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55 RELATO DE CASO Poliana Rodrigues Moraes* Amanda de Oliveira Bernardes* Pâmela Aparecida Diniz*, Marcelo Soares Bertocco** * INAPÓS- Faculdade de Odontologia e Pós Graduação Padre Gervásio - Rua João Basí- lio, 219, Pouso Alegre, MG/pollyrmoraes@ gmail.com ** UNIFENAS – Universidade Federal de Alfenas [email protected] Submetido em: 6-5-2017 Aceito em: 1-8-2017 Manifestações Orais e Sistêmicas de Carcinoma Epidermóide de Orofaringe em Estádio Avançado RESUMO Racional – Tumor maligno pode comprometer a cavidade oral e promover alterações sistêmicas muito graves que podem levar à morte. Objetivo – Descrever como um tumor pode atingir a cavidade oral de um indivíduo de forma a modificar sua qualidade de vida até culminar com seu óbito. Material e Métodos – Adulto do sexo masculino, desempregado, usuário de drogas como: maconha, cocaína, crack, álcool e tabaco, apresentou, durante a fase aguda, pequeno nódulo em região de hemiarco superior esquerdo, na altura dos pré-molares. No exame físico, apresentava dor à palpação com pequeno nódulo não flutuante, localizada em região cervical esquerda. A biópsia evidenciou células tumorais malignas. Resultados – Observado progressão rápida, com debilidade adstrita do paciente; resultando em óbito. Conclusão – Conclui-se com base no caso acima relatado e tendo a literatura como aliada, que os tumores avançados de orofaringe podem progredir de forma rápida e devastadora, sendo sua taxa de sobrevida muito baixa, além de causar ao paciente constrangimento sócio emocional. DESCRITORES – Carcinoma de células escamosas, orofaringe, cocaína, álcool. ÁREA DE CONHECIMENTO: Ciências da Saúde Relevância Clinica: Demonstra a necessidade de políticas inclusivas, aumentando o acesso, de indivíduos usuário de drogas com poucos meios e recursos à saúde oral; onde precocemente a patologia seria diagnosticada.

Manifestações Orais e Sistêmicas de Carcinoma Epidermóide

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Page 1: Manifestações Orais e Sistêmicas de Carcinoma Epidermóide

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relato de caso

Poliana Rodrigues Moraes*Amanda de Oliveira Bernardes*Pâmela Aparecida Diniz*,Marcelo Soares Bertocco**

* INAPÓS- Faculdade de Odontologia e Pós Graduação Padre Gervásio - Rua João Basí-lio, 219, Pouso Alegre, MG/[email protected]**UNIFENAS – Universidade Federal de [email protected]

Submetido em: 6-5-2017Aceito em: 1-8-2017

Manifestações Orais e Sistêmicas de Carcinoma Epidermóide de Orofaringe em Estádio Avançado

RESUMO – Racional – Tumor maligno pode comprometer a cavidade oral e promover alterações sistêmicas muito graves que podem levar à morte.Objetivo – Descrever como um tumor pode atingir a cavidade oral de um indivíduo de forma a modificar sua qualidade de vida até culminar com seu óbito. Material e Métodos – Adulto do sexo masculino, desempregado, usuário de drogas como: maconha, cocaína, crack, álcool e tabaco, apresentou, durante a fase aguda, pequeno nódulo em região de hemiarco superior esquerdo, na altura dos pré-molares. No exame físico, apresentava dor à palpação com pequeno nódulo não flutuante, localizada em região cervical esquerda. A biópsia evidenciou células tumorais malignas.Resultados – Observado progressão rápida, com debilidade adstrita do paciente; resultando em óbito.Conclusão – Conclui-se com base no caso acima relatado e tendo a literatura como aliada, que os tumores avançados de orofaringe podem progredir de forma rápida e devastadora, sendo sua taxa de sobrevida muito baixa, além de causar ao paciente constrangimento sócio emocional.DESCRITORES – Carcinoma de células escamosas, orofaringe, cocaína, álcool.ÁREA DE CONHECIMENTO: Ciências da Saúde

Relevância Clinica: Demonstra a necessidade de políticas inclusivas, aumentando o acesso, de indivíduos usuário de drogas com poucos meios e recursos à saúde oral; onde precocemente a patologia seria diagnosticada.

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INTRODUÇÃO

Câncer é o nome designado a um conjunto amplo de doenças que possuem em comum a proliferação desordenada de células formando tumores que podem espalhar-se atingindo outras regiões do corpo 1,2.

O câncer de cabeça e pescoço atinge cerca de 1,7% da população brasileira, cor-respondendo a grupo de tumores localizados na pele e lábios, cavidade oral (mucosa bucal, gengivas, palato duro, palato mole, língua e assoalho da boca), orofaringe, laringe, hipofaringe, nasofaringe, glândulas salivares, cavidade nasal, meato acústico externo e ouvido médio 3,4.

Entre os principais fatores etiológicos do câncer de cabeça e pescoço encontram-se o etilismo e o tabagismo. O objetivo do presente relato é descrever o caso de um paciente com câncer de orofaringe o qual sofreu metástase para a cavidade oral comprometendo completamente o funcionamento estomatognático até levar ao óbito.1-4.

RELATO DO CASO

Paciente de 52 anos, do sexo masculino, apresentou história de dor em região lateral esquerda do pescoço, com irradiação para hemiface esquerda e dificuldade para falar, com 4 meses de evolução, sem fator desencadeante. Não apresentava náuseas, vômito ou febre. Ao exame físico, apresentava dor à palpação, linfadenomegalia cervical não flutuante e visível macroscopicamente com evidente delimitação funcional.

Relatou história de utilização de drogas licitas e ilícitas por longos anos; alimen-tação inadequada, falta de acesso à água filtrada e/ou saneamento básico. Informou ter moradia e família, mas disse passar a maior parte do seu tempo nas ruas, semanas. Negou ser portador de outras patologias, negou patologias crônicas como hipertensão e diabetes. Não soube informar histórico de câncer na família.

No primeiro atendimento clinico, em novembro de 2013, foi indicado como trata-mento, antibioticoterapia, analgésicos e antinflamatórios não esteroides. O diagnóstico foi fechado com suspeita de Linfodenite.

Em Fevereiro de 2014, após início de dor intensa, sensação de ouvido tampado e dificuldade para engolir (sic); o paciente foi novamente atendimento em clinica médica. Nesta data foi evidenciado um crescimento desordenado do nódulo anterior, com bordas não delimitadas e de aparên-cia rude, tomando quase totalmente a região cervical esquerda.

Foi então, realizado biópsia em centro cirúrgico, onde foi diagnostica-do o carcinoma de células escamosas de orofaringe (Figura 1).

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O método de escolha para biopsia de nódulos de pescoço é a punção. Entretanto, o método utilizado neste paciente foi o método excisional, o que apressou o rompimento do tumor.

Após alta hospitalar, paciente passou a realizar curativos oclusivos diários somente com AGE, como pode ser observado na (Figura 2).

Em meados de abril de 2014 houve evolução severa da patologia, afetando a cavi-dade oral do paciente (Figura 3).

Avaliação Clínica:

• Anorexia por dificuldade de deglutição, sendo sua alimentação liquidificada para ingestão posterior,

• Anemia por deficiência de ferro, devido à falta de ingestão adequada de nu-trientes,

• Dor intensa, somente aliviada com uso de Morfina; sendo esta de uso continuo,

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• Houve deslocamento de pré-molares e molares da hemi-arcada superior esquerda para o palato duro,

• Ulcerações na cavidade oral com odor fétido devido à patologia em si aliada a dificuldade de higienização.

• Agenesia do 28,• Arcada inferior preservada.

Em junho de 2014, pode ser observada, evolução célere (figura 4); contudo, em momento algum, foi feita a sondagem nasoenteral para administração de dieta, a fim de dar dignidade ao paciente em sua fase terminal. Na avaliação clínica pode-se observar:

• Caquexia,• Xerostomia,• Não deglutição inclusive de água,• Impossibilidade de abertura da boca de forma satisfatória à inspeção da cavi-

dade oral,• Odor fétido advindo da cavidade oral e da ferida em região cervical esquerda,• Formação de tártaro na face lingual dos incisivos inferiores,• Periodontite,• Exposição da raiz dos dentes 34,35,• Avulsão de dentes superiores.• Presença somente do dente 26• Agenesia do 36, 37 e 38 em arcada inferior,

Na madrugada de 11 de julho de 2014 o paciente evoluiu para óbito.

DISCUSSÃO

Em nossa sociedade é cada vez mais comum o consumo de drogas licitas e ilícitas. Dentro das drogas licitas dá-se ênfase ao álcool. Muitos dos dependentes químicos de hoje, tiveram como porta principal a dependência do álcool na idade jovem 5-6.

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O paciente alvo deste trabalho representa uma parcela da população em situação de rua do Brasil. São pessoas que não possuem vínculos familiares estabelecidos, apresentam--se excluídos socialmente, consumidores de drogas licitas ou ilícitas ou ambas, e ainda promiscuidade 7,8.

Araujo SSC; et al. 2007 discutiram o uso abusivo de drogas licitas e ilícitas e ainda; as práticas promiscuas (HPV) na etiologia do carcinoma epidermoide. Há um consenso na literatura que o crack e a cocaína associada ou não ao álcool, são os maiores causadores de tumores de cabeça e pescoço em seus usuários 9,10. Rever estas informações: não seria o tabaco associado ou não ao álcool, crack e cocaína? Nào está de acordo com o parágrafo seguinte.

O álcool pode agir como um solvente, ajudando as substâncias químicas prejudi-ciais do crack a entrar nas células diminuindo a capacidade dessas células de reparar os danos de DNA causados pelo cigarro. O tumor apresentado pelo mesmo tem como fator desencadeante principal a dose dependente 3-6.

Cerca de 60% dos pacientes com câncer de boca, que chegam aos hospitais, já estão nos estádios III e IV, cujo tratamento não será curativo. Segundo Eiband JD. et al,1989 cerca de 50% dos diagnosticados em fase avançada do tumor apresentaram uma sobrevida de 5 anos 1-7.

Os sinais iniciais do câncer de boca, nem sempre notados pelo paciente, podem ser manchas esbranquiçadas ou avermelhadas, ou ainda, ulcerações superficiais assinto-máticas. Para Desanto LW. et al, 1984 o rastreamento por meio de exame clinico e auto exame bucal não é eficiente e não reduz a mortalidade. Entretanto o cirurgião dentista, deve orientar visitas regulares. 5-7.

O câncer de boca mais comum, responsável por 90% a 95% das neoplasias malignas nessa localização, é o carcinoma epidermóide, também denominado carcinoma espinoce-lular ou ainda, carcinoma de células escamosas. Neste tipo de carcinoma pode-se observar lesões na cavidade oral do tipo nodulares ou ulceradas entretanto, dependentes químicos não associam estes sintomas a alguma possível patologia 2,3-6-9.

Essa doença pode apresentar-se como uma úlcera que não cicatriza e não dói e localizar-se nas seguintes regiões: lábio, língua, glândulas salivares maiores e menores, gengiva, assoalho da boca, mucosa da bochecha, vestíbulo da boca, palato e úvula 4,5-7.

De uma forma geral a evolução do carcinoma oral, quanto sofre metástase, é que causa a linfadenomegalia cervical e não o contrário, embora o paciente somente se preo-cupe em procurar o atendimento ambulatorial com este sintoma 2-6-10.

Nos estágios avançados, as úlceras ou tumorações são maiores, podendo infiltrar-se para as estruturas adjacentes (músculos, ossos, pele, nervos, etc.). Estas lesões podem ser dolorosas, de sangramento fácil e ter odor fétido. O paciente poderá apresentar dificulda-des de fala, mastigação e deglutição, além de emagrecimento acentuado 1-8.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste relato de caso, podem ser observados alguns aspectos importantes, sobre as diversas faces do ser como indivíduo. O uso de crack e álcool levando ao carcinoma que o vitimou, foi apenas uma das considerações sobre o mesmo.

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Infelizmente, um carcinoma como este na fase o qual foi detectado, não tem prog-nostico curativo. Entretanto, tratamentos paliativos podem e devem ser aplicados a fim de aliviar o sofrimento do indivíduo e dar ao mesmo, condições dignas para sua sobrevida.

ApLICAÇÃO CLINICA:

É sabido todos as adversidades encontrados pelo profissional odontólogo no servi-ço de saúde oral oferecido pelo SUS; o presente artigo vem para acoroçoar o profissional odontólogo ao exame do paciente de forma global;

Atentar-se a diversidade da condição humana, inquirindo sinais de possíveis pato-logias frequentes ao grupo populacional em questão.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Vilar CM; et al. Oncologia Básica. Fundação Quixote, Teresina, ed.1, p. 9-22, 2012.2. Calil MA. Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Instituto Brasileiro de Controle do Câncer. São Paulo, 2014.3. Gallo O, et al. Treatment of clinically negative neck in laryngeal cancer patients. Head Neck 1996;18:566-724. INCA. Brasil. www.inca.gov.br consultado em 14 de julho de 20145. Desanto LW. T3 glottic cancer: options and consequences of the options. Laryngoscope 1984;94:1311-5.6. Lima RA, et al. Análise dos fatores prognósticos no carcinoma epidermóide avançado da laringe T3, T4/

N0. Rev Bras Cir Cabeça Pescoço 1995;19:47-51.7. Eiband JD, et al. Prognostic factors in squamous cell carcinoma of the larynx. Am J Surg 1989;158:314-78. Eiband JD, et al. Prognostic factors in squamous cell carcinoma of the larynx. Am J Surg 1989;158:314-79. Araujo SSC; et al. Saúde Bucal e Qualidade de Vida em Paciente com Câncer de Cabeça e Pescoço. R. Fac.

Odontol. Porto Alegre, v 48, 2007.10. Denis F, et al. Late toxicity results of the GORTEC 94-01 randomized trial comparing radiotherapy with

concomitant radiochemotherapy for advanced stage oropharynx carcinoma: comparison of LENT/SOMA, RTOG/EORTC, and NCI-CTC scoring systems. Int J Radiat Oncol Biol Phys 2003;55:93–8.