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MAIS UMA SENTENÇA EM PRIMEIRA INSTÂNCIA! 25 NOV 2014 FABIO MOLINO BLOG, INFORMATIVO URGENTE 0 PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA Seção Judiciária de Pernambuco 9ª VARA SENTENÇA “A” REGISTRADA ELETRONICAMENTE RELATÓRIO AÇÃO ORDINÁRIA : 0001123-71.2009.4.05.8300 (2009.83.00.001123-2) AUTORES : FÁBIO DE LIMA CAVALCANTI ROSÂNGELA DE FÁTIMA CAMPOS CAVALCANTI. : EMPRESA GESTORA DE ATIVOS EMGEA. Cuida-se de demanda revisional de contrato de mútuo celebrado no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, com pedido de antecipação de efeitos da tutela. Os mutuários, ressaltando que pagaram todas as 240 prestações do mútuo celebrado, afirmam que a ré está cobrando um saldo residual no valor de R$ 324.532,49 (trezentos e vinte e quatro mil quinhentos e trinta e dois reais e quarenta e nove centavos), refinanciado em 108 novas prestações, ficando o primeiro encargo mensal no montante de R$ 5.692,29 (cinco mil seiscentos e noventa e dois reais e vinte e nove centavos). Afirmando que houve diversas irregularidades na evolução do financiamento, pedem o recálculo do saldo devedor e dos encargos mensais, com: a) submissão à equivalência salarial PES (Plano de Equivalência Salarial por Categoria Profissional), b) exclusão das cláusulas que determinam o reajuste com base no coeficiente de remuneração básica da poupança TR; c) limitação da aplicação dos juros na taxa nominal contratada; d) expurgo dos juros capitalizados e) expurgo do coeficiente de equiparação salarial CES tanto da prestação quanto dos acessórios, f) a repetição do indébito decorrente dos ajustes aqui pleiteados, em dobro (art. 42 do CPC), g) quitação do financiamento e liberação de cédula hipotecária, em obediência à cláusula vigésima quarta, por não haver previsão contratual de cobrança do saldo residual. Pedem, também, em rogo de antecipação de tutela: a) a inibição da demandada de praticar qualquer ato executório até o julgamento final da presente demanda e à inscrição de seus nomes em cadastros de inadimplência; e b) a autorização para depósito, a título de caução, de: i) R$ 468,99 (quatrocentos e sessenta e oito reais e noventa e nove centavos) referente ao período de outubro a dezembro de 2008, e ii) R$ 156,33 (cento e cinqüenta e três reais e trinta e três centavos) a partir de janeiro de 2009, valor este cobrado pela suplicada antes do término do contrato. Requerem, ainda, a concessão de assistência judiciária gratuita. Designada audiência de tentativa de conciliação, diligência que restou frustrada (f. 103-104). A EMGEA apresenta contestação (f. 115-150), alegando, no mérito, o estrito cumprimento do pacto e a legalidade da cobrança do saldo residual, e pugnando pela improcedência do pedido formulado. Impugna, ainda, o pedido de justiça gratuita. Deferido o rogo de urgência (f. 155-158).

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MAIS UMA SENTENÇA EM PRIMEIRA

INSTÂNCIA! 25 NOV 2014

FABIO MOLINO

BLOG, INFORMATIVO URGENTE

0

PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

Seção Judiciária de Pernambuco

9ª VARA

SENTENÇA “A” REGISTRADA ELETRONICAMENTE

RELATÓRIO

AÇÃO ORDINÁRIA

:

0001123-71.2009.4.05.8300 (2009.83.00.001123-2)

AUTORES

:

FÁBIO DE LIMA CAVALCANTI

ROSÂNGELA DE FÁTIMA CAMPOS CAVALCANTI.

:

EMPRESA GESTORA DE ATIVOS – EMGEA. Cuida-se de demanda revisional de contrato de mútuo celebrado no âmbito do Sistema Financeiro da

Habitação, com pedido de antecipação de efeitos da tutela.

Os mutuários, ressaltando que pagaram todas as 240 prestações do mútuo celebrado, afirmam que a ré

está cobrando um saldo residual no valor de R$ 324.532,49 (trezentos e vinte e quatro mil quinhentos e

trinta e dois reais e quarenta e nove centavos), refinanciado em 108 novas prestações, ficando o primeiro

encargo mensal no montante de R$ 5.692,29 (cinco mil seiscentos e noventa e dois reais e vinte e nove

centavos).

Afirmando que houve diversas irregularidades na evolução do financiamento, pedem o recálculo do saldo

devedor e dos encargos mensais, com: a) submissão à equivalência salarial – PES (Plano de Equivalência

Salarial por Categoria Profissional), b) exclusão das cláusulas que determinam o reajuste com base no

coeficiente de remuneração básica da poupança – TR; c) limitação da aplicação dos juros na taxa nominal

contratada; d) expurgo dos juros capitalizados e) expurgo do coeficiente de equiparação salarial – CES –

tanto da prestação quanto dos acessórios, f) a repetição do indébito decorrente dos ajustes aqui pleiteados,

em dobro (art. 42 do CPC), g) quitação do financiamento e liberação de cédula hipotecária, em obediência

à cláusula vigésima quarta, por não haver previsão contratual de cobrança do saldo residual.

Pedem, também, em rogo de antecipação de tutela: a) a inibição da demandada de praticar qualquer ato

executório até o julgamento final da presente demanda e à inscrição de seus nomes em cadastros de

inadimplência; e b) a autorização para depósito, a título de caução, de: i) R$ 468,99 (quatrocentos e

sessenta e oito reais e noventa e nove centavos) referente ao período de outubro a dezembro de 2008, e ii)

R$ 156,33 (cento e cinqüenta e três reais e trinta e três centavos) a partir de janeiro de 2009, valor este

cobrado pela suplicada antes do término do contrato. Requerem, ainda, a concessão de assistência

judiciária gratuita.

Designada audiência de tentativa de conciliação, diligência que restou frustrada (f. 103-104).

A EMGEA apresenta contestação (f. 115-150), alegando, no mérito, o estrito cumprimento do pacto e a

legalidade da cobrança do saldo residual, e pugnando pela improcedência do pedido formulado. Impugna,

ainda, o pedido de justiça gratuita.

Deferido o rogo de urgência (f. 155-158).

É apresentada réplica (f. 166-171).

Intimadas as partes a especificar provas, a EMGEA alega incumbir ao autor o ônus da prova (f. 178) e os

autores requerem a inversão do ônus (f. 180-181). É designada prova pericial, com quesitos do juízo (f.

184-185). As partes não apresentaram quesitos.

Os autores alegam o descumprimento da tutela de urgência, informando o recebimento de notificação

relativa à execução extrajudicial (f. 187-191).

Confeccionado o laudo pericial (f. 203-213).

Intimada a EMGEA a se manifestar sobre a notícia de descumprimento da decisão de antecipação de

tutela e sobre o laudo pericial, requer dilação de prazo para se manifestar sobre a perícia e afirma inexistir

execução extrajudicial em andamento (f. 223).

A EMGEA afirma que concorda, em parte, com o laudo pericial (f. 233-235), e junta documentos (f. 236-

284). Os autores, por sua vez, manifestam concordância com o laudo pericial.

Expedido procedimento administrativo para pagamento dos honorários periciais (f. 299).

FUNDAMENTAÇÃO

I. Preliminar – Do benefício da justiça gratuita

Impugna a EMGEA o pedido de assistência judiciária gratuita feito pelos autores, já deferido (f. 155-

158), alegando que os mesmos tiveram renda suficiente para realizar o contrato de financiamento

habitacional e para contratar os serviços de escritório particular de advocacia.

Dispõe o art. 4º da Lei 1.060/50:

Art. 4º. A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria

petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado,

sem prejuízo próprio ou de sua família.

§ 1º. Presume-se pobre, até prova em contrário, quem afirmar essa condição nos termos desta lei, sob

pena de pagamento até o décuplo das custas judiciais

Assim, tendo os autores juntado as respectivas declarações de pobreza, nos termos da lei (f. 25), único

requisito exigido para a concessão do benefício, e não tendo a Caixa apresentado prova em contrário,

rejeito a preliminar e mantenho a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, nos termos

do art. 4º da Lei nº 1.060/50.

II. Mérito

II.1. Assunção do saldo residual

O negócio à base da demanda é um contrato de mútuo, espécie de empréstimo de bens fungíveis que gera

para o mutuário a obrigação de restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisas do mesmo gênero,

qualidade e quantidade (art. 1.256 do Código Civil de 1916 e art. 586 do codex vigente), inicialmente

celebrado pelo demandante perante a Caixa Econômica Federal e cedido à EMGEA.

Os mutuários questionam a obrigação a eles imposta de assumir o saldo residual do financiamento após o

pagamento de todas as prestações quitadas durante o prazo de vigência do contrato, alegando que o

contrato prevê expressamente, na Cláusula vigésima quarta, que será dada a quitação após o término do

prazo contratual, desde que pagas todas as prestações e não havendo quantias em atraso.

Eis o teor da referida cláusula (f. 27-v):

CLÁUSULA VIGÉSIMA QUARTA: No PES/CP, atingido o término do prazo contratual, e uma vez

pagas todas as prestações, ou na hipótese de o saldo devedor tornar-se nulo antes do término do prazo

estabelecido na letra “C”, e não existindo quantias em atraso, a CEF dará quitação ao (às) DEVEDOR (A-

ES), de quem mais nenhuma importância poderá ser exigida com fundamento no presente.

Analisando a planilha de evolução do financiamento apresentada pelos autores (f. 71-92) vê-se que os

mutuários pagaram, até setembro de 2008, as 240 prestações contratadas. Em outubro de 2009, o saldo

devedor somava R$ 324.532,49 (trezentos e vinte e quatro mil quinhentos e trinta e dois reais e quarenta e

nove centavos). Por esse parâmetro, em sendo aplicado o entendimento da Caixa, haveria: a) um novo

financiamento, com as mesmas condições do primitivo; b) a estipulação do prazo em 108 meses (45% do

prazo antes estipulado); c) prestação inicial do segundo financiamento no valor de R$ 5.692,29 (cinco mil

seiscentos e noventa e dois reais e vinte nove centavos).

Veja-se que a prestação de número 240, paga no dia 25/09/2008, custou R$ 156,33 (cento e cinquenta e

seis reais e trinta e três centavos), muito abaixo do valor do encargo inicial do 2º financiamento, como

exemplificado. A jurisprudência, analisando situações semelhantes à aqui apresentada, tem decidido

conforme a tese autoral: de quitação do contrato após o pagamento de todas as prestações contratadas.

Vejam-se os seguintes julgados:

CIVIL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. CONTRATO DE MÚTUO HABITACIONAL.

QUITAÇÃO. PAGAMENTO DE TODAS AS PRESTAÇÕES MENSAIS DO PERÍODO NORMAL DO

CONTRATO. CLÁUSULA DE RESÍDUO. NULIDADE. PRECEDENTE UNÂNIME DO PLENÁRIO

DA CORTE REGIONAL. DEVOLUÇÃO DE VALORES PAGOS A MAIOR. NÃO

CONFIGURAÇÃO. PREJUDICIALIDADE. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.

[…]

5. “A cláusula do saldo residual é nula, pois estabelece obrigação que coloca o mutuário em desvantagem

exagerada, excessivamente onerosa, violando os preceitos contidos no Código de Defesa do Consumidor”

(Pleno do TRF5, AR 5589/PE, Rel. Des. Federal Luiz Alberto Gurgel de Faria, j. em 23.07.2008,

unânime).

6. In casu, tendo a autora adimplido, regularmente, as 156 prestações do mútuo, de 20.01.91 a

22.12.2003, é de se reconhecer seu direito à quitação do financiamento habitacional, não se podendo

admitir uma prorrogação para cobrir saldo dito “remanescente” de mais de setenta mil reais (superior ao

valor real do imóvel), em cujo início a prestação mensal salta de R$ 171,28 (prestação antes da

prorrogação) para R$ 2.710,27 (depois da prorrogação). Nulidade da cláusula de resíduo do contrato

(cláusula 18a) que se reconhece, ordenando-se que a instituição financeira promova as providências

necessárias à liberação da hipoteca em função da declaração de quitação.

[…]

10. Apelação parcialmente provida, para ter como quitado o contrato de mútuo habitacional versado nos

autos, com a nulidade da cláusula de resíduo.1

CIVIL. SFH. TABELA PRICE. AMORTIZAÇÃO NEGATIVA. ANATOCISMO. OCORRÊNCIA.

SFH. REAJUSTE DO SALDO DEVEDOR. CONTRATO FIRMADO ANTES DA EDIÇÃO DA LEI

8.177/91. INAPLICABILIDADE DA TR. SUBSTITUIÇÃO PELO INPC. EXCLUSÃO DO CES. SFH.

PES/CP. DESCUMPRIMENTO. CONSTATAÇÃO. APELAÇÃO PROVIDA. REAJUSTE DO

SEGURO COM O MESMO REAJUSTE DAS PRESTAÇÕES. EXCLUSÃO DA CLÁUSULA

RESIDUAL.

[…]

8. A Jurisprudência pátria vem firmando entendimento de que é abusiva a cláusula contratual, no âmbito

do Sistema Financeiro da Habitação, que atribui ao mutuário a responsabilidade por eventual saldo

existente, após o pagamento de todas as prestações do mútuo. Precedentes: AC 336541-PE, Rel. Des.

Federal MARGARIDA CANTARELLI, DJ 03.10.05, p. 1008; EIAC 240310/01-SE, Rel. Des. Federal

RIDALVO COSTA, DJ 06.05.05, p. 778; AC 332016-, Rel. Des. Federal LUIZ ALBERTO GURGEL,

DJ 08.12.04, p. 427).

9.Apelação da CEF improvida.

10. Apelação do particular parcialmente provida, apenas para determinar a exclusão da aplicação do CES;

a aplicação do PES/CP para reajustar as prestações, bem como a parcela do seguro; e a exclusão da

cláusula residual do presente contrato.2

CIVIL. SFH. REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. SALDO DEVEDOR. AUSÊNCIA DE

COBERTURA PELO FCVS. CLÁUSULAS ABUSIVAS. APLICAÇÃO DO CDC.

COMPROMETIMENTO DA RENDA.

1. Nos contratos de mútuo habitacional para a aquisição da casa própria, quando ausente a cobertura do

saldo devedor pelo Fundo de Compensação das Variações Salariais – FCVS, admite-se a incidência da

regras do Código de Defesa do Consumidor. Precedentes deste Tribunal e do Superior Tribunal de

Justiça.

2. Considera-se nula e abusiva a cláusula que ocasionar desequilíbrio financeiro na relação Mutuário

versus Agente Financeiro, principalmente se o contrato se tornar excessivamente oneroso em relação à

parte hipossuficiente, no caso o mutuário.

3. Após efetivadas todas as amortizações, a prestação calculada sobre o saldo residual de R$ 197.438,86

(cento e noventa e sete mil, quatrocentos e trinta e oito reais e oitenta e seis centavos) é de R$ 6.140,95

(seis mil, cento e quarenta reais e noventa e cinco centavos), o que se mostra incompatível com o

comprometimento da renda da mutuária em 30% (trinta por cento), o que exigiria uma renda familiar

próxima a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), distante do poder aquisitivo da Autora.

4. Tendo o Mutuário efetuado o pagamento de todas as prestações no prazo avençado de 156 meses para a

amortização da dívida, não há que se falar em saldo remanescente, se o saldo devedor existente é oriundo

de amortizações negativas e outros fatores alheios à vontade da Mutuária, conforme constatado pelo

Perito Judicial. Apelação improvida.3

Ora, se, mesmo havendo cláusula contratual que preveja a assunção do saldo residual pelo mutuário, a

jurisprudência entende ser tal cláusula nula, mostra-se inadmissível impor tal ônus ao mutuário no

presente caso, em que sequer há cláusula que contenha tal previsão, havendo, na verdade, pacto em

sentido oposto.

Assiste razão, portanto, aos autores, que não estão obrigados a assumir o saldo residual do financiamento,

ante a existência de expressa disposição contratual em sentido contrário.

Apesar de reconhecida a quitação do financiamento, isso não prejudica a análise do pedido de revisão do

contrato originário, em face das irregularidades alegadas, podendo ensejar a constatação de valores pagos

a maior por força de alguma abusividade aplicada. E os autores, no ponto, formularam expressamente

pedido de repetição de indébito (f. 20).

II.2. Revisão contratual

Como já ressaltado, o negócio à base da demanda é um contrato de mútuo. Consistindo o objeto do pacto

em dinheiro, e se havendo estipulado juros, a devolução do capital emprestado, porque projetada para

longo prazo, há de ser operacionalizada por meio de um sistema de amortização. Por esse motivo, os

pedidos da parte autora ora ferem o tema da amortização diretamente, ora dele derivam, ora, ao menos,

com ele se entrelaçam. Impõe-se, pois, de início, incursão à seara, breve que seja.

Da Tabela Price

A aplicação do Sistema Francês de Amortização – SFA, também denominado Sistema ou Tabela Price,

tem suscitado inúmeras controvérsias diante do Poder Judiciário nas últimas décadas. A compreensão da

técnica em perspectiva teórica, apesar de escape aos lindes do Direito, pode ser alcançada com o auxílio

de manuais e artigos de Matemática Financeira, cuja leitura não exige do leigo a manipulação de

conceitos desta ciência, nem a confecção de cálculos complexos. Dele requer, apenas, a observação das

tabelas usadas pelos escritores para exemplificar o pagamento parcelado de empréstimos pelo sistema de

amortização considerado. Confira-se:

Exemplo: Um banco emprestou $ 100.000,00, entregues no ato, sem prazo de carência. Sabendo-se que a

taxa de juros cobrada pelo banco é de 12% a.a., tabela Price, e que a devolução deve ser feita em 8 meses,

construir a planilha. […]

Meses

(k)

Saldo Devedor

(Sdk)

Amortização

(Ak)

Juros

(Jk = iSdk – 1)

Prestação

(R = Ak + Jk)

0

100.000,00

1

87.930,97

12.069,03

1.000,00

13.069,03

2

75.741,25

12.189,72

879,31

13.069,03

3

63.429,63

12.311,62

757,41

13.069,03

4

50.994,90

12.434,73

634,30

13.069,03

5

38.435,82

12.559,08

509,95

13.069,03

6

25.751,15

12.684,67

384,36

13.069,03

7

12.939,63

12.811,52

257,51

13.069,03

8

12.939,63

129,40

13.069,03

Total

100.000,00

4.552,24

104.552,24

4

Simples olhar sobre a planilha revela, com nitidez, os aspectos essenciais à apreciação da demanda, que

darão suporte direto ao deslinde dos pedidos abordados na quase totalidade dos tópicos a seguir, além de

indireto, ao dos restantes.

II.1.1 Dos momentos de correção do saldo devedor e de apropriação da prestação

Postergado o pagamento do primeiro encargo mensal, para, no caso, trinta dias depois da assinatura da

avença (f. 71: planilha de evolução do financiamento), o saldo da dívida deve ser corrigido antes da

apropriação da parcela amortizatória do mês, sob pena de restar o capital sem remuneração no período.

Daí a jurisprudência a respeito, no sentido da higidez da operação verberada.5

II.1.2 Da taxa nominal e da taxa efetiva de juro

A taxa de juro nos financiamentos do SFH é definida em termos anuais (teto de dez por cento ao ano, pelo

art. 6.º, “e”, da Lei 4.380/64, e de doze por cento ao ano, pelo art. 25 da Lei 8.692/93).

A fórmula da Tabela Price utiliza-se, a sua vez, de taxa de juro mensal, tomada proporcionalmente à

anual, e por isso chamada de taxa proporcional, esclarece o professor de Matemática Financeira Antônio

Pereira da Silva6. Assim, ajustada taxa de juro de doze por cento ao ano, os cálculos realizam-se, em

princípio, com taxa de juro proporcional de um por cento ao mês.

Essa conversão linear produz, entretanto, pequena distorção, de sorte a resultar a aplicação da taxa de juro

de um por cento ao mês em pouco mais de doze por cento ao ano (12,68%), taxa que se chama, então, de

efetiva, porque espelha a incidência real dos juros ao longo de um ano. Por isso, é à taxa efetiva de juro

que se dirigem as limitações legais.

De fato, da planilha acima, intui-se alguma discrepância na conversão referida, na medida em que a taxa

proporcional mensal incidirá, mês a mês, sobre saldos devedores e prazos de devolução do capital

diversos. Mas a dicotomia, alerta o professor Antônio Pereira da Silva, no ensaio aludido, não implica a

cobrança de juros sobre juros, fenômeno alheio ao Sistema Price, como se verá com mais vagar no tópico

II.1.3. Na disposição mais recente, da Lei 8.692/93, teve o legislador o cuidado, a propósito, de deixar

explícito referir-se à taxa efetiva de juro (art. 25, na redação que lhe conferiu a Medida Provisória 2.197-

43/2001: “Nos financiamentos celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, a taxa efetiva

de juros será de, no máximo, doze por cento ao ano” e em seu texto original: “Nos financiamentos

concedidos aos adquirentes da casa própria, celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, a

taxa efetiva de juros será de, no máximo, doze por cento ao ano, observado o disposto no parágrafo único

do art. 2º”, grifos acrescidos).

Justamente por se guiar a Tabela Price pela taxa nominal – referida, porém, ao mês, período de

amortização e de pagamento dos encargos do empréstimo -, vem a necessidade de explicitação da taxa

efetiva de juro, figurando-se tais taxas expressões distintas do mesmo fenômeno. No caso dos autos foi

aplicada a taxa efetiva contratada, de 9,5% ao ano, segundo resposta do perito (f. 204: resposta ao quesito

‘e’).

Saliente-se, por oportuno, a distinção entre taxas compostas e juros compostos, expressão, aquelas, do

comportamento mês após mês da taxa efetiva de juro. Explica o economista e perito judicial Oziel

Chaves:

– taxa acumulada, ou geométrica [taxas compostas, taxas sobre taxas, técnica adotada na amortização,

para o pagamento de empréstimos], não é o mesmo que juros capitalizados [juros compostos, juros sobre

juros, técnica ínsita à capitalização, para a remuneração de investimentos]. […]

Pode-se estabelecer um plano de pagamentos com taxas geométricas, ou acumuladas, sem que ocorra

capitalização de juros. […]

Demonstro, utilizando o sistema americano de amortizações, para um financiamento de R$ 10.000,00,

utilizando os prazos acima mencionados […]

Não ocorreu a prática de anatocismo, pois os juros foram pagos e não capitalizados. Os juros foram

contados, sempre, sobre o principal do financiamento. […]

É [o anatocismo] a prática de juros sobre juros e não de taxas sobre taxas.7

Insubsistente, portanto, o argumento dos mutuários de que a previsão contratual de uma taxa de juro

nominal e de uma taxa efetiva caracteriza a capitalização da primeira.

Pleito não acolhido.

II.1.3 Da capitalização de juros

Da planilha transcrita ao início, tem-se que o valor da prestação, calculado pela Tabela Price, é constante

ao longo de todo o concerto e se compõe da parcela de amortização (devolução do principal) e dos juros

(remuneração pelo uso do dinheiro) ou, por outra, deduzindo-se o juro do valor da prestação, obtém-se a

parcela de amortização. Nos financiamentos do âmbito do SFH, o encargo mensal, em sentido amplo, é

dado pela soma da prestação aos acessórios, assim considerados os prêmios de seguros, eventuais

encargos moratórios e a contribuição para o Fundo de Compensação de Variações Salariais – FCVS,

quando devida.

No alusivo às parcelas de amortização, a mesma tábua revela que a soma delas é rigorosamente igual ao

valor emprestado ($ 100.000,00), nada tendo a fórmula da Tabela Price – mesmo que não se a conheça –

acrescido a sua composição. Em relação aos juros, verifica-se incidirem sobre o saldo restante do

financiamento, a fatia ainda não devolvida do quantum emprestado. Os números deixam evidente que não

é da concepção do Sistema Price capitalizar juros.

Estudos mais recentes, inspirados nos debates contábeis e jurídicos travados em juízo nos últimos anos,

chamam a atenção para a circunstância. Nessa linha, as considerações do economista especializado em

perícias econômicas e avaliação patrimonial Deraldo Dias Marangoni:

Cabe aqui [depois de construção de planilha semelhante] o mesmo comentário feito pelo também colega

economista Luiz Gonzaga Junqueira de Aquino Filho: onde está a capitalização se em nenhum momento

os juros foram somados ao saldo (capital)? […]

Com o perdão pela obviedade, é IMPORTANTE DESTACAR: CAPITALIZAÇÃO DE JUROS

SIGNIFICA SOMAR OS JUROS AO CAPITAL, E ESTE PROCEDIMENTO JAMAIS É REALIZADO

NA APLICAÇÃO NORMAL DA TABELA PRICE.8

Na hipótese, outrossim, de os juros não serem pagos, no todo ou em parte, no período a que se referem,

diferentemente se passam as coisas. É que, definindo-se os juros como remuneração pelo uso do capital,

uma vez impagos, a ele se incorporam, passando, aí, sim, a render juros. O não-pagamento de juros

vencidos equivale, do ponto de vista matemático e contábil, a um novo empréstimo, e assim os sistemas

de amortização o tratam. Exemplo lançado nos manuais de Matemática Financeira é o da carência para o

mutuário iniciar o pagamento: enquanto não estiver solvendo os juros, independentemente de estar

honrando parcelas de amortização, eles se agregam ao principal, advindo-lhes, assim, a capitalização,

qualquer que seja o sistema amortizatório adotado9.

Na senda dos empréstimos do SFH, a capitalização de juros pode surgir, destarte, assim da

impontualidade no pagamento do encargo mensal, como da contenção do valor das prestações pelos

mecanismos de equivalência salarial, que as tornam insuficientes à quitação total dos juros, da

amortização e dos acessórios do período. Tudo a depender do tratamento contábil dispensado pelo agente

financeiro a esses eventos, ensejando-se o anatocismo, no segundo caso, especialmente se se

direcionarem os encargos mensais ao pagamento dos juros, em detrimento da amortização, como se verá

no tópico II.1.3.1.

O direito positivo pátrio (art. 4.º do Decreto 22.623/33, texto com força de lei) veda, entretanto, à

compreensão jurisprudencial sedimentada, a capitalização de juros nos contratos em geral (STF, RE

90.341-PA; STJ, REsp 28.509-RS), e nos concertos do Sistema Financeiro da Habitação em particular:

Ademais, o art. 4º do Decreto nº 22.626/33 excetua a proibição de aplicação de juros sobre juros apenas

nas hipóteses de “cumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta-corrente de ano a ano”.

Diante dessa norma, a capitalização de juros, vedada legalmente, deve ser afastada nas hipóteses de

contrato de mútuo regido pelas normas do Sistema Financeiro de Habitação, ainda que expressamente

pactuada pelas partes contratantes, por constituir convenção abusiva. Aplicação, na espécie, da Súmula nº

121/STF [“É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada”].10

Desse modo, detectada no caso concreto, deverá a capitalização de juros nos contratos do SFH ser

afastada, independentemente de sua origem. No presente feito, o perito judicial, em seu trabalho (f. 204:

resposta ao quesito ‘d’ do Juízo) foi claro ao relatar a existência, em diversos meses demonstrados na

planilha de evolução do financiamento, de amortização negativa e ocorrência de anatocismo, que devem

ser afastados.

II.1.3.1 Da apropriação dos componentes do encargo mensal e do sistema de amortização contratado

Há que ser obedecida a regra geral de imputação do pagamento (art. 993 do Código Civil de 1916 e art.

354 do texto codificado em vigor).

Considere-se, para apreender os desdobramentos da aplicação dessa norma nos mútuos habitacionais,

uma prestação obtida pela Tabela Price de R$ 100,00, composta de R$ 60,00 de amortização e R$ 40,00

de juro. Admita-se, ainda, que esta prestação, por força do acionamento da cláusula de equivalência

salarial, seja restrita a R$ 70,00. Tudo com abstração dos acessórios.

Imputando-se no pagamento dos R$ 70,00, pela ordem, o juro e a amortização, restarão impagos R$ 30,00

de amortização, hipótese em que esta “sobra”, por se tratar de parcela de amortização e, pois, integrar o

valor primitivamente emprestado, vai-se juntar ao saldo devedor, passando a sofrer a incidência dos juros

do financiamento. A adoção do modelo, entretanto, por aumentar o saldo devedor – ou, quando menos,

impedir-lhe a necessária redução – propicia, à evidência, a elevação da parcela de amortização e do juro

do período seguinte, porque sobre ele calculados. Restrito o valor da prestação, o fenômeno se repete; não

diminuindo o saldo devedor, conforme programado pela Tabela Price, agrava-se. Pode-se atingir o ponto

– e o cotidiano de apreciação de lides da espécie vem demonstrando que usualmente se atinge – de o valor

da prestação não cobrir sequer os juros, advindo a denominada amortização negativa, constatada no

presente caso.

Se o contrário se fizer, imputando-se no pagamento dos R$ 70,00, pela ordem, a amortização e o juro,

restarão impagos R$ 30,00 de juro, hipótese em que, por se tratar de juro a “sobra”, não poderá sofrer a

cotação de juros remuneratórios, porque também implicativa de anatocismo. Além do mais, e de suma

importância, neste modelo há, concretamente, abatimento do saldo devedor, ou seja, há efetivo

pagamento da dívida, o que labora em prol da garantia legalmente conferida ao mutuário de vê-la quitada

(art. 6.º, “c”, da Lei 4.380/64: “ao menos parte do financiamento, ou do preço a ser pago, seja amortizado

em prestações mensais sucessivas, de igual valor, antes do reajustamento, que incluam amortizações e

juros” e art. 5.º, parágrafo único, da Lei 8.692/93: “Define-se como encargo mensal, para efeitos desta lei,

o total pago, mensalmente, pelo beneficiário de financiamento habitacional e compreendendo a parcela de

amortização e juros, destinada ao resgate do financiamento concedido, acrescida de seguros estipulados

em contrato”, grifos acrescidos).

Nesse quadro, dadas as vicissitudes do cumprimento dos mútuos contraídos por adquirentes de casa

própria pelo Sistema Financeiro da Habitação, vem a jurisprudência admitindo, com suporte na legislação

de regência, a adoção de regramento específico, porque veiculado por aquelas normas especiais do

Sistema, na imputação do pagamento dos encargos mensais. Confira-se o precedente:

SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. SFH. ANATOCISMO DECORRENTE DA

AMORTIZAÇÃO NEGATIVA. CONTA EM SEPARADO. DIREITO DE AMORTIZAR.

1. Adequando o contrato à legislação, no que se refere ao tópico da amortização, há que se garantir ao

mutuário o direito de amortizar a dívida no pagamento das parcelas, sem que seja eliminado o percentual

de amortização programado pela Tabela Price para cada prestação, procedendo-se a revisão de toda a

evolução contratual até a última parcela paga conforme valores exigidos pela Instituição Financeira,

contemplando primeiramente os percentuais de amortização do capital previstas para cada parcela, e após

os juros. Se o valor da parcela não for suficiente para o pagamento da amortização total ou dos juros, os

resultados deverão ser acumulados da seguinte forma: as de amortização deverão ser mantidas no saldo

devedor para todos os fins, com incidência de juros e correção monetária segundo os índices contratuais;

as de juros, deverão ser acumuladas em conta separada, sem incidência de juros, e sujeita a correção

monetária segundo os índices contratuais.11

No caso sob foco, conforme descrito no tópico acima, a ocorrência de amortização negativa predominou

na evolução do financiamento em questão. Duas conclusões se extraem. Primeira, a de que, naquele

período, ultrapassando o valor dos juros o da prestação permitida, o “excedente”, porque não absorvido

no tempo previsto pela Tabela Price, retorna ao saldo devedor, advindo o anatocismo. Segunda, e mais

grave, a de que os mutuários não pagaram nenhuma porção de sua dívida naquelas prestações; esse o

singelo, e dramático, significado da ausência de amortização.

A amortização negativa, convém ressaltar, é apenas o ponto culminante e, pois, mais visível, de um

processo de paulatino congelamento, senão majoração, da dívida. Antes mesmo da capitalização de juros

dela decorrente, o pagamento da dívida é comprometido, inviabilizado, talvez, em contrariedade à razão

de ser de todo e qualquer sistema de amortização e ao arcabouço normativo do Sistema. Veja-se, uma vez

mais, o precedente da Quarta Turma da egr. Corte Regional da Quarta Região:

Aqui aliás um esclarecimento importante. Se conceitualmente pode definir “amortização negativa” como

a ação de levar juros não pagos pela parcela ao saldo devedor, tem-se como absolutamente certo e lógico

que toda vez que se verifica em um contrato a existência de amortizações negativas, houve por

decorrência lógica a eliminação total da amortização, gerando desequilíbrio contratual. No entanto,

mesmo não existindo “amortização negativa”, ou seja, levarem-se juros ao saldo devedor, pode-se ainda

ter parcelas que somente pagaram os juros, ou que pagaram os juros e um valor mínimo de amortização,

valor esse insuficiente para atender ao percentual de amortização programada pela Tabela Price, tornando

o contrato sem regra quanto à amortização, situações essas que igualmente violam a legislação em

referência.

Por isso é que, na planilha hipotética colacionada ao início, as parcelas de amortização são crescentes

(dos $ 12.069,03 aos $ 12.939,63), mesmo sem se considerar o fenômeno inflacionário, o que exigiria a

correção monetária do saldo devedor. No contrato em tela, ao revés, no período em que houve

amortizações, as parcelas oscilaram até se tornarem negativas, apesar da correção monetária do saldo

devedor.

Cumpre, então, sanar tais irregularidades, determinando-se à demandada a apropriação, no valor de cada

encargo mensal, dos prêmios dos seguros, da amortização e do juro contratual, nesta ordem. Na

eventualidade de a amortização mensal ou o juro não serem absorvidos, no todo ou em parte, pelo

encargo, deverá a primeira retornar ao saldo devedor, e, a segunda, ser cotada em conta separada, com a

incidência, tão-só, de correção monetária, pelo mesmo índice aplicado ao saldo devedor. Assim se estará

a afastar, a um só tempo, a verberada capitalização de juros – oriunda, na realidade, de insuficiências do

encargo mensal para o pagamento total da prestação, cujo extremo se dá nas amortizações negativas – e a

tendência de perpetuação da dívida, anotando-se, com referência ao segundo aspecto, o matiz de resultado

prático equivalente ao da revisão contratual perseguida da solução delineada, nos termos do art. 461, §

5.º, do Código de Processo Civil.

II.1.4 Da equivalência salarial como critério de reajuste das prestações

O contrato foi firmado estabelecendo o critério de reajuste das prestações e acessórios pelo mesmo

percentual do aumento salarial da categoria profissional do devedor. O regramento está disposto na

cláusula décima quinta e seus parágrafos (f. 24).

O perito, em seu laudo, apontou que os índices aplicados pela Caixa não correspondem àqueles

efetivamente obtidos pela categoria de Servidores Públicos, a que pertence o autor, de acordo com

certidão do TJPE, onde este trabalhava (f. 67-70), concluindo que não foi obedecido o plano de

equivalência salarial contratado (f. 397, quesito ‘a’ do Juízo; f. 398, quesito ‘2’ do autor).

A Caixa impugna o laudo pericial neste ponto, alegando que, na composição de renda para o

financiamento, levou em consideração as verbas salariais não só do autor mas também de sua esposa.

Esse procedimento, no entanto, está equivocado, em face do teor da cláusula décima nona do contrato (f.

29), a qual estabelece que para os fins de aplicação do PES será levada em conta a categoria profissional

do devedor com maior fonte de renda individual:

CLÁUSULA DÉCIMA NONA: Para os fins previstos nas cláusulas DÉCIMA QUINTA, DÉCIMA

SEXTA, DÉCIMA SÉTIMA E DÉCIMA OITAVA, o(a-s) DEVEDOR (A-ES) declara(m) que o

DEVEDOR com a maior fonte de renda individual e sua respectiva categoria profissional são os

mencionados no campo “Categoria Profissional” da letra “A” deste instrumento.

Da leitura da letra “A” do contrato, que contém a qualificação das partes (f. 26), decorre que o devedor

com maior parte na composição da renda (72%) é o autor Fábio de Lima Cavalcanti, estando especificada

sua categoria profissional: funcionário público. Logo, apenas os reajustes obtidos por este mutuário

devem ser considerados para a aplicação do PES.

Insubsistente, portanto, a alegação da Caixa. Não havendo outras razões que infirmem as conclusões

alcançadas pelo laudo pericial, o pedido autoral deve ser acolhido nesse ponto.

II.1.5 Da substituição do índice de correção do saldo devedor

Pugnam os autores pela substituição do índice de correção do saldo devedor pelo índice que reajustou o

salário da categoria profissional do mutuário, não indicando, porém, qual seria esse índice.

A Taxa Referencial – TR, assente hoje a jurisprudência do col. Superior Tribunal de Justiça (REsp

615.351-PR), é índice idôneo para corrigir o saldo devedor dos financiamentos habitacionais que

prevejam a correção da dívida pelos índices de atualização dos depósitos em cadernetas de poupança:

CIVIL. SFH. CONTRATO. INCIDÊNCIA DA TR (LEI Nº 8.177/91). JUROS. CAPITALIZAÇÃO.

TAXA ANUAL. LIMITAÇÃO. MORA. MULTA. LIMITE. TABELA PRICE. LEGALIDADE. URV.

ACRÉSCIMO AO VALOR NOMINAL DAS PRESTAÇÕES. CONTRIBUIÇÃO PARA O FUNDHAB.

LEGALIDADE. AMORTIZAÇÃO DO SALDO DEVEDOR. COEFICIENTE DE EQUIVALÊNCIA

SALARIAL (CES)-PREVISÃO CONTRATUAL. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. DECRETO-LEI Nº

70/66. CONSTITUCIONALIDADE. MARÇO DE 1990. IPC DE 84,32%.

A TR (Taxa Referencial) pode ser utilizada como fator de atualização monetária de prestações e saldo

devedor de contrato de financiamento regido pelo SFH, celebrado antes do advento da Lei n.º 8.177/91. O

que não é possível, nos termos da decisão do STF, é a substituição de índices previstos em contrato pela

TR. Caso em que o contrato não impede a aplicação da TR.

[…]12

Sendo o caso dos autos (cláusula vigésima quinta: f. 27-v), o pedido não comporta acolhimento.

O atendimento do pleito aqui formulado não se coaduna, ademais, com as regras estabelecidas no contrato

em espécie e com a jurisprudência dos tribunais:

ADMINISTRATIVO. SFH. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. CDC. PROVA

PERICIAL. COMPLEMENTAÇÃO DE DEPÓSITO. PES NO REAJUSTE DO SALDO DEVEDOR.

UPC. TR. OUTROS INDEXADORES. APLICABILIDADE. COMPROMETIMENTO DE RENDA.

SISTEMA DE AMORTIZAÇÃO. PACTA SUNT SERVANDA. LEGISLAÇÃO VIGENTE NA

ASSINATURA DO CONTRATO. SISTEMA DE AMORTIZAÇÃO COM PRESTAÇÃO EM

PROGRESSÃO ARITMÉTICA. DEPÓSITOS INSUFICIENTES. EFEITOS. SUCUMBÊNCIA

RECÍPROCA.

[…]

4. O Plano de Equivalência Salarial destina-se, exclusivamente, a regrar a forma de reajustamento das

prestações, sendo inaplicável como critério de reajuste do saldo devedor.

[…]13

II.1.6 Do expurgo do Coeficiente de Equiparação Salarial – CES

O Coeficiente de Equiparação Salarial – CES, criado pela RC 36/69 do ex-BNH e mantido nos contratos

do PES/CP pela RC 21/84 do mesmo órgão regulador, teve por objetivo viabilizar o plano de equivalência

salarial, diminuindo a discrepância entre o índice repassado às prestações e o índice de atualização do

saldo devedor. O art. 8º da lei 8.692/93 manteve o CES para os contratos regidos pelo PES/NOVO.

Do ponto de vista contábil, o CES não gera prejuízo ao mutuário (via de regra) porque, a despeito de

majorar a prestação mensal, é um mecanismo de amortização da dívida destinado a evitar os efeitos

nocivos de eventual impacto inflacionário ao longo da evolução do financiamento. Em relação, pois,

estritamente, à quitação do financiamento, a utilização do coeficiente é vantajosa, atuando no sentido da

redução do saldo devedor.

Não bastasse isso, a jurisprudência inclina-se pela higidez da aplicação do coeficiente, mesmo quando

anterior à sua fixação legal, desde que previsto no instrumento do contrato. Vejam-se:

Processual Civil. Ausência de prequestionamento. Súmulas n. 282 e 356-STF e 211-STJ. SFH. Índice de

reajuste do saldo devedor. Taxa Referencial (TR). Possibilidade ante o advento da Lei n. 8.177/1991.

CES. Previsão contratual. Possibilidade. Tabela Price. Anatocismo. Súmulas n. 5 e 7/STJ. Agravo de

instrumento. Decisão que nega provimento. Fundamento inatacado. Súmula n. 182-STJ. Agravo.

Desprovimento.14

ADMINISTRATIVO. SFH. TABELA PRICE. AMORTIZAÇÕES NEGATIVAS. ANATOCISMO. PES.

MUTUÁRIO AUTÔNOMO. SALÁRIO MÍNIMO. COMPENSAÇÃO. CES. SUCUMBÊNCIA

MANTIDA. […]

Independente de previsão contratual, é legal a cobrança do coeficiente de equiparação Salarial – CES no

cálculo da integralidade do encargo mensal, mesmo antes do advento da Lei nº 8.692/93.15

No caso concreto não há previsão contratual de sua incidência, fato também confirmado pelo perito (f.

205).

Assim, como não está previsto no contrato em tela, é o CES inexigível à autora, devendo ser expurgado

em toda evolução contratual.

II.1.7 Da repetição de indébito

A dinâmica do financiamento é de constante amortização da dívida contraída, apesar de fracionada, e os

mutuários adimpliram regularmente as 240 prestações contratadas.

Embora a perícia não seja líquida nesse ponto (indébito), a parte autora está a obter revisão contratual de

repercussão profunda, da qual resultará recomposta toda a trajetória do financiamento. Nesse quadro,

impõe-se que, refeita a evolução do financiamento à luz dos critérios fixados nesta sentença, advindo

saldo em seu favor, seja restituído em espécie, sempre mediante correção monetária pelo índice da

poupança. Nesse sentido:

CIVIL. SFH. CONTRATO DE MÚTUO. APELAÇÃO. DESERÇÃO DO RECURSO SUSCITADA EM

CONTRA-RAZÕES. INOCORRÊNCIA. PES. OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA. REDUÇÃO DA

PRESTAÇÃO FACE À DIMINUIÇÃO DE RENDA DO MUTUÁRIO. DESCABIMENTO.

SISTEMÁTICA DE AMORTIZAÇÃO DO SALDO DEVEDOR. ABATIMENTO DA PRESTAÇÃO

QUITADA ANTES DA CORREÇÃO DO SALDO DEVEDOR. TAXA DO CES. PREVISÃO NO

CONTRATO. TABELA PRICE. ANATOCISMO. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. ADMISSÃO. […]

– Admitida a restituição do indébito, mediante a compensação com prestações vencidas e vincendas ou,

acaso não existam prestações passíveis de serem compensadas, via devolução em espécie.16

Quanto ao pleito de repetição em dobro do indébito, vejamos.

No rastro do entendimento manifestado na Súmula 297 do STJ (“O Código de Defesa

do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”), a jurisprudência igualmente vem aplicando o

CDC aos contratos de mútuo regidos pelo Sistema Financeiro de Habitação (AgRg no RESP 802.206/SC,

rel. Min. Nancy Andrighi, DJ, 3/4/2006).

Entretanto, a reconhecida proximidade do diploma perante a matéria não impõe a aplicação irrestrita de

todas as regras ali insertas, pois sempre se haverá de confrontá-las com a particularidade do caso

concreto. No caso, postulam os autores a aplicação do parágrafo único do art. 42 do CDC:

Art. 42 […]

Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor

igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese

de engano justificável. – destaquei

O dispositivo encerra uma sanção civil e, dado seu caráter punitivo, exige a configuração de

determinados pressupostos para sua aplicação. Entre eles, está o de natureza subjetiva, ocorrente quando o

engano da cobrança não é justificável. Contrariamente, se a cobrança é justificada e não decorre de dolo

ou culpa do credor, incabível a repetição em dobro ali prevista17.

Aplicando-se o raciocínio à espécie, é intuitivo que não se poderia imputar à ré medida sancionatória pelo

cumprimento do pacto de financiamento, se as cláusulas deste encontram-se sob discussão judicial e a

credora, a princípio, cumpre-as com presumível boa-fé, pois arrimada no normativo infra-legal que rege

os concertos sobre Sistema Financeiro de Habitação. E o fato de o comportamento da instituição

financeira estar sob controle do Judiciário abre ensejo para o reconhecimento da lisura de determinadas

práticas adotadas pelo ente, muitas delas, inclusive, já acolhidas pela jurisprudência. Tal circunstância é

suficiente para não se aplicar a penalidade à mutuante, pois exerce a cobrança fundada em diretrizes

consideradas válidas até declaração judicial em contrário, não podendo ser igualada ao credor que,

convictamente ou por culpa, promove a exigência em desacordo com a obrigação pactuada.

O STJ perfilha do mesmo entendimento, sobre a impossibilidade de censurar-se a instituição financeira

que cobra débito originado de parâmetros ainda sob discussão judicial:

AÇÃO REVISIONAL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO – SFH. CÓDIGO DE DEFESA

DO CONSUMIDOR. APLICABILIDADE. AMORTIZAÇÃO. REAJUSTE PRÉVIO CABIMENTO.

RESTITUIÇÃO EM DOBRO. DÉBITO OBJETO DE DEMANDA. INVIABILIDADE. TABELA

PRICE. CAPITALIZAÇÃO. VERIFICAÇÃO. SÚMULAS 5 E 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE

JUSTIÇA. ANATOCISMO. VEDAÇÃO. SUSPENSÃO. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL.

POSSIBILIDADE. TR. UTILIZAÇÃO. LEGALIDADE.

I – A jurisprudência desta Corte já se pronunciou pela incidência das disposições do Código de Defesa do

Consumidor nos contratos regidos pelo Sistema Financeiro da Habitação.

II – A prévia atualização para posterior amortização do saldo devedor não fere a comutatividade das

obrigações pactuadas no ajuste.

III – É incabível a dobra prevista no artigo 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor,

quando o débito tem origem em encargos cuja validade é objeto de discussão judicial.18

Requerimento de repetição do indébito na forma do art. 42 do CDC não acolhido.

DISPOSITIVO

Diante das razões expendidas, a) rejeito a preliminar de impugnação ao benefício da justiça gratuita, b)

extingo o processo com resolução do mérito, nos termos do art. 269, I, do Código de Processo Civil,

julgando: b.1) improcedentes os pedidos de b.1.1) exclusão da Taxa Referencial – TR – como índice de

reajuste do saldo devedor; b.1.2) limitação dos juros na taxa nominal contratada, b.1.3) repetição do

indébito na forma dobrada; e b.2) julgo procedentes os pedidos de b.2.1) aplicação do plano de

equivalência salarial por categoria profissional – PES; b.2.2) expurgo do coeficiente de equiparação

salarial – CES – tanto da prestação quanto dos acessórios; b.2.3) exclusão do anatocismo, e b.2.4)

repetição do indébito acaso resultante; b.2.5) quitação do financiamento, sem assunção do saldo residual,

determinando a Caixa Econômica Federal – Caixa, que recomponha a planilha de evolução do

financiamento aplicando-se os reajustes indicados pela categoria profissional do autor, com a apropriação,

no valor de cada encargo mensal, dos prêmios dos seguros, da amortização e dos juros remuneratórios,

nesta ordem, e, na eventualidade de a amortização mensal ou o juro assim não serem absorvidos, no todo

ou em parte, o reenvio da primeira ao saldo devedor, e do segundo a conta em separado, a sofrer a

incidência, esse juro, apenas, de correção monetária pelo índice de reajuste dos depósitos em cadernetas

de poupança. Uma vez refeita a planilha, em remanescendo saldo em favor dos mutuários, seja o valor

restituído aos mesmos, devendo, ainda, a EMGEA liberar o imóvel dado em garantia do gravame

hipotecário, em face da quitação do financiamento.

Sem condenação a pagamento de custas, nem de honorários advocatícios, em face da sucumbência

recíproca.

Após o trânsito em julgado, liberem-se, em favor aos autores, os valores depositados judicialmente a

título de caução.

Registre-se. Publique-se. Intime-se.

Recife, 28 de maio de 2010.

Ubiratan de Couto Mauricio

Juiz federal