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Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art: Design e Narrativa em Animação Dissertação de Mestrado Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Design da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Design. Orientador: Prof. Nilton Gonçalves Gamba Rio de Janeiro Agosto de 2013.

Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

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Page 1: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

Marcelus Gaio Silveira de Senna

Concept Art:

Design e Narrativa em Animação

Dissertação de Mestrado

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação

em Design da PUC-Rio como requisito parcial para

obtenção do grau de Mestre em Design.

Orientador: Prof. Nilton Gonçalves Gamba

Rio de Janeiro

Agosto de 2013.

Page 2: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

Marcelus Gaio Silveira de Senna

Concept Art:

Design e Narrativa em Animação

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Design da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Design. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Prof. Nilton Gonçalves Gamba Orientador

Departamento de Artes & Design - PUC-Rio

Profª. India Mara Martins Universidade Federal Fluminense – UFF

Profª. Izabel Maria de Oliveira Departamento de Artes & Design - PUC-Rio

Prof. Luiz Antonio Luzio Coelho Departamento de Artes & Design – PUC -Rio

Profa. Denise Berruezo Portinari Coordenadora Setorial do Centro de Teologia e

Ciências Humanas – PUC-Rio

Rio de Janeiro, 9 de agosto de 2013.

Page 3: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total

ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, do

autor e do orientador.

Marcelus Gaio Silveira de Senna

Graduou-se em Cinema na Universidade Estácio de Sá em

2007. Concluiu Especialização em Animação na

CCE/PUC-Rio em 2009. Técnico em artes gráficas pelo

Senai-RJ atuou como ilustrador, designer e animador.

Ficha Catalográfica

CDD: 700

.

Senna, Marcelus Gaio Silveira de Concept Art: design e narrativa em animação / Marcelus Gaio Silveira de Senna ; orientador: Nilton Gonçalves Gamba. – 2013. 172 f. : il.(color.) ; 30 cm Dissertação(mestrado)–Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Artes e Design, 2013. Inclui bibliografia 1. Artes e design – Teses. 2. Animação. 3. Ilustração. 4. Concept art. 5. Cinema. 6. Indústria da animação. 7. Direção de arte. I. Gamba, Nilton Gonçalves. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Artes e Design. III. Título.

Page 4: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

Em memória de minha Mãe, Solange Balthazar da

Silveira, que sempre me incentivou a buscar os meus

sonhos. A minha esposa, Luzinete Gomes de Andrade e

aos meus filhos Cassius Gaio e Carlos Augustus Gaio.

Sem eles esta jornada não faria sentido.

Page 5: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

Agradecimentos

Ao meu orientador Professor Nilton Gamba Junior pelas revisões, opiniões e

companheirismo na jornada do mestrado. E principalmente pela compreensão nas

horas difíceis.

Ao CNPq, pelo auxilio concedido, sem o qual esse trabalho não poderia ter sido

realizado.

Aos entrevistados Cesar Coelho, Andres Lieban, Marcos Magalhães, Paulo

Visgueiro e Sergio Glenes, pela gentileza de me concederem entrevistas

compartilhando seus conhecimentos de maneira tão generosa.

À professora Claudia Bolshaw, que me incentivou a dar este passo tão importante.

Aos membros da Banca, Professores Nilton Gamba, Izabel de Oliveira, Luiz

Antonio Coelho e India Mara Martins, por prontamente aceitarem o convite.

Ao amigo Luis Antonio Saguar, pela inestimável ajuda quando da preparação do

projeto de pesquisa que veio a se tornar esta dissertação.

À Daniele Vicente de Azevedo, por ter emprestado livros tão importantes para

estapesquisa.

Page 6: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

Resumo

Senna, Marcelus Gaio Silveira de; Gamba, Nilton Gonçalves. Concept Art:

Design e Narrativa em Animação. Rio de Janeiro, 2013, 172 p. Dissertação de

Mestrado – Departamento de Artes e Design, Pontifícia Universidade Católica do

Rio de Janeiro.

Concept art: design e narrativa em animação tem o objetivo de investigar se

existe clareza nas funções que compreendem a atividade do concept art,

particularmente na relação entre design e narrativa. A motivação e objetivo geral

da pesquisa é ampliar o entendimento a respeito do campo e delinear melhor os

contornos da atividade. A referência para a construção deste perfil é o cinema de

animação comercial norte-americano. Divide-se a pesquisa em três partes. Na

primeira, faz-se uma investigação bibliográfica sobre questões etimológicas,

históricas e de linguagem pertinentes ao concept art. Na segunda parte, avalia-se a

posição do concept art na indústria a partir de três aspectos: como se difunde o

conhecimento a respeito do campo; o contexto de produção do concept art no

esquema de grandes estúdios; e quais as características de produção do concept

art à luz da metodologia projetual do design. A terceira e última parte concentra-

se no profissional da área, investigando o que a indústria busca desse profissional

e o que ele pensa sobre concept art. Primeiro, analisa-se o relato de um concept

artist atuante na indústria cinematográfica norte-americana, para depois ouvir

profissionais que trabalham ligados à função no mercado nacional. Concluiu-se ao

final deste trabalho que existe certa clareza nas funções que compreendem o

concept art, mas ainda há a necessidade de se definir melhor estas funções.

Exatamente por isso não se verificou consenso entre os profissionais entrevistados

na relação entre concept art e narrativa, que neste trabalho julgamos como sendo a

base do campo.

Palavras-chave

Design; Animação, ilustração; concept art; cinema; indústria da animação;

direção de arte.

Page 7: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

Abstract

Senna, Marcelus Gaio Silveira de; Gamba, Nilton Gonçalves. Concept Art:

Design and Storytelling in Animation. Rio de Janeiro, 2013, 172 p. Dissertação

de Mestrado – Departamento de Artes e Design, Pontifícia Universidade Católica

do Rio de Janeiro.

This work aims to investigate whether there is clarity on the roles that

constitute the Concept Art, especially with regard to the relation between the

design and the narrative. The motivation and main objective of this research is to

enlarge the understanding concerning the field and to define the contours of the

practice. The construction of this profile is based on North American commercial

animation movies. The research is divided into three parts. The first one illustrates

a bibliographic investigation about etymological and historical issues and the

specific language concerning Concept Art. The second part assesses the position

of the Concept Art in the industry from three aspects: how the knowledge

concerning the field is disseminated; the context of the Concept Art production

according to the major studios scheme; and which are the features of producing

Concept Art in the light of design projective methodology. The third and final part

focuses on the professional, investigating what the industry seeks and what the

professional thinks about Concept Art. Fist of all, it analyses the report of a

concept artist active in the North American film industry, and the professionals

related to the practice in the national market then. Finally, the conclusion of this

work is that there is certain clarity about the roles that constitute the Concept Art,

but it is still imperative to better define those functions. For that reason, there was

no consensus among the interviewed professionals concerning the relation

between Concept Art and narrative, which is, according to this work, the basis of

the field.

Keywords

Design, Animation, illustration, concept art, cinema, animation industry, art

direction.

Page 8: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

Sumário

1. Introdução 10

2. Narrativa e visualidade em concept art 20

2.1 Conceito: investigação sobre o termo 22

2.2 Concept art e Conceptual art 26

2.3 Narrativa e arte 42

2.4 Linguagem material 48

3. Formação, contexto de produção e metodologia 61

3.1 Difusão do conhecimento em concept art 62

3.2 Contexto de produção do concept art 83

3.3 Concept art como atividade projetual 88

3.4 Interseção de conhecimentos 110

4. O discurso dos profissionais de concept art 112

4.1 Feng Zhu: a visão de um profissional da indústria norte-americana 115

4.2 Animação brasileira: um contexto particular de observação 128

4.2.1 Entrevista 130

5. Considerações finais 157

6. Referências bibliográficas 166

Page 9: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

Lista de figuras

Figura 1 Mickey Mouse e Oswald the Lucky rabbit – Walt Disney

Productions

Figura 2 Gertie the Dinossaur (1914) – Winsor McCay

Figura 03 - Keith Arnat – I’m a real artist

Figura 04 - Nico Marlet – Design de personagens para Kung Fu Panda

Figura 05 - Castelo de Malévola – A Bela Adormencida

Figura 06 - Castelo da princesa Aurora – A Bela Adormecida

Figura 07 - Scar e Mufasa - O Rei Leão

Figura 08 – Sites de coletivos de computação gráfica consultados

Figura 09 – Sites de computação gráfica e os grupos empresariais

Figura 10 – Página de abertura do site CG Society

Figura 11 - Página de abertura do site ConceptArt.Org

Figura 12 Trabalhos dos designers Javier Mariscal e Neville Brody

Figura 13 - Desenvolvimento visual – Como Treinar seu Dragão

Figura 14 - Style boards do filme Hércules da Disney

Figura 15 - Diversos estágios do desenvolvimento visual do personagem

Po de Kung Fu Panda

Figura 16 - Personagens desenhados por Nico Marlet para Kung Fu

Panda

Figura 17 – Still do filme Begone Dull Care, de Norman McLaren

Figura 18 - Ilustração de Alex Panagopoulos, que poderá dar origem a um

filme produzido por Dwayne “The Rock” Johnson

Figura 19 - Os Minions de Meu Malvado Favorito

Page 10: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

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1. INTRODUÇÃO

A ideia de uma pesquisa acadêmica na área de Animação surgiu enquanto

cursava a Pós-graduação em Animação da PUC-RJ, em 2009. Desenhista desde a

infância e fascinado há muito tempo pelos livros de arte dos filmes de animação,

percebi durante a Pós-graduação que a direção de arte era o que mais me atraía na

área. Entretanto, quando tentei aprofundar os conhecimentos sobre esta etapa do

processo de realização de um filme de animação, me deparei com um verdadeiro

oceano de imagens e com quase nenhuma informação teórica.

Ainda mais problemático foi encontrar uma definição precisa sobre concept

art. Como definir esta atividade, que foi descoberta pelo público não faz muito

tempo, cujas principais fontes de informação estão na internet, nos making of’s

dos DVD’s e nos livros de arte das produções cinematográficas de grande

orçamento? Qual a metodologia de um projeto de concept art? Foram dúvidas

como estas que motivaram este trabalho.

Superficialmente podemos definir concept art, concept design ou

entertainment design como a representação visual de personagens, ambientes e

objetos, ou simplesmente a criação de uma atmosfera visual para uso em filmes,

videogames, cinema de animação e histórias em quadrinhos. Uma vez que

estamos atribuindo ao profissional de concept art o estabelecimento da atmosfera

em um filme de animação, cabe uma breve explanação sobre o conceito de

atmosfera com o qual estamos trabalhando.

Segundo Inês Gil, a atmosfera é “uma impressão específica que foi expressa

durante um plano ou uma sequência fílmica” (GIL, 2005, p.141). A autora coloca

ainda que a atmosfera é uma figura fílmica, que ela define como sendo uma forma

particular de expressão que se origina em princípios específicos ao cinema como,

por exemplo, a temporalidade da imagem fílmica. Gil estabelece ainda a diferença

entre atmosfera e clima. Segundo ela, o clima é mais geral e podemos falar de um

clima de terror, por exemplo. A presença do clima na cena é explícita, pois ele

está sempre no primeiro plano (GIL, 2005, p.141). A autora afirma ainda que “a

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atmosfera está sempre no primeiro plano, mesmo quando está pontualmente

localizada no espaço” (GIL, 2005, p.141), e aprofunda ainda mais a sua definição:

A atmosfera assemelha-se a um sistema de forças, sensíveis ou afectivas,

resultando de um campo energético, que circula num contexto determinado a partir

de um corpo ou de uma situação precisa. Neste sentido, a atmosfera tem

intensidades variadas e tende em formar-se sem produzir necessariamente

representações. Sendo um sistema energético, ela tem densidades diversas e um

dinamismo, mais ou menos, acentuado. (GIL, 2005, p. 142)

A autora subdivide atmosfera fílmica em alguns segmentos. Aquela que

mais interessa a este trabalho é a atmosfera plástica, uma vez que nosso foco é a

construção da visualidade fílmica através do concept art. A atmosfera plástica se

refere “à forma da imagem fílmica, e aos elementos que constituem o seu espaço

plástico” (GIL, 2005, p.142). A atmosfera plástica em um filme de animação é

determinada pela equipe de concept art. Em função de suas características

estéticas, os filmes de animação têm grande potencial para o desenvolvimento de

atmosfera, pois são naturalmente distantes do realismo, o que torna a atmosfera

plástica mais destacada.

Neste trabalho consideraremos então que a criação de atmosfera em filmes

de animação é, na maior parte, uma atribuição da equipe de arte e,

consequentemente, dos concept artists. Enquanto o clima pode ser definido por

fatores variados como a ação dramática ou o diálogo, por exemplo, a atmosfera se

sustenta principalmente sobre a construção da visualidade, particularmente da

forma como se constitui o espaço fílmico.

O concept art é frequentemente identificado com as produções de cunho

fantástico, em função do uso mais recorrente desta técnica para a criação dos

mundos imaginários da ficção científica, da fantasia e do horror, mas é ainda

bastante usado para reconstituições históricas e, menos frequentemente, no

desenvolvimento de aparatos tecnológicos e figurinos específicos para produções

com ambientação contemporânea, sejam ou não de cunho fantástico.

O concept art pode ser realista ─ principalmente nas produções

cinematográficas live action1 e nos videogames ─, ou utilizar a estética do

cartoon, como é o caso dos filmes de animação. É fato que o concept art está

espalhado em vários segmentos da indústria de comunicação e entretenimento, do

cinema aos games, dos parques temáticos à indústria de brinquedos.

1 Live action – designação utilizada para classificar o cinema realizado com atores reais em

oposição ao cinema de animação.

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As origens da utilização de imagens para dar corpo a conceitos não é algo

novo na história da arte. Entretanto, o concept art circunscrito à indústria da

Animação teria surgido na Disney Animation, que seria o primeiro estúdio a ter

utilizado de forma sistematizada a prática de desenhos conceituais já nos anos de

1930. A sistematização do desenvolvimento visual dos filmes atendeu a

necessidades práticas no processo de produção de filmes de animação no início do

século XX.

Ainda na era dos personagens com cabeças circulares e braços e pernas que

se comportavam como mangueiras – dentre os quais podemos destacar o Gato

Félix, o Coelho Oswald e o próprio Mickey Mouse – os estúdios Disney

começaram a investir no desenvolvimento visual para incrementar a qualidade

expressiva de seus personagens. Walt Disney acreditava em personagens com

forte personalidade e, para isso, incrementou as habilidades técnicas dos artistas

do estúdio através de aulas de arte para que eles se tornassem capazes de

transmitir emoção através de seus desenhos. A razão por trás da ênfase no

desenvolvimento dos personagens, não apenas em relação às questões de

movimento, mas também de design, era o aperfeiçoamento da narrativa. E esta

busca pelo incremento narrativo passava pelo aperfeiçoamento dos personagens -

que tinham que transmitir a “ilusão de vida” (LUCENA, 2002, p.99) -, bem como

de cenários e objetos de cena.

Figura 01 - Mickey Mouse e Oswald the Lucky rabbit – Walt Disney Productions.

Winsor McCay – cartunista norte-americano, criador da clássica tirinha

dominical Little Nemo e um dos pioneiros da Animação – produziu em 1910 a sua

primeira animação, um pequeno curta com os personagens de Little Nemo,

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lançado em 1911 em seus números de teatro de variedades. O filme também era

exibido nas salas de espetáculo e era distribuído pela Vitagraph, de James Stuart

Blackton, um dos pioneiros do cinema. Em 1912, McCay lançaria The Story of a

Mosquito e em 1914 foi a vez de Gertie the Dinosaur, sua obra mais conhecida. A

fluidez e a elegância da animação de McCay são mais do que reconhecidas nestas

e em todas as nove animações que ele produziu entre 1911 e 1921. McCay

produziu seus filmes praticamente sozinho, desenhando personagens e cenários

em cada um dos frames, quantas vezes fossem necessárias para gerar a ilusão de

movimento. Obviamente, um esquema de produção em larga escala não

sobreviveria com este método.

Figura 02 - Gertie the Dinossaur (1914) – Winsor McCay.

A busca por incremento de produtividade fez com que a animação

estadunidense evoluísse para um processo industrial. A lógica de produção em

linha de montagem – oposta ao processo artístico e artesanal de McCay – foi

desenvolvida ainda nos primórdios da animação como negócio e, já na década de

1910, o produtor de filmes de animação John Randolph Bray procurava formas de

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incrementar os processos de produção em seu estúdio, tendo registrado três

patentes com este objetivo entre 1914 e 1915. Bray é, aliás, considerado um dos

grandes desenvolvedores do conceito de animação como negócio. Em 1914 o

também animador e inventor Earl Hurd patenteou o processo chamado de cell

animation, que consistia na utilização de lâminas de celuloide transparente onde

eram desenhados os personagens que eram sobrepostos a um cenário pintado. Este

processo eliminava o exaustivo trabalho de redesenhar o fundo durante todo o

processo de animação do personagem, exatamente como fazia McCay. Bray

imediatamente contratou Hurd para trabalhar em sua empresa de patentes

(BENDAZZI, 2006, p.20). O processo de cell animation tornou-se o padrão da

indústria por décadas. Entre 1913 e 1917 Bray produziu em seu estúdio 46 títulos.

Em um período de cinco anos, o estúdio de Bray realizou mais de cinco

vezes o total de filmes realizado por McCay em toda a sua atividade como

animador. Obviamente há uma questão qualitativa envolvida. O trabalho de

McCay era dotado de grande qualidade artística, mas o próprio método de Bray

deixa claro que ele estava interessado em animação como uma forma de negócio e

não como arte. Charles Solomon comenta a altíssima taxa de produção dos

estudos sediados em Nova York durante os primeiros anos da animação nos

Estados Unidos da América:

By 1918, only four years after the premiere of “Gertie the Dinosaur”, there were at

least a dozen studios operating in the city, some of them producing films as fast as

one per week. The Raoul Barré studio (1913), the John Randolph Bray studio

(1914), and William Randolph Hearst’s International Film Service (1915)

dominated production between 1913 and 1919. (SOLOMON, 1989, p.22)

Solomon ainda chama a atenção para a diferença de métodos de produção e

de objetivos entre estes estúdios e o genial Winsor McCay:

The early producers had to find ways to produce animation quickly and cheaply.

Winsor McCay could take months to make a film if he chose, doing all the

drawings himself and not worrying about the cost. But studios producers, with

deadlines and budgets to meet, needed to streamline this new, highly, labor-

intensive medium. (Ibid., p.22)

Apesar dos esforços no sentido de incrementar a produção, a qualidade do

resultado final deixa claro que alguma coisa ainda estava por ser feita no sistema

produtivo. Giannalberto Bendazzi nos fornece um retrato esclarecedor da forma

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como os filmes de animação eram feitos nestes anos pioneiros, principalmente no

que diz respeito ao processo de divisão de tarefas praticado nestes estúdios:

Theoretically, the task of the animator involved the creation of stories and gags as

well as the animation of characters. Sometimes one individual was responsible for

a whole movie or a series, but generally the job was divided and the people who

worked on its fragments did not care to maintain continuity of action.

(BENDAZZI, 2006, p.23)

É evidente que o processo descrito acima não poderia resultar em um

material extremamente bem resolvido. Os problemas que atingiam a animação e o

roteiro eram sentidos também na parte visual dos filmes:

Graphically, none of these movies sparkled. Produced at a frantic pace for

distributors who did not understand, or did not care about, the details of

workmanship, they were unsophisticated and coarse, featuring rounded, simplified

forms which were the easiest to animate. (Ibid., p.23)

É nesse contexto que surge o departamento de Inspirational Sketches da

Disney Animation. Walt Disney buscava a especialização de seus profissionais

para incremento da qualidade e, obviamente, da produtividade. Como veremos

adiante no subcapítulo 2.3, Disney tomou várias medidas para aprimorar o

vocabulário técnico de seus animadores. Entretanto, o departamento de

desenvolvimento visual dos filmes – o Inspirational Sketches – parece ter sido

formado com profissionais vindos de áreas diversas e com sólida formação em

Artes. Se tomarmos como exemplo Branca de Neve e os Sete Anões – primeiro

longa-metragem do estúdio ─, fazem parte da equipe pelo menos três artistas com

formação e experiências artísticas que precediam a sua entrada no staff na Disney:

Joe Grant, Gustav Tenggren e Albert Hurter. Joe Grant era cartunista e trabalhava

na imprensa, Tenggren era ilustrador de livros infantis e Hurter, além de sua

formação em Artes, havia trabalhado no estúdio de Raoul Barré2. Este

procedimento por parte de Disney pode ter acontecido pelo fato de que a

Animação era uma linguagem relativamente jovem dentro do universo das artes

visuais e seus processos de produção ainda estavam em desenvolvimento, o que

2 Raoul Barré foi um pioneiro da indústria da Animação. Segundo Charles Solomon, Barré

fundou o primeiro estúdio de animação dos Estados Unidos, o Raoul Barré Studio, em 1913. Em

1915 John Randolph Bray fundou o seu estúdio e em 1916 William Randolph Hearst fundou o

International Film Service. Segundo Solomon estes estúdios dominaram a produção de filmes

animados entre 1913 e 1919. (SOLOMON, 1989, p.22)

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tornava a captação de mão de obra altamente especializada um desafio. Isto fez

com que Disney tentasse resolver o problema internamente. Por outro lado, a

ilustração e as artes plásticas tinham processos mais do que constituídos, sendo

muito mais simples encontrar artistas que tivessem os predicados necessários à

direção de arte.

O registro histórico sobre concept art, até onde conseguimos apurar neste

trabalho, é impreciso e pulverizado, mas também os parâmetros de definição do

campo não são tão claros como se poderia imaginar para uma atividade que tem

seus primórdios na origem da Animação.

Assim como outras áreas do conhecimento humano, o exercício da atividade

de concept art foi sendo construído através do tempo sem que fosse acompanhada

por uma reflexão teórica mais apurada. Parte das dificuldades encontradas para

definir mais precisamente a atividade pode estar no fato de que desde sua suposta

origem nos estúdios Disney – e até muito pouco tempo atrás –, todo o

conhecimento da área era transmitido dentro das próprias empresas ou como

disciplinas isoladas em cursos de animação.

A criação de cursos dedicados exclusivamente ao concept art, tanto em

instituições de ensino superior quanto em instituições não acadêmicas

especializadas em Computação Gráfica é um fenômeno relativamente novo. As

escolas de Computação Gráfica, entretanto, saíram na frente.

A primeira consequência do atraso das instituições formais de ensino em

perceber a importância desta enorme gama de conhecimento que vem se

desenvolvendo fora do ambiente acadêmico é que as reflexões teóricas a respeito

desta área são poucas. A segunda é que este conhecimento, em função da

inexistência de reflexão, vem se desenvolvendo prioritariamente no campo da

técnica. Por fim, forma-se uma visão de que esta é uma área essencialmente

técnica e dispensa maiores elaborações teóricas. Não se trata aqui de defender o

saber científico produzido na academia como única forma de saber válida e

legitimadora da área. Entretanto, a falta da reflexão teórico-científica dificulta o

olhar da própria área sobre ela mesma, na definição clara de seus contornos e na

sua importância para a sociedade.

É em função deste cenário de grande informalidade na transmissão do

conhecimento e de supervalorização da técnica em detrimento da reflexão que

emerge o problema sobre o qual esta pesquisa pretende se debruçar: existe clareza

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nas funções que compreendem o concept art, particularmente na relação entre

design e narrativa que está na própria constituição do campo?

Mesmo com a ausência de escolas especializadas e de reflexão teórica a

respeito do campo, o concept art se desenvolveu como atividade profissional ao

longo do tempo. A atividade está presente em várias categorias da Indústria do

Entretenimento e é parte fundamental do processo de produção de filmes de

animação. Mesmo hoje, quando a quantidade de instituições oferecendo cursos na

área aumentou muito – principalmente nos EUA –, a prioridade destes cursos é a

prática. Além disso, tanto os concpet artists quanto diretores, produtores e

diretores de arte de filmes de animação, fazem pouca ou nenhuma reflexão sobre a

área e suas características.

Este panorama nos leva à predição que este trabalho pretende verificar: a

atividade tem sua prática já consolidada em diversas áreas, mas pouca reflexão

teórica, principalmente no que diz respeito às tensões entre design e narrativa que

estão na constituição do concept art.

Este trabalho parte do pressuposto de que o concept art é resultado da

tensão entre design e narrativa e surgiu da necessidade de incrementar a

expressividade nos filmes na indústria da animação cinematográfica

estadunidense. Esta indústria se desenvolveu mais cedo que a de qualquer outro

país e, por isso mesmo, tornou-se referência não apenas de estilo e linguagem,

mas também de processos produtivos. Sua enorme influência fez-se sentir em todo

o mundo, inclusive no Brasil. O termo concept art, por exemplo, é

prioritariamente utilizado em inglês no Brasil, razão pela qual neste trabalho

optamos por não traduzir o termo.

A partir das questões expostas, surge o objetivo geral deste trabalho: buscar

o entendimento do concept art partindo da tensão entre design e narrativa que

constitui a base do campo, tomando como referência a origem da terminologia

(mercado americano de audiovisual) e seus desdobramentos no contexto nacional.

Alguns objetivos específicos emergem do exposto até aqui:

- Revisão das definições de concept art, com foco nos conceitos

relativos à área do Design e ir a campo para identificar terminologias

correlatas;

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18

- Identificação das funções associadas ao conceito, ilustrando

através do campo as situações consolidadas e as contradições;

- Ampliação da visibilidade e entendimento dessas funções através

da proposição de uma classificação teórico/técnica.

Este trabalho se justifica em função da perspectiva de aumento na produção

de filmes de animação no país, o que exige o aumento no volume das pesquisas

que auxiliem no desenvolvimento de mão de obra especializada, na criação de

bibliografia técnica e no processo organizacional das empresas do setor. Podemos

supor que existem trabalhos científicos sendo produzidos nos campos da

animação, jogos de computador e cinema, mas o volume de pesquisa precisa

aumentar para que o crescimento do mercado seja acompanhado de reflexão

acadêmica e pesquisas que auxiliem nos investimentos e nas tomadas de decisão

tanto das empresas públicas e privadas, quanto dos indivíduos que desejarem se

estabelecer profissionalmente nestes setores.

As pesquisas sobre os processos que envolvem o desenvolvimento, a

produção, a gestão e a comercialização de produtos da indústria de animação

focados na realidade local e tendo como parâmetro as realidades de centros

produtores já estabelecidos, tais como Estados Unidos, Japão e França, podem

auxiliar no desenvolvimento sustentável deste setor.

Esta pesquisa pretende, portanto, contribuir com o aumento da visibilidade e

compreensão do concept art, atividade importante para toda a cadeia produtiva da

Indústria do Entretenimento e, particularmente, para a Animação.

No cinema de animação a importância do concept art vai além da mera

concepção visual. A equipe de direção de arte formada pelo production designer,

diretores de arte e concept artists, desenvolve objetos de cena, cenários e

personagens, bem como outros elementos importantíssimos para a narrativa, tais

como color scripts e pranchas para indicação da atmosfera de cada cena. Todo

este aparato técnico vai ajudar na materialização das ideias expressas no roteiro,

na criação de sentido e na transmissão da mensagem do filme. O universo visual e

narrativo desenvolvido até este ponto só vai se completar quando forem

adicionados o movimento e o som, mas uma parte importante daquilo que será o

filme já está nas pranchas conceituais. O concept art é, portanto, atividade

importantíssima na construção de um filme de animação.

Page 19: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

19

Esta pesquisa está focada em aspectos específicos do concept art, tais como

design, narrativa, linguagem material, metodologia, difusão de informação, perfil

profissional dentre outros. É uma pesquisa de escopo amplo, mas ainda assim

inevitavelmente deixa muitas questões importantes de fora. Não haveria tempo ou

espaço físico para tratar do concept art em todas as suas dimensões. Espera-se,

entretanto, que este trabalho venha auxiliar a outros pesquisadores na árdua tarefa

de lançar um olhar mais apurado sobre o concept art para animação.

Page 20: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

20

2. NARRATIVA E VISUALIDADE NO CONCEPT ART

O objetivo deste capítulo é estabelecer uma contextualização teórica

mediante uma série de elementos que podem auxiliar no entendimento do que é o

concept art a partir da relação entre design e narrativa, que acreditamos estar na

base do campo, tomando como referência a origem da terminologia (mercado

norte-americano de audiovisual) e seus desdobramentos no contexto nacional.

Aqui investigaremos algumas questões que ajudarão a desenhar os contornos do

que é essa atividade, hoje tão difundida através dos mais diversos canais de mídia

e, no entanto, tão pouco estudada. Apenas no terceiro capítulo deste trabalho,

trataremos do caráter projetual3 do concept art e da sua relação com o Design.

Iniciaremos nossa pesquisa no subcapítulo 2.1, Conceito: investigação

sobre o termo. Como o próprio título revela, investigaremos a etimologia do

termo “conceito”, na Filosofia e na Ciência, bem como as implicações do seu

emprego na atividade a qual nos propomos estudar neste trabalho.

No subcapítulo 2.2, Concept Art ou Conceptual Art, pesquisaremos essas

duas modalidades artísticas, que, apesar das designações semelhantes, são tão

diferentes entre si, tanto em suas motivações quanto em seus resultados. Através

deste estudo, pretendemos esclarecer melhor os contornos do concept art por meio

da investigação do seu negativo, ou seja, entender melhor o que ele é, conhecendo

o que ele não é e identificando o que está ausente na sua estrutura.

No subcapítulo 2.3, Narrativa e Arte, abordaremos o caráter narrativo do

concept art e suas implicações com a imagem, partindo da análise do conceito de

narrativa de Barthes e, posteriormente, analisaremos a relação entre arte narrativa

e não narrativa na História da Arte, tendo como referência o trabalho de Gamba

Junior. Ainda neste subcapítulo entenderemos um pouco mais o conceito de

3 O termo projetual é utilizado com base no livro Uma Introdução à História do Design de

Rafael Cardoso. Na página 20 da introdução, Cardoso informa que o termo não será grafado em

itálico ou com aspas ao longo do texto. Neste trabalho usaremos o termo em concordância com

Cardoso, entendendo projetual como aquilo que tem por qualidade ser projetado. Que é produzido

a partir de um projeto.

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21

imagem narrativa segundo reflexões dos ilustradores Rui de Oliveira e Ciça

Fitipaldi.

No subcapítulo 2.4, Linguagem material, trataremos de como o concept art

participa da construção da materialidade do discurso fílmico. Para tanto,

utilizaremos o conceito “pasoliniano” de discurso para além do verbal. Além

disso, estudaremos a Animação diante do conceito de cinema como janela da

realidade. O objetivo é entender se esse conceito atende a uma teoria da

linguagem do filme animado. Para isso, trabalharemos com o texto da animadora

e teórica da animação Marina Estela Graça.

Por fim, investigaremos quais são os dispositivos que legitimam a atividade

dentro da sociedade e o próprio conhecimento em concept art. Esse processo de

legitimação do saber dentro de uma área na sociedade será investigado sob a

perspectiva teórica de Lyotard e de seu trabalho A condição pós-moderna. No

subcapítulo 3.1 – Difusão de conhecimento em Concept Art, analisaremos de que

forma o saber sobre a área é legitimado e como ele – difundido através de

instituições de ensino acadêmicas ou não, sites de conteúdo especializado, livros e

DVDs – também passa a ser legitimador da atividade pelo relato dos experts do

mercado.

Os problemas que nos propomos a investigar neste capítulo e naqueles que

estão por vir, não são simples. Como definir exatamente algo que pouco foi

investigado até o momento e que, muitas vezes, é confundido com outra área da

Arte com a qual pouco ou nada tem em comum? Como contextualizar

historicamente algo que é investigado pelos principais canais, oficiais ou

informais, apenas através de seus rastros mais evidentes, ou seja, a produção

visual como resultado do fazer artístico? O concept art é um conhecimento pouco

explorado em termos teóricos, porém largamente difundido enquanto prática em

vários segmentos da indústria do entretenimento. O grande paradoxo é que aquilo

que é desenvolvido por um concept artist normalmente é visto por milhares de

pessoas, seja em filmes, em games, em brinquedos ou em parques temáticos. No

entanto, até bem pouco tempo atrás, quando surgiram os extras em DVDs de

animação e filmes de ficção, terror e fantasia, praticamente ninguém fora do

circuito profissional sabia da existência dessa atividade. A partir das questões

levantadas neste capítulo, poderemos dialogar com outra questão estrutural nesta

pesquisa, que vem a ser a dimensão projetual em concept art. Esperamos que,

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uma vez terminado este diálogo entre disciplinas tão diversas – e que nos parecem

tão imbricadas nesse fazer artístico –, tenhamos subsídios para lançar um olhar

sobre a realidade do mercado local e concluir esta tentativa de definir esse objeto

capaz de encantar pela beleza de suas imagens e, ao mesmo tempo, nos intrigar

pela irregularidade de seus contornos.

2.1. Conceito: investigação sobre o termo

O problema para definirmos mais apuradamente o concept art começa pela

própria nomenclatura da área. Primeiro investigaremos o significado da palavra

“conceito” para, em seguida, avaliar a significação do termo ao ser utilizado como

designação da área. Comecemos, então, pela definição do Dicionário Houaiss:

(s.m.) produto da faculdade de conceber; faculdade intelectiva e cognoscitiva do

ser humano, mente, espírito, pensamento; compreensão que alguém tem de uma

palavra, noção, concepção, ideia.(HOUAISS & VILLAR, 2001, p. 783)

No Dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano, o termo “conceito” é

descrito da seguinte forma:

Em geral, todo processo que torne possível a descrição, a classificação e a previsão

dos objetos cognoscíveis. Assim entendido, esse termo tem significado

generalíssimo e pode incluir qualquer espécie de sinal ou procedimento semântico,

seja qual for o objeto a que se refere, abstrato ou concreto, próximo ou distante,

universal ou individual, etc. Pode-se ter um C. de mesa tanto quanto do número 3,

de homem tanto quanto de Deus, de gênero e espécie (os chamados universais

[v.])tanto quanto de uma realidade individual, como p. ex. de um período histórico

ou de uma instituição histórica (o "Renascimento" ou o "Feudalismo").

(ABBAGNANO, 1998, p. 194)

Abbagnano nos diz, ainda, que um conceito não é um nome “já que

diferentes nomes podem exprimir o mesmo C. (conceito) ou diferentes conceitos

podem ser indicados, por equívoco, pelo mesmo nome”(Ibid. p.194). Segundo ele,

o conceito não é um elemento simples ou indivisível, pois é constituído por “um

conjunto de técnicas simbólicas complexas” ”(Ibid. p.194) tais como, os conceitos

científicos. Mais ainda, Abbagnano coloca o conceito na qualidade de um signo

linguístico cuja primeira e principal função é a comunicação:

[...] o C. é um signo do objeto (qualquer que seja) e se acha em relação de

significação com ele. Por essa interpretação, encontrada pela primeira vez nos

estoicos, a doutrina do C. é uma teoria dos signos. ”(Ibid. p.196)

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E completa:

A função lógica do C. é a da suposição, pela qual, em todos os complexos em que

entra, o C. está no lugar das coisas significadas [...].”(Ibid. p.197)

Entretanto, há outra forma de interpretar o conceito. Abbagnano explica

que, em oposição a esta visão da escola estoica que considera o “conceito” como

“um signo do objeto (qualquer que seja) e se acha em relação de significação com

ele” (Ibid. p.196), o termo pode, ainda, ser interpretado como a essência das

coisas – noção que, segundo o autor, teve sua origem no período clássico da

Filosofia Grega. Entretanto é a ideia do conceito como significado que se

consolidou em grande parte da Filosofia Contemporânea. O autor acrescenta:

Em 1942, Susan K. Langer reconhecia formalmente a identificação ocorrida entre

C. e significado, mostrando a convergência de muitas correntes da filosofia

contemporânea para o reconhecimento do simbolismo em ciência, arte, filosofia e

em todas as formas culturais em geral (Philosophy in a New Key, 1942, cap. III).

”(Ibid. p.198)

Ao assumirmos a função de signo dos conceitos, “admite-se ipso facto

também a sua instrumentalidade; e essa instrumentalidade pode ser aclarada e

descrita nos seus múltiplos aspectos” (Ibid. p.198). Segundo Abbagnano, pode

existir um conceito de “coisas inexistentes ou passadas, cuja existência não é

verificável, nem tem um sentido específico” (Ibid. p.198), não tendo o “conceito”

que se referir necessariamente a coisas reais.

Os filósofos Gilles Deleuze e Félix Guatarri em seu livro O que é

Filosofia?, complementam esta visão multifacetada do conceito:

Não há conceito simples. Todo conceito tem componentes, e se define por eles.

Tem portanto uma cifra. É uma multiplicidade, embora nem toda multiplicidade

seja conceitual. Não há conceito de um só componente: mesmo o primeiro

conceito, aquele pelo qual uma filosofia "começa", possui vários componentes, já

que não é evidente que a filosofia deva ter um começo e que, se ela determina um,

deve acrescentar-lhe um ponto de vista ou uma razão. (DELEUZE & GUATARRI,

2002, p. 27)

Deleuze e Guatarri parecem alinhar-se à ideia de conceito como signo e não

como essência:

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O conceito é um incorporal, embora se encarne ou se efetue nos corpos.

Mas, justamente, não se confunde com o estado de coisas no qual se efetua.

[...] O conceito diz o acontecimento, não a essência ou a coisa. (Ibid. p. 33)

Da mesma forma Lakatos e Marconi nos mostram que, também na Ciência,

os conceitos existem para representar os fenômenos ou aspectos dos fenômenos

investigados. Os diferentes fenômenos são estudados por cada uma das ciências

que, para interpretá-los, possui um sistema abstrato de pensamento e, por isso,

cada ciência desenvolve conceitos próprios. O sistema teórico de uma ciência, em

consequência, pode ser chamado de sistema conceitual. Nesse raciocínio, é

reafirmada a ideia do conceito como signo:

Em consequência, ao formularmos uma proposição utilizamos os conceitos como

símbolos dos fenômenos que estão sendo inter-relacionados. Portanto, "a distinção

entre fato e conceito é a de que o conceito simboliza as inter-relações empíricas e

os fenômenos que são afirmados pelo fato”. (LAKATOS E MARCONI, 1991, p.

102)

As autoras citam ainda Ander-Egg, que aprofunda o caráter simbólico do

conceito científico:

Segundo esse autor, conceitos são abstrações, isto é, construções lógicas elaboradas

pelo cientista, de tal forma que podem captar ou apreender um fato ou fenômeno

por eles representados (simbolismo lógico), expressos através de um sinal

conceitual (simbolismo gramatical). Dessa forma, o conceito difere do fenômeno,

coisa ou fato que representa ou simboliza, sendo, porém, básico como instrumento

do método científico, em sua função de analisar a realidade e comunicar seus

resultados. (Ibid. p. 102)

Essa é a definição de conceito que iremos adotar neste trabalho, aquela que

entende o conceito como um conjunto de signos. O concept art, portanto, assume

o papel de signo, pois é a representação imagética de ideias concebidas

anteriormente na forma de discurso. É outra forma de simbolismo – a qual

poderíamos chamar de simbolismo imagético – que vai complementar o

simbolismo do discurso, seja ele textual ou verbal. As imagens concebidas pelo

concept artist têm uma dimensão simbólica clara, ou seja, um conjunto de signos

que representa alguma coisa.

Tal origem a partir do discurso é, aliás, outro aspecto interessante no

processo de desenvolvimento do concept art ao longo da produção do filme de

animação. O roteiro de um filme animado não é obrigatoriamente originado a

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partir de um texto escrito. Há tantos métodos de produção quanto realizadores de

filmes, porém, na indústria de filmes de longa-metragem, o processo de

desenvolvimento da história se dá no Departamento de Histórias, que é formado

pela equipe de roteiristas e pelos storyboarders, que trabalham em conjunto com o

diretor. O texto escrito é o ponto de partida para a produção dos storyboards4, em

que a narrativa e as gags visuais serão desenvolvidas. O concept artist também vai

partir tanto do discurso escrito – que pode ser tanto o argumento, a sinopse ou o

roteiro –, quanto do discurso verbal do diretor para empreender o

desenvolvimento visual do filme. É, portanto, a partir do fenômeno da linguagem

que a concepção visual do filme é construída. Esse embate entre os diferentes

integrantes da equipe de produção é um exemplo daquilo que Lyotard chama de

jogos de linguagem:

Quando Wittgenstein, recomeçando o estudo da linguagem a partir do zero,

centraliza sua atenção sobre os efeitos dos discursos, chama os diversos tipos de

enunciados que ele caracteriza desta maneira, e dos quais enumerou-se alguns, de

jogos de linguagem. Por este termo quer dizer que cada uma destas diversas

categorias de enunciados deve poder ser determinada por regras que especifiquem

suas propriedades e o uso que delas se pode fazer, exatamente como o jogo de

xadrez se define como um conjunto de regras que determinam as propriedades das

peças, ou o modo conveniente de deslocá-las. (LYOTARD, 2009, p. 16)

Esses jogos de linguagem apresentam tal e qual qualquer jogo, regras claras

e bem definidas, e a ausência de regras implica a inexistência do jogo. A dinâmica

entre as diferentes partes envolvidas na produção de um filme de animação –

roteiristas, concept artists, storyboarders, animadores etc. – é evidentemente um

exemplo de jogos de linguagem, em que cada parte expõe suas ideias, cabendo ao

diretor ou ao produtor, conforme a dinâmica da empresa, o lance final. O concept

artist vai receber as especificações sobre personagens, situações, objetos e

cenários, e a partir daí se inicia o jogo. Ele produz as imagens – faz o seu lance –,

e recebe o contragolpe que pode vir tanto do diretor de arte, quanto do diretor do

filme, ou dos animadores; enfim, qualquer um envolvido no desenvolvimento

criativo do filme. Novos lances ocorrerão, até que todos se deem por satisfeitos, e

4 Os storyboards são desenhos que descrevem plano a plano a ação de uma cena. Colocados

em sequência darão à equipe a noção exata de como irá se desenrolar a narrativa, a ação dramática

dos personagens, os movimentos de câmera etc. Quando os quadros são capturados por qualquer

processo opto mecânico (escaneamento, fotografia) e montados sequencialmente em um editor de

vídeo, surge o animatic, quase um copião de um filme que ainda não foi feito e que fornece em

tempo real o andamento da narrativa fílmica. Frequentemente o storyboard é relacionado com

as histórias em quadrinhos, mas essa visão é, no mínimo, questionável.

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o processo chegue ao fim. O objetivo é a excelência do discurso, no caso, o filme

que está sendo produzido.

Deleuze e Gautarri propõem a relação entre conceito e problema,

importantíssima para entendermos o “conceito” dentro do contexto específico do

concept art. Segundo os autores, os conceitos são formulados em resposta a um

problema que se encontra malvisto ou mal colocado. Mais do que apenas criar a

representação ou a aparência das coisas e personagens que estarão no filme, o

concept art auxilia na solução de problemas de comunicação e de design que estão

presentes no projeto de um filme, tornando imagéticos, através de formas e cores,

os conceitos abstratos presentes no discurso.

A dimensão semiológica das ilustrações conceituais será analisada mais

adiante na unidade 2.4, mas citamos esse aspecto, porque a partir do momento em

que as ideias indicadas no argumento ou no roteiro do filme passam a existir como

representação na forma de desenhos, pinturas e esculturas, transformam-se em

guias que contribuirão para a construção do universo diegético.

Entretanto, não podemos nos esquecer de que as ilustrações conceituais não

estarão no filme. Elas são representações daquilo que será efetivamente um

cenário, um objeto ou personagem.

Para este trabalho, então, entendemos “conceito” como um fenômeno

linguístico, constituindo-se em um conjunto de signos que representam um objeto.

Esse conjunto de signos não necessariamente representa objetos reais, podendo

referir-se a coisas inexistentes e não verificáveis. Tal aspecto tem relação direta

com o desenvolvimento dos mundos imaginários com que o concept artist

trabalha. E no contexto específico do concept art, o conceito é resultado desta

tensão entre discurso verbal/textual e o discurso imagético que vai sendo

produzido ao longo do processo, através dos jogos de linguagens empreendidos

pelas partes envolvidas na produção.

2.2. Concept Art e Conceptual Art

O objetivo desta unidade é investigar o termo “arte” e algumas de suas

implicações históricas, sociais e metodológicas para estabelecer uma relação com

o concept art. Essa investigação será feita em função de alguns parâmetros que

serão analisados ao longo da unidade. Uma vez que foi feita uma investigação a

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respeito do termo “conceito”, faz-se necessário compreender um pouco do termo

“arte” e contextualizá-lo no âmbito do concept art.

Entretanto, a investigação também contará com uma comparação entre

concept art e Conceptual Art, pois ambos se apropriam dos mesmos termos para a

designação da área. Assim, os dois termos podem ser fonte de congruências e

digressões ao serem utilizados por duas manifestações tão diferentes. Não é,

entretanto, apenas pela possibilidade de possíveis confusões que se faz esta

investigação sobre a Arte Conceitual. Muitas vezes pela impossibilidade de

definirmos algo por aquilo que ela é, seguimos o caminho inverso e tentamos

conhecê-la através do seu negativo, ou seja, por aquilo que ela não é ou é diverso.

Por ser um movimento específico dentro do universo das Artes Plásticas, a Arte

Conceitual possui uma historiografia mais precisa do que, no geral, as formas

artísticas ligadas à indústria do entretenimento.

Antes de nos aventurarmos diretamente na investigação sobre concept art e

Conceptual Art, é importante lançar um olhar retrospectivo sobre o termo “arte”,

mesmo que breve e consequentemente incompleto. A palavra “arte” já foi alvo de

várias análises e tentativas de revisão. Nela está contemplado um enorme conjunto

de habilidades humanas diferentes, e seria ingênuo pensar que é possível definir

cada uma delas apenas para encontrar uma melhor definição para o concept art.

Para este trabalho, o que está sendo tomado como sinônimo de arte está inserido

no universo das Artes Visuais, território no qual se situa o concept art e onde

estão reunidas todas aquelas atividades cuja experiência principal repousa na

visualidade.

Em seu livro A história da arte, Gombrich lança um olhar esclarecedor

sobre o termo:

Nada existe realmente que se possa dar o nome de Arte. Existem somente artistas.

Outrora, eram homens que apanhavam um punhado de terra colorida e com ela

modelavam toscamente as formas de um bisão na parede de uma caverna; hoje,

alguns compram suas próprias tintas e desenham cartazes para tapumes; eles

faziam e fazem muitas coisas. Não prejudica ninguém dar o nome de arte a todas

essas atividades, desde que se conserve em mente que tal palavra pode significar

coisas muito diversas, em tempos e lugares diferentes, e que Arte com A maiúsculo

não existe. (GOMBRICH, 1999, p. 15).

Ao longo do tempo, o termo “arte” foi alvo de diferentes interpretações, e,

em sua dimensão prática, a arte passou por transformações tanto no modo de

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representação da realidade quanto nas diversas técnicas desenvolvidas para este

fim. Também o estatuto do artista dentro da sociedade passou por profundas

transformações. Durante a Antiguidade, o artista não era mais do que um artesão,

pois dependia do trabalho com as mãos para concretizar a sua obra, ao contrário

dos poetas, que tinham o privilégio, segundo o ideal platônico, de produzir

maravilhas apenas com o trabalho intelectual. A visão sobre o fazer artístico e o

estatuto do artista na sociedade começaram a se transformar a partir do século XIII,

e Gombrich assinala que a prosperidade das cidades italianas, no período, fez com

que elas rivalizassem entre si para assegurar o serviço dos grandes artistas que

embelezassem suas construções. Nesse contexto, o pintor Giotto di Bondone

alcança prestígio sem precedentes em Florença. Gombrich explica:

Sua fama era tão grande que a comuna de Florença se orgulhava dele e estava

ansiosa por ter o campanário de sua catedral projetado pelo celebrado mestre. Esse

orgulho das cidades, que rivalizavam entre si para assegurar os serviços dos

grandes artistas que embelezavam seus edifícios e criavam obras de fama

duradoura, foi um grande incentivo para os mestres se superarem mutuamente [...].

(Ibid., p.287)

O processo de transformação do estatuto da arte na sociedade se estendeu

por um bom tempo ainda depois de Giotto. Durante o Renascimento, os artistas

conquistaram uma posição diferenciada em função das grandes conquistas

artísticas do período – os estudos da perspectiva e da anatomia que elevaram a

Arte a outro patamar no que dizia respeito à imitação da natureza:

O artista deixou de ser um artífice entre artífices, pronto a executar encomendas de

sapatos, armários ou pinturas, conforme fosse o caso. Era agora um mestre dotado

de autonomia, não podendo alcançar fama e glória sem explorar os mistérios da

natureza e sondar as leis secretas do universo. (Ibid., p.287)

O estatuto da Arte sofreu outra transformação significativa quando se tornou

“acadêmica”, expressão que faz referência direta ao lugar onde Platão e seus

discípulos se reuniam em busca de sabedoria. Segundo Gombrich, o termo

começou a ser utilizado pelos artistas italianos ainda no século XVI, pois os

aproximava dos humanistas que tanto admiravam; mas só no século XVIII, a

“academia” substituiu o ateliê como lugar de ensino da Arte. Estas mudanças

tiveram grande influência na percepção sobre a Arte, como demonstra Gombrich:

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[...] a pintura deixara de ser um ofício ordinário cujos conhecimentos eram

transmitidos de mestre para aprendiz. Convertera-se, em vez disso, numa

disciplina, como a filosofia, a ser ensinada em academias. [...] Assim, os antigos

métodos, pelos quais os grandes mestres do passado tinham aprendido o seu ofício,

triturando cores e ajudando os mais velhos, entraram em declínio. (Ibid., p. 480)

No século XIX, segundo Gombrich, a liberdade quase completa permitia ao

artista plástico não mais limitar-se às convenções do passado, e abria-se o

caminho para o individualismo, o que resultaria na grande ruptura do

Modernismo. No contexto histórico que se inicia no século XIX e se consolida com

a ascensão do Modernismo, a mudança de status da Arte implicou uma alteração

no papel do artista, antes um profissional dotado de certas habilidades contratado

para dar corpo às necessidades de seus clientes, fossem elas meramente

ornamentais, como naturezas mortas e paisagens; de comunicação, como quadros

históricos e religiosos; de hierarquia social e notoriedade, como retratos; e assim

por diante. A mudança desse status transforma as relações do artista com o

mercado e com a sociedade em geral e provoca a separação entre ilustração e artes

plásticas. Como resultado dessa mudança de paradigma, a ilustração – ao lado do

design gráfico e da fotografia – passa a assumir algumas funções que

anteriormente estavam no âmbito das artes plásticas, por exemplo, a produção de

imagens voltadas para as necessidades de um indivíduo ou grupo de indivíduos,

como os grandes veículos de comunicação de massa que estão se desenvolvendo

exatamente nesse período. O artista plástico passa a ter a liberdade de produzir o

seu trabalho em função de sua subjetividade, e não em função dos desejos de

outrem. Mesmo que na prática, em alguns casos, esta máxima possa ser

contestada, ela passa a fazer parte do estatuto da Arte na sociedade. O artista

plástico passa a criar primeiro para depois submeter o seu trabalho à apreciação do

público, ao contrário do cenário anterior no qual ele produzia a partir de uma

demanda pré-estabelecida.

As habilidades artísticas – do inglês craftsmanship que significa habilidade,

perícia profissional, arte (Novo Michaelis, 1970, p.248). –, e a metodologia das

Artes Plásticas são duas questões importantes para este estudo e que estão

diretamente ligadas a essa transformação no cenário das Artes. Por ser um termo

por demais aberto e consequentemente pouco preciso, neste trabalho, entendemos

essas habilidades como sendo o domínio das técnicas de representação figurativa,

o que foi importantíssimo nas Artes Plásticas entre os séculos XVI e XIX. Os

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artistas plásticos tinham que desenhar precisamente o mundo a sua volta e eram

exaustivamente treinados em perspectiva, figura humana, desenho de animais e

vegetação, paisagens e naturezas mortas. Afinal, eram eles os responsáveis pela

representação visual do mundo sensível. E com isso, o domínio sobre as diversas

técnicas de pintura e escultura também deveria ser total. Após a mudança ocorrida

no estatuto das Artes Plásticas no século XIX, este cenário foi mudando pouco a

pouco. O primeiro quesito a cair foi a representação figurativa realista. Depois a

própria representação da realidade foi derrubada pela arte abstrata e, como

veremos adiante, até mesmo os suportes tradicionais foram questionados. Essas

habilidades técnicas de representação figurativa, ou seja, a perícia no manuseio

das diversas ferramentas, materiais e técnicas das Artes Plásticas, eram um dos

pontos fundamentais da formação de um artista durante o academicismo e

sobreviveu de alguma forma durante o Modernismo. Entretanto, com o advento da

pós-modernidade e a ascensão da Arte Conceitual, as habilidades artísticas foram

renegadas e sua sobrevivência se deu em parte no âmbito da ilustração.

Também no âmbito da ilustração, sobreviveu a metodologia da Arte

desenvolvida a partir da Renascença. A arte renascentista era uma Arte não apenas

de reprodução, mas principalmente de investigação da natureza. Com o

desenvolvimento de técnicas como a perspectiva, essa representação do mundo

sensível se tornou progressivamente mais apurada. Além do desenvolvimento

técnico do qual tratamos anteriormente, era importante o estabelecimento de uma

metodologia. A pintura e a escultura eram projetuais e como todo processo

artístico, contavam também com grande dose de subjetividade e intuição.

Entretanto é evidente que não se pinta algo como os afrescos da Capela Sistina se

não houver um planejamento apurado. Dentre os exemplos de metodologia melhor

documentada, está o de um dos pintores mais influentes do século XVI, Federico

Barocci (1535 – 1612), cujo método foi registrado por Bellori em seu livro de

biografias sobre grandes pintores. (TURNER, 1996, p.253). Barocci sempre

recorria à observação do real (life drawing) na preparação de seus quadros,

investigando apuradamente iluminação, cor, perspectiva e outros problemas

formais. O pintor fazia inúmeros desenhos de observação com a finalidade de

estudar poses, partes da figura e dobras de vestimentas. (TURNER, 1996, p. 256)

Muitos dos estudos de Barocci eram feitos independentemente da observação, a

partir de elaboração pessoal e outros ainda eram feitos com base no estudo de

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trabalhos de outros artistas. Barocci, dentre outras experiências, produzia

pequenos desenhos a bico de pena e carvão para os estudos iniciais e

posteriormente estudos mais apurados de figuras e composição. No livro

Imaginative Realism, James Gurney enumera de forma direta as etapas de trabalho

de Barocci:

I. After deciding on his idea for a picture, Barocci made dozens of loose sketches to

establish the gestures and arrangement of the figures.

2. He then made studies in charcoal or pastel from live models.

3. Next he sculpted miniature figurines in wax or clay, each draped in tiny

costumes to see how they would look under various lighting arrangements.

4. He proceeded with a compositional study in gouache or oil, considering the

overall pattern of light and shade.

5. He then produced a full-size tonal study or "cartoon" in pastels or charcoal and

powdered gesso.

6. He transferred this drawing to the canvas.

7. Before proceeding with the painting he made small oil studies to define the color

relationships.

8. Finally he went ahead with the completed painting.

Barocci may have been more meticulous than some of his contemporaries, but his

process was not unusual, and almost every imaginative artist since has followed at

least some of these steps (GURNEY, 2009, p. 11).

A conclusão de Gurney é mais verdadeira ainda quando pensamos na

ilustração e na maioria dos exemplos de projetos de concept art relatados nos

livros de Arte das produções dos grandes estúdios. Nas Artes Plásticas, entretanto,

a partir do Modernismo, os artistas foram se distanciando progressivamente desta

metodologia, buscando maior autenticidade e subjetividade em suas obras. Com o

advento daquilo que se convencionou chamar de pós-modernidade e o surgimento

de manifestações artísticas características desse período, muitos outros

paradigmas foram derrubados. Uma das manifestações artísticas mais

características desse período é a Conceptual Art, da qual nos ocuparemos agora.

Paul Wood, em seu livro Arte Conceitual, investiga as origens desse

movimento artístico e suas principais características políticas e formais. Desde o

início, entretanto, o autor nos informa que não é simples estabelecer contornos

bem definidos do movimento:

Até mesmo o nome propõe desde o início, uma dificuldade. Já me utilizei da

expressão “arte conceitual” para fazer referência a uma forma histórica de

vanguarda que floresceu no final da década de 60 e ao longo da década seguinte. O

termo era corretamente empregado na época, para designar uma multiplicidade de

atividades com base na linguagem, fotografia e processos, as quais se esquivavam

do embate que então se efetuava entre, de um lado, a arte minimalista e várias

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práticas “antiformais” e, de outro, a instituição do modernismo, num contexto de

crescente radicalismo cultural e político. (WOOD, 2002, p. 7)

Alguns dados podem ser imediatamente retirados desta passagem. Em

primeiro lugar, o estabelecimento de um período histórico para o florescimento da

Arte Conceitual: o final da década de 1960 e a década de 1970. Esse dado será

importante ao analisarmos aquilo que se conseguiu detectar sobre as origens do

Concept Art. Além do destaque dado à fotografia como meio de expressão, é

relevante a definição da arte conceitual como uma atividade artística baseada na

linguagem:

Porém o primeiro a empregar, de fato, a expressão “arte conceito” foi o escritor e

músico Henry Flynt, já em 1961, em meio às atividades associadas ao grupo

Fluxus de Nova York. Em um ensaio posterior publicado na Anthology do Fluxus

(1963), Flynt escreveu que “arte conceito” é acima de tudo uma arte na qual o

material são os “conceitos”, argumentando em seguida que,“uma vez que ‘os

conceitos’ são estritamente vinculados à linguagem, a arte conceitual é um tipo de

arte na qual o material é a linguagem”. (WOOD, 2002, p. 8)

Por exemplo, a linguagem textual no trabalho de Keith Arnatt, I’m a real

artist. Essa obra esteticamente tão simples não é mais do que uma foto em que

vemos um homem segurando um cartaz contendo a frase “Eu sou um verdadeiro

artista”. Há, entretanto, um jogo claro com as características representativas da

linguagem, tanto textual quanto imagética. O texto afirma que vemos um artista

real que, entretanto, está representado por uma fotografia. Ao substituir o fato que

provava que ele é artista (a obra de arte) Arnat opta por explicitar apenas o

conceito.

Esse foco na linguagem era fruto da desconfiança dos artistas da Conceptual

Art em relação ao afastamento do intelecto da esfera da Arte promovido pelo

Modernismo e sua proposta de autonomia do suporte. Com a colocação da ideia

no centro do processo, e não mais a expressividade do meio (tinta, carvão, pedra),

o artista conceitual abandonou a produção de objetos e tornou-se “um

manipulador de signos, engajado criticamente com a ampla esfera da

representação”(WOOD, 2002, p.55).

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Figura 03 - Keith Arnat – I’m A Real Artist (1972).

Aqui retornamos à nossa reflexão da unidade 2.1 sobre o termo conceito.

Naquela unidade, vimos que o conceito é na verdade formado por um conjunto de

signos e que por isso mesmo ele representa alguma coisa sem, no entanto, ser a

essência da coisa. Podemos deduzir então pelo próprio discurso de Henry Flynt

que a Conceptual Art recebe esta designação exatamente porque lida com a

manipulação do código linguístico, além de jogar também com as questões

semióticas suscitadas pela Fotografia.

A negação da exclusividade estética pela Conceptual Art a colocava em

oposição com duas questões importantes do Modernismo: a produção de objetos

para a fruição estética do observador e, particularmente, a tensão entre conceito e

representação. Para os modernistas, era fundamental a exploração das

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34

propriedades expressivas do meio (especificidade do meio) com a finalidade de

criar uma obra que proporcionasse no espectador emoção, o que origina a

importância do Abstracionismo, negando os traços narrativos que vigoravam na

arte acadêmica. Para os conceitualistas, entretanto, a questão estética não ocupava

lugar de destaque. Em primeiro lugar, os artistas da Arte Conceitual queriam uma

ampliação de seus suportes, renegando assim a especificidade do meio. Em

segundo lugar e não menos importante está a negação da forma, a antiforma: “a

obra de arte como qualquer coisa, pedaços de lixo, feltro, matéria indiferenciada, e

até mesmo nenhuma ‘coisa’, exceto ações e ‘ideias’” (Ibid., p.30). Esta negação

da estética levou ao distanciamento do fazer artístico como reflexo de habilidade e

sensibilidade diferenciadas. Os conceitualistas utilizariam os meios e as técnicas

comuns que a modernidade tornara acessíveis, como a fotografia, utilizada não

como “fotografia-de-arte, mas uma fotografia amadorística e de massa”. (Ibid.,

p.45)

O movimento da Arte Conceitual tinha ainda fortes inclinações políticas. Os

artistas lançavam-se em prática que ultrapassava as paredes das galerias, tidas

como espaços burgueses, para práticas culturais radicais, envolvendo grupos

comunitários e sindicatos. Paul Wood descreve um pouco deste espírito altamente

politizado e predominantemente de esquerda, através das ideias do artista Ian

Burn:

Nas suas Memórias de um ex-artista conceitual, de 1981, Burn isolou cinco

características progressivas da arte conceitual: uma reação contra o sistema de

mercado; uma tendência a usar formas mais democráticas de mídia e comunicação;

uma atenção maior com relação aos relacionamentos humanos reais; uma ênfase

em métodos de trabalho organizado de maneira coletiva; e um interesse em

educação, levando a uma desmistificação da arte e uma crescente consciência do

papel que a arte desempenha no sistema social. Ele concluiu: “O real valor da arte

conceitual está no seu caráter transitório, não no estilo propriamente dito”. (Ibid.,

p.67)

Ao contrário da Conceptual Art e de outros movimentos da Arte ao longo do

tempo, as origens do concept art são incertas e mesmo não sendo esta a única

variável de avaliação do setor é, sem dúvida, um dado importante. Além disso, a

falta de problematização sobre a área ao longo do período em que a atividade

existe inibiu não apenas a reflexão teórica sobre questões importantes como

metodologia e linguagem, como também minimizou – se não inviabilizou – a

construção da memória sobre concept art de maneira organizada e cientificamente

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35

fundamentada. Tomamos como marco inicial da atividade o surgimento do

departamento de ilustrações conceituais na Disney Animation. É um recorte

arbitrário, mas que não é desprovido de fundamentação. A Disney é considerada o

ponto culminante dos procedimentos industriais nos primórdios da Animação. É

sabido que Walt Disney e seus artistas e técnicos não inventaram todos os

procedimentos inovadores que deram impulso industrial à Animação, mas ele foi

sem dúvida um visionário ao adotar e desenvolver técnicas que incrementavam a

produção de filmes animados, tanto em termos qualitativos quanto quantitativos.

Além disso, existe material bibliográfico expressivo sobre a produção do estúdio,

analisando tanto aspectos artísticos, quanto formas de organização e produção.

Giannalberto Bendazzi em seu livro Cartoons: a hundred years of cinema

animation, chama a atenção para o fato de que nos primórdios da Animação

estadunidense, os estúdios de animação delegavam aos próprios animadores

diferentes etapas tais como animação, roteiro e concept art. Não havia naquele

momento uma preocupação maior com a diferenciação através do Design, pois as

formas eram definidas em função da facilidade para serem animadas.(

BENDAZZI, 2006, p.23) Obviamente a qualidade final era determinada pelas

limitações do método. Ainda na era dos personagens com cabeças circulares e

braços e pernas que se comportavam como mangueiras – dentre os quais podemos

destacar o Gato Felix, o Coelho Oswald e o próprio Mickey Mouse – os estúdios

Disney começaram a investir no desenvolvimento visual para incrementar a

qualidade expressiva de seus personagens. Walt Disney acreditava em

personagens com forte personalidade e, para isso, incrementou as habilidades

técnicas dos artistas do estúdio, recorrendo a aulas de Arte para que eles se

tornassem capazes de transmitir emoção por meio de seus desenhos. John

Canemaker em seu livro Before animation begins fala da preocupação de Disney

com a formação artística de seus animadores:

“Walt knew instinctively that the tyranny of the circle and rubber-hose template

must be replaced by expressive and complex drawings in order to caricature

reality. Most of the experienced animators he was recruiting from the east and

newcomers he hired in Los Angeles were clever but limited cartoonists, untrained

in academic arts.( CANEMAKER, 1996, p.4)

A razão por trás da ênfase no desenvolvimento dos personagens não apenas

em relação ao movimento, mas também da forma, era o aperfeiçoamento da

narrativa. E essa busca do incremento narrativo passava pelo aperfeiçoamento dos

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36

personagens, bem como de cenários e objetos de cena. No início dos anos de

1930, Disney iniciou o treinamento regular em Artes para os seus desenhistas,

procedimento que se tornou comum no estúdio. Dentro de um profundo

remodelamento do sistema de sua linha de produção, Disney contratou em 1931 o

artista Albert Hurter, que se tornou o primeiro inpirational sketch artist do

estúdio. John Canemaker nos fala sobre a importância da estética dos livros

infantis europeus sobre os filmes do estúdio e do impacto do trabalho artístico que

Hurter teve sobre Walt Disney:

Those illustrative references became major stylistic motifs in the features Snow

White and Pinicchio (both adapted from European literary sources), and can be

directly attributed to Albert Hurter, an artist who arrived at the studio in 1931 with

“a cigar in his left hand, a magic wand in his right”. Walt immediately saw in the

academically trained, older artist a conduit for his vision of animation as

believable, personality-driven storybook illustrations come to life. (Ibid, p.7)

Esta profunda mudança de paradigma nos estúdios Disney teria como

resultado um incremento qualitativo em todas as áreas, e principalmente naquilo

que no futuro ficaria conhecido como concept art. Não temos como afirmar

categoricamente que o concept art surgiu na Disney, mas o fato de o estúdio ter

criado um departamento unicamente voltado para esta atividade, no momento em

que a animação está sendo construída tanto em termos de linguagem quanto de

metodologia, sugere um marco importante no desenvolvimento da área.

Assim podemos ver que as diferenças entre concept art e Conceptual Art

começam na própria origem de ambas. O Conceptual Art se formou dentro do

processo de declínio do Modernismo na década de 1960. Se tomarmos como

marco inicial para surgimento do concept art no cinema de animação a criação do

departamento nos estúdios Disney, esta atividade começou seu desenvolvimento a

partir da década de 1930. Disney, em seus primeiros trabalhos de longa-

metragem, tinha como referência a arte figurativa e acadêmica do século XIX,

principalmente os livros infantis europeus. É notório que Walt Disney contratou

os ilustradores europeus de livros infantis Kay Nielsen e Gustaf Tenggren para

colaborar na concepção visual de seus filmes. Isso, em plena vigência do ideário

da Arte Modernista.

Outra diferença importante entre concept art e Conceptual Art é a questão

da estética. Enquanto para o conceptual artist as questões estéticas deviam ser

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37

minimizadas, mesmo quando ele exprimia suas ideias mediante um meio plástico

como a fotografia, no concept art pelo contrário, o Design e consequentemente a

Estética são essenciais. Mesmo quando busca mais a expressão – caso, por

exemplo, daqueles filmes mais calcados no estilo cartum – do que propriamente a

beleza, o concept artist ainda assim deve se preocupar se aquelas formas são ou

não adequadas àquele projeto. A preocupação com a adequação do seu trabalho ao

produto é análoga à questão vivida pelos artistas da era pré-moderna que

executavam seus trabalhos por encomenda e tem pouco a ver com a realidade

vivida pelos modernistas ou pós-modernistas.

Retornando à questão da fotografia, para os artistas do Conceptual Art a

importância da fotografia era comunicacional e um fim em si própria, enquanto

para o concept art a fotografia em geral é avaliada prioritariamente por suas

características formais, servindo como matéria-prima para a produção de outras

imagens. Podemos citar três métodos, dentre tantos outros possíveis, de utilização

da fotografia no concept art. Em primeiro, a utilização de uma foto tratada

digitalmente de maneira a possibilitar uma leitura que não existia antes da

manipulação. Por exemplo, a foto de um prédio em perfeitas condições

transformada na imagem de um prédio em ruínas. Uma segunda forma de

utilização é a fotografia como matéria-prima para colagens. O concept artist reúne

partes de várias fotos em um editor de imagens, produzindo, após complexa

manipulação, uma nova imagem que atende às necessidades estéticas do filme.

Por fim, podemos citar o uso da fotografia enquanto referência de formas, cores e

texturas, bem como de estilo arquitetônico, adereços e figurinos, animais e seres

humanos. A lista é praticamente interminável. Nesse caso, o concept artist utiliza

as fotos como um ponto de partida para a produção das ilustrações, que podem ser

produzidas em qualquer técnica, desde lápis grafite até pintura digital; e, nesse

ponto, retornamos à questão das habilidades técnicas de representação figurativa,

aquilo a que anteriormente nos referimos como expressividade do meio.

Jeff Wall afirmava que “a vanguarda crítica ‘não sentia mais a necessidade

de aquisição de habilidades e sensibilidades enraizadas em uma exclusividade

artística de corporação de ofício’”.(WOOD, 2002, p.45) Os artistas do Conceptual

Art negavam o desenvolvimento dessas habilidades – aqui identificadas como

habilidades técnicas de representação figurativa. Entretanto, em concept art o

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38

desenvolvimento de tais habilidades é fundamental. Vejamos o que diz

Canemaker a respeito do domínio técnico necessário a um inspirational artist:

Using pastel or charcoal, gouache, watercolor or oil paint, pen or colored pencil,

and making any size, shape, or type of surface that is comfortable, they create new

worlds, new characters, and new entertainment possibilities in their own

individualistic graphic styles. (CANEMAKER, 1996, p.XI)

Uma simples consulta a um livro de Arte de alguma das produções de

grandes estúdios tais como Pixar ou Dreamworks é o suficiente para entendermos

a que John Canemaker se refere. É expressiva a quantidade de imagens produzidas

para a definição de um único personagem em filmes como Kung Fu Panda. As

versões dos personagens, objetos e cenários são produzidos em diferentes estilos e

técnicas até que o modelo ideal seja encontrado. É importante ressaltar que a

tecnologia digital veio somar novas formas de produção artística – por exemplo, a

pintura digital – àquelas técnicas tradicionais citadas por Canemaker, ampliando

os meios de expressão disponíveis para os artistas visuais de um modo geral e,

consequentemente, para os concept artists. O concept artist está inserido em uma

tradição balizada pelo desenvolvimento técnico, nos moldes das Artes Figurativas

tanto pré-modernas quanto modernistas. Apesar de as rupturas com a era pré-

moderna, vimos que a Arte Modernista ainda tinha na expressividade do meio um

elemento importante. O concept artist tem que dominar as técnicas da Arte

Figurativa – perspectiva, anatomia, variedade de materiais – nos mesmos moldes

dos artistas do passado, apenas com objetivos diferentes.

Figura 04 - Design de personagem para o filme Kung Fu Panda pelo character designer

Nico Marlet.

Page 39: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

39

Concept art e Conceptual Art ficam ainda mais distantes um do outro

quando pensamos no fato de que o Conceptual Art se dedicava a contestar não

apenas o estatuto da Arte dentro da sociedade, mas também a própria estrutura da

sociedade. Esta contestação era feita por meio de manifestos como os do grupo

Fluxus e das próprias obras dos artistas, a maioria delas engajadas na crítica

social. O concept art, por sua vez, não apresenta dimensão crítica explícita. Pelo

menos nas animações comerciais produzidas pelos grandes estúdios, os concept

artists não parecem ter como prioridade em seu trabalho a prática de crítica social.

Entretanto, seria ingênuo acreditar que não há dimensão política no

desenvolvimento de qualquer tipo de mídia. Não é do escopo deste trabalho a

análise semiológica ou de discurso dos filmes animados produzidos pela indústria

de Hollywood, mas obviamente os filmes dessa indústria estão inseridos em um

contexto de representação que reflete as posições políticas daquela sociedade em

particular, mesmo quando retrata histórias passadas em outras culturas como

Mulan ou Kung Fu Panda cujas tramas se passam na China, e Rio, filme da Blue

Sky ambientado na cidade do Rio de Janeiro.

A unidade 2.3 será totalmente dedicada à investigação das questões ligadas

à narrativa. Entretanto, não podemos deixar de abordar aqui questões que

estabelecem desde já mais uma diferença radical entre concept art e Conceptual

Art. Se o Conceptual Art assume um antagonismo em relação ao vazio conceitual

presente no abstracionismo modernista, por outro lado também não se alinhava

com o modelo narrativo da arte acadêmica do século XIX. O concept art, pelo

contrário, é totalmente identificado com o modelo narrativo das Artes até o

Modernismo. Sua tarefa maior é a transmissão de uma ideia por meio da narração

e do design. Aliás, defendemos neste trabalho que esta tensão entre design e

narrativa não apenas constitui o campo, mas é fundamental para o sucesso do

filme perante o público. Nesse ponto, o concept artist ao contrário dos conceptual

artists, está tão alinhado com artistas acadêmicos do século XIX, tais como Alma

Tadema, quanto com os representantes do Modernismo. Se aqueles trazem como

contribuição todo o legado artístico da precisão anatômica, perspectiva e

dramaticidade iniciado pelos renascentistas e aperfeiçoado pelos expoentes da

Arte Barroca, os artistas do Modernismo vão demonstrar o valor das cores, das

texturas e das formas geométricas. Apesar de os modernistas terem se colocado

em oposição à arte alegórica e histórica eminentemente narrativa praticada pelos

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40

acadêmicos do século XIX, os recursos estéticos desenvolvidos no Modernismo

trouxeram alternativas expressivas importantes. Podemos citar, por exemplo, a

UPA5 e toda a sua estética calcada sobre os movimentos modernos da Arte, que se

tornou uma referência e uma alternativa ao estilo Disney, este sim extremamente

baseado na arte figurativa e acadêmica. Particularmente no cinema de animação,

não faltam exemplos de concept artists com forte influência de movimentos como

o Cubismo, o Expressionismo e o Surrealismo.

Outro ponto divergente é quanto ao uso da linguagem escrita ou verbal. Os

artistas conceituais utilizavam a linguagem como objeto artístico, manipulando o

caráter simbólico da palavra. Uma palavra impressa em um determinado contexto

poderia ser a própria obra de arte. Para o concept artist as linguagens escrita e

verbal são o ponto de partida. As ideias expressas no roteiro ou no discurso dos

membros da equipe de criação são a base para a construção da visualidade.

Concept Art e Conceptual Art são atividades com modos de operação

distintos. Em comum têm o fato de ambas partirem de um conceito previamente

estabelecido, mas os objetivos de cada uma também são diversos, o que torna os

resultados obtidos praticamente opostos. Anteriormente adotamos a definição de

conceito enquanto signo linguístico e, se tomarmos como base o pensamento de

Henry Flint, a manipulação desse signo linguístico é o objeto de trabalho do

conceptual artist. O conceptual artist não precisa chegar necessariamente em

outro lugar para além do símbolo, muito menos tem a obrigação de preocupar-se

com questões caras ao Modernismo, como a já citada expressividade do meio.

Mais distante estão ainda algumas questões que eram centrais para os movimentos

artísticos anteriores ao Modernismo como, a verossimilhança com o tema

representado. Ao conceptual artist basta a manipulação do signo e a sua

consequente mensagem, que pode vir na forma de qualquer material, sobre

qualquer suporte ou até nenhum suporte.

O concept artist, entretanto, está no caminho oposto. Apesar de ele também

interpretar e manipular os signos linguísticos, a linguagem não é o resultado final

do seu trabalho. Para ele, o signo linguístico é o ponto de partida, e questões como

5 UPA – United Producers of America – Estúdio de animação criado em meados da década

de 1940 por animadores egressos da Disney, a UPA se destacou exatamente por ter desenvolvido

um marcante estilo próprio. O “estilo UPA” era em todos os sentidos uma antítese do “estilo

Disney”. A estética da UPA influenciou gerações na animação e seus ecos são percebidos ainda

hoje. Segundo Alberto Lucena, nos filmes da UPA o design era mais importante do que o

movimento. (LUCENA, 2002, p.131)

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a expressividade do meio e a verossimilhança – dentre muitas outras que

estiveram em pauta nas artes até o Modernismo – são fundamentais.

O objetivo final do concept artist é a criação de um código visual que será

inserido em uma estrutura maior, a narrativa. Ele parte do signo linguístico para

gerar um código visual que encontra a sua função maior dentro da estrutura

narrativa. Podemos obviamente fruir e até compreender as imagens conceituais de

um filme de animação isoladas de seu contexto maior. Porém, a imersão total só

se dá quando estamos diante da peça acabada: o filme. Na tabela a seguir temos

uma visão geral das oposições entre concept art e conceptual art indicadas nesta

unidade:

QUADRO I

Concept art Conceptual art

Habilidades técnicas de

representação figurativa

É essencial.

Não é essencial.

Engajamento político

Nas animações

comerciais produzidas

pelos grandes estúdios

não há prioridade na

crítica social.

Contestação do Estatuto

da Arte dentro da

sociedade, mas também a

própria estrutura da

sociedade.

Estética

É questão central.

Negação ou minimização.

Finalidade

O design auxilia na

transmissão da

mensagem inserida na

narrativa.

A mensagem é a própria

obra.

Suporte

Utilização dos suportes

tradicionais e dos novos

(tecnologias digitais).

Independência em relação

aos suportes tradicionais.

Narrativa

Totalmente identificado

com o modelo narrativo

das Artes até o

Modernismo.

Não se alinhava com o

modelo narrativo da arte

acadêmica do século XIX.

Uso da linguagem

O signo linguístico é o

ponto de partida, mas o

resultado final é uma

imagem.

Manipulação do signo

linguístico.

O signo linguístico pode

ser a própria obra.

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O trabalho de concept art não é um fim em si mesmo e seu verdadeiro

sentido só se completa no contexto para o qual foi criado. É exatamente o

contexto narrativo que investigaremos na próxima unidade.

2.3. Narrativa e Arte

Concept Art é uma forma de representação visual eminentemente narrativa

que fornece ao filme suas primeiras impressões imagéticas. No princípio, em uma

boa parte dos casos, um filme de animação é composto apenas pelo discurso

textual – argumento, sinopse ou roteiro –, ou seja, os signos linguísticos que são

interpretados e transformados em códigos visuais pelo concept artist. As

ilustrações conceituais são, muitas vezes, as primeiras imagens de uma animação,

servindo tanto como representação estética quanto como indicações esquemáticas

de objetos, personagens e ambientes.

O Dicionário Houaiss define narrativa da seguinte forma:

S.f. ação, processo ou efeito de narrar, narração 1 exposição de um acontecimento

ou de uma série de acontecimentos mais ou menos encadeados, reais ou

imaginários, por meio de palavras ou imagens.(HOAISS & VILLAR, 2001,

p.1996)

A narrativa existe nas culturas e se faz presente em diferentes suportes,

como nos informa Barthes:

[...] a narrativa pode ser sustentada pela linguagem articulada, oral ou escrita, pela

imagem fixa ou móvel, pelo gesto ou pela mistura ordenada de todas estas

substâncias; está presente no mito, na lenda, na fábula, no conto, na novela, na

epopéia, na história, na tragédia, no drama, na comédia, na pantomima, na pintura,

(recorde-se a Santa Ursula de Carpaccio), no vitral, no cinema, nas histórias em

quadrinhos, no fait divers, na conversação. (Barthes et al, 2001, p.19)

Os vários suportes narrativos são formados pelos elementos constitutivos da

linguagem de cada um especificamente. Por exemplo, a narrativa escrita é

formada por um conjunto de frases e, segundo Barthes, a linguística para na frase

que é “a última unidade da qual se julga com direito de tratar”. (Ibid, p.22) No

entanto, o próprio Barthes também nos adverte de que uma narrativa é muito mais

do que um conjunto de frases. Assim também a narrativa fílmica é formada por

unidades menores (plano, cena e sequência), mas o resultado final de um filme é

muito maior do que a soma de suas unidades. A obra narrativa está no plano da

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43

significação, e essa é alcançada pelo acúmulo de funções narrativas que estão

agrupadas de acordo com uma hierarquia. No caso da narrativa fílmica

obviamente, por se tratar de um meio audiovisual, as imagens têm grande

importância na criação de significados.

Ao lermos a descrição de Barthes sobre tantos suportes narrativos, podemos

deduzir que ele provavelmente incluiu a Animação no conceito de Cinema e, por

isso, não a citou nominalmente. Tratamos no subcapítulo Linguagem material

sobre esta relação entre o cinema convencional e a animação, mas aqui vamos nos

ater ao que foi incluído mais do que ao omitido. É de particular interesse a

inclusão da pintura enquanto suporte possível para a narrativa, isso porque o

concept art é uma forma de representação pictórica, estática, podendo ser

bidimensional e ocasionalmente tridimensional, quando são construídos modelos

em argila para servirem como referências para os membros da equipe.

Na História da Arte, o potencial narrativo das imagens foi mais ou menos

explorado dependendo do momento histórico, mas em concept art – assim como

em ilustração e quadrinhos, por exemplo –, a narrativa está na maioria das vezes

dentro do processo. Isso é mais verdadeiro ainda quando nos reportamos ao objeto

de estudo deste trabalho, o concept art para Animação, particularmente a

animação comercial de longa-metragem.

É importante neste ponto frisarmos que, ao longo da História da Animação,

vários gêneros se constituíram, e autores elaboraram suas formas de expressão. A

animação abstrata, eminentemente formalista, tem sua importância focada muito

mais na estética do que no conteúdo. Exemplos desse tipo de trabalho são os

filmes de cineastas como Oskar Fishinger, Hans Richter, Walter Ruttmann e

Norman Mclaren, que exploram o movimento de formas e cores em sincronia com

a trilha sonora. Evidentemente, as questões envolvidas na construção de um

trabalho abstrato são diferentes daquelas encaradas em um trabalho figurativo e

eminentemente narrativo, como é o caso da maioria dos filmes de longa-metragem

e das séries de televisão. Entretanto, mesmo artistas figurativos podem abrir mão

da narrativa, pelo menos daquilo que se entende como narrativa nos grandes

meios de comunicação, ou seja, a narrativa aristotélica clássica. É o caso, por

exemplo, do animador suíço Georges Schwizgebel, que trabalha em espirais não

apenas narrativas como também imagéticas, seguindo um fluxo totalmente

diferente do usual.

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Os longas-metragens e as séries de televisão – sejam live action ou

animação – de uma maneira geral têm como finalidade contar histórias, o que

torna a narrativa visual um recurso muito importante. Tão importante que foi no

contexto de produção de filmes animados que surgiu o storyboard. Há casos,

entretanto, em que o realizador pode não considerar o uso dos storyboards

necessário. Formas de animação não narrativas, como os filmes animados

diretamente sobre a película ou casos em que diretores de cinema live action

desejam mais espontaneidade e acaso em seus filmes, por exemplo, talvez possam

prescindir de um planejamento mais rígido.

Entre os filmes de animação que têm a narração de histórias como principal

objetivo e os filmes de autor não narrativos que trabalham com temáticas

frequentemente, porém não apenas, abstratas, encontramos uma tensão semelhante

àquela existente entre arte narrativa e não narrativa dentro da História da Arte, a

oposição, por exemplo, entre o formalismo impressionista e as imagens

representacionais do Romantismo. Mesmo que ambos os movimentos estivessem

se opondo ao racionalismo acadêmico na Arte, os grupos estavam em meio a um

embate que dividia as reflexões sobre a Arte no final do século XIX. Em sua tese

de doutorado Narrativa e AIDS : Noites felinas e as dualidades da experiência

narrativa pós-moderna, Gamba Junior descreve esse embate, adicionando ainda a

importância do Simbolismo como mais uma frente de oposição às forças estéticas

vigentes naquele momento:

Assim teríamos nesse período três eixos de ruptura manifesta para a representação

artística: o Romantismo (anterior) com o uso da metáfora de forma alegórica,

criando um primeiro embate ao discurso racionalista; o Impressionismo,

privilegiando a percepção em função do tema, resultando em outra forma de reagir

ao discurso vigente, e o Simbolismo, dialogando com ambos na busca do símbolo

como substituição à alegoria romântica e ao materialismo impressionista.

(GAMBA JUNIOR, 2004, p.83)

Enquanto um artista romântico buscava registrar os fatos através de figuras

alegóricas como uma forma de representação ideológica, os impressionistas

privilegiavam a percepção e as sensações ópticas mais do que “a representação de

elementos figurativos (contorno, figura e fundo, etc.)”. (Ibid, p.85) Não é mais o

tema que importa ao artista impressionista, mas a maneira como este objeto será

representado, deslocando-se o foco do objeto para o processo. Gamba Junior

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coloca a narrativa no centro desse embate entre as duas vertentes estéticas,

Romantismo e Impressionismo:

O desafio central ainda é a fidelidade entre discurso e objeto, entre representação e

realidade. Dilemas diretamente ligados à reflexão da experiência de narrar como

uma reelaboração do percebido e, agora, como proposta clara de um movimento

para abolir antigas estruturas históricas de visão de mundo que não dão mais conta

desse novo contexto. (Ibid., p.85)

O Simbolismo, por sua vez, se opõe tanto à alegoria romântica quanto ao

materialismo impressionista. Até mesmo o tempo tem uma representação

diferenciada nos três estilos, sendo o tempo romântico aquele tempo histórico

convencional, atrelado ao fato em questão. O tempo no Impressionismo é o do

movimento, daquele instante congelado oriundo da linguagem fotográfica e que

agora passa a habitar o universo da pintura por meio das experiências

impressionistas. Finalmente o tempo do Simbolismo é o tempo onírico, não pode

ser mensurado e tampouco o momento representado pode ser datado. Gamba

Junior completa:

Essas três formas de representar o mundo esboçam então os primeiros contornos

para uma crise das antigas formas de elaborar a realidade que irá atravessar a

cultura ocidental até o Pós-Modernismo: a oposição entre metáfora e denotação

(Romantismo), percepção e narração (Impressionismo) e símbolo e alegoria

(Simbolismo) vai-se constituir como as sementes do que viria a ser denominado

Arte Moderna e também como os fundamentos de uma rejeição à representação

integrativa da realidade já abordada – a oposição entre o sujeito e o dito mundo

objetivo – mas agora passível de uma estruturação clara de ruptura estética. (Ibid.,

p.87)

Entretanto, se a narrativa tornou-se cada vez menos presente nas Artes

Plásticas, na Ilustração ela continuou parte essencial do processo. Área ligada às

Artes Visuais, arte aplicada por excelência, a ilustração requer, para a sua

realização, habilidade artística, domínio da linguagem das Artes Visuais e

domínio da narrativa. A tarefa do ilustrador é comunicar através de imagens uma

mensagem específica que pode ser desde uma especificação técnica – como a

perspectiva explodida de um motor, por exemplo –, e que, dependendo do

contexto, envolve pouco de narrativa, até uma ilustração literária onde a narrativa

é parte inerente ao processo.

Em função de algumas de suas características, alguns autores consideram

Concept Art como um subgrupo da ilustração, assim como ilustração editorial,

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ilustração publicitária ou ilustração para livros infantis. Esta opinião, entretanto,

não é unânime. Veremos mais adiante, no capítulo 4, que o concept artist Feng

Zhu faz distinções importantes entre concept art e Ilustração. Além disso, os

cursos de Concept Art não estão ligados aos cursos de Ilustração mesmo quando

alocados em instituições de ensino superior onde já existem cursos de ilustração.

Apesar das diferenças, investigar a ilustração e suas relações com a narrativa

pode nos ajudar a encontrar analogias importantes com o concept art. E mais

relevante do que saber se o concept art é mais próximo das Artes Plásticas ou da

Ilustração, uma mistura de ambas ou nenhuma das duas, é identificarmos com que

cada uma dessas áreas contribui para a formação do campo.

O ilustrador Rui de Oliveira em seu livro Pelos Jardins Bobolidistingue três

categorias na ilustração – persuasiva, informativa e narrativa –, e define a

ilustração narrativa da seguinte forma:

A ilustração narrativa está sempre associada a um texto, que pode ser literário ou

musical, como é o caso das ilustrações para capa de CDs e DVDs. No entanto, o

que fundamentalmente caracteriza esse gênero são [SIC] o narrar e descrever

histórias através de imagens, o que não significa em hipótese alguma uma tradução

visual do texto. A ilustração começa no ponto em que o alcance literário do texto

termina, e vice-versa. (OLIVEIRA, 2008, p.44)

Se a ilustração, assim como o Concept Art, é eminentemente narrativa, e

esse ato narrativo se materializa através da imagem, o que afinal faz com que uma

imagem possa ser considerada narrativa? Em seu texto O que é uma imagem

narrativa?, a ilustradora Ciça Fitipaldi define assim as condições para que uma

imagem possa ser considerada narrativa:

Uma ou mais personagens em ação, objetos postos em relação num lugar em

acontecimento: essas são as condições essenciais para colocar histórias em

andamento. A composição dos elementos do desenho numa configuração espaço-

temporal confere narratividade à imagem.( FITIPALDI, 2008, p.98)

As imagens narrativas, portanto, devem conter em sua configuração algo

que remeta ao acontecimento e que suscite um antes e um depois. A autora

complementa:

Quando as imagens em sua espacialidade incorporam a dimensão temporal, seja

pela representação de ações e eventos, seja pela articulação de vários quadros ou

cenas, em sequências, expondo uma ordem de acontecimentos temporal, são

imbuídas da fluência narrativa. (Ibid., p.109)

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47

As imagens narrativas podem estar em sequência, como nos storyboards,

em que a imagem seguinte complementa o sentido da anterior, ou podem ser

imagens isoladas desde o momento que as relações espaço-temporais induzam à

existência de uma sucessão de acontecimentos, no qual aquela imagem representa

apenas um fragmento isolado. Nesse contexto, uma pintura abstrata é pouco ou

nada narrativa, e um retrato é menos narrativo do que uma pintura histórica. Esse

tipo de embate está presente no concept art desde o início do cinema de animação.

Desde os primórdios da animação, vemos que o seu desenvolvimento se dá

em meio a este embate e nela tanto poderemos encontrar a narrativa aristotélica

quanto o filme abstrato. Tanto características eminentemente formais quanto

simbólicas e, por vezes alegóricas. O filme Fantasia (1940) de Walt Disney é um

caso particular em que encontraremos essas dimensões reunidas em uma única

peça. As diferentes temáticas e abordagens estéticas e narrativas que se sucedem

ao longo do filme nos levam tanto às alegorias mitológicas na parte do filme

dedicada à Sinfonia Pastoral de Beethoven, quanto ao abstracionismo radical

utilizado para a Toccatta e Fuga em Ré Menor de Johan Sebastian Bach.

O caráter narrativo do concept art está em acordo com a abordagem do

próprio termo “conceito”, entendido como signo linguístico e, consequentemente,

com caráter representacional.

O concept artist faz uso do signo interpretando-o e manipulando-o para criar

o código visual que estará a serviço da narrativa. Mais ainda, ele deve conhecer e

fazer uso das técnicas de construção narrativa para criar imagens que serão ao

mesmo tempo representações estéticas e indicações técnicas para o

desenvolvimento do filme. Exatamente por isso o concept artist não relega ao

segundo plano o caráter estético como o faziam os representantes da Conceptual

Art, e também não pode deixar de lado o conteúdo narrativo como faziam os

impressionistas.

Assim como o ilustrador, o concept artist interpreta o texto e as informações

transmitidas a ele para desenvolver imagens narrativas que transmitam a

atmosfera de uma cena ou um enquadramento específico e várias informações que

completam a narração, como iluminação, cor e atitude dos personagens. Uma

questão que fica para a reflexão é se o desenvolvimento de cenários, personagens

e adereços produz imagens narrativas ou se estão mais próximas daquilo que Rui

de Oliveira chama de ilustração informativa.

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Por ora, é importante termos a consciência de que os concepts darão ao

filme o seu primeiro corpo visível, um universo imagético apoiado sobre a história

e que servirá de recipiente para a ação dramática que será insuflada nos

personagens pela magia dos animadores. É função do concept artist a construção

deste discurso material que nos parece estar, acima de tudo, a serviço da narrativa.

É dessa linguagem material que trataremos na próxima unidade.

2.4. Linguagem material

No momento em que nos propomos a refletir sobre a linguagem material, é

importante reforçar que o objeto da pesquisa é o concept art no contexto da

animação. A animação está circunscrita ao universo audiovisual, pelo menos no

que diz respeito ao dispositivo que torna possível o filme animado e, de resto,

todo o Cinema. Como já especificamos anteriormente, dentro do universo da

animação, propomo-nos a estudar mais particularmente os filmes de longa-

metragem com forte apelo comercial e esteticamente relacionados ao cartum.

Ainda mais, partimos dos exemplos da indústria de cinema de animação dos

Estados Unidos. Entendemos nesta pesquisa que o concept art é ainda uma área

nova que carece de definições acadêmicas. Sua origem no Cinema de Animação,

ao que tudo indica, ocorreu nos estúdios Disney durante os anos de 1930 quando

da contratação de Albert Hurter, exatamente para aumentar a expressividade dos

personagens das animações do estúdio. Tomando-se esta informação como marco

inicial, o concept art para filmes de animação nasceu e consolidou-se no contexto

da animação comercial estadunidense, definindo-se assim tanto as práticas quanto

as terminologias utilizadas, bem como a estética geral do longa-metragem de

animação. No universo do Cinema de Animação, os longas-metragens sempre

foram considerados o ponto alto, tanto pelo trabalho imenso que esse tipo de filme

requer quanto pelo acúmulo de recursos materiais e humanos que envolvem as

produções. Logo, consideramos, para este estudo, que a investigação sobre os

filmes animados de longa-metragem produzidos na indústria de Cinema norte-

americana fornecerão informações exemplares sobre métodos e procedimentos

que poderão auxiliar na tarefa de definir o que é o concept art para filmes

animados.

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49

Faz-se necessário aqui, mais uma vez, reafirmar com que recorte dentro do

universo da animação estamos trabalhando, por que se estivéssemos trabalhando,

por exemplo, com os filmes de animação feitos com captura de movimento ou

com filmes de autor, certamente teríamos outras categorias a estudar dentro do

contexto específico da linguagem material. Aliás, aqui lançamos mão do trabalho

Entre o olhar e o gesto: elementos para uma poética da imagem animada, de

Marina Estela Graça, um dos poucos trabalhos a abordar a animação como

linguagem e que tem como objeto exatamente a animação autoral, para contrapor

ao conceito de cinema como janela da realidade, que por sua definição já exclui a

animação e que aqui está representado pelo pensamento do cineasta e semiólogo

italiano Píer Paolo Pasolini.

Em seu trabalho, Marina Estela Graça, logo de início, avisa que

praticamente todos os estudos a respeito de Animação “têm-se mantido exclusivos

– de índole técnica, biográfica ou histórica” (GRAÇA, 2006, p.13) e complementa

que se o Cinema de Animação é ignorado total ou parcialmente na teoria

cinematográfica é porque se insiste em privilegiar um determinado modelo de

Cinema como sendo o único:

Evidentemente, daqui se deduz que a teoria do cinema não encarou, ou não quis

encarar, como admissível a existência de práticas fílmicas – no plural – como

necessariamente decorrente da manipulação e manuseamentos diferenciados,

literais dos mecanismos e dispositivos tecnológicos; não sentido, em consequência,

compelida a considerar eventuais distinções pertinentes ao estudo fílmico. (Ibid.,

p.32)

Esse modelo ao qual se refere a autora é o modelo do Cinema Realista, que

tem em André Bazin seu teórico mais representativo. Bazin foi um crítico de

Cinema francês atuante durante os anos de 1940 e 1950, cofundador da influente

revista Cahiers du Cinema e principal mentor dos diretores da Nouvelle Vague,

importante movimento de cinema de vanguarda francesa. Defendia que a

realidade era a matéria-prima do cinema, mas não a realidade como a

conhecemos. Para Bazin, a câmera fotográfica tirava uma impressão do objeto.

“Não é o objeto real, mas em vez disso, seu “desenho” real e verificável, sua

impressão digital”. (ANDREW, 2002, p.117) Mais ainda, no sentido psicológico,

Bazin acreditava que o realismo cinematográfico tinha mais a ver com a crença do

espectador na origem da reprodução do que propriamente na verossimilhança da

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50

cópia em relação ao original. Esta verossimilhança teria sido, segundo ele, um dos

pontos de sustentação da Arte; uma vez que ela, destituída de seus atributos

mágicos, passa a ter a função de resistir ao tempo. O indivíduo ou objeto

representado escapa de uma segunda morte espiritual uma vez que sua imagem

está preservada. Bazin afirma:

Que coisa vã a pintura, se por trás de nossa admiração absurda não se apresentar a

necessidade primitiva de vencer o tempo pela perenidade da forma! Se a história

das artes plásticas não é somente a de sua estética, mas antes a de sua psicologia,

então ela é essencialmente a história da semelhança, ou, se quer, do realismo.

(BAZIN, 1991, p.20)

Para Bazin, a pintura esteve dividida por muito tempo entre duas vertentes:

uma simbólica e outra que buscava o realismo das formas. A partir do século XV,

entretanto, com o desenvolvimento da perspectiva e de instrumentos como a

câmara escura, a busca por uma representação exata do mundo exterior passou a

progressivamente ocupar lugar de destaque na arte ocidental. Bazin completa:

Desde então, a pintura viu-se esquartejada entre duas aspirações: uma propriamente

estética – a expressão das realidades espirituais em que o modelo se acha

transcendido pelo simbolismo das formas – e outra, esta não mais do que um

desejo puramente psicológico de substituir o mundo exterior pelo seu duplo. (Ibid.,

p.20)

Apesar dessa busca pela reprodução do real, havia na obra de qualquer

pintor, segundo o crítico, uma carga inevitável de subjetividade, e aí se faz a

diferença entre a busca inglória pelo realismo empreendido pela Pintura e a bem

sucedida realização do Cinema e da fotografia. Para Bazin, é na exclusão do

homem no processo de registro que reside a superioridade da fotografia em

relação à pintura no quesito representação da realidade. A objetividade do registro

fotográfico sem a intervenção do homem constitui a grande novidade, não tendo o

fotógrafo condições de ir além de um determinado ponto na elaboração da

fotografia, já que cabe ao jogo de lentes a captação do registro.

O realismo não foi a única teoria do cinema. Os formalistas como Rudolf

Arnheim e Sergei Eisenstein tinham opiniões bem diferentes sobre o que se

constituía em cinema como forma de arte. Entretanto, o realismo foi o princípio

naturalizado pela indústria, até se tornar preponderante, tendo a busca por este

realismo se tornado comum até nos filmes mais fantasiosos.

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O conceito de que o Cinema é uma janela da realidade torna imensa a

dificuldade em se desenvolver qualquer estudo que tenha como objetivo uma

análise aprofundada da animação – ou de qualquer de seus processos constitutivos

– como linguagem, frente à teoria do Cinema. A fidelidade do registro fotográfico

não é uma questão primordial no Cinema de animação em que a imagem

fotografada é construída por um artista nos filmes autorais, ou grupo de artistas no

caso dos filmes de indústria. Logo, as imagens dos filmes de animação são

carregadas de subjetividade, mesmo se considerarmos que em um filme de

indústria os artistas vão moldando seu estilo às necessidades expressivas do filme.

O simbolismo das imagens animadas é, de maneira geral, buscado pelos diretores

mesmo em filmes CGI em que os processos de texturização e de iluminação

tornam a imagem muito mais realista do que na animação 2D. O embate sobre a

legitimidade da animação como cinema, apesar de desgastado, ainda é vivo

principalmente se observarmos as discussões em torno dos processos de captura

por meio de câmeras digitais ou sobre a tecnologia de captura de movimento.

É nesse contexto que Michel Lahud coloca o pensamento de Pasolini:

E é justamente nisso que consiste para Pasolini a grande "importância

revolucionária" da criação do cinema: transcrevendo por assim dizer “literalmente”

a linguagem do real, ele representa ao mesmo tempo a sua mais primitiva forma de

conhecimento; evidencia a sua expressividade, sublinha a sua fenomenologia, traz

à tona alguns de seus mecanismos que antes dele, passavam despercebidos; realiza

em suma, uma semiologia natural da realidade. (LAHUD, 1990, p. 44).

A ideia de que a câmera captura a realidade tal como ela é perpassa a teoria

do Cinema ao longo do tempo desde sua criação. Pasolini vai além, colocando que

o Cinema live action, por meio da fotografia, transforma cada coisa em um índice

dela mesma, ou mais ainda, que as coisas já são signos antes de serem capturadas

pela câmera:

De fato, enquanto para o literato as coisas estão destinadas a se tornar

palavras, isto é, símbolos, na expressão de um cineasta as coisas continuam sendo

coisas: os "signos" do sistema verbal são, portanto, simbólicos e convencionais,

ao passo que os "signos" do sistema cinematográfico são efetivamente, as próprias

coisas, na sua materialidade e na sua realidade. É verdade que essas coisas se

tornam "signos", mas são "signos", por assim dizer vivos, de si próprias.

(PASOLINI, 1990, p.128)

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Marina Estela Graça faz um contraponto importante a essa noção do Cinema

como janela da realidade:

Na história da arte e dos processos representativos, verificou-se frequentemente o

equívoco de considerar que a finalidade desses processos consistia no elaborar não

de um sub-rogado, um substituto, mas de uma reprodução verídica, fiel e

equivalente à realidade figurada. Embora atualmente todos concordemos nesta

falácia das imagens, ainda é possível detectar atitudes que, em seu confronto,

deixam transparecer ingenuidade ou completo desconhecimento. Como interpretar

os discursos que lamentam ou sublinham a atual e assumida manipulação digital

das imagens cinematográficas obtidas ou não fotograficamente? Onde situar a

famosa frase, proclamada por Jean Luc Godard no início de sua atividade e ecoada

por tantas outras vozes, entre elas a de Pasolini o – "A fotografia é a verdade, e o

cinema é a verdade 24 vezes por segundo", afirmação que, ainda hoje, parece

indiscutível a tanta gente que escreve sobre cinema? (GRAÇA, 2006, p. 54)

Afinal, mesmo que esteja correta a noção de que a imagem cinematográfica

transforma as coisas em signos de si próprias, é importante lembrar que o olhar da

câmera não é isento. O processo fotográfico é fruto de uma série de decisões e

escolhas que fazem parte do processo, aquilo que Estela Graça chama de “boas

práticas”. Além disso, acrescenta ela, “a execução de uma boa fotografia implica

uma competência simultaneamente técnica e poética”. O repertório de

procedimentos para a execução de uma boa foto é significativo e mesmo no

cinema documental não podemos falar de um recorte pura e simplesmente, como

pretenderam os defensores do Cinema direto, mas talvez de uma interpretação da

realidade. Quanto à influência do conjunto de procedimentos sobre o resultado,

Estela Graça completa:

No filme fotográfico, entre a realidade objetiva – o mundo material e visível – e a

película em que aquela é registrada, ou entre esta e a projeção cinematográfica,

existem certas operações, todo um trabalho que tem como resultado o produto

acabado. Por um lado, todos estes procedimentos pressupõem escolhas de

codificação, as quais, na maior parte dos casos, encontram-se normalizadas

segundo valores ou fixadas em dispositivos automáticos ideologicamente

discutíveis ou mesmo fisicamente inacessíveis, de acordo com protocolos

industriais; por outro, estão protegidos do olhar, não permitindo a observação

imediata das transformações que ocorrem no processo. (GRAÇA, 2006, p. 58)

O problema específico da animação frente ao conceito de Cinema como

janela da realidade complica-se ainda mais quando pensamos que na animação a

interferência da mão humana é muito maior do que no Cinema live action. Se for

verdade, como afirmava Bazin, que no Cinema de live action cabe ao fotógrafo

apenas algumas decisões – nesse ponto Estela Graça colide frontalmente com o

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pensamento baziniano –, e que a captura em si parte da câmera, que prescinde da

intervenção do homem para o registro; o animador, por sua vez, cria a ilusão de

movimento a partir de sua subjetividade tanto através do gesto firme que risca a

linha sinuosa sobre o papel, quanto por meio dos movimentos precisos que

movem braços e pernas de pequenos personagens construídos de arame e

plasticina.

Esse gestual é comum a todas as técnicas de animação analógicas, mas,

mesmo naquelas produzidas por meio dos programas de computador, há a

inequívoca presença da mão criadora que dá vida aos personagens. Em animação,

o artifício não está oculto por trás de uma aparência de realidade, antes se revela

por inteiro.

Marina Estela Graça chama a nossa atenção para o fato de que a teoria

oficial do Cinema sempre desqualificou a participação da mão e dos instrumentos,

interpretando a técnica como neutra e relegando a ideologia – “padronização dos

modos de reconhecimento e de codificação” – ao nível da mensagem. Disso

advém que “o estudo oficial do ‘fato fílmico’ não incluirá, por isso, a dimensão

crítica da mão no interior dos dispositivos que suportam o discurso fílmico

[...]”(GRAÇA, 2006, p. 32).

O comentário de Lev Manovich sobre o impacto das novas mídias sobre o

fazer cinematográfico é interessante por confrontar a visão do registro com a

imagem animada, hoje cada vez mais presente dentro do próprio cinema live

action:

Vista sob esse contexto [isto é, do ponto de vista da história da imagem animada

em sentido lato], a construção manual de imagens no cinema digital representa um

retorno às práticas pré-cinemáticas do século XIX, quando as imagens eram

pintadas e animadas à mão. Na virada do século XX, o cinema teve de delegar essas

técnicas manuais para a animação e definir a si mesmo como um meio de registro.

Conforme o cinema adentra a era digital, essas técnicas estão se tornando

novamente um lugar comum no processo fílmico. Consequentemente, o cinema

não pode mais ser claramente distinguido da animação. Já não é mais uma

tecnologia indexical das mídias, mas, em vez disso, um subgênero da pintura.

(MANOVICH apud GRAÇA, 2006, p. 35)

Entretanto, se a animação não cabe na restrita teoria cinematográfica que

interpreta o Cinema como registro do real, em que lugar a imagem animada se

coloca enquanto Arte Cinemática? A resposta a essa pergunta, ao que parece,

ainda está por ser escrita e não é tarefa deste trabalho tentar respondê-la. Aqui nos

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interessa o entendimento do cinema como uma construção de discurso que é

criado pela mão humana a partir de um aparato técnico, ideológico e, no caso

específico da animação comercial, narrativo, e que não se restringe ao mero

registro da realidade. No interior do processo de construção do discurso fílmico,

está o objeto de estudo desta pesquisa, o concept art, que vem a ser a imagem

fabricada a partir da palavra, de um input de dados passados mediante a

experiência do diretor, do roteirista ou do diretor de arte. Nunca é demais lembrar

que esta hierarquia, a qual nos referimos nesta pesquisa, é aquela estabelecida na

metodologia de produção dos grandes estúdios de animação norte-americanos

que, pelo caráter hegemônico do cinema hollywoodiano em todo o mundo,

acabaram por se tornar o padrão do mercado. O concept artist partirá, então, de

ideias que estão expressas em um texto escrito (no roteiro, na sinopse, no

argumento) ou em discurso verbal, e as transforma em imagens narrativas. Essas

imagens integrarão o processo de construção do universo diegético, mas não farão

parte do filme diretamente. Os cenários, objetos e personagens idealizados pelos

artistas conceituais serão depois finalizados de diferentes formas de acordo com a

técnica na qual o filme será realizado, se CGI ou 2D, se stop motion ou cut out6

etc. Concept Art faz parte do processo, mas não é o resultado final. É, antes, uma

etapa da direção de arte do filme que envolve outras atividades como os estudos

de color scripts. Entretanto, mesmo não estando na tela no momento da exibição

do filme, as ilustrações conceituais estabelecem qual é a estética geral do filme.

Os filmes de animação inseridos na lógica do mercado são eminentemente

narrativos, e sendo o filme uma obra audiovisual, obviamente a importância da

imagem é significativa. Um filme de animação se sustenta sobre vários fatores. Os

realizadores são enfáticos ao afirmar que o elemento chave de qualquer filme é a

história. Porém, no caso particular do Cinema de animação, a história é contada

por meio de imagens. Essas são compostas basicamente por cenários, personagens

e adereços. Em todos esses itens, a expressividade é importante, porém é no

personagem que se concentram as atenções da plateia. Por isso, a atuação e o

design dos personagens são tão importantes em um filme de animação. A mágica

do personagem animado se completa pela união das técnicas de representação

6 Animação de recorte. Pode ser realizada em meio analógico, normalmente utilizando

papel recortado. No meio digital, a animação de recorte é realizada em programas tais como o

Toom Booom ou o After Effects.

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com o movimento, quando o segundo reafirma – ou contradiz gerando efeitos

inusitados – por meio da ação o que o outro indicava pela aparência. Obviamente,

sem movimento não há filme de animação. Vimos anteriormente que a questão

cinemática é a base do campo, mas também é possível dizer que a aparência de

um personagem é a forma primária de comunicação dele com o público, pois é

imagética a primeira camada do discurso de um personagem. Ao lado do

movimento, e muitas vezes bem antes ou até mesmo sem o suporte do diálogo,

está aquilo que o personagem transmite por meio de sua aparência. “Os problemas

subjacentes do design em movimento”, diz Larry Cuba, “são universais para

qualquer um que trabalhe nesta tradição, quer utilize um computador ou não”.

(CUBA In__GRAÇA, 2006, p.35)

Além do personagem, o discurso visual de um filme de animação também

depende do cenário e dos adereços. Esses são relatos sobre a ação, sobre a

atmosfera da cena e sobre os próprios personagens. São discursos totalmente não

verbais, mas são capazes de situar os espectadores em relação aos acontecimentos

sem a necessidade de palavras. Se o cenário é calmo e tranquilo transmite uma

gama de informações totalmente diferentes daquele que é anguloso e ameaçador.

O castelo de Malévola em A Bela Adormecida (Walt Disney Pictures, 1959) é

lúgubre, escuro e ameaçador em contraste com o belo, colorido e luminoso castelo

dos pais da princesa Aurora.

Figura 05 - Castelo de Malévola – A Bela Adormecida

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Figura 06 - Castelo da Princesa Aurora – A Bela Adormecida.

Todo esse discurso não verbal – na própria aparência das coisas – é

idealizado pela equipe de arte e está inscrito em um esquema representacional. No

Cinema de animação comercial, a necessidade de comunicação imediata com um

público de escopo amplo – que precisa superar barreiras culturais, geográficas e

etárias – faz prevalecer o discurso narrativo. O esforço de geração de imagens

que, ao mesmo tempo, tenham a realidade como referência, mas a transcenda em

termos de estética e discurso não é pequeno. Mais uma vez recorremos a Marina

Estela Graça:

Aqueles que constroem imagens num contexto de representação – pintores,

ilustradores, designers, fotógrafos – sabem que, em seu trabalho, a tomada de

decisões é inevitável, constituindo parte do processo de produção e variando

segundo o tipo de documento visual pretendido. Todos os modos de fabrico e

codificação de uma imagem integram obrigatoriamente procedimentos de seleção,

enfatização e exclusão de porções do real que lhe serve de referente. Uma das

condições prévias à representação gráfica é saber que, porquanto fiel à realidade,

proporcionada e precisa nos pormenores, particularizada em cada uma de suas

partes, aquela procede sempre de uma interpretação, sendo, por isso e também,

uma tentativa de explicação da própria realidade. (GRAÇA, 2006, p. 54.)

A criação de um esquema de representação do real em um filme de

animação passa por questões expressivas que são ligadas à especificidade do

meio. Principalmente quando nos referimos ao tradicional cartum que domina os

centros produtores de Cinema de animação, as escolhas estéticas são decisivas

para atingir o efeito desejado. Obviamente, se estivéssemos nos referindo a

trabalhos que usam a verossimilhança de forma ainda mais radical, teríamos que

verificar melhor essa afirmação. Uma comparação entre os filmes de animação

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tradicional da Disney e os curtas-metragens de Alexander Petrov ou dos filmes da

Pixar com o Tintin, de Steven Spielberg exigiriam uma apreciação mais apurada.

A análise pasoliniana da captura da realidade não coincide exatamente com

a do crítico André Bazin. A primeira partia do princípio de que a própria realidade

já é editada pelo indivíduo, enquanto a de Bazin se opunha à edição

cinematográfica por pensar que essa não refletia a percepção humana da realidade.

Seguramente o pensamento de Pasolini não diz respeito ao que é feito pelos

cineastas de animação uma vez que o cinema de animação não foi seu objeto de

estudo. Nem de Bazin, aliás. Entretanto, apesar dessas diferenças importantes,

podemos recorrer com muito mais tranquilidade ao pensamento de Pasolini

quando ele trata da existência de um discurso que vai para além do verbal. Em seu

ensaio O discurso dos cabelos, Pasolini narra a sua experiência em um restaurante

de Praga, no qual entram dois cabeludos. Tendo sido o texto publicado

originalmente em 1973 – em plena efervescência do flower power –, podemos

imaginar o impacto que provocava àquela época os jovens a ostentar suas

compridas cabeleiras. Segundo Pasolini, dentro do seu contexto teórico de uma

semiologia da realidade, aquelas cabeleiras não eram apenas cabelos compridos,

mas um discurso que prescindia de palavras, um discurso além do verbal:

Ambos, de fato, usavam para se comunicar com os presentes, com os observadores

– com seus irmãos daquele momento –, uma linguagem diferente daquela composta

de palavras. Aquilo que substituía a tradicional linguagem verbal, tornando-a

supérflua – e encontrando, de resto, um lugar imediato no amplo domínio dos

"signos", ou seja, no âmbito da semiologia –, era a linguagem dos seus cabelos.

(PASOLINI, 1990, p. 38)

É uma linguagem corporal, física segundo Pasolini, capaz de explicitar o

protesto daqueles jovens e servir, mais ainda, de aviso. Toda a mensagem que

aqueles jovens queriam transmitir estava concentrada em um único signo, o

comprimento dos cabelos. Diz Pasolini:

Tratava-se de um signo único – precisamente o comprimento de seus cabelos, que

caíam sobre os ombros –, no que estavam concentrados todos os signos possíveis

de uma linguagem articulada. (PASOLINI, 1990, p. 38)

E completa:

[...] aquela linguagem desprovida de léxico, de gramática e de sintaxe podia ser

apreendida imediatamente, mesmo porque, semiologicamente falando, ela nada

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mais era do que uma forma daquela "linguagem da presença física" que os homens,

desde sempre, têm sido capazes de usar. (Ibid., p38)

É exatamente dentro desse contexto de uma comunicação além do verbal,

que o concept artist trabalha. Aliás, o problema proposto por Pasolini é

particularmente interessante para a animação, pois não apenas o Design estabelece

essa linguagem visual, como também o processo de animação em si vai se valer

da criação de um código visual baseado no movimento. A maneira como um

personagem se move é uma das partes constitutivas de sua personalidade. Em

animação não existe um ator na tela, com toda a força que a imagem de outrem

tem para nós. Logo, no que diz respeito ao personagem, por exemplo, a silhueta e

a maneira como ele se movimenta são fatores fundamentais para a determinação

de seu caráter e de seu reconhecimento imediato no quadro fílmico. Os exemplos

não são poucos. Tomemos Mufasa e Scar, personagens do filme O Rei Leão (Walt

Disney Pictures, 1994), da Disney, respectivamente rei e irmão do rei. Mufasa é

um rei justo e bondoso, enquanto seu irmão Scar é invejoso e quer destruir o

irmão para tomar-lhe o lugar. Ambos são leões machos e adultos, mas apresentam

silhuetas e atitudes físicas completamente diferentes. Enquanto Mufasa é robusto

e arredondado, com um maxilar forte e uma vistosa juba avermelhada, Scar, seu

cruel e invejoso irmão, é magro, anguloso e ostenta uma juba escura. Quanto à

atitude corporal, Mufasa é altivo como cabe a um rei e com uma atitude afetuosa

mesmo quando firme; enquanto Scar é arredio e blasé, sempre com os ombros

caídos. O conjunto imagem mais atitude corporal compõem para o público a

identificação imediata das características de cada personagem e, mais ainda, a

posição de cada um dentro da trama. Obviamente, essa ordenação é convencional

e pode ser subvertida com objetivos estéticos e narrativos diferenciados, mas de

qualquer forma o conhecimento de suas possibilidades expressivas faz-se

imperativo para o processo de desenvolvimento visual em animação. As questões

sobre design de personagens e suas implicações narrativas serão aprofundadas no

capítulo três deste trabalho.

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Figura 07 - Scar e Mufasa – O Rei Leão.

É interessante refletir sobre que pontos desta linguagem material podem ter

relação dupla, tanto com o Cinema live action, quanto com a animação. É

evidente que o intercâmbio entre os dois sempre existiu. E não apenas em casos

mais evidentes tais como Mary Poppins (Walt Disney Studios, 1964) ou Who

Framed Roger Rabbit? (Touchstone Pictures, 1988), em que há realmente o

cruzamento das duas linguagens. É sabido que Disney solicitava aos animadores

que estudassem os movimentos de atores de comédia tais como Chaplin e hoje

muitos filmes fazem uso de estéticas ligadas ao universo da animação. Diretores

oriundos do Cinema de animação tais como Jean Geunet e Tim Burton são

exemplares. Porém ainda mais interessante seria identificar de que maneira os

códigos da animação se refletem na realidade à nossa volta. Não é por acaso que

no toy art – uma forma de Arte tão recente e produzida em outros suportes –

exista tanto das representações e da linguagem visual da animação.

O concept art auxilia na construção da materialidade visual de um discurso

que anteriormente poderia ser apenas verbal ou textual. Uma vez o filme pronto, o

discurso visual estará na ponta de lança da comunicação com o espectador, o que

na animação comercial é importantíssimo pelas questões anteriormente expostas.

A primeira dimensão narrativa com que a audiência se defronta em um filme

animado é a plasticidade de cenários, de objetos e de personagens. Ela

frequentemente pode preceder o movimento, tanto de câmera quanto de

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personagens, e o diálogo. A importância da visualidade em um filme de animação

é enorme e não pode ser relegada meramente a um plano acessório, como se fosse

menos importante do que o movimento. Se o movimento é, sem sombra de

dúvida, a alma da animação, o discurso visual engendrado durante a pré-produção

pela equipe de arte em suas ilustrações conceituais é o seu corpo. É o veículo por

meio do qual se tornará matéria a mensagem narrativa pretendida pelo diretor.

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3. FORMAÇÃO, CONTEXTO DE PRODUÇÃO E METODOLOGIA

Neste capítulo, vamos nos debruçar sobre três questões importantes para a

compreensão do concept art como atividade inserida em um contexto de produção

industrial. No subcapítulo 3.1, Difusão de Conhecimento em concept art,

investigaremos o processo de difusão de informação em concept art, identificando

os principais canais de transmissão de conhecimento e as formas de ensino mais

usuais na área. Os modelos de transmissão de informação e ensino têm impacto

direto na formação dos profissionais, bem como nos métodos de trabalho que

estes profissionais utilizam.

No subcapítulo 3.2, Contexto de produção do concept art, analisaremos este

aspecto na Disney e na Pixar, estúdios que são referência na produção de filmes

de animação para cinema. Os métodos de produção, a estrutura funcional e as

nomenclaturas empregadas por esses estúdios acabam por se tornar modelo para

outras unidades produtivas na área de Animação não apenas nos Estados Unidos,

mas em centros de produção do mundo inteiro. Entender a estrutura de produção é

importante para, em seguida, no subcapítulo 3.3 - Concept art como atividade

projetual, investigar de maneira mais apurada a metodologia de produção em

concept art.

A investigação sobre a metodologia no concept art; entretanto, será

realizada, tomando como referência a metodologia do Design, por entendermos

que o concept art recebe influência da ilustração e das artes plásticas, conforme

vimos no segundo capítulo, mas também se alinha com o Design por estar

inserido no modelo contemporâneo de produção industrial. Essa última área de

conhecimento é mais madura e consequentemente mais investigada, sistematizada

e documentada do que o concept art. Por isso pode oferecer parâmetros

importantes para entendermos o concept art também como uma atividade

projetual, ou seja, uma etapa de produção que desenvolve questões estéticas, bem

como instruções e padrões visuais que serão aplicados ao filme.

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3.1. Difusão de conhecimento em concept art

Nas unidades anteriores, ocupamo-nos do entendimento do concept art,

tanto pela filologia do termo quanto por suas relações com outras áreas de

conhecimento que estão diretamente ligadas à sua prática. Neste subcapítulo,

vamos nos ocupar dos canais de transmissão de conhecimento e de quais as

formas de ensino disponíveis sobre concept art. Esse conhecimento será analisado

em relação ao conceito de performatividade, do filósofo francês Jean-Fraçois

Lyotard, que detalharemos adiante. Conhecendo quais os principais dispositivos

de transmissão de informação sobre concept art e qual o tipo de conteúdo

veiculado por meio desses dispositivos, podemos entender como esse

conhecimento está sendo disseminado, se é tão somente técnico ou se carrega

algum tipo de reflexão teórica sobre a área, e, mais importante, como é

legitimado. Na introdução deste trabalho, tratamos brevemente da difusão de

conhecimento em concept art, tema no qual nos deteremos ao longo desta

unidade. O universo que pretendemos observar é imenso se tomado em sua

totalidade, e não podemos ter a pretensão de analisar profundamente todos os

canais disponíveis, o que torna imperativo um recorte que viabilize a coleta das

informações. Faremos, então, um apanhado dos principais canais de informação

disponíveis com a finalidade de contextualizar o cenário geral para, em seguida,

compararmos dois dos principais cursos de formação em concept art dos Estados

Unidos. Esta análise dos meios de difusão do conhecimento será feita segundo a

perspectiva teórica do filósofo francês Jean-François Lyotard e sua visão sobre

performatividade do saber na pós-modernidade.

Em seu livro A condição pós-moderna, Lyotard nos fornece os conceitos

para analisarmos desde o impacto das novas mídias sobre a produção e

transmissão de conhecimentos até o processo de legitimação desses

conhecimentos. Conhecer como e com que configuração esses conhecimentos são

disseminados pode nos auxiliar a entender um pouco mais o perfil da atividade

por meio do processo de formação dos envolvidos na área.

A transmissão de conhecimentos sobre concept art está disponível em

diferentes canais, desde cursos presenciais até blogues na internet. Os novos

dispositivos tecnológicos de armazenamento e distribuição de informações são

responsáveis, ao menos em termos quantitativos, pela maior parte da informação

Page 63: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

63

disponível sobre a área, fenômeno que certamente ocorre em muitas outras áreas

do conhecimento – Animação inclusive. Entretanto, no caso do concept art, tal

fato é particularmente verdadeiro. Sendo esse um conhecimento que até pouco

mais de uma década contava com poucos dispositivos formais para sua difusão, a

internet acabou por assumir o papel de principal propagadora desse saber.

Cada veículo de informação tem suas próprias características e limitações

técnicas, além de ser imensa a diversidade de informações administradas. Estão à

disposição dos interessados em concept art livros técnicos e revistas

especializadas, seções extras de DVDs de animação, fóruns de discussão, sites,

vídeos tutoriais gratuitos e pagos distribuídos pela internet ou em DVDs, cursos à

distância etc. Nessa significativa listagem de canais disponíveis, livros e DVDs

têm obviamente uma importância enorme na difusão das informações a respeito

de concept art, mas o alcance da internet parece em princípio muito maior,

particularmente para um público que normalmente é treinado e tem domínio da

tecno6logia informata. Porém, o que se tem observado é que esses canais em sua

maioria – senão totalidade –, independentemente da sua natureza, difundem

informações eminentemente técnicas. As principais editoras especializadas do

mercado – por exemplo, a editora australiana Balistic Publishing – possuem, em

seus catálogos, títulos que tratam de aspectos técnicos para criação e execução de

ilustrações conceituais. A Balistic Publishing é especializada em livros sobre arte

digital e publica as séries Exotique e Exposé sobre o assunto, com trabalhos de

artistas de vários lugares do mundo. A série da editora que mais interessa para o

nosso trabalho é d’Artiste, na qual cada volume é dedicado a assuntos tais como

Character Modeling (modelagem de personagens em programas CGI), Digital

Painting (pintura digital) e Mate Painting (pintura de cenários para filmes e

games). Vamos nos deter nos títulos Character Design e Concept Art. No site da

editora, encontramos a seguinte definição para o título d’Artiste: Character

Design:

[...] provides a Master Class in character design from talented artists working in

game, TV and collectables. Each Master Artist shares their techniques and

approaches for creating compelling characters through their insights and detailed

graphic tutorials7.

7BALISTIC PUBLISHING. d'artiste: Character Design. Disponível em:

http://www.ballisticpublishing.com/books/dartiste/character_design/. Acesso em 28/04/2013.

Page 64: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

64

Temos disponível no site, da mesma forma, o perfil do livro d’Artiste

Concept Art:

[…] presents the techniques of leading concept artists Viktor Antonov, George

Hull, Andrew Jones and Nicolas “Sparth” Bouvier. Through a series of master

class tutorials this book guides readers through processes employed to create

environments, characters and machinery for film, TV and games. Each master

artist demonstrates a unique approach from initial sketch to concept completion

through 94 pages of detailed commentary on projects like Matrix Revolutions and

Half Life 28.

Algumas informações interessantes podem ser extraídas desses perfis. Em

primeiro lugar, a utilização do termo Master Class para ambos os títulos. Por

definição, Master Class é uma aula ministrada por um especialista em

determinada área, neste caso, experts em concept art, que participaram de

importantes produções da indústria de cinema, TV e games. O aspecto mais

relevante, entretanto, é a importância dada à transmissão dos métodos e processos

de produção de profissionais envolvidos na indústria do entretenimento. Os livros

são ricamente ilustrados, tanto com imagens acabadas quanto com demonstrações

passo a passo de imagens conceituais. Funcionam como verdadeiros tutoriais

impressos para aqueles que desejam aprender os processos de produção de

imagens conceituais.

Poderíamos estender este estudo pelas publicações das editoras norte-

americanas Design Studio Press e Focal Press, que também têm em seus catálogos

títulos voltados para concept art e pintura digital, mas todas, assim como a

Balistic, concentram o conteúdo das suas publicações em descrições técnicas, ou

seja, o conjunto de procedimentos para execução de ilustrações conceituais ou

artes digitais. Há ainda um dado adicional: nenhuma das editoras citadas apresenta

títulos que tratem exclusivamente de concept art para animação.

Há uma grande quantidade de livros especializados sobre animação

disponível. O caso específico do cenário brasileiro foi analisado na dissertação de

mestrado de Leo Ribeiro (RIBEIRO, 2012, p.23). Estas publicações tratam de

técnicas de animação analógica ou digital, produção de roteiro e storyboard,

design de personagens e cenários, produção independente de filmes animados,

assim como uma quantidade expressiva de títulos sobre história da animação.

8 BALISTIC PUBLISHING. d'artiste: Concept Art. Disponível em:

http://www.ballisticpublishing.com/books/dartiste/concept_art/. Acesso em 28/04/2013.

Page 65: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

65

Entretanto, talvez, os livros de animação mais conhecidos sejam os art books

publicados pelas editoras Insight Editions e Chronicle Books, sobre as principais

produções dos grandes estúdios de animação como Pixar e Dreamworks, dentre

outros. Por tratarem prioritariamente do processo de direção de arte, são de

particular interesse para os interessados em concept art, pois apresentam desde os

sketchs e ilustrações conceituais de personagens e cenários até modelos digitais

finalizados. Porém, de uma maneira geral, não passam de coleções de imagens

normalmente acompanhadas de alguns relatos e considerações sobre as escolhas

feitas pela equipe de arte durante a produção dos filmes. São fontes riquíssimas

para pesquisa iconográfica e auxiliam a conhecer as etapas da direção de arte, mas

apesar de não serem livros tutoriais com demonstrações passo a passo da

execução de ilustrações conceituais, pouco ajudam em uma investigação teórica

sobre o campo. Alguns trazem considerações, em sua maioria superficial, da

equipe responsável pela direção de arte e outros sequer isso.

Os DVDs de filmes animados são frequentemente generosos em extras e

vêm recheados com making of’s detalhados sobre o processo de produção dos

filmes. Os que possuem maior quantidade de informações são semelhantes aos art

books, mas trazem informações sobre todas as etapas de produção, e não apenas

sobre a direção de arte. São eminentemente técnicos, assim como os tutoriais em

vídeo oferecidos em grande quantidade e variedade pela internet. Há desde

tutoriais pagos em sites especializados como o da Gnomon Workshop, empresa

norte-americana de ensino e à qual retornaremos mais adiante, até aqueles

disponibilizados gratuitamente através do You Tube, por exemplo. Não nos

deteremos mais nessas formas de divulgação, por não oferecem nada muito

diferente daquilo que os livros oferecem. O diferencial desses vídeos é tão

somente a imagem em movimento que permite o registro dos profissionais

produzindo em tempo real. Pela internet, também podemos encontrar palestras na

íntegra em sites como o CTN Animation Expo9 e blogues que oferecem

informações as mais variadas, como dicas de programas, técnicas artísticas, além

de artistas da indústria que disponibilizam suas artes e seus respectivos métodos

de produção. Mais uma vez, aqui temos a imagem dos experts da área

9 Animation Expo é um evento promovido pelo Creative Talent Network (CTN), rede social

com perfil eminentemente profissional voltada para a área de animação. A Animation Expo ocorre

uma vez por ano desde 2009 sempre no mês de novembro em Burbank, Califórnia.

Page 66: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

66

transmitindo informações aos interessados, só que por meio de um canal que

atinge pessoas em escala global e, como dissemos anteriormente, para um público

familiarizado com as novas tecnologias.

Lyotard fornece uma importante reflexão para pensarmos o impacto dessa

proposta de publicações em novas tecnologias sobre a distribuição de

conhecimento:

[...] hoje em dia já se sabe como, normalizando, miniaturizando e comercializando

os aparelhos, modificam-se as operações de aquisição, classificação, acesso e

exploração dos conhecimentos. É razoável pensar que a multiplicação de máquinas

informacionais afeta e afetará a circulação dos conhecimentos, do mesmo modo

que o desenvolvimento dos meios de circulação dos homens (transportes), dos sons

e, em seguida, das imagens (media) o fez. (LYOTARD, 2009, p.4)

Dentre os dispositivos aqui apresentados, dois foram particularmente

importantes para disseminar informações sobre as técnicas de produção em

animação e, consequentemente, concept art: os extras dos DVDs de filmes

animados, que já comentamos anteriormente, e os sites de conteúdo na internet.

Sem estes últimos, a divulgação da área dificilmente atingiria o estágio atual e,

principalmente, a quantidade de aspirantes a ilustradores digitais e concept artists

seria provavelmente menor. O concept art é um exemplo direto do efeito da

tecnologia sobre a distribuição de conhecimento. A quantidade de tutoriais

disponíveis on-line é enorme, cobrindo técnicas de pintura, perspectiva, desenho

anatômico, storyboard etc. Mas, apesar de tanta informação disponível, toda ela

parece tratar apenas da dimensão técnica. Mais uma vez, Lyotard nos ajuda a

entender este cenário da transformação da natureza do saber frente às novas

tecnologias:

Nesta transformação geral, a natureza do saber não permanece intacta. Ele não

pode se submeter aos novos canais, e tornar-se operacional, a não ser que o

conhecimento possa ser traduzido em quantidades de informação. Pode-se então

prever que tudo o que no saber constituído não é traduzível será abandonado

[...].(Ibid, p.4)

Essa dimensão prática do conhecimento a respeito do concept art obedece à

lógica da propagação do saber na sociedade pós-moderna, conforme a

interpretação de Lyotard. Para ser transmitido pelos meios informacionais, esse

saber tem que ser operacional. É um conhecimento sem valor de formação do

indivíduo (formação artística ou humanística), mas como valor de troca, de

Page 67: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

67

resposta a uma demanda do mercado produtor, entendido nesse contexto como as

empresas produtoras de conteúdo formadoras da demanda por mão de obra

qualificada de um lado e de outro as pessoas que desejam adquirir conhecimentos

técnicos para atender a essa demanda. Isso explicaria o caráter eminentemente

técnico de tais canais e o total descaso por uma abordagem teórica, questão

também abordada no trabalho de Leo Ribeiro. Mais uma vez, Lyotard fornece

uma chave para a compreensão do fenômeno:

O saber é e será produzido para ser vendido, e ele é e será consumido para ser

valorizado numa nova produção: nos dois casos, para ser trocado. (Ibid, p.4)

Concluiremos, então, nosso pequeno percurso pelos canais disponíveis para

difusão do conhecimento sobre concept art, tratando dos fóruns de discussão e

sites especializados tão importantes no processo de difusão do saber na área e que

congregam grande quantidade de artistas experientes, aspirantes e entusiastas. Nos

fóruns de discussão, além dos debates sobre temas ligados à computação gráfica

2D e 3D, os participantes publicam suas artes para receber críticas e dicas dos

outros membros da comunidade.

Vários são os sites especializados em computação gráfica disponíveis na

internet. Muitos deles apresentam perfis semelhantes, oferecendo vários serviços

aos usuários como fóruns de discussão, portfólios virtuais, oferta de vagas de

emprego, tutoriais etc. No gráfico abaixo consta a relação dos sites visitados e dos

serviços por eles oferecidos:

Figura 08 – Sites de coletivos de computação gráfica consultados.

Os sites visitados estão entre aqueles que foram percebidos como

intensamente conhecidos na área da computação gráfica. No Brasil, a quantidade

Page 68: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

68

de sites especializados é bem menor, mas podemos citar o Universo CG10

, que

apresenta proposta semelhante aos sites estrangeiros citados anteriormente.

Dentre os sites visitados, cinco fazem parte de algum tipo de grupo

empresarial ligado à computação gráfica; CG Society, CG Channel, CG Hub, 3D

Total e Concept Art Org. Os sites CG Arena e Universo CG acabaram por ser

suprimidos, porque não foram identificadas ligações com grupos empresariais.

Foram identificados basicamente três segmentos de atuação nas empresas ligadas

a esses sites: instituições de ensino (CGMA, Gnomon Group e The Art

Department), editoras (Ballistic Publishing, e 3D Total Publishing) e uma empresa

que presta serviços de computação gráfica para o mercado (Massive Black). No

gráfico abaixo, estão os sites de computação gráfica, seguidos das empresas aos

quais estão ligados e os segmentos em que atuam:

Figura 09 – Sites de computação gráfica e os grupos empresariais.

É evidente que a maioria dos sites visitados está envolvida com grupos de

comunicação comprometidos com a transmissão de informação técnica sobre o

tema. São editoras e escolas de computação gráfica que encontram nos sites um

canal de comunicação com seu público e um excelente ponto de venda de

produtos e serviços. Além disso, os fóruns acabam por se tornar canais de

comunicação direta e de detecção das ansiedades e desejos daquele público. Estes

10

CG - Do Inglês Computer Graphics. Em tradução livre, Computação Gráfica.

Page 69: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

69

grupos estão suprindo uma demanda por conhecimento na área de computação

gráfica em geral, incluindo-se aí o concept art.

Outra questão relevante nas páginas de abertura (home) desses sites é a

galeria dos artistas membros. O alto padrão de qualidade das imagens é o primeiro

fator que torna evidente a participação de artistas experientes e de aspirantes com

alto nível técnico. Tomemos como exemplo o site Concept Art Org, especializado

em artistas que trabalham nos segmentos de concept art e pintura digital. Na

galeria da página de abertura do site, estão artistas de peso como Jason Manley,

especializado em pintura digital e proprietário do grupo de empresas do qual faz

parte o site. Também estão no site “Android” Jones, Booby Chiu e Michael

Kutsche, todos atuantes nas indústrias de games e cinema. O Concept Art Org é,

talvez, o único dentre os sites selecionados que abriga também os trabalhos de

artistas analógicos tais como Sterling Hundley e Mark English, ilustradores mais

ligados à publicidade e ao mercado editorial norte-americano. Além da óbvia

qualidade dos trabalhos, a presença desses artistas se deve também ao fato de que

eles fazem parte do corpo decente do The Art Department, escola de arte que

integra o grupo ao qual o Concpet Art Org pertence. A veiculação de imagens

com altíssima qualidade técnica executadas por profissionais do mercado ou por

aspirantes muito bem preparados se repete nos outros sites observados.

Interessante que, em alguns casos, podemos encontrar o mesmo artista com

imagens veiculadas em sites diferentes.

Figura 10 - Página de abertura do site CGSociety

Page 70: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

70

Mais uma vez, a participação do expert é essencial para dar credibilidade ao

produto, seja um livro, um DVD ou um site especializado. Os mais conhecidos

dentre esses fóruns – como o CG Society e o Concept Art Org – promovem ainda

competições.

Eventos virtuais que mobilizam um efetivo expressivo de participantes, os

Challenges são competições on-line entre artistas que terão seus trabalhos

avaliados por experts da computação gráfica em seus vários segmentos. Diversos

sites promovem competições entre artistas na internet, e o conceito delas, nas

quais artistas confrontam suas habilidades, não é novidade; entretanto, na internet,

os eventos atingem escala planetária. Alguns dos mais conhecidos dentre esses

fóruns – por exemplo, o CG Society, CG Arena e Concept Art Org – promovem

os desafios (do Inglês challenges), nos quais os artistas postam artes segundo um

tema proposto, e aqueles considerados melhores pelos jurados chegam à grande

final. Obviamente em toda competição existe um sistema de recompensa aos

vencedores, mas a participação nos challenges oferece mais do que apenas a

premiação final. Além da notoriedade, há o importantíssimo aprimoramento de

competências durante a execução das tarefas propostas. Nestas competições,

normalmente, os vencedores de cada categoria recebem prêmios tais como

pranchas digitalizadoras que permitem o desenho a mão livre direto no

computador e computadores especialmente configurados para computação gráfica.

O processo, apesar de competitivo, envolve grande troca de informações, uma vez

que as artes são comentadas pelos participantes do fórum e pelos jurados durante

toda a competição.

A participação em fóruns especializados, entretanto, não se limita às

competições. Os participantes cadastrados nos fóruns submetem suas imagens,

que são criticadas pelos outros integrantes e pelos moderadores da lista. Além

disso, há sites que não investem na estrutura de rede, como os diversos blogues

especializados nos quais o modelo é geralmente unilateral, com o moderador do

blogue postando informações variadas e recebendo comentários daqueles que

acompanham o conteúdo. Dentre os sites especializados, além do já citado

Concept Art Org, destacamos o Concpet Art World e o Concept Art Blog. Ambos

oferecem portfólios, tanto de artistas quanto de produções nas áreas de animação,

filmes e games.

Page 71: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

71

Figura 11 - Página de abertura do site Concept Art. Org

Após esta visão geral das formas mais comuns de difusão de conhecimento

na área, vamos agora nos deter na análise comparativa de cursos presenciais

oferecidos por instituições de ensino, acadêmicas ou não. Os critérios de seleção

serão: o de relevância em primeiro lugar, ou seja, aquelas instituições que por

razões diferentes – e que não cabe neste trabalho investigar o porquê – tornaram-

se referência na formação de quadros profissionais para a área; e em segundo, será

avaliada a natureza da instituição, se acadêmica ou não.

Uma parte das dificuldades para encontrar uma definição mais precisa da

atividade pode estar no fato de que desde sua suposta origem nos estúdios Disney

– e até muito pouco tempo atrás –, todo o conhecimento da área era transmitido

dentro das próprias empresas, pela internet, cursos livres, ou como disciplinas

isoladas em cursos de animação. A criação de cursos dedicados exclusivamente ao

concept art, tanto em instituições de ensino superior quanto em escolas

especializadas, é um fenômeno que se verifica a partir da década de 199011

. Várias

são as instituições com esse perfil: Concept Design Academy, Futurepoly, The

Art Department e Gnomon School of Visual Effects, todas nos Estados Unidos, e

a FZD School of Design em Cingapura. A Art Center College of Design é a única

11

Dentre as instituições pesquisadas, a Gnomon foi fundada em 1997, a Concept Design

Academy em 2007 e a FZD em 2009.

Page 72: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

72

com perfil acadêmico dentre as instituições pesquisadas. Nem todas são

exclusivamente dedicadas ao ensino de concept art, oferecendo também cursos de

animação, modelagem 3D, ilustração e storyboard, entre outros, mas sempre

demonstrando forte acento técnico. As instituições não acadêmicas, entretanto,

saíram na frente na criação de curso nessa área. Este cenário remete à Lyotard que

chama a atenção para a nova forma de valoração do saber, não mais entendido

como mecanismo de formação do indivíduo, mas como mercadoria, diretamente

ligada a uma performatividade de mercado:

O antigo princípio segundo o qual a aquisição do saber é indissociável da formação

(Bildung) do espírito, e mesmo da pessoa, cai e cairá cada vez mais em desuso.

(LYOTARD, 2009, p.4)

No caso do concept art, as instituições de ensino não acadêmicas surgiram

para atender a demandas técnicas do mercado por mão de obra qualificada e, em

sua maioria, foram fundadas há não muito tempo por profissionais da área. A

Gnomon School of Visual Effects – uma das escolas de referência no mercado

norte-americano – foi fundada em 1997, pelo artista digital Alex Alvarez, na

época com apenas 24 anos. É revelador o relato de Alvarez sobre o porquê de ter

iniciado a Gnomon ainda tão jovem:

In hindsight I see that as being ridiculously young to be starting a school... but

things were very different in '97. At the time it was needed and studios were

expanding like crazy, with practically no schools teaching 3D. Especially not 3D

as it pertained to visual effects12

.

O relato do proprietário da Gnomon demonstra que a demanda por

profissionais na área da computação gráfica, seja em 2D ou 3D, aumentava

consideravelmente na época. Pelo seu pioneirismo e pela sua notoriedade, a

Gnomon foi selecionada para a análise comparativa de seu currículo com o de

outra instituição da área.

A segunda instituição selecionada foi o Art Center College of Design em

Pasadena (Califórnia), instituição acadêmica que existe desde 1930, localizada

geograficamente próxima ao maior centro de produção da indústria do

entretenimento no mundo, e que tem em seu currículo, inclusive, programas de

12

Alex Alvarez Web Site. Disponível em: http://www.alexalvarez.com/bio.html. Acesso

em: 28/04/2013.

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73

mestrado em Cinema e Artes. Seu curso de entertainment design foi criado apenas

em 2008, mas sua escolha se justifica pelo fato de ser uma instituição

universitária, o que nos possibilita fazer uma comparação entre escolas com perfis

diferentes.

Retornando à Gnomon, o texto de apresentação Your Pipeline Into The

Industry13

que está no site da empresa, informa que a escola busca a interação do

aluno com as tecnologias digitais capazes de materializar suas ideias, porém deixa

claro que a posição da escola é de que o artista, e não a tecnologia, é quem produz

os resultados. Por isso mesmo, os instrutores da escola são profissionais

capacitados em técnicas tradicionais que passaram a utilizar o meio digital para a

produção dos seus trabalhos. A insistência em destacar, nos seus textos de

apresentação, a participação dos seus instrutores na indústria do entretenimento é

mais um indício da importância dos experts no processo de legitimação do saber.

Segundo o site da escola, o programa foi desenvolvido por profissionais atuantes

no mercado da computação gráfica que trabalham para os grandes estúdios de

Hollywood e alertam que os instrutores de outras escolas, principalmente aquelas

com perfil acadêmico, podem não atuar especificamente no mercado no qual o

aluno deseja trabalhar:

Do you want to study anatomy with a fine artist who does abstract gallery work, or

someone who designs characters for a major game studio?14

Mais adiante, encontramos outro trecho que destaca a participação ativa dos

experts de mercado na escola. Esses profissionais não apenas ministram aulas e

orientam os alunos, como também auxiliaram na concepção do currículo dos

cursos da Gnomon:

Gnomon's entire curriculum has been developed, tested and is taught by some of

the most recognized CG professionals working in the industry. At no other school

are the Directors, Advisory Board members and instructors more involved in the

production process. They work and consult for studios such as DreamWorks, Sony

Pictures Imageworks, Sony Interactive, Digital Domain, Electronic Arts,

Activision, Rock Star Games, and Blizzard, just to name a few.15

13

Gnomon - School of Visual Effects. Disponível em:

http://www.gnomonschool.com/experience/gnomon_experience.php. Acesso em:

28/04/2013. 14

Gnomon - School of Visual Effects. Disponível em:

http://www.gnomonschool.com/programs/entertainment-design/. Acesso em: 28/04/2013. 15

Gnomon - School of Visual Effects. Disponível em:

http://www.gnomonschool.com/experience/about.php. Acesso em: 28/04/2013.

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74

A ênfase na participação dos profissionais de mercado no corpo docente tem

obviamente o objetivo de reforçar que a Gnomon prepara os seus alunos para

ingressarem na indústria do entretenimento. Os profissionais de mercado não

apenas transmitem o conhecimento e as técnicas específicas necessárias a uma

atuação de sucesso, como também preparam os alunos para a participação no

workflow específico das empresas de filmes, games e animação. Em outro texto

do site com o sugestivo título Real Professionals. Real Projects, esta ênfase no

mercado fica ainda mais evidente:

Gnomon's instructor's are working professionals who bring their passion and

experience to the classroom. They know the importance of understanding how the

real world operates and what a production pipeline looks like, to ensure our

curriculum at Gnomon is always moving in tandem with the industry - wherever it

might be headed.16

A posição da Gnomon em relação às instituições formais de ensino se torna

mais evidente no texto intitulado College Degree Or Gnomon? Nesse texto, o

candidato é questionado sobre a validade de cursar uma graduação para ingressar

na indústria do entretenimento. Segundo o texto, em outras carreiras, o título de

graduação pode ser importante, mas nessa indústria, isso não se aplica. A

diferença entre sucesso e fracasso, nessa área, está muito mais no portfólio, no

talento e no network do que no título acadêmico. Mais ainda, os cursos de

graduação são obrigados a ministrar disciplinas de formação geral como inglês,

história e matemática, desviando o aluno da área de interesse na qual ele deveria

se formar.

Colleges are geared towards educating students in a wide variety of subjects and

then allowing students to focus on their area of interest down the road. If you

already know what you want to do, why not focus on that career choice right off

the bat? Is a vocational education that is solely focused on what you need to learn

for a specific career even better?17

Vemos aqui uma clara adesão àquilo que Lyotard define como otimização

das performances:

16

Gnomon - School of Visual Effects. Disponível em:

http://www.gnomonschool.com/experience/about.php. Acesso em: 28/04/2013. 17

Gnomon - School of Visual Effects. Disponível em:

http://www.gnomonschool.com/programs/entertainment-design/. Acesso em: 28/04/2013.

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75

Em vez de serem difundidos em virtude do seu valor "formativo" ou de sua

importância política (administrativa, diplomática, militar), pode-se imaginar que os

conhecimentos sejam postos em circulação segundo as mesmas redes da moeda, e

que a c1ivagem pertinente a seu respeito deixa de ser saber/ignorância para se

tornar como no caso da moeda, "conhecimentos de pagamento/conhecimentos de

investimento", ou seja: conhecimentos trocados no quadro da manutenção da vida

cotidiana (reconstituição da força de trabalho, "sobrevivência") versus créditos de

conhecimentos com vistas a otimizar as performances de um programa.

(LYOTARD, 2009, p.7)

Ainda destacando suas vantagens frente a cursos de graduação, a Gnomon

defende o seu programa de um ano para a maioria de seus cursos, em função da

ausência das férias de verão:

Let’s clarify that four years of college represents having summers off so that you

are actually attending eight ‘semesters’. Gnomon is four, although we call them

‘terms’. Therefore you will experience not one quarter, but a full half of the normal

college course load.18

Além da compressão do conteúdo no período corrido de um ano, o aluno

que esteja cursando, por exemplo, o curso entertainment design, pode, após

concluí-lo, ingressar em outro programa da escola intitulado Entertainment

Design and Digital Production, este com dois anos de duração. Segundo o texto

do site da Gnomon, após cursar os dois treinamentos em três anos, o aluno teria

coberto o mesmo volume de conteúdo que um aluno que houvesse feito uma

graduação e um mestrado, com a vantagem de ser um aprendizado totalmente

focado no desenvolvimento das técnicas e habilidades desejadas pelo mercado.

A admissão, segundo o texto, é rigorosa. Os candidatos devem apresentar

proficiência em desenho mesmo para os programas 3D, uma vez que os

responsáveis pelo programa entendem que os melhores artistas, tanto os que

trabalham com 2D quanto os dedicados ao 3D, possuem formação técnica em

desenho.

Quanto ao Art Center College, o que primeiro se destaca em seu texto de

apresentação é a maior discrição em relação às possíveis qualidades do curso de

entertainment design oferecido pela instituição. Há uma preocupação clara em

realçar a importância da experiência universitária no processo de formação dos

alunos por meio, por exemplo, de estúdios transdisciplinares:

18

Gnomon - School of Visual Effects. Disponível em:

http://www.gnomonschool.com/programs/entertainment-design/. Acesso em: 28/04/2013.

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76

Our students have the opportunity to collaborate with peers from other College

departments through Transdisciplinary Studios and Designmatters projects, where

they can apply skills for commercial and nonprofit causes.19

Os recursos oferecidos para o desenvolvimento acadêmico do aluno são

expressivos. Estúdios e laboratórios com perfis variados estão à disposição dos

alunos de acordo com o período acadêmico em que se encontram. No site da

instituição, encontramos listados estúdios como o de gravura, especializado em

gravação de áudio e laboratórios de fotografia e edição de vídeo. Um recurso

valioso para o aluno do Art Center College que esteja cursando o curso de

entertainment design é a existência permanente de workshops de desenho,

descritos da seguinte forma:

Drawing and sketching workshops are open to all students. A live model is

provided with seating on a first-come, first-served basis most days of the week.

Color Theory Workshops are also offered, based on need and are open to all

majors. From the library to the technical skill center, Art Center staff members

help students utilize an array of educational technology available at Art Center.

The facilities and resources are listed alphabetically.20

Outro fator destacado pelo texto é a colocação no mercado, bem como a

presença de ex-alunos que retornam à casa como professores ou palestrantes:

Our department is relatively new, but Art Center alumni are leaders in the fields of

animation, video games, film and television.

Many work in the nearby hubs of those industries, bringing their expertise into the

classroom as faculty and visiting lecturers.21

Ex-alunos posicionados profissionalmente na indústria servem como

referência de sucesso para a instituição. Mais uma vez, vemos o mercado sendo

usado como agente legitimador, aprovando o programa de estudos do Art Center

College por meio da contratação de profissionais formados pela instituição.

Seguindo mais uma vez o pensamento de Lyotard, o programa da instituição é

bom não exclusivamente pelo caráter classificado pelo filósofo como “formativo”,

19

The Art Center College of Design. Disponível em:

http://www.artcenter.edu/accd/programs/undergraduate/entertainment_design.jsp. Acesso

em: 28/04/2013. 20

The Art Center College of Design. Disponível em:

http://www.artcenter.edu/accd/campus/resources.jsp. Acesso em: 28/04/2013. 21

The Art Center College of Design. Disponível em:

http://www.artcenter.edu/accd/programs/undergraduate/entertainment_design.jsp. Acesso

em: 28/04/2013.

Page 77: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

77

mas pelo incremento de performance que permite que seus alunos tenham o

desempenho esperado pelos principais agentes produtores do mercado.

O curso de entertainment design do Art Center College é composto de oito

períodos de 14 semanas. Cada ano letivo é composto de três períodos divididos

em outono, primavera e verão. O aluno deve cursar um total de 45 disciplinas para

cumprir todos os créditos exigidos pelo programa. Somam-se a estes mais quatro

disciplinas de ciências humanas e do design, totalizando 49 disciplinas

distribuídas pelo tempo total de curso. Existe, entretanto, uma particularidade

referente ao curso de entertainment design no que se refere à conclusão

antecipada do curso:

Students who choose to continue their studies uninterrupted may complete the

program in a minimum of two years and eight months, with the exception of

Entertainment Design students who attend studio classes in the Fall and Spring

only; Summers may be taken off, or students may take Humanities and Design

Sciences classes.22

Durante os quatro primeiros períodos, o aluno frequenta disciplinas

fundamentadoras tais como perspectiva, comunicação visual e técnicas de

pesquisa: During the first four terms, students receive a rigorous education in

drawing, rendering, model building and sculpting, as well as an introduction to

3D digital tools.23

Todo este cuidadoso processo de fundamentação técnica do curso não

exclui um rigoroso processo de admissão que conta com a análise de portfólio dos

candidatos. O Art Center College chama ainda a atenção para o fato de que, no

passado, a formação em entertainment design não era possível em apenas um

curso, o que é possível agora graças ao curso de Entertainment Design:

In years past, students seeking a career in entertainment design took a combination

of illustration and industrial design classes to develop their skills and portfolio.

Today, Art Center’s Entertainment Design program incorporates and expands

upon the strengths of both disciplines.24

22

The Art Center College of Design. Disponível em:

http://www.artcenter.edu/accd/programs/undergraduate/entertainment_design.jsp. Acesso

em: 28/04/2013. 23

The Art Center College of Design. Disponível em:

http://www.artcenter.edu/accd/programs/undergraduate/entertainment_design.jsp. Acesso

em: 28/04/2013. 24

The Art Center College of Design. Disponível em:

http://www.artcenter.edu/accd/programs/undergraduate/entertainment_design.jsp. Acesso

em: 28/04/2013.

Page 78: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

78

A partir das observações aqui empreendidas, pudemos perceber que existe

pouco ou nenhum ensino sobre concept art para além da prática. Muito menos,

uma busca sobre com que áreas do saber o concept art dialoga e como se

constituiu historicamente. Questões fundamentais como as relações do concept art

com o Design e a narrativa não são abordadas com profundidade, tanto em livros

quanto em vídeos tutoriais e sites especializados.

O departamento de Entertainment Design do Art Center College foi criado

em 2008, o que demonstra o tempo que essa instituição de ensino formal levou

para reconhecer essa forma de conhecimento como independente, mesmo tendo a

Gnomon aberto suas portas em 1997. A primeira consequência do atraso das

instituições formais de ensino em perceber a importância da produção que vem se

desenvolvendo fora do ambiente acadêmico é que as reflexões conceituais e

interdisciplinares a respeito dessa área são poucas e talvez inexpressivas. A

segunda é que esse conhecimento, em função da inexistência de reflexão,

desenvolve-se em sua dimensão meramente performativa. Por fim, forma-se uma

visão distorcida de que essas áreas são essencialmente técnicas e dispensam maior

elaboração de pensamento, como se concept art estivesse unicamente reduzido à

prática diária dentro dos estúdios, sem merecer maior atenção em questões

teóricas.

Essa superficialidade teórica e supervalorização da técnica descrevem um

panorama a ser pensado – não apenas no concept art, mas na animação como um

todo – para entendermos melhor suas posições como atividades intelectuais

produtivas.

No Brasil, o cenário é ainda distante do ideal. Poucas instituições investem

em cursos regulares de animação. O curso superior em animação mais antigo do

país é oferecido pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)25

e existe

desde a década de 1980, e, segundo a instituição, foi o único do Brasil até o início

dos anos 2000. O curso começou como uma habilitação em belas artes até que, em

2007, tornou-se um curso independente chamado Cinema de Animação e Artes

Digitais. Sua estrutura curricular contém uma disciplina chamada Design de

Personagem, com 60 horas no sétimo período. Além disso, há disciplinas voltadas

25

UFMG. Disponível em: http://www.eba.ufmg.br/graduacao/Cinema-e-Artes-

Digitais/20090709-Grade-Curricular.pdf. Acesso em 15/06/2013.

Page 79: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

79

para o ensino dos fundamentos técnicos tais como Arte e Mídia; Cor, Forma,

Composição da Imagem Digital e Fundamentos da Linguagem Audiovisual. Mas

não encontramos nenhuma disciplina que possa ser expressamente relacionada

com o concept art ou com o design de produção.

Evidentemente, como deixa claro o caso da UFMG, há pouca tradição

acadêmica na área de Animação no Brasil. Em função disso, fizemos uma breve

observação de algumas instituições de ensino que atuam nas áreas correlatas que

abordamos neste trabalho. Pesquisamos instituições de ensino que atuam nas áreas

de Cinema, Design, artes plásticas e ilustração. Além disso, fazia-se necessário

observar cursos livres que possam estar sendo oferecidos na área. O Rio de

Janeiro foi escolhido como campo de verificação por duas razões: em primeiro

lugar, a redução do escopo geográfico facilitaria a apuração nas áreas

selecionadas, reduzindo o escopo de instituições a serem pesquisadas; outro fator

importante é que todos os profissionais da área no cenário local entrevistados no

capítulo 4 atuam no Rio de Janeiro, o que nos daria mais um item de análise para

essa área geográfica.

Começando pela área de Cinema, apenas três instituições oferecem cursos

de nível superior no Rio de Janeiro, e esses dedicam pouca ou nenhuma atenção à

animação. A despeito de que há instituições que oferecem disciplinas sobre o

assunto, a carga horária disponibilizada parece ser suficiente apenas para

introduzir o assunto. São estas: a Universidade Federal Fluminense (UFF), a

PUC-RJ e a Universidade Estácio de Sá. A UFF26

oferece uma disciplina em

animação, no segundo período, com 60 horas, e uma em Direção de Arte

intitulada Design Visual: Direção de Arte, Cenário e Figurino, no quarto período,

também com 60 horas. A Universidade Estácio de Sá27

oferece igualmente uma

disciplina em animação, no sexto período, intitulada Estética de Animação, com

36 horas. Há também uma disciplina chamada Direção de Arte em Cinema, no

quarto período, com 36 horas. No curso de cinema da PUC- RJ28

, não foi

localizada nenhuma disciplina regular que trate da técnica ou da estética de

animação.

26

UFF. Disponível em:

https://sistemas.uff.br/iduff/sid137avUfd98/consultaMatrizCurricular.uff. Acesso em 15/06/2013. 27

Universidade Estácio de Sá. Disponível em: http://cursos.estacio.br/?estado=RJ. Acesso

em 15/06/2013. 28

PUC – RJ. Disponível em: http://www.puc-

rio.br/ensinopesq/ccg/comunicacao_cinema.html. Acesso em 15/06/2013.

Page 80: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

80

O universo acadêmico composto pelos cursos de Design, no Rio de Janeiro,

é muito maior do que aquele composto pelos cursos de Cinema, o que obrigou a

buscar outro quesito de recorte. O Guia do Estudante da Editora Abril lista 69

cursos ligados às áreas de Artes e Design disponíveis no Rio de Janeiro. Nesta

categoria, estão agrupados cursos de design gráfico e de produto, design de

interiores, arquitetura e urbanismo, artes visuais, teatro, dança, música dentre

outros. Para tornar o estudo mais focado, optamos por investigar as instituições

que oferecem cursos de design gráfico e de produto, por serem aqueles que

apresentam maior proximidade com o tema desta pesquisa. Além disso, a

metodologia do Design é uma questão fundamentadora nesta pesquisa. O concept

artist Feng Zhu, cujo relato consta no capítulo 4, cita a formação em industrial

design – que podemos deduzir que corresponde ao que aqui é chamado de Projeto

de Produto – como uma das formações mais comuns dos profissionais da área de

entertainment design. Das 69 ocorrências da categoria Artes e Design, 13 foram

identificadas como sendo especificamente da área de Design.

Excluímos do universo a ser pesquisado os cursos de Educação

Tecnológica. A razão é simples. Os cursos de Educação Tecnológica têm carga

horária e grade curricular mais enxutas, e seria ideal que fossem mais focadas em

assuntos específicos como design gráfico, por exemplo. A única exceção é o curso

da Universidade Veiga de Almeida, que apesar de sua designação – Design

Gráfico – é especificado como tendo ênfase em ilustração e animação digital. A

sua análise não pode ser feita, uma vez que a instituição não disponibiliza a grade

curricular na sua página na internet. Com isso, o total de instituições oferecendo

cursos de graduação tradicional em Design caiu para oito:

Centro Universitário Carioca – Design;

Centro Universitário da Cidade – Comunicação Visual e Projeto de Produto;

Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-RJ) – Design (Com.

Visual);

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – Comunicação Visual e

Projeto de Produto;

Universidade Estácio de Sá – Comunicação Visual e Projeto de Produto;

Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Desenho Industrial;

Universidade Federal do Rio de Janeiro – Projeto de Produto;

Universidade Gama Filho – Design.

Page 81: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

81

Nas instituições selecionadas foram identificadas disciplinas obrigatórias

nomeadas como ilustração no Centro Universitário Carioca29

e na Universidade da

Cidade30

. A PUC- RJ31

têm em seu currículo disciplinas voltadas para ilustração,

mas até onde pudemos verificar não são designadas com o termo ilustração. A

ESPM-RJ32

apresenta um grupo de disciplinas no currículo básico voltado para

animação. São elas: Estilo e Técnica da Animação, Animatic e Concept Art.

Merece destaque o fato de haver uma disciplina sobre concept art e,

principalmente, designada como tal. A PUC-RJ, por exemplo, oferece uma

disciplina obrigatória e outra eletiva, ministradas respectivamente por Marcos

Magalhães – um dos entrevistados desta pesquisa - e Claudia Bolshaw.

É razoável deduzir que as outras instituições ofereçam disciplinas de

animação, apesar de não termos localizado nenhuma disciplina nomeada como tal

na UFRJ33

, UERJ34

e Gama Filho35

. O mesmo também deve acontecer com

ilustração, por exemplo. Entretanto, é menos provável que o mesmo aconteça com

concept art, o que é totalmente compreensível uma vez que a área se tornou mais

conhecida apenas a partir dos anos de 1990.

O Guia do Estudante relaciona três instituições que oferecem cursos de artes

visuais no Rio de Janeiro: Instituto Metodista Bennet, UFRJ e UERJ. Em

nenhuma delas foi encontrada qualquer disciplina diretamente relacionada a

questões da animação ou, muito menos, concept art. É obvio que há disciplinas

que abordam indiretamente temas comuns a qualquer ramo das artes visuais, mas

obviamente isso ocorre frequentemente em cursos de áreas correlatas. O curso de

Pintura da Escola de Belas Artes da UFRJ36

tem em seu currículo disciplinas

29

UniCarioca. Disponível em: http://www.unicarioca.edu.br/index.php/cursos/design-

grafico/. Acesso em 15/06/2013. 30

Universidade da Cidade. Disponível em:

http://www.univercidade.edu/cursos/graduacao/desenho_pv/pdf/2012/desenhoindustrial_pv.pdf.

Acesso em 15/06/2013. 31

PUC –RJ. Disponível em: http://www.puc-

rio.br/ensinopesq/ccg/design_comunicacaovisual.html#periodo_1. Acesso em 15/06/2013. 32

ESPM – RJ. Disponível em: http://www2.espm.br/cursos/design-1. Acesso em

15/06/2013. 33

EBA – UFRJ. Disponível em:

http://comunicacaovisualdesign.files.wordpress.com/2013/01/fluxograma_cursocvd.jpg. Acesso

em 15/06/2013. 34

ESDI – UERJ. Disponível em: http://www.eba.ufrj.br/pintura/livro2014.pdf. Acesso em

15/06/2013. 35

Gama Filho. Disponível em: http://www.ugf.br/index.php?q=graduacao/6/view. Acesso

em 15/06/2013. 36

EBA - UFRJ. Disponível em: http://www.eba.ufrj.br/pintura/livro2014.pdf. Acesso em

15/06/2013.

Page 82: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

82

como Desenho Artístico e Modelo Vivo que certamente são válidas para quem

deseja trabalhar com concepção visual, mas o foco do curso não é esse.

Quanto à ilustração, é igualmente difícil encontrar cursos de nível superior

na área. Esse fato inviabiliza a possibilidade de formar concept artists em cursos

de ilustração, algo que é muito comum nos Estados Unidos.

Não estamos aqui estabelecendo juízo de valor sobre os currículos das

faculdades citadas, acusando-as de não darem espaço para animação ou para o

concept art. Apenas constatamos que o Cinema de Animação ainda não está

contemplado devidamente em instituições de ensino superior, pelo menos

naquelas pesquisadas. Consequentemente, é provável que o concept art para

Cinema de Animação também não seja tema para debates. Na minha experiência

pessoal no curso de Cinema da Universidade Estácio de Sá, não houve nenhuma

abordagem a respeito de design de produção exceto por aquelas questões tratadas

na disciplina de direção de arte. Muito menos, havia qualquer referência à

animação, que na época ainda não constava do currículo do curso.

É notório que existe a necessidade de formação de pessoal qualificado para

mercado de animação que se desenvolve no Brasil. Entretanto, talvez a solução

não seja inchar mais ainda os currículos dos cursos de Design e Cinema, mas a

criação de cursos de graduação e pós-graduação em Animação.

Foram localizados cursos livres ligados à concept art em quatro instituições

no Rio de Janeiro: Black Fox Studio, Moviluc Escola de Animação e Artes

Visuais, Cria 2D Lab e Impacto Quadrinhos. Os cursos variam em tempo de

duração e foco. O Black Fox Studio, por exemplo, oferece cursos de design de

personagem, criaturas e ambientes. A Moviluc e o Cria 2D Lab oferecem cursos

de design de personagens. A Impacto Quadrinhos oferece um curso de concept

art para games. Entretanto os cursos livres estão sempre restritos aos conteúdos

técnicos, não abordando questões conceituais.

Após esse breve levantamento, fica claro que não há muitas alternativas para

a formação de profissionais em concept art, no Rio de Janeiro, e fica a dúvida se

essa situação muda radicalmente em algum outro estado da federação. Veremos

mais adiante, no capítulo quatro, que o mercado interno ainda não absorve este

profissional na proporção ideal; entretanto, a falta de especialização gera uma

dificuldade a mais na consolidação de qualquer área do conhecimento. O

questionamento que cabe aqui é qual será o lugar indicado para que sejam

Page 83: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

83

preparados concept artists para atuação no mercado de entretenimento no Brasil,

caso haja aumento na demanda por esse profissional.

3.2. Contexto de produção do concept art

Após investigar o processo de difusão de conhecimento, é importante

entender qual o contexto em que o concept art está inserido na produção de filmes

de animação. Isto será feito por meio de uma breve observação na forma como

foram organizados os departamentos nas produções da Disney Animation e da

Pixar Animation. A escolha da Disney se dá pelo fato de ter sido a primeira

empresa na qual a função foi entendida como essencial para ser alcançada a

qualidade estética pretendida para os filmes. O padrão Disney foi referência

durante toda a era da animação tradicional até o surgimento da animação CGI nos

anos de 1990. Com o lançamento de Toy Story, em 1995, a Pixar passou

progressivamente a ser referência da indústria para tudo o que foi produzido em

animação CGI desde então. Neste novo paradigma da animação cinematográfica,

é a Pixar que, de alguma forma, acaba servindo como referência de tecnologia e

processos.

A primeira questão difícil de precisar é em que momento o termo concept

art passou a ser utilizado. Nas fontes pesquisadas, não se encontrou uma

utilização expressiva do termo e o estabelecimento de uma data específica tornou-

se inviável. Mais importante, entretanto, é acompanhar que funções estão

atreladas a essa atividade que assumiu várias designações ao longo do tempo.

Inicialmente a observação recai sobre a primeira etapa na produção de

longas-metragens da Disney Animation, que vai do lançamento de Branca de

Neve e os Sete Anões, na década de 1930, até Mogli lançado em 1967. Walt

Disney faleceu em 1966, e esse período foi marcado por grande desenvolvimento

em termos técnicos e metodológicos. Obviamente, nas primeiras produções da

Disney, o termo concept art não era utilizado – se é que existia – na indústria

cinematográfica. Os termos comuns na indústria cinematográfica eram direção de

arte e design de produção. Mesmo na Disney – onde a função de inspirational

sketch artist existia desde os anos de 1930 –, nem sempre o trabalho de

desenvolvimento visual era detalhadamente creditado ou era creditado com

designações muito específicas como character designer e stylist, por exemplo.

Page 84: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

84

Vejamos os exemplos de algumas das primeiras produções da Disney. Em Branca

de Neve e os Sete Anões (1937), Pinóquio (1940) e Dumbo (1941) são creditadas

as funções de character design, art direction e background. Não há nenhuma

referência à inspirational sketch ou visual development. Entretanto, em Bambi

(1942) os créditos iniciais discriminam apenas as funções de art direction e

background, excluindo-se o character design. É óbvio que a função existiu, mas

algo na avaliação do processo fez com que ele não fosse creditado. Os termos

surgem e desaparecem dos créditos a cada filme, entretanto layout e backgrounds

são termos constantes. Sabemos, contudo, que essas atividades só podem ser

levadas a cabo após ter sido concluída a etapa de concept art ou de visual

development. Em Cinderela (1950), já encontramos a designação Color and

Styling. Os color scripts são uma etapa fundamental em um filme de animação e o

fato da função ser nomeada distintamente de outras é significativo. A Bela

Adormecida (1959) tem uma extensa equipe de arte e as funções estão mais bem

identificadas nos créditos iniciais. Além dos já tradicionais departamentos de

layout e background, são creditados production design, character styling e color

styling. Esta etapa da Disney que se encerra com Mogli (1967) não apresenta

grandes mudanças quanto à dinâmica de registro. Essa dinâmica pode ser, na

verdade, um reflexo da própria forma de operação de Walt Disney frente ao

estúdio, o que se refletia na metodologia. Segundo Frank Thomas e Ollie Johnston

em The Illusion of Life, Disney nunca construiu uma organização no sentido

estrito que a palavra pode assumir. Para os autores, Walt contava com um time de

profissionais talentosos que ele poderia combinar continuamente dependendo das

necessidades do projeto, e buscava o melhor esforço criativo em vez do sistema

operacional mais eficiente (185). E complementam: “There were titles, and

departaments and job classifications without end, but they had more to do with

responsibility than authority” (JOHNSTON & THOMAS, 1981, p.185). Thomas

e Johnston afirmam que o método de trabalho do estúdio era eminentemente

coletivo e que todos da equipe criativa participavam ativamente do processo. Um

filme da Disney Animation nos tempos de Walt era um trabalho de grupo.

É interessante dar um salto na filmografia do estúdio para perceber como o

método de operação e gestão sofreram alterações importantes ao longo do tempo e

que os padrões metodológicos atuais são fruto de um processo em constante

desenvolvimento. A Pequena Sereia (1989) é o filme que inaugura um novo

Page 85: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

85

período de sucesso da Disney Animation que só se esgotou no final dos anos de

1990 com a ascensão da animação 3D. Na época, o estúdio estava sob a direção de

Jeffrey Katzenberger, atual CEO da Dreamworks e que contava com uma bem

sucedida carreira como executivo de emissoras de televisão. É nítida a maior

estruturação na organização de departamentos quando analisamos as funções

listadas na cartela de créditos dos filmes. Em A Pequena Sereia as funções são art

direction, layout, backgrounds, color models supervisor, character design, visual

development. Essas funções se repetem em Alladin, Rei Leão, Corcunda de Notre

Dame, Hercules, Mulan e Tarzan. Esta constância indica que por esta altura as

funções provavelmente já se encontravam bem definidas e com designações

regulares. A própria atividade de desenvolvimento visual ou inspirational

sketches, como era chamada nos primórdios da Disney, tinha então pelo menos

duas designações bem claras: character designer e visual development.

Contemporaneamente, como foi dito anteriormente, quem dita os padrões

tecnológicos e metodológicos da indústria de animação estadunidense e, talvez, do

mundo todo não é mais a Disney Animation, e sim a Pixar, estúdio responsável

por sucessos tais como Toy Story, Monstros S.A. e Incríveis. Analisar a estrutura e

a nomenclatura utilizada pela Pixar para as funções de concepção visual dos

filmes torna evidente – ao menos em parte – a metodologia do estúdio com maior

êxito de público e crítica desde a era de ouro da Disney. Para este estudo, vamos

nos deter apenas nos setores e funções cujas tarefas identificamos como sendo

diretamente do escopo do concept art, ou seja, o desenvolvimento visual primário

do filme. Esta categorização elimina desde já qualquer departamento cujo trabalho

seja subsequente ao do concept art, por exemplo, os setores de layout,

background, escultura e modelagem.

O primeiro longa-metragem da Pixar foi Toy Story, lançado em 1995. Marco

na animação por ser considerado por muitos como o primeiro longa-metragem de

animação computadorizada do mundo, o filme conta com a seguinte relação de

funções e cargos ligados ao desenvolvimento visual nos créditos: art direction,

designer/illustrator, character design, concept artwork, CG painter e sculptor. É

curioso que, em seu primeiro longa, a Pixar tenha utilizado a terminologia concept

artwork para designar as funções ligadas ao desenvolvimento visual ou concept

art. Entretanto, em Vida de Inseto (1998), segundo longa-metragem do estúdio,

essa nomenclatura não foi mantida: art director, sketch artists, character design,

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aditional character design, visual development. Nos filmes que vieram a seguir,

os nomes das funções nos créditos foram se alternando, mas fica claro que a

função se manteve constante em todas as produções. As funções de character

design e visual development estão presentes em todas as produções, mesmo que

com variações de nomenclatura. Em algumas produções, surgem novas funções,

como em Ratatouille, em que surge pela primeira vez o termo environment

designer, que retorna em Up levemente modificada: environment art director.

As designações variam sensivelmente entre as produções e entre os

diferentes estúdios, mas o método parece mais do que sedimentado na indústria da

animação cinematográfica. O que chama mais a atenção é o volume de pessoas

envolvidas na tarefa de transformar ideias em imagens. Em Toy Story apenas

naquelas funções identificadas anteriormente, contou-se um total de 23

profissionais exercendo atividades ligadas ao processo de desenvolvimento visual.

Em Monstros S.A., contou-se 24 profissionais e, em Toy Story 3, chegou-se a 36

integrantes da equipe envolvidos com diversas etapas de desenvolvimento visual.

Esses números não são absolutos, pois a verificação limita-se a uma única fonte

que são os créditos dos filmes, mas independente de possíveis variações na

contagem, fica evidente em primeiro lugar que o processo de desenvolvimento

visual em filmes de animação nos grandes estúdios é coletivo.

A questão da segmentação – ou seja, cada profissional se dedica a uma etapa

específica do trabalho em uma determinada produção –, é difícil de ser verificada

sem observação de campo. A impossibilidade de realizarmos a observação nos

departamentos de arte dos grandes estúdios nos leva a lançar mão das informações

disponíveis nos livros de Arte e extras dos DVDs das grandes produções. A

produção que vamos investigar é o filme Mulan, da Disney. Em primeiro lugar, é

válido detalhar a estrutura da equipe de desenvolvimento visual do filme:

Production design: Hans Bacher

Art direction: Ric Sluiter

Character design : Chen-Yi Chang

Layout: Robert Walker

Backgrounds: Robert E. Stanton

Character design/visual development: Sai Ping Lok, Paul Felix, Marcelo

Vignali, John Puglisi, Caroline K. Hu, Robh Ruppel, Alex Nino, Richard P.

Chaves, Jean Gilmore, Sue Nichols, Peter de Seve.

Page 87: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

87

As equipes de layout e background não estão listadas aqui em função de

serem responsáveis por etapas posteriores ao desenvolvimento visual. Alguns

nomes de peso na indústria figuram nessa lista e no livro The Art of Mulan é

possível observar várias artes de personagens produzidas por diferentes artistas.

O disco de extras traz a seção denominada Art Design, em que a equipe de

produção expõe os métodos utilizados para chegar ao resultado estético final do

filme. Segundo o relato do diretor de arte Ric Sluiter, há duas maneiras de definir

o estilo visual de um filme. A primeira é encontrar um artista que tenha o estilo

que se deseja alcançar para o filme e condicionar todas as decisões estéticas do

filme a partir dessa referência. Um dos exemplos dessa metodologia citado por

Ric Sluiter é Pinóquio, em que o ilustrador Gustav Tenggren determinou o estilo

geral do filme. Outro caminho possível é deixar que o estilo visual do filme se

desenvolva progressivamente ao longo do processo. Ric Sluiter chama a atenção

para o fato de que esse é um processo bastante trabalhoso.

Segundo a produtora Pam Coats, apesar do grande efetivo de artistas

competentes que trabalhava no desenvolvimento visual, a equipe não estava

alcançando unidade estética. Esta unidade só começa a ser alcançada a partir do

ingresso do production designer Hans Bcher na equipe de desenvolvimento

visual. Coats lembra que o estilo de Bacher era extremamente simples e gráfico e

essas qualidades aliadas aos elementos da arte chinesa acabaram por definir em

parte o estilo visual do filme, baseado em formas amplas com poucos detalhes e

que foi denominado pela equipe como “simplicidade poética”. Este estilo,

segundo observação do artistic supervisor layout Robert Walker, seria menos

realista do que o de produções anteriores como O Corcunda de Notre Dame.

O outro ponto decisivo na definição do estilo visual de Mulan foi o trabalho

do designer de personagens Chen Yi Chang. Para o diretor Tony Bancroft, foi

Chang – nascido em Taiwan – quem trouxe uma riqueza enorme de detalhes

tipicamente chineses para o filme. Bancroft destaca que o encontro dos estilos de

Bacher e Chang foi o que definiu o estilo visual de Mulan.

No livro The Art of Mulan, há um interessante comentário de Aaron Blaise –

Supervisor Animator do filme – sobre o impacto do trabalho de Chen Yi Chang

sobre o desenvolvimento visual de Mulan:

All of us drew and drew and drew and drew, and by this time we had our

own individual characters, and we kind of had personalities, and we all did tons

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88

of designs of them – but none of the designs matched as one. There wasn’t a

harmonious design theme through them. Then Chen Yi came in and just unified

everything. (KURTTI, Jeff. The Art of Mulan. New York: Hyperion, 1998. P. 86)

É interessante perceber que apesar de ser creditado como animator

supervisor, Aaron Blaise está relatando participação em um processo de

desenvolvimento visual de personagem.

O que parece ficar claro é que o processo de desenvolvimento visual de um

filme de animação é extremamente dinâmico, como deixa claro o relato de Ollie

Johnston e Frank Thomas transcrito acima, e como observa Andres Lieban, diretor

de animação do estúdio brasileiro 2D Lab na entrevista que será detalhada no

capítulo 4.3, ao observar que o processo de desenvolvimento visual de um filme é

extremamente orgânico.

A existência de alguma segmentação parece não interferir no dinamismo do

processo, pois um profissional pode surgir em outra função nas produções

seguintes ou acumular funções em uma mesma produção. Um bom exemplo é

Bob Pauley, que assumiu diversas posições no departamento de artes da Pixar. Em

Toy Story integrava a equipe de concept artwork. Ocupou os cargos de art diretor

e character designer em Vida de Inseto e production designer, character designer

em Monstros S.A. Em Toy Story 3 atuou como production designer e aditional

character designer.

No próximo subcapítulo da unidade 3, procuraremos entender os

procedimentos de desenvolvimento visual em um filme de animação, e, para

tanto, vamos nos debruçar sobre o processo metodológico do concept art à luz da

metodologia do Design.

3.3 Concept art como atividade projetual

O objetivo deste subcapítulo é refletir sobre o processo de desenvolvimento

do concept art tendo como referência a metodologia do Design. No subcapítulo

2.2, foi visto que o concept art herdou uma extensa tradição metodológica oriunda

das artes plásticas e, no subcapítulo 2.3, foi estudada a herança narrativa que o

concept art recebeu da ilustração. Outra questão fundamental – e da qual nos

ocuparemos neste subcapítulo – é que o concept art está inserido em uma

estrutura de negócio eminentemente industrial, o que fez com que a metodologia

Page 89: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

89

das artes plásticas, da qual a ilustração se apropriou e que se tornou parte

fundamental da metodologia do concept art, tivesse que se estruturar de forma a

atender às exigências de produção do Cinema de Animação, forma de arte

coletiva, dependente da tecnologia e com organização funcional baseada na

divisão e especialização do trabalho.

O conhecimento sobre o desenvolvimento do Design pode nos ajudar na

compreensão da tensão entre uma metodologia oriunda das artes plásticas com

perfil eminentemente artesanal que é inserida em um contexto de produção

industrial, uma vez que esse mesmo processo aconteceu na implantação do

Design. É importante notar que a ideia sobre o que é Design, as funções

associadas a ele e o seu status na sociedade foram se transformando ao longo de

sua história exatamente como aconteceu com as Artes. Não há aqui a pretensão

nem a necessidade de fazer um revisionismo a respeito de todas essas visões sobre

o Design, mas algumas serão abordadas por guardarem conceitos importantes para

pensarmos o concept art e suas atribuições projetuais. Além disso, a abordagem

dessas visões datadas historicamente em oposição aos conceitos contemporâneos

sobre o Design auxiliam na ampliação dos horizontes sobre o campo e no

estreitamento da fronteira com o concept art.

Vários autores se propõem a definir o que é Design, suas características

metodológicas e seu desenvolvimento através da história. Rafael Cardoso em seu

livro Uma introdução à história do Design, fornece a seguinte definição para a

palavra design:

A origem imediata da palavra está na língua inglesa, na qual o substantivo design

se refere tanto à ideia de plano, desígnio, intenção, quanto à de configuração,

arranjo, estrutura (e não apenas de objetos de fabricação humana, pois é

perfeitamente aceitável, em inglês, falar do design do universo ou de uma

molécula). (DENIS, 1984, p.20.)

Cardoso complementa que o termo provém remotamente do latim

designare, que abrange tanto o sentido de designar quanto o de desenhar, o que

fornece ao termo “uma ambiguidade, uma tensão dinâmica, entre um aspecto

abstrato de conceber/projetar/atribuir e outro concreto de

registrar/configurar/formar.” (Ibid, p.20)

Para Cardoso, o Design é uma atividade que atribui forma material a

conceitos intelectuais (Ibid, p.20), definição que coincide com aquela do termo

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90

conceito formulada no subcapítulo 2.1. Podemos concluir, então, que Design e

concept art materializam ideias expressas de diversas formas – particularmente

por meio de signos linguísticos – e esta materialização pode ocorrer sobre

diferentes suportes.

Para Rafael Cardoso, o Design é “uma atividade que gera projetos, no

sentido objetivo de planos, esboços ou modelos” (Ibid, p.20). Esta característica

projetual também está presente no concept art, uma vez que os cenários,

personagens, adereços e planejamentos de cena produzidos pelo concept artist

serão enviados para as equipes de produção para que sejam finalizados.

Tanto o concept artist quanto o Designer materializam ideias visualmente a

partir das informações transmitidas pelo cliente. O Designer começa pelo briefing,

documento em que constam todas as informações sobre o cliente, o produto o

público alvo etc. O concept artist tem como fonte primária o roteiro ou a sinopse

do filme e seus clientes são normalmente o diretor do filme, o diretor de arte e

eventualmente o produtor. Seria procedente que o concept artist também

recebesse ou até mesmo produzisse o seu próprio briefing. Ambos – concept artist

e designer – criam visualidade a partir de informações, que na maioria dos casos

estão expressas textualmente.

A ideia do designer como um mero criador de instruções para produção

manufatureira foi predominante e pode ser encontrada em autores como em

Adrian Forty, por exemplo. Essa visão, entretanto, está ultrapassada e não cabe

mais no perfil complexo e abrangente da atividade hoje. Para Cardoso, a questão

das instruções para a transformação de uma ideia em algo material, palpável, está

na base da suposta distinção entre Design, artes plásticas e artesanato e a busca

por esta distinção têm resultado em um conjunto de “prescrições extremamente

rígidas e preconceituosas” sobre o que efetivamente é Design (DENIS, 1984,

p.21). O designer, sob essa ótica, seria aquele que projeta, mas não procede a

construção do objeto que projetou, o que nos dias atuais, particularmente após o

desenvolvimento de novas tecnologias tais como as impressoras 3D, por exemplo,

não pode ser tomado de maneira tão rígida. Em muitos casos, realmente, o

designer está dissociado da execução final do produto projetado por ele, e a

produção se dá por meios mecânicos aos quais o designer não tem acesso direto.

Entretanto, apesar destas possíveis diferenças, para Cardoso, as artes plásticas, o

artesanato e o Design têm muito em comum e os designers já reavaliam sua

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posição, propondo uma nova valoração do fazer manual. Vimos, no subcapítulo

2.2, que a pintura e a escultura já eram projetuais no Renascimento, como deixa

evidente o relato de Bellori a respeito da metodologia do pintor Federico Barocci.

Outra ideia que vigorou nos compêndios sobre Design por muito tempo foi

a de que o Design estaria ligado unicamente à produção industrial. O crítico de

arte Gilo Dorfles afirma categoricamente que uma das primeiras condições

necessárias para se considerar um produto como pertence à categoria do Design “é

que seja produzido por meios industriais e mecânicos; ou seja, mediante a

intervenção, não apenas fortuita, ocasional ou parcial, mas exclusiva da máquina”

(DORFLES, 1984, p.8). Esse é outro aspecto da visão sobre Design que está

ultrapassado e que é desmontada por Cardoso. Cardoso cita o exemplo do Design

para meios digitais como os sites de internet, em que o processo pode ser

executado inteiramente por uma única pessoa e ainda assim estar disponível para

o acesso a um público de massa. Uma página de internet é inequivocamente um

produto de Design que tem um processo de produção artesanal, mas que não pode

ser classificado simplesmente como artesanato. Não é nem Design de produto

nem design Gráfico se tomarmos como referência a questão dos suportes, mas é

gráfico na medida em que tem como função transmitir informação visual, e é um

produto na medida em que é uma mercadoria. O Design inclusive tem uma

contribuição contemporânea importante no desenvolvimento estético, de gestão e

de processos não industriais como artesanato, grafite etc.

O exemplo de Cardoso cabe perfeitamente no filme de animação comercial.

É um produto na medida em que se destina ao mercado de exibição de filmes. A

imagem audiovisual é gráfica no sentido em que transmite informação, mas não é

impressa. E isso já é algo integralmente incorporado ao Design a partir do advento

das mídias eletrônicas e digitais. A equipe de direção de arte como um todo – e

particularmente o concept artist – trabalha no processo de preparação dos modelos

que darão a aparência do filme. Os filmes produzidos em programas de

computação gráfica têm as etapas de desenvolvimento visual e de produção bem

definidas e obviamente são mais fáceis de serem percebidos como produtos

industriais por dependerem da intervenção da máquina de maneira ostensiva, mas

não seria razoável chamar de artesanal uma produção full animation, em que o

trabalho foi dividido entre uma equipe enorme, apenas porque as células de

animação foram produzidas em lápis e papel, mesmo porque, como vimos, já não

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seria também a natureza artesanal que impediria o método projetual. Essa visão

restrita estaria logo em cheque ao nos depararmos com os filmes em full

animation produzidos em programas vetoriais. O filme de animação é um produto

que se desenvolve, então, com uma clara influência do Design e este se insere na

produção através da direção de arte e consequentemente do concept art.

É exatamente nesta região nova e ainda em fase de exploração, essa área do

Design que está se constituindo conforme os dispositivos digitais e a própria

noção do que é a atividade rompem com as antigas fronteiras entre Design e artes

plásticas que já haviam sido historicamente esfumaçadas – como visto antes –,

que está localizado o concept art, atividade que recebe heranças de outras artes

visuais, mas cujas funções são particulares e voltadas para a cultura de massa, que

antes não existia.

Outro autor importante para se refletir sobre as questões do Design é André

Vilas-Boas, que, em seu livro O que é e o que nunca foi Design Gráfico, coloca

quatro aspectos importantes que definem se um objeto pode ser considerado como

fruto de design gráfico: aspectos formais, aspectos funcionais-objetivos ou

simplesmente funcionais, aspectos metodológicos e aspectos funcionais-

subjetivos ou simbólicos (VILAS-BOAS, 1998, p.8). Neste subcapítulo, estamos

analisando o aspecto metodológico do Design para comparar com a metodologia

do concept art. Ao longo deste trabalho, temos focado também no aspecto

funcional, ou seja, qual é a função do concept art na produção de um filme de

animação comercial. As questões formais e simbólicas não estão expressamente

analisadas neste trabalho, mas é importante registrar a relevância dessas questões

no escopo do concept art. A dimensão comunicacional é a própria razão de existir

da atividade e essa comunicação se expressa através das formas. O profissional

deve ter domínio não apenas das anteriormente definidas habilidades técnicas de

representação figurativa, quanto também pelo conhecimento de Teoria da

Percepção e de Teoria da Comunicação.

Nos aspectos metodológicos, Vilas-Boas aborda a questão da autoria

coletiva importante para o pensamento sobre Design e consequentemente sobre o

concept art, uma vez que o filme de animação comercial é uma atividade dotada

de atribuições artísticas em que a autoria compartilhada é sem dúvida uma

realidade incontestável:

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A autoria do Design, em geral, se reveste de um teor coletivo que inclui

tanto o designer propriamente dito quanto o cliente que encomendou o projeto, a

eventual intermediação de agentes entre um e outro (agências de publicidade,

diretores de arte, produtores culturais etc.), os integrantes do processo de

produção (artes-finalistas, gráficos, técnicos de acabamento, fabricantes e

fornecedores dos insumos para a reprodução etc.), a conformação do público-alvo

segundo a concepção do designer, do cliente e dos agentes intermediadores e,

finalmente, a própria inserção simbólica do projeto junto ao público-alvo – sendo

esta, necessariamente, intermediada por alguém que a analisa e avalia, que tanto

pode ser o designer como o cliente ou os eventuais agentes intermediadores

(VILAS-BOAS, 1998, p.52).

Todos esses envolvidos acabam por retirar a ação de um cunho

exclusivamente expressivo. Entretanto, apesar de todos estes aspectos serem

importantes, cabe aqui uma avaliação cuidadosa e é importante relativizar. Por

mais que o designer tenha que negociar com as partes envolvidas no projeto, no

que diz respeito aos aspectos formais e simbólicos, existem profissionais que

trabalham de forma personalista e têm grande espaço de subjetividade nos

projetos que realizam. Exemplos não faltam e alguns são notórios, por exemplo,

Neville Brody e Javier Mariscal. Brody ficou notório na década de 1980 por

utilizar a linguagem dos fanzines e a estética punk no Design. Mariscal alcançou

reconhecimento internacional quando venceu o concurso de criação do mascote da

Olimpíada de Barcelona. Seu estilo é marcado pela utilização da linguagem do

cartum no Design.

Pensar que nenhum designer expressa sua subjetividade durante um projeto

é o mesmo que dizer que um artista plástico sempre tem controle total sobre o

trabalho. Um artista plástico que receba uma encomenda específica de um cliente

– um painel para uma empresa, por exemplo – pode ter que se valer de

características do método projetual para gerir certos aspectos de seu trabalho –

solicitado ou não por um cliente. Em linhas gerais, entretanto, o artista plástico

contemporâneo concebe sua obra e, depois desta pronta, submete-a ao público, o

que não é o workflow típico do Design. O trabalho do designer obedece a

parâmetros restritivos desde o início do projeto e dificilmente será isento de

interferências externas, a menos que ele esteja trabalhando em um projeto

totalmente pessoal.

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94

Figura 12 - Trabalhos de Javier Mariscal e Neville Brody, respectivamente, que demonstram o

grau de subjetividade que o designer pode inserir no trabalho.

O concept artist está inserido na mesma lógica de trabalho do designer no

que diz respeito à autoria, pois sua autonomia é limitada pelo diretor de arte, e em

última instância esbarra invariavelmente nas decisões do diretor. Mas assim como

o designer, o concept artist não é um autômato e existe espaço para o

desenvolvimento de trabalho com forte carga de subjetividade, dependendo da

natureza da produção. Obviamente em uma produção própria, autoral, a

autonomia do concept artist é total e esse grau de autonomia criativa varia de

acordo com as características do projeto.

Praticamente todos os designers – não importando em qual segmento

estejam atuando; se preferem trabalhar sozinhos ou inseridos em equipes, se

canônicos ou não canônicos – compartilham uma ferramenta de trabalho: o

projeto. A metodologia projetual é um dos pontos mais característicos do Design e

hoje atinge contornos que extrapolam a simples solução estético/funcional.

Surgiram novas formas de pensar o papel do Design e, em consequência, novas

abordagens metodológicas como o design thinking. Villas-Boas define a

importância da metodologia projetual para o Design:

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O design gráfico enquanto atividade profissional e parâmetro conceitual para

análise de objetos comunicacionais requer uma metodologia específica através da

qual o profissional tenha controle das variáveis envolvidas no projeto. E faça opção

expressa entre alternativas de consecução, a partir de testagens realizadas por ele

ou por outrem. (VILAS-BOAS, 1998, p.15)

Para Vilas Boas o projeto não é apenas um elemento de caracterização do

Design, mas a sua própria essência, definindo a própria inserção de uma atividade

no campo do Design. Ele afirma que uma atividade ou um objeto só podem ser

enquadrados na categoria de design gráfico se a metodologia projetual –

problematização, concepção e especificação – tiver sido expressamente

considerada “ainda que sem o uso formal do léxico e do aparelho conceitual”

próprio da área (VILAS-BOAS, 1998, p.15). E completa:

É através da atividade projetual, que “o desenhista industrial coteja requisitos e

restrições, gera, seleciona alternativas, define e hierarquiza critérios de avaliação e

engendra um produto que é a materialização da satisfação de necessidades

humanas, através de uma configuração e de uma conformação palpável [...]” (Ibid,

p.20)

A metodologia está presente no concept art desde sempre, e, como vimos

anteriormente, uma parte substancial foi herdada das artes plásticas e da

ilustração; entretanto, o contexto em que está inserido o concept art o coloca

alinhado com questões semelhantes às do Design. É um grande processo de

análise, geração de alternativas e escolhas com que o profissional deve lidar. O

diretor de arte delega aos membros da equipe as diversas etapas de

desenvolvimento visual e de finalização artística do projeto. Nessa configuração,

os artistas de concept responsáveis pelo desenvolvimento visual dividem entre si

diversas etapas do processo. Vão se debruçar sobre personagens, cenários e

adereços, muitas vezes com mais de um artista trabalhando em um mesmo

personagem, por exemplo. O constante processo de testes dos concepts gerados

sempre buscando o aprimoramento do trabalho, o intercâmbio de detalhes entre

trabalhos de diferentes artistas, a busca pela unidade estética do filme são algumas

das questões que o concept artist tem que enfrentar e a metodologia auxilia nesse

processo. A criação do personagem Banguela no filme Como Treinar seu Dragão

(Dreamworks Animation. 98min. 2010). é um ótimo exemplo desse processo.

Como o próprio título nos informa, no filme há dragões, criaturas mitológicas que,

até onde sabemos, nunca existiram. Entretanto, existe uma numerosa iconografia

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96

formada a respeito destas criaturas que estão mais do que consolidadas no

imaginário coletivo. Um dos desafios da equipe de arte do filme era fazer dragões

diferentes de tudo que houvesse sido feito antes, já que a intenção era não

trabalhar com o modelo clássico de dragão comumente difundido na mídia, e o

desenvolvimento visual do personagem Banguela, um dragão da espécie Fúria da

Noite que se torna o melhor amigo de Soluço, protagonista do filme, é

emblemático pelas dificuldades extras que a própria equipe se impôs. No making

of A Técnica Artística do Dragão no DVD de Como Treinar Seu Dragão, o

codiretor Dean Deblois diz que a equipe de arte buscou referência em mamíferos

como lobos e, principalmente, em felinos como a pantera negra. No livro The Art

of How to Train Your Dragon, Deblois amplia nossa visão sobre o processo

criativo do Fúria da Noite, que tem semelhanças com o processo criativo da

ilustração:

His color was inspired by a black panther screensaver on one o four story artist’s

monitors. That image was striking and electrifying, with those eyes staring out

from the darkest black face. (ZARNEKE, 2010, p.27)

Figura 13 - Desenvolvimento visual do personagem Banguela do filme Como Treinar Seu Dragão.

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A busca por um resultado inusitado gerou obviamente uma quantidade

grande de alternativas, opções, e muito teve que ser cotejado em termos de

informação até que uma opção fosse considerada ideal para aquilo que se

pretendia para o visual do personagem. Talvez o procedimento de trabalho do

concept artist não seja tão integralmente regido pelo método projetual, mas, sem

dúvida, há procedimentos em comum. O mais importante, entretanto, é que

concept art e Design compartilham o mesmo objetivo, ou seja, o desenvolvimento

de informação visual que comunique um determinado conteúdo.

O que se percebe no processo descrito acima é a busca pela solução de um

problema estético e comunicacional para um personagem de destaque no filme. A

busca por uma forma que expresse a função narrativa de um personagem. Um dos

pontos de destaque da atividade do Design é a solução de problemas. O livro Das

coisas nascem coisas, do designer italiano Bruno Munari, foi uma das principais

referências em metodologia do Design. Hoje, talvez esteja superado pelas novas

formas metodológicas do campo, mas recorreu-se a ele para definir de forma mais

precisa o que é o problema no Design. Para Munari, cabe ao designer definir o

problema, que é resultado de uma necessidade e que não se resolve por si.

Entretanto, ele contém todos os elementos para a sua solução. Esses elementos

devem ser conhecidos pelo designer para que possam ser utilizados no projeto que

solucionará o problema (MUNARI, 2002, p. 30). Um problema pode ser dividido

em seus componentes; operação que “facilita o projeto, pois tende a pôr em

evidência os pequenos problemas isolados que se ocultam nos subproblemas”.

Cada um desses pequenos problemas deve ser resolvido antes de seguir adiante

com o projeto (Ibid. p.36).

O filme de animação Hellboy: a espada das tempestades (Starz media.

77min. 2006) é um bom exemplo de solução de problemas específicos através do

design do personagem. Personagem oriundo das histórias em quadrinhos e com

características físicas muito peculiares, Hellboy não foi criado originalmente para

ser animado. Seu criador, o ilustrador e quadrinista Mike Mignola, preocupou-se

com as características expressivas do personagem incluindo uma série de detalhes

que incrementassem a sua silhueta. Entretanto, ao ser transposto para o universo

da animação, particularmente para animação 2D, essa silhueta gerou dificuldades

adicionais. Ao analisarem o personagem, a primeira coisa que saltou à vista dos

produtores era a sua assimetria. Hellboy tem uma enorme mão direita de pedra

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desproporcional ao resto do corpo e no lado oposto a cartucheira de seu revólver,

chamado de Samaritano. Essas duas características complicaram o trabalho dos

animadores, dificultando o giro de 360° do personagem. A simetria do

personagem em animação diminui o nível de dificuldade de um trabalho que, por

natureza, é extremamente laborioso. Os designers do filme, particularmente o

então novato – e principal concept artist do filme – Shawn “Cheeks” Galloway,

tiveram que simplificar as formas para que o personagem pudesse ser adaptado

para a animação sem lhe retirar o charme original. A solução foi trabalhar com

uma silhueta marcante e com estética do cartum.

Entretanto é importante frisar que a identificação do problema é importante,

mas é apenas uma dentre outras etapas da metodologia do Design. Ambrose e

Harris no livro Design Thinking, enumeram sete etapas no processo do Design:

definição, pesquisa, geração de ideias, prototipagem, seleção de alternativas,

implementação e aprendizagem (AMBROSE e HARRIS, 2011, p.12). As

nomenclaturas podem variar, assim como as etapas podem ser subdivididas e mais

detalhadas dependendo do autor; entretanto, o cerne do processo metodológico

está contemplado nessas categorias. A primeira etapa diz respeito à definição do

problema e dos objetivos do projeto. A seguir vem pesquisa – ou levantamento de

dados –, que se refere à coleta de informações que possam alimentar o processo

criativo. Essa pesquisa, segundo Ambrose e Harris, pode ser quantitativa –

baseada em estatísticas sobre público alvo, mercado consumidor etc. –, ou

qualitativa – informações sobre hábitos do consumidor e seu estilo de vida, por

exemplo. A geração de ideias ocorre a partir do briefing – onde está definido o

problema –, e da pesquisa. A partir dessas informações, o designer pode iniciar o

processo de geração de alternativas para o projeto por meio de ferramentas tais

como brainstorming, esboços e rafes preliminares. A prototipagem é a

materialização de um modelo do produto que será apresentado para avaliação aos

membros da equipe, ao cliente que solicitou o trabalho e aos grupos de foco antes

que o produto seja produzido e entregue ao usuário final. Na etapa de seleção,

serão escolhidas aquelas soluções que estiverem de acordo com as demandas do

projeto. Após a seleção das alternativas, segue-se a implementação do projeto, ou

seja, o produto ou serviço será disponibilizado para o consumidor final.

Finalmente, após a implementação do projeto, os autores incluem a etapa de

aprendizado na qual são avaliados os resultados do processo pela equipe de design

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99

com base no feedback dado pelo cliente. Essa etapa que, no livro de Ambrose e

Harris é chamada de aprendizado, também pode ser encontrada em outros textos

sobre metodologia do Design com o nome de validação e é uma parte importante

da metodologia projetual.

Recentemente a metodologia do Design assumiu maior destaque em função

da constante busca por inovação na sociedade de consumo e passou a ser um

paradigma importante não mais apenas para o Design. O processo do design

thinking passou a ser um modelo de desenvolvimento de soluções criativas tanto

para produtos quanto para serviços. Ainda mais importante é a percepção de que o

Design, hoje, é entendido como algo mais abrangente do que simplesmente a

produção de bens materiais produzidos por processos mecânicos. Rafael Cardoso

convida a pensar o Design em um sentido mais amplo:

[...] como uma área múltipla, capaz de abarcar desde a criação de interfaces de navegação

visual até o reaproveitamento de garrafas PET, e como um meio profissional plural, que possa

acomodar, sem facciosismo, produções tão diversas quanto móveis dos irmãos Campana e os

quadrinhos de Angeli. (DENIS, 1984, p.253)

O Design, hoje, não está mais preso como esteve, no passado, ao produto

industrial produzido através de meios mecânicos, e tampouco exclui de seu

escopo as questões da imagem em movimento e da interatividade. Mesmo em

Bruno Munari – um autor cujo trabalho deve ser atualizado pela evolução da

tecnologia e do conceito de Design – cita o Cinema e a televisão entre diversas

áreas possíveis de atuação para o designer, listando atividades tais como titulação

de programas televisivos; titulação de filmes; efeitos especiais; textos, grafismos e

animação de imagens dentre outras, como pertencentes ao universo do Design.

Munari já considerava a imagem em movimento campo para a atuação do

designer.

Atualmente os cursos especializados em mídias digitais são um bom

exemplo da atuação do designer nas mídias audiovisuais. A PUC-RJ e a PUC-SP

têm em seus portfólios os cursos Design – Mídia Digital e Tecnologia em Mídias

Digitais respectivamente. Ambos são cursos transdisciplinares em que o Design é

questão fundamental e as disciplinas vão da tecnologia informática ao Design.

Mesmo antes do surgimento de cursos especializados, a questão das mídias era

contemplada nos cursos de Design. Não há dúvida que hoje as mídias digitais são

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áreas que passam pelas questões funcionais e estéticas, além das questões

simbólicas e comunicacionais, e todas essas instâncias estão na área de

abrangência do Design.

Conforme explicado anteriormente, a metodologia do Design será a

referência para avaliarmos a metodologia do concept art, mas antes, é importante

ter uma visão mais detalhada de algumas funções essenciais no processo de

desenvolvimento visual de filmes de animação. A partir das funções extraídas da

cartela de créditos dos longas-metragens animados da Pixar, construiremos com o

auxílio da bibliografia breves definições para as funções mais importantes para

este trabalho. Assim será possível separar o que está no escopo de tarefas de

concept art e o que já está fora das atribuições de um profissional que esteja

ocupando essa função.

O diretor de arte é responsável pela impressão visual geral do filme. Todos

os elementos visuais do filme são desenvolvidos sob a sua orientação e aprovados

em última instância por ele. (HAN, 2000, p.29)

Character designer é o profissional que cria os personagens de um filme,

sejam eles humanos, animais, criaturas ou objetos. Os personagens devem ser

dotados de personalidade e ter apelo visual. O character designer deve pensar no

personagem como um todo, em seu figurino, seus adereços, estilo de cabelo, tudo

que puder definir o personagem e sua personalidade para a audiência. Em uma

típica produção dos grandes estúdios, vários profissionais podem trabalhar na

função. Na equipe de Toy Story, são listados oito profissionais na função de

character designer.

Consideramos, neste trabalho, as denominações visual development,

inspirational sketches e stylist como diferentes maneiras de nomear o concept art.

O visual development artist indica qual será a atmosfera, o estilo e o Design do

filme em termos visuais. Pode ser um artista convidado apenas para emprestar seu

estilo, como é o caso do cartunista britânico Gerald Scarfe em Hercules, da

Disney, mas também pode ser um profissional experiente no processo de

desenvolvimento visual de filmes como Rob Ruphel. Seja como for, é um trabalho

realizado em equipe conforme podemos ver nos créditos de filmes de Toy Story,

em que são listados oito profissionais como concept artists. No livro A técnica da

animação cinematográfica John Halas e Roger Manvell nomeiam este

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profissional como projetista e o definem como “responsável pela impressão

gráfica a ser causada pelo filme”. (HALAS e MANVELL, 1978, p.218)

Essas funções são importantes para entender o processo de desenvolvimento

do concept art nos longas-metragens de animação dos grandes estúdios. Ele está a

serviço da história, citada como o elemento mais importante de qualquer produção

no making of’s dos filmes dos grandes estúdios. A história é a espinha dorsal de

qualquer filme, e o concept art é o pontapé inicial para contar a história por meio

de imagens. O audiovisual, como o próprio nome diz, depende de imagens para

estabelecer efetivamente sua comunicação, e todos os esforços durante a produção

serão feitos para que a ideia inicial expressa na sinopse e no roteiro se transforme

em uma narrativa visual. A narrativa visual será definitivamente detalhada no

storyboard, mas o concept art está no início do seu desenvolvimento. A

visualidade de um filme de animação, entretanto, não é aquela dos livros

ilustrados ou das histórias em quadrinhos, pois em animação existe o movimento,

parte fundamental da expressão cinematográfica. Quando finalmente história,

Design, movimento e som são reunidos, o filme de animação se materializa e se

torna algo único, que transcende a simples soma de suas partes.

Geralmente é a partir da história que os artistas de concept art vão começar

o seu trabalho. David Silverman, codiretor de Monstros S.A (Pixar Animation. ,

92min. 2001) diz, nos extras do DVD do filme, que, antes de qualquer coisa ser

feita no computador, tudo deve ser desenhado. É o mesmo processo desde Branca

de Neve e os Sete Anões, afirma Silverman. Metodologicamente, o procedimento

desenvolvido na Disney, nos anos de 1930, não sofreu transformações

significativas, apenas atualizações.

Assim como o designer, o concept artist começa com um problema de

comunicação. O problema para este e para todas as equipes de arte envolvidas no

filme é a história. Como interpretar visualmente a história para construir um

mundo que seja a expressão daquela história e de nenhuma outra. Os caminhos

para a solução desse problema estão expressos na metodologia empregada.

No filme Hercules (1997), da Disney, o estilo foi baseado no trabalho do

cartunista britânico Gerald Scarfe. Entretanto, Sue Nichols relata no livro de arte

do filme que os diretores, Ron Clemens e John Muskeer, queriam manter as

características do estilo gráfico de Scarfe com o estilo dos filmes da Disney, e, ao

mesmo tempo, com um apelo visual grego. Para integrar com sucesso as

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diferentes influências artísticas que concorriam para a formação da visualidade do

filme, foram feitos style boards, pranchas que continham coleções de referências

visuais de formas e padrões estéticos da arte grega, esboços preliminares de

Gerald Scarfe e de artistas da Disney. Depois, esse material foi condensado e

refinado, resultando no style guide, ferramenta de guia sobre o estilo gráfico geral

do filme. Essa pesquisa de referências é importantíssima para que os artistas

envolvidos no processo de desenvolvimento visual sejam alimentados com

informações que lhes permita ter um direcionamento durante o processo criativo.

A busca por referências, entretanto, não necessariamente se esgota com os style

guides. Em muitas produções, particularmente aquelas que lidam com culturas ou

lugares específicos, a equipe de arte é enviada para fotografar, pintar e vivenciar o

lugar. No caso de Mulan (Disney, 1998), figuras chaves da equipe – Pam Coats,

Barry Cook, Ric Sluiter, Robert Walker e Mark Hem – foram enviadas para a

China, onde coletaram referências diversas sobre arquitetura indumentária, cores,

enfim, tudo que pudesse criar o mundo em que a protagonista viveria suas

aventuras (KURTTI, Jeff. 1998. p. 44). Ainda nos momentos iniciais do projeto,

artistas chineses foram contratados para produzirem sketches inspiracionais (Ibis.

p.14). Os exemplos podem se estender longamente, passando pelos clássicos da

Disney e da Pixar, os filmes da Dreamworks e da Blue Sky. O processo de

pesquisa visual é fundamental para a narrativa imagética do filme.

Figura 14 - Style boards do filme Hércules da Disney.

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103

A etapa subsequente na busca deste mundo visualmente coerente são os

rafes, ou seja, as centenas de esboços que são produzidos como registro de ideias

na busca de soluções de design para o filme. O rafe é uma ferramenta

universalmente utilizada nas artes visuais e está para o concept artist assim como

a anotação textual está para o roteirista, por exemplo. Normalmente, algo só é

finalizado após ter sido formalmente resolvido na etapa de esboços, que podem

ser garatujas simples a lápis ou desenhos um pouco mais elaborados já com uma

prévia indicação de cor. O concept art – além de estabelecer qual será o visual do

filme – poupa tempo e dinheiro, duas variáveis críticas em uma produção

comercial, e o rafe poupa tempo no próprio processo do concept art, pois

alterações podem ser feitas muito mais facilmente nessa etapa.

Após a etapa de rafes, inicia-se a finalização das opções escolhidas. Nesta

etapa, são feitas ilustrações bem acabadas que apresentam os personagens mais

próximos de como aparecerão no filme. O tipo de finalização vai depender do

estilo do filme, podendo ser desde traço e cor chapada até pinturas digitais com

acabamento realista. Entretanto, é importante não entendermos essas etapas como

estanques ou extremamente estruturadas. O processo pode ser bem orgânico e

cheio de reviravoltas, e a questão da unidade estética e visual do filme é um

problema que precisa ser acompanhado de perto pelo designer de produção ou

pelo diretor de arte, normalmente os elementos da equipe que tem a noção do

conjunto.

O filme Kung Fu Panda da Dreamworks Animation é um ótimo exemplo.

Segundo o autor do livro The Art of Kung Fu Panda, vários artistas haviam

trabalhado no design de personagens no início da produção, mas o diretor John

Stevenson queria uma maior unidade visual, pois concluiu que a estrutura visual

do projeto era incongruente até aquele ponto e que isso poderia distrair a plateia

(ZARNEKE, 2008, p.14). Foi então que, em cinco semanas, Stevenson, o

designer de produção Raymond Zybach e o concept artist Nico Marlet refizeram

todo o line up de personagens. O resultado foi a conquista da unidade visual ao

longo de todo o filme: “When the crew saw Marlet’s unique yet complementary

creations, everyone realized that “they gave the world such integrity and

consistency”, reminds producer Melissa Cobb.”. (Ibid, p.14)

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104

Figura 15 - Diversos estágios do desenvolvimento visual do personagem Po de Kung Fu Panda.

Figura 16 - Personagens desenhados por Nico Marlet para Kung Fu Panda.

O livro Inspired 3D Short Film Production, de Jeremy Cantor e Pepe

Valencia, é focado na produção de curtas de animação. Apesar do foco desta

pesquisa ser a animação comercial de longa metragem, ainda assim, o livro

oferece bom material para refletirmos um pouco mais sobre as questões do

desenvolvimento visual para animação. O processo de design de personagem é

bem detalhado pelos autores, que discriminam as ferramentas que consideram

importantes para o desenvolvimento de personagens: nomes, textos narrativos ou

Page 105: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

105

citações, design e comportamento (CANTOR & VALENCIA, 2004, p.69). Por

meio do design, o concept artist pode evidenciar questões importantes para a

compreensão do personagem tal como a sua personalidade, como discutiremos

adiante de forma mais aprofundada. É importante estar consciente de que

motivações e objetivos são aspectos difíceis de evidenciar por meio do design –

ainda que este possa auxiliar na tarefa – e que normalmente essas características

vão depender do comportamento e dos diálogos para serem devidamente

percebidos (Ibid. p.72). Esse aspecto fica ainda mais evidente quando da

utilização de um personagem que não apresenta nenhuma particularização através

do design – e que poderíamos chamar de um personagem com formas genéricas –,

o que implica o desenvolvimento das características de personalidade desse

personagem por meio do comportamento e dos diálogos (Ibid. p.71). Outro fator

importante citado pelos autores é o “appeal”, palavra inglesa que em português

pode ser traduzida como apelo ou atrativo. Os autores são categóricos ao afirmar

que um personagem bem projetado deve ter apelo, mas que apelo não quer dizer

necessariamente atraente e especificam mais ainda o sentido de “appeal”: Rather,

in terms of design, it simply means “interesting to look at” (Ibid. p.71). Segundo

os autores, as pistas visuais também são importantes no design do personagem, ou

seja, aqueles elementos que irão indicar para a audiência quem é aquele

personagem:

If you want your audience to immediately recognize or understand certain

important character traits at first glance, design your character accordingly with

specific nad unmistakable visual elements, such as professional uniforms, bloody

fangs, wheelchairs, or enormous muscles.. (Ibid. p.71)

Outro quesito importante é a simplicidade. Manter o personagem com um

design que comunique bem, mas que seja simples o suficiente para ser modelado,

“riggado” e animado, no caso da animação 3D, ou simplesmente desenhado

quadro a quadro em full animation. É importante lembrar que os detalhes físicos

do personagem vão afetar a maneira como ele é animado, ou seja, um robô feito

de alumínio deve mover-se de maneira diferente de um construído de aço maciço,

por exemplo. Finalmente, há que se ter cuidado com o exagero nos detalhes,

correndo-se o risco de ter como resultado um personagem clichê ou com detalhes

desnecessários:

Page 106: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

106

Be eficient and economical with your design elements. A healthy balance between

clarity and subtlety is always a desirable goal, and elegant simplicity in design is

usually quite appealing. (Ibid. p.74)

Pelo que vimos acima, um personagem com bom design é, antes de tudo,

um personagem atraente que comunica a sua personalidade através de pistas

visuais claras. O personagem deve apresentar uma quantidade de detalhes que

auxilie a audiência a compreender quais as suas características, mas precisa

manter a simplicidade.

Neste ponto retorna-se a um tema recorrente neste trabalho: as habilidades

técnicas de representação. Esta é uma das primeiras exigências para um

profissional desta área e os autores Jeremy Cantor e Pepe Valencia fazem uma

interessante avaliação a respeito das habilidades técnicas de representação

necessárias para o desenvolvimento de personagens:

Keep in mind that you don’t have to become another Michelangelo to design

characters effectively. Many great designers are not necessarily great illustrators

however, if you are not comfortable with your chosen medium, the process of

designing characters can feel like a chore than a fun and rewarding expierence.

Indeed, it takes many years to master figure drawing and cartooning, but it

actually doesn’t take too long to learn enough of the basics to get by.(Ibid. p.77)

Mais uma vez, é importante lembrar que o objetivo dos autores no livro

Inspired 3D Short Film Production é tratar dos métodos de produção de um curta-

metragem, o que, obviamente, pode diminuir consideravelmente as exigências em

termos de habilidades dos envolvidos no projeto. Entretanto, os autores listam

uma série de conteúdos que consideram necessários para o desenvolvimento de

um bom design de personagens tais como estudos de anatomia, desenho de figura

humana além de conhecimentos sobre perspectiva e teoria da cor. As habilidades

técnicas de representação figurativa e os conhecimentos fundamentais são

imprescindíveis e integram a primeira linha de exigências para um concept artist.

Escolas como a Gnomon e a FZD School, por exemplo, coloca a análise de

portfólio na seleção de candidatos, o que demonstra a preocupação com as

técnicas de representação figurativa.

Os processos descritos se repetem para todos os personagens, mas não

apenas. Também cenários e adereços passam por um minucioso processo de

desenvolvimento até a aprovação final. Uma vez que o diretor do filme aprove as

ideias para os cenários e os personagens, os concepts são enviados para os

Page 107: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

107

departamentos que darão continuidade ao trabalho, o que depende do tipo de

técnica em que o filme está sendo produzido, se 2D, 3D ou stop motion. O mais

usual é que siga para os departamentos de layout, background, modelagem de

personagens e modelagem de cenários, conforme a natureza da produção. Em

produções de grande orçamento, pode existir antes da finalização a etapa de

prototipagem dos personagens em argila.

Além do processo de desenvolvimento de personagens, cenários, adereços e

de representação de cenas, existe ainda uma importante etapa de desenvolvimento

visual chamada de color script, que é a definição do esquema de cor para cada

cena do filme, dependendo da atmosfera desejada para cada cena, se violenta e

tensa, pode-se usar cores quentes e saturadas; se, por outro lado, uma cena é

tranquila, pode-se usar um esquema de cores frias. O color script é uma

importante ferramenta na determinação da atmosfera de cada cena e de como as

cenas se relacionam entre si ao longo do filme.

Esse processo é obviamente cortado por tensões diversas, e cada membro da

equipe tenta exercer influência sobre o resultado final. Então, cabe perguntar em

meio a este ambiente altamente competitivo, em que há uma pressão natural por

resultados, como o trabalho do concept artist se ajusta ao projeto. A opção pelo

trabalho de um artista em detrimento de outros deve, em princípio, obedecer às

necessidades estéticas e comunicacionais do projeto. Uma leitura meramente

racionalista do método nos colocaria na posição de pensar que apenas as questões

funcionais são o suficiente para se decidir sobre a escolha de um determinado

design de personagem em detrimento de outro. O desenvolvimento visual dos

personagens do filme Kung Fu Panda descrito anteriormente, demonstra que

existe um grau de subjetividade claro no trabalho de um concept artist. Esta

subjetividade gera uma identidade que interfere diretamente no trabalho. Esta

identidade pode ser exatamente o que faz com que o trabalho daquele artista seja

escolhido no lugar do trabalho de outro. O concept art – assim como o Design ou

a pintura – não é uma Ciência Exata. É uma atividade inserida no universo das

artes visuais, produzida por indivíduos dotados de subjetividade, que se manifesta

de alguma forma no processo. Por mais racionalista que seja o método

empregado, há, no escopo da função, o espaço para a intuição do profissional.

Existe um ponto de encontro entre as necessidades do projeto e a subjetividade do

Page 108: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

108

artista que executa a tarefa. Donis Dondis apresenta uma boa reflexão sobre este

assunto:

A forma do produto final depende daquilo para que ele serve. Mas no que diz

respeito aos problemas mais sutis do design há muitos produtos que podem refletir

as preferências subjetivas do designer e, ainda assim, funcionar perfeitamente bem.

O designer não é o único a enfrentar a questão de se chegar a um meio-termo

quando o que está em pauta é o gosto pessoal. É comum que um artista ou um

escultor tenha que modificar uma obra pelo fato de ter recebido a encomenda de

um cliente que sabe exatamente o que deseja. (DONDIS, 2000, p.11)

É importante ter constantemente em perspectiva que concept art não é um

fim em si mesmo, não importa a maestria técnica com que foram produzidas as

imagens, se em tela, papel ou digitalmente. Apesar de obviamente podermos fruir

as imagens produzidas para filmes de animação em livros e extras dos DVDs, uma

pergunta parece relevante: o resultado final do trabalho de um concept artist é a

imagem produzida por ele, ou os planos, cenas e sequencias do filme em que os

conceitos criados por ele foram utilizados? Esse é um ponto que parece ao mesmo

tempo aproximar o concept artist do ilustrador. O ilustrador não é um artista de

galeria. A fruição integral do seu trabalho só se dá por meio do suporte para o qual

foi produzida a imagem – a página impressa, por exemplo. O resultado do

trabalho de um concept artist também sofre da mesma falta de autonomia. Sua

compreensão só é completa por meio do filme, seu sentido integral não pode ser

percebido sequer a partir dos livros de arte, pois estes proporcionam apenas uma

parte da experiência e, mesmo assim, desprovida da sequencialidade própria da

narrativa. Ou seja, o verdadeiro sentido das imagens de concept art só se completa

quando estão inseridas em uma narrativa.

O concept artist assim como o designer trilha um caminho estreito em que

expressão subjetiva e função objetiva têm que caminhar lado a lado. O concept

artist trabalha com uma forma de expressão que é tida pelo senso comum como

meramente artística; entretanto, sua inserção mercadológica deixa claro que a

atividade está sujeita a pressões por resultados estéticos e comerciais, da mesma

maneira que os profissionais do Design.

Outra questão importante para pensarmos a metodologia do concept art é o

workflow. O trabalho dos pintores e ilustradores é em geral solitário. É sabido que

muitos pintores do passado trabalhavam com assistentes, e ainda hoje esse

procedimento é comum. O mesmo pode-se dizer da ilustração, em que ilustradores

Page 109: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

109

podem ou não fazer uso de assistentes. Entretanto, no Cinema de Animação

comercial norte-americano o trabalho em equipe é praticamente o padrão. Como

vimos anteriormente, as equipes de desenvolvimento visual são numerosas e o

resultado final é o somatório de todos os envolvidos. Essa estrutura de linha de

produção, em que o trabalho é dividido por competências, é uma característica da

forma de produção industrial, como assinala Rafael Cardoso; e nessa transição do

artesanal para o industrial reside a importância de buscar essa aproximação com o

Design. Nas artes plásticas sempre houve casos como o do pintor flamenco Peter

Paul Rubens, que planejava a obra e a executava com a ajuda de assistentes. Na

ilustração, os escritórios especializados trabalham com um workflow coletivo e

dificilmente um trabalho é de autoria individual. Nos casos de finalização em

programas 3D, o processo se assemelha muito ao do Cinema de Animação com a

óbvia diferença que a imagem resultante não é animada. No caso do concept art, o

profissional faz todo o planejamento, mas quem finaliza o trabalho efetivamente

são outros profissionais que estão inseridos nas equipes de produção. Esse

procedimento é um dos pontos que aproxima Design e concept art e afasta o

último de ilustradores e artistas plásticos, apesar de uma série de procedimentos

em comum. Sempre lembrando que essa dissociação entre o planejamento visual e

a produção do filme é uma realidade de uma indústria específica e pode ser

subvertida em outros modelos de produção.

Esta questão se reflete sobre a autoralidade, pois, por mais que um

personagem tenha sido desenvolvido por um único artista, ele terá que se ajustar

ao estilo geral do filme além de ter que ser aprovado pelo diretor. O trabalho do

concept artist, em filmes de animação comercial, é de autoria compartilhada e

depende do problema de comunicação que deve ser resolvido para aquele produto

específico. A solução de problemas é outro aspecto que aproxima o profissional

dessa área do designer.

O concept art recebe influência dos segmentos das artes visuais estudados

até aqui. Não é ilustração, uma vez que os objetivos e os suportes diferem. Não é

artes plásticas, apesar de ter herdado alguns de seus procedimentos e, até mesmo,

estilos. Numa leitura restrita e antiquada também não é Design, mas talvez com a

interpretação mais moderna e ampla deste campo hoje, o concept art possa ser

considerado um segmento do Design tal como o design gráfico, o que sem dúvida

justificaria a mudança de nomenclatura que algumas instituições adotam

Page 110: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

110

substituindo o termo art por Design. Mas também pode ser que seja um ramo

independente, autônomo, com objetivos bem definidos e áreas de atuação claras.

Não está entre as ambições deste trabalho determinar o que é o concept art, mas

apontar caminhos que possam ajudar a ter uma visão mais clara do campo.

3.4. Interseção de conhecimentos

Fruto de uma interseção de diversos saberes oriundos de diferentes áreas,

vimos, entretanto, que o conhecimento sobre concept art difundido principalmente

pela internet é eminentemente performativo, ou seja, tem como finalidade o

incremento de performances voltado exclusivamente para atuação no mercado de

trabalho e desprovido de formação humanística. Mesmo entre as instituições de

ensino presenciais pesquisadas, o foco em conhecimentos que podem ser

mensurados de maneira direta permanece. Não se trata aqui de reduzir a

importância de conhecimentos tais como pintura digital ou desenho anatômico,

que são importantíssimos para o profissional da área. O que se questiona aqui é se

uma grade curricular de um curso presencial ou um processo de aprendizagem on-

line focados única e exclusivamente no incremento de desempenho naquilo que

chamamos, ao longo deste trabalho, de habilidades técnicas de representação é

totalmente capaz de preparar um concept artist para todos os aspectos dessa

atividade. Obviamente, os resultados de instituições com diferentes perfis devem

ser analisados mais cuidadosamente, e um dos itens a ser avaliado é obviamente a

qualidade dos trabalhos realizados pelos alunos. Entretanto, questões como

empregabilidade e ascensão profissional dos egressos precisam ser igualmente

investigadas para avaliar se esses modelos são ou não eficientes.

O Art Center College of Design é um exemplo de grade curricular que reúne

tanto as disciplinas específicas, focadas no incremento de performance

profissional tais como Color Theory for Entertainment, Architecture Design e

Analytical Figure Drawing, quanto disciplinas que visam uma formação mais

ampla e consequentemente menos tecnicistas. Disciplinas como Visual

Comunication Fundamentals, Writing Studio e Business podem parecer

deslocadas a princípio se compararmos com a grade enxuta da Gnomon, mas

Page 111: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

111

certamente essa diversidade aumente as possibilidades de desenvolvimento

profissional e intelectual dos alunos.

Seja qual for a formação dos aspirantes a designers, na indústria da

animação, seu destino será trabalhar nos estúdios de animação em vários

segmentos. No foco específico desta pesquisa – os estúdios de animação

cinematográfica –, vimos que a função é dinâmica e que a estrutura dos

departamentos pode variar bastante de um estúdio para o outro ou até mesmo de

uma produção para outra dentro do mesmo estúdio. O concept artist pode estar

envolvido em qualquer etapa do desenvolvimento visual do filme, mas também

pode ser um profissional especializado em determinado aspecto da produção. Os

exemplos de Hans Bacher, Chen-Yi Chang e Bob Pauley citados no subcapítulo

3.2 são eloquentes. Todos são profissionais com experiência em várias produções

e provavelmente capacitados a assumir diferentes etapas do desenvolvimento

visual de filmes de animação. Entretanto, o concept artist também pode ser um

artista visual de outra área, por exemplo, o cartunista inglês Gerald Scarfe cujo

trabalho foi a inspiração para o filme Hercules, da Disney.

Em comum em todos os casos investigados – filmes da Disney, da Pixar e

da Dreamworks – é a metodologia. A metodologia do concept art é herdeira das

tradições metodológicas das artes plásticas e da ilustração. Não foi possível

detectar nesta pesquisa o quanto da metodologia do Design influênciou o processo

de produção do concept art, entretanto talvez seja mais relevante buscar por

processos metodológicos já testados no ambiente do Design que possam

incrementar ainda mais os processos produtivos em concept art. O ambiente

acadêmico parece o lugar mais indicado para que a reflexão sobre a interseção das

heranças metodológias que incidem sobre o concept art se concretize.

Page 112: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

112

4. O discurso dos profissionais de concept art

O objetivo deste capítulo é fazer emergir a voz dos profissionais de concept

art e conhecer a opinião deles a respeito do campo, tanto no mercado norte-

americano, que tomamos como modelo, quanto no mercado brasileiro. Essa

tomada de relatos apresentou dificuldades diferentes para as duas realidades que

pretendíamos investigar. No caso da indústria norte-americana, a dificuldade de

acesso direto aos profissionais nos levou à busca de meios alternativos ao das

entrevistas e questionários. A principal fonte documental encontrada para atingir o

objetivo proposto foi um vídeo disponível na internet, em que Feng Zhu –

experiente profissional atuante nas indústrias de videogame e de cinema –, faz

uma extensa análise a respeito da função de concept artist, da posição do

profissional no mercado, e da formação da mão de obra.

O mercado brasileiro apresentava problemas de outra ordem. Qualquer

documentação a respeito da atuação de profissionais da área é pouca ou

praticamente inexistente. Entretanto, a proximidade geográfica proporcionou

contato direto com os profissionais de concept art atuantes no mercado local, o

que possibilitou a utilização de entrevistas como ferramenta de pesquisa.

As entrevistas se concentraram no Rio de Janeiro, principalmente por

questões operacionais, e foram entrevistados profissionais atuantes no mercado

tanto como concept artists, quanto como contratantes desses profissionais.

Para realizar as entrevistas, era importante estar dotado de uma visão mais

precisa de como o mercado define a função e do que é esperado do profissional

em termos de habilidades e formação. Buscamos, então, informações nos sites dos

principais estúdios. Infelizmente nem todos os estúdios abriram vagas para artistas

de desenvolvimento visual durante o período de realização da pesquisa, e os perfis

das funções não ficam disponíveis se as vagas também não estiverem. Solicitações

formais foram enviadas aos principais estúdios, mas a maioria não retornou o

contato. Apenas um estúdio retornou o contato, porém a resposta foi negativa. Isso

fez com que a seleção de perfis fosse menos restrita aos estúdios de animação.

Page 113: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

113

Apesar das dificuldades em localizar informação, os dados coletados podem

fornecer um panorama razoável do que é exigido pela indústria.

Não encontramos nenhuma referência documental que pudesse nos auxiliar

na apuração do perfil profissional de concept art no mercado brasileiro. Os dados

foram retirados das seguintes fontes: Creative Skillset37

, E-How Money38

, Blue

Sky39

e Disney40

. As categorias recorrentes em quase todos os perfis são:

descrição da função, habilidades técnicas e formação.

A nomenclatura – como foi verificado durante a pesquisa –, não é unificada

em absoluto. Cada empresa designa a função de acordo com os seus critérios

próprios. Entretanto, é interessante notar que os sites independentes, que não estão

atrelados a nenhum estúdio, nomeiam o campo como concept art. É o caso do

Creative Skillset, site especializado em perfis profissionais da indústria criativa, e

do E-How Money, site que, como o próprio nome já deixa claro, é voltado para

esclarecimento sobre diferentes atividades profissionais. Na Blue Sky, o termo

utilizado é designer e na Disney, é visual development artist and painter, termo

que foi utilizado no estúdio durante toda a fase dos anos de 1990, conforme visto

nos capítulos anteriores.

Entretanto, se a nomenclatura pode variar muito de uma fonte para outra, as

descrições de função, mesmo não sendo idênticas, apresentam pontos em comum.

Todas ressaltam o fato de que o concept artist é aquele que, sob a supervisão do

production designer, desenvolve personagens, cenários, adereços, esquemas de

cor, enfim, tudo aquilo que faz parte da concepção visual do filme.

O perfil de função mais detalhado é do site Creative Skillset. Além da

descrição de quais são os itens que um concept artist desenvolve em uma

produção, o site ainda destaca o fato de que o profissional da área é especializado,

trabalha em regime profissional freelance e que a demanda por este tipo de

trabalho é limitada. O perfil do Creative Skillset destaca ainda que, nas produções

de grande orçamento, uma equipe de profissionais de concept art é contratada,

ficando cada um responsável por um determinado aspecto visual do filme, tais

como veículos, personagem, criaturas etc.

37

http://www.creativeskillset.org/film/jobs/productiondesign/article_4680_1.asp. Acesso

em: 28/04/2013. 38

http://www.ehow.com/facts_5618539_job-description-concept-artist.html. Acesso em:

29/04/2013. 39

http://blueskystudios.com/jobs/. Acesso em: 29/04/2013. 40

http://disneycareers.com/en/default/. Acesso em: 29/04/2013.

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114

Algo que salta a vista em todos os textos é a solicitação de habilidades

técnicas, tais como perspectiva, desenho de figura humana e de ambientes. A

capacidade de representação figurativa está clara em quesitos tais como desenho

de figura humana e perspectiva. Diz-se figurativa, e não realista, porque o Cinema

de Animação trabalha mais frequentemente com a expressividade, como o cartum,

do que com a simples reprodução do real.

O conhecimento sobre cores também é citado entre as habilidades desejadas

em três dos quatro perfis. Entretanto, apesar do Creative Skillset não citar este

conhecimento nominalmente, esse parece estar embutido na exigência por

excelent illustration skills. Outra que aparece em três dos quatro perfis é o

conhecimento dos programas de edição de imagem e pintura digital. Apenas a

Disney não colocou a operação no Adobe Photoshop como pré-requisito. A Blue

Sky destacou como desejável o conhecimento em Maya. O E-How também

acrescentou o Maya à lista, além do Google Sketch Up e do Painter, este também

citado pela Creative Skillet. Podemos fazer uma ponte aqui com o pensamento de

Lyotard, abordado no subcapítulo sessão 3.1. O filósofo fala que o conhecimento

é dotado de valor em função de sua operacionalidade. Não apenas a operação de

programas gráficos, mas a ênfase nas técnicas de representação artística também

está inserida no mesmo contexto de um conhecimento mensurável e instrumental.

O trabalho em equipe é outro item importante, tendo sido citado em dois dos

quatro perfis coletados: Creative Skillset e Blue Sky. Ao levarmos em

consideração a quantidade de profissionais envolvidos nas produções dos grandes

estúdios, torna-se totalmente compreensível esta exigência. Conforme veremos no

subcapítulo 4.1, Feng Zhu também ressalta que o trabalho de concept art é feito

em equipes que normalmente são reunidas na fase de pré-produção por um

período de dois a seis meses.

A formação training and qualifications foi a última categoria identificada a

partir dos perfis coletados. Apenas a Disney não exigiu nenhum tipo de curso de

formação no perfil profissional. Entretanto, é preciso levar em conta que este

perfil está disponível no site mesmo sem haver qualquer vaga em aberto para a

área. É possível que, no caso de haver disponibilidade de vagas, outras exigências

sejam feitas aos candidatos.

Todos os outros perfis citam como exigência cursos ligados às Artes

Visuais. O Creative Skillset recomenda cursos nas áreas de Belas Artes, Ilustração

Page 115: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

115

e Artes Gráficas. O E-How assinala que muitas empresas cobram de seus

candidatos cursos de certificação ou graduação nas áreas de Belas Artes, Design

Gráfico, Arte Digital, Ilustração, Animação ou qualquer área relacionada ao

universo das Artes Visuais.

A Blue Sky exige graduação nas áreas de Desenho Industrial, Pintura ou

qualquer área relacionada às Artes Visuais. A empresa ainda exige entre dois e

cinco anos de experiência profissional com desenvolvimento visual nas áreas de

Animação, Computação Gráfica ou Videogames.

Uma vez conhecido em linhas gerais quais são as exigências do mercado

norte-americano para esses profissionais e principalmente quais as atribuições da

função, podemos nos debruçar sobre a visão dos próprios concept artists a

respeito de sua atividade profissional.

4.1 Feng Zhu: a visão de um profissional da indústria norte-americana

Feng Zhu é uma das referências do concept art, atuando principalmente no

mercado norte-americano de entretenimento. Participou como concept artist das

equipes de produção de blockbusters do cinema como Transformers e Star Wars

Episode I, além de várias produções de peso na indústria de games. Ele também é

fundador da FZD School em Cingapura, uma das poucas escolas no mundo

especializada em concept art. Além disso, Feng Zhu disponibiliza uma série de

tutoriais on-line onde ensina técnicas de concept art e pintura digital. No episódio

5341

de seus vídeos tutoriais, Feng Zhu faz uma extensa comparação entre

Ilustração e o que ele chama de Industrial Design. É importante tentarmos deduzir

o que exatamente Feng Zhu está chamando de Industrial Design.

Feng Zhu relata que estudou Industrial Design no Art Center College of

Design, em Pasadena, Califórnia, tendo assistido classes de Ilustração durante o

curso. Entretanto, não foi encontrado no site da instituição o curso de Industrial

Design a que Feng Zhu se refere. Alguns cursos apresentam o termo design, a

saber: Entertainment Design, Environment Design, Graphic Design, Interaction

Design, Product Design e Transportation Design. Pelo discurso adotado por Feng

41

Zhu Feng. Ilustration & Industrial Design. Disponível em:

http://www.youtube.com/watch?v=3TVji_fiKsw&list=UUbdyjrrJAjDIACjCsjAGFAA&in

dex=13. Acesso em: 29/03/2013.

Page 116: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

116

Zhu durante todo o vídeo, parece razoável deduzir que o curso no qual o artista

concluiu sua formação acadêmica foi o de Product Design, uma vez que Feng Zhu

atribui grande importância à habilidade em projetar aquilo que ele chama de hard

surfaces, ou seja, objetos tecnológicos produzidos pelo homem.

Ele parece utilizar o termo de forma um tanto genérica de início, mas depois

torna a utilização mais precisa, ao dizer que o foco do vídeo é a indústria do

entretenimento e não a indústria de carros ou produtos.

Feng Zhu define os termos que utiliza com pouca precisão e talvez as

categorias sejam, por vezes, demasiado amplas. Ele parece mais interessado na

descrição de seus conceitos do que na criação de uma nomenclatura precisa e

cientificamente fundamentada. Entretanto, o que realmente interessa é que Feng

Zhu separa duas atividades que estão contidas genericamente naquilo que

chamamos de concept art. Para ele, a área se divide em projetos de hard surfaces

e projetos de soft surfaces.

Os projetos de hard surfaces são aqueles que envolvem máquinas e objetos

técnicos produzidos pelo homem e, segundo Feng Zhu, esses projetos são feitos

por industrial designers, como ele. As soft surfaces são aquelas superfícies

orgânicas – como figurino, figura humana e animais –, e seriam executadas

preferencialmente por profissionais com formação em Ilustração. Salta aos olhos o

fato de Feng Zhu separar Ilustração e o que ele chama de Industrial Design

voltado para a indústria do entretenimento, como sendo áreas totalmente distintas:

[…] from an outsider point of view these two industries appears to be very similar.

Illustration and industrial design both use drawings to communicate any idea.

However, from a core perspective, the two sides are actually very, very deferent

from each other.

A primeira grande diferença que Feng Zhu destaca entre as duas áreas é que,

segundo ele, em Ilustração o trabalho é produzido diretamente para o consumidor.

A ilustração é exatamente aquilo com que o consumidor vai interagir, ela é o

trabalho final. Quando um ilustrador é comissionado para um trabalho, seja qual

for – cartaz, capa de livro etc. –, a ilustração será o trabalho final e aquilo que vai

chegar às mãos do cliente seja qual for o suporte:

Page 117: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

117

This main difference is that – let me put the pipeline. ok! –, is that illustration is

produce directly for the consumer. The consumer can see this illustration. That is

exactly what the eyeball is seeing. And also, the money is attached directly to these

illustrations.

No Industrial Design o processo é oposto, uma vez que as artes de produção

não chegam ao consumidor médio de filmes e games. O consumidor deve

empreender um esforço para ter acesso a essas artes por meio de livros de arte ou

vídeos de making of que tornem explícito o processo de produção.

Segundo Feng Zhu, a etapa de industrial design na produção de um filme ou

de um videogame dura aproximadamente de dois a seis meses de um período total

de produção que, em média, dura entre dois e três anos, podendo chegar a cinco

anos.

A equipe de industrial design trabalha na etapa de pré-produção, e nesse

espaço de tempo – entre dois e seis meses – deve desenvolver todo o design do

produto, ou seja, cenário, adereços, maquinário etc. Depois de concluído o

processo de aprovação, as artes desenvolvidas pela equipe serão trabalhadas pelos

modeladores, texturizadores, animadores etc. E, finalmente, na pós-produção o

material animado será enviado para a equipe de efeitos visuais e montagem.

For us in industrial design our main focus is not the artwork but the products here,

the end result. So we don’t have this here, this artwork to consumer. This is not

here, the consumer never gets to see the artwork behind Assassin’s Creed, behind

Transformers, right? […] They have to go to behind the scenes book, or “ art of”

books. But the average consumer, the average movie goer or the video game

players, they not thick care less what the artwork looks like.

Para Feng Zhu, então, o produto final é o jogo ou o filme pelo qual

efetivamente o consumidor final paga para ter acesso e não o concept art que foi

desenvolvido como etapa do projeto. Ele conclui seu raciocínio com a constatação

de que, no caso da Ilustração, ao destruirmos a peça artística estamos destruindo o

produto em si, mas, ao destruirmos um desenho de produção, o produto final fica

intacto. Nesse ponto, o discurso de Feng Zhu coincide com o de Rafael Cardoso,

ao afirmar que o produto final do trabalho do concept artist não é o desenho ou

ilustração produzida, mas o filme ou o videogame pronto. Cardoso afirma que

uma das características do trabalho do designer é produzir planos, esboços ou

modelos para a realização de produtos (DENIS, 1984. p. 20), o que caracteriza o

Page 118: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

118

projetual da atividade. O concept artist faz o mesmo ao desenvolver conceitos

visuais para personagens, cenários e adereços, mas não podemos incorrer no erro

de achar que o trabalho tanto do designer quanto do concept artist se resume

apenas a esse aspecto.

A segunda parte da análise de Feng Zhu se concentra na formação

acadêmica de ilustradores e industrial designers. Mais uma vez, ele lembra sobre

as muitas e possíveis interseções entre as duas áreas, também no que tange à

Educação, e que sua análise é eminentemente generalista. Em primeiro lugar,

Feng Zhu apresenta alguns dos principais temas ensinados em escolas de

Ilustração: pintura de paisagens, cópias dos grandes mestres, escultura, desenho de

modelo vivo, naturezas mortas e retratos.

Após esses temas, Feng Zhu destaca as seguintes categorias:

Personal expression – individualism

Personal style

Technical skills (heavy focus in anatomy & figures)

Different mediums

Experimentation

Self promotion – gallery

As duas primeiras categorias são, para Feng Zhu, essenciais para

ilustradores, uma vez que, na opinião dele, quando o cliente contrata o

profissional de Ilustração, ele o faz por causa do estilo pessoal daquele artista. A

peça final de um ilustrador traz parte dele expressa no trabalho, e isso faz com que

o desenvolvimento de um estilo pessoal seja importante na educação de um

ilustrador.

É importante relativizar essa afirmação de Feng Zhu. Afirmar que todos os

ilustradores têm que necessariamente ter um estilo pessoal e inconfundível é

ignorar pelo menos o segmento de ilustração publicitária, em que, dependendo da

natureza do trabalho, o estilo pessoal sequer faz parte do projeto. Qualquer

campanha em que o hiper-realismo seja exigência para a divulgação do produto

ou serviço tem como meta a verossimilhança e não a expressividade.

A categoria technical skills também é um ponto importante no processo de

educação de um ilustrador, com foco pesado em representação da figura humana e

Page 119: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

119

anatomia. Feng Zhu fundamenta sua argumentação com os exemplos de trabalhos

que são, na maioria, orientados para o estudo e o desenvolvimento de figura

humana e personagens. Todos os exemplos utilizados por ele são figurativos e

realistas, o que nos leva a relacionar o que Feng Zhu entende como technicall

skills, com o que se definiu no capítulo dois como habilidades técnicas de

representação figurativa, ou seja, a capacidade de concept artists e de ilustradores

representarem o mundo a sua volta não importando, nesse caso, o estilo utilizado,

se cartum ou hiper-realismo, se expressionismo ou classicismo.

A quarta categoria, different mediums, estaria, segundo ele, diretamente

ligada à questão do estilo pessoal, uma vez que a escolha dos materiais com os

quais trabalha o artista está ligada ao seu estilo pessoal. Há um número infinito de

possibilidades de materiais, desde pastel, carvão, aquarela, guache, óleo, até a

inclusão de materiais diretamente na ilustração, como um pedaço de metal. O

material escolhido faz parte do estilo do ilustrador e tanto o consumidor quanto

um colecionador vão comprar a arte por causa desse estilo.

Feng Zhu chama a atenção ainda para o fato de que um ilustrador pode ser

contratado para um determinado veículo – ele próprio cita a revista The New

Yorker – pelo seu estilo de desenhar personagens, por exemplo, que pode ser

totalmente diferente do estilo de outro ilustrador que realize a mesma atividade.

A experimentação com diferentes estilos remete à quinta categoria,

experimentation, que para Feng Zhu é muito importante no processo de formação

de um ilustrador. A última categoria formulada é a autopromoção, self promotion,

na qual o profissional de Ilustração tem que investir muito tempo e energia, uma

vez que o trabalho de um ilustrador é a sua fonte de renda. Pelo menos no caso do

concept art para Cinema de Animação essa afirmação de Feng Zhu não se aplica

integralmente, pois a maioria dos artistas de renome na indústria têm blogues e

sites de autopromoção, e muitos participam de exposições e publicam livros. Um

exemplo recente é o livro Moonshadow, que reunia os trabalhos pessoais de

concept artists que atuaram em produções da Dreamworks.

Na terceira parte de sua análise, Feng Zhu se dedica à questão do plano de

carreira (career), em quais são as possibilidades de colocação no mercado tanto

para ilustradores quanto para industrial designers.

Mais uma vez, Feng Zhu ressalta que os ilustradores estão normalmente

mais ligados àquilo que ele chama de soft surface – personagens, criaturas,

Page 120: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

120

figurinos e paisagens. O desenvolvimento de personagens é um dos principais

focos de mercado para ilustradores, segundo Feng Zhu.

Exatamente como nas outras duas partes de sua análise, Feng Zhu, aqui

também, estabelece uma série de categorias tanto para Ilustração quanto para

Industrial Design. Para o planejamento de carreira de um ilustrador, ele destaca as

seguintes categorias:

Famous illustrator – galleries & books

Book/Movie/Film – posters & covers

Marketing art

Key animator / Creative art director

Layout – Color key – Mood paintings

Costume & Character designer

Na primeira categoria, Feng Zhu volta à questão de a notoriedade ser um

diferencial importante para um ilustrador, pois o cliente procura pelo trabalho de

ilustradores como Frank Frazzetta e Norman Rockwell, porque querem os

trabalhos desses ilustradores e não de outro qualquer. A questão da notoriedade

nos remete também à questão do estilo que Feng Zhu aborda na parte dedicada à

formação profissional. Segundo ele, o nome de um ilustrador pode fazer parte do

marketing de uma peça, ao contrário do que normalmente acontece com um

industrial designer, cujo nome não é importante e sim o seu portfólio. Isso faz

com que a visibilidade seja um fator essencial e exposições e livros de arte sejam

instrumentos valiosos na divulgação do trabalho de um ilustrador.

As duas categorias seguintes dizem respeito à colaboração na produção de

livros, revistas, pôsteres e ao que Feng Zhu chama de marketing art, e que nós

poderíamos associar às cadeias produtivas de design promocional e design de

embalagens. Feng Zhu cita o exemplo dos concepts feitos por ele para o filme

Transformers, no qual o produto final do seu trabalho foram os típicos model

sheets para design de personagens: vista frontal, perfil, três quartos e posterior.

Para Feng Zhu, essas imagens seriam extremamente desinteressantes para o uso

em peças de marketing, o que leva à contratação de um ilustrador que está

preocupado em como determinado tema pode ficar mais interessante para o

consumidor em vez de estar focado em questões de Design e funcionalidade.

Page 121: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

121

As três últimas categorias com que Feng Zhu trabalha a seguir são de

especial interesse para este trabalho, uma vez que ele as define como sendo

funções intrínsecas a estúdios como Disney, Dreamworks e Pixar.

Ele destaca a princípio a função de key animator42

como sendo uma

possibilidade de carreira para ilustradores, e em seguida define as tarefas de um

creative art director. Esta função não é muito desenvolvida por Feng Zhu,

limitando-se ele a definir esse profissional como sendo aquele que diz a outros

artistas como deve ser o design e a paleta de cores de um produto específico.

Em sua categoria seguinte, Feng Zhu acumula três atividades – layout, color

key e mood paintings – e informa que grande número de ilustradores é contratado

contratado pelos grandes estúdios de animação para desenvolverem o tom, as

cores e a atmosfera dos filmes. Para tanto, eles devem ter um ótimo conhecimento

sobre iluminação, sobre emoções e expressões, conhecimentos esses que os

ilustradores normalmente trabalham em sua formação, segundo Feng Zhu.

Finalmente, na última categoria, Feng Zhu não define, mas apenas cita

Costume & Character design, reafirmando que todas são do tipo soft surface.

Para o industrial designer, Feng Zhu estabelece as seguintes possibilidades

de carreira:

Design environments, props, sets, vehicles

Video games, FX Studios, films

Product design, toys, theme parks

Production designer

Concept department

Architecture, military, interior designs

Mais uma vez Feng Zhu reforça a questão do hard surface como sendo o

território do industrial designer, podendo esse profissional trabalhar com

personagens ou figurino, mas, normalmente, estando ele ligado ao

desenvolvimento de ambientes, veículos e adereços.

Para Feng Zhu, o mercado para este profissional é bem amplo, começando –

como vemos na listagem acima – na indústria do entretenimento e chegando até o

42

No processo de animação tradicional, Key Animator é aquele que executa os keyframes,

que depois serão enviados ao inbetweener, que colocará os intervalos entre os keyframes.

Page 122: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

122

design do mundo real – design de interiores, por exemplo, e encerra suas

considerações reafirmando que para ele a principal diferença entre ilustrador e

industrial designer é a questão do produto final. O trabalho do ilustrador é o

produto final enquanto o do industrial designer não é.

Por fim, Feng Zhu enumera as categorias que ele considera importantes para

a formação de um industrial designer voltado para a indústria do entretenimento.

Uma arte finalizada de um industrial designer é utilizada como parte do

processo, tanto para as equipes de produção quanto na aprovação de orçamentos

para um filme, servindo como referência para os produtores e investidores

entenderem qual será o estilo visual do filme.

Feng Zhu destaca as seguintes categorias para o industrial design voltado

para a indústria do entretenimento:

Industry techniques

Common workflow

Focus on problem solving & Design

Fundamentals (heavy on ccience)

Understanding pipeline

Mass consumer focused

A primeira categoria, industry techniques, é ligada ao desenvolvimento de

máquinas, como estas máquinas são e qual a sua funcionalidade, além disso, está

diretamente conectada à categoria seguinte, common workflow.

A questão do common workflow é relacionada com a expressão pessoal que

Feng Zhu considera como sendo vital para o ilustrador, mas que não tem grande

importância para o industrial designer. Não é importante para um industrial

designer desenhar com um estilo pessoal que se destaque dos outros profissionais

da área. Ele afirma que, pelo contrário, muitos designers têm trabalhos muito

semelhantes, quase idênticos e cita nomes como Syd Mead, Joe Johnston e ele

próprio, que desenham inclusive com praticamente os mesmos materiais, não

tentando realizar trabalhos com diferentes estilos uns dos outros simplesmente

porque não é por isso que eles são contratados. Os clientes os contratam por causa

do conteúdo dos seus trabalhos, o que está acontecendo, ou por qual o design está

expresso no desenho. Por isso, segundo Feng Zhu, as escolas de Industrial Design

Page 123: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

123

ensinam basicamente as mesmas técnicas e a utilização dos mesmos materiais, o

que faz inclusive com que os trabalhos dos egressos dos cursos destas escolas

sejam extremamente semelhantes. O trabalho do concept artist é de autoria

compartilhada, e mesmo que o artista encontre uma zona não explorada na qual

ele colocará sua subjetividade, é evidente que, em um filme de grande orçamento,

o que está em jogo é mais do que a autoexpressão.

A terceira categoria que Zhu aponta como vital para o industrial designer é

problem solving ou solução de problemas, em português. Esta, aliás, é uma

categoria importante no Design como um todo. A funcionalidade é importante no

trabalho de industrial designer, determinar como as coisas funcionam, se um carro

é movido à bateria ou a vapor. Como foi exposto no subcapítulo 4.2, a solução de

problemas é uma das principais questões do Design. Tanto em autores clássicos

como Bruno Munari quanto em autores contemporâneos como Ambrose & Harris,

esta é uma das facetas mais importantes do campo, e Feng Zhu se alinha com esta

linha de pensamento ao afirmar que o concept art também é uma atividade que

visa solucionar problemas.

Quanto à categoria fundamentals, Feng Zhu destaca questões científicas,

perspectiva, como a luz afeta diferentes superfícies com diferentes colorações.

Obviamente, Ilustração também tem sua parte científica em questões ligadas

principalmente à anatomia. Feng Zhu afirma que a Ilustração lida com o que ele

chama de soft surface – criaturas e personagens – e o industrial design com hard

surfaces – máquinas, equipamentos e ambientes.

A questão de representação de materiais também é levantada por Feng Zhu.

Os ilustradores seriam mais focados em pele, pelos, tecidos enquanto os industrial

designers estariam mais focados em materiais tais como plástico e metal. Neste

ponto, cabe ampliarmos e refletirmos sobre o conceito de representação. A palavra

representação tem várias definições, entretanto, o Dicionário Houaiss nos fornece

duas de particular interesse: “ideia ou imagem que concebemos do mundo ou de

algo” e “reprodução em imagem, figura ou símbolo” (HOUAISS e VILLAR,

2001, p.647). O concept artist produz imagens que têm referência no mundo real e

que representam alguma coisa. As imagens de um concept artist são signos de

algo, e em muitos casos são signos de algo que não existe no mundo real. A

questão é se poderíamos dizer que o concept artist cria signos que representam

Page 124: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

124

conceitos. Donis Dondis explica a questão da representação através do exemplo

de reconhecimento de um pássaro:

A categoria geral total do pássaro é definida em termos visuais elementares. Um

pássaro pode ser identificado através de uma forma geral, e de características

lineares e detalhadas. Todos os pássaros compartilham referentes visuais comuns

dentro dessa categoria mais ampla. Em termos predominantemente

representacionais, porém, os pássaros se inserem em classificações individuais, e o

conhecimento de detalhes mais sutis de cor, proporção, tamanho, movimento e

sinais específicos são necessários para que possamos distinguir uma gaivota de

uma cegonha, ou um pombo de um gaio. (DONDIS, 2000, p.87)

Esse processo de identificação, segundo Dondis, chega até o processo cada

vez mais detalhado de diferenciação entre indivíduos de uma mesma espécie,

possuidores de características comuns. A câmera fotográfica e o artista são

privilegiados no que diz respeito à capacidade de representar o mundo à sua volta.

Quando um artista produz uma imagem realista, podemos dizer que seu objetivo

era se aproximar ao máximo daquilo que foi representado.

Há ainda mais duas categorias levantadas por Dondis que são

importantíssimas para o concept artist que trabalha para o Cinema de Animação:

interpretação e abstração. A primeira categoria garante a unicidade das imagens

criadas por um artista específico. A segunda seria representativa da exacerbação

de determinadas características e a supressão de outras, consideradas menos

importantes pelo artista. Obviamente, nesse caso, temos também a interpretação

do artista agindo durante o processo de representação. O filme Como Treinar seu

Dragão, da Dreamworks Animation, é um exemplo bastante eloquente desse

processo de representação daquilo que não existe. Como o próprio título nos

informa, o filme trata de dragões, criaturas mitológicas que, até onde sabemos,

nunca existiram. Entretanto existe uma numerosa iconografia formada a respeito

de dragões e essas criaturas estão mais do que integradas à imaginação coletiva.

Um dos desafios da equipe de arte do filme era fazer dragões diferentes de tudo

que houvesse sido feito antes, já que a intenção era não trabalhar como modelo

clássico de dragão comumente trabalhado na mídia. O caso mais eloquente do

processo de representação do irreal a que estamos nos referindo é o

desenvolvimento visual do personagem Banguela, um dragão da espécie “fúria da

noite” que se torna o melhor amigo de Soluço, protagonista do filme. No making

of, a técnica artística do dragão no DVD de Como treinar seu dragão, o codiretor

Page 125: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

125

Dean Deblois diz que a equipe de arte buscou referência em mamíferos como

lobos e, principalmente, em felinos como a pantera negra. No livro The art of how

to train your dragon, Deblois amplia nossa visão sobre o processo criativo do

“fúria da noite”:

His color was inspired by a black panther screensaver on one o four story artist’s

monitors. That image was striking and electrifying, with those eyes staring out

from the darkest black face. (Zarneke, 2010, p.27)

Na árdua tarefa de encontrar uma aparência nova para algo que já está

visualmente consolidado os artistas foram além dos répteis – referências naturais

para o gênero –, e foram buscar sua inspiração entre os mamíferos. Partiram de

um conceito abstrato e desenvolveram uma representação nova para a criatura

mítica. Partiram de criaturas existentes para representar o que não existe. Pelo

menos no caso da Animação, a questão da representação não parece em princípio

estar diretamente ligada ao realismo. Algo pode ser representado em um estilo

cartum e ainda assim ser identificado como sendo aquela coisa e não outra

qualquer.

A categoria seguinte analisada por Feng Zhu, pipeline, diz respeito

diretamente ao método de produção e destaca o fato de o ilustrador trabalhar na

maioria dos casos sozinho, enquanto o industrial designer normalmente está

inserido em um esquema de produção que inclui centenas de pessoas. No

subcapítulo 3.2, foi apontado que o concept art está inserido em um processo

coletivo de produção. As equipes de direção de arte das grandes produções da

Pixar, por exemplo, contam com mais de 20 profissionais na área de

desenvolvimento visual. É neste sistema de linha de produção que está inserido o

concept artist.

Mass consumer focused é a última categoria com que Feng Zhu trabalha,

abordando a questão do tamanho do mercado em que cada área está envolvida.

Para Feng Zhu, o industrial designer sempre está envolvido em um projeto que

tem como objetivo atingir milhões de pessoas, enquanto para o ilustrador isso

pode nem sempre ser o caso. Este profissional pode trabalhar para mercados muito

menores, como galerias, por exemplo. Como já destacamos antes, o trabalho de

um concept artist chega a audiências na casa dos milhões de espectadores através

dos filmes nos quais ele trabalha. Mesmo esse trabalho sendo de certa forma

Page 126: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

126

invisível, uma vez que está entranhado no processo de produção do filme, não

chegando ao grande público de forma espontânea.

Olhando em perspectiva para os comentários de Feng Zhu, consideraremos

que, ao fazer uso do termo industrial design, ele está se referindo a uma atividade

projetual desenvolvida no ambiente da indústria do entretenimento.

A primeira questão que devemos analisar é a nomenclatura. Durante o

episódio 53 em nenhum momento ele utiliza o termo concept art. É importante

relembrarmos os nomes utilizados por algumas instituições de ensino pesquisadas

para nomear os cursos especializados na área. No Art Center College de Pasadena

o curso é chamado de Entertainment Design, no The Art Department é

Entertainment Development, na Gnomon é Entertanment Design e na FZD de

Feng Zhu é chamado de Industrial Design.

Algo que parece um tanto equivocado é a interpretação de Feng Zhu sobre a

questão da reprodução em Ilustração. Um ilustrador é um profissional que

trabalha em um projeto. Feng Zhu parece não considerar um fato relevante

levantado por Rui de Oliveira: “o conceito de original para o ilustrador está

representado no múltiplo, isto é, na reprodução industrial de sua ilustração”

(OLIVEIRA, 2008, p.46). O consumidor final não tem acesso à arte do ilustrador,

como afirma Feng Zhu, o consumidor final tem acesso a uma cópia do trabalho

dentre milhares de outras. Para ser inserida no projeto, essa ilustração sofrerá

interferências da tipografia e da diagramação da página, podendo inclusive ser

mutilada para atender às necessidades do projeto gráfico, ao qual normalmente o

ilustrador está submetido. Obviamente, Feng Zhu está certo em relação ao fato de

que o concept art nunca é inserido no trabalho, como é o caso da Ilustração. O

concept art é parte do desenvolvimento, mas não do produto final. O produto final

é o filme com os personagens atuando e a história sendo contada. O concept art é

apenas uma etapa do processo de desenvolvimento visual de personagens,

cenários e adereços que serão finalizados em diferentes técnicas, tais como mate

painting, modelagem, texturização e animação.

Podemos resumir esta questão do acesso à obra da seguinte forma: uma obra

tradicional de Artes Plásticas é produzida para ser fruída diretamente pelo

espectador, de maneira presencial no museu, na galeria, enfim, onde ela esteja

fixada. Uma ilustração é fruída de maneira indireta, pois o espectador tem acesso

à obra apenas através de suas cópias, não interagindo o original, como é o caso

Page 127: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

127

das Artes Plásticas. O ilustrador deve pensar o seu trabalho em função desta

mediação por parte do veículo no qual a obra se insere. O concept art, por sua vez,

não interage diretamente com o espectador. O espectador terá acesso ao filme no

qual o conceito visual foi inserido, mas não ao concept art propriamente dito.

Outra questão importante é o fato de Feng Zhu colocar ilustração e concept

art como atividades distintas. Ao se referir à área com industrial design ele

estabelece uma divisão clara para algo que parece tão imbricado no processo. Esse

é um ponto problemático, porque, ao mesmo tempo, Feng Zhu se refere a

atividades identificadas com concept art, tais como design de personagens e

figurino como sendo atuações típicas de um ilustrador, sem definir se ele

considera essas atividades como parte de uma mesma área. A observação dos

créditos finais de algumas produções da área de animação não evidenciou

qualquer tipo de separação dessa natureza. Mesmo nos filmes mais recentes da

Pixar, por exemplo, não foi encontrado qualquer tipo de separação entre soft

surfaces e hard surfaces, que Feng Zhu cita. Mesmo em Wall-e – filme que em

função da temática tem forte identidade com aquilo a que Feng Zhu chama de

hard surfaces –, não há qualquer tipo de referência a uma possível separação da

equipe entre ilustradores e industrial designers. Entretanto, é óbvio que na gestão

de qualquer equipe se aloca as tarefas de acordo com os profissionais, tentando

extrair o melhor desempenho de cada um.

Um ponto no qual Feng Zhu insiste durante toda a sua explanação no vídeo

é o da necessidade de notoriedade do ilustrador. Esta é uma questão que Feng Zhu

não parece analisar em profundidade e não fica suficientemente claro o conceito

de notoriedade com que ele trabalha. Vale lembrar, como foi comentado

anteriormente, que nem todo ilustrador depende de notoriedade a exemplo do

segmento de ilustração publicitária, no qual os ilustradores dificilmente são

identificados pelo nome. Por outro lado, o próprio Feng Zhu, que se coloca como

integrante de um segmento onde o anonimato não faz diferença, nos dias atuais

está longe de ser um desconhecido. Sua notoriedade é grande e seus vídeos

tutoriais são mais do que conhecidos no meio.

Page 128: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

128

4.2 Animação brasileira: um contexto particular de observação

Ao longo deste trabalho vários conceitos foram investigados com o objetivo

de desenhar contornos mais nítidos para o concept art. No que tange às questões

de mercado, toda a investigação foi feita tendo como base a indústria norte-

americana de cinema de animação, que é a referência mundial na área. Entretanto

fazia-se necessário investigar a realidade local primeiro para ter um vislumbre de

qual seria o status da profissão entre os profissionais brasileiros. Além disso, era

importante ter relatos em primeira sobre os processos produtivos da função, uma

vez que na pesquisa sobre a indústria norte-americana não houve acesso direto aos

profissionais da área.

Obviamente uma investigação de cunho nacional seria inviável, então se

optou por entrevistas com profissionais que atuam no Rio de Janeiro. Os

entrevistados foram selecionados a partir da experiência no mercado ou do seu

conhecimento sobre animação. O perfil tinha que ser variado por duas razões. A

primeira pela própria escassez deste profissional na realidade de mercado local e a

segunda para que diferentes opiniões fossem coletadas a respeito do tema.

Também neste ponto da pesquisa o objeto original – cinema de animação de

longa-metragem - teve que ser ampliado, uma vez que mesmo com o aumento no

volume de produções nacionais ainda estamos longe do número de filmes

produzidos na indústria estadunidense, o que torna mais difícil localizar

profissionais que sejam especializados em concept art para este tipo de produção.

Os profissionais selecionados atuam em áreas diversas como séries para televisão,

filmes publicitários e produções autorais. A entrevista foi formulada a partir das

questões abordadas ao longo da pesquisa e foi dividida em cinco grandes blocos:

Conceito – este bloco apresentou questões abrangentes sobre o concept art;

Processo – qual a metodologia de trabalho em concept art;

Autoriae/autonomia – qual o grau de autoria do profissional de concept art;

Mercado – quais as possibilidades de atuação do concept artist no mercado;

Formação – qual a formação dos concept artists no Brasil.

Estes eixos contemplam — mesmo que de maneira indireta — questões

evidenciadas na pesquisa, tais como materialidade, narrativa, habilidades técnicas

dentre outras.

Page 129: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

129

As perguntas foram formuladas e agrupadas nestes eixos conforme suas

características. Havia uma primeira pergunta sobre a formação e a experiência

profissional do entrevistado que não será considerada aqui por ter a função muito

específica de registrar a expertise do entrevistado e promover uma aproximação

entre entrevistado e entrevistador. O tempo total das entrevistas foi de

aproximadamente uma hora, com pequenas variações para mais ou para menos.

Apresentamos a seguir os perfis dos entrevistados:

Andres Lieban tem formação em Artes Plásticas. Argentino de

nascimento veio para o Brasil ainda criança e residiu em Porto

Alegre. Naquela cidade, Andres fundou o Laboratório de Desenhos e

trabalhou com ilustração e animação para publicidade.

Posteriormente, Andres mudou-se para o Rio de Janeiro, onde

fundou com Andre Breitman o 2D Lab, estúdio especializado em

produção de conteúdo audiovisual. Andres é o criador e diretor da

série de animação Meu Amigãozão, exibida pelo canal de TV por

assinatura Discovery Kids.

Cesar Coelho abandonou a Engenharia para se tornar ilustrador e

cartunista. Sua formação em Animação aconteceu no Núcleo de

Animação da Embrafilme entre 1985 e 1987. É sócio da produtora

de filmes Campo 4 Desenhos Animados, onde desenvolveu ao lado

de Aída Queiroz filmes animados para publicidade, vinhetas e

aberturas para programas de televisão e curtas autorais. Cesar

Coelho é professor de animação e foi docente na Pós-graduação em

Animação da PUC - RJ. É um dos fundadores do Anima Mundi —

Festival Internacional de Animação — ao lado de Marcos

Magalhães, Aída Queiroz e Lea Zagury.

Marcos Magalhães é mestre em Design, animador e diretor de

animação. Em 1982 seu curta-metragem Meow foi agraciado com o

Prêmio Especial do Júri no Festival de Cannes e, em 1983, Marcos

fez um estágio no National Film Board do Canadá, onde produziu o

curta Animando. Marcos foi coordenador do Núcleo de Animação da

Embrafilme entre 1985 e 1987, projeto responsável pela formação de

uma importante geração de animadores brasileiros. Com grande

Page 130: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

130

experiência no ensino de Animação, Marcos é professor na PUC-RJ,

instituição onde foi coordenador do curso de Pós-graduação em

Animação.

Paulo Visgueiro é bacharel em Design e trabalhou com concept art

na série Juro Que Vi do Multirio, canal educativo da Prefeitura do

Rio de Janeiro. Paulo foi sócio da extinta Seagulls Fly, notória

empresa de computação gráfica, que encerrou suas atividades em

2012, após 14 anos de atuação no mercado. Atualmente Paulo é

sócio da Koi Factory Creative Studio, empresa que atua na área de

Publicidade oferecendo serviços de concept art, design, ilustração

3D, motion graphics, animação, character design, dentre outros.

Sérgio Glenes é técnico em Artes Gráficas pelo SENAI. Iniciou na

área integrando a equipe do Multirio nas séries Juro Que Vi e

Cantiga de Roda. É ilustrador, animador e diretor de arte para

cinema de animação. É autor e diretor do curta de animação O

Despejo e sócio fundador da Bamba Grupo Criativo.

A função preponderante da entrevista foi confrontar com o campo questões

que foram levantadas durante a pesquisa. É importante ter este parâmetro em

mente porque os entrevistados forneceram grande quantidade de informação e não

haveria tempo para explorar tantos aspectos isoladamente. Então vamos nos

concentrar naqueles que confirmam ou não aspectos específicos suscitados pela

pergunta, deliberadamente deixando outros de fora. Todos os entrevistados

responderam a todas as perguntas, mas analisaremos aqui apenas as respostas que

atenderam aos objetivos da pesquisa.

4.2.1 Entrevista

Pergunta 1 - Como você define concept art?

A primeira pergunta abriu o bloco Conceito pedindo exatamente para que

cada um dos entrevistados definisse o concept art. Para Andres Lieban o concept

art é “a forma visual para (...) dar um significado consistente à história” e é

necessário porque o audiovisual depende da imagem para ser contada a história.

Page 131: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

131

Cesar Coelho definiu o concept art como “desenhos que podem ser na

técnica diferentes do que vai ser feito no filme, mas que traduzam a cara que o

filme vai ter”. Para ele o estilo do filme é dado pelo concept art, que é um dos

instrumentos para dar materialidade a um conceito abstrato que está na cabeça do

realizador. Esta construção da materialidade a partir do discurso se constitui em

uma das principais vertentes dentro deste estudo. O discurso material do cinema

de animação é construído. Ao contrário do cinema live action, não existe uma

realidade capturada a priori, mas um universo imagético construído para que a

história seja contada. E esta construção é carregada de símbolos que reforçam a

mensagem a ser transmitida. É uma verdadeira linguagem não verbal a serviço da

narrativa.

Para Cesar Coelho o concept art vai fornecer através de cor, textura,

iluminação, dentre outros recursos, a emoção que o filme quer transmitir.

Marcos Magalhães também relaciona o concept art com a materialização

visual da mensagem que a animação tem que transmitir. Segundo ele, no caso da

indústria da animação o concept art teria ainda a função de ser um guia para a

manutenção da coerência e uniformidade estética do filme.

Além de considerar o concept art um dos elementos de transmissão da

mensagem do filme, Paulo Visgueiro disse que o concept art agrega

características e valores que auxiliam na tarefa de contar a história de

personagens, objetos ou lugares. Isto reforça a importância do papel do concept

art na construção da linguagem material do filme de animação. Para Sérgio

Glenes o concept art é a essência estética do filme.

Pergunta 2 – Em sua opinião, o concept art é uma atividade projetual ou

intuitiva?

Os entrevistados foram unânimes ao destacarem que as duas condições são

verdadeiras. Na opinião de Andres Lieban todo trabalho artístico deve ter um

grande espaço para a intuição, mas, no caso de uma produção em larga escala,

critérios como cronograma e especialização do trabalho têm que ser levados em

conta.

Para Cesar Coelho o processo é mais misturado em uma produção

independente em que o autor tem domínio total sobre o processo. Em uma

produção industrial, entretanto, uma série de conceitos já vem pronta para o

Page 132: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

132

concept artist, que vai estabelecer desde o princípio um projeto para dar conta da

tarefa. Mas Cesar Coelho reiterou que, apesar das variações, dependendo da

natureza e da qualidade de processo de cada produção, a tendência é que os dois

aspectos sempre estejam juntos.

Para Marcos Magalhães a intuição estaria mais ligada à escolha e à decisão

sobre qual estética está mais de acordo com o gosto pessoal do realizador, ou com

o que efetivamente vai se comunicar melhor com o público. O projetual estaria,

segundo ele, mais ligado a questões pragmáticas, tais como a técnica em que o

filme vai ser produzido e o prazo para executá-lo.

Paulo Visgueiro afirmou que, apesar de existir uma linha de processo, a

vivência do concept artist torna o processo intuitivo. O reconhecimento do perfil

social de uma pessoa depende da intuição, segundo ele.

Sérgio Glenes ressaltou que o intuitivo estaria ligado ao processo inicial do

trabalho, que seria, segundo ele, um momento dionisíaco onde o concept artist se

perderia entre referência e possibilidades estéticas, desenvolvendo esboços sem

muita restrição. Em seguida ele deve escolher o caminho a seguir e a partir de

então ter em mente as questões ligadas à produção, que são da ordem do projetual.

Questões ligadas ao tempo de produção e à exequibilidade daquele concept em

larga escala, por exemplo.

É interessante perceber que os entrevistados de um modo geral associaram o

intuitivo à produção artística e o projetual ao Design, o que demonstra que a

compreensão do Design como uma área de conhecimento que engloba mais do

que pura e simplesmente a metodologia ainda é pequena. Ainda assim, além de

perceberem o concept art como uma atividade projetual, os entrevistados

declaram que é uma atividade que combina intuição, expressividade e

planejamento — mesmo que não denominem o todo como Design. Esta questão

nos leva à próxima pergunta, que tinha o objetivo de aprofundar o tema da relação

não apenas entre concept art e design, mas também com a ilustração e as artes

plásticas.

Pergunta 3 - Em sua opinião, o concept art está mais próximo do Design,

da ilustração, das artes plásticas ou é um ramo independente no universo das

artes visuais?

Segundo Andres Lieban, o concept artist é um ilustrador e em geral não

anima. Entretanto, o concept artist tem que ter noções de linguagem

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133

cinematográfica, pois o suporte em que este profissional atua é diferente do

suporte editorial como o de um livro, por exemplo. Segundo ele, o trabalho do

concept artist é muito mais mental, porque ele tem que pensar em como trazer

“mais significados para a história com aquele design”. Podemos deduzir que todo

o trabalho que acontece antes do concept artist efetivamente botar a mão na massa

e produzir material visual — a interpretação das informações, a pesquisa visual,

os rafes —, é o trabalho “mental” ao qual se refere Andres Lieban.

Para Marcos Magalhâes o concept artist faz uso de todas as técnicas e o

resultado final do trabalho é o que foi possível fazer para chegar próximo do que

foi planejado na etapa de concept, pois, segundo ele, o concept é “uma meta que

nunca é alcançada no processo industrial”.

As posições de Marcos Magalhães e Andres Lieban abrem espaço para

refletirmos sobre o próprio papel do concept art como um processo de

materialização de conceitos que estão presentes na cabeça dos realizadores –

diretor, diretor de arte, roteirista —, conceitos que são, em uma boa parte dos

casos, expressos primeiramente na forma de texto através do roteiro e que só

então passam a serem trabalhados pelo concept artist.

O processo de criação de significados a que se refere Andres está

diretamente ligado à construção de um discurso material através da visualidade da

mesma forma que o discurso produzido pelos cabelos dos hippies na análise de

Pasolini. Este discurso material criado pelo concept artist terá que ser ajustado às

limitações técnicas da produção. É a meta inalcançável a qual se refere Marcos

Magalhães. É interessante refletir sobre esta questão em uma direção um pouco

diferente daquela proposta por ele. Se o filme pronto é o mais próximo que se

pode chegar dos concepts, estes mesmos concepts também podem ser

considerados como o mais próximo que se pode chegar dos conceitos iniciais do

filme – textos, pesquisas de referências, discursos —, pois sempre há uma lacuna

entre aquilo que é imaginado e aquilo que é efetivamente realizado.

Cesar Coelho afirmou que o concpet art está entre decisões que são da

esfera do design, como as relacionadas ao desenvolvimento de personagens, por

exemplo. Ele conclui que talvez o concept art seja uma atividade independente

exatamente por estar entre o Design e a Ilustração. Ao comentário de Cesar

Coelho, cabe acrescentar uma pequena reflexão. Pelo menos no caso da realidade

brasileira, é difícil determinar esta região entre o Design e a Ilustração, uma vez

Page 134: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

134

que em muitos casos o ilustrador é egresso dos cursos de Design. A Ilustração tem

participação insipiente no cenário do ensino superior — pelo menos no Rio de

Janeiro —, e parece pouco provável que este quadro mude em outras regiões,

logo, a formação de boa parte dos ilustradores é feita em cursos de Design, não se

podendo excluir aqueles egressos dos cursos de Artes plásticas, obviamente. E,

uma vez que não existe clareza se a Ilustração é ou não pertencente ao campo do

Design, talvez seja prematuro determinamos que concept art também não o seja.

Para Paulo Visgueiro o concept art é uma mistura das três áreas – Design,

Artes plásticas e Ilustração —, e por isso é uma área independente. Finalmente,

Sérgio Glenes não considera concept art como Ilustração ou Artes plásticas, mas

muito mais próximo do Design. Entretanto, ele também acredita que é uma área

independente.

A questão do grau de independência do concept art em relação às áreas

limítrofes é complexa e está em pleno processo de desenvolvimento. As variações

que surgiram para designar a atividade tais como concept design e entertainment

design aumentaram a confusão e, como vimos anteriormente, nos próprios

estúdios existe indefinição sobre como designar esta atividade.

Por outro lado, vêm surgindo cursos independentes na área, o que parece

indicar um movimento para que o concept art se consolide como ramo de

conhecimento independente. O alinhamento do concept art com a ilustração pura

e simplesmente não traz muitos progressos, uma vez que, como vimos

anteriormente, as diferenças são muito acentuadas tanto em termos de finalidade

como das competências que devem ser adquiridas. Entretanto, o concept art

poderia ser considerado como um ramo específico do Design, voltado

especificamente para indústria do entretenimento, por exemplo, uma vez que

certas características são comuns a ambos, tais como perfil projetual, produção em

larga escala, especialização do trabalho, etc. Obviamente, para tanto, há a

necessidade de uma visão abrangente do Design, em moldes mais

contemporâneos.

Pergunta 4 - O concept art é sempre narrativo?

Segundo Andres Lienban o concept art é ou não narrativo dependendo da

função que ele tem na produção. Ele subdivide o concept art em concept de

apresentação e concept de produção. Segundo ele, o concept art de apresentação

Page 135: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

135

teria a função de sedução, de venda do projeto, enquanto o concept art de

produção teria a função de expressar a visão do diretor, a expectativa dos

investidores e aquilo com que o público vai se identificar. Esta segunda categoria,

além de muito extensa, teria para ele pouco a ver com narrativa. Entretanto,

conclui afirmando que o conceito básico do concept é atender à narrativa.

Cesar Coelho também define duas maneiras diferentes de conceituar o

concept art, mas suas categorias são diferentes daquelas apresentadas por Lieban.

Para ele, o concept art pode ser visto como uma breve visão do que vai ser o filme

ou — em uma interpretação mais ampla — como uma breve visão do que serão as

partes constitutivas do filme, ou seja, personagens, cenários e adereços. Ele

particularmente prefere a primeira forma de entender o concept art que, na sua

concepção, se aproxima mais do inspiracional. Ele afirma que neste caso uma

mancha de cores feitas em alguma técnica de pintura pode ser o elemento

definidor do que vai ser a escala cromática do filme, por exemplo. Para ele, esta

mancha de cores não representa um elemento narrativo. O concept art em sua

concepção pode ser ou não narrativo dependendo do caso. Aqui remetemos a uma

das questões abordadas no subcapítulo Narrativa e Arte, onde se definiu a

possibilidade de uma imagem ter maior ou menor grau de narratividade.

Entendendo-se uma imagem narrativa como aquela que suscita um antes e

um depois, uma imagem em que além das dimensões espaciais esteja contemplada

também a dimensão temporal, o projeto de desenvolvimento visual de um filme

realmente pode ter imagens que não são narrativas, desde que se defina

previamente o escopo do conceito de concept art com que se está trabalhando.

Para Marcos Magalhães o concept art é sempre narrativo, está sempre a

serviço da narrativa, “tentando capturar um momento da narrativa que seja

chave”, mesmo quando a imagem seja representação de um adereço, por exemplo.

Paulo Visgueiro também acredita que concept art é sempre narrativo e

acrescenta que, se a imagem não adiciona sentido, não tem que fazer parte do

projeto.

Na visão de Sérgio Glenes, entretanto, o concept art não tem que narrar,

porque isso é função do roteiro. O suporte da história para ele é o roteiro, e não a

imagem, e um concept – por mais bem tensionado e elaborado que seja — serve à

história, mas não garante a qualidade narrativa do filme.

Page 136: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

136

Pergunta 5 – O concept art t é sempre figurativo?

Esta foi uma questão consensual. Todos os entrevistados responderam que o

concept art não é necessariamente figurativo. Dois dos entrevistados – Andres

Lieban e Marcos Magalhães – colocaram a questão da natureza do filme, que é

muito relevante.

Um filme abstrato precisa de concept art tanto quanto um filme figurativo.

Marcos Magalhães citou o filme Begone Dull Care (1949), que Norman Mclaren

fez sobre a música homônima de Oscar Peterson. Mclarem teria feito uma série de

testes para definir o visual do filme e estes testes seriam os concepts do filme.

Still do filme Begone Dull Care de Norman Mclren.

Cesar Coelho pontuou ainda que mesmo em um filme figurativo o concept

art pode partir de elementos abstratos e se aproximar da figuração

progressivamente. Citou como exemplo o filme Robôs, no qual muitos

personagens foram construídos visualmente a partir de partes de máquinas como

automóveis e eletrodomésticos. A partir da junção destes elementos tomados

separadamente, surgiam os personagens.

Page 137: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

137

A visão de Cesar Coelho coincide em parte com a do Sérgio Glenes, para

quem o concept art não é uma ilustração que representa exatamente um fotograma

do filme. O concept art, na visão de Sérgio Glenes, é “uma coleção de objetos,

uma coleção de figuras, de cores, de moldes, de traços” e das formas que vão

conter o que ele classifica como DNA estético do filme.

Paulo Visgueiro acrescentou que, quando abstrato, o concept art tem que

resgatar algum tipo de sentimento ou remeter às memórias.

A questão da representação figurativa no concept art se articula diretamente

com a questão narrativa. Vimos que a imagem narrativa tem características claras

e que a abstração é uma das estratégias encontradas por artistas a partir do século

XX para fugir totalmente da estrutura narrativa na imagem.

Entretanto, é interessante pensar que uma mancha de cores pode não ser

narrativa em si mesma, mas pode ser utilizada com fins narrativos na estrutura de

um filme de animação comercial eminentemente narrativo. Logo, o concept artist

pode e deve lançar mão de elementos não figurativos que são não narrativos por

excelência, ou produzir imagens figurativas. A questão é discernir se realmente

toda imagem figurativa desenvolvida pelo concept artist é narrativa ou se tem

apenas a função de servir à narrativa, como é o caso das imagens abstratas.

O segundo bloco de perguntas trata sobre o processo de produção e

obviamente tem ligação direta como as questões abordadas no subcapítulo

Concept Art Como Atividade Projetual.

Pergunta 6 - Em que etapa da produção está inserido o concept art?

Andres Lieban ressaltou que o concept art é inserido na pré-produção, mas

pode estar até antes, como é o caso do concept de venda, por exemplo. Este

concept que Andres Lieban chama de concept de desenvolvimento pode mudar

totalmente quando ao longo da pré-produção. No caso de séries, na etapa de

desenvolvimento é criado o MDP ou Master Design Pack, que o Andres Lieban

descreve a seguir:

“É no MDP que se estabelece a cara da série: como serão as árvores, os

objetos, que regras serão cumpridas para garantir uma consistência no estilo.

Regras estéticas mesmo como proporções. (...) E tudo isso é estabelecido no

MDP. É feito um kit com muitas referências de personagens, cenários e props – os

elementos de cena – que dão essa cara.”

Page 138: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

138

Depois, segundo Andres Lieban, cada episódio da série entra na fase de pré-

produção e são produzidos concepts de acordo com as necessidades.

Para Cesar Coelho não existe uma regra fixa. Para ele um filme pode ser

iniciado a partir de uma imagem e, nesse caso, o concept pode vir antes do roteiro.

Entretanto, ele pontuou que normalmente a ordem mais comum é que seja feito

antes o roteiro, depois o design de personagem, storyboard e, finalmente, o

concept art.

É importante pensar mais detidamente sobre esta possibilidade de um filme

ser gestado a partir de uma imagem ou conjunto de imagens, antes mesmo de ser

escrito o roteiro. É como se antes de existir o argumento escrito, fosse produzido

um argumento visual do filme. Esta ordem subverte a estrutura de produção

clássica em que o argumento é escrito primeiro, depois é feito o roteiro e só então

se inicia o trabalho de desenvolvimento visual.

Vale relembrar que Cesar Coelho enfatizou anteriormente o que ele

considera como sendo mais significativo na atividade de concept art. Muito mais

do que simplesmente o design de cenários, personagens e adereços, para ele são as

ilustrações que desenvolvem a atmosfera e a emoção das cenas o resultado mais

importante da produção de um concept artist. Um excelente exemplo desta

possibilidade foi notícia recentemente.

Em janeiro de 2013 o site especializado em cinema The Hollywood

Reporter publicou um post sobre a ideia para um filme que surgiu de uma

imagem. Segundo a matéria, Dwayne Johnson – mais conhecido como The Rock –

teria visto uma ilustração produzida pelo engenheiro de softwares Alex

Panagopoulos e publicada no site DeviantArt43

. A imagem que mostra uma

criança dormindo tranquilamente enquanto o seu ursinho de pelúcia a defende de

uma monstruosa criatura teria impressionado o ator que vai produzir o filme em

conjunto com a produtora de cinema New Line.

Este exemplo, mesmo que ainda não concretizado, pois o filme ainda não foi

produzido, demonstra que o processo não é rígido e que um filme pode surgir a

partir do concept art.

43

DeviantArt é uma rede social voltada para artistas, tanto aspirantes quanto profissionais.

Segundo o site que existe desde agosto de 2000, mais de 27.000 de pessoas estão cadastradas no

DeviantArt e mais de 160.000 uploads são feitos diariamente. As imagens postadas ficam

disponíveis para qualquer visitante, mesmo que não seja cadastrado no site.

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139

Ilustração de Alex Panagopoulos, que poderá dar origem a um filme produzido por Dwayne

“The Rock” Johnson.

Marcos Magalhães posicionou o concept art na pré-produção, após a

elaboração do roteiro. Segundo ele, o concept pode ser feito após ou

paralelamente ao storyboard. Marcos Magalhães também pontuou que

eventualmente o concept art pode estar antes do roteiro, quando um diretor parte

de uma imagem para a ideia do filme.

Paulo Visgueiro afirmou que o concept art normalmente é iniciado após o

roteiro estar finalizado, mas na opinião dele este processo deveria começar antes

da conclusão do roteiro. A razão disso é que para ele deveria haver uma troca

entre roteirista e concept artist desde o início do processo. O início do trabalho do

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140

concept artist para ele, então, não seria a partir do roteiro, mas a partir do

argumento. Ele observou que muitas vezes as características do personagem são

passadas de maneira pontual – “extrovertido, divertido e sempre pronto a ajudar”,

por exemplo —, o que não colabora para o desenvolvimento visual por ser muito

vago.

Para Sérgio Glenes, ao contrário do que pensa Paulo Visgueiro, apesar do

concept art poder começar a partir do argumento, o ideal é que o processo de

concept tenha início durante a confecção do roteiro e que continue sendo

desenvolvido após a conclusão do roteiro. Para ele é possível imaginar coisas a

partir do roteiro e o concept art pode alimentar o storyboard, fornecendo

alegorias, objetos e situações que podem inclusive ajudar a criar novas cenas.

Pergunta 7 - Quais as etapas de projeto de um concept art?

Para Andres Lieban esta não é uma questão muito clara, porque esta é uma

etapa ainda muito desorganizada no Brasil. Segundo ele esta é ainda a parte mais

intuitiva do processo, que não é muito regrada para que se possa “ter uma criação

mais qualificada”, nas palavras do próprio Andres Lieban. O próprio

estabelecimento de prazos para o concept art é complicado para Andres Lieban,

uma vez que o processo está sujeito a atrasos que podem ter razões variadas, que

variam desde a dificuldade em conceituar um ambiente específico até questões

pessoais ligadas à predisposição emocional do profissional evolvido no projeto.

Cesar Coelho ressaltou que antes da etapa de concept art deve ser executado

o color script do filme. Para ele é difícil estabelecer uma ordem exata para um

projeto de concept art. Razão para ele é o fato de que a animação é um processo

abstrato, que se dá na mente do realizador antes de se materializar. O concept art é

um destes instrumentos de materialização, mas durante o processo muito é

alterado, intuído e este dinamismo torna difícil o estabelecimento de uma ordem

rígida de projeto. Quando o realizador está escrevendo um roteiro, segundo o

Cesar Coelho, é quase irresistível que ele faça um pré-concept bem básico para

visualizar a cena, antes que sejam feitos concepts elaboradíssimos, finalizados.

Para ele, depois desta fase inicial, vem o color script e só então seria iniciada a

fase de concept.

A partir do momento em que estejam definidas questões tais como textura,

reflexão dos objetos, o grau de sujeira, o grau de pelo dos personagens, o próximo

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141

passo seria a definição do staging, ou seja, o posicionamento da câmera e dos

personagens na cena.

Marcos Magalhães ressaltou que o processo empregado por ele em filmes

autorais sempre foi muito intuitivo. Entretanto, na opinião dele, o primeiro passo é

optar pela técnica que melhor se adapta ao filme e depois buscar elementos

gráficos que tenham afinidade com aquela técnica.

As etapas de projeto são bem definidas para Paulo Visgueiro. Primeiro é

entender a história, os personagens, o ambiente, o tempo em que se passa a

história, enfim, se inteirar sobre o projeto a fundo. A etapa seguinte seria a de

pesquisa de referências, seguida pela etapa de rafes. Depois de ter feito muitos

rafes e ter reunido boa quantidade de material chega-se à fase de seleção do

material produzido para ser apresentado ainda no formato de rafe, ou ser

finalizado antes de ser levado ao cliente.

Para o Sérgio Glenes o processo é livre e depende de cada profissional, do

estilo e dos materiais com que ele se sente confortável para trabalhar.

É interessante perceber que, apesar de todos os entrevistados terem

concordado que parte do processo do concept art é projetual, o estabelecimento de

etapas seja algo que apresenta dificuldade. Entretanto, se avaliarmos a própria

ampliação no conceito de projeto em design que vem sendo promovido

recentemente, levando em conta a subjetividade dos designers e flexibilizando as

etapas de projeto, é possível identificar processos que nos possibilitam reconhecer

no concept art uma atividade projetual e, talvez, até mesmo um segmento do

design.

Pergunta 8 - O workflow típico do trabalho de concept art é individual

ou coletivo?

Para Andres Lieban, ambas as situações são válidas. Segundo ele há

comunicação e colaboração entre os profissionais, o que caracteriza o trabalho em

equipe. Esta integração de conhecimentos auxilia no processo de geração de novas

ideias e conceitos, além de facilitar o crescimento dos profissionais envolvidos no

processo. Entretanto, a realidade em que Andres Lieban atua é a de produção de

séries e, para ele, neste contexto o tempo para o desenvolvimento visual é exíguo.

Como o processo de produção possui prazos apertados, é “difícil brigar por um

espaço maior para criar”, até porque tem que haver folga no orçamento para

Page 142: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

142

atender às exigências da produção. Para ele o concept art deveria ser mais

valorizado no processo de produção.

Para Cesar Coelho o concept art tem que obrigatoriamente ser coletivo,

exceto no caso de um filme autoral. Se o filme é coletivo então o concept art

também deve ser.

Marcos Magalhães pontuou que o workflow depende do estúdio e do

projeto. Para Paulo Visgueiro, o processo é coletivo, pois não funciona bem com

uma pessoa fazendo tudo sozinha. Para ele, quanto mais pessoas estiverem no

processo melhor será o resultado, porque você divide o trabalho para aperfeiçoar o

processo de acordo com as competências de cada profissional: “você tem aquele

que desenha muito bem máquina, outro que desenha muito bem arquitetura, outro

que desenha motor, outro que desenha muito bem figura humana”. Se o trabalho é

feito apenas por uma pessoa, pode ser que o resultado final fique aquém do

esperado.

Neste particular, a opinião de Paulo Visgueiro coincide com o relato de

Feng Zhu, para quem as equipes de desenvolvimento visual devem ter

profissionais que sejam especialistas no que ele denomina soft surfaces —

personagens, paisagens orgânicas, vestuário —, e outros que seriam

especializados nas hard surfaces, como as máquinas e os objetos técnicos, por

exemplo.

Sérgio Glenes relatou que em sua experiência profissional em concept art

tem sempre trabalhado sozinho, e atribuiu este fato a questões de custo. Segundo

ele o concept artist é um profissional com custo elevado para a produção, o que

justificaria o fato de sempre ter trabalhado sozinho, entretanto, mais adiante

Sérgio Glenes destacou que o trabalho do concept artist segue com outras pessoas

da equipe e, por isso, é um trabalho coletivo. Aliás, é importante complementar

que, mesmo quando o concept artist trabalha sozinho na tarefa de

desenvolvimento visual do filme, as equipes de produção vão se apropriar daquele

material para dar prosseguimento ao processo e que essa apropriação vai implicar

em adaptações de acordo com a técnica empregada.

Pergunta 9 - Qual o ponto de partida do trabalho de concept art?

Andres Lieban comparou o método do concept art com o do storyboard.

Segundo ele “o storyboard está recontando a história que ele leu através de

Page 143: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

143

imagens” e, para isso, o que o storyboarder tem que fazer é ler o roteiro e

identificar os pontos chave da narrativa, os storypoints. É a partir destes

storypoints que surgem os alicerces do trabalho de concept art, tanto para

personagens quanto para ambientes. No caso de personagens, segundo Andres

Lieban, é importante fugir de um perfil arquetípico, para que ele não se torne

óbvio.

Cesar Coelho destaca que o processo geralmente começa no roteiro, assim

como a partir do que o diretor fala para o concept artist sobre o estilo que ele

pretende utilizar para o filme, sobre a técnica que será empregada, etc. Entretanto,

com base em sua própria história pessoal, Cesar Coelho destaca que o processo

pode ser invertido, ou seja, o trabalho pode começar do concept, de uma imagem

específica e, a partir dela, o roteiro ser desenvolvido.

Segundo Marcos Magalhães, o ponto de partida é o argumento. Para ele é

como o caso do quadro que inspira um filme, que não necessariamente é um

quadro, pode ser apenas uma imagem ou algo que se presencia na rua, como é o

caso que vimos anteriormente sobre o ator Dwayne “The Rock” Johnson e a

ilustração do ursinho Teddy encontrada em um site na internet. Marcos Magalhães

completa ainda que o roteiro vai esmiuçar todo o clima da história e a partir daí o

concept art vai tentar “vestir” a história, buscando acentuar elementos para torná-

los expressivos.

Para Paulo Visgueiro o trabalho do concept artist começa no roteiro, que é

onde está expressa a demanda do filme. Ele cita, por exemplo, o caso dos

Minions, personagens humorísticos do filme Meu Malvado Favorito. Para ele este

é um caso em que os personagens funcionam no coletivo e não faria sentido criar

cada um deles diferente dos outros.

Page 144: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

144

Os Minions de “Meu Malvado Favorito”.

Sérgio Glenes destacou sua sensação de desespero ao iniciar um projeto. O

desespero em não conseguir alcançar os objetivos propostos, mas um desespero

controlado. O primeiro passo é pesquisar muito, ver muitas coisas e fugir do

hábito autorreferencial que assola a animação de um modo geral, ou seja, que

trabalha com animação só assiste e pesquisa em filmes de animação, o que, na

opinião dele, é uma limitação. As referências podem vir de áreas tão variadas

como a Música, a Literatura ou as Artes plásticas, por exemplo. Para Sérgio

Glenes, ficar limitado à estética da animação ou dos blogs de concept art

fatalmente vai fazer com que o profissional faça o que outro já fez.

Pergunta 10 - Qual a importância do roteiro para o trabalho do concept

art?

Neste ponto, retornamos à questão discutida no subcapítulo 2.1, sobre o

termo conceito. Se um conceito é um símbolo linguístico e o concept art é a

materialização da visualidade deste símbolo, então roteiro e concept art são a

materializarão prévia daquilo que vai ser o filme quando movimento e sons forem

adicionados.

Para Andres Lieban o concept art tem que atender à narrativa, então o estilo

tem que estar alinhado ao significado do roteiro, para que o espectador veja

história e imagem na tela como algo único, integrado.

Segundo Cesar Coelho o que vem primeiro, normalmente, é o roteiro. Para

ele concept art e trilha sonora têm a mesma função de servir à narrativa

Page 145: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

145

acrescentando dimensões sensoriais que potencializem a história que está sendo

contada. Entretanto, Cesar Coelho ressaltou que esta relação entre concept art e a

história pode não ser tão direta. A função do concept art é potencializar momentos

da história e atribuir valores importantes que levem ao sucesso comercial do

filme, entretanto, um mesmo filme pode ser feito em outra técnica, ter outra

solução gráfica e ainda assim continuar sendo tão bom quanto seria se tivesse sido

realizado com soluções visuais totalmente diversas.

Segundo Marcos Magalhães o roteiro fornece referências ao concept artist.

Para ele o concept art t é “uma ilustração que se desdobra numa narrativa porque

tem o fator tempo vinculada a ela. Não chega a ser uma animação, mas ela não é

estática. O conceito do concept não pode ser estático,deve ser um visual que

evolua, que possa ser transformado, acentuado”.

Para Paulo Visgueiro, sem roteiro não haveria concept art, mas apenas um

desenho ou uma ilustração. Para Sérgio Glenes o concept artist deve saber ler o

roteiro, buscando as potencialidades de cada cena, sempre tentando tirar proveito

também do que não está expressamente escrito. O que o Sérgio Glenes parece

estar querendo dizer é que o concept artist tem que saber ler as entrelinhas. O

concept artist, segundo Sérgio Glenes, também é responsável por produzir a

matéria-prima que o profissional de layout vai utilizar para projetar e executar os

cenários do filme. É o concept artist que pesquisa como são os objetos e faz as

escolhas de design que darão a aparência àquele universo.

Pergunta 11 – Além do roteiro, o que mais pode ser fornecido para

auxiliar o desenvolvimento do trabalho?

Para Andres Lieban o que deve ser fornecido para o concept artsão as

referências. Referências de cores, de formas, etc. É composto então um mix de

informações que vão orientar o concept artist, mas mesmo o solicitante pode não

ter certeza do resultado daquela mistura de referências. Para Andres Lieban este

processo tem que reunir duas linguagens complexas: forma e conteúdo. O

conteúdo seria representado por aquilo que o solicitante deseja que seja

representado e a forma seria composta pelas características estéticas que seriam

atribuídas àquele conteúdo. Andres Lieban pontuou que, apesar de no discurso

parecer um processo metódico, na prática tudo acontece “meio misturado”. Ele

disse ainda que é importante que um brieffing detalhado seja fornecido para o

Page 146: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

146

profissional e que este deve sinalizar quando as referências não bastarem para o

desenvolvimento do concept art.

Cesar Coelho também mencionou a coleta de referências como um dos

primeiros trabalhos gráficos que se faz na produção de um filme. Muitos

elementos, tais como música, filmes, pinturas, fotos, pedaços de tecido etc.,

podem ser utilizados para que o concept artist penetre naquilo que está na mente

do diretor.

Esta pergunta não foi feita a Marcos Magalhães, mas Paulo Visgueiro

também citou as referências visuais como ferramentas fundamentais para

encontrar aquilo que o cliente deseja. Entretanto, ele pontuou que na área de

publicidade onde atua as referências fotográficas não têm o peso que deveriam ter

em função de o processo ser descartável, rápido e muito comercial.

Para Sérgio Glenes o processo pode variar muito e depende do tipo de

produção, variando desde uma situação na qual já exista uma direção artística pré-

definida até uma em que todo o processo seja desenvolvido baseado no trabalho

de um ilustrador específico, por exemplo. Para ele o trabalho de concept artestá

dentro da equipe de Direção de Arte, logo, é provável que existirá um diretor de

arte que vá passar o brieffing do trabalho para o concept artist.

Pergunta 12 - Quais técnicas um concept artist de deve dominar?

Desenho de figura humana, perspectiva, cores, materiais diversos, softwares

gráficos 2D, softwares gráficos 3D ou animação?

Para Andres Lieban todas as habilidades listadas são importantes, exceto

animação. Quanto maior a bagagem maior é a utilidade do profissional dentro das

produções e mais requisitado ele será, disse Andres Lieban. Para ele este é um

profissional que deve ser multitarefa e, para alcançar este patamar, a pessoa tem

que encarar seus pontos fracos e aprimorá-los.

Cesar Coelho apontou que os softwares gráficos 3D não são necessários

para um concept artist, apesar de ser interessante entender o processo de

modelagem. Da mesma forma, animação não é algo fundamental para o concept

artist, tampouco os softwares gráficos de animação 2D, mas é bom ter o

conhecimento. Ele citou ainda como importante o domínio das linguagens das

histórias em quadrinhos e do cinema. Conhecimento sobre como usar a câmera e a

iluminação para contar uma história, como dirigir o olhar, como utilizar o claro e

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147

o escuro são técnicas que podem ser aprendidas a partir da observação de filmes e

quadrinhos. Indispensável para o trabalho do concept artist, segundo Cesar

Coelho, é a utilização dos programas gráficos de ilustração e pintura tais como

Corel Painter e Adobe Photoshop e de equipamentos como os tablets da Wacom.

Marcos Magalhães falou que o concept artist tem que ter uma visão forte de

alguns dos elementos citados e talvez de outros que nada têm a ver com estes.

Para ele a expressividade da comunicação visual é o importante. Entretanto, na

indústria, obviamente, por questões de produtividade, é importante que o

profissional domine o máximo desses elementos.

Para Paulo Visgueiro o concept artist não precisa obrigatoriamente dominar

animação 2D e softwares 3D. É fundamental o domínio de desenho e pintura,

composição, iluminação e cor. Para Sérgio Glenes todas as técnicas são válidas e

quanto mais recursos o profissional tiver para dar conta das demandas do processo

melhor. Entretanto, apesar de valorizar a qualidade do desenho, Sérgio Glenes

entende que um Diretor de Arte não precisa necessariamente ser um exímio

desenhista para ter um bom resultado, alcançando seus objetivos através de um

senso estético apurado. Segundo ele, a diferença é que este profissional estará

sempre em um plano mais conceitual enquanto um profissional que tenha as duas

habilidades torna-se mais independente.

Pergunta – 13 - Em sua opinião, o trabalho do concept artist é

totalmente autoral ou é um trabalho de autoria compartilhada?

Para Andres Lieban não há certo ou errado nessa questão. Em um filme

autoral em que o profissional esteja trabalhando sozinho, obviamente teremos um

trabalho autoral, mas na estrutura de indústria pode haver as duas coisas. Segundo

ele a produção pode ser inteiramente baseada no estilo de um ilustrador específico

e, em um caso como este, os outros concept artists terão que seguir o estilo

definido por aquele ilustrador, que é a principal referência do trabalho porque é

ele quem vai definir o conceito principal. Entretanto, completa, mesmo em um

projeto que tenha uma estética mestra desde o início do trabalho o resultado final

pode se tornar uma mistura que não fique com a identidade específica de nenhum

dos membros da equipe de concept. Neste ponto, a autoria torna-se coletiva. Isso,

para ele, não torna o trabalho diluído, mas tende um pouco à pasteurização.

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148

Entretanto, é inviável partir do princípio de que tudo no projeto pode partir

do zero em termos de processo criativo. Para Andres Lieban, em um caso como

este os envolvidos no projeto seriam esgotados rapidamente, pois o exercício de

criação da linha estética de um filme é por demais cansativo.

Cesar Coelho afirmou que o trabalho do concept artist é de autoria

compartilhada, uma vez que é muito difícil alguém fazer sozinho todo o trabalho

de concept que é exigido em uma série ou em um filme de longa-metragem. O

Diretor de Arte pode reunir diferentes referências estéticas e construir um

universo visual a partir deste material variado. Entretanto, tal como já havia

ressaltado Andres Lieban, o contrário também é verdadeiro, segundo Cesar

Coelho.

O filme pode ser concebido a partir do trabalho de um artista específico e,

neste caso, teríamos uma fonte de referência autoral e uma estrutura de trabalho

coletiva, segundo Cesar Coelho. Na visão do Marcos Magalhães a questão da

autoralidade também depende do caso e, por isso, as duas situações são reais. É

relevante quando ele fala que a necessidade do diretor esbarra nas limitações do

próprio concept artist, o que pode levar à contratação de outros profissionais

capazes de atender àquela demanda específica.

Para Paulo Visgueiro concept art dentro da indústria é inequivocamente um

trabalho de autoria compartilhada.

Para Sérgio Glenes a autoria é uma questão de negociação do profissional

com o próprio trabalho, um esforço no sentido de sempre incutir algo de pessoal

mesmo em um trabalho em que o espaço para a autoria seja restrito. Além disso, é

importante, segundo ele, o esforço no sentido de mostrar aquilo que é realmente

pessoal, para que possa ser conhecido e desejado em algum contexto.

Pergunta 14 - Em uma escala de 1 a 5, qual seria o nível de autonomia

de um concept artist em uma produção?

Para o Andres Lieban, mesmo que esta escolha seja subjetiva é importante

que a equipe esteja ciente de que o diretor de arte ou o supervisor não está naquela

posição necessariamente por ser um técnico melhor, mas porque é a pessoa que

vai definir o caminho a seguir. Cabe à equipe ter consciência de que deve lidar

com o não tão bem quanto lida com o sim.

Page 149: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

149

Para Cesar Coelho a autonomia do concept artist é alta — em torno de

quatro na escala —, porque está na base da criação do filme. Conforme a

produção avança, o espaço para criação torna-se menor.

Marcos Magalhães entende que se o concept artist for o diretor do filme seu

grau de autonomia é máximo. Em caso contrário, segundo ele, a decisão é do

diretor. O concept artist está a serviço do diretor. Entretanto, Marcos afirmou que

o consenso faz parte do processo de produção na indústria: “O filme precisa ter

consenso para sobreviver. Você tem que comunicar a uma parcela que pelo menos

pague o custo do filme”.

Para o Paulo Visgueiro a autonomia do concept artist tem que ser total no

momento da criação, pois se o processo criativo for podado desde o início a

tendência é a estagnação. Ele comparou este processo ao brainstorming, onde não

pode haver constrangimento quanto ao que está sendo sugerido, pois a mais tola

das ideias pode dar origem à solução do problema.

Ao final, segundo Paulo Visgueiro, o concept artist deve reportar-se ao

diretor para que este defina o que fica e o que deve ser descartado. Sérgio Glenes

afirmou que, de acordo com sua experiência pessoal, é sempre possível encontrar

um espaço para a criação. Segundo ele, mesmo quando o projeto já tem uma base

estética definida existem áreas inexploradas onde é possível que a sua colaboração

seja mais intensa.

Para Andres Lieban existe espaço para a contribuição por parte do concept

artist, entretanto é preciso estar claro para a equipe que há uma hierarquia. Existe

uma liderança investida de poder para aprovar ou não uma proposta.

Pergunta 15 - Em sua opinião, o concept artist deve ter um estilo

próprio?

Andres Lieban afirmou que a questão do estilo pessoal é importante no

plano individual, naquilo que o profissional espera da própria carreira. Há espaço

para ambos e depende do objetivo de cada um. Aqueles que desenvolvem um

estilo pessoal marcante e o fazem por toda a carreira normalmente defendem que

sem estilo pessoal o profissional não se torna conhecido. Entretanto, pode ser que

haja um profissional para quem o importante é que cada trabalho tenha sua própria

personalidade. Segundo Andres Lieban, não deve haver uma regra para isso.

Page 150: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

150

Para Cesar Coelho é preferível que o concept artist tenha um estilo pessoal,

uma vez que cada trabalho deveria ter um concept original que seja a sua

expressão em termos de design. Entretanto, esta não é a realidade, pois, segundo

ele, hoje há uma pasteurização provocada pelo uso do software de animação 2D

ToomBoom. Cabe aqui um breve destaque para este novo dado trazido por Cesar

Coelho.

Além da questão de a autoria no concept art para longas-metragens de

animação poder ser discutida a partir da tensão entre o coletivo e o individual na

linha de produção, também pode ser discutida a partir da pasteurização, ou seja,

qual nível de autoria existe neste processo a partir do momento em que o

profissional copia e reproduz um modelo que pode ser determinado por um

modismo estético ou pelas características de produção atreladas a um determinado

software, como citou Cesar Coelho.

Para Marcos Magalhães não é imperativo que o concept artist tenha estilo

forte. Um profissional com um estilo marcante pode funcionar muito bem se

estiver afinado com o estilo do filme e com as ideias do diretor. Assim como um

profissional que tenha facilidade em emular diferentes estilos também pode

funcionar.

Para Paulo Visgueiro, o estilo pessoal não é obrigatório, mas é algo natural.

O profissional, segundo ele, procura a forma mais eficiente para trabalhar e é

natural que alguns se sintam mais seguros com o estilo cartoon, outros com o

realismo e assim por diante. Uma particularidade da cena local é que muitas vezes

um profissional é solicitado a emular o estilo de outro, o que, segundo Paulo

Visgueiro, não é o procedimento usual no mercado internacional. Para ele o

correto seria contratar o profissional com o estilo que se ajusta ao projeto. Sérgio

Glenes é a favor do estilo, pois acredita que isto é o que faz com que um

profissional se torne referência.

Pergunta 16 - Quais são as exigências do mercado em relação às

qualificações técnicas de um concept artist?

Para Andres Lieban em primeiro lugar vem o portfólio, que vale mais do

que a formação. Outro fator determinante é a natureza do projeto. O perfil do

profissional tem que encaixar no projeto.

Page 151: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

151

Para Cesar Coelho é imprescindível ao concept artist dominar o desenho,

cor, iluminação, etc. Sem estas habilidades não é possível ser um profissional de

concept art, segundo Cesar Coelho. Ele acrescentou que a personalidade

exploradora, a inquietude na busca de novos estilos, é fundamental para que o

profissional seja capaz de apontar novos caminhos.

Uma vez que seu trabalho é autoral, Marcos Magalhães preferiu não opinar,

por não estar dentro da indústria.

Paulo Visgueiro destacou questões decisivas, como narrativa, iluminação e

domínio de cores. Menos importantes seriam a finalização e o domínio de

softwares gráficos. Segundo ele, se o profissional pode utilizar um material pouco

nobre como o giz de cera, mas dominar os fundamentos.

Sérgio Glenes acredita que o que buscam nele é a experiência, em função de

já ter trabalhado em algumas produções como concept artist, mas alerta para o

fato de que o mercado ainda é muito limitado no Brasil.

A questão das habilidades técnicas de representação figurativa é

fundamental neste ponto quando Cesar Coelho destaca a questão do domínio do

desenho. Conforme vimos anteriormente, a representação figurativa perdeu

importância no universo das Artes plásticas a partir do século XX. Também

aconteceu o mesmo com a imagem narrativa que foi sendo deixada de lado pelas

Artes plásticas ainda no século XIX. Esta busca por uma pintura pura, que não

sofresse influência da literatura e que não fosse mimética, levou a Arte em direção

à abstração. As técnicas de representação desenvolvidas por séculos, entretanto,

não se perderam e, como vimos anteriormente, foi na ilustração que

permaneceram absolutamente vivas. Para o concept art estas técnicas são vitais

em função da natureza do trabalho.

Pergunta 17 - Quais são as principais áreas de atuação (séries, filmes

publicitários, longas) e as mídias (cinema, televisão, internet) mais frequentes

em que os profissionais da área atuam?

Para Andres Lieban a indústria de games está mais evoluída na utilização de

concept artists do que a indústria de animação local, tanto em filmes de longa-

metragem quanto em séries. Além da indústria de games, ele destacou a

Publicidade como uma área em crescimento para o concept art.

Page 152: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

152

Para Cesar Coelho a área de games tem sido importantíssima na

disseminação do conceito de concept art.. Séries e filmes de longa-metragem

também dependem de concept art, mas segundo ele esta mão de obra ainda não é

tão utilizada quanto deveria. Além disso, a publicidade também tem aumentado o

espaço para o concept art tanto para ajudar a vender a ideia, como para aprovação

de etapas do trabalho.

Marcos Magalhães citou os segmentos escola de samba, teatro, museu,

produções e instalações, completando que qualquer área que envolve narrativa

necessita de conceito visual.

Para Paulo Visgueiro a pulverização das verbas de publicidade aumentou o

volume de investimentos em campanhas para internet e para a produção de vídeos

virais, por exemplo. Além disso, segundo ele, o mercado de aplicativos para

dispositivos móveis está aquecido, principalmente o de produção de jogos. São

áreas que requisitam o trabalho do concept artist. A experiência de Sérgio Glenes,

segundo ele relatou, é toda voltada para o cinema de animação.

Pergunta 18 - No Brasil faltam profissionais? Por quê?

Para Andres Lieban faltam profissionais qualificados. Segundo ele, por um

lado falta uma formação que proporcione conhecimentos que são indispensáveis

para o concept artist — tais como o caráter reflexivo, conhecimento estético,

entendimento de significado, teoria de cor, expressão de emoção —, e por outro

lado falta mercado, uma vez que não existe emprego formal para esta atividade.

Para Andres Lieban existem bons ilustradores, que, entretanto, não estão

totalmente qualificados para a atividade de concept art.

Para Cesar Coelho há escassez de profissionais de concept art para

animação no Brasil e ele completa que não basta ser um bom ilustrador, pois é

necessário ser um profissional com conhecimentos de cinema, animação, ângulos

de câmera e outros ligados às questões da narrativa audiovisual.

Marcos Magalhães também ressaltou que praticamente não existem

profissionais com experiência prévia em concept art para cinema de animação,

entretanto há excelentes ilustradores, artistas plásticos e animadores. Para ele,

caso a tendência de aumento no volume de produção se confirme, este material

humano pode ser trabalhado. Marcos Magalhães – diferentemente de seus colegas

— relatou que já houve falta de profissionais, mas que hoje existe oferta de mão

Page 153: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

153

de obra na área de concept art.. Segundo ele, existem excelentes profissionais e a

maioria deles aprendeu sozinho, pela internet. Entretanto, ele afirmou que não

existe demanda para este tipo de profissional.

Ao contrário dos animadores que são contratados para trabalhar nos estúdios

internacionais, Paulo Visgueiro não percebe a mesma tendência em relação aos

concept artists.

Para Sérgio Glenes faltam, pois é muito difícil conseguir profissionais que

tenham experiência específica em concept art para animação. Citando sua

experiência pessoal como Diretor de Arte para séries, Sérgio Glenes disse que na

maioria das vezes a formação daqueles que selecionava era nas áreas de Design e

Artes plásticas e, como não existe uma formação específica, estes profissionais

eram treinados durante a própria produção. Um ilustrador, por exemplo, segundo

Sérgio Glenes, não tem o olhar treinado na linguagem da animação em relação a

movimentos de câmera, cortes e formato de tela.

O relato de Paulo Visgueiro se alinha ao que foi exposto no subcapítulo

sobre difusão de informação em concept art. Um grande volume de conhecimento

está sendo divulgado pela internet. Entretanto, uma questão importante é se este

tipo de formação fornece questões de caráter teórico como as que foram citadas

por Andres Lieban. Em princípio não é o que foi apurado pela pesquisa nos

principais sites de difusão de informação, onde a maioria das informações se

concentra na transmissão de técnicas de produção.

Pergunta 19 - Qual a formação típica dos concept artists no Brasil?

Andres Lieban explicou que em seu estúdio não há uma equipe fixa de

concept art. Ele trabalha aproveitando elementos na equipe que possam atuar

como concept artists e que posteriormente sejam aproveitados como animadores.

Andres Lieban afirmou que este quadro é motivado pelo fluxo irregular de

projetos e as consequências desta imaturidade do mercado são a falta de

percepção de carreira e carência de formação de mão de obra.

De acordo com Cesar Coelho, 90% dos profissionais que atuam em concept

art são ilustradores que começam a trabalhar com pintura e depois passam a fazer

concept.

Marcos Magalhães disse não conhecer nenhum caso em que alguém tenha

estudado Artes plásticas, Cinema ou Animação com o objetivo de se tornar

Page 154: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

154

concept artist. Mas completou que bons profissionais estão sendo aproveitados na

área.

Paulo Visgueiro disse que prioritariamente os concept artists são egressos

dos cursos de Design e Artes plásticas. Para Sérgio Glenes os concept artists são

oriundos do Design gráfico, da Ilustração e das Artes plásticas. Além disso, os

próprios animadores atuam como concept artists. Para ele, o entendimento do que

é viável em uma produção é muito importante para o profissional de concept art.

Pergunta 20 - Qual seria, em sua opinião, a melhor formação para o

concept artist?

Para Andres Lieban a formação deveria ser Belas Artes. Entretanto, para ele

– que é formado em Belas Artes – o modelo dos cursos nesta área no Brasil não

prepara o suficiente um profissional para atuar como concept artist. Segundo ele,

os modelos dos EUA e França seriam menos focados na subjetividade e mais

calcados sobre a qualidade final do trabalho.

Para Cesar Coelho a formação básica para um concept artist contemplaria

habilidades de desenho a lápis, modelo vivo, pintura em várias técnicas – exceto

óleo —, linguagem de cinema e quadrinhos e finalmente técnicas de pintura

digital.

Para Marcos Magalhães seria importante uma formação conjugada entre

Artes plásticas e Narrativa audiovisual.

Paulo Visgueiro levantou a questão da carência no currículo de Artes nas

escolas. Para ele não existe indústria de animação no Brasil, o que compromete a

formação de instrutores para ministrar aulas em cursos técnicos ou de nível

superior. Para Paulo Visgueiro os cursos que estão presentes no mercado não

apresentam produção de qualidade.

Para Sérgio Glenes o profissional de concept art deveria ser um profissional

de nível superior. E segundo ele a formação desse profissional deveria estar

assentada em Cinema e Artes visuais.

Não foi percebida nos relatos dos entrevistados qualquer separação entre

ilustradores e industrial designers nos moldes relatados por Feng Zhu no

subcapítulo 4.1, dedicado à análise do seu vídeo sobre características do

Entertainment Design. Na pergunta de número quinze Paulo Visgueiro lembrava

que o desenvolvimento de um estilo está atrelado à busca pelo incremento de

Page 155: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

155

produtividade, o que faz com que cada um se especialize em um tipo de estética

ou se destaque na representação de determinados materiais. Mas nenhum dos

entrevistados citou em qualquer das perguntas sobre formação a necessidade de

uma divisão rígida que possa definir previamente qual profissional vai trabalhar

com soft surfaces ou hard surfaces, conforme a nomenclatura utilizada por Feng

Zhu. Uma habilidade frequentemente requisitada pelos entrevistados e que não é

citada por Feng Zhu é o domínio da linguagem do cinema pelo concept artist.

Pergunta 21 - Em sua opinião, o produto final do trabalho de um

concept artist é a imagem produzida por ele, ou o filme?

Essa pergunta foi deslocada para o final da entrevista por representar um

fechamento de quase todos os temas abordados. Andres Lieban considerou como

resultado final do trabalho de um concept artist o filme. Segundo ele o filme é o

produto de muitas mãos e cada um agregou valores para que o resultado final

fosse aquele.

Cesar Coelho também afirmou que o resultado final é o filme. Entretanto,

enfatizou que o que todos os envolvidos devem buscar é a compreensão da

história pelo espectador.

Também para o Marcos Magalhães o filme é o resultado final e as imagens

produzidas pelo concept artist são um subproduto do trabalho. Marcos Magalhães

também confirmou que o filme é o resultado final do trabalho em concept art e

salientou que as ilustrações são o material bruto.

Para Sérgio Glenes é material final o que está na tela. Segundo ele, o que

está nos livros de Arte dos filmes é o processo de produção e aquelas imagens

podem até ter valor fora do contexto da produção, mas o êxito do trabalho de

todos os envolvidos é o filme. Para Sérgio Glenes uma questão importante para o

concept artist é a compreensão de que o trabalho dele vai seguir com o de outras

pessoas da equipe, logo, é um trabalho coletivo.

Neste ponto, todos concordam com a visão de Feng Zhu sobre o produto

final do trabalho do concept artist. Mesmo que com um enfoque um pouco

diverso — uma vez que Zhu estabelecia uma comparação com a atividade do

ilustrador —, é consenso entre os profissionais de animação que o filme é o

resultado final dos esforços reunidos de todos os envolvidos na produção. O

trabalho de concept art é uma etapa do processo assim como roteiro, animação e

Page 156: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

156

trilha sonora. A comparação com o roteiro talvez seja fortuita. O roteiro de um

filme é importantíssimo. Tanto roteiro quanto storyboard são ferramentas

utilizadas para estruturar e desenvolver a história, que, como assinalou Cesar

Coelho, deve ser a principal preocupação de toda a equipe criativa da produção.

Entretanto, o roteiro não é uma peça com valor em si mesmo. Sua função só

se completa no filme pronto. Assim, é como o trabalho de concept art. Por mais

belo e bem acabado que seja, sua verdadeira função é ser uma ferramenta para a

concretização do filme.

Ao final, pudemos identificar algumas configurações na organização

trabalho do concept artist. Tomando-se como base apenas a fala de Feng Zhu,

parece haver uma divisão muito clara nas designações de função no cenário norte-

americano de concept art. Aqueles com formação voltada para a ilustração seriam

mais bem capacitados para o desenvolvimento de figurino, personagens e tudo

aquilo que Feng Zhu chama de soft surfaces.

No lado oposto estariam os industrial designers, que seriam responsáveis

pelas hard surfaces, ou seja, máquinas e objetos técnicos produzidos pelo homem.

Ainda segundo Feng Zhu a autoria não é algo relevante para o industrial designer

que trabalha para a indústria do entretenimento. No cenário nacional vimos que a

visão sobre autoria é variável, mas, de uma maneira geral, os entrevistados

concordaram que em concept art a autoria do trabalho é compartilhada, exceto nos

casos em que o próprio concept artist é o diretor do filme.

O espaço para o exercício da criatividade existe, ainda que o concept artist

esteja sujeito às críticas da equipe — particularmente às interferências do diretor

— e ao estilo geral do filme. As experiências relatadas demonstram que o trabalho

é eminentemente coletivo, entretanto, um dos entrevistados ressaltou que sua

própria experiência na função tem sido eminentemente individual. As

possibilidades de configuração são várias, mas o que é mais importante é o

reconhecimento por todos os entrevistados de que a função é essencial, mesmo

não tendo o espaço que deveria.

Page 157: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

157

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

No início desta pesquisa trabalhamos com uma definição prévia de concept

art que se baseava na observação empírica e em dados coletados nos diversos

meios que disponibilizam informação sobre o tema. O objetivo geral desta

pesquisa, entretanto, era ampliar o entendimento a respeito do campo e delinear

melhor os contornos da atividade. Era fundamental ultrapassar aquela primeira

definição, agregando conceitos que pudessem tornar mais nítido o que é concept

art.

A existência de clareza nas funções que compreendem o concept art foi um

dos primeiros questionamentos da pesquisa, sobre o qual se construiu o seu

problema. Para verificar esta parte do problema, relacionamos as funções

atribuídas ao profissional da área na indústria de animação nos Estados Unidos ─

mercado adotado como modelo –, e verificamos se esta relação se ampliava ou se

reduzia no curso da pesquisa, particularmente após as entrevistas.

Segundo os sites de produtoras de animação e os perfis profissionais

consultados, o concept artist desenvolve personagens, cenários, adereços e

esquemas de cor. Tudo o que faz parte da concepção visual do filme é

desenvolvido pela direção de arte e o concept artist é parte integrante desta

equipe.

Em grandes produções, o trabalho pode ser distribuído entre uma equipe

composta por diversos profissionais, ficando cada um responsável por um

determinado aspecto visual do filme. Esta subdivisão em unidades menores que

podem ser trabalhadas isoladamente é um método clássico na solução de

problemas de design, abordagem que propicia que o character design – para citar

concretamente uma etapa do processo ─, possa ser subdividido entre diversos

profissionais, ficando um responsável por personagens humanas enquanto outro

desenvolve criaturas, por exemplo.

A subdivisão do trabalho também é destacada por Feng Zhu conforme visto

no subcapítulo 4.1, mas de uma forma um pouco diversa. Feng Zhu destaca as

categorias de hard surfaces – máquinas e objetos técnicos produzidos pelo

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158

homem – e de soft surfaces – figurino, figura humana, animais, etc. Segundo os

entrevistados do mercado local, estaria no escopo da função criar a forma visual, o

estilo ou a estética geral do filme. A forma, segundo os relatos dos entrevistados,

seria uma das responsáveis pela construção da emoção e da mensagem do filme

através de recursos visuais tais como cor, textura, iluminação.

Pela grande quantidade de informação recolhida é possível perceber que

existe alguma clareza a respeito das funções objetivamente identificadas com o

concept art, tais como design de personagens, cenários, adereços e color scripts.

Entretanto, dentre as fontes documentais consultadas – sites de produtoras e sites

de perfil profissional – as questões mais subjetivas, como aquelas ligadas à

atmosfera do filme que foram bastante citadas pelos entrevistados locais, foram

mencionadas apenas no perfil extraído do site da Disney Animation.

O relato de Cesar Coelho, em entrevista concedida para esta pesquisa,

aponta uma questão bastante interessante para percebermos o quanto o escopo das

atividades ligadas à função ainda precisa ser mais bem definido. Cesar Coelho não

compartilha da visão de que o design de personagens, adereços e cenários são a

parte mais característica do trabalho de concept art. Para ele, concept art não é

uma breve visão do que vão ser o personagem, os cenários ou os adereços

isoladamente, mas uma breve visão do que vai ser o filme com todos estes

elementos inseridos.

Igualmente importante era verificar se há a percepção de que o concept art

tem na sua base uma relação intrínseca entre design e narrativa. Para investigar

esta variável abordamos tanto questões ligadas ao design quanto à narrativa, para

depois verificar se a ideia de ambas constituírem a base do concept art seria

compartilhada pelos profissionais da área.

A narrativa se desenrola no tempo. Para uma imagem ser narrativa ela

precisa suscitar um antes e um depois. É necessário que a imagem incorpore a

dimensão temporal. No caso do concept art as imagens criadas para estabelecer

emoção, a atmosfera e dramaticidade são narrativas desde que as relações espaço-

temporais induzam à existência de uma sucessão de acontecimentos. As imagens

podem representar apenas um fragmento isolado dentre tantos outros possíveis

para cada cena do filme, mas o antes e o depois estão implícitos em cada uma

delas.

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159

Entretanto nem todas as imagens produzidas pelos concept artists são

narrativas. O design de personagens, cenários e adereços, assim como os color

scripts, são exemplos de material que pode ser produzido pela equipe de concept

art e que não têm os elementos necessários para serem consideradas narrativas.

Neste caso é importante a observação de um dos entrevistados ao afirmar que

todas as imagens produzidas pelo concept artist devem servir à narrativa. Para

estas imagens contribuírem na tarefa de agregar camadas de informação ao filme

elas devem estar carregadas de significado. Devem ser dotadas de um discurso

material capaz de comunicar ideias por meio de uma simbologia visual inteligível

e que prescinde de palavras. Quando estes elementos fortemente simbólicos são

reunidos em uma imagem que tem em sua constituição a dimensão temporal,

acontece a criação de uma imagem narrativa que tem o caráter que Cesar Coelho

chama de inspiracional, fazendo alusão ao termo empregado para designar o

departamento de concept art criado na Disney nos anos de 1930.

O conceito de design com o qual trabalhamos nesta pesquisa está alinhado

com as tendências contemporâneas de definição da área que entendem o design

como processo, um método capaz de auxiliar profissionais de diferentes áreas de

atuação a criarem produtos e serviços com grande valor agregado, capazes de

influenciar positivamente a sociedade. O concept art divide com o design – bem

como com a ilustração e as artes plásticas – grande quantidade procedimentos

metodológicos. A inserção em um ambiente de produção industrial e a atividade

eminentemente coletiva de uma produção de animação de grande orçamento

aproximam o concept art ainda mais da metodologia e, consequentemente, de

objetivos característicos do design como, por exemplo, a solução de problemas de

comunicação.

A relação entre concept art e design parece bem clara, tanto nas fontes

documentais quanto nas entrevistas realizadas. Feng Zhu – como visto no

subcapítulo 4.1 – trabalha com categorias de função muito particulares,

potencializando as questões do design em sua análise. Dentre os cinco

entrevistados do mercado local, quatro destacaram uma relação estreita entre

design e concept art, reconhecendo inclusive o caráter projetual deste.

A questão de a narrativa estar na base do concept art parece depender ainda

de maior reflexão teórica. Feng Zhu não destaca nenhum ponto referente à

narrativa no trabalho do concept artist. Nos sites consultados, a Disney – como foi

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160

mencionado anteriormente – faz referência à narrativa como parte do trabalho do

concept artist ao referir-se no escopo de funções a questões tais como a

manipulação de momentos dramáticos da história e a captação de uma conexão

emocional com o tema da história. Entre os entrevistados, a relação do concept art

com a narrativa foi praticamente unânime. Apenas um dos entrevistados não

considera o concept art ligado a alguma instância da narrativa fílmica.

A conclusão, ao que tudo indica, é que existe alguma clareza sobre as

funções associadas ao concept art, mas as funções do profissional da área, seu raio

de ação e o resultado do seu trabalho necessitam de maior reflexão para que sejam

mais bem definidos.

No início da pesquisa trabalhamos com a ideia de que a atividade tem

prática consolidada, mas pouca reflexão teórica. Esta predição não se concretizou

completamente. Quando formulamos esta questão levamos em consideração a

realidade da indústria norte-americana, que é diametralmente oposta à realidade

no Brasil.

Os relatos dos entrevistados deixaram claro que o concept art ainda é uma

função subutilizada no mercado nacional de audiovisual, particularmente em

animação. Segundo os entrevistados não existe ainda possibilidade de carreira

nesta atividade, e o entrevistado Andres Lieban afirmou que a área de games

estaria mais preparada para acolher esta função que a de animação. Mesmo o site

Creative Skillset, que se dedica a fornecer informações variadas sobre a indústria

criativa para o mercado britânico, mais consolidado em muitos aspectos que o

mercado brasileiro, informa que o trabalho do concept artist é extremamente

especializado e que a demanda para este tipo de mão de obra é limitada. Resta

então apurar em quais segmentos da indústria do entretenimento esta função

encontra-se consolidada (games, animação, cinema, etc.) e mesmo, talvez,

identificar em quais regiões, tanto dentro quanto fora do Brasil, a atividade se

encontra desenvolvida em termos de formação e absorção de mão de obra.

No que diz respeito à baixa reflexão teórica sobre o campo, a predição se

confirmou plenamente. Não foi encontrado nenhum canal de reflexão teórica

sobre o assunto. Entre os entrevistados locais foi unânime o apoio à iniciativa da

pesquisa exatamente por entenderem que esta área carece de estudos que a tornem

mais precisa e reconhecida. Todos os meios pesquisados disponibilizam imagens

de trabalhos de artistas da indústria e tutoriais, mas o mais próximo que chegam

Page 161: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

161

da teoria é através de entrevistas com profissionais da área. Este padrão se repetiu

tanto nos sites quanto nos livros e revistas pesquisados.

Conforme foi abordado no subcapítulo 3.1, a natureza do conhecimento

disponível sobre concept art gira em torno do desenvolvimento técnico. Este é o

quadro geral no que se refere ao sistema de ensino. Mesmo em países cuja função

encontra-se em situação mais consolidada, como é o caso dos Estados Unidos, o

volume de instituições que oferece formação específica na área ainda é pequeno e

poucas têm um perfil acadêmico tradicional. O próprio Feng Zhu afirma que o

número de cursos focados em concept art é pequeno.

Segundo Feng Zhu, em sua maioria os concept artists são egressos de cursos

de ilustração ou de industrial design. Em função desta escassez de instituições

oferecendo cursos especializados em concept art, um grande volume de

informação é transmitido pela internet em sites especializados, fóruns de

discussão online e tutoriais. Muitas instituições oferecem cursos online sempre

ministrados por experts do mercado, disponibilizando um conjunto de

informações importantes, mas que por sua própria natureza pode ser

extremamente instrumental, carecendo em sua maioria de reflexões mais

profundas a respeito da área.

Neste particular encontramos em Lyotard a base necessária para entender

este processo de supervalorização da técnica em detrimento da reflexão na pós-

modernidade, conforme exposto no subcapítulo 3.1.

O mercado brasileiro é ainda mais carente. Não localizamos um curso

especializado em concept art oferecido por uma instituição de ensino superior. Os

poucos cursos encontrados são oferecidos na forma de cursos livres, por

instituições de ensino não acadêmicas. Segundo os entrevistados do mercado

local, os profissionais são egressos de cursos como Design e Artes Plásticas.

Os entrevistados afirmaram que em sua maioria os candidatos a atuar como

concept artists são ilustradores que têm que ser treinados no ambiente de

produção. A razão é que as questões cinematográficas são essenciais para um

profissional da área de desenvolvimento visual em animação e dificilmente os

ilustradores dominam este tipo de conhecimento. Aliás, mesmo os cursos de

ilustração são poucos no Brasil e em sua maioria também são oferecidos como

cursos livres.

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162

Esta instrumentalização de conhecimentos em concept art, entretanto, não

se alinha perfeitamente com o que foi declarado pela maioria dos entrevistados, os

quais listaram um rol de competências para o profissional desta área, que

ultrapassa o mero domínio das habilidades técnicas de representação figurativa.

Andres Lieban explicitamente classificou o trabalho do concept artist como

primeiramente um trabalho mental em que a representação figurativa ocorre

depois que as questões conceituais estão devidamente resolvidas. Este depoimento

nos remete diretamente à questão do conceito. O concept artist desenvolve

imagens que expressam conceitos e, para tanto, deve dominar bem mais que

apenas a representação figurativa. Questões ligadas à linguagem cinematográfica

e questões simbólicas deveriam fazer parte do processo de formação deste

profissional.

Um dos objetivos específicos deste trabalho – e talvez o mais ambicioso –

era revisar o conceito de concept art, tarefa dificultada pela escassez de

informações aprofundadas sobre a área. Por outro lado, há algumas definições que

podem ser encontradas na internet, sem, entretanto, serem acompanhadas de

fontes e bibliografias que forneçam credibilidade. A definição da Wikipédia

(http://en.wikipedia.org/wiki/Concept_art), por exemplo, é extensa, porém não

oferece nenhuma bibliografia e informa logo de início que aquele artigo carece de

ampliação.

Em meio à pesquisa percebemos que talvez a definição ainda seja algo

prematuro para uma área que está em plena formação e decidimos pela indicação

de caminhos para um entendimento mais claro sobre o concept art. A definição

que está na introdução deste trabalho é muito técnica, e exatamente por isso tão

restritiva e simplista quanto aquelas que encontramos espalhadas pela internet.

Temas abordados ao longo desta pesquisa podem ajudar a entender o

concept art não apenas como a produção de imagens interessantes para a

composição do visual de um filme, mas como uma atividade complexa, refinada e

que depende de uma série de competências que excede unicamente o domínio de

técnicas de representação figurativa.

O estudo de questões como narrativa, design e linguagem material dentre

outras que sequer estão aprofundadas nesta pesquisa, tais como semiologia e

linguagem cinematográfica, certamente podem contribuir muito para o

entendimento da área. Neste trabalho chegamos, talvez, a um esboço tênue dos

Page 163: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

163

contornos do concept art, mas muito trabalho ainda tem que ser realizado para que

estes contornos se tornem mais nítidos.

Outro objetivo da pesquisa era a identificação das funções associadas ao

conceito de concept art. Mesmo com todas as dificuldades encontradas durante a

pesquisa para coletar informações mais profundas sobre o objeto, é possível

identificar, mesmo que em linhas gerais, um conjunto de atividades associadas à

função do concept art, mas em primeiro lugar é preciso determinar o raio de ação

do concept artist e o tipo de produção em que este profissional está atuando.

Cesar Coelho, por exemplo, foi taxativo quanto à questão da autoria do

trabalho do concept artist em uma produção comercial de grande porte. Segundo

ele não é viável apenas um profissional assumir todo o trabalho de concepção

visual de um filme ou uma série. Em um filme autoral no qual o próprio concept

artist seja o diretor, sua autonomia no processo seria evidentemente alta. É

importante relembrar esta questão para estabelecermos o raio de ação deste

profissional. Em uma produção de grande orçamento ele está inserido na equipe

de direção de arte, como vimos na análise dos créditos de produções

cinematográficas da Disney e da Pixar.

Ao longo da pesquisa conseguimos identificar em fontes documentais e em

entrevistas algumas atividades ligadas à função do concept artist, conforme

citamos anteriormente. Atividades tais como a criação de cenários, personagens e

adereços, o desenvolvimento de pranchas inspiracionais para determinar a

atmosfera e a emoção das cenas, assim como o estudo de iluminação e da paleta

de cores do filme, foram identificadas, apesar das possíveis contradições e

discordâncias encontradas durante a pesquisa, mas ainda há certa falta de precisão.

Um bom exemplo é a categorização de Feng Zhu.

Em razão de sua visão um tanto restritiva quanto à divisão de tarefas em

uma equipe de arte, Feng Zhu afirma que estas são atuações típicas dos

ilustradores. A função de layout, que ele cita como sendo possivelmente da

competência de ilustradores, não faz parte do conjunto de atribuições do concept

artist, segundo Cesar Coelho. Nos créditos dos filmes consultados estas duas

atividades são listadas em departamentos diferentes e formadas por equipes

também diferentes. Como Feng Zhu separa as funções apenas em duas categorias,

obviamente ele tem que distribuir todas as funções de acordo com sua

categorização, o que pode tornar suas categorias pouco precisas.

Page 164: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

164

Entre os profissionais do mercado nacional, também não houve precisão na

atribuição das funções do concept artist. Esta falta de exatidão na identificação

das funções reflete, talvez, a relativa imaturidade do setor, uma vez que se

constituiu como forma de conhecimento autônoma faz pouco tempo, apesar de

existir como atividade desde a década de 1930. Isto é particularmente mais grave

no Brasil, onde, segundo os entrevistados, a atividade ainda carece de

consolidação no mercado.

Assim como a definição do concept art como um todo pareceu em

determinado momento da pesquisa um objetivo pouco provável de ser alcançado,

também seria difícil o estabelecimento de definições específicas para cada uma

das funções. Mais importante neste trabalho foi a busca por conceitos que

proporcionassem um olhar diferenciado, menos tecnicista sobre a área. Investigar

a raiz etimológica do termo conceito – tradução livre do vocábulo em inglês

concept – para buscar o sentido em que é empregado na denominação do campo

ajudou, por exemplo, a perceber de imediato que o concept artist não é apenas um

profissional que cria ilustrações esteticamente agradáveis e tecnicamente bem

resolvidas. O trabalho deste profissional está relacionado com a criação de

sentido, com o desenvolvimento de imagens capazes de agregar camadas de

informação ao produto no qual está trabalhando.

A interpretação de conceito como um fenômeno linguístico, constituindo-se

em um conjunto de signos que representam um objeto e que, além disso, é

formulado em resposta a um problema, nos leva à conclusão de que o concept art

auxilia na solução de problemas de comunicação e design presentes no projeto de

um filme de animação. Através do ferramental típico das artes plásticas e da

ilustração – formas, cores, texturas, iluminação, composição etc. – o concept artist

materializa os conceitos abstratos presentes no roteiro através de imagens

carregadas com significados. Entender o concept art apenas em suas dimensões

técnicas é reduzir seu potencial e sua importância para a indústria do

entretenimento.

Aliás, esta pesquisa demonstrou que a possibilidade de abordagens sobre o

concept art ultrapassam em muito aquilo que foi realizado aqui e que a relevância

do estudo desta atividade vai para além da indústria do entretenimento, setor na

qual está prioritariamente inserida. Concept art envolve questões abordadas nesta

pesquisa tais como projeto, autoria, conceitos, produção estética, etc., mas os

Page 165: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

165

possíveis desdobramentos de análise sobre esta atividade podem incluir pesquisas

nas áreas da cultura e da ética – dentre outras possibilidades que podem surgir a

partir de olhares diversos sobre o tema -, uma vez que o concept art se encontra na

base da produção de conteúdo audiovisual. A questão ética talvez seja uma das

mais importantes uma vez que o concept art é utilizado como ferramenta para o

desenvolvimento de produtos de massa com grande influência sobre crianças e

jovens.

O concept artist é coautor da obra, uma vez que está inserido nesta estrutura

coletiva que é a equipe de produção de um filme de animação e, mais ainda, é um

profissional que tem influência não apenas sobre a forma do filme, mas também

sobre a narrativa, uma vez que em muitos casos suas imagens serão os primeiros

vislumbres do que será o filme. O concept artist concebe formas dotadas de

significado e ao mesmo tempo contribui para o desenvolvimento da narrativa.

Atividade criativa por excelência, fundamental para setores influentes da

economia e da cultura, o concept art merece ser observado com mais cuidado,

para que possamos entender não apenas os seus métodos de produção, mas o

impacto que pode exercer sobre a sociedade.

Page 166: Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art:

166

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Bambi [DVD]. Estados Unidos: Walt Disney Productions, 1942. (70 min.), son.,

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Branca de Neve e os Sete Anões [DVD]. Estados Unidos: Walt Disney

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Cinderela [DVD]. Estados Unidos: Walt Disney Productions, 1950. (75 min.),

son, cor, legendado.

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Dumbo [DVD]. Estados Unidos: Walt Disney Productions, 1941. (64 min.), son.,

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Mary Poppins [DVD]. Walt Disney Productions, 1964. (139 min.), son., cor,

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Mogli [DVD]. Estados Unidos: Walt Disney Productions, 1967. (79 min.), son.,

cor, legendado.

Monstros S.A. [DVD]. Pixar Animation Studios, 2007. (111 min.), son., cor,

legendado.

Mulan [DVD]. Estados Unidos: Walt Disney Pictures, 1998. (88 min.), son., cor,

legendado.

Os Incríveis [DVD]. Pixar Animation Studios, 2004. (115 min.), son, cor,

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Pinóquio [DVD]. Estados Unidos: Walt Disney Productions, 1940. (88 min.),

son., cor, legendado.

Procurando Nemo [DVD]. Pixar Animation Studios, 2003. (100 min.), son., cor,

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Rei Leão [DVD]. Estados Unidos: Walt Disney Pictures, 1994. (89 min.), son.,

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Toy Story [DVD]. Pixar Animation Studios, 1995. (81 min.), son, cor, legendado.

Toy Story 2 [DVD]. Pixar Animation Studios, 1999. (92 min.), son., cor,

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Toy Story 3 [DVD]. Pixar Animation Studios, 2010. (103 min.), son., cor,

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Uma Cilada Para Roger Rabbit [DVD]. Touchstone Pictures, 1988. (104 min),

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Vida de Inseto [DVD]. Pixar Animation Studios, 1998. (81 min.), son., cor,

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Entrevistas Transcritas

COELHO, Cesar. Entrevista concedida a Marcelus Gaio Silveira de Senna. Rio de

Janeiro, 27 de fevereiro de 2013.

GLENES, Sergio. Entrevista concedida a Marcelus Gaio Silveira de Senna. Rio de

Janeiro, 18 de março de 2013.

LIEBAN, Andres. Entrevista concedida a Marcelus Gaio Silveira de Senna. Rio de

Janeiro, 01 de março de 2013.

MAGALHÃES, Marcos. Entrevista concedida a Marcelus Gaio Silveira de Senna.

Rio de Janeiro, 27 de fevereiro de 2013.

VISGUEIRO, Paulo. Entrevista concedida a Marcelus Gaio Silveira de Senna. Rio de

Janeiro, 24 de fevereiro de 2013.