Manfredo de Souzanetto Texto Critico

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Texto Critico

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  • Dois mundos e um sem-fim

    As pinturas de Manfredo de Souzanetto reunidas nesta exposio sintetizam uma das

    caractersticas pelas quais sua obra se tem singularizado na arte brasileira. So exemplos de uma

    das faces divisadas por um litoral cuja manifestao mais clara se d por meio de linhas sinuosas,

    espreita de um vio que se avoluma ao ser extrado seja da cor, seja do desenho que insinuam no

    espao. O litoral a que me refiro demarca a indistino entre o que se mantm pictrico e o que se

    faz escultrico, no sentido de sugerir ao olhar proximidade ou distncia. O vio, o que faz correr os

    olhos; mergulho (profundidade) ou passeio (superfcie) na convivncia fluentemente estruturada

    entre planos e a sugesto de volumes.

    Nos anos 1980, a ruptura da ortogonalidade comumente empregada nos chassis pela srie

    de pinturas intituladas Forquilhas proporciona investigao cromtica do artista, apoiada no uso

    de pigmentos naturais, a abertura de uma frente que ele percorre desde ento. Nos anos

    seguintes, a predominncia dos trs ngulos agudos nessas pinturas d lugar a novas combinaes,

    em que se observam trs solues, por vezes presentes em um mesmo trabalho: o surgimento de

    losangos e de estruturas poligonais, vazadas ou no; a demarcao de campos de cor por meio de

    linhas retas na tela de juta; e a rotao de um quarto de volta do eixo de apoio da obra sobre a

    parede, trazendo consigo uma bifurcao da pintura, que passa a ter dois lados diferentes. Em

    seguida, j no fim dos anos 1980, germina a ideia de que o chassi, entendido como o suporte no

    qual a pintura se efetiva, traduza a instabilidade do trao mo livre e, assim, comece a se curvar

    ante as dobras, os labirintos e as espirais do mundo. Ao mesmo tempo, as linhas de cor, em vez de

    seccionar a superfcie, tornam-se desenho a acompanhar e dialogar com as formas alcanadas pelo

    chassi e a tela, por vezes substitudos por papel artesanal.

    Duas transformaes acolhem as passagens efetuadas por Manfredo nas duas dcadas

    seguintes. A primeira delas, entremeada sua residncia na cole Nationale Suprieure dArt

    Limoges-Aubusson e ao trabalho com porcelana, desemboca nas obras chamadas de

    Organomtricos, que retomam a pesquisa cromtica, aplicando-a sobre a composio de volumes

    irregulares construdos com madeira. A segunda, em sentido amplo, extrai as linhas das pinturas

    feitas sobre as telas curvas e as solta no espao, tornando-as esculturas e deixando sombra o

    colorido terreno, em prol da transcendncia formal. A paisagem retratada nos desenhos dos anos

    1970, quase sempre verses da deformao das montanhas de Minas Gerais, em decorrncia da

  • explorao do minrio de ferro, converte-se em um exerccio tanto de leveza e esforo quanto de

    resistncia e elevao, pelo qual o artista enlaa o espao de sua criao indeterminao do

    ambiente. Mesmo quando coladas parede, essas esculturas visualmente lineares pem a oscilar o

    desacerto descortinado a cada novo horizonte sensvel, ou seja, ao limite entre provaes terrenas

    e anseios celestes.

    Alguns anos aps terem sido riscadas no espao, tais linhas de madeira, moldadas por uma

    sucesso de cortes e o revestimento de folhas de cobre ou plexiglass, retrovertem para a

    linguagem pictrica, deitando-se sobre pequenas telas quadradas de linho, agrupadas na srie que

    comps, com poemas de Jlio Castaon Guimares, o livro Do que ainda segmentos, publicado em

    2009. Em outros termos, desviam sua suspenso para o plano, redesenhando o litoral que serpeia a

    interseo (corte e simultaneidade) entre pintura e escultura na obra do artista.

    Testemunha-se aqui, portanto, o segundo momento do novo limiar estabelecido por

    Manfredo de Souzanetto. Em telas outra vez ortogonais, expem-se cores e desenho, mas tambm

    superposies e contrastes, plasmando o incorpreo nascido dos pigmentos utilizados pelo artista.

    Esto, certo, mais de um lado do que de outro do litoral em que insisto, porm carregam

    entoadamente, a cada abrir e fechar de olhos, os sedimentos nos quais se encanta o que a arte nos

    faz ser.

    Junho de 2010

    Luiz Eduardo Meira de Vasconcellos