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XIII Coloquio Internacional de Geocrítica El control del espacio y los espacios de control Barcelona, 5-10 de mayo de 2014 MANIFESTAÇÕES POPULARES NO BRASIL ATUAL: SOCIEDADE CIVIL EM REDE E REIVINDICAÇÕES SOBRE O PODER POLÍTICO Antoni Francesc Tulla i Pujol Universitat Autònoma de Barcelona Fernando Goulart Rocha Instituto Federal de Santa Catarina Fernando dos Santos Sampaio Universidade Estadual do Oeste do Paraná Manifestações populares no Brasil atual: sociedade civil em rede e reivindicações sobre o poder político (Resumo) O Brasil assistiu entre os meses de junho e julho de 2013 a uma sequência de manifestações desencadeadas a partir dos protestos contrários ao aumento da tarifa de transporte coletivo na cidade de São Paulo. As manifestações, mobilizadas por meio das mídias sociais, em pouco tempo proliferaram-se pelo país e a problemática do transporte público urbano foi somada a uma série de outras pautas de reivindicação. Entretanto, semanas depois de seu início, as manifestações transitaram da insatisfação política a um espetáculo de mídia e revelaram demandas da sociedade brasileira frente aos poderes de Estado no contexto da composição e de luta de classes no atual cenário social e econômico do país. Palavras-chave: Brasil, Estado, manifestações, poder, classes sociais. Popular demonstrations in contemporary Brazil: civil society networks and demands on government (Abstract) During June and July 2013 Brazil witnessed a series of mass demonstrations triggered by protests against public transport fare increases in the city of Sao Paulo. These demonstrations, mobilized through the social networks, quickly spread throughout the country, adding a whole range of further popular demands to the problem of public transport. However, after a few weeks the demonstrations, from being expressions of political dissatisfaction, turned into a media spectacle; while at the same time laying bare Brazilian society’s demands towards the

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    MANIFESTAES POPULARES NO BRASIL ATUAL: SOCIEDADE CIVIL EM REDE E REIVINDICAES SOBRE O

    PODER POLTICO

    Antoni Francesc Tulla i Pujol Universitat Autnoma de Barcelona

    Fernando Goulart Rocha Instituto Federal de Santa Catarina

    Fernando dos Santos Sampaio Universidade Estadual do Oeste do Paran

    Manifestaes populares no Brasil atual: sociedade civil em rede e reivindicaes sobre o poder poltico (Resumo)

    O Brasil assistiu entre os meses de junho e julho de 2013 a uma sequncia de manifestaes desencadeadas a partir dos protestos contrrios ao aumento da tarifa de transporte coletivo na cidade de So Paulo. As manifestaes, mobilizadas por meio das mdias sociais, em pouco tempo proliferaram-se pelo pas e a problemtica do transporte pblico urbano foi somada a uma srie de outras pautas de reivindicao. Entretanto, semanas depois de seu incio, as manifestaes transitaram da insatisfao poltica a um espetculo de mdia e revelaram demandas da sociedade brasileira frente aos poderes de Estado no contexto da composio e de luta de classes no atual cenrio social e econmico do pas.

    Palavras-chave: Brasil, Estado, manifestaes, poder, classes sociais.

    Popular demonstrations in contemporary Brazil: civil society networks and demands on government (Abstract)

    During June and July 2013 Brazil witnessed a series of mass demonstrations triggered by protests against public transport fare increases in the city of Sao Paulo. These demonstrations, mobilized through the social networks, quickly spread throughout the country, adding a whole range of further popular demands to the problem of public transport. However, after a few weeks the demonstrations, from being expressions of political dissatisfaction, turned into a media spectacle; while at the same time laying bare Brazilian societys demands towards the

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    state in the context of the countrys class structure and struggle in the current social and economic setting.

    Keywords: Brazil, state, demonstrations, power, social classes.

    O espetculo apresenta-se como algo grandioso, positivo, indiscutvel e inacessvel. Sua nica mensagem o que aparece bom, o que bom aparece. A atitude que ele exige por princpio aquela aceitao passiva que, na verdade, ele j obteve na medida em que aparece sem rplica, pelo seu monoplio da aparncia1.

    O Brasil assistiu em 2013 a uma sequncia de manifestaes populares desencadeadas pelo aumento da tarifa de transporte coletivo na cidade de So Paulo. O aumento da tarifa produziu a primeira onda de protestos mobilizada pelo Movimento Passe Livre (MPL), organizao social que exige melhorias e gratuidade do transporte pblico no pas. Estruturado em 2005, o MPL tem como pauta principal de reivindicao a qualidade do servio de transporte pblico oferecido aos trabalhadores urbanos, embora atue tambm em outras frentes de discusso relacionadas ao planejamento e interveno poltica sobre a cidade. Segundo a carta de princpios divulgada pelo prprio MPL, trata-se de um movimento horizontal, autnomo, independente e apartidrio, mas no antipartidrio, sustentado pela fora das ruas2.

    Sediado em diferentes metrpoles brasileiras, onde a questo do transporte pblico possui problemas comuns associados infraestrutura e celeridade, o MPL esteve ativamente envolvido com os protestos em So Paulo. A maior cidade brasileira, com mais de 11 milhes de habitantes3, foi o estopim da maior sequncia de manifestaes da sociedade civil nacional mobilizada em torno das questes da mobilidade urbana, em particular da relao desarmnica entre a qualidade do servio oferecido pelas concessionrias de transporte pblico e o custo das tarifas.

    O protagonismo de So Paulo pode ser compreendido pela magnitude da crise de mobilidade em uma cidade que concentra 8,6% da frota nacional de veculos automotores, com mais de sete milhes de unidades, sendo 71% automveis4, resultando em um trnsito severamente congestionado. Cabe ressaltar que, em 1997, a mdia de quilmetros de congestionamento medidos pela Companhia de Engenharia de Trfego (CET) no sistema virio principal da cidade passou de 40 km, na hora de pico da tarde, para 120 km5.

    Entretanto, segundo Scaringella6, a crise de mobilidade em So Paulo envolve considerar, alm do excesso de automveis, a interconexo entre o uso e a ocupao do solo urbano, o intercmbio entre os sistemas de transporte e a infraestrutura viria, e a 1 Debord, 1997. 2 Movimento Passe Livre, 2014. 3 IBGE, 2014. 4 Denatran, 2014. 5 Scaringella, 2001, p. 55. 6 Scaringella, 2001.

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    interao entre fator humano, veculo, via pblica e meio ambiente. A partir desses tpicos constata-se que a crise da mobilidade paulistana decorrente da falta de um planejamento urbano integrado que perceba o caos do sistema virio como uma crise da forma de ocupao urbana, da ausncia parcial do Estado na gesto do uso do solo e da desconsiderao dos motivos que levam diariamente as pessoas a se deslocarem na metrpole. Conforme o autor, sabe-se at pela simples observao visual que a habitao cresce em direo do extremo leste da cidade e o trabalho avana no quadrante sudoeste. O resultado? Mais viagens, maiores distncias percorridas e mais congestionamentos7.

    Na mesma direo, para Chau8, a exploso no uso do automvel individual, a expanso dos grandes condomnios e o aumento da excluso social - devido ao crescimento das periferias carentes - so ingredientes do inferno urbano da metrpole paulista. Quanto ao transporte coletivo, a m conservao e insuficincia de trens para atender aos usurios, aliada existncia de um cartel que controla a revelia o transporte de nibus, repercutem nas revoltas populares que de tempo em tempo so registradas em funo das pssimas condies na prestao de um servio pblico essencial9.

    Assim, pelo fato de ser notcia recorrente, o destaque dado s manifestaes contra o aumento da tarifa em So Paulo no se deveu ao ineditismo das reivindicaes populares pelo transporte pblico de qualidade e a preo justo na cidade. A condio extraordinria se deveu dimenso que o evento assumiu. Iniciada como manifestao local avessa ao acrscimo de R$ 0,20 (vinte centavos de real) no preo do bilhete de nibus e de metr, os protestos prontamente incorporaram novas bandeiras e se proliferaram pelo pas. Em pouco tempo, a problemtica do transporte pblico urbano foi somada a uma srie de reivindicaes dirigidas aos poderes de Estado, as quais exigiam, entre outras medidas, o aperfeioamento no funcionamento do aparelho estatal a fim de atender aos anseios atuais da sociedade brasileira. Entre essas medidas estavam: a melhor sintonia entre as propostas legislativas e os interesses coletivos; a maior eficincia do judicirio na punio de casos de corrupo e desvios de conduta de polticos e agentes pblicos; a maior transparncia na aplicao de recursos pblicos pelo governo, e a prioridade de investimentos pblicos em setores de atendimento populao educao, sade, segurana - em detrimento do investimento em obras para a realizao da Copa do Mundo de Futebol de 2014 e das Olimpadas de 2016.

    Na rpida expanso das manifestaes, as mdias sociais ocuparam papel central na mobilizao popular em larga escala. Por meio dela, no segundo protesto, no dia 06 de junho, foram reunidos pelo menos dois mil manifestantes contrrios ao aumento da tarifa de transporte na capital paulista10. No final daquele mesmo ms, mais de um milho de pessoas tomaram as ruas do pas em mais de trs centenas de cidades. Dessa maneira, pela primeira vez o uso das mdias sociais como estratgia de aglomerao mostrou-se capaz de agrupar uma parte da populao brasileira descontente com algum aspecto da estrutura de poder vigente, revelando uma etapa distinta de atuao da

    7 Scaringella, 2001, p. 55. 8 Chau, 2013. 9 Chau, 2013. 10 Estado. Estimativa do nmero de manifestantes em So Paulo desde o incio dos protestos [em linha]. 18 de junho de 2013.

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    sociedade civil pautada no uso dos meios informacionais e de comunicao digital como mecanismos de organizao coletiva11.

    Em termos histricos, a principal diferena dessa estratgia de aglomerao deveu-se ao fato de que at ento os movimentos contestatrios do poder no Brasil, quando mobilizados, estiveram reunidos sob a tutela de algum grupo ou entidade poltica. Convm recordar que as agremiaes partidrias, sindicais e comunitrias capitanearam as manifestaes das ltimas dcadas, entre elas em favor das eleies diretas durante os anos 80, ou pelo impeachment do ex-presidente Collor no incio dos anos 90. Entretanto, diferente desses episdios, os protestos de 2013 no estiveram objetivamente aglutinados sob a bandeira de partidos polticos. Ao contrrio, em levantamento realizado pelo Instituto Datafolha, 84% dos que participaram dos atos de junho e julho afirmaram no ter preferncia partidria12. Ademais, os partidos polticos, entre eles os de esquerda, foram extremamente rechaados durante as manifestaes13.

    A ausncia de lideranas de movimentos sociais ou agremiaes partidrias na orquestrao dos protestos explica, em parte, a agenda pulverizada dos pleitos que caracterizaram as manifestaes seguintes s de luta pela reduo do valor da tarifa de transporte em So Paulo. De maneira geral, esses pleitos estiveram concentrados na exposio de temas centrais da cena poltica do pas naquele momento: o julgamento de polticos e ex-ministros de Estado por corrupo; os trabalhos da Comisso de Direitos Humanos da Cmara dos Deputados e a Proposta da Cura Gay, um projeto de lei que pretendia autorizar psiclogos a oferecer tratamento para a homossexualidade [sic]; o debate sobre os recursos pblicos aplicados em obras a fim de viabilizar a ocorrncia de megaeventos esportivos no pas nos prximos dois anos, alm do Projeto de Emenda Complementar Trinta e Sete (PEC37), a qual pretendia desautorizar o Ministrio Pblico a realizar investigaes criminais.

    Diante tal cenrio, o artigo pretende analisar o teor das manifestaes populares presenciadas no primeiro semestre de 2013 no Brasil e avaliar as caractersticas desses eventos diante da mobilizao das massas por meio das mdias sociais. Alm disso, procura elencar as circunstncias motivadoras e avanar teoricamente na significao dos protestos. Metodologicamente, com o propsito de compor um quadro cronolgico desses fenmenos, realizou-se levantamento de reportagens de mdia eletrnica e impressa sobre os episdios ocorridos entre os meses de junho e julho do referido ano. Para a anlise, foram recuperados estudos que tratam do tema sobre os seguintes enfoques: manifestaes populares; organizao da sociedade civil; poder e poltica no Brasil atual.

    Protestos: forma e dimenso

    Durante os meses de junho e julho de 2013, o Brasil presenciou a uma sequncia de manifestaes em 354 cidades do pas14. Iniciados pela insatisfao dos usurios de

    11 Santos, 1996; Castells, 1999; 2012. 12 Folha de So Paulo. Em protesto de So Paulo, maioria no tem partido, diz Datafolha [em linha]. So Paulo, 12 de junho de 2013. 13 CBN/RIO. Manifestantes com bandeiras de partidos so hostilizados no centro do Rio [em linha]. Rio de Janeiro, 20 de junho 2013. 14 Alves, 2013.

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    transporte coletivo em So Paulo e capitaneados pelo Movimento Passe Livre, os protestos rapidamente se disseminaram pelo territrio nacional e foram acompanhados pela imprensa nacional e internacional.

    Em termos cronolgicos, o dia trs de junho foi o marco provvel do estopim dos protestos, data em que um grupo de moradores da Zona Sul de So Paulo sai em marcha contra o aumento da tarifa de transporte pblico urbano. Durante a passeata, a polcia militar da capital acionada, mas o evento ocorre de maneira pacfica. Trs dias depois, os protestos contra o preo da tarifa ganham fora e passam a reunir mais de duas mil pessoas, alcanando o centro da cidade e a Avenida Paulista. Nesse dia aconteceu o primeiro embate entre a polcia militar e os integrantes, sendo detidas quinze pessoas. No dia seguinte, aconteceu novo protesto, com cerca de dois mil manifestantes, e cresceu o contingente policial de represso, que passou de 40 do dia anterior para cerca de 350. No dia 11, uma nova manifestao tomou as ruas da capital paulista e 20 manifestantes foram detidos.

    A passeata do dia 13 de junho foi, entretanto, a de maior envergadura em termos de represso policial, sendo utilizadas balas de borracha e gs lacrimogneo no confronto entre tropas militares e manifestantes. Nesse dia ocorreu a deteno de mais de duzentas pessoas, entre os quais estudantes, jornalistas, fotgrafos e cinegrafistas. Diante do embate violento entre a polcia e os manifestantes, e a repercusso negativa do episdio nos diferentes meios de comunicao, acontece ainda no dia 13 o primeiro desdobramento poltico resultante dos protestos: o pronunciamento do prefeito de So Paulo, Fernando Haddad, posicionando-se contra o uso da fora policial na represso aos protestos e o anncio do recuo no aumento do preo da tarifa de transporte na capital do Estado.

    Nesse momento, porm, dada a repercusso das manifestaes paulistas, uma srie de eventos equivalentes se proliferaram pelo pas. Igualmente motivados pelo do preo da tarifa e das condies precrias do transporte pblico, no dia 17 de junho so registrados protestos em pelos menos 28 cidades de 12 Estados da federao. Os maiores protestos ocorrem em So Paulo, onde se calculou a participao de aproximadamente 65 mil manifestantes, e no Rio de Janeiro, com cerca de 100 mil. Por sua vez, Vitria, Belo Horizonte, Porto Alegre e Curitiba reuniram em torno de 60 mil participantes. Na capital federal, passeatas tomaram as ruas da cidade e os manifestantes chegam a ocupar a cobertura do Congresso Nacional15. Pela dimenso dos atos e o nmero de manifestantes, a presidente Dilma Rousseff fez nesse dia uma primeira avaliao dos protestos afirmando que as manifestaes pacficas so legtimas e [que] so prprias da democracia, [pois ] prprio dos jovens se manifestarem16.

    A disperso geogrfica dos protestos do dia 17 de junho um dos marcos da primeira onda de protestos articulados pelas mdias sociais em larga escala no pas. A articulao para os eventos por tal meio pode ser explicada pela caracterstica fundamental desse tipo de mdia: permitir aos usurios atuarem como ns ativos da rede, divulgar informaes entre seus pares e influenciar comportamentos dos demais membros em 15 Zero Hora. Manifestantes tomam cobertura do congresso nacional [em linha]. Porto Alegre, 18 de junho de 2013. 16 Planalto Nacional. Dilma: manifestaes pacficas so legtimas e prprias da democracia. Secretaria de Comunicao Social da Presidncia da Repblica. Braslia, 17 de junho de 2013.

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    favor de uma ideia17. A difuso de uma ideia, quando bem articulada atravs dos ramos de interconexo entre os membros da rede, finalmente capaz de acionar indivduos em favor de uma causa.

    Para Castells18, a mobilizao da sociedade civil atravs das mdias sociais constitui-se estratgia atual de aglomerao das massas impulsionada por indivduos que utilizam os meios de comunicao digital para manifestar-se publicamente. Segundo o autor, esses meios de comunicao desempenham papel fundamental no exerccio do contrapoder, pois oferecem a possibilidade de operar e coordenar as aes de forma amplamente desimpedida19. Nesse contexto, os episdios ocorridos recentemente no Brasil, no Mundo rabe (Tunsia e Egito); na Espanha20 e nos Estados Unidos21; so exemplos recentes da capacidade de mobilizao atravs das mdias sociais e tm em comum a emergncia de resistncias ao poder construdo em torno do Estado. Alm disso, apesar de terem motivos diferentes, coincidem por ignorar partidos polticos, desconfiaram da mdia, no reconheceram nenhuma liderana e rejeitaram toda organizao formal22.

    No pas, de acordo com Viana23, o protagonismo ocupado pelas mdias sociais como forma de articulao da massa pode ser explicado ainda pelo escasso envolvimento da sociedade com agremiaes como sindicatos, clubes e partidos polticos. Para o autor, essas instituies, historicamente engajadas com a organizao dos movimentos sociais, no possuem hoje um trabalho de consolidao ou nucleao. Da mesma maneira, entidades representativas e com alguma insero nos fruns de poder, como a igreja catlica, que cumpriam funo importante de organizao comunitria, ocupam atualmente papel secundrio.

    Atravs da mobilizao atravs das mdias sociais e da cobertura jornalstica, os atos pblicos ganharam visibilidade e ampliou-se o nimo dos participantes para novas manifestaes. No dia 18 de junho, cerca de 240 mil participaram dos protestos, data em que a presidente Dilma Rousseff24 pronunciou-se de maneira mais contundente na anlise dos eventos, asseverando que o Brasil havia acordado mais forte e que o governo federal ouviria as vozes da rua. Alm disso, a presidente voltou a ressaltar o carter democrtico das manifestaes e a condenao dos atos de violncia.25 No dia 19 de junho houve manifestaes em 29 cidades de 13 unidades da federao; no dia seguinte esse nmero chega a 139 de todos os estados e no Distrito Federal, com mais de um milho de participantes.

    O dia 20 de junho marca, porm, a incorporao de novas bandeiras s manifestaes e a primeira ruptura na pauta dos protestos. Contemporneas ao incio das competies da

    17 Aguiar, 2007. 18 Castells, 2012. 19 Castells, 2012, p. 19. 20 Liderados pelo 15-M. 21 Organizados pelo OWC (Occupy Wall Street). 22 Castells, 2012. 23 Viana, 2013. 24 Planalto Nacional. Discurso da presidente da repblica, Dilma Rousseff, durante a cerimnia de lanamento do Marco Regulatrio da Minerao. Secretaria de Comunicao Social da Presidncia da Repblica: Discursos. Braslia, de 18 de junho de 2013(a). 25 Borba, 2013.

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    Copa das Confederaes, torneio-teste realizado pela FIFA26 um ano antes no pas sede da Copa do Mundo, as manifestaes da segunda quinzena de junho passaram a ecoar a oposio aos investimentos pblicos com a realizao do evento. Para tanto, grupos contrrios recepo dos megaeventos esportivos no Brasil rapidamente recrutaram adeptos e ganharam fora. Tais grupos, articulados atravs de comits populares da Copa do Mundo, passam a fazer uso das mdias sociais para disseminar informaes a respeito da dimenso elitista dos megaeventos e denunciar os supostos desmandos polticos e gastos pblicos a fim de viabiliz-los. Nesse sentido, mesmo havendo uma divulgao por parte do governo e de setores da mdia mostrando ser pequena a participao direta do governo federal nos gastos com a construo de estdios, a imagem dos estdios padro FIFA em comparao com as ms condies de escolas e hospitais, tornou essa uma bandeira de fcil aceitao para grande parte da populao.

    Um dos principais grupos de articulao do movimento contestatrio aos recursos financeiros aplicados pelo Estado na hospedagem de megaeventos esportivos apresenta seu manifesto atravs do Portal Popular da Copa e das Olimpadas. Nesse portal esto listados os temas que motivam a discusso sobre os impactos dos megaeventos nas cidades receptoras: remoo e despejos de moradores, precarizao das condies de trabalho dos operrios nas obras, discriminao e segregao social, mercantilizao da cidade, autoritarismo, ameaa soberania nacional etc27. Para as lideranas do movimento, a discusso dos megaeventos est relacionada ainda s conseqncias das intervenes urbanas decorrente das instalaes fsicas para recepo das competies, as quais tm demonstrado a prioridade do Estado no atendimento do interesse privado em detrimento da coisa pblica.

    Ao longo das semanas de protestos durante a Copa das Confederaes, os grupos de resistncia realizao da Copa do Mundo mostraram-se diferenciados em relao s estratgias de atuao, dividindo-se entre os que promoviam protestos pacficos e os que agiam de forma violenta. Segundo Cambricoli28, esses grupos distintos se reuniram em torno da bandeira se no tiver direitos no vai ter copa e compuseram uma massa de militantes, de profissionais da rea da sade hackerativistas29.

    Entre os que agiam com uso da fora, destacaram-se os integrantes do movimento Black Blocs: uma ttica de ao coletiva em que os manifestantes usam vestimentas e mscaras negras a fim de formar um contingente annimo e, dessa maneira, poder suportar a represso policial. Dupuis-Deri30 esclarece que o Black Bloc, expresso cunhada pela polcia alem na dcada de 80, constitui um movimento de crtica ao capitalismo e ao Estado liberal e caracteriza-se por empregar a fora como um recurso de protesto de maneira no exclusiva. Os atos violentos acontecem somente em situaes especficas e so dirigidas principalmente s foras de segurana e s instituies financeiras31.

    26 Federao Internacional de Futebol. 27 Portal Popular da Copa, 2013. 28 Cambricoli, 2014. 29 Especialistas em invadir pginas da internet e publicar contedos em prol das causas que defendem. 30 Depuis-Deri, 2003. 31 Depuis-Deri, 2003; Montenegro, 2013.

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    Contudo, no Brasil, o uso da luta violncia como forma de desestabilizar o aparelho governamental foi condenado por 93% dos manifestantes32, o que revela a preferncia da maior parte dos participantes aos mtodos inspirados nas revolues coloridas.33 Nesse tipo de revoluo, conforme o professor Gene Sharp34, a luta no violenta vista como a mais complexa, sendo travada pela guerra psicolgica, social, econmica e poltica aplicada pela populao e pelas instituies da sociedade contra o Estado. Para tanto, so utilizados meios de mobilizao como protestos, greves, no cooperao, deslealdade, boicotes, marchas, desfiles de automveis, procisses etc. Esses meios surtem efeito na medida em que os governos somente podem subsistir se contarem com a cooperao, submisso e obedincia da populao e das instituies da sociedade. O professor Gene Sharp salienta ainda que a principal fora desse tipo de luta deve nascer internamente, mas suportes econmicos e comunicacionais podem ser concedidos pelas foras democrticas do exterior. A assistncia internacional tambm pode contribuir incitando a opinio pblica mundial contra a ditadura fundamentada em questes humanitrias, morais e religiosas. De outra forma, a assistncia internacional pode ser acompanhada de apoio a sanes diplomticas e econmicas, proibio de investimentos, embargo de armas e expulso do pas de vrias organizaes internacionais35.

    Os protestos que tiveram incio em Braslia, na abertura da Copa das Confederaes, intensificaram-se nos dias seguintes em torno dos estdios. Na primeira semana dos jogos, alm de Braslia, houve protestos no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte e em Fortaleza. Nesse perodo, mesmo o pronunciamento do comit organizador do evento, realizado a fim de dissociar a torneio das demais agendas de reivindicao popular, surtiram efeito contrrio e contriburam para o fortalecimento das manifestaes.

    No contexto da ampliao das manifestaes, e do redirecionamento das pautas internas dos protestos, no dia 21 de junho ocorreu a segunda declarao oficial da presidente Dilma Rousseff em cadeia nacional de rdio e TV. No pronunciamento, a presidente exps o apoio s demandas de combate corrupo e ao desvio de recursos pblicos, apoiando igualmente s reivindicaes de melhoria na prestao de servios pelo Estado. Nessa direo, considerando ouvir as vozes das ruas, mencionou medidas e planos de gesto com vistas a atender tais requisitos: anunciou a recepo pelo governo dos lderes das manifestaes pacficas, dos representantes das organizaes de jovens, dos trabalhadores, das entidades sindicais e das associaes populares. Em relao Copa do Mundo, a presidente ponderou que o gasto com as arenas fruto de financiamento devidamente pago pelas empresas e os governos que [exploram] estes estdios36. Alm disso, afirmou que jamais permitiria que esses recursos sassem do

    32 CNT/MDA, 2013. 33 Moniz Bandeira, 2013, p. 108. 34 Sharp, 2010. 35 O manual do professor Gene Sharp facilmente encontrado na internet e tem sido base para uma srie de movimentos pelo mundo. No h estudos ou dados que confirmem a utilizao do manual pelos manifestantes no Brasil, mas parte das estratgias utilizadas nos protestos muito semelhante s descritas no manual. 36 Planalto Nacional. Pronunciamento da presidente da repblica, Dilma Roussefff, em cadeia nacional de rdio e TV. Secretaria de Comunicao Social da Presidncia da Repblica: Discursos. Braslia, de 21 de junho de 2013(b).

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    oramento pblico federal, prejudicando setores prioritrios como a sade e a educao37.

    Porm, no dia seguinte ao pronunciamento da presidente, os protestos contra a Copa continuaram. No jogo entre Brasil e Itlia, em Salvador, a manifestao reuniu cerca de duas mil pessoas e foi reprimida de forma violenta pela polcia. Em Belo Horizonte, nos arredores do estdio Mineiro, tambm houve protestos e confronto entre manifestantes e a guarda estadual. A situao se repetiu nos demais dias de jogos nas seis cidades-sedes38 da Copa das Confederaes, reunindo em torno de 864 mil pessoas durante as duas semanas de competio. No jogo final, estima-se que cerca de 10 mil manifestantes participaram dos protestos contra o evento39.

    No dia 26 de junho, conforme pronunciado, a presidente Dilma Rousseff recebeu em Braslia representante das centrais sindicais e dos movimentos populares, entre eles o MPL. No mesmo dia, a governante reuniu-se com governadores e prefeitos de capitais para discutir a extenso das manifestaes. Nessa reunio foram propostos pela chefe de governo cinco pactos: a) pela responsabilidade fiscal, a fim de controlar gastos pblicos, garantir a estabilidade econmica e conter a inflao; b) pela reforma poltica, com vistas ampliar a participao popular nos processos decisrios e tornar acessvel as informaes dos investimentos do governo pela sociedade; c) pela melhoria nos servios pblicos de sade; d) pela melhoria de qualidade do transporte pblico; e) pela melhoria da educao pblica40.

    Apesar do esforo do governo para tratar do tema, as manifestaes pelo pas continuaram. No prprio dia 26, mais de 83 mil pessoas foram para as ruas em 57 cidades de 13 Estados e no Distrito Federal. No dia seguinte, o nmero de envolvidos com os protestos alcanou pouco mais de 33 mil. Diante tal feito, o Congresso Nacional, com propsito de igualmente dar uma resposta s vozes das ruas, deu incio votao de pautas da agenda positiva: apreciao de projetos de lei com o objetivo de atender parte das reivindicaes pleiteadas pelos manifestantes. Em dois dias, como resultado da agenda positiva, houve aprovao pelo Senado das seguintes pautas: a) a tipificao da corrupo como crime hediondo (PLS 204/2011); b) a incluso do transporte pblico como parte dos direitos sociais (PEC 90/2011), c) a reduo das exigncias para apresentao de Projetos de Iniciativa Popular (PEC 03/2011 e PEC 45/2011) e d) a permanncia de atribuio ao Ministrio Pblico em conduzir investigaes criminais e a consequente recusa das diretrizes propostas pela PEC-37.

    Em julho, as pautas das manifestaes foram pulverizas e os protestos passaram a tratar dos mais variados temas. Conforme dados do levantamento realizado pela Confederao Nacional dos Transportes e pela MDA Pesquisas (CNT/MDA), entre os dias 07 e 10, foram apontados como motivos principais das manifestaes daquele ms: a insatisfao com a corrupo (55%), com a qualidade dos servios de sade (47,2%), com os gastos da Copa do Mundo (43,7%), com os preos e a qualidade do transporte

    37 Planalto Nacional. Pronunciamento da presidente da repblica, Dilma Roussefff, em cadeia nacional de rdio e TV. Secretaria de Comunicao Social da Presidncia da Repblica: Discursos. Braslia, de 21 de junho de 2013(b). 38 Braslia, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Recife, Fortaleza e Salvador. 39 Esquerda.net. Cronologia dos vinte dias que abalaram o Brasil [em linha]. 29 de junho de 2013. 40 Mendes et al., 2013.

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    urbano (30,8%), com a educao (30,5) e com a segurana (20,5%). No entanto, vale lembrar que a grande mdia j havia trabalhado a opinio pblica, pois conforme apontado por Secco41, o fato que nos ltimos dez anos a grande imprensa martela diariamente parte dos slogans que [apareceram] nas ruas: condenao seletiva da corrupo, contra os gastos pblicos e os impostos.

    Em termos de aglomerao, a Copa das Confederaes e a chamada das centrais sindicais para o Dia Nacional de Greves, Paralisaes e Manifestaes nas Ruas, no dia 11, constituram epicentros dos atos pblicos na primeira quinzena desse ms.42Nas semanas seguintes, manifestaes aconteceram na visita do Papa ao Rio de Janeiro e estiveram focadas em chamar a ateno da imprensa mundial para os problemas nacionais. Entretanto, inicia-se nesse perodo o recuo no nmero de manifestaes pelo pas. Entre as causas cogitadas para o recuo est o esvaziamento das propostas que deram origem aos protestos, os episdios violentos e menor nfase oferecida pela mdia na cobertura dos eventos.

    Protestos: significao e contedo

    A interpretao das manifestaes ocorridas no Brasil exige analisar questes que, s margens do debate produzido pelos meios de comunicao de massa, so fundamentais para uma leitura sobre a gnese e desdobramentos dos acontecimentos de junho e julho de 2013. Essas questes dizem respeito significao das manifestaes, contextualizadas luz do debate contemporneo sobre as formas de luta da sociedade civil organizada, e de seu contedo poltico.

    Com o propsito de debater essa significao e contedo dos protestos, convm esclarecer a eleio pelo menos quatro termos empregados no texto: a) utiliza-se manifestao e protesto como sinnimos considerando a definio stricto sensu das duas palavras latinas: manifestar de manifestare, ou seja, tornar pblico alguma coisa; e protestar da justaposio entre o prefixo pro ( frente) e o sufixo testare (testemunha), ou seja, declarar em pblico, testemunhar, reclamar43; b) como categoria analtica, as manifestaes ou protestos no Brasil so tomados como eventos, tipologia apresentada por Chau44 que julgamos adequada para tratar de uma aglomerao sem saldo organizativo porque embora tenha partido de um movimento social (o MPL), medida que cresceu passou recusa da estrutura de um movimento social para se tornar um espetculo de massa45, c) em termos conceituais, optou-se pelo uso da expresso mdias sociais ao invs de redes sociais a fim de resguardar um dos conceitos de rede mais conhecidos e prestigiados pelas Cincias Sociais46. Alm disso, parece-nos coerente a diferenciao proposta por Ciribelli e Paiva47 de que mdia social o meio que determinada rede social utiliza para se comunicar, ou seja, a ferramenta que

    41 Secco, 2013. 42 CNT/MDA, 2013. [a questo permitia mltipla resposta dos entrevistados]. 43 Valle, 2002. 44 Chau, 2013 45 Chau, 2013, p. 3 46 Para a Antropologia Social, elaborada por Radcliffe-Brown na dcada de 1950, a noo de redes pretendeu caracterizar a estrutura social como uma rede de relaes institucionalmente controladas ou definidas, como apontou Acioli, 2007, p. 3. 47 Ciribelli e Paiva, 2011.

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    facilita a comunicao entre os usurios interando-os do contedo gerado por eles mesmos. Por sua vez, rede social o conjunto de pessoas ou organizaes que partilham valores e objetivos comuns atravs de alguma plataforma de mdia social; d) a fim de discutir o papel dos veculos de comunicao na mediao dos protestos, elegeu-se separar mdias sociais de meios de comunicao de massa. Apesar de entendermos que ambos so meios de comunicao, tomamos as mdias sociais como um veculo de autocomunicao e de relacionamento entre usurios em rede baseado no uso da internet e de plataformas de comunicao digital48. Por outro lado, trataremos os meios de comunicao de massa como veculos de informao ligados s empresas convencionais de mdia, particularmente jornalstica.

    O sentido dos termos empregados expe uma leitura particular das manifestaes brasileiras da qual se pretende que sobressaia o entendimento das passeatas urbanas como episdios que transitam da insatisfao poltica a um espetculo de mdia e, adiante, uma anlise sobre a atual conjunta governamental e de poder frente aos anseios da chamada nova classe mdia nacional. Para se compreender a transio da insatisfao poltica a um espetculo de mdia necessrio ter em vista a ruptura entre as primeiras manifestaes, capitaneadas pelo MPL, e as que se seguiram na segunda metade do ms de junho e no ms seguinte. Enquanto as primeiras, em So Paulo, tinham uma base ideolgica de esquerda, e estavam atreladas a uma agenda clara de reivindicao, a reduo das tarifas de transporte coletivo, as demais se caracterizaram por uma disputa de pauta de mobilizao, com intenso rechao relao entre os manifestantes e os partidos polticos. O episdio do dia 20 de junho, em que um manifestante hostilizado pelos demais quando portava em uma passeata uma bandeira partidria, exemplifica a pretensa despolitizao que pretendiam serem reconhecidos os que protestavam.

    Porm, a contradio da suposta neutralidade das manifestaes est no fato de que sendo a pauta das reivindicaes centradas em demandas sobre o poder poltico, seu contedo propositivo no poderia ser outro seno poltico49. Apesar de reconhecermos, como afirmou Mair50, que os partidos polticos j no conseguem mobilizar os cidados em torno de seus interesses, nem gozam de uma presena significativa no seio da sociedade, eles se legitimam atravs da ideologia da representao e expressam os interesses de uma ou outra classe51. Isso significa que as mobilizaes populares s podem ser construdas por indivduos autnomos que intrinsecamente representam uma classe e seus interesses. Ademais, embora a coeso interna das manifestaes fosse garantida pelo discurso pluripoltico e apartidrio, seu contraponto transparece medida que sendo representativas de uma parcela da sociedade, no coerente que essas classes, e os indivduos pertencentes a cada uma delas, defendam as mesmas ideias. Nessa direo, de acordo com Chau52, a aparente ao da juventude e homogeneidade do universo dos manifestantes tinha como pano de fundo a expresso da heterogeneidade econmica, social e poltica da sociedade brasileira.

    48 Castells, 2012. 49 Na mesma perspectiva apresentada por Max Weber de a poltica significar a participao no poder ou a luta para influir na distribuio do poder, seja entre Estados ou entre grupos dentro de um Estado, como expuseram Gerth e Wright Mills, 1967, p. 56. 50 Mair, 2003, p. 280 51 Viana, 2003, p.12. 52 Chau, 2013.

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    Uma das consequncias do carter despolitizado dos protestos que a partir da juno de mltiplas posies polticas, as pautas de reivindicaes desses eventos tornaram-se dispersas, nebulosas e mesmo contraditrias. Uma clara ilustrao disso a substituio no transcorrer das manifestaes dos atos contrrios elevao das tarifas de transporte pblico e com gastos pblicos para recepo dos megaeventos, pelas bandeiras anticorrupo, em prol da assistncia social do Estado, da distribuio dos royalties do petrleo, e assim por diante. A diferena dessas pautas que enquanto a reduo das tarifas de transporte e o controle sobre os recursos destinados aos megaeventos so reivindicaes orientadas s esferas de poder que por elas respondem, no primeiro caso os governos municipais e, no segundo, o governo federal, as demais demandas no so especficas a uma nica esfera da administrao pblica. Ora, sendo o combate corrupo e a melhoria nos servios de atendimento coletivos esperados do Estado independente das siglas partidrias e das hierarquias governamentais, essas bandeiras foram utilizadas principalmente para agregar grupos de manifestantes em torno de causas comuns53, ou seja, foram empregadas mais para produzir aglomeraes que efetivamente operadas com o propsito de apontar e exigir mudanas sobre as estruturas de poder vigentes.

    Por outro lado, a despolitizao das manifestaes permitiu aos meios de comunicao de massa apoderar-se do sentido dos protestos na medida em que no havendo um movimento que respondesse pelo seu contedo poltico, abriu-se caminho para que tais meios oferecessem, sua maneira, uma leitura dos acontecimentos. Como consequncia dessa leitura, trs desdobramentos importantes foram percebidos durante as semanas de protesto: a) uma rpida disperso da informao atravs das mdias sociais, as quais se tornaram o locus de interpretao dos fatos, de compartilhamento de notcias e de convocao dos usurios replicao das manifestaes; b) a conformao do circuito notcia-evento-notcia a partir da circulao da informao e seus efeitos: a mobilizao da populao para novos protestos e a retroalimentao da notcia; c) a participao de indivduos em atos pblicos motivados pelo cenrio das aglomeraes, no exatamente por suas causas, uma caracterstica de certa parcela de usurios das mdias sociais interessados apenas pelo espetculo que os eventos desse tipo representam.

    Nesse contexto, a transio da insatisfao poltica a um espetculo de mdia das manifestaes a constatao de que as reivindicaes iniciais do movimento passaram, no decorrer das semanas, a condio de uma sequncia de eventos desunificados e mesmo contraditrios. Assim, as manifestaes, ao mesmo tempo em que se tornaram amplamente difundidas pelas mdias sociais, caracterizadas por sua indiscutvel capacidade em mobilizar usurios em favor de um fenmeno, apresentaram como revs o interesse de parte desses mesmos usurios unicamente pela figurao do espetculo e no pela sua significao.

    Esses usurios, que pleiteiam serem vistos como protagonistas da cena poltica brasileira constituem ainda uma parte da sociedade que passou a ser chamada de nova classe mdia nacional. Uma classe mdia, conforme Viana54, resultante da transio socioeconmica vivenciada pelo pas nas ltimas dcadas, mas que est sem perspectiva 53 Socausas-clichs, ou seja, reivindicaes com elevada capacidade adeso, mas que perderam ao longo do tempo seu contedo propositivo. 54 Viana, 2013.

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    para seus projetos pessoais. Chau55 define essa nova classe mdia como a expresso de uma nova classe trabalhadora absorvida pela ideologia do individualismo, da competio, do sucesso a qualquer preo, do isolamento e do consumo. Segundo a autora, trata-se de uma classe heterognea, fragmentada e sem forma de luta organizada.

    A clivagem social entre a classe mdia tradicional e a nova classe trabalhadora apresentada por Chau56 pode ser compreendida tomando os resultados do levantamento realizado pelo Instituto Data Popular sobre a percepo da classe mdia tradicional sobre a nova classe mdia. De acordo com o levantamento, a nova classe mdia mal vista pela classe mdia tradicional, pois, para essa, ela desqualifica o consumo de alguns produtos, contribui para a piora geral dos servios privados, alm de estar associada a pessoas mal vestidas e que deveriam ser barradas em certos lugares [sic]57.

    Essa classe mdia fragmentada e heterognea foi, todavia, a fatia da populao mais atuante nos protestos de junho e julho. Uma parcela da populao que aspira por mudanas institucionais, mas que est comprometida com os valores e projetos de crescimento econmico classista58. Alm disso, conforme Marcelo Ridenti59,comparada com movimentos recentes presenciados nos Estados Unidos, na Europa, e no Mundo rabe, capitaneados por jovens que protestavam contra a desigualdade social e econmica, as variveis que levaram s manifestaes brasileiras foram diferentes e envolveram uma juventude de estudantes, muitos dos quais trabalhavam, e [outros] recm-formados que no encontram no trabalho a possibilidade de manter o padro de vida familiar [...].Dessa maneira, as bandeiras de reivindicao das manifestaes brasileiras estiveram associadas majoritariamente aos interesses da classe mdia.

    Essa agenda de interesses da nova classe mdia nacional destoa, entretanto, do papel ocupado por ela na cena poltica do pas. De acordo com Cunha Filho60, desde o final do sculo XIX evidente o engajamento poltico e a liderana da classe mdia nos movimentos radicais contrrios s formas de poder tradicionais, entre os quais os que levaram instalao do regime republicano, organizao de revoltas e s mobilizaes urbanas no incio do sculo XX. Ademais, o mpeto de objeo da classe mdia nacional ao poder unilateral do Estado est intimamente ligado vanguarda intelectual dos grupos que dela tiveram origem e sua importncia para a ruptura social que conduziu chamada modernizao do pas no ltimo sculo. Nesse sentido, ressalta Abramo61, a classe mdia, e, sobretudo, a juventude de classe mdia brasileira vinculada a entidades estudantis e a juventudes partidrias, atuou de forma destacada no processo de democratizao e combate ao conservadorismo poltico entre as dcadas de 1930 e 1970. Na dcada seguinte, o envolvimento da classe mdia nacional nos movimentos populares, somado aos movimentos estudantis, contribuiu para a abertura poltica do pas. a partir da dcada de 1980, aps o movimento pelas eleies diretas presidncia, que tem incio o enfraquecimento da insero poltica de perspectiva crtica da classe mdia, sendo que j no comeo da dcada seguinte sua participao nas 55 Chau, 2013. 56 Chau, 2013. 57 Carta Capital. Nova classe mdia incomoda parte da velha classe mdia, aponta Data Popular [em linha]. So Paulo, 18 novembro 2011. 58 Chau, 2013. 59 UNICAMP, 2013. 60 Cunha Filho, 2004. 61 Abramo, 1997.

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    movimentaes de ruas pelo impeachment de Collor foram largamente desqualificadas por serem 'espontaneistas', 'espetaculares', com dimenso mais de 'festa' a de 'efetiva' politizao62. O coroamento desse processo de mudana de posio poltica da classe mdia foi percebido finalmente nos acontecimentos de junho e julho, quando o setor mdio da sociedade brasileira se mostrou defensora dos posicionamentos elitistas e contestatrio das mediaes de poder, convencionalmente relacionados direita.

    Essa postura por parte da classe mdia pode ser compreendida luz de algumas bandeiras sustentada pelos manifestantes, entre elas as de repdio contra os programas governamentais de assistncia social e de distribuio de renda. Tais programas, no Brasil, apesar das distores e problemas, possibilitaram nos ltimos anos classe trabalhadora acessar espaos privilegiados que simbolicamente delimitava o patamar ocupado pelos mais ricos. A contestao aos programas federais pela classe mdia acontece porque, para uma parte dela, a idia de que uma parcela da populao receber numerrio comumente classificada como esmola e teria como conseqncia uma acomodao dos beneficirios em relao ao trabalho, o chamado 'efeito-preguia'63.

    A contestao dos programas de distribuio de renda estatal pela classe mdia indica ainda o interesse que possui na manuteno de seu status hegemnico e a exacerbao do problema do subemprego e de trabalho precrio que cada vez mais atinge essa populao. Esse estrato populacional, que possui um ethos de classe mdia, formado por um contingente de jovens-adultos, altamente escolarizados, mas que tendo em vista a nova dinmica do mercado de trabalho no Brasil esto desempregados ou inseridos em relaes salariais precrias64.

    A precarizao das condies de trabalho a que est submetida parte da classe mdia contrasta, por outro lado, com a ambio econmica e os desejos de consumo que possui65. Devido s condies atuais, em que a empregabilidade independente apenas da posse do diploma, uma parcela dessa populao est despojada do conforto que at ento possua em realizar seus projetos futuros. Diante tal cenrio, a classe mdia passou a lutar por direitos que h duas ou trs dcadas eram considerados seus prprios privilgios e definiam sua posio de classe.

    As reivindicaes da classe mdia por seus direitos possuem, entretanto, traos curiosos: em primeiro lugar devido ao enfraquecimento dos movimentos sociais e a centralidade dos pleitos por aes da sociedade civil, as manifestaes pblicas tornam-se um aglomerado de indivduos que possuem em comum apenas a oposio s estruturas de poder. No h, portanto, um contedo ideolgico e projeto de sociedade que unifique seus membros, mas uma dezena de peties distintas, sendo algumas inclusive opostas entre si. Um exemplo dessa contradio nas manifestaes so as palavras de ordem que ecoavam nas ruas exigindo a reduo de impostos, marca das polticas neoliberais, ao lado das que clamavam por maior investimento governamental em sade, segurana e educao, ou seja, que reivindicavam a ampliao dos programas

    62 Abramo, 1997, p.27. 63 Castro et al., 2009, p.337. 64 Gadea, 2013. 65 Como apontou O'Dougherty,1998, p.411, o consumo um recurso central na formao da identidade da classe mdia.

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    de Estado de Bem-Estar Social. No artigo de Chau66, a autora chamou a ateno para contradio similar ao se perguntar se os jovens manifestantes que viviam em condomnios fechados e que saam s ruas para protestar contra o inferno urbano de So Paulo consideravam o fato de que tambm eram responsveis por tal situao, pois contribuam para o aumento da densidade demogrfica dos bairros, para a expulso dos moradores para as periferias e para a ampliao da frota de automveis circulantes na cidade.

    Outra questo relacionada ao teor das reivindicaes da classe mdia o fato de que elas defendem, mesmo de forma velada, o velho estatuto do todos iguais, mas alguns mais iguais que outros. Baseada na manuteno dessa mxima, a classe mdia procura resguardar sua ambio econmica, ao mesmo tempo em que o aumento da capacidade de consumo dos mais pobres interpretado por ela como um inconveniente. Nos protestos do ltimo ano pelo menos duas bandeiras evidenciaram isso: o repdio aos investimentos para a realizao da Copa do Mundo e das Olimpadas e o ataque aos programas estatais de distribuio de renda. O repdio Copa do Mundo e s Olimpadas, apesar de geralmente tratado pelos veculos de mdia como uma cobrana popular sobre a m gesto do dinheiro pblico, revela, do ponto de vista dos interesses da classe mdia, o questionamento de como esses megaeventos podem reverter-se em benefcios para si. A falta de uma resposta por parte do Estado que convena e, principalmente, agrade classe mdia, reverte-se em combustvel que alimenta os protestos anti-Copa e anti-Olimpadas que tm como lema mais importante a excluso".

    Entretanto, a excluso que motiva os protestos contra os megaeventos paradoxalmente esquecida quando a massa de manifestantes de classe mdia ope-se aos direitos dos mais pobres atendidos pelos programas governamentais de assistncia social, deixando transparecer o que possuem internalizados de mais elitista e conservador. Ademais, a crtica Bolsa Famlia pelo setor mdio contraditoriamente acompanhada pela defesa da desonerao de impostos das montadoras de veculos no Brasil, as quais possuem as maiores taxas de lucro do setor no mundo, possibilitando a compra de carros novos com preos reduzidos e, consequentemente, piorando a situao do trnsito e transporte pblico nas grandes cidades.

    Um terceiro trao das reivindicaes da classe mdia brasileira, apesar de no exclusiva a ela, est alicerado na postura dependente e paternalista que mantm em relao ao aparelho estatal. Essa postura o que motiva de tempos em tempos as revoltas que articula contra os poderes de Estado associadas ao lugar-comum de que tudo culpa do governo. Nessa perspectiva, as demandas sociais no se realizam porque passam a ser percebidas como interesse ou desinteresse nico dos governantes e no como resultado da precria participao poltica dos indivduos. nesse contexto que se pode compreender a recusa por parte dos manifestantes em assumir o carter poltico dos protestos, considerando que, para esses, equivocadamente, a poltica no apenas indesejvel como est alheia aos interesses coletivos. Outro indcio da ideia de despolitizao o fato de praticamente no aparecer de forma mais sistemtica uma

    66 Chau, 2013.

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    crtica ao que se paga em juros da dvida pblica, que representou mais de 40% do oramento da unio em 201267.

    Nesse contexto, as manifestaes dos ltimos meses, longe de indicar uma ruptura com as estruturas de poder e de organizao do Estado, tiveram como um de seus significados mais importantes a retomada da discusso sobre o status do arranjo social brasileiro e a exacerbao, atravs das diferentes bandeiras, dos interesses de classe. Tal mosaico de pautas, e suas contradies no interior dos protestos, constituem as condies objetivas que permitem as mltiplas leituras do contedo dos eventos e tornam as variveis de compreenso das manifestaes no pas particulares em detrimento das sucedidas em outras partes do mundo no mesmo perodo.

    Consideraes Finais

    De acordo com levantamento realizado pela CNT/MDA68, os protestos de junho e julho de 2013 no Brasil, iniciados pela contestao ao aumento de preo da tarifa e qualidade do transporte pblico, foram tomados no decorrer das semanas por reivindicaes mais amplas. Entre as reivindicaes, o fim da corrupo (40,3%), as melhorias na sade (24,6%), a reforma poltica (16,5%) e as melhorias na educao (7,8%), foram apontadas como as mais importantes. Alm disso, o levantamento revelou que 80% dos 17 milhes de brasileiros acima de 16 anos que afirmaram ter participado de alguma manifestao tiveram conhecimento sobre os eventos por meio das mdias sociais69.

    A mobilizao da populao para os protestos, repercutida de forma viral por esse tipo de mdia, foi fortalecida pela exposio dos atos pblicos pelos diferentes meios de comunicao de massa e revelou uma organizao indita da sociedade civil em favor da contestao da estrutura de poder vigente no pas70. Tal contestao dirigiu-se principalmente ao modus operandi do Estado, sendo trs as variveis essenciais para se analisar o significado e os desdobramentos das manifestaes: o papel desempenhado pelos veculos de mdia, a conjuntura de poder estabelecido e a luta de classes no atual cenrio social e econmico brasileiro. Essas variveis inter-relacionadas permitiram s manifestaes tomar a dimenso que tiveram, ainda que em seu desenrolar a forma dos protestos tenha sobressado a sua significao.

    Em termos polticos, ponto importante a ressaltar que a esquerda ao abandonar boa parte dos seus trabalhos de base - algo fundamental nas origens do PT71, atual partido no governo como os movimentos sociais ou a sociedade organizada (igreja, sindicatos, partidos) foi pego de surpresa pelas manifestaes. A despolitizao, ou mesmo a antipoltica, tornou as manifestaes fruto de disputas de projetos muito diferentes de sociedade. Muitos dos manifestantes misturavam bandeiras tipicamente neoliberais (menos impostos, contra gastos pblicos), com tradicionais bandeiras de esquerda (mais 67 Conforme dados do Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto. 68 CNT/MDA, 2013. 69 Segundo o relatrio da CNT/MDA, 79,2% dos manifestantes consideraram ainda as mdias sociais como muito influentes para a formao da opinio pblica. 70 Mesmo tendo sido convocado pelas mdias sociais, a grande mdia teve papel fundamental na disputa pelo significado do movimento. Talvez a grande novidade tenha sido de que ela no mais a nica voz, mas ainda assim muito importante pelo poder aglutinador que a grande mdia possui. 71 Partido dos Trabalhadores

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    verba para educao e sade), ao mesmo tempo em que bandeiras conservadoras permeavam entre ambas com a repulsa a partidos polticos, contra os direitos humanos para bandidos etc. A falta de uma formao poltica faz com que as tticas utilizadas nas manifestaes tenham pouca ou nenhuma preocupao com suas consequncias polticas a mdio e longo prazo, reina o imediatismo. Tambm faz com que anarquistas e liberais levantem a mesma bandeira querendo dizer exatamente o oposto.

    Nesses termos, dificuldade de apreenso da significao das manifestaes razoavelmente compreendida considerando a multiplicidade de pautas somada a disperso geogrfica dos protestos. Diferente de outros momentos polticos do pas em que havia uma motivao em torno de uma causa comum, os protestos de junho e julho no permitem ser interpretados apenas pelas repercusses de seu fato gerador: os atos contra o aumento da tarifa e as demandas pela qualidade do transporte pblico urbano em So Paulo. A partir da discusso sobre a tarifa e as condies do transporte, percebeu-se o transbordamento de inmeras outras bandeiras de reivindicao. Tais reivindicaes, grosso modo, pretenderam trazer tona o debate poltico sobre a governabilidade e o funcionamento do aparelho estatal. Entretanto, a ausncia de aes coordenadas baseadas em pautas objetivas, sintoma das aglomeraes distanciadas dos movimentos sociais, impediu que tais eventos adquirissem uma significao poltica de maior envergadura.

    De todo modo, apesar de certa lacuna ideolgica, as manifestaes da metade de 2013 contriburam para recuperar o debate sobre a composio e a luta de classes no Brasil contemporneo, debate fundamental para uma reviso do papel das instncias de governana e de poder do Estado sobre a sociedade. Trata-se, na perspectiva apontada por Giddens72, de considerar a tenso entre as classes, prprias do capitalismo, e a maneira como o carter classista desse sistema social afeta o Estado e sua governabilidade. Por outro lado, os episdios, ao ressaltarem os movimentos sociais em rede, ou seja, movimentos que, em ltima instncia, faro as sociedades do sculo XXI, ao se engajarem em prticas conflitivas enraizadas nas contradies de nosso mundo73 merecero ser mais bem analisados pelos intelectuais brasileiros nos prximos anos.

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