pro-fessor e dos colegas. Este tipo de ocupao interessa muito aos pais dos

    alunos cujo comportamento no controlam nem sequer em casa. De

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    resto no serve para mais nada. Os alunos que ficam de boa vontade

    e trabalham so precisamente aqueles que no precisam. Eu, quando

    era aluna e tinha furos na escola, nunca deitei a escola abaixo, nunca

    parti nada, nunca estraguei nada, enfim

    Sentimento/Sensao do dia

    Continuo preocupada com a preparao dos alunos para o teste

    intermdio. Acho-os um tanto apticos mesmo perante os resumos e

    os testes resolvidos que lhes tenho dado.

    27 de abril de 2012

    Acontecimento do dia

    O dia de sexta sempre um tanto pesado. Dou trs blocos de minutos. Fui ficando rouca ao longo do dia. No intervalo de almoo

    quase nunca saio da escola. Gostava de sair para mudar um pouco

    de ambiente. Mas ir at ao centro comercial quase como estar na

    escola, pela quantidade de midos que por l almoam nofast-food.

    Faz impresso como tantos pais autorizam tal coisa. O restaurante

    atrs da escola muito bom e barato. Mas este ano no vai l ninguma esta hora e nem sempre me apetece ir sozinha. Agora com o bom

    tempo ainda acabo por ir alguma vez. Assim at nem tenho de falar.

    Como sopa e mais qualquer coisa no bar da sala de professores. No

    a melhor das opes, principalmente para mim que tenho gastrite.

    Mas prtico e aproveito o resto do tempo de modo til. Sei bem que

    o intervalo a meio do trabalho faz mesmo falta. No se devem desva-lorizar estes intervalos e ocup-los com afazeres. A aula da tarde cor-

    reu bem. Costuma correr bem. Nesta turma, o lder um mido com

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    uma maturidade muito gira, com um sentido de responsabilidade e

    um saber-estar muito adequados. H dois anos, quando foi meu aluno

    no stimo ano, dificilmente eu diria que evoluiria assim to bem. Isto

    marca a energia da turma e o evoluir dos comportamentos. J o dele-

    gado e subdelegado da turma no so nada assim. Mas como eu gosto

    muito deles, eles agem muito bem comigo, apesar de serem uns dia-

    bretes. O subdelegado negro. No . ano ofereceu-se para ser Jlio

    Csar numa atividade. Um Jlio Csar negro! Altamente!

    Sentimento/Sensao do dia

    Muito cansao. Acabei com a garganta bem estafada apesar de

    ter encontrado estratgias para me poupar. Vamos ver se recupero

    rapidamente.

    30 de abril de 2012

    Acontecimento do dia

    Cheguei do Norte e fui escola para dar a aula ao . ano. Estava

    muito rouca. Disse aos midos que tinha andado na festa do Drago,

    no Porto. Uns alunos disseram que era bom eu ter vindo dar a aulae outros que nem por isso. Mas normal. Com muita gente h sem-

    pre diversidade de opinies. A aula foi proveitosa. Avanmos com

    a Revoluo Francesa. Quando se conta uma boa histria da Hist-

    ria (e a Revoluo Francesa uma boa histria em que at o rei vai

    parar guilhotina) os cachopos alinham. Soube-me bem ir escola

    s ao fim da tarde. Acho que realmente j est na altura de passar ater horrios s tarde e l para o fim. J passei da fase em que que-

    remos sempre as aulas da manh. Ao fim da tarde tudo assim mais

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    sossegado. S desconfortvel no inverno. Mas como eu gosto de

    chuva, isso ser o menos.

    Conversei um pouco com duas colegas na sala de professores. Fica-

    ram admiradas por eu estar to rouca e, tendo a falta justificada, estar

    presente. No sou abnegada, para mim isso um defeito srio numa

    pessoa. Mas aqui entre ns que ningum nos ouve, no estava bem certa

    sobre se o teste era j na aula seguinte ou se tinha sido mudado! Ora,

    esta aula aos alunos bons no fazia falta e aos alunos fracos tambm

    no. Mas aos pais de alunos que viessem a ter negativa, ia fazer muita

    falta. Ia ser um sarilho enorme e a culpa seria minha! Essa que essa.

    De entre as colegas com quem falei, uma me de uma aluna

    minha e tem manuais escolares publicados. A outra diretora de

    turma do meu aluno de tutoria, que me deu a excelente notcia de

    que o pequeno teve positiva em Lngua Portuguesa. Telefonei me

    dele para dar um alento e parabns.

    Sentimento/Sensao do dia

    Satisfao boa e gira. Apesar de estar um tanto adoentada e febril

    o dia soube-me bem, e ter ido escola assim no fim da tarde, com

    to pouca gente, deu-me outra energia.

    7 de maio de 2012

    Acontecimento do dia

    Hoje os alunos do . ano fizeram o teste intermdio de Histria.

    Tenho cinco turmas. o ano que eu mais gosto de lecionar.Um dia de teste provoca um certo nervoso porque os alunos

    podem fazer m figura, o no depende s do trabalho do professor.

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    Lembro-me da minha filha que foi a exame do . ano com a Ln-

    gua Portuguesa e teve um do qual ela prpria se envergonhou

    quando soube. Mas a verdade que me deu uma aflio ao pensar

    que de repente podia haver um resultado inesperado. Mas no valia

    a pena ficar assim. Seria melhor um pensamento positivo, pois claro.

    S depois de o teste terminar vi o enunciado. Era acessvel. Pareceu-

    -me bem formulado, com as questes bem colocadas e nada difcil.

    Uma parte da pontuao, quase um tero, pode obter-se nas res-

    postas de escolha a preencher os espaos. A questo de desenvolvi-

    mento era sobre Portugal. Podia correr bem.

    Nas turmas que tive nesse dia vimos um filme Goodbye Lenine

    para descontrair um pouco e abordar o colapso do comunismo. Nada

    mais. Eles precisavam. O . ano fez teste. A descansei eu.

    A preocupao com a menina da tutoria. A pequena no d

    uma para a caixa. muito fraquinha em todas as matrias. Temum conceito de si prpria complexo, pois considera-se sempre bem

    preparada e a dominar todas as matrias de modo bom ou sufi-

    ciente, mas desmorona-se primeira reviso que fao com ela. O

    problema que quer ir para economia e no aceita a via do curso

    profissional. Dizem que na Alemanha o professor, ou o conse-

    lho de professores, quem define se o aluno vai ou no para a viaprofissional. Se calhar devamos fazer algo idntico. A famlia da

    aluna, limitada em recursos materiais, diz que far tudo para ela

    seguir a via que escolher. Os pais j tm uma outra filha mais velha

    num curso de teatro, numa escola nada credvel e cara, e agora esta

    sonha que vir a ser uma gestora de gabarito. Sei l, at pode ser

    mas por agora isto est mal.

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    Sentimento/Sensao do dia

    Calma depois do medo de os meus alunos falharem no teste, e

    eu ficar aborrecida e a pregar grandes sermes. Se me deixam ficar

    mal vou ter de os espremer.

    11de maio de 2012

    Acontecimento do dia

    Hoje faltei s aulas! Arranjei um atestado mdico, infelizmente

    verdadeiro, e sendo verdadeiro, fiquei com a sensao de que agora

    deu uma febre nos mdicos que os leva a imaginar que todo o fun-

    cionrio pblico cria cenrios para obter justificao para faltar.

    Ora no assim, mesmo admitindo que possa acontecer. Vendo o

    meu historial registado o mdico concordou que eu devia parar umpouco. E foi mesmo s um dia. A um senhor deputado basta a sua

    palavra a dizer que esteve doente e a falta est justificada. O cida-

    do comum tem de recorrer a um mdico convencionado ou ao

    mdico de famlia. Resolvido esse assunto, foi precioso este dia em

    casa. Avancei com coisas para a escola, pois claro!

    Deixei planos para a aula de substituio, mas fiz umas oraespara que o anjo da guarda das turmas as livre de substituies.

    A turma da tarde teve aula de francs. A professora prescindiu da

    sua tarde livre, de tempo com as suas filhas bebs, para dar uma aula

    extra! Em tempos pode ter havido exageros nas faltas dos docentes.

    Mas s eu sei a preciosidade que um dia sem ir escola com falta

    justificada como se fosse feriado para todos, por exemplo.

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    Sentimento/Sensao do dia

    Alvio por ter posto coisas em dia e ter recarregado baterias.

    16 de maio de 2012

    Acontecimento do dia

    Hoje, com uma turma do . ano, vimos o filme Goodbye Lenine.

    Vimos a primeira parte, a que interessa em relao matria sobre

    a queda dos regimes comunistas. Quase no final da aula fui at ao

    fundo da sala. Vi que um aluno tinha uns fones nos ouvidos. Cha-

    mei-lhe a ateno. Quando o mido retirou os fones vi que estavam

    ligados a um pequeno aparelho que se encontrava a funcionar, que

    no sei como se chama, mas no era telemvel nem MP. Este apa-

    relhinho estava no bolso das calas. O mido comeou logo por afir-mar que o aparelho estava desligado, isto , no estava a dar msica.

    Como provar? No se prova. Mas ligado estava. Se por acaso eu avan-

    ar com alguma participao aos pais, estes vo achar que o menino

    est a dizer a verdade, mas ainda que no seja completamente ver-

    dade a escola e a professora devem ser pedaggicas!!!

    uma moda que j chegou Polcia. Agora pagamos (sim, que euno fujo aos impostos) polcia para andar a verificar se os jovens

    bebem demais e para exercer sobre eles um efeito pedaggico! No

    os autua nem os multa, nem os deve criticar. No. S pode ter um

    efeito pedaggico!

    O ano passado confisquei um telemvel a uma aluna porque esta

    o tinha posto a carregar numa tomada no fundo da sala. Estvamos apreparar-nos para ver um filme. Quando dei pelo telemvel ligado

    tomada, peguei nele e meti-o no meu bolso. Estava ligado, no modo

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    de silncio, e vibrou o tempo todo. Quando a mida viu que eu o

    tinha apanhado ainda disse que tinha sido por um minuto pois estava

    mesmo a colocar a mochila a tap-lo. Enviei uma nota ao encarregado

    de educao que respondeu que concordava com meu procedimento;

    no entanto achava que eu devia ter sido mais pedaggica. Claro que

    a mida exibiu a resposta do pap s colegas como uma vitria o

    pap no dava razo professora! Mal sabe ele com que trupe a sua

    linda menina anda envolvida, nem quer saber. Mas os professores

    sabem. Os professores sabem coisas sobre os midos que faziam tanto

    jeito aos pais agarrarem nessa informao e cuidar dos seus rebentos.

    Mas no querem, e um risco enorme para o professor contar.

    Portanto, se o Joaquim estava com fones e um aparelho ligado,

    eu nem pensei em o confiscar pois o modo como a coisa se apre-

    sentava a cena ainda ia parar internet como aquele episdio do

    Porto. A fatura destes comportamentos chega a casa, l isso chega,mas dos pais deles, no minha! Ficou a informao remetida

    diretora de turma, que diz que os pais deste mido so atentos e

    vo tratar do caso. OK.

    O resto do dia correu bem. Na turma da tarde foi possvel avan-

    ar e ter uma aula com dinmica. Duas midas desta turma andam

    muito extraviadas. Uma delas veio de um colgio privado. Os colgiossempre arranjam forma de pr fora os midos de tipo problemtico.

    Entre outros argumentos dizem que na escola pblica os filhinhos

    tero melhores notas pois a exigncia menor e coisa e tal. No

    que h pais que acreditam?

    Sentimento/Sensao do diaFiquei aborrecida pelo comportamento traioeiro e manhoso do

    Joaquim, postura que cada vez mais crianas e jovens exibem. o

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    reinado absoluto dos chicos-espertos. Mas foi s isso. A minha dis-

    posio tem sido boa.

    17 de maio de 2012

    Acontecimento do dia

    Hoje foi o Dia da Escola.

    Pensar que eu quando era aluna nunca alinhei nem achei piada

    a estes eventos e atividades! Para mim a escola era um lugar para

    assistir a umas aulas, aprender umas coisas, ou mesmo muitas coi-

    sas, conversar um bocado com os colegas e vir embora porque a vida

    mesmo era em casa e por a assim.

    Agora como professora continuo a no sentir o esprito deste tipo

    de acontecimentos. No entra no fundo da minha pessoa. Mas faosempre qualquer coisa ou participo de boa vontade em atividades

    que me sejam propostas ou que precisem da minha colaborao.

    No gosto, e nelas no voltarei a colaborar, de atividades que

    sejam realizadas na rua. Se o senhor presidente da junta quer palha-

    os, que os contrate e os pague. Depois da cena que houve h tempos,

    numa vila no Minho por causa de um desfile, perdi completamentea vontade. Mas j era muito crtica, principalmente depois de fazer

    o mestrado em Educao Multicultural. Alm disso, sei que este tipo

    de atividades d imenso trabalho aos professores e tambm muita

    despesa. Os pais, na sua maioria, no aceitam bem colaborar quer

    financeiramente quer disponibilizando tempo. Sempre que participei

    em atividades desse tipo entrei em despesas que sei l. So ganchosde cabelo, tintas, maquilhagens, etc. No estou disponvel para isso.

    E, na verdade, na minha opinio, o resultado nunca grande coisa

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    pelo amadorismo que lhe est na origem. Quando a atividade na

    rua, esta enche-se de avs e de tias babadas que distorcem as habi-

    lidades dos pimpolhos. Estes acabam convencidos de capacidades

    que no tm nem viro a ter. O cortejo de recriao histrica a que

    assistimos o que e tem a qualidade que tem porque as escolas so

    usadas sem reforo de recursos humanos ou materiais da o aspeto

    simplrio e amador, nada instrutivo, de que no gosto. De qualquer

    modo o dia aberto da escola estava no plano de atividades, portanto

    toca a alinhar.

    Pensei em fazer um trabalho designado Objetos que contam

    Histria. Para isso, alunos e pais disponibilizariam escola um ou

    vrios objetos que contem Histria. Por exemplo, se a famlia tiver

    um aparelho de picar carne antigo, manual, e um aparelho moderno,

    eltrico, colocaramos os dois ao lado um do outro e uma legenda

    com datas e alguma observao curiosa sobre a evoluo deles. Ten-tei arranjar um telemvel dos primeiros, que eram uns caixotes, para

    colocar ao lado de um mais atual. No arranjei. Todas as pessoas da

    famlia que tiveram um antigo j o tinham mandado para reciclagem.

    Na altura em que estava organizar as ideias e a preparar o roteiro

    escrito para apresentar, veio-me cabea que parte desses objetos

    podem ter algum valor, material ou estimativo, e a sua seguranaseria um assunto complicado. As escolas tm sempre falta de arm-

    rios-vitrine com chave. Assim, como no avancei com esta ideia mais

    cedo, no poderia ir muito longe. Por esta vez ficmos com peas

    minhas que eu prpria forneci. Entre elas um preciosssimo fogo de

    ferro, em miniatura, feito pelo meu av paterno e por um tio, em que

    cheguei a cozinhar, de verdade, em menina. A minha me pintou-omuito bonitinho de preto e prateado. Estava um mimo. Ao lado pus

    um fogareiro de petrleo, inestimvel, da minha me. E a seguir um

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    camping gs. Havia um teclado de PC e uma mquina de escrever dos

    anos , de que os midos e os professores gostaram. E as Barbies das

    colees etnogrficas e histricas (que contam com a princesa Cata-

    rina de Bragana) que fui buscar, socapa, caixa das minhas filhas.

    A ideia ficou no grupo. No prximo ano iremos trabalh-la melhor

    e dever ter a colaborao dos pais para avanar de forma mais vis-

    tosa e produtiva, indo ao encontro de contedos e de objetivos da

    disciplina.

    Foi giro. Carreguei tudo para a escola, montmos a exposio e,

    por sorte, no fim do dia, o porteiro deixou-me entrar com o carro no

    recinto, carreguei tudo de volta, assim mesmo tipo cigano na feira do

    relgio, mas mesmo esses podem ser felizes. Eu tambm portanto.

    Sentimento/Sensao do dia

    As folhas que ao longo do dia se foram enchendo de escritos, namquina de escrever, eram elogiosas (alm de um ou outro pala-

    vro!). Portanto valeu a pena. Soube bem, a todos, um dia na escola

    sem aprendizagens convencionais. Mas sei que podia ter feito melhor.

    Para o ano h mais e vai ser melhor.

    Nota extraSoube que as escolas da Parque Escolar no podem acrescentar

    placardsnem vitrinas nos edifcios, por muito necessrios que sejam,

    pois isso viola o desenho de sua Excelncia e Eminncia o senhor

    arquiteto. Havia de ser eu o diretor da escola: pegava numa marreta

    e nuns pregos e montaria as vitrinas e tudo o mais. Se o arquiteto no

    equipou o edifcio com o que necessrio ao seu funcionamento,alm de arquiteto, burro. S quem vive um ano nestes edifcios

    sabe do que falo.

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    18 de maio de 2012

    Acontecimento do dia

    Hoje o Filipe, o meu lindo Filipinho, que j foi meu aluno noutro

    ano, resolveu fazer mais uma das suas. So coisas que no possvel

    entender. Mas no faz mal. Toda a famlia deste menino original.

    Entramos na sala, logo aps o almoo. Comeamos com o habitual:

    pegar nas coisas, escrever o sumrio Quando olho para o Filipe

    estava ele com o queixo na mesa e a segurar algo que podia ser um

    papel daqueles empacotados que os pequenos comem, tipo bollycao!

    Quando perguntei o que estava a fazer, reparei que o nosso Filipinho

    enfiou rapidamente o que quer que fosse nas bochechas e respon-

    deu, com a boca mais do que cheia, que j estava, j tinha acabado

    e ia deitar o resto no lixo. Nessa altura, quando eu ia dizer que no

    se pe comida no lixo, o que ele tinha escondido nas mos caiu parao caixote! E, pasme-se, alm do bolo tinha um pacote de sumo! O

    Filipe nem grande, nem tem as mos grandes! Perguntei se estava

    com fome, se no tinha tido tempo de almoar. Respondeu que sim,

    que almoara bem e no tinha fome, mas estava ali aquela sobra

    e resolvera comer tudo num instante. No queria ir para o espao

    cidado porque estava fazer um PIT! Mas como houve ordem parasermos estritos com questes disciplinares tive mesmo de o mandar

    sair, para ir refletir sobre o assunto na sala do espao cidado e voltar

    para o segundo tempo da aula. Azar do mido: quem estava na tal

    sala era uma professora que tambm o conhece de ginjeira! Foi feita

    a comunicao diretora de turma, mas confesso que lhe disse que

    no deixasse esta cena interferir na avaliao do PIT. O mido comeuporque calhou, deu-lhe para ali e pronto, j estava pago.

    Se este episdio visto de fora parece pouco disciplinado, no sei.

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    Enquanto isto acontecia veio-me memria um acontecimento

    do primeiro ano em que fui professora. Tinha, numa turma, um aluno

    que jogava futebol no clube local e andava a ser sondado por um

    clube grande da capital. A certa altura esse negcio concretizou-se.

    No ltimo dia de aulas que teve na nossa escola, antes de ser trans-

    ferido, veio ter comigo e apresentou-me um dos grandes desejos que

    tinha e que gostaria de concretizar antes de ir embora para outra

    escola que no conhecia. Pois claro, ento que realizasse o sonho

    dele. O sonho era sair de uma aula a meio, ir ao bar da escola, dar

    uma voltinha e entrar novamente na sala sem repreenso! Pronto,

    cada qual tem a sua pancadita! E assim foi. Este rapaz, que foi guarda-

    -redes do Sporting e depois de outros clubes, no cresceu tanto

    quanto se esperava e por isso no foi mais longe. Na mesma turma

    estava um outro que foi jogador com algum significado no Porto e

    na seleo. A coisa mais marcante da passagem de figuras destasnas escolas secundrias a quantidade de suspiros que provocam

    nas raparigas.

    Sentimento/Sensao do dia

    Tudo bem. s crianas e aos adolescentes passa-lhes cada coisa

    pela cabea Ou ento a nossa cabea de adulto que j perdeuelasticidade. Como fomos ns, adultos, que fizemos a norma, aquilo

    que no est l no normal e nem sempre conseguimos aceitar!

    Mas a expresso do mido e aquele enfiar o bolo fora pela boca

    dentro teve muita piada! Eu, como sou adulta, s me estou a rir agora!

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    23 de maio de 2012

    Acontecimento do dia

    Mais uma entrega de testes intermdios. No esquecer que

    tenho cinco turmas de . ano. Tudo bem quando a mdia geral

    dos alunos boa tal como o nmero de positivas. Faltaram dois

    alunos desta turma ao teste intermdio. Os dois, um rapaz e uma

    rapariga, estavam presentes na aula hoje, mas nenhum disse o que

    quer que fosse quanto falta. Optei por deixar isso nas mos da

    diretora de turma.

    Tutoria com o meu Joozinho: depois de, no Dia da Escola, ter ido

    com ele ver as escolas profissionais, com cursos de mecnica, aqui

    por perto. Conversmos sobre o assunto. Este sim, tem uma viso

    realista sobre uma srie de coisas e acima de tudo sobre o que quer

    para si, o que imagina para o seu futuro. muito interessante que,contra o que habitual, este aluno no se v apenas em produo

    de intelectualices, ele v-se mesmo a fazer coisas. Coisas daque-

    las de que precisamos mesmo. Eu posso ler um livro ou no. Posso

    dar um passeio ou no. Mas desde o Neoltico, no mnimo, que h

    objetos mecnicos que tm de funcionar. Esta a rea do Joo. Fazer

    as coisas funcionarem, caso no funcionem. Diz-se que um homem(talvez tambm uma mulher) deve ter um filho, plantar uma rvore

    e escrever um livro. O assunto do Joo a rvore. Excelente. Sem o

    filho a gerao no continua. Mas sem a rvore ningum vive. Sem o

    livro, por muito que custe a muitos, a vida segue. Pois o ser humano

    viveu, j depois de ser homo sapiens sapiens, mais tempo sem livros

    do que com livros.A casa deste menino precisaria de uma interveno do Querido,

    mudei a casa!, mas talvez no deva imiscuir-me por demais na vida

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    pessoal, no v romper equilbrios prprios e depois no ter forma

    adequada de sair.

    Mas l que me apetece, apetece.

    Sentimento/Sensao do dia

    Tudo muito fixe.

    25 de maio de 2012

    Acontecimento do dia

    de maio uma sexta-feira. Felizmente para mim, um dia bom.

    S tenho aulas de minutos. As turmas esto normalmente muito

    bem. A primeira da manh ainda vem meio a dormir. A do meio da

    manh menos simptica e est mais agitada, mas j me conheceh muito e a coisa foi rolando sempre. A da tarde, acho que j referi

    isso, tem a barriguinha cheia e quer fim de semana.

    Esta sexta no foi diferente. S que j tem sabor de fim de ano e

    de concluso de matrias. H uma certa impacincia para acabar e

    achar que j nem vale muito a pena.

    Mas as turmas estiveram atentas. Uma delas fez teste. Estes testesde fim de ano letivo so, como todos os meus testes, de minutos de

    durao. Abordam matria de forma global. Depois das dificuldades

    de viso que tive, recorro bastante a testes de preencher espaos e

    de completar ideias. Tambm a alguns de escolha mltipla. Mas h

    sempre espao para os alunos mostrarem as suas capacidades de

    analisar, de comentar e de sintetizar. Quanto crtica, prefiro queseja feita na oralidade. Neste dia, em todas as turmas, avanmos

    bastante na rea da crtica. Embora, uma vez instalado um ambiente

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    de crtica, seja difcil, a dada altura, conseguir que se calem e escu-

    tem um comentrio acerca das fragilidades das suas crticas a fim de

    serem mais prudentes com o que dizem.

    Piaget pode estar um bocado fora de moda, mas nestas aulas veri-

    fico que h muita verdade nos seus estudos.

    Sentimento/Sensao do dia

    OK, estamos a ir bem, neste esprito de fechar as contas.

    Um dia, talvez para o ano, levada pela reflexo a que a escrita des-

    tes dirios me obrigou, vou gravar uma primeira e uma ltima aula de

    . ano, planificando para ambas abordagem crtica a algum assunto

    de contedo da disciplina que tenha pontos comuns.

    Sou capaz de jurar que h evoluo, mas toda a gente desata a

    dizer que os alunos no avanam nada e que o ensino no presta!

    Vou ver isso, mas s para mim mesma.

    31 de maio de 2012

    Acontecimento do dia

    Hoje o acontecimento foram as eleies para sindicato.Eu sou sindicalizada, por sinal em dois sindicatos, mais por princ-

    pio do que por fidelidade ardente aos ideais de qualquer dos sindicatos.

    De modo que quando me telefonaram a perguntar se tinha disponibi-

    lidade para a mesa eleitoral aceitei. Ocupava a minha tarde livre.

    Acho que as profisses e os profissionais so tratados conforme

    se tratam. E ns estamos mal.Muito me di saber tudo o que as geraes antes de ns, desde o

    sculo XIX, fizeram, lutaram. Deram a vida para ns termos qualquer

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    coisinha merecedora de respeito e de considerao mas agora o

    comodismo e a parvoeira dos mais novos levam-nos tudo. Porque

    o que temos de benefcios so conquistas adquiridas com muito

    sofrimento, nenhum poltico ou governante deu algo bom ao povo

    que governa que no tivesse sido duramente conquistado, na rua,

    no parlamento, na imprensa, etc. Se poucos so sindicalizados, so

    menos ainda os que foram votar. Mas est bem. Vai afetar mais os

    mais novos do que a mim!

    Sentimento/Sensao do dia

    Fiquei bem triste por to pouco empenho de uma classe com for-

    mao superior, com conscincia das coisas, assim alheada.

    1 de junho de 2012

    Acontecimento do dia

    Ontem foram as eleies para o sindicato. A absteno foi alta.

    Tal como a sindicalizao o . O meu av materno foi empresrio,

    daqueles que empreendiam com o seu dinheiro e no com o dinheiro

    do banco, e na sua condio de empresrio sempre me disse que aspessoas devem estar organizadas e informadas, embora tudo isso

    se passasse antes do de Abril. Depois que andei a mexer na sua

    mquina de escrever (que levei no Dia da Escola para expor) penso

    nele. Pois Quando avancei para ser professora tive um convite de

    um tio, tambm empresrio, para ficar a tomar conta dos escritrios

    dele em Lisboa. Era uma sede, porque tudo o resto estava centradol numa cidadezinha no distrito de Aveiro. Eu no quis. Achei que

    era melhor ter um canudo e um trabalho, no sentido clssico. Hoje

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    acho que fiz uma opo segura mas perdi algumas coisas tambm.

    Depois disso nunca fui capaz de atirar a vaca pela ribanceira abaixo.

    Talvez por esse motivo no seja grande adepta de investimentos de

    vida em percursos escolares muito contrariados e forados que tra-

    gam anos de sofrimento.

    Bom, para no me desviar, mandei-me ali aos temas da nova

    ordem mundial e do papel das organizaes no governamentais,

    como se fosse um assunto pessoal da maior urgncia. Acho que os

    alunos entenderam, embora talvez lhes tenha parecido um bocado

    excessivo. Mas as aulas correrem bem.

    Sentimento/Sensao do dia

    Um tanto de calor faz bem nas aulas, mas tanto tambm me

    esgota. Vale agora o fim de semana.

    5 de junho de 2012

    Acontecimento do dia

    L vai mais uma segunda-feira, a ltima do ano letivo.

    A entrega e a correo de testes dominaram o dia, tal como as ava-liaes orais de recuperao. engraado que h alunos que levam a

    srio este esforo e constatam que ficam a conhecer matrias sobre

    as quais nem eles imaginavam ser capazes de saber tanto. Outros

    tm a mania de que estas recuperaes so mais um pretexto para

    o professor dar a nota positiva independentemente do que o aluno

    fez. E ento trazem uns trabalhos to mal preparados que do pena.Acho que h casos em que isso que pretendem explorar, a fim de

    obter a nota.

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    Numa turma deu-se o caso de a mida que deveria apresentar

    o seu trabalho para garantir um nvel desatar a chorar, que no

    estava preparada, mas estava, que eu percebi. Mas como as outras

    midas s apresentavam trabalho na aula seguinte, muito contra

    minha vontade, deu-lhe para se sentir insegura. Ficou muita coisa

    para a ltima hora. uma forma de estar e de produzir muito inte-

    ressante que os portugueses tm. Na hora H que avanam e fazem

    tudo. Est bem, no h problema. No necessariamente verdade

    que a antecipao seja mais produtiva ou mais criativa. E preciso

    muita fora para fazer as coisas desta forma, o que muito me agrada,

    ou no fosse tambm o meu estilo deixar coisas para a ltima! A ver-

    dade que em outras turmas os trabalhos foram aparecendo e esta-

    vam bem, na generalidade.

    A segunda-feira um dia de aulas de minutos (criao maravi-

    lhosa da Ana Benavente). uma correria de sala em sala, sem nuncater a certeza de estar a horas em lado nenhum, mesmo que os atra-

    sos no sejam considerveis! Gostava de voltar a ter unidades de tra-

    balho de uma hora, em que minutos correspondiam a trabalho

    e minutos a descanso. Mas no sei se isso vai acontecer. Ento

    agora que descobriram que os tempos supervenientes deixaram de

    ser pagos enquanto tempo extra, mesmo que sejam tempos de ati-vidade letiva, estamos feitos.

    No . ano avanmos um pouco mais, praticamente conclumos

    a matria, incluindo as invenes do fim do sculo XIX e a arte. Os

    alunos no gostam muito das matrias de arte. Mas com exerccios de

    memria entrou alguma coisa. Esta a matria com que se pode dar

    incio ao prximo ano letivo, e estas informaes, estando l pelosfundos, iro aparecer.

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    Sentimento/Sensao do dia

    H sempre alguma nostalgia no final do ano letivo, mas tambm

    fixe. Vamos ter um intervalo de uns mesitos. O facto de diversificar a

    atividade, no estando em frias, introduz uma renovao no esprito.

    6 de junho de 2012

    Acontecimento do dia

    Hoje foi a ltima aula da turma D. Portanto quis mesmo concluir

    os temas, e o sumrio foi o tema K (dei o tema K primeiro) Os

    desafios do nosso tempo. Os alunos fizeram um exerccio de leitura,

    de anlise e crtica de uns textos do manual. Foi proveitoso. Quando

    a ltima aula no no ltimo dia ainda se aproveita. Quando no

    ltimo dia j nem sempre possvel que seja til. Depois fizemosa autoavaliao, que nesta turma pacfica. O Bernardo no veio.

    No tem vindo. A diretora de turma j fez tudo o que est ao seu

    alcance. Mas difcil. Quando lhe perguntei se tinha informado o

    pai do rapaz de que vai passar o caso para a Comisso de Proteo

    de Menores, ela arregalou os olhos e perguntou-me se eu j tinha

    visto o pai dele, se conhecia o estilo e o tamanho da personagem. Opai l foi justificando as faltas. A diretora aceitou as justificaes, a

    lei a isso obriga. Vamos l a ver como vai ficar na reunio. Na ver-

    dade o rapaz tem uma pancada! Mas entende-se tudo quando se

    conhece o pai, diz ela.

    Com os alunos do . ano falmos de Fontes Pereira de Melo e

    das suas estradas. Vai um iluminado pergunta: Ento, e agora aindafoi preciso fazer mais autoestradas? No percebi muito bem se foi

    mesmo a srio ou se era a brincar. Em todo o caso voltmos a pgina

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    da cronologia para perceber que entre Fontes Pereira de Melo e Jos

    Scrates passou um tempinho!

    Sentimento/Sensao do dia

    Pronto. Caso encerrado. Acabou-se o . D. Estive com ele trs

    anos e correu bem.

    Alm do aluno referido, h o caso da Bubas, que ao longo des-

    tes trs anos, sempre de nariz empinado e malcriadota, enfrentou

    a morte do av, com cancro, que fazia as vezes do pai, que j tinha

    falecido pouco antes, e o cancro da me, que o superou.

    Que que se vai fazer?

    Eu digo o que vou fazer: vou agradecer a Deus por nem eu nem

    as minhas filhas termos tido tal adolescncia e, se necessrio, propor

    ao conselho de turma um consenso-votao para a mida passar.

    Hoje h uma determinao para que estes casos se resolvamassim, mais do que por sensao ou por sentimento.

    8 de junho de 2012

    Acontecimento do diaHoje foi o ltimo dia de aulas. O ltimo dia para mim. Para a

    semana ainda dou aulas ao ., mas como s uma turma e trs

    tempos em dois dias, j nem conta, na medida em que no maa.

    Portanto por este ano acabou.

    Na aula da manh ainda estiveram quase todos os alunos. Fal-

    mos da autoavaliao muito rapidamente porque os midos queriamver um filme. Eu tinha levado dois filmes. O HAIR, muito a propsito

    de assuntos falados nas matrias de final de . ano e uma comdia

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    ligeira. Vimos umas cenas do HAIRe depois passmos para a com-

    dia. Como uma escola com ensino secundrio o final do . ano no

    tem muito significado. Os midos das escolas que s tm . ciclo

    fazem deste dia um drama e umas despedidas. Neste caso nem por

    isso.

    Mas eu nunca fui de grandes despedidas nem de choraminguices

    perante os alunos ou os colegas. Em anos de trabalho s tive uma

    lagriminha no canto do olho, e dizia respeito aos colegas, ao grupo

    de Histria e sala de professores em geral, quando deixei a escola

    de A. Uma escola fantstica. Nos tempos sombrios do consulado da

    Maril, criaram-se solidariedades e companheirismos. Para mim, e

    para mais uns quantos, a questo era sobreviver com a boa disposi-

    o possvel. E realmente muito nos divertamos. Comearam a srio

    as substituies. Nesse trabalho conheci a turma de alunos da aca-

    demia de um clube de futebol. Devia ser proibido. Ou antes, os paisno deviam permitir os filhos em tais stios. Mas quem no sonha ser

    a senhora me de uma estrela de futebol?

    Passar a ponte Vasco da Gama logo pela manh era coisa mais

    zen que podia acontecer. Adorava. Maravilha. Apesar da distncia

    e da portagem.

    Voltando ao ltimo dia de aula, a turma seguinte estava compouco mais de metade dos alunos. Os outros estavam em ativida-

    des desportivas. Duas alunas vieram apresentar um trabalho, em

    desespero de causa, para terem positiva. De facto j dei as notas

    diretora de turma e dei-lhes a cada uma. Imaginei que se empenha-

    riam neste trabalho. E assim foi. O tema era Jos Afonso e a cano

    de interveno. Estiveram bem. Uma mais do que a outra. A queesteve melhor quer ir para um curso profissional que tem teatro, por-

    tanto vai mudar de escola. Vai a me pagar uma pipa de massa para

  • 7/25/2019 Mais Diarios de Uma Sala de Aula

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    a menina estudar uma coisa de que gosta muito e no fim continuar a

    viver custa da me, porque estas coisas so muito difceis, embora

    no sejam impossveis. S estou a dizer isto ao meu dirio, que nin-

    gum o ouve, porque se fizesse um alerta mida, que nem muito

    dotada, estava a traumatiz-la, a desanim-la e coisa e tal. Uma outra

    decidiu tambm apresentar um trabalho para melhorar a nota. Mas

    acho que no vai dar em nada. O trabalho era sobre Che Guevara.

    Estava fraquinho e as avaliaes dela so muito fraquinhas tambm.

    Esta mida j foi da minha direo de turma. Chumbou. Ser por-

    tanto reteno repetida, caso volte a chumbar. Uma maada para a

    reunio. Parece-me que a me da mida ps o pai a andar de casa

    para fora, porque quem trabalhava era a senhora, que no esteve para

    manter o panudo. Mas no d conta da mida. boa mida, no se

    mete em drogas nem em confuses, mas tambm no estuda e rara-

    mente est atenta. mais conversa e dormitar nas aulas.No intervalo de almoo (almocei na sala de professores), as con-

    versas habituais sobre as possibilidades de aferir notas antes das reu-

    nies para evitar a atribuio de notas por deciso do conselho de

    turma. Quando necessrio encontrar um consenso, sou, invaria-

    velmente, a favor da transio do aluno. Ento quando o caso com

    Educao Fsica, voto sempre para favorecer o aluno. Os colegas deEducao Fsica meteram na cabea uma carrada de disparates que

    fizeram que a Educao Fsica passasse de disciplina preferida quela

    que mais contestada em todos os nveis. O programa nacional desta

    disciplina o mais longo de todos os publicados na pgina do Minis-

    trio da Educao.

    Na aula da tarde os alunos desertaram. Era a nica aula da tarde e,aproveitando o facto de haver atividades de Educao Fsica, j no

    voltaram. Fiquei na sala o tempo todo a fazer trabalhos. Apareceram

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    trs alunos para fazer a sua autoavaliao. Na verdade, para me con-

    vencerem a dar as notas que eles querem. Mas nem era preciso. Dois

    deles vo ter o . Apesar de o Filipinho ter aquele jeito para copiar.

    Jeito e um certo casaco que leva para os testes quer chova quer faa

    sol. Mas um truque to velho que no chega a incomodar pois

    deteta-se. O outro aluno ter . Pouco lhe apanho para a avaliao

    oral, mas, como ele muito reservado, h que respeitar.

    E pronto, vou para casa.

    Sentimento/Sensao do dia

    Uff, que bom! Este ano foi bem complexo, sobretudo pelas dificul-

    dades de viso que senti. Mas tem um balano muito positivo. Sobre-

    tudo porque as minhas cinco turmas de . ano tiveram resultados

    acima das mdias!

  • 7/25/2019 Mais Diarios de Uma Sala de Aula

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    Maria do Mar

    DIRIO 1

    Reflexo sobre os cursos profissionais no ensino

    secundrio/nas escolas secundrias

    Tpicos: a escolarizao dos cursos profissionais; a partilha dos

    mesmos espaos cursos gerais e cursos profissionais; tratamento

    idntico para profissionais distintos: professores e tcnicos vrios;regimes de avaliao e de assiduidade muito distintos que geram

    confuses.

    Os cursos profissionais chegaram s escolas secundrias h cinco

    anos (existiam anteriormente nas escolas profissionais).

    Samos da escola em finais de julho e ningum sabia de nada.Quando regressmos, em setembro, deparmo-nos com os cursos

    profissionais j implantados.

    Como possvel que, tratando-se de um novo paradigma de

    ensino como alguns diziam , as coisas fossem feitas deste modo?

    Sem qualquer preparao, explicao, formao ou mesmo serie-

    dade. Decerto que foi tudo, apenas, para cumprir as metas eco-nomicistas em que o ensino ter sido das reas mais prejudicadas.

    Na educao que se quer de futuro, na educao que se quer de

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    qualidade, preparando cidados de excelncia, no se poupa, gasta-

    -se: o melhor investimento de um pas. Continuo a no me con-

    formar com muitos polticos no o entenderem, ou no o quererem

    entender, e, assim, irem arrastando o desenvolvimento de um pas

    para o nunca.

    Nas diversas reunies que fomos tendo, e refiro-me s dos profes-

    sores que ficaram com turmas dos cursos profissionais (para saber,

    por exemplo, a contagem das horas, a questo dos mdulos que

    nada tem a ver com os perodos letivos , os imensos planos de recu-

    perao a aplicar aos alunos, etc., etc.), o que nos foi dito foi que

    se tratou de uma imposio da Direo Regional de Educao. No

    fui apurar, mas sabemos que mais uma vez presidiram a esta deci-

    so questes financeiras, porque sempre mais barato (em recursos

    humanos e outros) juntar tudo, fechando muitas das escolas profis-sionais, do que respeitar as diferenas, as especificidades e os ritmos,

    fazendo um trabalho diferenciado.

    Os alunos ainda me chegaram a dizer (porque uma vez que eu

    era a mais nova do grupo, fui de imediato presenteada com duas

    turmas profissionais e tinha de aceitar o que viesse) que tinham

    sido fechados numa sala, com a psicloga da escola a fazer-lhesuma lavagem ao crebro, dizendo-lhes que o melhor que tinham a

    fazer era optarem pelo curso profissional, porque lhes dava todas

    as garantias de um curso geral (de prosseguimento de estudos) e

    ainda porque saam dali com um certificado profissional de tcnico

    de nvel , uma enorme mais-valia caso quisessem ingressar no mer-

    cado de trabalho.Hoje, como os nveis dos cursos foram alterados h um ano, o

    nvel destes cursos o .

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    Acresce que os alunos eram financiados (quanto a isto, sei que

    nem todas as escolas o fizeram da mesma maneira). Nesta escola

    cada aluno recebia, sensivelmente, a euros mensais, resul-

    tado dos subsdios de refeio e de deslocao a que tinham direito.

    Todo o material que utilizavam era gratuito. Foi assim at h dois

    anos, depois deixou de haver dinheiro e muito os alunos protestaram!

    A ns, docentes, aos que trabalhvamos com os cursos profissio-

    nais, por uma vez na vida deram dois ou trs dossis e permitiram

    um nmero ilimitado de fotocpias.

    Era assim que nos tentavam agarrar. O certo que numa incer-

    teza e desconhecimento completos inicimos os cursos profissio-

    nais: tcnico de animao sociocultural e, tambm, tcnico de apoio

    psicossocial.

    Fiquei com a disciplina de Psicologia. J lecionava esta disciplina

    h muitos anos, mas os programas novos nada tinham que ver comos antigos. No que sejam piores, mas era necessrio ter tido tempo

    para os preparar. Com muito, muito, muito tempo de trabalho de

    casa (investigao, anlise dos textos, montagem, aferio de coe-

    rncia com o programa e com o novo modelo de avaliao, etc.) l

    fui preparando os materiais para cada aula, dia a dia. Por no termos

    quaisquer materiais e, como dizia a ministra da altura (eu ouvi-a adiz-lo), nem termos de ter, uma vez que havia que respeitar a espe-

    cificidade de cada turma e, assim, criar individualmente os materiais

    adequados.

    Um manual impe demasiado a uma aula, razo pela qual estes

    cursos no devem ter manual, argumentava a ministra Maria de Lur-

    des Rodrigues. Este conceito, levado ao mximo rigor, significaria termateriais no apenas para cada turma, mas tambm para cada aluno.

    O que no est muito longe do que, na verdade, preciso fazer. Se

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    o aluno no cumprir o mdulo (isto , se no obtiver classificao

    igual ou superior a , valores) na sala de aula e na frequncia diria,

    o docente deve promover um plano de recuperao que obriga-

    toriamente individual, para que, respeitadas as especificidades do

    aluno, ele consiga realizar o mdulo.

    O Ministrio da Educao no queria manuais e, com estes novos

    programas, na grande maioria das disciplinas, no era vivel adaptar

    os manuais existentes (exceo feita disciplina de Portugus). Na

    escola onde estou s este ano letivo foi permitido adotar manual para

    os cursos profissionais. Os manuais s comearam a ser publicados

    pelas editoras recentemente.

    Eu, que tenho trabalhado sempre com materiais por mim cria-

    dos, e porque agora h menos dinheiro em cada casa, escolhi no

    usar manual, opo que justifiquei perante a direo da escola, que

    concordou. Os meus alunos, com euros e cntimos compramtodo o material para as minhas disciplinas para o ano inteiro, e assim

    foi tambm este ano. No futuro veremos. Refira-se que o preo dos

    manuais ronda os euros. Alguns alunos, no incio, compreende-

    ram mal e refilaram: Ah, ir comprar fotocpias, ah isto, ah aquilo;

    depois, com calma, perceberam a razo e j muitos me disseram que

    o correto o que eu fao.A preparao dos materiais constituiu um stresse imenso: posso

    dizer que na maioria das vezes os preparava em casa at s h da

    manh para entrar na escola s h. Este s mais um dado que

    ningum imagina nem valoriza.

    Passado este stresse imenso, veio o stresse das avaliaes e da an-

    lise do tipo de alunos. Porque o critrio para organizar as duas turmasfoi, precisamente, selecionar os alunos repetentes do ano anterior e

    os alunos que tinham chegado escola com pssimos resultados do

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    . ciclo, particularmente do . ano. Habitualmente esta anlise dos

    resultados do . ciclo faz-se sempre. Aqui foi feita tambm com este

    novo objetivo. A situao na altura pareceu-me estranha e algo incor-

    reta tambm; acreditava que os alunos deveriam apenas escolher

    estes cursos como mais uma opo entre outras (percebi que pode

    no ser bem assim). O certo que a lei geral assim o determina: se o

    aluno no est a fazer o percurso adequado nos cursos gerais deve

    ir para os profissionais; e se no est a fazer o percurso adequado

    nos profissionais deve ir para os cursos EFA (Educao e Formao

    de Adultos) ou para uma qualquer alternativa do CNO (Centro de

    Novas Oportunidades).

    S mais tarde vim a saber destas orientaes, e acerca delas no

    fao qualquer juzo de valor. Como princpio, pensaria que no deve-

    ria ser assim, isto , que estes cursos no deveriam ser a primeira

    opo para alguns alunos. Os cursos deveriam ter tanto valor comoquaisquer outros e a escolha dos alunos por um qualquer percurso

    deveria ser natural, digamos; mas h razes ponderosas para com-

    preender esta opo legislativa. Como sejam, todos adquirirem uma

    certificao de nvel secundrio, o que para alguns alunos nos cursos

    gerais no seria fcil; estarem envolvidos num percurso de formao

    enquanto tm / anos e no acedem ao mercado de trabalho e,tambm, serem alunos que no tm gosto ou aptido para a escola

    regular.

    Quanto ao tipo de alunos percebe-se que um conjunto com

    caractersticas e necessidades muito especficas. Muitos com algu-

    mas dificuldades e com muita necessidade de um apoio constante

    do docente. Nada autnomos, nada desembaraados. Alunos que,pelas mais diversas razes, no desenvolveram as competncias e

    capacidades inerentes aos . e . ciclos e que, por isso, esto num

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    patamar muito mais distante do que seria necessrio para enfrenta-

    rem os contedos e todo o trabalho dos cursos gerais (de prossegui-

    mento de estudos).

    H uns tempos houve aqui na cidade uma sesso com a profes-

    sora R. C. M. (e uma outra professora cujo nome no recordo, que a

    acompanhou no projeto de que ali vieram falar), em que ela descre-

    via o sucesso que teve com um projeto PIEF (Plano de Interveno,

    Educao e Formao, creio). Designamo-lo, frequentemente, como

    um plano de educao prioritrio, que se aplica aos casos mais gra-

    ves de insucesso ou de abandono escolar. Segundo estas professoras,

    tinha corrido bem.

    Eu no duvido de que estes projetos-piloto corram lindamente,

    porque neles tudo concorre para o sucesso (as condies fsicas, o

    espao de trabalho, os horrios dos docentes que se envolvem nestas

    experincias-piloto, a preparao que muitas vezes tm, etc.). Nestesmoldes corre bem necessariamente.

    Mas ser que temos os mesmos cuidados quando se generaliza

    a aplicao destes projetos? O que se generaliza fica muitas vezes

    desvirtuado, deturpado.

    Aceito que se faam experincias positivas; o que me custa a acei-

    tar que quem est muito envolvido, que sabe perfeitamente as con-sequncias implicadas, use uma singular experincia-piloto como

    modelo para tudo e para sempre. Por amor de Deus! Haja pacincia.

    Com isto que eu no lido nada bem. Nada mesmo.

    Este caso lembra-me um outro que se vive na minha escola, o de

    uma colega que no . ano dos cursos profissionais deu uma disci-

    plina (das imensas disciplinas especficas, para no dizer estranhas,que estes cursos contemplam) a uma turma que naquela opo dis-

    ciplinar tinha seis alunas!

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    At aqui tudo correto, mas passados cinco anos nunca mais teve

    uma turma de cursos profissionais porque no quer, apesar de os

    gerir, de fazer parte da direo. Continua a falar nessa maravilhosa e

    gratificante experincia que foi dar aulas aos cursos profissionais. E

    repete-o! Confesso que tive de a ouvir uma boa dzia de vezes para

    um dia, calmamente, lhe apresentar as coisas como elas so. Disse-

    -lhe: Se foi tudo to bom e to perfeito, por que razo j no queres

    ficar com uma turma dos cursos profissionais?

    A mim parece-me que, sobretudo por uma questo de coerncia,

    ficaria bem a quem o responsvel mximo destes cursos aqui na

    escola lecion-los. No verdade? Devo dizer que se trata de uma

    colega que amiga, de facto. Para mim no uma pessoa qualquer

    naquela escola, mas comeo a perceber a sabedoria popular que diz:

    Amigos, amigos, negcios parte. assim.

    Na minha opinio o mal-estar dos docentes em boa parte moti-vado pelas direes das escolas que, genericamente, no protegem

    nada os professores. Fazem o que podem e o que no podem para

    se perpetuar na gesto, porque atualmente quase ningum quer dar

    aulas ou gosta de o fazer. Dar aulas, no tempo presente, das ativi-

    dades mais desgastantes e mais exigentes.

    Recuperando a sesso com a professora R. C. M., digo que nuncatrabalhei com um PIEF (e dou graas a Deus), mas todos os cole-

    gas que conheo que nele trabalharam no se pronunciam favora-

    velmente; ou esto doentes ou a caminho de o ficar. No falam da

    experincia como positiva para os alunos. Usam frequentemente a

    designao guarda prisional para significar que esto ali a cuidar

    dos alunos, no sentido menos nobre do que , de facto, cuidar.Quando participei no debate falei professora R. C. M. na minha

    experincia com os alunos dos cursos profissionais (estavam

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    professores na sesso) e no facto de que muita coisa est mal a este

    propsito. A professora concordou com tudo o que afirmei, e no seu

    discurso posterior corroborou as minhas perspetivas. A generalidade

    dos meus colegas disse-me que eu falei o que era a realidade mas que

    as pessoas no a querem assumir. Por exemplo: no possvel ter

    com estes alunos e estes cursos o mesmo horrio que nos atribudo

    quando se tm turmas de cursos gerais. Se para fazer um trabalho

    diferenciado, temos de criar condies diferenciadas para os que

    com aqueles primeiros trabalham. Falamos de alunos muito mais

    cansativos, exigentes e difceis do que os outros. E isto no conta?

    No vemos todos o mesmo? Porque no agimos?

    Devo dizer, para que no haja mal-entendidos, que mesmo com

    um horrio bastante reduzido nestes cursos (sugeri horas), se eu

    pudesse escolheria sempre trabalhar com os alunos dos cursos gerais

    e, assim, poder lecionar a minha disciplina.Sendo defensora da necessidade das condies mencionadas,

    seria bom que se concretizassem, porque acho que so justas. Mas

    no alteraria a minha escolha. Fiz este esclarecimento para que no

    se pense que, pelo facto de lecionar os cursos profissionais h muito

    tempo, desejo a mudana em proveito pessoal. No o caso, quero

    muito que tudo melhore, mas nem por isso pretendo ficar a traba-lhar nestes cursos.

    Por outro lado, a professora R. C. M. insistia muito na diversifica-

    o de estratgias, na sua enorme importncia. Decerto que uma

    ideia com que todos concordamos. Mas preparar estas aulas dife-

    rentes e criativas sem disponibilizao de materiais nem de espaos

    prprios, para alunos genericamente especiais, exige um tempomuito mais longo do que o de preparar um contedo terico, ou uma

    atividade, para alunos com boas capacidades de aprendizagem e

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    motivados. A professora assentiu, disse que isso se resolveria com

    trabalho conjunto entre os docentes. Concordo que pode ajudar, mas

    voltamos ao mesmo, o horrio destes docentes tem de ser outro. Ou

    ningum aguenta. O tempo no estica.

    Ainda a considerar, uma das questes mais significativas: o espao.

    As escolas secundrias que lecionam estes cursos no tm espa-

    os adequados para o fazer, salvo rarssimas excees. O modo como

    organizaram os cursos profissionais e a partilha dos espaos nem

    sempre permite fazer um bom trabalho. Os alunos dos diferentes

    cursos (gerais e profissionais) partilham inteiramente a escola: as

    mesmas salas de aula e tudo o resto. Estamos permanentemente

    misturados. Dou um exemplo. Este ano tenho um horrio substan-

    cialmente melhor, com duas turmas da minha disciplina nos cursos

    gerais e trs turmas de rea de Integrao nos cursos profissionais;

    esta combinao aparece de forma totalmente aleatria no meuhorrio: saio de uma disciplina (ou de uma turma, de um curso), sigo

    para outra situao totalmente distinta, que por sua vez acaba e me

    faz voltar a um outro ponto de partida, e assim sucessivamente. No

    ano letivo anterior tinha seis nveis, durante todo o ano no dei uma

    nica aula com o mesmo contedo.

    Acontecia em todas as turmas, todos os contedos eram diferentesentre si, o que me provocava grande cansao e gerava uma quanti-

    dade de documentao diria indescritvel. Desde que estou nesta

    escola tenho tido anualmente quatro ou cinco nveis, ou disciplinas.

    O pior ano foi o anterior em que tive seis. Este ano estou muito bem

    nesse sentido: s tenho trs nveis, o que muito melhor para a pre-

    parao das aulas e dos materiais.A Ministra da Educao, quando lanou esta iniciativa, ou seja,

    quando colocou os cursos profissionais nas escolas secundrias,

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    chegou a declarar que queria em trs anos uma paridade do nmero

    de alunos em ambos os cursos. Depois, deve ter sido mais bem infor-

    mada e disse que desejava uma frequncia de nos cursos gerais

    e de nos profissionais, e este tem sido o objetivo perseguido. Na

    minha escola, ainda no foi conseguido. Calculo que teremos

    alunos nos cursos profissionais e nos cursos gerais, nos trs

    anos da escola: ., . e ..

    Enquanto terica, a percentagem a alcanar no me choca. Um

    professor que tive explicou-me muito claramente a importncia do

    ensino tcnico ou industrial. E facilmente se percebem a sua impor-

    tncia e a sua necessidade. Mas temo pela falta de seriedade e de exi-

    gncia com que estes cursos so tratados em todos os mbitos. No

    estamos a falar das antigas escolas industriais ou tcnicas, pelo que

    sei globalmente boas, onde se formavam bons profissionais. Esta-

    mos a falar de uma salada feita pressa, j l vo cinco anos e queainda no foi melhorada.

    No conheci ningum que trabalhasse nas antigas escolas pro-

    fissionais (muitas delas entretanto fechadas) que dissesse que o

    trabalho e o resultado eram fracos ou maus. Os espaos estavam

    preparados com valncias adequadas aos cursos lecionados. E, de

    repente, os cursos saltam para dentro das salas de aula das escolassecundrias, sem qualquer preparao e investimento. Uma tristeza.

    Discordo ainda, liminarmente, de partilhar o mesmo espao

    entre estes cursos e os cursos de prosseguimento de estudos, por-

    que creio que todos perdem. Eu valorizo muito o espao porque na

    minha opinio define muita coisa: marca e impe comportamentos,

    atitudes e posturas. O espao determina-nos, e muito. O que temosagora so alunos com uma avaliao peridica (., . e . pero-

    dos, dos cursos gerais) em simultneo com alunos sujeitos a uma

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    avaliao modular, que uma avaliao distinta: cada mdulo tem

    tempos diferentes, o que resulta em momentos de avaliao bem

    diversificados. Alis, a diviso dos cursos profissionais em perodos

    letivos tradicionais no faz muito sentido porque os alunos assinam

    um contrato (o que diferente de fazer uma matrcula) no qual se

    diz que o nico perodo que nunca ser ocupado pela formao

    o do ms de agosto.

    Discordo tambm de partilhar (em aparente igualdade de circuns-

    tncias) o mesmo lugar, a mesma posio, com profissionais que no

    sendo professores vo s escolas dar mdulos especficos e que em

    muitos casos nos complicam o trabalho. So sem dvida excelentes

    psiclogos, engenheiros, socilogos, gestores, etc., mas no tendo

    qualquer formao pedaggica e estando a dar aulas numa escola

    secundria suscitam muitas interrogaes.

    Assistindo aos conselhos de turma dos cursos profissionais umapessoa fica atnita. So feitas, claro, as avaliaes dos mdulos que

    foram lecionados. Mas s vezes o que dizem os docentes, como o

    dizem, o que lhes importa, o que pensam, o que permitem, o que no

    valorizam, d que pensar. Descredibilizam muito um lado de uma

    atividade docente genuna: as preocupaes pedaggicas, a evolu-

    o no trabalho, a correo na relao connosco, colegas, so ques-tes na maioria das vezes inexistentes, omisso que se torna difcil

    de corrigir ou de explicar aos alunos e a esses mesmos colegas (tc-

    nicos especialistas).

    Depois, a avaliao e o regime de assiduidade. Tambm total-

    mente distintos dos dos cursos gerais e que os alunos, porque esto

    juntos e convivem, insistem em querer comparar.Em meu entender a escolarizao dos cursos profissionais no

    trouxe bons resultados.

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    DIRIO 2

    Tambm eu estou tristssima com o meu pas.

    Terminei um mdulo de rea de Integrao: avaliaes finais,

    fazer pautas, elaborar os planos de recuperao para cada aluno que

    no realizou o mdulo porque nada quis fazer na aula e o declarou

    (e no foi um caso isolado): Eu agora no quero fazer, logo fao o

    plano. Imagine-se!

    Ainda hoje disse na direo que temos de repensar esta situao

    porque estes alunos que esto em aulas e no realizam uma nica

    atividade proposta (fiz trs testes, trs fichas de trabalho e solicitei

    o porteflio organizado e enriquecido em casa), tudo o que alguns

    deles declararam foi no fao, no me apetece. Esses estudantes

    no deveriam ter direito a planos de recuperao, sobretudo por-que so altamente desestabilizadores na sala de aula. Os planos de

    recuperao deveriam existir para quem se esforou, mas que por

    uma ou outra razo no alcanou o objetivo. Nunca para os baldas.

    Na direo ouvem-me, at sorriem e dizem iremos pensar, mas

    d-me a sensao de que no me levam muito a srio, pelo menos

    algumas vezes.Sobre como est e como continua este pas: a Parque Escolar,

    ainda!

    Fui h pouco escola para levantar os requerimentos pedidos de

    plano de recuperao de mdulo dos alunos que no os entregaram

    at ao incio da tarde, e acabei por ficar um pouco conversa com

    a funcionria da noite. uma boa senhora (j h poucas senhoraseducadas, prestveis e discretas nesta escola). As boas funcionrias

    saram todas, reformadas, nestes ltimos seis anos. Agora chegam

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    umas senhoras que s vezes at me envergonham. Desde falarem dos

    ordenados dos professores dizendo que no concordam porque elas

    trabalham igual (pasme-se!), a dizerem aos gritos: Ela est a fal-

    tar, no vs que ela no est aqui? Ela, como se percebe, era uma

    professora. No aguentei, senti necessidade de a interpelar. Com o

    mximo cuidado pedi-lhe que no falasse assim, que no gritasse

    para a colega que est no outro lado, bem longe, e que tratasse os

    professores pelo nome e num outro tom, que o seu no era nada

    elegante; que os alunos ouvem e que isso no bom. Embaraada,

    respondeu: Desculpe professora, desculpe. Mas creio que, seme-

    lhana do que acontece com os jovens, aquilo repetir-se-. Tomara

    que no.

    Falando da funcionria que est de servio de noite, a D. Cata-

    rina (trabalhei noite seis anos e fui professora da filha da senhora

    durante trs, e reconheo que temos uma certa proximidade) disse--me que ontem chegaram vrios candeeiros de um preo exorbitante.

    Recebi a encomenda e fiquei com a fatura para entregar na direo,

    por isso vi o valor. A D. Catarina ficou estupefacta e no era para

    menos. E acrescentou: O professor Tiago, responsvel pelas obras,

    diz que nunca sero ligados, sero colocados mas no ligados, por-

    que tm um gasto elevadssimo. O Tiago apareceu e opinou: Isto um pas irreal, Maria, est tudo maluco. Eu acrescentei: Ainda bem

    que eu no sei de quase nada, mesmo nada. Porque creio que no

    aguentava. No sou melhor do que ningum (ateno, sei bem que

    no sou), serei, apenas, consciente da realidade humana em geral.

    Mas como que isto possvel? Ningum pe esta gente a pagar a

    fome e a misria que vo alastrando no pas? A D. Catarina aindame disse: professora, quando que vamos ter escola? Esto trs

    homens a trabalhar, quando que isto acaba? Era janeiro quando

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    as obras pararam dois meses, estavam homens nos trabalhos. Res-

    pondi: Ainda ontem cheguei aqui portaria e disse D. Dorinda

    que ou isto termina e vamos para salas de aulas ou vamos todos

    adoecer de vez.

    Andei por estes dias a levar umas injees para tratar um nervo

    inflamado (na zona da omoplata); a segunda vez, no espao de

    um ano, que me acontece. Esgoto-me naquelas aulas. tremendo,

    h uma degradao do espao envolvente, estamos a ter aulas prati-

    camente no meio do estaleiro. Ontem mesmo aguentei minutos

    com um senhor das obras a bater sem interrupo num ferro de uma

    parede. Estava esgotada, literalmente exausta. Apanhei o Tiago no

    intervalo e disse-lhe: Esta aula foi demais, o pedreiro ali colado a

    ns da janela da sala at obra sero talvez dois metros e nunca

    parou de martelar. O Tiago respondeu: Maria, quando assim, ou

    pedes diretamente ao senhor para parar ou chamas o funcionriopara ir dizer-lhe. Confesso que no sabia que o podamos fazer, mas

    algo ambguo: queremos ver as obras avanarem, depois pedimos

    para parar? Disse o Tiago: isso.

    Estas obras nunca deviam ter comeado. A escola era provavel-

    mente a melhor secundria de toda a regio, tinha estado alguns

    anos em obras e era uma escola linda. Infelizmente acho que novoltar a ser o que era. A avaliar pelo novo edifcio que foi construdo

    e que tem apenas alguns meses, existem problemas de toda a ordem.

    Salas pequenas, mal concebidas. Parece que o arquiteto que pro-

    jetou a escola no se encontrava devidamente sensibilizado para o

    que estava em causa. Custa-me a acreditar, mas os colegas de Design

    dizem que ele um tolo de todo o tamanho. Eu, que entendo poucodo assunto, fico perplexa com algumas ms opes. Uma, evidente:

    quem est na portaria da escola no v quem entra e quem sai, o que

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    inadmissvel. Parece que esta incongruncia foi mencionada em

    tempo ao senhor arquiteto, mas ele no permitiu a alterao. Con-

    fesso que me custa a crer, mas j ouvi diferentes pessoas a contarem

    este episdio. O certo que o projeto ter custado muito dinheiro.

    doloroso para todos ns vivermos com isto e sentirmos que pouco

    ou mesmo nada podemos fazer. Eu vivo muito mal com coisas des-

    tas. Acresce que na escola ingrato fazermos reparos, porque cor-

    remos o risco de nos chamarem antiquada e outros mimos que tais.

    No sei como suportar isto e ter razes para acreditar no futuro.

    durssimo. Creio mesmo que se eu, no que me toca, no tivesse F e

    Esperana em Deus seria impensvel conseguir a vontade, a alegria

    e a energia para viver e partilhar todos os meus dias com os jovens e

    com os que me rodeiam. No entanto (sou incapaz de verbalizar esta

    ideia em pblico), parece-me que os prximos anos vo ser muito

    maus. Sem comparao com o que j aconteceu no passado. Esperoque assim no seja, que esteja muito enganada. Mas este pas est a

    afundar-se, e digo-o em vrios sentidos: no econmico, no educa-

    cional, nos valores familiares, etc. suficiente para provocar todo o

    mal a que estamos a assistir.

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    DIRIO 3

    Cursos profissionais continuao

    No que diz respeito s aulas, anteriormente referidas, a que

    os alunos tm de assistir, cabe dizer que os programas das discipli-

    nas se apresentam em mdulos. Esta formao dos cursos profis-

    sionais modular, nada tem a ver com o tempo dos perodos letivos.

    H mdulos a lecionar e as respetivas horas dedicadas a cada um

    deles. essencial conseguir gerir este todo num contexto de escola-

    ridade (toques, salas, no haver furos, adequao entre as diversas

    disciplinas, etc.) atendendo sobretudo aos horrios da maioria dos

    docentes que lecionam simultaneamente os cursos profissionais e

    os cursos gerais.

    Cada mdulo tem um conjunto especfico de horas que no podeser alterado, est definido pelo Ministrio da Educao. Por exemplo,

    a disciplina de Psicologia tem ao todo sete mdulos: a durao de

    cada mdulo varia entre as e as horas. A disciplina de rea de

    Integrao tem na totalidade seis mdulos, cada um tem a durao

    de horas. Esta disciplina um caso nico porque todos os mdu-

    los tm exatamente o mesmo nmero de horas, o que creio que noacontece com nenhuma outra. Os mdulos tm de ser convertidos

    em tempos letivos. Nos cursos profissionais os tempos letivos so de

    minutos e ns lecionamos sempre dois tempos letivos seguidos,

    pelo que fazemos dois sumrios, marcamos duas faltas se o aluno

    faltar s duas aulas. Assim cumprimos os minutos na sala de aula,

    tal como acontece nos cursos gerais.Por isso falei de aulas, que so o resultado das horas que o

    programa impe para cada um dos mdulos de rea de Integrao.

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    O clculo : horas vezes minutos, dividindo o resultado por

    minutos, d as aulas mencionadas.

    Com os contedos integralmente lecionados, no final das aulas

    conclui-se a avaliao. Depois, ns, professores, lanamos as notas

    numa pauta que levamos para a aula seguinte a fim de os alunos

    tomarem conhecimento da classificao obtida e assinarem. Ou

    a classificao de valores ou registada na pauta uma alnea

    aluno em recuperao, e vamos entregando planos de recupera-

    o individuais a cada aluno respeitantes ao mdulo que terminou

    para que realize as atividades propostas. Legalmente o aluno tem

    dias para cumprir este plano. Se cumpre faz-se nova pauta com

    a classificao obtida. Se no cumpre h vrias opes: ou a escola

    impe que se vo aplicando planos de recuperao at que o aluno

    finalmente cumpra; ou o aluno fica com o mdulo em atraso para

    o realizar numa das trs pocas de exames de mdulos dos cursosprofissionais.

    A lecionao nunca se interrompe, como natural. Termina-se

    um mdulo, encerra-se o tema e tudo o que respeita a esse mdulo

    e inicia-se outro na aula seguinte. E sempre assim. As horas dedi-

    cadas a cada mdulo so muito variveis, temos apenas de transfor-

    mar as horas em aulas e cumprir a lecionao dos tempos respetivos.H mdulos em vrias disciplinas com ou mesmo com horas.

    Tambm h mdulos, por exemplo em Educao Fsica, com cinco e

    seis horas. A carga horria de cada mdulo to varivel quanto isto.

    A variedade no termina aqui. A elaborao do horrio dos pro-

    fessores e dos alunos tem sofrido ao longo dos anos uma quantidade

    de mudanas. Falo da minha disciplina porque a lecionei nos qua-tro anos anteriores; s este ano no a tenho, em detrimento de ter

    a rea de Integrao, que para mim muito mais desinteressante.

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    No incio, quando os cursos profissionais se iniciaram nas escolas

    secundrias, fizeram-se os currculos dos alunos com a minha dis-

    ciplina distribuda pelos trs anos de formao (que correspondem

    aos ., . e . anos). Assim, os alunos tinham dois mdulos no

    . ano do curso, outros dois no . ano e, no ltimo teriam trs mdu-

    los. Salvaguardando que as horas dos mdulos so muito diferentes,

    no fim a carga horria era igual.

    Depois a escola entendeu, desde o ano passado, que era melhor

    concentrar todas as disciplinas de cariz mais terico nos . e . anos

    do curso (correspondentes aos . e . anos) e deixar o ltimo ano

    para as disciplinas de carter mais prtico. assim que estamos agora

    a proceder: todas as disciplinas de cariz mais terico so leciona-

    das nos . e . anos com uma carga horria superior. As discipli-

    nas de carter mais prtico comeam a aparecer no . ano do curso

    (. ano) e esto presentes de forma intensa na formao do . ano docurso que termina obrigatoriamente, de acordo com o disposto pelo

    Ministrio da Educao, com uma Formao em Contexto de Traba-

    lho (FCT), vulgarmente designada pelos alunos como estgio, de

    horas. A formao dos alunos de nvel perfaz um total de horas,

    se no erro. Aps todo este processo a formao est terminada e os

    alunos adquirem uma certificao de tcnico profissional de nvel .Os itens que todos os alunos tm de reunir para obterem o certi-

    ficado final so:

    Noventa por cento de assiduidade ao longo do curso;

    Concluso de todos os mdulos com classificao igual ou supe-

    rior a , valores;

    FCT com avaliao satisfatria, isto , com boa avaliao; Apresentao pblica de uma Prova de Aptido Profissional, vul-

    garmente designada PAP.

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    Este conjunto de pressupostos parece ter credibilidade, o pro-

    blema surge no modo como eles se conjugam no terreno.

    Noventa por cento de assiduidade: em horas de formao

    no negligencivel o nmero de faltas que so permitidas aos alu-

    nos; contudo muitos deles ultrapassam largamente esse limite, pelo

    que tm de fazer atividades de recuperao de horas de formao

    na biblioteca. H dois meses que vou dois ou trs dias por semana

    entregar na biblioteca da escola fichas de atividades para oito alu-

    nos (depois recolho-as, corrijo-as e entrego-as ao diretor de turma).

    Estes oito alunos, que faltaram muito no ano anterior, no eram meus

    alunos mas a verdade que agora sou eu que tenho de andar a fazer

    as fichas de recuperao de tempos de formao. uma trabalheira

    tremenda, tenho uma resma de fich