Manipulação Em Animal Farm Para o Brasil

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    A REVOLUO DOS BICHOS, DE GEORGE ORWELL:

    TRADUO E MANIPULAO DURANTE ADITADURA MILITAR NO BRASIL

    Christian Hygino Carvalho

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    Christian Hygino Carvalho

    A REVOLUO DOS BICHOS, DE GEORGE ORWELL:

    TRADUO E MANIPULAO DURANTE ADITADURA MILITAR NO BRASIL

    Monografia submetida aoDepartamento de Letras EstrangeirasModernas da Universidade Federal deJuiz de Fora, como parte dos requisitospara a obteno do grau de bacharelem Letras: nfase em Traduo -Ingls, elaborada sob a orientao da

    Profa. Dra. Maria Clara Castelles deOliveira.

    Juiz de ForaInstituto de Cincias Humanas e de Letras

    Universidade Federal de Juiz de ForaMaro de 2002

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    BANCA EXAMINADORA

    Prof. Dr. Maria Clara Castelles de Oliveira (Orientadora)

    Prof. Eliana Martins Rocha

    Prof. Dr. Maria Lcia Campanha da Rocha Ribeiro

    Instituto de Cincias Humanas e Letras da UFJFJuiz de Fora, maro de 2002.

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    DEDICATRIAS

    Deus,

    Por vezes, senti meu corpo fraquejar, e Tu estendeste Tua mo e ergueste-me. Porvezes, senti minha alma se abater, e Tu me deste coragem para prosseguir. Porvezes, senti meu esprito desvanecer, e Tu enviaste o Teu prprio esprito para meconsolar. Hoje, a vitria minha... e a Ti, meu Deus, toda honra e toda glria,eternamente, amm...

    Prof. Dr. Maria Clara Castelles de Oliveira,

    Pela orientao, dedicao, pacincia e apoio. Seus conselhos estarosempre presentes ao longo de minha vida profissional e pessoal.

    Prof. Ana Cludia Peters Salgado,

    Pela iniciativa de reativar nosso Bacharelado em Letras, conselhos e apoio.

    Aos professores do Departamento de Lnguas Estrangeiras Modernas e do Institutode Cincias Humanas e Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora,

    Muito obrigado por todo o conhecimento que vocs transmitiram em suasaulas.

    Aos amigos discentes do curso de Bacharelado em Letras - nfase em Traduo -Ingls da Universidade Federal de Juiz de Fora,

    Pela companhia em toda essa longa caminhada. Pelos momentos detristezas e alegrias que compartilhamos juntos. Pela fora que sempre mederam nos melhores e piores momentos de minha vida. "Aonde quer que euv", levo todos vocs em meus pensamentos. Muito obrigado.

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    AGRADECIMENTOS

    Deus, por me conceder a vida.

    Em memria daqueles que prosseguiram em suas viagens: minha bisav Maria, meutio-av Francisco, Prof. Beatriz Gomes Guerra (Magistra), meus amigos lio eGilsandro, av Joaquim e av Magdalena, agradeo, de corao, pela fora quevocs me deram aqui, nessa vida, e pelas vibraes positivas que vocs tmenviado da. Vocs se foram, mas sempre carrego vocs em meu corao.

    Ao meu pai lson, pela fora e amor que sempre me deu. Por no ter me deixadodesistir dos estudos. Por sempre me mostrar que sou capaz, que no h nadaimpossvel, que nosso esforo nos leva a lugares nunca dantes imaginados. Apesar

    de nossas divergncias, me orgulho muito de voc, pai. Te amo! Ningum nuncaest sozinho!

    minha me Angela, pelo amor e preocupao infindvel com relao ao meudestino. Muito obrigado, tambm, pela fora que, mesmo em seus momentos detristeza, conseguiu me fornecer para que eu me sentisse importante e forte. Adistncia fsica no representa nada se comparada aos nossos pensamentos. Teamo!

    minha irm Aline e meu cunhado Fran Srgio (Shell), pela fora e amor quesempre me deram. Por cuidarem um do outro. E, agora, por estarem trazendo omeu/minha sobrinho(a). Que Deus ilumine vossos caminhos! Amo vocs!

    minha namorada e companheira Cristina, por ter entrado no meu caminho. Por semostrar to bela. Por ter entendido todos aqueles "hoje, no poderei te ver..." "nosei se poderei ir...". Por abrir meus olhos quando eu insistia em fech-los. Por ter meoferecido seu ombro, quando eu fraquejava. Por me complementar. Por me amar.Por ter entendido que a minha "distncia" era fruto de muito trabalho e cansaomental. Te amo!

    minha Orientadora Prof. Dr. Maria Clara Castelles de Oliveira, apesar de todo o

    conhecimento que voc transmitiu em suas excelentes aulas e orientaes, agora,no tenho palavras para traduzir toda a minha gratido. Muito obrigado pelosconselhos, pela preocupao e fora. Tenho muita admirao pela sua tica eprofissionalismo. Sempre procurarei aproximar-me ao mximo daquilo que acreditoser realmente um exemplo de educadora e que, em voc, percebi ser o exemplomais fiel.

    A todos os meus parentes e amigos, obrigado pela fora que vocs sempre mederam. Pela compreenso quando estive "sumido" por alguns tempos. Vocs somuito importantes para mim. No pensem que a importncia de vocs no togrande quanto a dos acima mencionados. Vocs so muitos e no haveria espao

    suficiente se fosse agradecer um por um. Posso faz-lo pessoalmente. "Vocssabem quem so vocs".

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    Ao final do sculo mais violento da histria, quandomesmo o ar que respiramos pode estar contaminado porforas desconhecidas e no vistas por ns, quanto maiscompreenso tivermos dos processos que moldamnossas vidas, mais esperanosos poderemos estar de umfuturo de maior integridade.

    SUSAN BASSNETT E ANDR LEFEVERE

    ... a traduo, como todas (re)escrituras nunca inocente.

    Existe sempre um contexto no qual a traduo acontece,h sempre uma histria da qual um texto emerge e dentroda qual um texto transposto.

    SUSAN BASSNETT E ANDR LEFEVERE

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    SUMRIO

    INTRODUO .......................................................................................................... 9

    CAPTULO 1TRADUO E HISTRIA ........................................................................................ 13

    CAPTULO2AS RELAES BRASIL - ESTADOS UNIDOS APS A 2 GUERRA MUNDIAL .. 18

    2.1 OBRASIL ANTES DE 1964 ..................................................................................... 20

    2.1.1 DE GETLIO VARGAS A JNIO QUADROS....................................................... 21

    2.1.2 OGOVERNO DE JOO GOULART................................................................... 24

    2.2 OBRASIL PS-64 .................................................................................................. 27

    2.3 AREPRESSO EM SEU APOGEU -1968A 1974 ........................................................ 30

    2.4 ACAMINHO DA ABERTURA...................................................................................... 33

    2.5 ACAMINHO DA DEMOCRACIA.................................................................................. 35

    CAPTULO 3PROCESSOS DE MANIPULAO NA IMPRENSA E NA TRADUO ................. 40

    3.1 AMANIPULAO NOS MEIOS DE COMUNICAO........................................................ 41

    3.1.1 OCOMPLEXO IPS-IBAD NO PERODO PR-E PS-64 ............................................ 44

    3.2 TRADUO,MANIPULAO E PATRONAGEM............................................................. 493.2.1 OCONCEITO DE INTERPRETANTE................................................................... 56

    3.2.2 ATRADUO E SEUS PARATEXTOS................................................................ 58

    3.2.2.1 CAPA............................................................................................... 60

    3.2.2.2 ORELHAS......................................................................................... 62

    3.2.2.3 APRESENTAO............................................................................... 62

    3.2.2.4 ANTE-ROSTO.................................................................................... 63

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    3.2.2.5 FOLHA DE ROSTO............................................................................. 63

    3.2.2.6 VERSO DA FOLHA DE ROSTO.............................................................. 63

    3.2.2.7 PREFCIO........................................................................................ 64

    CAPTULO 4A TRADUO DE ANIMAL FARM.......................................................................... 67

    4.1 OANIMAL FARME O SEU AUTOR .............................................................................68

    4.2 ANIMAL FARMNO CONTEXTO BRASILEIRO................................................................ 71

    4.3 ANLISE DOS PARATEXTOS..................................................................................... 73

    4.3.1 CAPA .......................................................................................................... 73

    4.3.2 ORELHAS .................................................................................................... 75

    4.3.3 APRESENTAO........................................................................................... 76

    4.3.4 ANTE-ROSTO............................................................................................... 78

    4.3.5 VERSO DO ANTE-ROSTO............................................................................... 79

    4.3.6 FOLHA DE ROSTO......................................................................................... 80

    4.3.7 VERSO DA FOLHA DE ROSTO......................................................................... 81

    4.4 TTULO DO LIVRO................................................................................................... 81

    4.5 REBELLION =REVOLUO? ................................................................................... 84

    CONCLUSO ........................................................................................................... 97

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .......................................................................100

    ANEXOS .................................................................................................................104

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    INTRODUO

    Traduzir-se a literatura ocidental no Brasil ou na Amrica

    Latina no um gesto inocente. Cada ato de traduotransporta a cultura ocidental - da, o duplo significado dese traduzir a literatura ocidental: a traduo reescreve ooriginal mas tambm reescreve a histria: a traduorepresenta o original mas tambm representa a histria.

    ELSE VIEIRA

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    O panorama da traduo no contexto brasileiro alterou-se por volta dos anos

    30 do sculo XX, quando o pas comeou a editar os seus prprios livros. Nesse

    momento, o volume de traduo em lngua inglesa passou a suplantar o volume de

    traduo em lngua francesa, principalmente. Em outras palavras, o ingls passou a

    assumir a posio de lngua de cultura. Simultaneamente, os Estados Unidos

    assumiram uma posio de maior destaque no cenrio poltico e econmico

    brasileiro, mais evidentemente aps a 2. Guerra Mundial, quando o mundo se

    dividiu em dois grandes blocos, um dos quais liderados pelos norte-americanos.

    A histria nos mostra o quanto a presena norte-americana no Brasil

    determinou a ideologia que conduziu ao golpe militar de 64 e a sustentou durante os

    anos da ditadura. Nesse sentido, este trabalho pretende discutir a traduo no

    contexto da ditadura militar instaurada no pas em 1964, detendo-se,

    especificamente, em uma obra publicada no mesmo ano e intitulada A Revoluo

    dos Bichos, uma traduo do original Animal Farm, de George Orwell, concludo em

    1944 e publicado um ano depois.

    O livro A Revoluo dos Bichos foi resultado de um programa de tradues

    implementado por uma instituio denominada Ips (Instituto de Pesquisa e Estudos

    Sociais). Aos olhos dessa instituio, formada por civis e militares, Animal Farmera

    uma obra que poderia ser usada como uma arma anticomunista pois, ao final da

    mesma, com o autor tendo traado semelhanas entre homens e porcos, quando

    governantes, acabava por ridicularizar todos aqueles que diziam lutar por uma

    sociedade igualitria. Assim, os militares procuravam levar aos cidados brasileiros

    o temor de uma nova corrente poltica que se dizia mais justa, igualitria e favorvel

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    aos ideais populares, criando na mente dos brasileiros um sentimento de recusa ao

    sistema comunista.

    O trabalho a que me proponho a realizar constitui-se um suplemento ao

    estudo feito por Liliam Mara Rodrigues Silva em sua dissertao de mestrado,

    procurando fornecer uma nova camada interpretativa que se sobrepor ao original,

    lembrando o conceito de traduo de Benjamim (1970) e a interpretao que dele foi

    feita por Derrida (1985). Dessa maneira, atravs de textos de Perseu Abramo, Andr

    Lefevere, Theo Hermans, Mary Snell-Hornby, Else Vieira, entre outros, procuro

    mostrar os mecanismos de manipulao no processo de traduo de uma obra

    escrita em outro tempo e em outro lugar, Animal Farm. Essa obra, anos mais tarde,

    lembrada no contexto brasileiro atravs de uma traduo que visava aos

    propsitos de sedimentar uma postura anticomunista e de sustentar a ideologia do

    golpe militar de 1964. Alm de analisar os paratextos da traduo do livro de Orwell,

    focalizo minhas atenes nas interpretaes surgidas na leitura do original e na

    leitura da respectiva traduo brasileira, contrastando ambas. Acredito que esse

    trabalho venha a fornecer uma compreenso mais elucidativa da histria poltico-

    cultural do pas no perodo mencionado.

    No captulo 1, demonstro como traduo e histria possuem relaes

    intrnsecas, de tal modo que o estudo da traduo permite resgatar fatos no

    revelados anteriormente em abordagens de perodos especficos da histria de uma

    sociedade. Nesse entrelaamento de traduo e histria, utilizarei conceitos e idias

    defendidos por Judith Woodsworth, Jean Delisle e Lia Wyler.

    No captulo 2, apresento um panorama geral do Brasil em termos sociais,

    polticos e econmicos aps a 2. Guerra Mundial, chegando at o final de 1989,

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    quando, aps a ditadura militar, foi eleito o primeiro presidente atravs do voto

    direto. Nesse captulo, procuro destacar a presena dos Estados Unidos da Amrica

    na vida de nosso pas. Para tal, utilizei como fontes: 1964: A Conquista do Estado:

    ao poltica, poder e golpe de classe, de Ren Armand Dreifuss; Brasil: de Castelo

    a Tancredo, 1964-1985, de Thomas E. Skidmore, e O Golpe de 64 e a Ditadura

    Militar, de Jlio Jos Chiavenato.

    No captulo 3, abordo os processos de manipulao da informao

    presentes nos campos da imprensa em geral e da traduo. Para isso, no que diz

    respeito manipulao na imprensa, utilizo material encontrado na internet, de

    autoria de Perseu Abramo. No que diz respeito manipulao no contexto da

    traduo, trabalho com textos de Hermans, Lefevere, Snell-Hornby, entre outros.

    Durante o presente captulo, apresento dados que confirmam o quanto, no momento

    de preparao do golpe e durante o perodo da ditadura militar, a informao -

    veiculada por diferentes meios - foi manipulada por institutos tais como o Ips,

    mencionado anteriormente.

    No captulo 4, apresento, de forma geral, os contextos ingls e brasileiro

    quando da poca de lanamento da primeira edio do original e da traduo da

    obra de George Orwell, respectivamente, Animal Farm e A Revoluo dos Bichos.

    Aps essa localizao temporal, analiso os paratextos e extratos textuais da

    traduo brasileira, explicitando a manipulao ocorrida nos mesmos sob a luz dos

    conceitos apresentados no captulo 3.

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    CAPTULO 1

    TRADUO E HISTRIA

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    Segundo Judith Woodsworth (1996), "em muitas disciplinas, o treinamento

    inclui uma boa dose de histria" (p. 9), citando como exemplos disciplinas como a

    histria da msica, a histria da cincia, a histria da medicina, etc.. Diz ela que tal

    fato demonstra a importncia do estudo da historiografia em quaisquer reas do

    saber. Assim, da mesma forma que acontece com os outros cursos, o mesmo

    deveria acontecer com os de traduo, nos quais uma disciplina em tais moldes teria

    por objetivo preencher lacunas deixadas pelos estudos pr-acadmicos, que deixam

    a desejar em termos de conhecimentos gerais sobre as diferentes culturas de

    tempos remotos e dos atuais (1996:11).

    Avaliar o passado uma atividade de grande valia para a compreenso do

    mundo atual, uma vez que o homem, atravs do conhecimento de erros antes

    cometidos, adquirir o discernimento necessrio para se esquivar de situaes

    semelhantes. Pode-se dizer que o conhecimento do passado via traduo

    promover uma abertura para uma melhor compreenso da histria no momento em

    que um texto estrangeiro aportou em seus domnios.

    Woodsworth defende que, assim como as teorias lingsticas da traduo

    foram estendidas, suplementadas ou, at mesmo, substitudas pelas teorias

    culturais, a traduo dever ser analisada em seu contexto sociolgico e cultural

    (1996:11). Essa "virada cultural" nos estudos da traduo pode ser considerada

    como o incio dos estudos da histria da traduo, demonstrando que as atividades

    tradutrias esto ligadas aos projetos intelectuais, religiosos ou ideolgicos e esto

    intimamente relacionadas com eventos ou movimentos histricos maiores (1996:12).

    Segundo Woodsworth, o estudo da histria da traduo estaria baseado na

    anlise tanto da histria da prtica quanto da histria da teoria, pois, assim,

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    poderamos descobrir quem eram os tradutores, quais textos eles traduziam; sob

    quais circunstncias o faziam; como eles avaliaram seus trabalhos; o que eles

    escreviam em seus prefcios e pesquisas e como as tradues foram avaliadas em

    diferentes perodos da histria (1996:12-13).

    Tanto para Woodsworth quanto para Jean Delisle (1995), desde quando os

    homens comearam a desenvolver seus sistemas de escrita, os tradutores serviram

    como ligaes vitais para a transmisso de conhecimentos entre pessoas separadas

    por barreiras lingsticas. Assim, foram construdas pontes entre as naes, raas,

    culturas e continentes, pontes entre o passado e o presente. Os tradutores, segundo

    eles, tm a habilidade de atravessarem tempo e espao (p. 13).

    Ainda segundo Woodsworth e Delisle, os tradutores costumavam ser

    criticados pela sociedade, sendo chamados de traidores e oportunistas. Tal fato,

    segundo eles, se deve ao medo que as pessoas das culturas receptoras apresentam

    perante valores novos, estrangeiros e, s vezes, estranhos a elas. Desse modo, a

    sociedade no estaria criticando o tradutor, mas a situao em que elas so postas

    (1995:13). Os autores acrescentam que, essa situao, que coloca em questo

    nossos prprios valores e nos fora a nos analisarmos, sempre nos deixa em uma

    posio no muito confortvel (1995:14). Desse modo, "a construo de uma histria

    da traduo traz luz o complexo trabalho dos intercmbios culturais entre os

    povos, culturas e civilizaes atravs dos anos" (DELISLE, WOODSWORTH,

    1995:15).

    Dentro dessa perspectiva do estudo da histria da traduo como uma forma

    de se resgatar fatos histricos de um pas, Lia Wyler, em Uma Perspectiva

    Multidisciplinar da Traduo no Brasil (1999), alega que, por vrios sculos, a

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    traduo permitiu, nos pases europeus, um intercmbio variado, cuja baixa

    intensidade favoreceu uma assimilao lenta e fecunda dos produtos culturais que

    se destacaram em cada poca, ao passo que, no Brasil, ao invs desse intercmbio

    lento, variado e multidirecional, a traduo contribuiu para a construo de culturas

    hegemnicas de substituio, ao invs de alimentar as culturas nacionais (WYLER,

    1999:97).

    Durante os 300 anos aps o descobrimento, poca em que o Brasil foi

    proibido de imprimir e importar livros que no passassem por Portugal, os produtos

    culturais da Frana acabaram reinando em nosso pas, uma vez que a produo

    brasileira era insignificante. Essa hegemonia francesa ficou registrada nas canes

    de gesta do folclore nordestino, nas conspiraes e revoltas do Brasil colonial,

    principalmente nos sculos XVII e XVIII, inspiradas nas idias de pensadores

    franceses como Rousseau, Montesquieu, Fnelon, Diderot e outros (WYLER,

    1999:99).

    A Abolio da Escravatura, a Proclamao da Repblica, a reforma de

    ensino proposta por Benjamim Constant, o republicanismo autoritrio que

    desencadeou o Estado Novo e a Revoluo de 1964, segundo Wyler, foram

    influenciados pelo positivismo de Auguste Comte. Assim, percebemos que as

    tradues serviram como foras modeladoras em nossa cultura, influenciando a

    maneira de pensar do povo e dos nossos dirigentes.

    A partir da 2. Guerra Mundial, como mencionado na introduo, os Estados

    Unidos assumiram uma posio de maior destaque no cenrio poltico e econmico

    brasileiro e, em meados da dcada de 60, o governo norte-americano passou a

    investir de forma significante na indstria editorial brasileira, que havia perdido sua

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    competitividade devido ao aumento dos custos grficos e de uma taxa de cmbio

    que progressivamente favoreceu a importao de livros estrangeiros (WYLER,

    1999:101).

    Os Estados Unidos, cientes de tal aceitao do mercado brasileiro diante de

    suas obras, criaram um programa de edio de livros norte-americanos a serem

    traduzidos para o portugus. Segundo Wyler, a agncia responsvel por tal

    programa "escolhia os autores do interesse do governo norte-americano, pagava os

    direitos autorais, selecionava e subsidiava os tradutores e at financiava os custos

    de produo dos livros no Brasil" (1999:101). Desse modo, levando-se em conta que

    os Estados Unidos possuam interesses polticos e econmicos no Brasil, podemos

    afirmar que as tradues, principalmente a partir da dcada de 60 e durante os anos

    da ditadura militar brasileira, foram condicionadas por tais interesses.

    A traduo, como uma forma de relatar fatos histricos, pode ser vista como

    uma reescritura, um transplante de uma realidade que, talvez, j no mais exista, em

    uma outra cultura. Diante dessa afirmao, poder-se-ia dizer que, assim como as

    culturas se diferem uma das outras, suas maneiras de interpretar e fazer uso de

    determinados fatos tambm sero diferentes, resultando, dessa maneira, em textos

    que se diferem quanto s suas ideologias. Assim, um mesmo texto adquire vrias

    roupagens ao sofrerem um deslocamento no tempo e no espao.

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    CAPTULO 2

    AS RELAES BRASIL - ESTADOS UNIDOS APSA 2 GUERRA MUNDIAL

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    Nesse segundo captulo, levando-se em conta os governos ps-2. Guerra

    Mundial, trao um panorama da interferncia norte-americana na vida econmica e

    poltica brasileira. Pretendo, com isso, demonstrar que tal interferncia serviu como

    uma forma de patrocinar e sustentar o golpe de 64. Com relao a essa interferncia

    norte-americana no contexto brasileiro, Jlio Jos Chiavenato, em seu livroO Golpe

    de 64 e a Ditadura Militar, afirma que os Estados Unidos, aps a deposio de

    Vargas, interferiram em todos os golpes de Estado no Brasil, acrescentado que os

    embaixadores norte-americanos, a partir da dcada de 60, conspiraram com os

    polticos de direita e que o golpe de 64 no teria ocorrido sem tal apoio internacional

    (1994:39).

    Dessa maneira, podemos perceber que a influncia dos Estados Unidos em

    nossa vida poltico-econmica era visvel, podendo tambm ser ilustrada atravs do

    grupo de oficiais brasileiros que, influenciados pelo modelo da National War College

    (Academia Nacional de Guerra) dos Estados Unidos, fundaram, em agosto de 1949,

    a ESG (Escola Superior de Guerra). Essa escola, segundo Chiavenato, somente a

    partir de 1963 transformou-se em importante clula pensante aglutinadora das foras

    que posteriormente dariam o golpe (1994:45). Ela funcionava como um centro de

    estudos polticos muito influente, que fornecia a civis e militares de destaque cursos

    de um ano de durao, nos quais eram ensinadas tcnicas para o combate "guerra

    interna". Essa teoria, que foi "introduzida pelos militares no Brasil por influncia da

    Revoluo Cubana" (SKIDMORE, 1988:22), sustentava a idia de que a principal

    ameaa ao pas estava dentro de seu prprio territrio. Segundo eles, os sindicatos

    trabalhistas de esquerda, os intelectuais, as organizaes de trabalhadores rurais, o

    clero, os estudantes e professores universitrios eram uma constante ameaa ao

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    sistema capitalista vigente. Dessa forma, essas categorias deveriam ser

    "neutralizadas" ou at mesmo "extirpadas atravs de aes decisivas" (SKIDMORE,

    1988:22). Os diplomandos dessa escola recebiam como prmio "uma visita aos

    Estados Unidos e uma honrosa entrevista com o seu presidente" (CHIAVENATO,

    1994:46). Tudo isso subsidiado pelo prprio governo norte-americano.

    2.1 OBRASIL ANTES DE 1964

    Com o fim da 2. Guerra Mundial, em meados de 1945, o mundo se

    bipolarizou em dois segmentos poltico-ideolgicos: de um lado estavam os pases

    que seguiam o capitalismo, liderados pelos Estados Unidos, e do outro estavam os

    que seguiam o comunismo, liderados pela Unio Sovitica. Os anos que se

    seguiram foram representados pela disputa de poder entre essas duas principais

    potncias. A Unio Sovitica, segundo Chiavenato, havia reconhecido o direito de os

    Estados Unidos de controlarem a Amrica Latina (1994:59), o que levou esse pas a

    exercer uma crescente influncia, principalmente sobre o Brasil, possuidor de um

    grande, rico e bem localizado territrio. A partir de ento, o pensamento da elite

    governante brasileira, principalmente o da representada pelos militares, como

    tambm de grande parte do empresariado nacional, passou a ser norteado pelo

    modelo poltico-econmico americano. Foi nesse momento tambm que os contatos

    do Brasil com a lngua inglesa se fizeram mais fortes, transformando essa lngua em

    principal fonte da literatura traduzida, em substituio ao francs, at ento

    considerada a lngua de cultura no pas. O volume de tradues, nesse contexto,

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    aumentou, assim tambm como houve uma aproximao cultural da lngua inglesa.

    Desse modo, o estilo de vida norte-americano foi sendo paulatinamente incorporado

    nossa cultura.

    Durante esse perodo imediatamente ps-guerra, o presidente da repblica

    foi Eurico Gaspar Dutra, um militar que havia sido o Ministro da Guerra de 1936 a

    1945. Seu governo, que se iniciou em 1946 e terminou em 31 de janeiro de 1951,

    no ser alvo de ateno desse trabalho, tendo em vista que, procurando levantar

    dados que ilustrem as relaes entre os Estados Unidos e o nosso pas, considero

    ser mais produtivo analisar o perodo que se inicia com o segundo governo de

    Getlio Vargas. No entanto, importante mencionar o fato de Dutra ter decretado a

    ilegalidade do Partido Comunista, dando um poder maior aos Estados Unidos e seu

    sistema poltico em territrio brasileiro.

    2.1.1 DE GETLIO VARGAS A JNIO QUADROS

    De 1951, ano em que Getlio Vargas assumiu a presidncia, at 1954,

    quando ele cometeu suicdio, temos um perodo reconhecido pela sua "poltica de

    cunho nacionalista e populista" (SKIDMORE, 1988:26), que se caracterizou, entre

    outros acontecimentos, pela queda dos preos do caf no mercado internacional,

    pela luta em prol do monoplio nacional do petrleo, pela tentativa de melhorar os

    salrios dos trabalhadores, enquanto, por outro lado, os dos militares "encolhiam".

    Tais atitudes, fundamentadas no modelo dos partidos socialistas democrticos

    europeus, nos quais se espelhava o partido de Getlio Vargas, o PTB (Partido

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    Trabalhista Brasileiro), conduziram a um aumento da inflao interna, o que gerou

    insatisfao popular. Surgiu, tambm, uma grande insatisfao por parte dos

    militares, que viam a atual poltica brasileira como uma ameaa ao sistema

    capitalista, e, conseqentemente, um apoio ao comunismo.

    Em 1955, assumiu o poder Juscelino Kubitschek, que pautou o seu governo em

    um rpido crescimento econmico, conduzido pelo lema "50 em 5"; pelas inovaes

    (construo da nova capital federal em Braslia e criao da SUDENE, por exemplo);

    pelo incentivo dado ao capital estrangeiro para investir em setores como a indstria

    de automveis; pelo rompimento com o FMI (Fundo Monetrio Internacional), em

    1959, e pelo conseqente despertar do nacionalismo no pas, o que, por sua vez,

    causou insatisfao entre os polticos pertencentes UDN (Unio Democrtica

    Nacional), principal partido conservador da poca, fundado para combater a ditadura

    em 1945, e entre muitos militares que no simpatizavam com a poltica do partido de

    Juscelino Kubitschek, o PSD (Partido Socialista Democrtico).

    Assim, em 1960, a UDN escolheu como candidato presidncia Jnio

    Quadros, um modesto ex-professor de So Paulo, com um excepcional carisma

    poltico, que j havia sido eleito prefeito da cidade de So Paulo e governador do

    estado de mesmo nome. A UDN, apesar de saber que a identificao partidria de

    Quadros era mera convenincia e que ele j havia trocado algumas vezes de

    partido, se interessou por ele, pois, segundo Skidmore, o mesmo professava muitas

    das posies udenistas, como a intransigncia com a corrupo, a suspeita em

    relao a obras faranicas, a preferncia pela livre empresa e a nfase nos valores

    do lar e da famlia, alm de ser um poltico que conquistava facilmente muitos votos

    e que prometia erradicar a inflao e racionalizar o papel do Estado na economia

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    (1988:28). Com toda essa credibilidade, Quadros venceu as eleies em 1960 e, em

    1961, assumiu a presidncia da Repblica, formando um governo com nomes que

    estavam comprometidos com a poltica financeira do grande capital norte-americano.

    Mas, por outro lado, Quadros comeou a proferir discursos demaggicos e

    nacionalistas, que incomodaram os defensores do capitalismo. E ele no ficou

    somente nos discursos. Segundo Chiavenato, o ento presidente:

    ... reatou relaes diplomticas com os pases do Leste Europeu;mandou representantes s conferncias de Cairo e Belgrado,defendendo posies hostis aos Estados Unidos; e, talvez o maisimportante, apoiou o ingresso da China Popular na ONU(Organizao da Naes Unidas).Com o presidente Frondizi, da Argentina, tentou formar uma frente ingerncia dos Estados Unidos na poltica dos pases sul-americanos. Recusou as presses de enviados do governo norte-americano (Adolf Berle e Moors Cabot) para "amenizar" sua polticaexterna. Convidou o governador do Rio Grande do Sul, LeonelBrizola (na poca, uma espcie de "demnio" para a direita), paraintegrar a misso brasileira na Conferncia de Punta del Este.Defendeu a libertao dos povos africanos, opondo-se polticaimperialista de Portugal, apoiada pelos Estados Unidos. Finalmente,condecorou o astronauta sovitico Iri Gagrin e, culminando, fez omesmo com Ch Guevara, o smbolo da Revoluo Cubana.Parecia um governo de esquerda... (1994:10).

    Nesse clima de aparente apoio s idias socialistas, Jnio Quadros foi muito

    pressionado, perdeu o apoio poltico que precisava para se manter no poder e, sem

    condies de articular sua defesa, acabou renunciando Presidncia, quase sete

    meses depois de sua posse.

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    2.1.2 OGOVERNO DE JOO GOULART

    Joo Goulart, o vice-presidente, deveria assumir o cargo deixado por

    Quadros, mas Gabriel Grm Moss, Brigadeiro da Aeronutica, Odlio Denis, General

    de Guerra, e Slvio Heck, Almirante da Marinha, ento ministros militares, vetaram a

    posse de Goulart, que se encontrava em misso oficial na Repblica Popular da

    China. O motivo alegado pelos militares foi o de que Goulart havia concedido

    posies importantes em sindicatos trabalhistas a simpatizantes do comunismo,

    quando ministro do ltimo governo de Getlio Vargas. Naquele momento, ele

    tambm props o aumento salarial dos trabalhadores. Assim, no era de se

    estranhar o medo que os militares tinham de deixar o poder em suas mos. Ao

    tentar impedir a posse de Goulart, eles procuraram fazer uma eleio indireta para

    colocar um general no poder, para impedir o que eles acreditavam ser uma "ameaa

    comunista" e a conseqente perda do apoio poltico e financeiro dos Estados

    Unidos. Os militares no conseguiram xito e a posse de Joo Goulart foi inevitvel.

    Chegou-se soluo de que Goulart assumiria, mas com poderes reduzidos,

    transformando, dessa maneira e atravs de uma emenda constitucional, o Brasil em

    uma repblica parlamentar.

    Goulart, ao mesmo tempo em que lutou para readquirir os poderes perdidos,

    lutou tambm contra uma inflao altssima e contra a perda da credibilidade com os

    credores internacionais, que estavam atentos s tendncias socialistas do governo.

    Entre as marcas mais importantes desse governo encontram-se as reformas de base

    apresentadas pelo prprio presidente. Segundo Chiavenato, "as reformas de base

    abarcavam quase toda a sociedade. Existiam planos para as reas eleitoral,

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    administrativa, tributria, urbana, bancria, cambial, universitria e, certamente a

    mais polmica, a agrria" (1994:14). Uma das reformas, a urbana, buscava a

    desapropriao de imveis excedentes desocupados, ou seja, um indivduo poderia

    ter somente um determinado nmero de imveis, o restante seria desapropriado e

    financiado pelo Estado para aqueles que no possussem ainda um imvel prprio.

    Essa reforma colocava em pnico muitos proprietrios e especuladores. Outra

    reforma seria a bancria, que tinha como objetivo a nacionalizao de todos os

    bancos estrangeiros e a participao dos bancrios em sua direo. Uma terceira

    reforma de importncia seria a eleitoral, que incomodou bastante as elites polticas e

    a hierarquia militar, pois concedia direito de voto aos analfabetos e soldados. Mas,

    segundo Chiavenato, "a proposta que mais sensibilizou a nao e irritou as elites

    sociais - e religiosas - foi a Reforma Agrria (...) A mera divulgao de que o projeto

    de Reforma Agrria estava sendo remetido ao Congresso praticamente derrubou o

    presidente Joo Goulart" (1994:15). Concomitante a tudo isso, de acordo com

    Skidmore, "em Washington, o assessor de Segurana Nacional, McGeorge Bundy,

    monitorava pessoalmente o trfego telegrfico originrio do Brasil, sinal indisfarvel

    da preocupao da Casa Branca de que o pas desse uma guinada para a

    esquerda" (1988:20).

    O governo de Goulart exerceu um controle mais rigoroso sobre as empresas

    estrangeiras que se instalavam no pas somente para conquistar o poder

    monopolista do mercado e, assim, enviar a maior quantia de lucros possvel para

    suas matrizes no exterior. Esse controle pode ser exemplificado por uma lei,

    aprovada pelo Congresso, em 1962, que tornava a poltica de remessa de lucros

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    mais severa e que, por sua vez, demostrava o nacionalismo radical predominante no

    Legislativo daquela poca.

    A conspirao contra o governo de Goulart, que estava crescendo mais a

    cada dia, j mostrava sinais de vitria: alguns polticos se apresentavam

    publicamente como coniventes interveno dos Estados Unidos na poltica

    nacional, os jornais j apresentavam o desejo da classe dominante como sendo de

    toda a populao e o descontentamento com a situao era crescente entre os

    militares, empresrios e toda a classe dominante. Em 1963, segundo Chiavenato,

    cerca de 4 mil cidados norte-americanos obtiveram vistos para se fixarem no

    nordeste brasileiro e outros 3 mil foram recusados. Em 1963, havia mais norte-

    americanos nessa regio do que na Segunda Guerra Mundial, quando eles tinham

    vrias bases no local (1994:66). O apoio dos Estados Unidos na formao de grupos

    treinados para implementar o novo governo, contrrio ao de Goulart, era

    incontestvel.

    Assim, com todo o aparato poltico fornecido pelo governo norte-americano,

    os militares, apoiados no s por membros da populao em geral, mas tambm por

    institutos, sobre os quais se falar mais tarde, e empresrios, que se sentiam

    ameaados pela "onda comunista", tomaram o governo em 31 de maro de 1964. O

    golpe, segundo Chiavenato, teve incio com o deslocamento das tropas em Minas

    Gerais, na madrugada do dia 31, onde o general Mouro Filho, chefe da IV Regio

    Militar, em Juiz de Fora, justificou o movimento alegando que o presidente Goulart

    tinha abusado do poder e devia ser afastado (1994:46). Aqui, vale ressaltar que,

    segundo Dreifuss, o general, que h muito se destacava como contrrio ao governo

    Goulart, apesar de ter sido uma pea-chave para o desencadeamento do golpe, no

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    trabalhava dentro das instituies que se encarregavam da preparao do mesmo,

    funcionando mais como um informante de suas prprias atividades do que um

    receptor de informaes sobre qualquer movimento estruturado contra Joo Goulart

    (DREIFUSS, 1981:374-375). Assim, como j haviam traado anteriormente tticas

    para a derrubada do poder e a instaurao de um governo militar, os militares e

    polticos de direita de todo o territrio brasileiro, apoiando a deciso do general

    Mouro Filho e percebendo que o governo federal se encontrava incapaz de

    qualquer reao ou ttica defensiva, fizeram com que o golpe repercutisse

    rapidamente em toda a nao, mudando, dessa maneira, o rumo de toda a poltica

    brasileira.

    2.2 OBRASIL PS-64

    Aps o golpe de 1964, a luta passou a ser a de decidir quem chefiaria o

    novo governo militar. Nos bastidores, se esquivando de todos os trmites da

    constituio, a maioria dos revolucionrios militares e civis escolheram o

    coordenador da conspirao militar, o general Castelo Branco, como novo

    presidente. O governo foi formado por administradores, polticos e representantes de

    interesses econmicos ou sociais das classes dominantes.

    Do golpe de 64 at 1968, temos quatro anos que se caracterizaram,

    principalmente, pela promulgao dos atos institucionais, que foram uma maneira

    encontrada pelos militares de exercerem o controle poltico-ideolgico, sem se

    tornarem inconstitucionais. O primeiro Ato Institucional (AI-1), promulgado em 9 de

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    abril, permitia, mediante investigao sumria e excluda a apreciao judicial, a

    demisso, a disponibilidade ou a aposentadoria dos que houvessem atentado contra

    a segurana do pas, o regime democrtico e a probidade administrativa. Esse ato

    conferia ainda ao Presidente a Repblica a faculdade de suspender direitos polticos

    e cassar mandatos legislativos. O artigo 7 do AI-1 possibilitou o afastamento de

    professores e cientistas de faculdades, o que promoveu a conhecida "evaso dos

    crebros", tudo em prol da manuteno da chamada "segurana nacional"

    (CHIAVENATO, 1994:66).

    A represso militar no se restringiu aos atos institucionais. Ainda em abril

    de 1965, a Universidade de Braslia foi invadida por soldados da Polcia Militar de

    Minas Gerais, fortemente armados, que procuraram armas, levaram para a

    delegacia universitrios e professores, os fizeram depor, os mantiveram presos e,

    mais tarde, os indiciaram em Inqurito Policial Militar, que nada concluiu.

    Em 1965, surgiu o AI-2, que extinguiu os partidos polticos, suspendeu

    garantias constitucionais de estabilidade, vitaliciedade, inamovibilidade e previu a

    possibilidade de decretao do estado de stio. Em novembro do mesmo ano, foi

    criado o bipartidarismo, surgindo a Arena (Aliana Renovadora Nacional) e o MDB

    (Movimento Democrtico Brasileiro). Assim, o governo tornava mais fcil a vitria de

    seus candidatos e dificultava, conseqentemente, o ingresso de um esquerdista no

    governo ditatorial.

    A disposio do governo em favorecer os Estados Unidos se tornou visvel,

    quando, em 1967, o Artigo 161 da Constituio do mesmo ano, considerou as

    riquezas minerais como propriedade distinta do solo, permitindo a sua extrao por

    sociedades organizadas no pas. Isso significava que as multinacionais que

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    possuam filiais em territrio nacional tinham direito de explorar nossos minrios

    (CHIAVENATO, 1994:72).

    Em maro de 1967, Costa e Silva assumiu o cargo deixado por Castelo

    Branco. Costa e Silva, que fazia parte da chamada "linha-dura", tornou o governo

    ainda mais ditatorial: decretou uma nova constituio; promulgou a Lei de

    Segurana Nacional, que transformava todo e qualquer cidado em um suspeito de

    subverso; criou a Lei de Imprensa, "com restries brutais liberdade de

    informao" (CHIAVENATO, 1994:66).

    No entanto, o povo procurava cada vez mais formas de resistncia: lutas

    clandestinas, greves, manifestaes estudantis e em fbricas. Essa insatisfao

    resultou na Passeata dos 100 mil, em 26 de junho de 1968, no Rio de Janeiro, que

    reuniu estudantes, artistas, intelectuais, representantes do clero, sindicalistas e povo

    em geral. Uma comisso foi criada para levar at o presidente as reclamaes da

    sociedade civil. Para impedir manifestaes do tipo e outras mais extremas, o

    governo promulgou, em dezembro de 1968, o AI-5, que autorizou o presidente da

    Repblica a colocar em recesso o Congresso Nacional e as Assemblias

    Legislativas estaduais e deu ao presidente plenos poderes para cassar mandatos

    eletivos, suspender direitos polticos, demitir ou aposentar juzes e funcionrios.

    Esse ato suspendeu o habeas corpus e autorizou o julgamento em tribunais de

    crimes polticos. O AI-5, que nasceu para inibir as greves dos metalrgicos de

    Contagem (MG) e Osasco (SP), conter manifestaes estudantis e anular a

    crescente militncia dos trabalhadores, marcou o incio da mais severa poca para a

    populao brasileira durante o perodo ditatorial.

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    2.3 AREPRESSO EM SEU APOGEU -1968A 1974

    O AI-5, diferentemente dos outros atos anteriormente promulgados, no

    possua "prazo de validade", o que, praticamente, tornava eterna a ditadura

    instaurada em 1964 (CHIAVENATO, 1994:77). Os militares, segundo exposto no

    prprio texto do AI-5, deveriam governar "preservando a ordem, a segurana, a

    tranqilidade, o desenvolvimento econmico e cultural e a harmonia poltica e social

    do Pas comprometidos por processos subversivos e de guerra revolucionria" (AI-

    5). Assim, tudo que fosse considerado contrrio ao governo, que pusesse em risco o

    bem-estar da nao, era rotulado de subversivo.

    O AI-5, ao conferir aos militares tais poderes, acabou se tornando um marco

    do fim da "liberdade de expresso", antes assegurada pela Constituio a todo e

    qualquer cidado. A anulao desse direito pode ser vista como o incio da censura,

    uma palavra que, a partir desse momento, se tornou uma constante no cotidiano do

    brasileiro durante o regime militar e que, do lado dos militares, se tornou a mais

    poderosa arma contra o cidado que insistia em ter idias contrrias que

    ameaavam a to aclamada segurana nacional.

    Em agosto de 1969, a Junta Militar, composta pelo marechal Mrcio de

    Souza e Melo (Aeronutica), pelo general Aurlio de Lyra Tavares (Guerra) e pelo

    almirante Augusto H. Rademaker Grnewald (Marinha), assumiu a presidncia no

    lugar de Costa e Silva, que foi afastado devido a uma trombose. O vice-presidente,

    Pedro Aleixo, um civil com fama de "liberal", no pde assumir a presidncia por

    motivos bvios (CHIAVENATO, 1994:77). Essa Junta Militar criou, em setembro de

    1969, a Lei de Segurana Nacional que, juntamente com o AI-5, promoveu

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    acusaes, perseguies e mortes de muitas pessoas que, diante dos olhos do

    governo, atentavam contra a paz e o progresso da nao. Ela autorizou "o governo

    federal a intervir em virtualmente qualquer nvel de atividade social se julgasse que a

    segurana nacional havia sido violada" (SKIDMORE, 1988:219). Para tornar ainda

    mais eficaz a represso aplicada pelo governo, os militares promulgaram, em 9 de

    setembro de 1969, o AI-14, que autorizou a pena de morte para subversivos.

    Diante dessa situao, em que o governo assumiu poderes arbitrrios

    devido promulgao de atos institucionais e seus respectivos atos

    complementares, o pas passou a se caracterizar pela censura a todo tipo de arte,

    informao e cultura. Segundo Skidmore, a censura, que at meados de janeiro de

    1969 foi exercida por oficiais do Exrcito, em setembro de 1972, foi assumida pela

    Polcia Federal, que:

    ... passou a mandar suas ordens de censura aos editores, portelefone ou por escrito. Os assuntos geralmente proibidos eramatividades polticas estudantis, movimentos trabalhistas, pessoasprivadas dos seus direitos polticos e ms notcias sobre aeconomia. As notcias mais sensveis eram as referentes aosmilitares - o que quer que pudesse causar dissenso nas forasarmadas ou tenso entre os militares e o pblico (1988:267).

    Em 25 de outubro de 1969, Emlio Garrastazu Mdici foi indicado para a

    presidncia da Repblica, tendo tomado posse em 30 de outubro de 1969. O

    governo Mdici recebeu "novos ministros, que eram principalmente administradores,

    em contraste com outros Ministrios desde 1964, constitudos mais com polticos

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    profissionais e representantes de interesses econmicos ou sociais" (SKIDMORE,

    1988:213). Esse fato nos mostra o quo o governo militar estava envolvido com

    empresrios, tecnocratas e outros defensores do capitalismo.

    O governo Mdici se caracterizou, principalmente, pelo "milagre econmico",

    que levou a classe mdia alta a um consumo desenfreado, e pela perseguio a

    estudantes e professores, principalmente queles pertencentes ao meio acadmico.

    Expulses, prises e torturas eram uma constante dentro das universidades e

    faculdades. Vale ressaltar que as nicas faculdades que eram poupadas de tais

    aes eram as de economia (SKIDMORE, 1988:220), talvez pelo simples fato de

    que o governo militar era composto por muitos profissionais oriundos dessas

    faculdades. Apesar da perseguio, o governo Mdici no deixou de dar assistncia

    ao ensino superior e aumentou o oramento do mesmo, o que representou um

    nmero maior de vagas nas universidades e a contratao de mais professores.

    Tudo isso graas ao boomeconmico que caracterizou esse governo.

    Enquanto, de um lado, o boom econmico do governo Mdici agradava

    bastante aos Estados Unidos, por outro lado, as perseguies e torturas aos

    subversivos incomodavam o pas chefe do capitalismo e principal investidor em

    terreno brasileiro, a ponto de, em um editorial do New York Times, o redator ter

    questionado se o Brasil precisava de represso para ser bem sucedido na economia

    (SKIDMORE, 1988:308). Esse questionamento representou a opinio pblica norte-

    americana a respeito da represso brasileira, mas no impediu que o governo norte-

    americano considerasse o desenvolvimento brasileiro de acordo com suas

    preferncias e permitisse seu secretrio de Estado, William Rogers, visitar o Brasil

    em maio de 1973 e demonstrar a continuao do apoio norte-americano ao governo

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    Mdici (SKIDMORE, 1988:308). Em 15 de maro de 1974, Ernesto Geisel, eleito

    indiretamente pelo Congresso, assumiu a sucesso de Mdici. O seu governo foi

    marcado pelo incio de uma poltica de abertura considerada lenta e gradual.

    2.4 ACAMINHO DA ABERTURA

    O governo Geisel tinha quatro metas principais. A primeira era continuar com

    o apoio da maioria dos militares, ao mesmo tempo em que tentava reduzir o poder

    da chamada "linha dura", restabelecendo o carter estritamente profissional dos

    oficiais das foras armadas. Buscava-se o apoio de militares pois, em tal momento,

    se o presidente no tivesse esse apoio, certamente no alcanaria seus objetivos e,

    conseqentemente, no realizaria qualquer mudana poltica significativa. A

    segunda meta do presidente Geisel era continuar com o controle dos subversivos.

    Dessa maneira, o governo tinha que manter um equilbrio coerente entre essa e a

    primeira meta. Deveria perseguir subversivos e centro-esquerdistas para adquirir a

    confiana dos militares e, assim, posteriormente e/ou concomitantemente, pr em

    prtica a primeira meta anteriormente mencionada. A terceira meta, que era bastante

    delicada, consistia em retornar democracia. Isso no significava que Geisel

    permitiria o ingresso da oposio no poder. Seu governo tinha em mente um sistema

    democrtico, no qual o partido do governo continuasse a mandar sem contestao.

    Para tal, deveria caminhar lentamente, executando um trabalho de tranqilizao

    dos militares. A quarta meta do governo consistia em manter as taxas de

    crescimento do pas em alta. Acreditava-se que, ao manter essas taxas em

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    constante crescimento, o bolo cresceria de forma notvel e, conseqentemente, uma

    diviso desse bolo em partes mais dignas e justas seria possvel sem que qualquer

    camada social se sentisse prejudicada. Para ilustrar essa posio de abertura lenta

    e gradual do governo Geisel, temos um discurso feito pelo prprio presidente no

    princpio de 1975:

    O que almejamos para a nao (...) um desenvolvimento integradoe humanstico, capaz, portanto, de combinar, orgnica ehomogeneamente, todos os setores - poltico, social e econmico -da comunidade nacional. Com esse desenvolvimento quealcanaremos a disteno (destaque do original) - isto , aatenuao, se no eliminao, das tenses multiformes, semprerenovadas, que tolhem o progresso da nao e o bem-estar do povo(GEISEL citado por SKIDMORE, 1988:343-44).

    O interessante que, no mesmo discurso, segundo Skidmore, ele anunciou

    que o governo no pretendia abrir mo dos poderes adquiridos por fora do AI-5.

    Assim, ele fortalecia a idia de que, somente se os militares tivessem confiana no

    governo e em sua poltica de manuteno da to aclamada segurana nacional, a

    oposio poderia esperar "um retorno ao imprio da lei" (1988:344). Uma atitude

    que, ao mesmo tempo em que tranqilizava os militares, agradava aqueles que

    gostariam de viver em um pas verdadeiramente democrtico. Em termos de

    reduo da poltica repressiva dos militares, tivemos, no governo de Ernesto Geisel,

    como principais conquistas, a restaurao do habeas-corpus, a revogao do AI-5, o

    retorno da grande maioria dos refugiados polticos e a suspenso da censura.

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    Essa liberalizao do governo Geisel abriu um espao para que

    manifestaes comeassem a surgir, reivindicando justia e o fim da represso, que

    vinha sendo conduzida pelos militares. Dessa maneira, bombas em editoras,

    associaes e outras instituies passaram a ser uma constante, assim como

    passeatas e manifestaes. Como exemplos, temos os atentados Associao

    Brasileira de Imprensa e OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), ambas no Rio de

    Janeiro, em 19 de agosto de 1976; o atentado Editora Civilizao Brasileira, no Rio

    de Janeiro, em 6 de dezembro de 1976; a passeata de cinco mil estudantes, saindo

    do campus da USP e chegando at o Largo de Pinheiros, sob vigilncia de forte

    aparato policial, em fevereiro de 1977; a Campanha pela Anistia Ampla, Geral e

    Irrestrita, durante os anos de 1978 e 1979, e a greve dos metalrgicos no ABC, que

    se alastrou por So Paulo, Osasco e Campinas, durante os meses de maio, junho e

    julho de 1978, entre muitas outras manifestaes contra o governo ditatorial.

    2.5 ACAMINHO DA DEMOCRACIA

    Em outubro de 1978, o Congresso elegeu Joo Baptista Figueiredo como

    presidente, que, por sua vez, comprometeu-se a dar continuidade abertura lenta e

    gradual que havia se acelerado no ltimo ano do governo Geisel. Em um de seus

    discursos, Figueiredo disse que reafirmava os compromissos da Revoluo de 1964

    de assegurar uma sociedade livre e democrtica, reafirmando, tambm, seu

    inabalvel propsito de fazer do Brasil uma democracia, garantindo a cada

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    trabalhador a remunerao justa e o financiamento, pelos prprios brasileiros, dos

    custos do desenvolvimento. (FIGUEIREDO citado por SKIDMORE, 1988:412).

    O ano de 1979, segundo Skidmore, foi um perodo de negociao na poltica

    brasileira. O pas enfrentava um ndice alto de inflao e vrios outros problemas de

    ordem econmica, mas Figueiredo tinha outras preocupaes que, naquele

    momento de abertura poltica, julgava serem mais importantes, por exemplo, a

    anistia, que se tornou um tpico fundamental para o abandono do regime autoritrio

    e a reintegrao na sociedade dos milhares de exilados polticos que tiveram que

    sair foragidos do pas desde 1964. Manifestaes populares eram uma constante e,

    onde quer que houvesse multides, os defensores da anistia apareciam para

    protestar. Assim, em agosto de 1979, a lei da anistia foi aprovada pelo Congresso,

    beneficiando todos os presos ou exilados por crimes polticos desde setembro de

    1961 e devolvendo aos mesmos os direitos que haviam perdido quando da

    promulgao dos atos institucionais (SKIDMORE, 1988:422-23).

    O governo Figueiredo percebeu que, ao permitir somente a existncia de

    dois partidos polticos (Arena e MDB), a oposio se tornava mais forte. Assim,

    decidiu que seria mais seguro dissolver o bipartidarismo e promover a criao de

    mltiplos partidos com elementos da oposio, mantendo as foras do governo em

    um nico partido de novo nome e adquirindo, aos poucos, o apoio daqueles mais

    conservadores. Dessa maneira, no ms de novembro do mesmo ano, um projeto de

    lei com esse objetivo foi enviado ao Congresso e aprovado, efetivando a vontade do

    governo (SKIDMORE, 1988:427-28).

    Os anos seguintes, 1980 e 1981, foram marcados por exploses. Donos de

    bancas de jornais eram ameaados e impedidos de vender publicaes de cunho

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    esquerdista, uma carta-bomba foi enviada OAB, um carro explodiu no

    estacionamento do Riocentro, onde se realizava um espetculo a favor das causas

    esquerdistas, o que demonstrou a inquietao dos militares da direita frente

    abertura poltica do atual governo, uma vez que fortes indcios demonstravam o

    envolvimento dos militares nesse ltimo atentado.

    A reforma partidria do governo foi um ponto chave para as eleies de

    1982. O governo, que defendeu algumas medidas ligeiramente populistas,

    procurava, dessa forma, fortalecer o PDS (Partido Democrtico Social), que era a

    reformulao da antiga Arena. Entre tais medidas, podem ser mencionadas:

    ... alvio das restries sobre aumentos salariais, envio de recursospolticos para candidatos aos governos estaduais leais a Figueiredo,adiamento de qualquer aumento das contribuies de empregados eempregadores para o sistema de seguridade social financeiramentecambaleante e, mais importante, atenuar a poltica recessiva queestava reduzindo a produo industrial e aumentando o desemprego(SKIDMORE, 1988:445).

    Ainda segundo Skidmore, o adiamento que havia ocorrido para as eleies,

    de 1980 para 1982, obrigou os eleitores a votarem para todos os nveis, exceto opresidencial. A oposio conseguiu 59% do total dos votos populares, mas no

    conseguiu fazer maioria no Congresso ou no colgio eleitoral, que devia escolher o

    sucessor de Figueiredo. O governo havia perdido uma fora considervel, levando-

    se em conta que se a oposio votasse unida podia vetar qualquer lei proposta pelo

    governo (1988:454).

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    O ano de 1984 representou o incio das grandes manifestaes a favor de

    uma poltica eleitoral amplamente aberta, que permitisse a participao de todos os

    brasileiros nas eleies presidenciais. No dia 25 de janeiro, houve um grande

    comcio na Praa da S, em So Paulo, a favor de eleies diretas para presidente.

    O governo, insatisfeito com tais manifestaes, obrigou as emissoras de rdio e

    televiso a no transmitirem tais atos pblicos. No incio, as emissoras acataram ao

    comando do governo, mas, depois de algum tempo, ao perceberem que estavam

    perdendo uma matria jornalstica importante, assim como um relevante evento

    poltico, passaram a transmitir na ntegra todos essas manifestaes que

    reivindicavam uma efetiva abertura poltica. Nesse momento, foi criada para

    posterior votao uma emenda constitucional que permitiria as eleies diretas. Ela

    deveria ter dois teros dos votos da Cmara e do Senado para que pudesse ser

    efetivada. Em 25 de abril de 1984, a emenda foi derrotada na Cmara, pondo fim

    nas esperanas de uma eleio direta para presidente.

    Como a eleio direta para presidente no aconteceria, a oposio

    promoveu uma campanha para eleio indireta de Tancredo Neves, um ex-deputado

    das dcadas de 60 e 70 e senador de 1978 a 1982, ministro da Justia (1953-54) no

    governo do presidente Getlio Vargas, diretor do Banco do Brasil (1956-58) no

    governo Juscelino Kubitscheck e primeiro-ministro durante o parlamentarismo. Em

    15 de janeiro de 1985, o colgio eleitoral elegeu Tancredo Neves e Jos Sarney

    como presidente e vice, respectivamente.

    Tancredo Neves, que seria o primeiro presidente civil desde 1964, faleceu,

    nas vsperas de sua posse, em conseqncia de um grave problema de sade.

    Assim, assumiu em seu lugar Jos Sarney, diante de uma populao desiludida com

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    a morte da figura que encarnava os ideais democrticos do povo brasileiro

    (SKIDMORE, 1988: 491-93).

    O governo Sarney, durante esse momento conturbado do pas, adotou

    apenas algumas medidas importantes, como o fim da censura poltica, anistia aos

    dirigentes sindicais destitudos de seus postos desde 1964, criando o clima de uma

    Nova Repblica mais livre e democrtica. Posteriormente, focalizou seus esforos

    para lutar contra a inflao, que j atingia nveis altssimos. Para tal, criou, atravs

    de um decreto-lei, em 28 de fevereiro de 1986, o que, talvez, tenha sido a principal

    caracterstica de seu governo: o Plano Cruzado, onde a antiga moeda, o cruzeiro, foi

    substituda pelo cruzado; a indexao seria abolida; as hipotecas e aluguis

    congelados por um ano, e os preos, por prazo indeterminado; e o salrio mnimo

    seria reajustado pelo seu valor mdio nos ltimos seis meses, mais um abono de 8

    por cento. O plano obteve apoio imediato do povo, transformando Jos Sarney e

    Funaro, ministro da Fazenda, em heris nacionais (SKIDMORE, 1988:538-39).

    Em junho de 1988, o Congresso aprovou 5 anos para Jos Sarney e marcou

    as primeiras eleies diretas para Presidente da Repblica para 15 de novembro de

    1989, quando Fernando Collor de Mello e Itamar Franco foram eleitos,

    respectivamente, presidente e vice-presidente.

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    CAPTULO 3

    PROCESSOS DE MANIPULAO NA IMPRENSA ENA TRADUO

    ... a distoro da realidade pela manipulao dainformao deliberada, tem um significado e umpropsito.

    PERSEU ABRAMO

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    Neste captulo, traarei os principais aspectos que dizem respeito aos

    processos de manipulao, mais especificamente, nos campos da imprensa e da

    traduo.

    3.1AMANIPULAO NOS MEIOS DE COMUNICAO

    A imprensa, sendo um dos meios de comunicao de massa, formadora de

    opinies, desempenhou um papel fundamental durante o perodo ditatorial brasileiro.

    Vimos que perseguies a editoras, distribuidoras de livros, jornalistas e escritores,

    por exemplo, foram uma constante, o que ilustra o poder dos meios de comunicao

    sobre a sociedade.

    Perseu Abramo (1988), que foi secretrio nacional de formao poltica do

    PT (Partido dos Trabalhadores), em texto publicado na internet, argumenta que, de

    forma geral, a imprensa se refere a uma realidade irreal, que ela contradiz os fatos.

    Para ele, os responsveis pelos meios de comunicao criam um mundo artificial

    para poderem exercer uma espcie de poder poltico sobre a sociedade. Ele

    compara a mdia a partidos polticos, no que concerne sua estrutura e sua

    ideologia. De acordo com seu ponto de vista, a imprensa manipula as informaes, o

    que, por sua vez, se transforma em uma manipulao da realidade. Assim, ele

    distingue pelo menos cinco padres de manipulao gerais para toda a imprensa.

    Seriam eles: a ocultao, a fragmentao, a inverso, a induoe o padro global

    ou especfico do jornalismo de televiso e rdio.

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    O padro de ocultao seria aquele onde a imprensa separa os

    acontecimentos do cotidiano em fatos jornalsticos e fatos no-jornalsticos. nesse

    processo que, segundo Abramo, a "ocultao" de fatos reais se faz presente, pois,

    medida em que tal classificao utilizada, fatos que na verdade eram para ser

    considerados relevantes so deixados de lado por serem no-jornalsticos. Assim, a

    notcia e a verdade so manipuladas, de tal maneira que os fatos so repassados de

    uma forma irreal, mascarada por detalhes que se perderam ou que intencionalmente

    foram includos.

    O padro de fragmentao aquele no qual os fatos so particularizados,

    reconectados e revinculados de forma arbitrria, perdendo a conexo com a

    realidade e distorcendo a mensagem inicial. Ainda dentro desse padro, segundo

    Abramo, existe a seleo de aspectos, que semelhante ao padro de ocultaoe

    que funciona tambm como um elemento descontextualizador, que apagar o

    significado original do fato em questo.

    O padro de inverso responsvel pelo reordenamento das partes em que

    foi dividido o fato jornalstico. atravs dele que ocorre a troca de lugares e de

    importncia das partes. Esse padro dividido em quatro tipos: inverso da

    relevncia dos aspectos, onde o que era considerado principal passa a ser

    secundrio e vice-versa;inverso da forma pelo contedo, onde o texto passa a ser

    mais importante que o fato que ele reproduz; inversoda verso pelo fato, onde as

    declaraes da prpria imprensa ou de outras fontes passam a ser apresentadas

    como o fato real. Dentro desse tipo de inverso temos o frasismo, que o abuso da

    utilizao de frases ou trechos de frases sobre uma realidade para substituir a

    prpria realidade, podendo ser visto como a manipulao levada ao limite; e o

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    oficialismo, que a escolha de uma determinada verso para ser chamada de oficial

    e, assim, adquirir a aceitao do pblico leitor. Essa verso escolhida seria a do

    prprio rgo de imprensa ou daquele cujo pensamento chegasse mais prximo ao

    dele. Por fim, temos a inverso da opinio pela informao, onde o rgo de

    comunicao passa a tratar a opinio como sendo a verdadeira informao,

    tornando aquela mais importante do que esta.

    O quarto padro o da induo, responsvel pela passividade da populao

    perante uma realidade artificialmente inventada e o resultado de todos os

    mecanismos de manipulao. Atravs dele a populao induzida a acreditar em

    fatos que, muitas vezes, no fazem parte da verdadeira realidade e sim de uma

    realidade manipulada de acordo com interesses especficos.

    E, por fim, o padroglobal ou padro especfico do jornalismo de televiso e

    rdio, que tem por finalidade manipular as imagens e sons de forma que a

    informao seja transmitida de tal maneira que agrade as autoridades que esto

    interessadas nos efeitos que tais notcias surtiro no pblico.

    Atravs dessa tipologia pode-se concluir, como Perseu Abramo mesmo

    aponta, que a imprensa, em geral, no reflete nem a realidade nem a opinio

    pblica. Portanto, a populao passa a consumir uma realidade artificialmente

    inventada, resultante da utilizao dos mecanismos de manipulao apresentados.

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    3.1.1OCOMPLEXO IPS-IBAD NO PERODO PR E PS-64

    As informaes, de forma geral, eram uma preocupao dos militares, que

    procuravam criar artifcios que tornassem eficaz a manipulao de idias almejada

    por eles para, dessa forma, assumirem o poder. Para isso, eles buscavam de vrias

    maneiras manipular toda e qualquer informao que chegasse ao Brasil antes de as

    mesmas chegarem ao alcance da opinio pblica.

    Dessa forma, durante o governo de Joo Goulart, os militares trabalhavam

    s escondidas de maneira que o povo brasileiro fosse gradualmente preparado para

    um golpe que, h algum tempo, eles j estavam planejado. Assim, os militares

    utilizavam o Ips (Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais)1, que funcionava desde

    1962, como um dispositivo de investigao, planejamento e execuo de tarefas

    anticomunistas. O Ips era formado por civis (em sua grande maioria empresrios de

    grandes empresas multinacionais, tecnocratas e tecno-empresrios) e militares.

    Tinha como funo divulgar notcias, promover aqueles que apoiavam a direita e

    perseguir simpatizantes da esquerda. Para tal, os militares reuniram intelectuais de

    renome, pagando-lhes direta ou indiretamente, para escreverem em artigos, ensaios

    e at livros em defesa da democracia. Entre esses intelectuais estavam Augusto

    Frederico Schmidt, Wilson Figueiredo, Rachel de Queiroz, Nlida Pigon e Jos

    Rubem Fonseca, responsvel pela autorizao "do financiamento de documentrios,

    selecionando cineastas e sugerindo roteiros" (CHIAVENATO, 1994:34) e pela

    seleo de livros para publicao.

    1Apesar de muitos autores nos apresentarem o nome do instituto como somente uma sigla (IPES) aproveito aqui

    para manifestar o ponto de vista de Denise Assis em seu livro Propaganda e Cinema a Servio do Golpe , ondeela argumenta que a sigla de tal instituto recebe um acento devido aluso ao "Ip, uma rvore, smbolo dopas, resistente e que para florir perde as folhas" (2001:13)

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    O Ips era um instituto muito bem estruturado, com subdivises e

    profissionais gabaritados, possibilitando, dessa maneira, um considervel controle

    da imprensa. Uma das subdivises do Ips era o GPE (Grupo de Publicaes /

    Editorial) que, embora j existisse h algum tempo, s foi formalizado em agosto de

    1962. Esse grupo tinha como funo escrever, traduzir, distribuir material impresso

    anticomunista, antitrabalhista e antipopulista, assim como traduzir e reimprimir livros,

    artigos e panfletos escolhidos. Atravs de sua Unidade Editorial, que era liderada

    por Jos Rubem Fonseca, o instituto "inseria comentrios, debates e opinies na

    imprensa, elaborava editoriais, divulgava notcias e artigos feitos de antemo por

    agncias especializadas" (DREIFUSS, 1984:194). Aqui, vale ressaltar que o

    programa de tradues implementado por esse grupo era feito pelo Coronel Octavio

    Alves Velho que, alm de ter sido um ativista ipesiano, foi diretor da Mesbla S.A.

    (DREIFUSS, 1984:194-5) e tradutor de obras como Tcnicas de Persuaso - Da

    Propaganda Lavagem Cerebral, de James A. C. Brown; Mtodos de Investigao

    Sociolgica, de Peter Mann; Teorias de Comunicao de Massa, de Melvin L. de

    Fleur e Sandra Ball-Rokeach, entre outras, demonstrando, assim, a integrao dos

    militares com o meio empresarial e com o ofcio da traduo. Enfim, o Ips, atravs

    de sua subdiviso, o GPE, promovia todas e quaisquer publicaes "que

    apresentassem contedo anticomunista e, de alguma forma, atingissem o governo

    Goulart" (CHIAVENATO, 1994:35).

    Uma outra subdiviso do Ips era o GAE (Grupo de Ao e de Estudo),

    sediado em So Paulo, que compreendia quatro setores, dentre eles o

    Departamento de Preparao Psicolgica das Massas, que, por sua vez,

    compreendia as seguintes subsees: Imprensa, Rdio, Televiso, Propaganda

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    (cartazes, produo e distribuio de manifestos, folhetos e panfletos) e

    Organizaes Femininas. Com toda essa estrutura organizada, o Ips tinha controle

    sobre a maior parte do que circulava no pas em termos de informaes.

    O Ips agia juntamente com o IBAD (Instituto Brasileiro de Ao

    Democrtica), que funcionava mais como uma unidade ttica, difundindo material

    ideolgico anticomunista, reunindo polticos, artistas e intelectuais e financiando

    instituies, companhias e cidados que estivessem de acordo com sua poltica.

    Nesse contexto, o Ips funcionava como o centro estratgico.

    Em 1962, foi criado, em So Paulo, o FAS (Fundo de Ao Social) para

    receber dinheiro dos Estados Unidos, angariado pelo CLA (Council for Latin America

    / Conselho da Amrica Latina). O governo norte-americano e seus empresrios, que

    haviam percebido ser o Brasil um pas de extrema importncia na Guerra Fria contra

    a Unio Sovitica, perceberam, nesse momento, que o pas se encontrava em uma

    situao "explosiva", devido ao fato de ter por presidente um poltico que tendia mais

    para o lado comunista do que para o capitalista. Nesse mesmo ano, houve eleies

    que, conforme constataes posteriores, tiveram o envolvimento dos Estados

    Unidos, que enviou milhares de dlares para polticos defensores do capitalismo.

    Dentre esses milhares de dlares que entraram no Brasil, grande parte foi para o

    Ips / IBAD, para que esses pudessem angariar os custos e a promoo de

    materiais para o conseqente controle de idias atravs da mdia.

    O Ips, que foi elemento importante na orquestrao do golpe, passou a ser,

    durante o governo dos militares, uma espcie de:

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    ... rgo intermedirio para a elaborao de diretrizes polticas.Operava como um mediador entre o Estado, onde tinha seushomens-chave em cargos vitais, e os grandes interesses privados,

    dos quais seus ativistas eram figuras de destaque. Atuava como umforum [sic] para as discusses de empresrios, ministros e altosburocratas, com a funo explcita de "promover contato ntimo"entre eles. (...) O Ips tambm organizava seminrios e cursos paraa preparao ideolgica no s de empresrios e burocratasimportantes, como tambm de militares influentes na formao deopinio e na tomada de decises (DREIFUSS, 1984:449-50).

    As relaes do Ips e do IBAD com editoras brasileiras so explicitadas por

    Dreifuss, no apndice "B" de seu livro 1964: A Conquista do Estado: ao poltica,

    poder e golpe de classe. Nesse apndice, ele apresenta as "ligaes econmicas da

    liderana e associados proeminentes do Ips", das quais dou destaque somente s

    editoras. Na extensa lista fornecida pelo autor, extra os seguintes nomes: Editora

    Licca S/A, Editora Expresso e Cultura - TASEC S/A, Editoras de Guias LTB, Editora

    Gazeta Mercantil, Editora Agir, Livraria e Editora Oscar Nicolai. No mesmo livro,

    mais precisamente no apndice "H", h uma lista de contribuintes do Ips, da qual

    eu extra alguns nomes como: Editor de Guias LTB S/A, Agir Livraria e Editora (Artes

    Grficas Indstrias Reunidas S/A. Agir, Importadora Grfica Arthur Sievers, Editora

    Vecchi Ltda., Editora Globo, Editora Paula de Azevedo, Kosmos Editora e Editora

    Monterrey Ltda..

    A relao do Ips com as editoras foi enfatizada por Dreifuss ao alegar que o

    Ips, procurando fazer com que os editores se interessassem pela publicao dos

    ttulos, se responsabilizava por adquirir certa quantidade das edies caso as

    vendas no fossem bem sucedidas, evitando, assim, que as editoras tivessem receio

    quanto publicao de tal obra, ao imaginar um possvel prejuzo (1981:195). No

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    apndice "N" de seu livro, Dreifuss reproduz uma carta de Garrido Torres, membro

    do Grupo de Estudos do Ips para o Comit Diretor do mesmo instituto, onde pode-

    se verificar tal afirmao.

    Denise Assis, em seu livro Propaganda e Cinema a Servio do Golpe

    (1962/1964), faz um levantamento de fatos e materiais que comprovam a influncia

    do Ips nos meios de comunicao e seu esforo em facilitar a tomada do poder

    pelos militares e em promover uma relevante poltica de apoio ao governo ditatorial.

    Segundo a autora, o Ips, financiado por pessoas jurdicas e fsicas, produzia filmes

    e livros que causavam um impacto positivo na viso do povo em relao ao novo

    governo. Os filmes eram de alta qualidade, produzidos por profissionais gabaritados

    e eram exibidos antes dos principais filmes no cinema, tendo um "impacto decisivo

    nas classes mais pobres e analfabetas" (ASSIS, 2001:25). Eram, em sua maioria,

    curta-metragens, que manipulavam imagens brasileiras e do exterior, com o intuito

    de degradar a imagem do comunismo e valorizar a dos militares e seu governo.

    O Ips, ao produzir filmes, panfletos e livros, procurou montar, segundo

    Denise Assis, um eficiente programa de propaganda para disseminar suas idias.

    Entre os livros distribudos, constavam Continusmo e Comunismo, de Glycon Paiva;

    Como os Vermelhos Preparam uma Arruaa,de Eugene Metherin; As Defesas da

    Democracia,de Gustavo Coro, e 1984,de George Orwell (ASSIS, 2001:23), autor

    do livro cuja traduo para o portugus analisarei neste trabalho, levando em conta

    os processos de manipulao que condicionaram a sua publicao.

    Domcio da Gama de Carvalho, um ex-integrante da Marinha de Guerra, que

    pertencia, por indicao do General Goldbery do Couto e Silva, ao principal grupo de

    atuao do Ips, o Grupo de Levantamento, ressalta, a existncia, dentro do Ips,

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    de um grupo chamado de "Grupo Econmico", que era o maior de todos e ao qual

    "cabia fazer a fachada, organizar os cursos, determinar que livros seriam editados e

    convocar para reunies e palestras" (CARVALHO citado por ASSIS, 2001:42).

    Segundo ele, havia tambm o "Grupo de Opinio Pblica, que cuidava da imagem

    do Ips junto mdia, da divulgao e da distribuio dos produtos editados:

    panfletos, livros e apostilas" (CARVALHO citado por ASSIS, 2001:42) e o Centro de

    Bibliotecnia, que era responsvel pela divulgao e distribuio de livros de autores

    americanos. Dessa forma, percebemos que a manipulao de informaes era feita

    de forma muito meticulosa e profissional. Tudo era selecionado de forma que no

    chegassem s mos da populao informaes que pudessem pr em risco os

    ideais e a autoridade dos militares e do governo norte-americano.

    3.2 TRADUO,MANIPULAO E PATRONAGEM

    "As tradues no somente projetam uma imagem daobra que traduzida e, atravs dela, do mundo ao qual aobra pertence, mas tambm protegem seu prprio mundocontra imagens que so radicalmente muito diferentes,adaptando-as ou mascarando-as.

    ANDR LEFEVERE

    Assim como Perseu Abramo destaca a manipulao e seus mecanismos na

    imprensa em geral e Denise Assis aponta para a manipulao no perodo ditatorial,

    mais especificamente nas reas da propaganda e do cinema, vrios estudiosos da

    traduo tambm chamam a ateno para tais procedimentos que so inerentes a

    todo processo de reescritura. Assim, podemos dizer que, a presena de tais

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    procedimentos visam a moldar o texto-fonte, de maneira que sua traduo atenda a

    necessidades estabelecidas.

    Theo Hermans defende que, "do ponto de vista da literatura meta, toda

    traduo implica em um grau de manipulao do texto-fonte com um propsito

    especfico" (HERMANS, 1985:11). Hermans, nesse mesmo ensaio, destaca o

    trabalho de Andr Lefevere, onde o estudioso faz uma integrao dos estudos da

    traduo com os estudos dos vrios tipos de "reescritura" e "refrao" que modelam

    uma determinada cultura.

    Lefevere, no ensaio "The system: patronage" (1992b), aponta para o fato de

    que a traduo, vista atravs do conceito de sistemas, inicialmente introduzido pelos

    formalistas russos e, posteriormente, desenvolvido por Itamar Evan-Zohar (1979),

    seria uma espcie de reescritura, de sobrevivncia de muitos trabalhos literrios

    consagrados anteriormente e que, devido ao trabalho dos tradutores, so

    resgatados e colocados novamente dentro do sistema literrio por motivos

    ideolgicos, poticos, ou ainda por relaes de poder, independentemente se os

    escritores aceitam ou no a ideologia dominante. Para ele, um fator importante para

    o resultado final de uma traduo seria o conceito de "patronagem", que seria algo

    como os poderes exercidos por indivduos ou instituies que podem promover ou

    retardar a leitura, a escrita e a reescrita da literatura (1992:15). Segundo Lefevere, a

    patronagem, na maioria das vezes, est mais preocupada com a ideologia da

    literatura do que com sua potica. Assim, o patrocinador delega uma autoridade ao

    profissional, pois seu intuito o de regular a relao entre o sistema literrio e os

    outros sistemas que, juntos, formam uma sociedade, uma cultura. Dessa maneira, a

    traduo, se no regula a literatura em si, pelo menos "manipula" a sua distribuio

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    atravs de academias, agncias de censura, revistas crticas e estabelecimentos de

    ensino, aproveitando o termo utilizado por Hermans e entrelaando tais teorias

    (1992:15).

    Lefevere, no ensaio "Prewrite" (1992a), alega que a traduo o tipo de

    reescritura mais obviamente reconhecvel e potencialmente mais influente, "por ser

    capaz de projetar a imagem de um autor e/ou uma (srie de ) obra(s) em outra

    cultura, erguendo tal autor e/ou tais obras alm dos limites de sua cultura de origem"

    (1992a:9). Se, de acordo com tal teoria proposta por Lefevere, o tradutor trabalha

    com as preferncias do seu patrocinador, ou seja, daquele que precisa de tal

    traduo para um fim especfico, podemos dizer que o que ocorre uma

    manipulao de um determinado texto, pois, medida em que o tradutor

    desempenha sua funo, ele acaba manipulando, modificando, excluindo ou at

    incluindo informaes para que, no fim, o texto atenda s expectativas de seu

    patrocinador. Tal idia ressaltada por ele ao dizer que as tradues usurpam de

    alguma forma a autoridade dos textos-fontes. Aqui, chamo a ateno para o fato de

    que, em alguns momentos, quando o tradutor um dos interessados na

    manipulao do texto-fonte, a sua figura acaba se misturando com a do

    patrocinador, transformando-se em uma s. Nesse sentido, vale a pena lembrar

    Monteiro Lobato, que, ao mesmo tempo em que traduzia, publicava, atravs de suas

    prprias editoras, essas tradues.2

    Segundo Lefevere, existem trs elementos que constituem a patronagem: o

    ideolgico, que age como uma limitao na escolha e desenvolvimento tanto da

    forma quanto do assunto; o econmico, onde o patrocinador cuida para que

    2Um trabalho sobre Monteiro Lobato, o tradutor, est sendo desenvolvido pela aluna Denise Rezende Mendes,do curso de Bacharelado em Letras - nfase em Traduo/Ingls da Universidade Federal de Juiz de Fora.

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    escritores e reescritores possam sobreviver, dando a eles uma remunerao ou

    designando-os para algum ofcio; e o de status, onde a aceitao da patronagem

    implica na integrao a um certo grupo de apoio e a seu estilo de vida. Para ele,

    existem dois tipos de patronagem: a diferenciada e a no-diferenciada, sendo que o

    sistema literrio pode ser controlado por ambos os tipos. A diferenciada, segundo

    ele, aquela em que o sucesso econmico est relativamente separado dos fatores

    ideolgicos e no necessariamente envolve status, ao passo que, a no-diferenciada

    aquela que envolve os trs elementos: o ideolgico, o econmico e o de status em

    um nico e mesmo patrocinador e ocorre quando os esforos desse esto

    primeiramente relacionados preservao da estabilidade do sistema social com um

    todo, pois seu poder est baseado na estabilidade de tal sistema. Lefevere ressalta

    ainda que a patronagem no-diferenciada no precisa ser baseada principalmente

    na ideologia, como acontecia no passado, mas o componente econmico, visando o

    lucro, pode ser, da mesma maneira, um fator determinante em um sistema com

    patronagem relativamente no-diferenciada (1992:16-17). O estudioso chama a

    ateno para o fato de que, em sistemas com patronagem diferenciada, o resultado

    a crescente fragmentao do pblico leitor em vrios subgrupos, ao passo que, em

    sistemas com patronagem no-diferenciada, as expectativas dos leitores so mais

    restritas em escopo e a interpretao "correta" de vrias obras tende a ser

    enfatizada por meio de vrios tipos de reescritura (1992:19).

    No captulo 4 de Translating literature: practice and theory in a comparative

    literature context (1992c), Lefevere ressalta ser uma das funes da traduo a

    preservao da auto-imagem da cultura-meta. As tradues, segundo ele, podem

    ter, tambm, o propsito de protegerem seu mundo contra imagens que so

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    radicalmente diferentes, adaptando-as ou mascarando-as (1992:125). Lefevere

    tambm faz aluso importncia das tradues na transformao da cultura-meta,

    ao dizer que os produtos importados tendem a possuir uma certa imunidade dentro

    de tal cultura, pois esto situados na linha divisria entre o 'nativo' (e, portanto,

    sujeitos fria total da potica dominante) e o 'estrangeiro' (e, portanto,

    relativamente isento das regras da potica dominante). Esse status ambguo,

    segundo ele, permite a traduo embarcar, atravs da infiltrao, em um caminho de

    subverso (1992:129). Lefevere ressalta ainda que "um destino bom ou mal pode

    acontecer a uma traduo como resultado do entendimento ou do mau

    entendimento do universo do discurso do original" (1992:127).

    Perseu Abramo, alm de traar uma comparao entre a mdia e os partdos

    polticos, como apresentado no subcaptulo 3.1, defende a idia de que existe um

    fator econmico na manipulao da informao pela imprensa em geral. Segundo

    ele, existem duas explicaes para o fato de os empresrios da comunicao

    manipularem e modificarem a realidade. A primeira razo estaria concentrada na

    figura do anunciante privado ou estatal, onde o mesmo, por imposio, direta ou

    indireta, obriga o empresrio a manipular e distorcer as informaes. A segunda

    razo estaria na ambio de lucro do prprio empresrio, onde ele distorce e

    manipula para agradar seus consumidores, e, dessa forma, vender mais material de

    comunicao, aumentando seus lucros (ABRAMO, 1988). Dessa maneira, podemos

    perceber que a manipulao na grande imprensa, de acordo com os conceitos

    defendidos por Abramo, seria fruto de trs elementos: do ideolgico, levando-se em

    conta que a imprensa se assemelha aos partidos polticos; do econmico, pois os

    empresrios da comunicao tm ambio de lucro, e do status, uma vez que, ao

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    almejar o lucro dentro do sistema econmico, os empresrios procuram adquirir um

    status elevado dentro da sociedade na qual esto inseridos. Sendo assim, podemos

    entrelaar a tipologia de manipulao de Abramo com os conceitos de patronagem

    diferenciada e no-diferenciada, proposto por Lefevere. Uma vez que Abramo

    defende a idia de que a manipulao na grande imprensa se faz motivada por

    aspectos econmicos, polticos e de status, podemos defini-la, dentro dos conceitos

    de Lefevere, como uma patronagem no-diferenciada.

    A partir dessa mesma viso da traduo como uma reescritura, um

    procedimento de transformao/manipulao do original, surgiram teorias como a

    dos irmos Augusto de Campos e Haroldo de Campos. Else Vieira, em Fragmentos

    de uma histria de travessias: traduo e (re)criao na ps-modernidade brasileira

    e hispano-americana (1996), relata que Augusto de Campos, em seu livro Verso,

    Reverso, Controverso (1978), diz que a sua maneira de amar os textos originais

    traduzi-los, ou degluti-los, segundo a Lei Antropofgica de Oswald de Andrade.

    Assim, para Augusto de Campos, traduzir se tornava um processo de absoro e

    transformao luz do Movimento Antropofgico dos anos 20 (VIEIRA, 1996:72). A

    traduo, ento, passa a ser vista como um dilogo entre vrias vozes textuais, uma

    transtextualizao, desmistificadora da ideologia da fidelidade. Ela passa a

    representar uma leitura da tradio universal e do acervo local, pois, segundo

    Haroldo de Campos, se o tradutor no tiver sua disposio um estoque da melhor

    poesia de sua poca, ele no pode remodelar sincrnica e diacronicamente a melhor

    poesia do passado" (CAMPOS citado por VIEIRA, 1996:77).

    Segundo Else Vieira, a atividade tradutria seria uma transformao, uma

    transao atravs da qual uma terceira dimenso emergiria da relao dinmica

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    entre original e traduo (1995:43). Tal pensamento ressoa post