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Mandela, o longo caminho para a liberdade caderno formativo de isca! debater [nacionalismo e esquerda no mundo] 4 iscagz.org www. info@

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Cartaz do Congresso Nacional Africano

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[nacionalismo e esquerda no mundo]

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Estás a ler um novo caderno dumhasérie que pretende achegar à nossa mi-litáncia, ao nacionalismo galego, e todaaquel/a interessado/a, a voz de diver-sas personagens e as suas luitas nacio-nalistas e de esquerda no mundo. Estemodesto projecto de formaçom e divul-gaçom que chamamos “Caderno For-mativo. Nacionalismo e esquerda nomundo” é resultado do interesse polaformaçom e o compromisso coa divul-gaçom das diversas reflexons, escritos,histórias, e experiências nacionalistas ede esquerda que a nosa organizaçommantém dende o seu nacemento comometa de funcionamento.

De Isca! escolhemos África do Sul e afigura de Mandela para continuar estasérie de cadernos por várias razons.Umha, a riqueza e interesse das análi-ses que o CNA elaborou em torno àquestom colonial e o capitalismo emÁfrica do Sul, e também a sua estrate-gia e táctica de luita pola emancipaçomnacional. Dous, porque é preciso co-nhecermos os casos em que, quandomenos em parte significativa, fôromatingidos os objectivos dos movimen-tos de liberaçom: nom queremos ficarno romanticismo das revoluçons perdi-

das, mas no conhecimento e actuali-dade de aquelas que efectivamenteconseguírom transformar a realidadede forma perdurável. E também, por-que perante as operaçons de branque-jamento às que se quer someter a certasfiguras para fazê-las mais agradáveisaos olhos do sistema e para se apro-priarem da sua legitimade, devemos re-cuperar a história tal como foi, com osseus acertos e os seus erros, com assuas luitas reais e cedendo a voz aospróprios protagonistas.

Há pouco mais de quinze anos que oapartheid rematou e hoje o CNA estáno governo da África do Sul. Nomtodos os objectivos que procuravam te-nhem sido atingidos. Ainda hoje, ecomo consequência de mais de cenanos de colonialismo, exclusom eapartheid, a situaçom da populaçomnegra, mestiça ou índia segue por baixode aquela branca: para comprender-mos a realidade actual, temos pois quedebruçar-nos nas suas origens. Esse éo labor que quer cumprir este caderno.

Porque para chegar à liberdade temosque andar, nas palavras da própria au-tobiografia de Mandela, um longo ca-minho, percorramo-lo até a vitória!

1. Apresentaçom

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[nacionalismo e esquerda no mundo]

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Nelson Rolihlahla Mandela,luitador incansávelMandela nasce o 18 de julho de 1918,membro dumha família de ascendênciaThombu, de língua Xhosa. Assistiu aescolas frequentadas pola dirigênciadesta linhagem e posteriormente àUniversidade de Fort Hare, universi-dade para africanos pretos de estilo oci-dental que foi clave na formaçomdumha elite intelectual preta emÁfrica.Ali foi onde começou a sua actividadepolítica, de onde foi expulso. Começoua trabalhar de aprendiz num despachode advogados, continuando os seus es-tudos noutras universidades.

Envolveu-se grandemente na activi-dade política, fundando em 1944 aYouth League (Liga da Mocidade) doCongresso Nacional Africano (CNA) eparticipando já como um dos lideres doCNA da Campanha de Desafio de 1952e mais do Congresso do Povo em 1955.Durante este período ele e mais OliverTambo, também dirigente do CNA, le-variam um despacho de advogadosdesde o que prestar assistência legalaos pretos sulafricanos.

Acreditando nesta época na doutrinade Gandhi da resistência passiva e

nom-violenta, e a desobediência civil,foi encausado no “Juízo da Traiçom”(Treason Trial, 1956-1961) contra 156activistas do que resultou absolto.

Seguindo a reflexom realizada poloCNA, Mandela converte-se em 1961num dos fundadores e líderes militaresdo nascente braço armado do CNA, oUmkhonto we Sizwe (MK). Mandelaconseguirá para o MK financiamento eentrenamento militar. Será arrestadoem Agosto de 1962. Com os quarteisgerais doMK emRivonia, um dos bair-ros de Johanesburgo, será ali onde coma ajuda da CIA serám arrestados outros9 dirigentes do braço armado. Assim,serám procesados conjuntamente noconhecido como “Juízo de Rivonia”(Rivonia Trial, 1963/64), onde pronun-ciará o seu famoso discurso “Estou pre-parado paramorrer” 1, onde defende asactividades doMK como aposta tácticado CNA (20 de Abril de 1964).

Neste juízo serám condenados e Man-dela permanecerá encarcerado até o 11de Fevereiro de 1990, no quadro daapertura de negociaçons para a fim dorégimem do apartheid, após quase 30anos de cadeia. A sua liberaçom fora-lhe antes oferecida polo presidente do

2. Introduçom a Mandela e à questom sul-africana

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apartheid Botha no parlamento (31 deJunho de 1985) a cámbio de que “rejei-tasse incondicionalmente a violênciacomo arma política” por parte do CNA,ao que se negou em carta lida pola suafilha Zinzi às massas do CNA: “Sommembro do CNA. (...) Estou surpreen-dido das condiçons que o governo mequer impor. Nom som um homem vio-lento (...) Quando todas as outras for-mas de resistência deixárom de estarabertas, entom foi que nos viramoscara a luita armada (...) Que liberdademe é oferecida quando a organizaçomdo povo permanece proibida? (...) Avossa liberdade e a minha nom podeser separadas” 2

Tras a sua liberaçom participou nasconversas que levárom ao desmantela-mento do regimem e nas eleiçons de1994 converteu-se no presidente deÁfrica do Sul, permanencendo no cargoaté o ano 1999, quando foi substituídopor Thabo Mbeki, também do CNA, ehoje acha-se retirado da vida públicadesde 2004.

África do Sul,origens e desenvolvimentodo Estado colonial

Origens da colonizaçomA história da África do Sul actual é ahistória da colonizaçom europeia nessaregiom africana. Assim pois, além dospovos originários africanos, serám aspotências holandesa e británica as quecolonizem o território e marquem parasempre a sua história, especialmenteconectada coas necessidades do desen-vovimento capitalista británico.

Foi durante o século XVII quando co-meça de forma significativa a coloniza-çom por parte holandesa, baseada noestabelecemento agrícola de colonosque comerciavam com a metrópoleatravés da “Companhia Holandesa dasÍndias Orientais”, importando mao deobra escrava das colónias de Magadas-car e Indonésia, germem do que será apopulaçom branca boer (de língua afri-kaans, originada do neerlandês) e maisa populaçom mestiça.

Com o passo ao séc. XVIII, será o Im-pério colonial británico o que tomemaior força, e desde 1815 a zona seráformalmente reconhecida como baixosoberania británica. Este populaçomcentrará-se em Cape Colony (capital:Cape Town), estandomais concentradaque os agricultores de origem holan-desa. Serám os británicos os que des-praçarám aqui populaçom desde a suacolónia na Índia desdemeiados do XIXna necessidade de mao de obra, dandoorigem a esta em África do Sul (1 mi-lhom actualmente).

A mediados do XIX, a situaçom ficavaassim: duas colónias Boer: Transvaal eOrange Free State, duas británicas:Cape e Natal, e diversos reinos africa-nos, onde destacava o poderoso reinoZulu. Será o desenvolvimento mineiroo que cambiará a situaçom: a contradi-çom entre as necessidades capitalistasdas minas británicas e a economia pre-capitalista agrícola boer resultará nasduas guerras anglo-boer (1877 e 1899-1902, no seu intermeio os británicossubjugarám os zulus em 1879), onde osbritánicos unificarám as quatro coló-nias baixo o seu mando na lógica dasnecessidades do imperialismo capita-lista: em 1907 as minas de Witwaters-

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rand produziam um terço da produçomanual mundial de ouro. O futuro deli-nharia-se baixo umha classe domi-nante exclusivamente branca destamaneira (em palavras do CNA): “eco-nomicamente, África do Sul era um sa-télite do imperialismo británico, umponto de saida para a exportaçom decapital e umha fonte de matérias pri-mas; politicamente, à classe dominantelocal permitiria-se-lhe a autonomia”.Nasce assim a chamada Uniom Sul-Africana (1910), estado que fazia parteda Commonwealth británica.

Da Uniom Sul-africana àRepública de África do SulComo consequência do visto, as feitu-ras que constituem a Uniom serám asseguintes 3: um sistema estatal racistacom umha classe dominante branca,que estava formada principalmente por“o capitalismomineiro, com a sua liga-çom histórica ao imperialismo, e o ca-pitalismo agrário, com as suas estreitasligaçons aos interesses dos colonosboer (...) Minaria entorno ao SouthAfrican Party de Botha e Smut, agricul-tura entorno ao National Party deHert-zog”. Esta classe dominante dirigia oestadomediante um bloco liderado porela, unido mediante “a ideologia da su-premacia branca que projecta o inte-resse particular da classe capitalistadominante” onde “ a classe trabalha-dora branca foi cooptada polo bloco depoder como soporte social essencial”.

Assim, umha série de leis garantia a su-premacia branca sobre outras étnias: a“Natives Land Act” de 1913 dividiu aÁfrica do Sul em áreas onde só pretosou brancos podiam ter a posse da terra:

os pretos, dois terços da populaçom, fi-caram com direito a 7,5 % da terra, osbrancos, apenas um quinto da popula-çom, ficaram com direito a 92,5 % daterra; os mestiços (“coloured”) nom ti-nham direito à posse da terra; a “Nati-ves in Urban Areas Bill” (1918)desenhada para encerras os pretos emassentamentos, a Urban Areas Act(1923), que introduzia a segregaçomresidencial e subministrava mao deobra barata para a minaria branca e aagricultura; a “Colour Bar Act” (1926),que impedia os pretos exercer profis-sons qualificadas, a “Representation ofNatives Act” (1936), que eliminava daeligibilidade eleitoral do Cape aos pre-tos.

Ainda mais, desde a chegada do Natio-nal Party ao poder em 1948 implemen-tárom-se ademais leis conhecidas como“apartheid” que proibiam os casamen-tos ou relaçons sexuais “mistas”, cria-vam locais públicos segregados,educaçom segregada (gastando-se naeducaçom de cada neno preto só umdécimo do feito nos brancos), a criaçomde 10 bantustans teoricamente inde-pendentes; aos pretos, índios e mesti-ços fora dos bantustans eleminava-osda eligibilidade eleitoral, tendo umhaquota representativa determinada a cu-brir por brancos, etc.

Evidentemente, tudo isto contou com aoposiçomactiva dos pretos, amaioria dapopulaçom,mestiços e índios, em espe-cial do CNA. A resistência levou a acon-tecementos como a matança deSharpville de março de 1960, dentro dorejeitamento internacional do apart-heid, o que sumado aos ventos de des-colonizaçom que sopravam nocontinente na época, aconselha a classe

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dirigente branca a abandonar a Com-monwealth e renomear o estado comoRepública de África do Sul (31 de Maiode 1961).Mas emnadamudou a políticado estado: incrementarom-se de feito osdespraçamentos de populaçom cara osbantustans, privou-se forçosamente decidadania aos pretos para adscrevê-losa algum dos bantustans (1970), etc...

Todo este aparelho institucional de dis-criminaçom racial em todos os aspec-tos da vida social nom foidesmantelado até a fim do régime doapartheid, que aconteceu a partir de1990, rematando sobre 1995.

A luita de libertaçomA origem do CNA remonta-se a 1912,no ronsel da criaçom da Uniom deÁfrica do Sul baixo mando británico,sendo fundado por Pixley ka IsakaSeme (sulafricano que como muitosoutros líderes anticoloniais estudou emEuropa), John Langalibalele Dube, eSol Plaatje junto com jefes e represen-tantes dos povos africanos presentesem África do Sul, com o objectivo deunir todos os africanos e defender osseus direitos e liberdades.

Nova etapa: Campanha dedesafio, Carta da Liberdade.A partir de meiados dos 40 e coinci-dindo com a chegada do National Partyao poder umha nova geraçom de diri-gentes moços vindos da Liga da Moci-dade da ANC implementará umha novapolítica de acçom e alianças: lançarám-se a umha outra política de massasalém de manifestaçons (boicotes, gre-ves, nom colaboraçom, desobediência

civil) e estabelecerám umha aliançaque dura até hoje com o Partido Comu-nista de África do Sul (SACP), ilegali-zado em 1950 e fazendo parte os seusmembros do ANC.

Assim, a fins de 1951 e para 1952 o CNAlançou a “Defiance Campaign” (Cam-panha de Desafio) na que, na linha daresistência passiva de Gandhi, imple-mentava a desobediência civil às leis doNational Party. Nas palavras do CNA,“a luita que conduzem as organizaçonsdos povos nom-europeus nom está di-rigida contra nengumha raça ou gruponacional. É-o contra as leis injustas quemantêm em subordinaçom perpétua emiséria vastos segmentos da popula-çom”. Estas luitas provocarámmais de8.500 detidos, entre eles Mandela.

Ameiados dos 50 (junho de 1955) cele-brará-se em Kliptown, perto de Joha-nesburgo, o Congresso do Povo, porparte do CNA e outras organizaçons,que rematará com a declaraçom da“Carta da Liberdade”, elemento queserá a guia e referência das organiza-çons anti-apartheid durante décadas, eque recolhemos neste caderno.

Esta “Carta da Liberdade” constade umha introduçom mais dez blocostemáticos de reivindicaçons do movi-mento popular. Estas som de distintanatureza e obedecem às característicaspróprias da opressom sofrida, comopodemos ver em vários exemplos.Frente a um território partido, sem li-berdade de circulaçom para os negros,com leis racistas, a um sistema de re-presentaçom política excluínte, etc... aCarta reclama no seu primeiro e se-gundo blocos um sistema democrático,com plena participaçom política paratodos, o reconhecimento das línguas e

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grupos nacionais e a sua nom discri-minaçom. Ademais, no bloco quinto esexto reclamam-se as liberdades for-mais básicas negadas: expressom, reu-niom, culto, umha justiza nondiscriminatória en contraste com abrutalidade e arbitrariedade policial,etc. Mas a Carta é também um docu-mento de reivindicaçons socio-econó-micas claramente de esquerdas, já queo CNA concebe a luita nacional ligadaà de classe, sendo um dos maiores pro-blemas o da terra, devido ao despossui-mento histórico que dela sofrerom ospovos originários, despraçados polosagricultores brancos anteriormente enesse momento a base de reclusonsforçadas mediante transferências depopulaçom em número milhonário aoutras terras (bloco 4). E nom só isso,mas também a organizaçom económicadoutros sectores (bloco 3): propugna-se, por exemplo, a nacionalizaçom demonopólios, bancos ou todas as rique-zas minerais do país. Por último, recla-mam-se também os direitos sociaisbásicos: educaçom, sanidade universale gratuíta, legislaçom laboral avançada(salários mínimos, licenças remunera-das; igual trabalho, igual salário; pres-taçons de desemprego, proibiçom detrabalho por jornadas soltas,...), habi-taçom digna para todos (algo especial-mente importante dado o problema daterra e os ghettos como Soweto). Porúltimo, no bloco 10, fai-se umha apostapola paz, o internacionalismo e o anti-imperialismo (respeito à soberania dosestados, política de nom-alinhamento).

A declaraçom afirma a persistência naluita “até termos ganhado a nossa li-berdade”, reafirmou o estado na conti-nuaçom da repressom, e em 1956serám detidos 156 opositores, também

Mandela, e acusados de “alta traiçom econspiraçom nacional para usar a vio-lência em orde de derrubar o governo ereemplaçá-lo por um estado comu-nista”, do que finalmente sairám absol-tos cinco anos depois.

Durante esta época começarám tam-bém as campanhas internacionais deboicotes. Um acontecimento fulcralserá o massacre de Sharpeville emmarço do 1960, onde no curso dumhacampanha de protestos contra novasleis de apartheid a policia baleará e as-sassinará 69 pessoas e ferirá mais de180. Durante os protestos provocadospola matança a policia deterá mais de18.000 pessoas.

Umkhonto we Sizwe.

“De manera absolutamente impropiaymanifiestamente falsa estableció unacomparación entre Nelson Mandela -auténtico héroe que permaneció enprisión pormotivos ideológicos, exclu-sivamente por eso, pero jamás utilizóla violencia, ni la apoyó en “pos” deconseguir la supresión del apartheiden Sudáfrica...”

Sentença Nº13/2010 da AudiênciaNacional espanhola, Sala do Penal,

Secçom Quarta.

“Um governo que usa a força paramanter o seu domínio ensina os opri-midos a usar a força para se defen-der”.

Mandela

No contexto político após omassacre deSharpeville, que inclui a ilegalizaçomdo

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CNA, e que conduziria ademais à cria-çomda nova República de África do Sul,este decide que é preciso abrir umhaetapa nova e começar umha nova frontede luita, incorporando a luita armada àssuas actividades, com a criaçom doUmkhonto we Sizwe (MK, “A Lançada Naçom”) em 1961, do que recolhe-mos omanifesto fundacional.

No documento adotado na Conferênciade Morongoro (Tanzánia) no exílio em1969 (“Strategy and tactics of ANC”),baixo a direcçom de Oliver Tambo(desde 1967 a 1991), a organizaçom ex-plicitará as suas posiçons e explicaráestas decisons.

Definindo umha “política revolucioná-ria” 4 como aquela que provoca a maisrápida “trasferência de poder de umhaclasse a outra” e que está polo tanto“muito influenciada por factores histo-ricamente determinados”, afirma que aluita armada “pode ser contra-revolu-cionária tanto como advogar polo con-trário noutras ocasons”. Polo tanto,estabelecem umhas condiçons tanto in-ternas como externas, objectivas e sub-jectivas, para esta luita resultar viável,e conforme a elas razoa o uso destaluita em África do Sul nesse momentohistórico e nom antes nem depois.

Em concreto, o CNA afirma que desdefinais dos 50 as “greves gerais comométodo de mobilizaçom política fôromsuprimidas com o maior vigor e (...) jánom era possível ser utilizadas de jeitoefectivo como instrumentos da luita demassas”, assim como outros protestoseram cada vez mais “destruidas polabrutalidade policial”, assim como que“a oposiçom na legalidade voltou-seinefectiva polas ilegalizaçons, exílio eencarceramentos de longa duraçom de

activistas e líderes polas infraçonsmaistriviais” e que “as leis de sabotagem eterrorismo faziam impossivel qualqueroposiçom pormétodos legais ou pacífi-cos”. Ademais o CNA cita a eliminaçomdos restos de representaçom democrá-tica das maiorias nom-brancas.

A “luita armada revolucionária” é con-cebida como “luita política por meiosque incluem o uso da força militar”,polo que “o nosso movimento deve re-jeitar todas as manifestaçons demilita-rismo que separa a luita armada dopovo do seu contexto político”, e ad-verte que “a primacia do liderado polí-tico é supremo e inatacável e todas asformaçons e niveis revolucionários (ar-mados ou nom) estám subordinados aesse liderado”, e critica a tese “que vêna criaçom de áreas militares um gera-dor de resistência de massas”. Assimadverte “sobre todo” que, de lograr a vi-tória, “esta nom deve ser umha [vitó-ria] vazia. Para assegurar-nos distodevemos assegurar que quem é levadoao poder nom é um exércitomas o povocomo unidade, à frente de quem sesitua o seu liderado político organi-zado”. Por último define o inimigo abater, as suas fortalezas e debilidades,os papeis dasmassas pretas, mestiças eíndias e da classe trabalhadora, assimcomo a sua política de alianças.

Na sequência do começo destas activi-dades armadas acontecerá o “juízo deRivonia” (Rivonia Trial) entre 1963 e1964, onde dez dirigentes do CNA (in-cluído Mandela) serám acusados, con-denados e encarcerados por quaseduzentos sabotagens.

Os anos 80 e a fim do apartheid

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A partir dos anos setenta serám, anteas ilegalizaçons políticas, as organiza-çons de mocidade, mulheres, estudan-tes e trabalhadores as que liderarám asloitas de massas, com os dirigentes doCNA na clandestinidade ou no exílio(Tambo fixará a sua residência em Lon-dres). Desenvolverám-se fortes acçonsde protesto (estando a greve aindaproibida) desdemeiados dos 70, desta-cando o alçamento de Soweto (bantus-tán criado polo apartheid) em junho do76, onde vários centos de moços resul-tarám mortos nos protestos e boicotescontra o sistema educativo segregado.

Em paralelo, as acçons armadas doMKcentrarám-se nos líderes ou membrosdo governo, mandos policiais, a policiasecreta ou o complexo industrial-mili-tar; mediante acçons com bomba, ac-çons de guerrilha ou assassinatosseleccionados.

Durante os anos oitenta incrementou-se a loita popular demassas, criando-seem 1983 o Frente Democrático Unido(UDF), composto por mais de 400 or-ganizaçons legais de estudantes, traba-lhadores, eclesiásticas e civís de distintoámbito. Esta organizaçom aderiu àCarta da Liberdade, e tinha fortes coin-cidencias com o CNA, ainda nom es-tando formalmente ligados. Assim,desdemediados dos anos 80 a situaçomda racista África do Sul era mui deli-cada. Sucediam-se as declaraçons de es-tados de emergência no meio denumerosos confrontos violentos, aosque se unia ilegalizaçons e detençonsmassivas, no entanto os boicotes aosgovernos dos bantustáns faziam-nos in-governáveis para o estado: numerososgovernos municipais fôrom derrocadosou colapsárom, sendo substituidos por

organizaçons populares nom reconhe-cidas (na linha do “poder popular” re-clamado polo CNA), criando-se tamémtribunais populares contra represen-tantes do governo ou policias.

A força das loitas dos trabalhadores,agrupados desde 1985 na COSATU(Congresso dos Sindicatos de África doSul), fazia-se sentir: em 1987 o sindi-cato de trabalhadores daminaria man-tivo por três semanas umha greve daque participárom 200.000 trabalhado-res.

O COSATU formou, com o SACP e oCNA, a Aliança Tripartita, no objectivodeclarado, em palavras do SecretárioGeral do SACP Joe Slovo, de levar atermo umha revoluçom democrático-nacional 5. Podemos ver também a ca-racterizaçom do capitalismo de Áfricado Sul e a descriçom da natureza daaliança e a revoluçom pendente feitanessa época polo CNA no seu docu-mento “The Nature of the South Afri-can Ruling Class”, 1985 6.

Recolhemos neste caderno um docu-mento da organizaçom desta época,“Apartheid em África do Sul: Co-lonialismo de tipo especial”(1987), onde descrevem o sistema doapartheid, as bases da sua luita e osconceitos empregados polo CNA. É dedestacar que estám enquadradosnumha tradiçom de ampla difusom nasluitas anti-coloniais: a descriçom doapartheid e a opressom nacional como“basicamente dispositivos extra-econô-micos elaborados para garantir os pro-cessos de acumulaçom de capital”assemelham-se mesmo a formulaçonsdo nacionalismo galego (vid. Xosé Ma-nuel Beiras em “Por unha Galiza libe-rada e novos ensaios”, Espiral maior,

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Por outro lado, a nível internacionaldesenvolveu-se um potentíssimomovi-mento que visava o boicote e isola-mento do régimem, que resultou, entreoutros, em impedir a sua participaçomem competiçons desportivas, e sobretudo, numha campanha de desinvesti-mentos estrangeiros que começou a sersignificativa, que mesmo forçou osEUA a variarem a sua posiçom desde o“envolvimento construtivo” dos come-ços dos 80 à postura de boicote que seconseguira aprovar tempo atrás naONU.

Assim pois, desde umha posiçom deforça desenvolvem-se desde 1987 al-guns contactos sem avanços reais paraas negociaçons que levem à fim do ré-gimem, que começa a desmantelar al-gumha das medidas do apartheid, masque só faziam incrementar a pressomsobre a sua total desapariçom. O go-verno de P.W. Botha foi substutído porDe Klerk e em fevereiro de 1990 come-çam a dar-se passos significativos, aolevantar-se por fim as ilegalizaçons quedurante mais de 30 anos pesaramsobre o SACP e o CNA eMandela foi li-berado; ainda sem terem começado ne-gociaçons formais (começarám nachamada CODESA I). Em 1 de agostode 1990 oMK declarará um cessar-fogopara acometer as negociaçons, e será fi-nalmente integrado no exército regularem 1994.

O desmantelamento do régimem pro-longa-se até 1995, coincidindo notempo com as negociaçons entre este eo ANC. As negociaçons desenvolvem-seainda com episódios de violência, comoo massacre de Bisho, onde a policiadeste bantustám assassina 29 mem-

bros do ANC numha marcha que re-clama a sua incorporaçom a umha novaÁfrica do Sul, unida e democrática; ouo assassínio do secretário geral doSACP da época, Hani; entre acusaçonsda policia do régime fomentar a violên-cia interétnica, etc. Ademais, as nego-ciaçons fôrom rotas num par deocasons, mas finalmente, em 27 deabril de 1994, celebrarám-se umhaseleiçons por sufrágio universal em todaÁfrica do Sul que ganhará com o62,65% do voto o CNA e que converte-rám Mandela no primeiro presidentepreto da nova África do Sul. 7

Notas:

(1) Pode-se consultar o contido íntegro do dis-curso em:

http://www.anc.org.za/ancdocs/history/rivo-nia.html

(2) Pode-se consultar o contido íntegro dacarta em:

http://www.anc.org.za/ancdocs/history/man-dela/64-90/jabulani.html

(3) Citas extraídas do documento“The Natureof the South African Ruling Class”, 1985

http://www.marxists.org/subject/africa/anc/1985/nature-ruling-class.htm

(4) As citas estám extraídas do documento“Strategy and Tactics do ANC”, 1969

http://www.anc.org.za/ancdocs/history/stra-tact.html

(5) Pode-se consultar a sua descriçom em:“The South AfricanWorking Class and the Na-tional Democratic Revolution”, Joe Slovo,1988

http://www.marxists.org/subject/africa/slovo/1988/national-democratic-revolution.htm

(6) Neste documento lembra-se: “O Docu-mento Strategy and Tactics of the ANCafirma: ‘O contido principal da presente etapada revoluçom em África do Sul é a libertaçom

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nacional do maior e mais oprimido grupo: opovo africano’. Este objectivo estratégico de-termina tanto o programa domovimento de li-bertaçom como a natureza da aliançarevolucionária que temos que construír. (…)Aínda que a Carta da liberdade nom é um pro-grama para o socialismo, deve ser, porém, dis-tinguido dum programa democratico-burguêsconvencional”

(7) Para um seguemento exaustivo dos docu-mentos desse periodo:

http://www.anc.org.za/show.php?doc=/anc-docs/history/transition/index.html

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Nós, o Povo da África do Sul, de-claramos para todo o nosso país eo mundo saber:

que a África do Sul pertence a todos osque nela vivem, negros e brancos, e quenengum governo pode reclamar-se jus-tamente autoridade a menos que forbaseado na vontade de todas as pes-soas,

que ao nosso povo lhe foi roubado o seudireito à terra, à liberdade e à paz porumha forma de governo baseado na in-justiça e desigualdade,

que o nosso país nunca será prósperoou livre até todo o nosso povo viver emfraternidade, desfrutando de iguais di-reitos e oportunidades,

que só um Estado democrático, ba-seado na vontade de todas as pessoas,pode garantir a todos os seus direitos,sem distinçom de cor, raça, sexo oucrença,

e por isso, nós, o povo da África do Sul,negros e brancos juntos e iguais, com-patriotas e irmaos aprovamos estaCarta da liberdade

e comprometemo-nos a luitarmos jun-tos, nom poupando nem força nem co-

ragem, até que as mudanças democrá-ticas aqui definidas foram ganhas.

O povo deve governar!

Todo homem e todamulher tem direitode voto e de elegibilidade a todos os ór-gaos que fam as leis;

Todas as pessoas têm o direito detomar parte na administraçom do país;

Os direitos das pessoas devem ser osmesmos, independentemente de raça,cor ou sexo;

Todos os órgaos de governo de mino-rias, conselhos consultivos, conselhos eautoridades devem ser substituídos porórgaos democráticos de auto-governo.

Todos os grupos nacionais devemter igualdade de direitos!

Deve existir igualdade em todos os ór-gaos do Estado, nos tribunais e nas es-colas de todos os grupos nacionais epovos;

Todas as pessoas devem ter igual di-reito de usar as suas próprias línguas,e desenvolver a sua cultura popular ecostumes;

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Carta da LiberdadeCongresso do Povo

Kliptown, 26 Junho de 1955

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Todos os grupos nacionais devem serprotegidos por lei contra insultos aoseu povo e orgulho nacional;

O discurso e a prática da discrimina-çom de nacionalidade, raça ou cor de-verá ser um crime punível;

Todas as leis e práticas do apartheiddevem ser anuladas.

Opovo deve participar da riquezado País!

A riqueza nacional do nosso país, a he-rança de sul-africanos, será devolvidapara o povo;

A riquezamineral sob o solo, os bancose a indústria de monopólio devem sertransferidos para a propriedade detodo o povo em conjunto;

Toda a indústria e o comércio deve sercontrolado para ajudar o bem-estar dopovo;

Todas as pessoas devem ter iguais di-reitos iguais a comerciarem onde esco-lher, à participaçom e entrada em todosos comércios, ofícios e profissons.

A terra será compartilhada entreaqueles que a trabalham!

As restriçons da propriedade da terraem base racial devem rematar, e toda aterra re-dividida entre aqueles que atrabalham para banir a fame e a famede terras;

O Estado deve ajudar os camponesescom implementos, sementes, tratores eaçudes para salvar o solo e ajudar os la-bregos;

A liberdade de circulaçom deve ser ga-rantida a todos os que trabalham na

terra;

Todos devem ter o direito de ocupar aterra onde quigerem;

O gando das pessoas nom deve ser rou-bado, e devem-se abolir os trabalhosforçados e prisons agrícolas.

Todas as pessoas devem seriguais perante a lei!

Ninguém será preso, deportado ou res-trito, sem um julgamento justo;

Ninguém será condenado por ordemde um funcionário do Governo;

Os tribunais devem ser representativosde todo o povo;

A prisom deve ser apenas para crimesgraves contra as pessoas, e terá por ob-jectivo a re-educaçom, nom a vingança;

A polícia e o exército serám abertos atodos em igualdade de condiçons edevem ser os ajudantes e protetores dopovo;

Todas as leis que discriminam por mo-tivos de raça, cor ou crença devem serrevogadas.

Todos devem gozar de igualdadede Direitos Humanos!

A lei garantirá a todos o direito a falar,a se organizar e reunir, de publicaçom,de expressom, de culto e a educar osseus filhos;

A inviolabilidade do domicílio a regis-tos policiais deve ser protegida por lei;

Todos devem ter a liberdade de viajarsem restriçom do campo para a cidade,de província em província, e da Áfricado Sul ao estrangeiro.

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A promulgaçom de leis, autorizaçons etodas as outras leis que restringemessas liberdades devem ser abolidas.

Deve haver trabalho e segurança!

Todos os que trabalham devem ser li-vres de constituir sindicatos, para ele-ger os seus representantes e realizaremacordos salariais com os empregado-res;

O Estado deve reconhecer o direito edever de todos ao trabalho e desenharcompletas prestaçons de desemprego;

Homens e mulheres de todas as raçasdevem receber salário igual para traba-lho igual;

Haverá umha semana de quarentahoras de trabalho, um salário mínimonacional, férias anuais remuneradas, li-cença médica para todos os trabalha-dores, e licença de maternidade comremuneraçom integral para todas asnais que trabalham;

Mineiros, trabalhadores domésticos,agrícolas e funcionários devem ter osmesmos direitos que todos os outrosque trabalham;

O trabalho infantil, trabalho composto,o sistema tot e o contrato de trabalhopor dias serám suprimidos.

As portas do conhecimento e dacultura devem ser abertas!

O governo deve descobrir, desenvolvere incentivar o talento nacional para oreforço da nossa vida cultural;

Todos os tesouros culturais da huma-nidade estarám abertos a todos me-diante a livre troca de livros, ideias econtato com outras terras;

O objetivo da educaçom é ensinar os jo-vens a amar o seu povo e sua cultura,para honrar a fraternidade humana, aliberdade e a paz;

A educaçom deve ser gratuita, obriga-tória, universal e igual para todas ascrianças, o ensino superior e formaçomtécnica deve ser abertos a todos pormeio de subsídios estatais e bolsas con-cedidas com base no mérito;

O analfabetismo nos adultos deve re-matar mediante um plano de educa-çom massivo do Estado;Os professores devem ter todos os di-reitos dos outros cidadaos;

A segregaçom racial na vida cultural,no desporto e na educaçom deve serabolida.

Deve haver casas, segurança econforto!

Todas as pessoas devem ter o direito deviver onde quiserem, a terem moradiadigna, e criar as suas famílias em con-forto e segurança;

As vivendas nom utilizadas devem sercolocadas à disposiçom do povo;

Aluguer e preços devem ser reduzidos,deve existir comida suficiente e nin-guém deve passar fome;

Deve ser executado um sistema desaúde preventiva polo Estado;

Devem ser fornecidos cuidados médi-cos gratuitos e hospitalizaçom paratodos, com especial cuidado para asnais e crianças pequenas;

As favelas serám demolidas e construí-dos novos bairros em que todos têmtransporte, estradas, iluminaçom, cam-pos de jogos, creches e centros sociais;

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Osmaiores, os orfos, os deficientes e osdoentes devem ter protecçom do Es-tado;

Descanso, lazer e recreio devem ser umdireito de todos:

Devem ser abolidos os lugares cercadose guetos, e as leis que quebram as fa-mílias devem ser revogadas.

Haverá paz e amizade!

África do Sul deve ser um estado total-mente independente, que respeite osdireitos e a soberania de todas as na-çons;

África do Sul deverá se esforçar paramanter a pazmundial e a resoluçom detodos os conflitos internacionais polavia da negociaçom - e nom de guerra;

A paz e amizade entre todos os nossospovos devem ser garantidas mediantea defesa da igualdade de direitos, opor-tunidades e status de todos;

O povo dos protetorados de Basuto-land, Bechuanalándia e Suazilándiadevem ser livres para decidirem por sio seu próprio futuro;

O direito de todos os povos da África àindependência e auto-governo deve serreconhecido, e será a base de umhacooperaçom estreita.

Deixemos todas as pessoas que amam oseu povo e seu país dizer, como dize-mos aqui:

Por estas liberdades imos luitar,lado a lado, toda a nossa vida, atétermos ganhado a nossa liber-dade.

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Unidades do Umkhonto we Sizwe levá-rom hoje a cabo ataques planeadoscontra instalaçons do governo, particu-larmente aquelas relacionadas com apolítica de apartheid e a discriminaçomracial.

Umkhonto we Sizwe é um novo órgaoindependente, formado por africanos,que inclui em suas fileiras os sul-afri-canos de todas as raças. Nom está li-gado de algumha forma com ochamado "Comitê para a LibertaçomNacional", cuja existência foi anun-ciada na imprensa. Umkhonto weSizwe vai continuar a luita pola liber-dade e democracia por meio de novosmétodos, que som necessários paracomplementar as açons das organiza-çons de libertaçom nacional existentes.Umkhonto we Sizwe apoia totalmenteo movimento de libertaçom nacional, eos nossos membros, conjunta e indivi-dualmente, colocam-se sob a orienta-çom política global do movimento.

É, no entanto, sabido que as principaisorganizaçons de libertaçom nacionalno país têm constantemente seguidoumha política de nom-violência. Elesconduzírom-se pacificamente em todosos momentos, independentemente dos

ataques e perseguiçons do governosobre eles, e apesar de todas as tentati-vas do governo para os incitar à violên-cia. Eles figérom tal porque o povoprefere os métodos pacíficos de mu-dança para atingir as suas aspiraçons,sem o sofrimento e a amargura daguerra civil. Mas a paciência do povonom é infinita.

Chega umha hora na vida de qualquernaçom, quando restam apenas duasopçons: render-se ou luitar. Essetempo tem chegado já na África do Sul.Nom nos rendiremos e nom temosoutra opçom mas que respostar portodos osmeios ao nosso alcance em de-fesa de nosso povo, o nosso futuro e anossa liberdade. O governo tem inter-pretado a tranquilidade do movimentocomo fraqueza; as políticas de nom-violência do povo foram tomadas comoumha luz verde para a violência do go-verno. A recusa de recorrer à força foiinterpretado polo governo como umconvite para usar a força militar contrao povo sem medo de represálias. Osmétodos de Umkhonto we Sizwe mar-cam umha ruptura com esse passado.

Emprendemos um novo caminho paraa libertaçom do povo deste país. A po-

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Manifesto do Umkhonto we SizweFolheto emitido polo Comandodo Umkhonto we Sizwe

16 de dezembro de 1961

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lítica do governo de força, de repres-som e violência nom se encontrarám jásó com resistência nom-violenta! A es-colha nom é nossa, tem sido feito pologoverno que sempre rejeitou todas aspacíficas demandas do povo dos seusdireitos e liberdades, e que sempre res-pondeu essas demandas com a força, eainda com mais força! Duas vezes nosúltimos 18 meses a lei marcial foi im-posta a fim de derrubar a greve pacíficae nom violenta do povo em prol dosseus direitos. O governo está agora apreparar as suas forças -ampliando erearmando as suas forças armadas eorganizando a populaçom civil brancaem comandos e bandas armadas- paraaçonsmilitares a grande escala contra opovo. O governo optou polo curso daforça e do massacre agora, deliberada-mente, como o fijo em Sharpeville.

Umkhonto we Sizwe estará na primeiralinha de defensa do povo. Será o braçoarmado do povo contra o governo esuas políticas de opressom racial. Seráa força do povo que golpea pola liber-dade, polos direitos e pola sua liberta-çom final! Deixemos o governo, os seusapoiantes que o colocarom no poder, eaqueles cuja tolerância passiva o man-tém no poder, tomem nota de onde ogoverno está conduzindo o país!

Nós, os do Umkhonto we Sizwe, sem-pre procuramos, como omovimento delibertaçom tem procurado, alcançar alibertaçom sem derramamento de san-gue e choque civil. Fazemo-lo ainda.Esperamos que -mesmo nesta hora tar-dia- que as nossas primeiras acçonslevem a todos ao conhecimento da de-sastrosa situaçom em que a política dogoverno está conduzindo. Esperamosfazer razonar o governo e os seus adep-

tos antes que seja tarde demais, demodo que tanto o governo e suas polí-ticas sejammudadas antes de as cousaschegar ao estado desesperado daguerra civil. Aguardamos que as nossasacçons sejam um golpe contra os pre-parativos do governo para a guerra civile umha ditadura militar.

Com estas acçons, estamos a trabalharno mais alto interesse de todo o povodeste país - preto, mestiço e branco -cuja futura felicidade e bem-estar nompodem ser atingidos sem a caída do go-verno, a aboliçom da supremaciabranca e a conquista da liberdade, dademocracia e de todos os direitos na-cionais e igualdade para todas as pes-soas deste país.

Fazemos um apelo para o apoio e o in-centivo de todos os sul-africanos quebuscam a felicidade e a liberdade dopovo deste país.

Afrika Mayibuye!

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Cartaz do COSATU, ANC e SACP após o massacre de Bisho

Adestramento do Umkhonto we Sizwe

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‘“A conferência concorda com a posi-çom do Congresso Nacional Africano,que declara que o povo da África doSul, como os da Namíbia e Zimbabwe,som os povos colonizados.. A confe-rência ainda apoia a posiçom das Na-çons Unidas que declara o regime dePretória ilegítimo. Ao fazer isso, ob-servamos com satisfaçom que o Con-gresso Nacional Africano, omovimento de vanguarda à frente daampla aliança dos povos indígenas eos outros povos negros oprimidos, in-cluindo os democratas brancos, reco-nhece o feito de que a populaçombranca na África do Sul cortou os laçoscom suas respectivas metrópoles, quereconhecem a África do Sul como suapátria. É por essa razom que a Confe-rência saúda e apoia plenamente a po-siçom do ANC, consagrada na Cartada Liberdade, que declara que a Áfricado Sul pertence a todos os que nelavivem, negros e brancos, e que quenengum governo pode reclamar-sejustamente autoridade a menos quefor baseado na vontade damaioria dopovo.

Declaraçom daConferência deLisboa, março 1977

O Movimento Nacional de Libertaçomde África do Sul, o ANC e seus aliados,caracterizam a formaçom social sul-africana como um sistema de “colonia-lismo interno” ou “colonialismo de tipoespecial”. O que é especial ou diferenteno sistema colonial, tal e como está vi-gente em África do Sul, é que nom háseparaçom espacial entre a potência co-lonizadora (o estado de minoriabranca) e os negros colonizados. Masem todos os aspectos, as característicasdo colonialismo clássico som as quemarcam as relaçons que existem entrea maioria negra e a minoria branca. Ascaracterísticas especiais do colonia-lismo interno na África do Sul tambémsom constituídas polo feito de o Estadobranco sul-africano, o parlamento e ogoverno som juridicamente indepen-dentes de qualquer metrópole e têmumha soberania legalmente conferidapor diferentes leis do governo e estadobritánico.

Estas formalidades jurídicas nomdevem ocultar o conteúdo colonial doestado supremacista branco. A justezadesta posiçom é claramente confir-mada pola evoluçom histórica do Es-tado sul-Africano.

Apartheid em África do Sul:Colonialismo de tipo especialCongresso Nacional Africano

1987

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A Uniom da África do Sul, que come-çou a existir em 31 de maio de 1910 porlei do parlamento británico, sentou asbases do Estado sul-africano como nóso conhecemos. No processo de criaçomda Uniom, a representaçom políticados Povos Africano, Índio e Mestiço,organizada em quatro Congressos pro-vinciais africanos mais a Associaçomde Eleitores Nativos, a OrganizaçomPopular Africana e o Congresso Índiode Natal, exercitárom todos os meioslegais e constitucionais para garanti-rem que a constituiçom da Uniom pro-jetada seria nom-racial e consagrasse ademocracia.

Em 1909, o Dr. Walter Benson Rubu-sana, mais tarde co-fundador do ANC,liderou umha delegaçom de líderes po-líticos africanos e mestiços a Londres,para eliminarem da Constituiçom ascláusulas baseadas na cor, cuja inten-çom era a de excluir os negros sul-afri-canos do corpo político. Numhaentrevista com a imprensa británica,WP Schreiner, o único parlamentarbranco que se associou à nossa causa,descreveu a uniom proposta como “umato de separaçom entre a minoria e amaioria do povo da África do Sul”.

Qual era a essência deste “ato de sepa-raçom”? A Lei de África do Sul, apro-vada polo Parlamento británico emfrente dumha determinada e firmeoposiçom de cada elemento de opiniomnegra na África do Sul, foi um golpe demao político. O seu mandato investia asoberania nacional num estado sul-africano racialmente excluínte, inde-pendente da sede colonial británica,com seus funcionários responsáveis pe-rante os seus próprios funcionários, eresponsáveis perante o seu próprio par-

lamento.

Este foi, no entanto, apenas a aparênciasuperficial. Debaixo e por trás destaaparência de descolonizaçom, um pro-cesso muito mais importante estavaacontecendo, porque a África do Sultambém aboliu a lei dos direitos devoto, que até entom desfrutaram oseleitores negros da Província do Cabo,e relegou-nos para a posiçom demerosvotantes, sem direito a assento no Par-lamento. Afiançava as constituiçons ra-cialmente excluíntes das outras trêscolônias, Estado Livre de Orange,Transvaal e Natal, que nunca tinhamconcedido os negros quaisquer direitospolíticos.

Racismo InstitucionalizadoAssim, África do Sul institucionalizavae legalmente definia os negros sul-afri-canos como umha categoria subordi-nada de pessoas dentro do seu própriopaís, foi umha continuaçom e reforça-mento do nosso status como um povocolonizado. É esse feito essencial emparticular que os africanos nuncadevem permitir que seja escondido portrás da aparente independência jurí-dica da África do Sul.

A evoluçom subsequente da Uniom daÁfrica do Sul, até e incluindo a suatransformaçom em República, con-forma-se e confirma precisamente estepadrom. Aliada e em paralelo a cadafase da adquisiçom de maior autono-mia local por parte do Estado sul-afri-cano, o status colonial do negrossul-africanos foi reforçado.

As decisons e medidas fundamentaisque componhem este processo acham-

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se interligadas e junguidas com as leisde repartiçom da terra e de voto.Assim, a Lei da Uniom de 1910, estabe-lecendo o princípio de racismo comofundamento das leis da África do Sulbranca, levava aparelhada a “Lei daTerra” (Native Land Act) de 1913, queconstitui a base da evidente desigual di-visom do território do nosso país, colo-cando o selo da lei sobre a conquistamilitar e expropriaçom de nosso povo.

O supremacista estado sul-africanobranco adquiriu maior independênciada Gram-Bretanha em termos de esta-tutos de Westminster de 1931. Cincoanos após isto segue-se o segundomaior passo que confirma o nosso es-tatuto colonial, as Leis Hertzog e “Na-tive Land Trust” de 1936. Acorde comestas leis, os africanos foram completa-mente excluídos do direito a voto e atémesmo o voto restringido do que goza-vam no Cabo foi abolido. Em vez dissoos africanos foram relegados a umhalista de votantes comunitária, atravésda qual eles poderiam eleger seis re-presentantes brancos e dois senadoresbrancos para representarem os seus in-teresses no Parlamento sul-africano. A“Native Land Trust” reafirmou os prin-cípios contidos na Lei de Terras de 1913e colocou um limite sobre qualquernova aquisiçom de novas terras para onosso país.

O padrom continua nas décadas de1950 e 1960, durante a qual osmestiçosforam eliminados do direito de voto em1955. A criaçom da República da Áfricado Sul, em 1961, veu com a aboliçommesmo dos representantes brancos“nativos” no parlamento sul-africano.

As ligaçons no tempo, entre a crescenteindependência jurídica da África do Sul

e a consolidaçom da dominaçom colo-nial sobre a maioria negra nom é nemacidental nem fortuita. Supremaciabranca, domínio branco, apartheid, de-senvolvimento separado -ou qualqueroutro nome elegante que os círculos ra-cistas dominantes escolherem parachamá-lo- é a negaçom absoluta da in-dependência e do princípio da autode-terminaçom nacional.

O colonialismo nom émonolítico. Den-tro do continente africano e em parti-cular no sul de África, temosexperimentado historicamente diferen-tes formas de dominaçom colonial que,apesar de ter umha multiplicidade deformas, compartilhavam umha carac-terística central - a negaçom ao povoAfricano dos seus direitos de autode-terminaçom nacional. As formas sob asquais os regimes coloniais implemen-tárom esta política som quase tam nu-merosas como países há na regiomsul-africana.

No que diz respeito a Moçambique eAngola, por exemplo, os colonialistasportugueses afirmarom que o seu nomera um império colonial, mas sim umestado nacional composto por solo eu-ropeu bem como províncias ultramari-nas, localizadas na África e na Ásia.Ninguém, exceito os mais abjetos apo-logistas do colonialismo português,fôrom enganados por esse sofisma ju-rídico. África e o mundo corretamenteinsistírom em que a essência da opres-som colonial nom deve ser coberta comelaboradas justificaçons jurídicas.

No caso da Namíbia, temos ainda outravariaçom sobre o mesmo tema. AÁfrica do Sul racista transformou o paísdum protetorado da comunidade inter-nacional na sua própria colônia. O

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poder colonial estava, neste caso,agindo nom apenas contra a exigênciaexpressa do povo colonizado, mas tam-bém em desafio aberto à opiniommun-dial representada polas NaçonsUnidas.

O outro exemplo foi o da ex-colôniabritánica da Rodésia. Aqui, a minoriabranca racista ilegalmente tomara opoder do Estado colonial através daUDI (Declaraçom Unilateral de Inde-pendência), criando a ficçom jurídicadumha “Rodésia” independente. Estaacçom unilateral, nom alterou em qual-quer aspecto a verdade fundamentalque a Rodésia era umha colônia, cujopovo estava sendo privado dos seus di-reitos legítimos à autodeterminaçomatravés desta estratagema ilegal.

Em muitos dos aspectos a Uniom daÁfrica do Sul em 1910 poderia ser ca-racterizada como a UDI, com o consen-timento do poder colonial. Mas o feitode esta conivência nom altera de formaalgumha a questom central, que é a ne-gaçom da auto-determinaçom para amaioria negra.

A luita sul-africana é umhaluita anti-colonialista deLibertaçom NacionalDecorrente da presente análise do es-tado racista de Africa do Sul como umestado essencialmente colonial, a luitasul-africana é um luita anti-colonialistade libertaçom nacional. Ela pode diver-gir na forma das luitas travadas em ou-tros países africanos, mas em seuconteúdo tem as mesmas aspiraçons .

A forma diferente da luita anti-colonialda África do Sul é derivada do território

ocupado ser partilhado ao mesmotempo polo colonizado e polo coloniza-dor. Por conseguinte os mecanismosinstitucionais em que a maioria negraé oprimida colonialmente também sominternos aos organismos político sul-africanos, e nom localizados para alémdas suas fronteiras. Isto explica por quecentramos grande parte do nosso pro-grama político na adquisiçom de direi-tos políticos pola maioria negra.

Umha análise cuidadosa da luita dosoutros povos coloniais, no entanto, lan-çaria luz sobre o essencial, mais do queo acidental, as características do casosul-africano.

A luita de libertaçom anti-colonialcentra-se na procura de autodetermi-naçom nacional ou soberania nacio-nal, que se encarna em instituiçons desoberania popular. Na maioria das lui-tas de libertaçom colonial, o meioatravés do qual esse objectivo foi al-cançado é a aboliçom do estado colo-nial e a transferência de poder paraum governo nacional eleito por sufrá-gio popular. As modalidades institu-cionalizadas polas quais a soberanianacional é garantida, nom é, de nen-gumha maneira, a essência da luita.Som criaçons acidentais que em mui-tos casos foram alteradas, adaptadas eaté mesmo abolidas sem de forma al-gumha prejudicar o logro central, asaber - a soberania nacional.

Da mesma forma, no caso da África doSul, o foco deve colocar-se na questomcentral e nom no acessório. Por muitoque o antidemocrático e colonial estadode minoria branca ocupe o mesmo ter-ritório que o povo que domina, nompode haver nengumha dúvida de entre-gar o poder dum estado colonial de

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base externa e os seus agentes a um go-verno nacional localizado interna-mente. A luita do povo sul-Africanotem sido, portanto, centrada na su-pressom do estado branco colonial e nacriaçom em seu lugar de um estado de-mocrático, baseado no princípio dogoverno da maioria.

Devido às circunstâncias especiais naÁfrica do Sul, as modalidades constitu-cionais através da quais isto pode serrealizado necessariamente implicam aadquisiçom de direitos políticos polamaioria negra, isto é, a aboliçom domonopólio do poder político polosbrancos. Esse monopólio é efetiva-mente mantido tanto com o sistema debantustons como com o sistema parla-mentar tri-racial.

AutodeterminaçomnacionalO que precisa ser ressaltado aqui é quea autodeterminaçom nacional, comoem todas as luitas de libertaçom nacio-nal, é a questom decisiva. Esta será ga-rantida através do quadro institucionalde sufrágio adulto completo e liberda-des civís plenas dentro dum estadonom-racial. O governo da maiorianegra é, portanto, meramente a formaatravés da qual os oprimidos, os povoscolonizados da África do Sul, vam con-seguir o conteúdo de sua luita pola au-todeterminaçom nacional.

A experiência histórica da luita de li-bertaçom sul-africana tem, ao mesmotempo, demonstrado que as institui-çons de opressom e dominaçom colo-nial nacional estám ligadas a, ederivadas de, o regime económico par-ticular que impera em nosso país.

É um feito histórico que o povo Afri-cano fora despojado de suas terras comespada e fogo em 200 anos de guerrasde conquista. Que sobre as cinzas dassociedades Africanas destruídas noprocesso, foi construído um capita-lismo prosperante, baseado naminaria,na agricultura comercial e da indústriasecundária, dominada e controladapola classe proprietária, proveniente daminoria branca.

As instituiçons, leis e práticas do apart-heid som basicamente dispositivosextra-econômicos elaborados para ga-rantir os processos de acumulaçom decapital através da manutençom damaioria negra como umha fonte facil-mente explorável de força de trabalhobarata. Devido à total interpenetraçomde opressom racial e da exploraçom ca-pitalista, a luita sul-Africana tambémtem necessariamente umha dimensomde classe.

A questom nacional na África do Sultem sido caracterizada como umhaquestom da terra. Esta formulaçomilustra e sublinha a injustiça históricada espoliaçom do povo de sua terra. Aconquista é o alicerce sobre o qual a do-minaçom colonial foi construída. Paracorrigir esta injustiça histórica exigeque, como parte de seu programa ime-diato, o movimento de libertaçom na-cional tome as terras de seusproprietários atuais e as reponha aosseus despossuídos e explorados cam-poneses negros.

É por isso que o ANC sempre conside-rou as duas cláusulas econômicas daCarta da Liberdade: “O povo deveparticipar da riqueza do País!” e“A terra será compartilhadaentre aqueles que a trabalham!”

[nacionalismo e esquerda no mundo]

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24 ser o mesmo cerne de seu programa.Estas cláusulas prevêem o controlo debens económicos actualmente detidose controlados quer polos capitalistasindividuais quer por empresas capita-listas dirigidas exclusivamente polami-noria branca ou por corporaçonstransnacionais.

A experiência da luita de libertaçomnacional sul-africana, portanto, é a de-monstraçom de que é impossível sepa-rar estes aspectos interconectados daluita de libertaçom nacional.

Devido ao exposto, e apesar de as carac-terísticas específicas que definem a luitasul-africana para além das outras, emessência, a luita do povo sul-africanosestá intimamente ligada e é parte inte-grante da luita para libertar o continenteafricano do colonialismo e racismo.

Desde seu início o ANC, os seus líderese os seus militantes tenhem concebidoo movimento de libertaçom tendo di-mensons continentais. Mesmo antes dacriaçom da OUA, os movimentos de li-bertaçom do nosso continente, e os Es-tados independentes que emergiram danossa luita comum, aceitaram comoumha obrigaçommoral coletiva o deverde apoiar e ajudar, no que for possível,

a luita para libertar o continente dos úl-timos vestígios do colonialismo espe-cialmente enraizados na África Austral.É umha verdade universalmente reco-nhecida que o “Front Line States” e oLesoto têm suportado o peso do com-promisso da África para a libertaçomda regiom. Foi no fim de reforçar a so-lidariedade que o conceito da “FrontLine States” surgiu.

Nos últimos vinte anos, todos nós naÁfrica Austral temos paciência e obsti-nadamente mantido o sacrifíciocomum que a causa da libertaçom afri-cana exigiu de nós. Foi umha opçomque escolhemos em conjunto, no plenoconhecimento de que isso implicariagraves e até mortais perigos. Gostaría-mos, porém, remarcar que, apesar doelevado preço que todos fomos chama-dos a pagar, este nom foi um erro, e éumha decisom que honra a África e osseus povos, especialmente os da ÁfricaAustral.

Desde 1912, nós os da ANC temo-nosconsiderado a nós mesmos e ao frater-nal povo da África como parceiros emumha gloriosa, única empresa: a liber-taçom do nosso continente da domina-çom colonial e a servidom.

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