Upload
grupo-lidel
View
287
Download
5
Embed Size (px)
DESCRIPTION
Nova edição revista e atualizada, indispensável para a decisão clinica em situação de urgência. Organização do SU, triagem, terapêuticas práticas e muito mais.
Citation preview
CardiologiaNefrologia e Hipertensão
PneumologiaMedicina Intensiva
NeurologiaReumatologia
GastrenterologiaEndocrinologia
Hematologia e OncologiaDermatologiaInfecciologia
Outras Patologias
URGÊNCIASEMERGÊNCIAS
MANUAL
Coordenação: Pedro Ponce
2.ªEdição
de
e
ISBN 978-972-757-861-0
ww
w.li
del.p
t
MANUAL de URGÊNCIAS e EMERGÊNCIAS
9 789727 578610
Pedro Ponce
Manual de
URGÊNCIAS e EMERGÊNCIAS
2.ªEdição
O Serviço de Urgência constitui o primeiro contacto com a estrutura assis-tencial de grande parte da população quando adoece, já que a extensa maioria dos internamentos hospitalares não são eletivos, mas sim com caráter de urgência. Este serviço assume, portanto, o papel de cartão de visita da instituição.
O seu funcionamento deficiente pode paralisar todo o hospital, palco de grandes tensões e conflitos, onde a prática médica é mais vulnerável, o erro é mais fácil e o escrutínio da comunidade e dos media mais atento. Com o tempo, a Medicina de Urgência em todas as instituições tende a profissionalizar-se, as equipas ganham estrutura, com elementos fixos que lhe dedicam grande parte da sua atividade clínica.
É a todos os que dedicam uma parte significativa da sua vida profissional a esta atividade que o presente livro se dirige, orientado pelos grandes sintomas ou síndromes apresentados pelo doente na urgência, os quais são definidos com rigor e dos quais se parte para a estratégia diagnóstica que conduza à melhor atitude terapêutica. Este guia de consulta rápida procura servir os médicos de urgência, os internos que fazem urgência geral, os clínicos gerais e também os alunos dos últimos anos de Medicina.
Nesta 2.ª edição revimos e atualizámos todos os capítulos, adicionámos uma introdução à organização do Serviço de Urgência, com ênfase especial para os critérios de triagem na admissão, aprofundámos o tópico da responsabilidade civil e criminal do médico no Serviço de Urgência, mantivémos o critério de as terapêuticas propostas serem práticas, detalhadas e exequíveis no nosso meio, de imediato ao alcance de todos vós.
Esperamos que vos seja útil no processo tão delicado e frequentemente solitário da decisão clínica em situação de urgência.
Protocolo de triagem de ManchesterRessuscitação cardiorrespiratória ChoqueCrise hipertensiva Dor torácica Síndromes coronárias agudas ArritmiasInsuficiência cardíaca DispneiaExacerbações de asma brônquica Pneumonia adquirida na comunidade DPOC agudizada Tromboembolismo pulmonar Hemoptises Pneumotórax Choque anafilático e edema angioneuróticoVentilação não invasiva Lesões por imersão e quase afogamentoCefaleiasEpilepsia e crises convulsivasSíncopeComaAcidente vascular cerebral (via verde AVC)Hemorragia subaracnoídeaSíndrome meníngeaFalta de força nos membrosDelírio e crises psicóticas agudasAnemia aguda hipovolémica – estratégia transfusionalPerturbações da hemostaseDor abdominal aguda não traumáticaPancreatite agudaHemorragia digestiva agudaIcteríciaInsuficiência hepática descompensadaLombalgia agudaEdemas generalizadosLesão renal agudaQueixas urináriasAlterações iónicasEscroto agudoComplicações agudas da diabetesAbordagem geral do politraumatizadoTraumatismos cranioencefálicos; vertebromedular; torácico;abdominal; da bacia e região pélvica; dos membrosQueimadurasDor aguda, ansiedade e agitaçãoIntoxicações agudasDor nos membrosMordeduras e picadasHemorragias em ginecologiaValorização da febreUrgências em otorrinolaringologiaQueixas estomatológicas agudasUrgências em oftalmologiaErupções cutâneasPequena cirurgiaResponsabilidade profissional do médico e da instituiçãoManejo do doente litigante ou agressivo
...........................................
..............
Pedro Ponce:
Diretor da Unidade de Cuidados Intensivos – Hospital CUF Infante Santo Nefrologista, Diretor Médico Nacional – Nephrocare Portugal
20mm13,5cm x 21cm 13,5cm x 21cm 8cm x 21cm8cm x 21cm
Líder em ediçõesde medicina
GrupoLIDEL
Meio século de saberwww.lidel.pt
Guia de consulta rápida indispensávelno Serviço de Urgência
Textos claros, objetivos e de fácil consulta
Fundamental para a melhor decisão clínica
C
M
Y
CM
MY
CY
CMY
K
AF_ManualUrgencias.pdf 1 07/12/12 12:22
© L
ide
L – ed
içõ
es t
éc
nic
as
Índice
Lista de Autores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . IX
Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XIII
1. Protocolo de Triagem de Manchester – a gestão de risco como missão do serviço de urgência. . . . . . . . . . . . . . 1
Paulo Freitas
2. Ressuscitação Cardiorrespiratória . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 Pedro Ponce
3. Choque . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 Pedro Ponce
4. Crise Hipertensiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18 Pedro Ponce
5. Dor Torácica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 Lídia de Sousa, Pedro Matos, José Sousa Ramos
6. Síndromes Coronárias Agudas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30 Duarte Cacela, Luís Bernardes, José Sousa Ramos
7. Arritmias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36 Sofia Almeida, Luís Brandão
8. Insuficiência Cardíaca Aguda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 Susana Robalo Martins, Susana Castela, Luís Moura de Oliveira
9. Dispneia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 J. Cepeda Ribeiro
10. Exacerbações de Asma Brônquica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57 António Bugalho, J. Cepeda Ribeiro
11. Pneumonia Adquirida na Comunidade. . . . . . . . . . . . . . . . . . 62 J. Cepeda Ribeiro, António Bugalho
12. DPOC Agudizada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66 J. Cepeda Ribeiro
13. Tromboembolismo Pulmonar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70 Pedro Ponce
14. Hemoptises . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73 J. Cepeda Ribeiro, António Bugalho
VI Manual de Urgências e Emergências
15. Pneumotórax . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76 J. Cepeda Ribeiro, António Bugalho
16. Choque Anafilático e Edema Angioneurótico . . . . . . . . . . . . . 78 David de Paiva
17. Ventilação Não Invasiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84 Pedro Póvoa
18. Lesões por Imersão ou Quase Afogamento . . . . . . . . . . . . . . 89 Pedro Ponce
19. Cefaleias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92 Fernando Pita
20. Epilepsia e Crises Convulsivas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99 J. C. Bandeira Costa
21. Síncope . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103 Pedro Ponce
22. Coma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105 António Vasco Salgado
23. Acidente Vascular Cerebral (Via Verde AVC) . . . . . . . . . . . . . 111 José M. Ferro, Teresa Pinho e Melo
24. Hemorragia Subaracnoídea . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119 José M. Ferro
25. Síndrome Meníngea . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124 António Vasco Salgado
26. Falta de Força nos Membros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 128 Fernando Pita
27. Delírio e Crises Psicóticas Agudas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133 Pedro Ponce
28. Anemia Aguda Hipovolémica – estratégia transfusional . . . . . 137 João Travassos
29. Perturbações da Hemostase . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 144 João Travassos
30. Dor Abdominal Aguda Não Traumática . . . . . . . . . . . . . . . . . 150 Paulo Costa, Cristina Sousa Costa
31. Pancreatite Aguda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157 Patrícia Lages, Paulo Costa
32. Hemorragia Digestiva Aguda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 164 Manuel Liberato, Jorge Canena
© L
ide
L – ed
içõ
es t
éc
nic
as
VIIÍndice
33. Icterícia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 173 João Cruz
34. Insuficiência Hepática Descompensada . . . . . . . . . . . . . . . . . 176 João Cruz
35. Lombalgia Aguda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 183 Cabrita Carneiro
36. Edemas Generalizados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 191 Pedro Ponce
37. Lesão Renal Aguda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 196 Pedro Ponce
38. Queixas Urinárias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 205 Pedro Ponce
39. Alterações Iónicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 209 Pedro Ponce
40. Escroto Agudo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 221 Cabrita Carneiro
41. Complicações Agudas da Diabetes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 228 Pedro Ponce
42. Abordagem Geral do Politraumatizado . . . . . . . . . . . . . . . . . 233 Pedro Moniz Pereira, Renato Bessa de Melo
43. Traumatismo Cranioencefálico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 248 Bruno Santiago, Manuel Cunha e Sá
44. Traumatismo Vertebromedular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 254 João Levy Melancia
45. Traumatismo Torácico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 258 Cristina Rodrigues, Pedro Moniz Pereira
46. Traumatismo Abdominal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 266 Carlos Luz, Pedro Moniz Pereira
47. Traumatismo da Bacia e Região Pélvica . . . . . . . . . . . . . . . . . 274 Fernando Ferreira, Pedro Moniz Pereira
48. Traumatismo dos Membros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 279 Susana Onofre, Pedro Moniz Pereira
49. Queimaduras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 285 Célio Antunes, Elisabete Sousa
50. Dor Aguda, Ansiedade e Agitação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 298 Pedro Ponce
VIII Manual de Urgências e Emergências
51. Intoxicações Agudas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 301 Fátima Rato
52. Dor nos Membros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 310 David de Paiva
53. Mordeduras e Picadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 313 Fernando Barros
54. Hemorragias em Ginecologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 318 Conceição Telhado
55. Valorização da Febre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 322 Luís Caldeira
56. Urgências em Otorrinolaringologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 328 Cristina Caroça, João Vieira Almeida, Pedro Gonçalves Henriques,
Sílvia Paulino Pereira, João Paço
57. Queixas Estomatológicas Agudas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 347 António Vasconcelos Tavares
58. Urgências em Oftalmologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 355 Eduardo G. Fernandes, Nelvia M. Donaire
59. Erupções Cutâneas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 364 F. Menezes Brandão
60. Pequena Cirurgia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 374 Patrícia Lages, Paulo Costa
61. Responsabilidade Profissional do Médico e da Instituição . . . . 379 Pedro Ponce, Raquel Martins
62. Manejo do Doente Litigante ou Agressivo . . . . . . . . . . . . . . . 385 Pedro Ponce
Índice Remissivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 389
capí
tulo
Hemorragia digestiva aguda
Paulo Costa, Cristina Sousa Costa
30 Dor Abdominal Aguda Não Traumática
DEFINIÇÃOA dor abdominal aguda intensa, que surge em plena saúde e que dura mais de 6 horas, é geralmente causada por doenças de natureza cirúrgica.O conceito de dor abdominal aguda (DAA) não traumática, isto é, a dor abdominal não diagnosticada e com menos de uma semana de duração, está geralmente associada à representação e implicações do abdómen agudo e da cirurgia de urgência. Este longo espaço de tempo que, tradicionalmente, sempre foi enquadrado no concei-to de DAA (1 semana), pode, com a utilização cada vez mais acessível das modernas e eficazes tecnologias de imagem e de bioquímica, parecer quase obsoleto; mas a nossa prática, num hospital de fim de linha e com grande volume de patologia de urgência, suporta ainda a sua manutenção na definição do conceito, por nos vermos, não rara-mente, confrontados com quadros muito arrastados de DAA.Na urgência dum hospital central a incidência de patologias que se expressam por DAA não é sobreponível à verificada noutros ambientes de diagnóstico (consultório, centro de saúde, hospital primário). Quanto mais próximo das populações se encontra o centro de atendimento, maior será a tendência para que o médico seja consultado por dores abdo-minais que se relacionam mais com as indisposições quotidianas e doenças médicas, do que com os quadros que requerem tratamento cirúrgico urgente (Tabela 30.1).
Diagnóstico Percentagem
DAAnãoespecífica/nãodiagnosticadaNáuseas/vómitosCistiteColecistiteaguda/cólicabiliarGastritePancreatiteDoençainflamatóriapélvicaObstipaçãoMusculosqueléticaCólicarenalQuistodoovárioDismenorreiaOclusãointestinalÚlcerapépticaOrigemcardíacaHérniaencarcerada/estranguladaPielonefriteApendiciteagudaVaginite/cervicite
31,09,86,76,65,33,93,43,32,92,81,91,91,61,51,51,41,41,41,3
Adaptado de Blackmore e Avey.
Tabela 30.1 Diagnósticos mais comuns nos doentes com dor abdominal.
Estas dores abdominais agudas não específicas são a causa mais frequente de dor abdominal que surge em plena saúde e o diagnóstico diferencial, entre estas situações de dor não específica e abdómen agudo, continua a ser o grande desafio para os mé-dicos que fazem urgência “à porta” das unidades de saúde.
© L
ideL – ed
ições técnicas
151Dor Abdominal Aguda Não Traumática
As etiologias de DAA que atualmente motivam com maior frequência o internamento em cirurgia, para intervenção urgente ou para tratamento e observação numa perspetiva de vigilância apertada, são: colecistiteaguda,diverticuliteaguda,pancreatiteagudametalitiásica,apendiciteaguda,oclusãointestinal,perfuraçãogastroduodenal,patolo-giaagudaassociadaaostumoresabdominaisedoençainflamatóriapélvica.
APRESENTAÇÃO CLÍNICAA semiologia da dor abdominal permite geralmente selecionar um pequeno número de doenças que com grande verosimilhança são as implicáveis como etiologia mais prová-vel. Na Figura 30.1 A. refere-se a DAA nos quadrantes superiores e as suas causas mais prováveis (colecistite aguda, cólica biliar, pancreatite aguda, úlcera péptica). Na Figura 30.1 B. apresentamos as causas de DAA na fossa ilíaca direita e pélvis (apendi-cite aguda, doença inflamatória pélvica, cistite). Na Figura 30.1 C. representamos as causas mais frequentes de DAA no flanco e fossa ilíaca esquerdos (diverticulite aguda, perfuração de tumor do cólon, cólica renal).
A. DAA nos quadrantes superiores “Facada”
“Cólica” biliar
“Cinturão”
B. DAA na fossa ilíaca direita e pélvis
Apendicite Apendicite vs. DIP
C. DAA no flanco e fossa ilíaca esquerda
Diverticulite vs.
Tumor perfurado
Figura 30.1 Localização e tipo de dor dos quadros mais comuns de DAA.
A DAA associada a oclusão intestinal (estrangulamento de hérnia evidente ou “oculta”, bridas, tumores) e a DAA de patologias vasculares (doença aneurismática e doença embólica da aorta e ramos viscerais, com isquemia de órgão) e outras causas, em doentes com neoplasias, imunodeprimidos e nos velhos, têm vindo a aumentar a inci-dência nos últimos anos. A sua expressão na parede abdominal está associada à topo-grafia dos órgãos em causa.A elaboração cuidada da história clínica é crucial no doente com dor abdominal, nome-adamente a existência de doenças prévias como a diabetes ou a esquizofrenia. A toma de medicamentos como os anti-inflamatórios ou antibióticos pode alterar o curso das doenças modificando a sua apresentação clínica. A caracterização minuciosa da dor, nos seus diversos aspetos, é geralmente fundamental para formular hipóteses de diag-nóstico e selecionar as avaliações complementares adequadas.Características da DAA a considerar:�� Localizaçãoeirradiação – como referimos as principais e mais frequentes causas de DAA podem agrupar-se de acordo com a localização. Na Figura 30.1 A. procurá-mos relacionar a localização com o tipo de dor ou a sua irradiação, quando estes aspetos são indicativos do diagnóstico das entidades mais frequentes.�� Inícioeprogressãodador – a forma como surge a dor, bem como a sequência do aparecimento dos sintomas acompanhantes, são importantes na diferenciação diag-nóstica. Geralmente a dor que precede os vómitos é sugestiva de uma etiologia cirúr-gica, enquanto o inverso está mais tipicamente associado a uma condição não cirúr-
152 Manual de Urgências e Emergências
gica. O tipo de dor também é orientador da etiologia: a dor violenta, explosiva de uma perfuração de víscera oca ou de um acidente vascular é totalmente diferente da dor que aumenta gradualmente, própria de uma lesão inflamatória.�� Tipo/naturezadador – a dor é contínua e persistente ou intermitente e espasmódi-ca? A dor da inflamação e da irritação peritoneal é contínua, enquanto a dor com ci-clos de luta/exaustão metabólica dos órgãos ocos, com acrescida dificuldade de propulsão peristáltica, como na oclusão intestinal, na litíase biliar e renal, é intermi-tente. Por exemplo, na apendicite aguda, quando a dor se localiza na fossa ilíaca di-reita os doentes deixam de referir abrandamento ou remissão da dor.�� Sintomasacompanhantes – febre, anorexia, astenia, vómitos, alterações do trânsito intestinal, alterações geniturinárias. A anorexia, a febre e os vómitos são diretamen-te proporcionais à extensão da irritação peritoneal, embora a sua ausência não ex-clua a existência de uma patologia intraperitoneal.�� Fatoresdesencadeantes, dealívioouagravamento – se cuidadosamente pesquisa-dos fornecem as pistas fundamentais para a compreensão do doente e estes devem ser especificamente interrogados tendo em conta a localização, o tipo de dor e as suas etiologias mais prováveis.
Após colher a anamnese devem formular-se as hipóteses de diagnóstico e avaliar o sofrimento e urgência do doente. No exame objetivo, tempo fundamental da avaliação clínica, devem procurar-se sinais que consubstanciem ou refutem as formulações derivadas da anamnese e não fazer encenações teatrais, desprovidas de intenção e comprometimento com o diagnóstico e suas consequências, pois uma primeira observação mal conduzida, agravando o so-frimento do doente, prejudica observações subsequentes.A observação geral do doente não pode ser secundarizada em relação à observação abdominal, pois a tentativa de chegar a um diagnóstico observando apenas a parte em detrimento do todo é uma das principais causas de erro diagnóstico, por omissão ou por excesso. Deve incluir o estado de consciência, temperatura, frequência respiratória e saturação periférica de O2, tensão arterial, frequência cardíaca e ritmo – a taquicardia é praticamente uma constante na peritonite avançada, o súbito aumento da frequência cardíaca pode ser a primeira evidência da necessidade de uma intervenção cirúrgica.A sequência da realização dos tempos semiológicos da observação abdominal que aconselhamos, na DAA, é a seguinte: �� Inspeção – pele (distribuição pilosa, presença de cicatrizes ou estrias, alterações localizadas ou gerais da cor, existência de circulação colateral), umbigo (contornos e localização, presença de hérnia umbilical), contornos do abdómen (plano vs. disten-dido, simetria), peristalse visível (movimentos de reptação), pulsatibilidade.�� Auscultação – sugere-se a sua realização antes da percursão e palpação, uma vez que estas podem alterar a frequência dos movimentos peristálticos. Deve assinalar-se a ausência de ruídos hidroaéreos, ou o seu aumento e o timbre (metálico aquando de oclusão mecânica na “fase de luta”).�� Percussão – a ausência da submacicez hepática pode ser diagnóstica de pneumo-peritoneu.�� Palpação – a palpação de um abdómen doloroso deve ser cuidadosa. É fundamental a colaboração do doente que já está suficientemente desgastado com a moléstia abdominal e que espera um alívio rápido. É importante deixar a zona afetada para o final, de forma a não induzir tensão em todo o abdómen que impossibilita o exame.
© L
ideL – ed
ições técnicas
153Dor Abdominal Aguda Não Traumática
O conceito de reaçãoperitoneal, tradução clínica de inflamação ou infeção do perito-neu parietal, é um dos fundamentos da caracterização da DAA mais conotados com a atuação dos cirurgiões. Para determinar o diagnóstico de reação peritoneal, o doente e o observador têm que funcionar em “conjugação de intenções”, isto é, o doente não pode ser uma “barriga a palpar”, nem o observador pode ser uma “mão com pressa” de chamar alguém para decidir, antes de ter explicado ao doente que a sua observação será tanto mais correta quanto maior for a colaboração conseguida, e que desta afina-ção resulta a eficácia das decisões diagnósticas e da celeridade do tratamento.Os critérios para considerar a presença de reação peritoneal são os que apresentamos de seguida e são estes “detalhes” que devem ser procurados na observação de um doente com suspeita de abdómen agudo:�� Hipomobilidade abdominal.�� Aumento ou assimetria involuntária do tónus muscular (contratura → rigidez).�� Aumento da dor à descompressão, ou à percussão ou com a tosse.�� Ventre em tábua (contração involuntária dos músculos abdominais, não ultrapassá-vel pela palpação).
As implicações de considerar que um doente tem reação peritoneal, no contexto de abdómen agudo, são importantes para a ação do médico que faz este diagnóstico, pois este estado clínico traduz geralmente uma patologia com tratamento cirúrgico urgente, se forem excluídas as peritonites primárias (imunodeprimidos e outros). Não raramente os doentes são observados após um período prolongado de doença, tendo o organismo circunscrito o processo inflamatório/infecioso pela formação de um abcesso. Nestas circunstâncias a palpação abdominal revela um empastamento (plas-tron – por exemplo, pericolecistite aguda) ou mesmo uma massa dolorosa, geralmente não muito dura e de limites mal definidos (abcesso – por exemplo, periapendicular, pericólico nas diverticulites perfuradas).Pesquisadospontosherniários – os principais pontos fracos da parede abdominal (umbilical, inguinocrurais e eventrações) devem ser cuidadosamente observados para excluir a possibilidade de encarceramento/estrangulamento herniário.Toqueretal/vaginal – a presença de preenchimento, dor nos fundos de saco de Dou-glas corrobora o diagnóstico de inflamação/infeção peritoneal e influencia a decisão terapêutica no sentido da cirurgia. No diagnóstico de doença inflamatória pélvica a dor à mobilização do útero e o preenchimento dos fundos de saco são elementos semioló-gicos discriminativos.
CONFIRMAÇÃO DIAGNÓSTICAOs procedimentos complementares para a confirmação da etiologia da DAA estão hoje relativamente padronizados, mas a conduta terapêutica, designadamente a necessi-dade e oportunidade de uma intervenção cirúrgica urgente, não depende exclusiva-mente dos valores laboratoriais ou das imagens, são uma decisão clínica, sustentada, ou não, por estes meios complementares.“Overreliance on laboratory tests and radiological evaluations will very often mislead the clinician, especially if the history and the physical examination are less than diligent and complete” in Silen, Cope's early diagnosis of the acute abdomen (2000).A sequência dos exames a realizar deve ter em consideração a localização/tipo de dor e os quadros clínicos mais frequentemente associados a eles.
154 Manual de Urgências e Emergências
testes laboratoriais
Dos testes laboratoriais o hemograma,aPCReaurinaII são universalmente reco-mendados. A leucocitose e o aumento da PCR embora inespecíficas sugerem patologia com repercussão sistémica. Piúria, hematúria, glicosúria e cetonúria apontam para etiologias não cirúrgicas da dor abdominal.Em doentes com dor epigástrica ou no hipocôndrio direito aconselha-se o doseamento da amilasee lipase,bemcomoprovasdefunçãohepáticaecolestase, exceto nos casos de perfuração gástrica ou duodenal (ver Imagiologia).Deve ser realizado teste de gravidez em qualquer mulher em idade fértil – βHCG no sangue ou na urina, sobretudo nas dores dos quadrantes inferiores. Ionograma,glicemia,provasdefunçãorenal estão indicadas sempre que haja desi-dratação ou suspeita de falência renal, diabetes, acidose metabólica ou probabilidade de intervenção cirúrgica urgente. Nestas situações deve ponderar-se o interesse do estudodacoagulação.
imagiologia
Radiografia simples do abdómenÉ muito útil quando usada em suspeitas específicas: oclusão intestinal, invaginação, íleos e pneumoperitoneu (nestes casos a radiografia deverá ser realizada com o doen-te em pé ou sentado e visualizar as cúpulas diafragmáticas). Para além destes diag-nósticos a radiografia simples é pouco útil, acrescentando pouca informação, pelo que não justifica a sua utilização por rotina na dor abdominal aguda, uma vez que poucos diagnósticos são alterados e o nível de confiança no diagnóstico dado por este exame é muito limitado.
Ecografia abdominalÉ um método barato, não ionizante e que é ideal para avaliar estruturas sólidas ou preenchidas por líquido. É especialmente útil na avaliação hepática, biliar, renal e gine-cológica. Está limitada pela presença de gás intestinal ou pneumoperitoneu. Permite em grande parte dos casos confirmar uma apendicite ou diagnosticar a presença de líquido livre intra-abdominal, indicativo de patologia peritoneal. A utilização do Doppler permite ainda o diagnóstico de patologia vascular. Pode ainda ser terapêutica, permi-tindo a drenagem de abcessos, evitando intervenções cirúrgicas urgentes e permitindo cirurgia definitiva planeada.
Tomografia Permite imagens precisas, imagens axiais detalhadas e ainda reconstruções 3D. Não tem as limitações da ecografia, mas a dose de radiação é equivalente a 500 radiogra-fias. Permite o diagnóstico de situações agudas, facultando a localização anatómica precisa da patologia, possibilitando uma planificação da cirurgia.Na Tabela 30.2 apresentamos a especificidade e sensibilidade destes diferentes méto-dos de imagem, na avaliação das patologias abdominais agudas mais frequentes. A sua acuidade deve ser ponderada para cada caso, com o intuito de evitar exames desneces-sários e pouco esclarecedores, que acabam por conduzir a atrasos no tratamento.
Laparoscopia diagnóstica/terapêuticaO recurso a esta técnica, embora necessite geralmente de anestesia geral para ser realizada com acuidade diagnóstica, é uma opção cada vez mais recomendada (princi-palmente nas mulheres com DAA nos quadrantes inferiores do abdómen).
capí
tulo
32 Hemorragia Digestiva Aguda
Manuel Liberato, Jorge Canena
DEFINIÇÃOPerda de sangue tendo como origem o tubo digestivo. Classicamente as hemorragias digestivas eram agrupadas, consoante a origem do sangue, em hemorragia digestiva alta (do esófago ao ângulo de Treitz) e hemorragia digestiva baixa (do ângulo de Treitz até ao reto). Com os avanços da endoscopia do intestino delgado (cápsula e enteros-copia de balão), e até de forma a obtermos uma mais racional metodologia diagnóstica e terapêutica, aceita-se, na atualidade, uma nova classificação: �� Hemorragia digestiva alta (HDA) com origem desde o esófago à ampola de Vater. �� Hemorragia digestiva média (HDM) com origem desde a ampola de Vater até à válvu-la ileocecal. �� Hemorragia digestiva baixa (HDB) quando o sangue é proveniente do cólon e reto. Outras duas formas de hemorragia utilizadas na nomenclatura são a hemorragia oculta que é uma forma de hemorragia que não é aparente para o doente, resultan-do de pequenas perdas de sangue, geralmente de forma crónica (manifestando-se por anemia ou por repercussão em órgãos hipoperfundidos) e não será tratada nes-te capítulo. Finalmente, existe a forma obscura que pode ser de natureza oculta ou por outro lado óbvia clinicamente e que significa que a causa da hemorragia não é determinada, forma esta de hemorragia que com o aumento da capacidade diagnós-tica tem vindo a diminuir. Independentemente da forma de apresentação as linhas gerais de abordagem implicam: �Æ Confirmar o diagnóstico, estabilizar o doente e determinar a origem da hemorragia.�Æ Parar a hemorragia e eliminar, se possível, a causa. �Æ Prevenir a recidiva.
APRESENTAÇÃO CLÍNICA A perda de sangue, aguda, proveniente do tubo digestivo, pode apresentar-se de três formas: �� Hematemese, que é definida como o vómito de sangue e que indica, habitualmente, tratar-se de uma hemorragia digestiva alta. Este sangue pode ser vermelho vivo ou de tonalidade escura, semelhante a café, e resulta da sua digestão gástrica. �� Melenas, que é a apresentação caracterizada por fezes de cor negra, semelhante ao alcatrão, pastosas e brilhantes, com cheiro intenso e desagradável. Não devem ser confundidas com a coloração negro-esverdeada das fezes pós-ingestão de ferro oral, nem com a coloração negra, não pastosa e de cheiro incaracterístico, das fezes após ingestão de compostos com bismuto.�� Hematoquézia, que se refere à emissão de sangue vivo/semidigerido pelo ânus. A apresentação clínica e os sintomas e sinais associados refletem a origem, a etiologia e o débito da hemorragia. Na admissão do doente, e antes de uma história clínica e exame físico que pretendam confirmar o diagnóstico e tentar estabelecer aqueles três pontos, é fundamental uma avaliação dos sinais vitais. O doente sem sintomas e com parâmetros vitais normais pode ser inquirido e investigado (análises, toque
© L
ideL – ed
ições técnicas
165Hemorragia Digestiva Aguda
retal, aspiração nasogástrica) na urgência/consulta até se decidir pelo internamento caso o diagnóstico se confirme. Por outro lado, doente que apresente história de sintomas neurovegetativos (lipotimia, sudação, palpitações) e que tenha taquicardia e hipotensão postural perdeu entre 10 a 20% do seu volume intravascular e deve ser internado de imediato para início de estabilização; finalmente, doente que se apre-sente em choque perdeu mais de 20% do seu volume intravascular e a prioridade máxima é a sua ressuscitação hemodinâmica.
CONFIRMAÇÃO DIAGNÓSTICA Consoante a gravidade da hemorragia e do tipo de estabilidade hemodinâmica neces-sária, a história inicial e o exame objetivos são iniciados, quer para confirmar o diag-nóstico (quando ele é duvidoso), quer para uma possível orientação para o local e causa da hemorragia.
história e exame objetivo A idade é um elemento importante já que, com o envelhecimento, podem surgir causas de hemorragia mais frequentes no idoso (divertículos, colite isquémica, neoplasia). De-vem ser investigados episódios anteriores, esclarecidos ou não, já que a probabilidade de a causa ser a mesma é relevante. O consumo de aspirina ou outros anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) é importante, pois sugere a existência de lesões gastroduodenais como causa de hemorragia. De igual modo o consumo de anticoagulantes como a varfa-rina é fundamental ser questionado já que frequentemente pode desencadear hemorra-gia a partir de lesões já conhecidas. O exame objetivo pode pôr em evidência quer sinais de hipertensão portal, quer estigmas de cirrose que sugerem a rutura de varizes como causa da hemorragia. Hematemeses e melenas são os sinais e sintomas mais frequen-tes de hemorragia aguda. As melenas podem surgir com perdas na ordem dos 50 a 100 ml, embora valores até 100 ml possam, ocasionalmente, ser silenciosos. Uma hemate-mese está, geralmente, associada a uma HDA e a perdas pelo tubo digestivo alto impor-tantes, embora um único episódio de hematemese possa não ser tão relevante, em es-pecial se não for acompanhado de melenas. Uma hematoquézia significa, mais frequentemente, uma perda de sangue oriunda do reto e cólon; contudo, doente que se apresente com hematoquézias abundantes e franca instabilidade hemodinâmica pode ter uma HDA e isso deve estar sempre presente na cabeça do clínico.
avaliação laboratorial Os valores de hemoglobina e hematócritos, determinados pouco tempo depois do iní-cio da hemorragia, não refletem, com exatidão, as perdas sanguíneas e isto pode levar à desvalorização do episódio num doente com pequenas descidas do hematócrito. Isto acontece porque o reequilíbrio entre os espaços intravascular e extravascular, com a consequente hemodiluição, pode levar entre 24 a 72 horas. Os valores da ureia podem estar moderadamente elevados, e em clara desproporção com a creatinina em doen-tes com HDA. Este aumento resulta do catabolismo das proteínas séricas pelas bacté-rias intestinais e sua consequente absorção intestinal. Apesar de a sua sensibilidade ser variável, o seu aumento é sugestivo de a causa de hemorragia ser no tubo digestivo alto.
localização clínica da hemorragia O primeiro elemento no diagnóstico é a forma de apresentação. Uma hematemese, independentemente do volume e estabilidade hemodinâmica, significa tratar-se de uma
166 Manual de Urgências e Emergências
hemorragia digestiva alta. As melenas significam que o sangue permaneceu no tubo di-gestivo um período de tempo suficientemente prolongado, resultando geralmente de per-das no tubo digestivo alto. Contudo hemorragia de pequeno volume no intestino delgado distal ou mesmo no cólon ascendente podem, ocasionalmente, não causar hemato-quézia, mas sim melenas e o clínico deve ter sempre isso em conta. Como vimos anterior-mente, doentes que se apresentam com hematoquézia e franca instabilidade hemodinâ-mica podem ter uma hemorragia digestiva alta e não uma hemorragia digestiva baixa, como seria de esperar. Um elemento frequentemente usado no diagnóstico para auxiliar na origem e volume da hemorragia é a aspiração nasogástrica (ANG). Um aspirado com sangue confirma tratar-se de uma HDA, sendo os falsos positivos raros e podendo estar associados ao traumatismo. Por outro lado, a ANG não é um método muito fiável para avaliar a atividade da hemorragia (sensibilidades entre os 70 a 80% e especificidades entres os 50 a 60%), sendo o método mais fiável o recurso aos sinais vitais. Neste con-texto, um aspirado de sangue vivo pode apenas significar uma hemorragia recente e não necessariamente ativa. Por outro lado, uma ANG sem sangue, apesar de sugerir que a causa de hemorragia é média ou baixa não é absolutamente segura, podendo tratar-se de uma hemorragia bulbar com um piloro continente. Existem mesmo séries em que do-entes com aspirado com bílis tinham sangrado de lesões gástricas e/ou bulbares. Por outro lado, e como vimos em doente que se apresente com hematoquézia e franca insta-bilidade hemodinâmica, existe sempre a hipótese de a causa de hemorragia estar sedia-da no tubo digestivo alto e nestes casos a colocação de uma sonda nasogástrica é ade-quada. Existem situações duvidosas como por exemplo doente que refere uma eventual hematemese ou uma eventual melena. Uma ANG sem vestígios de sangue, um toque retal sem evidência de melenas e análises normais com ureia normal, tornam o diagnós-tico muito improvável e o doente pode ser seguido em ambulatório. Finalmente, não existe qualquer evidência que a ANG altere o desenlance final do episódio hemorrágico.
localização e conFirmação da endoscopia por meios complementares de diagnóstico Hoje em dia os exames endoscópicos (endoscopia digestiva alta, colonoscopia, ente-roscopia por balão) são o meio de excelência da confirmação diagnóstica, estando as-sociados ao seu potencial terapêutico. Outros exames que podem ser utilizados são a tomografia computorizada, a angiografia, a enteroscopia por cápsula, todos eles com particularidades e aplicabilidade de acordo com o tipo e localização da hemorragia. Estes diferentes exames irão ser abordados na terapêutica de forma a tornar a discus-são mais racional.
TRATAMENTO Como vimos anteriormente a terapêutica de uma hemorragia digestiva aguda tem como objetivos parar a hemorragia e eliminar, se possível, a causa, bem como prevenir a recidiva. As principais formas de tratamento são a farmacológica, endoscópica, an-giográfica e cirúrgica. Analisaremos, de seguida, as principais formas de hemorragia.
hemorragia digestiva alta aguda PrognósticoOs doentes com esta situação apresentam um espectro clínico de gravidade variável desde um sangramento minor até uma hemorragia fulminante. Apesar de cerca de 75% dos doentes apresentarem episódios autolimitados e apenas necessitarem de medidas suporte, existe controvérsia sobre a melhor forma de estabelecer o prognós-tico e selecionar doentes para unidades de cuidados intensivos ou para exames emer-gentes. As principais variáveis utilizadas no prognóstico são a causa de hemorragia, a
© L
ideL – ed
ições técnicas
167Hemorragia Digestiva Aguda
instabilidade hemodinâmica e a existência de comorbilidades. Diversos sistemas de pontuação (scores) têm emergido numa tentativa de estratificar os doentes, orientar eventual atitude (unidade de cuidados intensivos, endoscopia alta urgente, interna-mento, risco de recidiva, mortalidade, ou mesmo tratamento em ambulatório). O score mais popular é o de Rockall (Tabela 32.1) que engloba a idade, a estabilidade hemo-dinâmica, as comorbilidades e os achados da endoscopia digestiva alta (EDA). O score visa, sobretudo, a estratificação dos doentes em diferentes tipos de riscos e sua asso-ciação a probabilidade de recidiva e mortalidade (Tabela 32.2). Um outro score, fre-quentemente utilizado por não necessitar de EDA, é o de Blatchford (Quadro 32.1), baseado em variáveis simples como os valores de ureia, hemoglobina, pressão arterial sistólica e a existência ou não de melenas, lipotimia, insuficiência cardíaca e cirrose. Doentes com score de 0 eram considerados de baixo risco e podiam mesmo ter alta e ser avaliados em ambulatório. Contudo, o score é criticado pela sua baixa especificida-de, à semelhança de outros, o que significa que o score identifica um número reduzido de doentes com hemorragia trivial e que não necessitariam de intervenção. Muitos clínicos não utilizam estes scores e baseiam a sua atitude e avaliação da gravidade da hemorragia na análise de variáveis conhecidas como a idade, o número de comorbili-dades, choque ou franca instabilidade hemodinâmica na apresentação, número im-portante de unidades de concentrado de eritrócitos transfundidas, e dados da endos-copia como hemorragia variceal ou ativa. Por exemplo, um doente idoso, com insuficiência cardíaca e que se apresenta com hipotensão, deve ser admitido numa unidade de cuidados intensivos.
Variávelderisco Score0 Score1 Score2 Score3
Idade < 60 60-79 > 80 –
Choque – Pulso > 100 bpm TA sistólica < 100 –
Comorbilidade – –
Insuficiência cardíaca:
cardiopatia isquémica
Insuficiência renal; insufici-
ência hepática, metástases
Diagnóstico Mallory-Weiss Todos os outros Neoplasia
Evidênciadehemorragia Nenhuma –Hemorragia ativa, coágulo aderen-te, vaso visível
–
Adaptado de Rockall TA, Logan RF, Devlin HB, Northfield TC. “Risk assessment after acute upper gastrointestinal haemorrhage”. Gut 1996, 38 (3): 316–21.
Tabela 32.1 Score de gravidade numa hemorragia digestiva alta aguda de Rockall.
Risco Pontuação Recidivahemorrágica Mortalidade
Riscobaixo < 2 4,3% 0,1%
Riscointermédio 3-4 14% 4,6%
Riscoalto 5-11 37% 22%
Adaptado de Rockall TA, Logan RF, Devlin HB, Northfield TC. “Risk assessment after acute upper gastrointestinal haemorrhage”. Gut 1996, 38 (3): 316–21.
Tabela 32.2 Estratificação de risco de doentes em termos de probabilidade de recidiva e mortalidade após aplicação do score de Rockall.
168 Manual de Urgências e Emergências
Diagnóstico específico e terapêutica O primeiro elemento é a avaliação e estabilização hemodinâmica do doente. Após isto o doente deve ser referenciado para EDA, uma vez que está provado que este exame, para além de ser o método de eleição para o diagnóstico (Quadro 32.2), permite tera-pêutica, o que altera o prognóstico e a mortalidade. Após a estabilização hemodinâmi-ca e no grupo de doentes de risco a endoscopia deve ser feita o mais precocemente possível (no espaço de 3 a 6 horas). Existe alguma controvérsia nos tempos adequa-dos para a realização de EDA e sobretudo na chamada endoscopia diferida, que é aquela que pode ser feita na manhã seguinte. Aceita-se que casos sem comorbilida-des, ANG de sangue digerido ou limpa, ausência de instabilidade hemodinâmica, aná-lises sem alterações particulares (ou se quisermos com scores de baixo risco) podem perfeitamente ser submetidos a endoscopia no dia seguinte. Devem ser tomadas me-didas para a endoscopia alta ser feita em absoluta segurança, com o doente sedado (na presença de anestesista) e eventual entubação orotraqueal para doentes com sus-peita de varizes ou hemorragias de alto débito. Antes da EDA devem tentar obter-se as melhores condições de visibilidade possível. Neste contexto, recomenda-se a lavagem, através da sonda nasogástrica, com água a uma temperatura normal e o recurso à eritromicina e.v. na dose de 250 mg, que serve de procinético. Por outro lado, aceita-se que todos os doentes com HDA devem ser submetidos a inibidores da bomba de pro-tões (IBP) em infusão contínua até à realização de endoscopia. Recorre-se a um bolus inicial de 80 mg (omeprazole, pantoprazole ou esomeprazole), seguido de 8 mg/hora em infusão contínua. Esta medida, que eleva o pH gástrico para valores na ordem dos 6, parece fazer regredir a gravidade de lesões antes da endoscopia e deve ser imple-mentada. Em doentes com estigmas de cirrose e probabilidade de sangrar de varizes deve associar-se aos IBP, a terlipressina e.v., em bolus, e.v. de 4 em 4 horas nas doses de 1 mg (< 50 kg), 1,5 mg (50-70 kg) e 2 mg (> 70 kg). Como dissemos a endoscopia permite o diagnóstico e a terapêutica, estando o seguimento do doente e a estratégia seguinte dependentes dos achados endoscópicos e do tipo de terapêutica efetuado. A
FatordeRisco Pontuação FatordeRisco Pontuação
Ureia(BUN)-mg/dl(mmol/l) Pressãoarterialsistólica–mmHg
≥ 18,2 e < 22,4 (≥ 6,5 e < 8,0) 2 100 a 109 1
≥ 22,4 e < 28,0 (≥ 8,0 e < 10,0) 3 90 a 99 2
≥ 28,0 e < 70,0 (≥ 10,0 e < 25,0) 4 < 90 3
≥ 70,0 (≥ 25) 6 Outrosfatoresderisco
Hemoglobinaemhomens–g/dl Pulso ≥ 100 bpm 1
≥ 12,0 e < 13,0 1 Apresentação com melenas 1
≥ 10,0 e < 12,0 3 Apresentação com lipotimia 2
< 10,0 6 Doença hepática crónica 2
Hemoglobinaemmulheres–g/dl Insuficiência cardíaca 2
≥ 10,0 e < 12,0 1
< 10,0 6
Adaptado de Blatchford O, et al. “A risk score to predict need for treatment for upper gastrointestinal haemorrha-ge”. Lancet October 14, 2000, 356:1318-21.
Quadro 32.1 Score de gravidade numa hemorragia digestiva alta aguda de Blatchford.
© L
ideL – ed
ições técnicas
169Hemorragia Digestiva Aguda
Figura 32.1 apresenta o algoritmo para a abordagem e terapêutica da HDA.Considera-se que o manuseamento inicial (estabilização hemodinâmica, eventual aco-lhimento em unidade de cuidados intensivos e terapêutica farmacológica instituída) pode e deve ser feito por internistas, mas a partir do momento da EDA a orientação do doente deve ser feita em conjunto pelo internista e pelo gastrenterologista, devendo este definir a necessidade ou não de contactar um cirurgião.
Frequentes• Úlcera péptica• Varizes esofágicas• Síndrome de Mallory-Weiss• Gastropatia erosiva (erosões e hemorragias subepiteliais)
Menoscomuns• Esofagite• Angiodisplasias• Lesão de Dieulafoy• Gastropatia hipertensiva portal• Varizes gástricas• Neoplasia
Raras• Hemobilia• Fístula aorto-entérica• Vasculites• Doença de Crohn
Quadro 32.2 Causas de hemorragia digestiva alta aguda.
Figura 32.1 Algoritmo diagnóstico e terapêutico de uma hemorragia digestiva alta aguda.
Hemorragia digestiva alta
Avaliação clínica da gravidade da hemorragia
Moderada a grave
Endoscopia alta urgente/emergente
Estabilização hemodinâmicaIBP em perfusão+
terlipressina se estigmas de cirroseLavagem com água+eritromicina e.v.?
Ligeira Endoscopia alta eletiva(ambulatória?)
Varizes esofágicas
Tratamento endoscópico
Manter Tx com terlipressina 3-5 dias
Úlcera péptica
Úlcera base limpaSem Tx endoscópica
Úlcera com (hemorragia/vaso visível/coágulo)
Outras lesõesDieulafoy/Mallory-Weiss/etc.
Sem
Prevenção de novo episódio:programa de laqueação +
betabloqueante
Tratamento endoscópico/
TIPS
Recidivahemorrágica
Sem recidivahemorrágica
Tx endoscópicaManter IBP em perfusão
Tx da úlceraIBP/status Hp/AINEs
Repetir endoscopiaPonderar cirurgia
Passar IBP a oralIniciardieta
Recidivahemorrágica
Sem recidivahemorrágica
TratamentoendoscópicoTratamento
endoscópico
Tratamentoendoscópico
/cirurgia
Recidivahemorrágica
Seguimento e Tx de acordo com a lesão
Sem recidivahemorrágica
Tx = Terapêutica.
CardiologiaNefrologia e Hipertensão
PneumologiaMedicina Intensiva
NeurologiaReumatologia
GastrenterologiaEndocrinologia
Hematologia e OncologiaDermatologiaInfecciologia
Outras Patologias
URGÊNCIASEMERGÊNCIAS
MANUAL
Coordenação: Pedro Ponce
2.ªEdição
de
e
ISBN 978-972-757-861-0
ww
w.li
del.p
t
MANUAL de URGÊNCIAS e EMERGÊNCIAS
9 789727 578610
Pedro Ponce
Manual de
URGÊNCIAS e EMERGÊNCIAS
2.ªEdição
O Serviço de Urgência constitui o primeiro contacto com a estrutura assis-tencial de grande parte da população quando adoece, já que a extensa maioria dos internamentos hospitalares não são eletivos, mas sim com caráter de urgência. Este serviço assume, portanto, o papel de cartão de visita da instituição.
O seu funcionamento deficiente pode paralisar todo o hospital, palco de grandes tensões e conflitos, onde a prática médica é mais vulnerável, o erro é mais fácil e o escrutínio da comunidade e dos media mais atento. Com o tempo, a Medicina de Urgência em todas as instituições tende a profissionalizar-se, as equipas ganham estrutura, com elementos fixos que lhe dedicam grande parte da sua atividade clínica.
É a todos os que dedicam uma parte significativa da sua vida profissional a esta atividade que o presente livro se dirige, orientado pelos grandes sintomas ou síndromes apresentados pelo doente na urgência, os quais são definidos com rigor e dos quais se parte para a estratégia diagnóstica que conduza à melhor atitude terapêutica. Este guia de consulta rápida procura servir os médicos de urgência, os internos que fazem urgência geral, os clínicos gerais e também os alunos dos últimos anos de Medicina.
Nesta 2.ª edição revimos e atualizámos todos os capítulos, adicionámos uma introdução à organização do Serviço de Urgência, com ênfase especial para os critérios de triagem na admissão, aprofundámos o tópico da responsabilidade civil e criminal do médico no Serviço de Urgência, mantivémos o critério de as terapêuticas propostas serem práticas, detalhadas e exequíveis no nosso meio, de imediato ao alcance de todos vós.
Esperamos que vos seja útil no processo tão delicado e frequentemente solitário da decisão clínica em situação de urgência.
Protocolo de triagem de ManchesterRessuscitação cardiorrespiratória ChoqueCrise hipertensiva Dor torácica Síndromes coronárias agudas ArritmiasInsuficiência cardíaca DispneiaExacerbações de asma brônquica Pneumonia adquirida na comunidade DPOC agudizada Tromboembolismo pulmonar Hemoptises Pneumotórax Choque anafilático e edema angioneuróticoVentilação não invasiva Lesões por imersão e quase afogamentoCefaleiasEpilepsia e crises convulsivasSíncopeComaAcidente vascular cerebral (via verde AVC)Hemorragia subaracnoídeaSíndrome meníngeaFalta de força nos membrosDelírio e crises psicóticas agudasAnemia aguda hipovolémica – estratégia transfusionalPerturbações da hemostaseDor abdominal aguda não traumáticaPancreatite agudaHemorragia digestiva agudaIcteríciaInsuficiência hepática descompensadaLombalgia agudaEdemas generalizadosLesão renal agudaQueixas urináriasAlterações iónicasEscroto agudoComplicações agudas da diabetesAbordagem geral do politraumatizadoTraumatismos cranioencefálicos; vertebromedular; torácico;abdominal; da bacia e região pélvica; dos membrosQueimadurasDor aguda, ansiedade e agitaçãoIntoxicações agudasDor nos membrosMordeduras e picadasHemorragias em ginecologiaValorização da febreUrgências em otorrinolaringologiaQueixas estomatológicas agudasUrgências em oftalmologiaErupções cutâneasPequena cirurgiaResponsabilidade profissional do médico e da instituiçãoManejo do doente litigante ou agressivo
...........................................
..............
Pedro Ponce:
Diretor da Unidade de Cuidados Intensivos – Hospital CUF Infante Santo Nefrologista, Diretor Médico Nacional – Nephrocare Portugal
20mm13,5cm x 21cm 13,5cm x 21cm 8cm x 21cm8cm x 21cm
Líder em ediçõesde medicina
GrupoLIDEL
Meio século de saberwww.lidel.pt
Guia de consulta rápida indispensávelno Serviço de Urgência
Textos claros, objetivos e de fácil consulta
Fundamental para a melhor decisão clínica
C
M
Y
CM
MY
CY
CMY
K
AF_ManualUrgencias.pdf 1 07/12/12 12:22