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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO - UFMT FACULDADE DE DIREITO COORDENAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO CIVIL CONTEMPORÂNEO Marcilene Ribeiro da Silva DIREITO ASSISTENCIAL: RESPONSABILIDADE CIVIL DOS FILHOS PELO ABANDONO AFETIVO INVERSO Cuiabá - MT 2017

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO - UFMT FACULDADE DE DIREITO

    COORDENAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO CIVIL CONTEMPORÂNEO

    Marcilene Ribeiro da Silva

    DIREITO ASSISTENCIAL: RESPONSABILIDADE CIVIL DOS FILHOS PELO ABANDONO

    AFETIVO INVERSO

    Cuiabá - MT 2017

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    Marcilene Ribeiro da Silva

    DIREITO ASSISTENCIAL: RESPONSABILIDADE CIVIL DOS FILHOS PELO ABANDONO

    AFETIVO INVERSO

    Monografia apresentada como requisito final para a obtenção do título de Especialista em Direito Civil Contemporâneo da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT.

    Orientadora:

    Prof.ª Msc. Maísa de Souza Lopes

    Cuiabá – MT 2017

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    Marcilene Ribeiro da Silva

    DIREITO ASSISTENCIAL: RESPONSABILIDADE CIVIL DOS FILHOS PELO ABANDONO

    AFETIVO INVERSO

    Monografia apresentada como requisito final para a obtenção do título de Especialista em Direito Civil Contemporâneo pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT, sob a orientação da Prof.ª Msc. Maísa de Souza Lopes.

    Aprovada em 06/10/2017.

    Banca Examinadora:

    Profª. Msc. Maísa de Souza Lopes Orientadora: UFMT

    Prof. Dr. Carlos Eduardo Silva e Souza Examinador: UFMT

    Cuiabá-MT, 06 de outubro de 2017.

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    À memória de Agostinha Maria da Silva, mãe amorosa e sábia educadora, exemplo de vida que inspira-me a conquistar aquilo em que acredito, mesmo diante das adversidades.

    A todos os idosos, que motivaram-me a escrever este trabalho, para que, num processo de conscientização, exercitem, plenamente, sua cidadania e consigam um nível de empoderamento capaz de instrumentalizá-los com vistas a diminuir a discriminação da sociedade capitalista que fomenta a ditadura da juventude e da beleza.

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    AGRADECIMENTOS

    Ao Divino Pai Eterno, Inteligência Infinita, meu professor/orientador ad aeternum, o meu louvor e a minha gratidão, pela certeza de sua presença constante em minha vida e por oportunizar-me a concluir, em ordem divina, todos os meus empreendimentos.

    À Professora Msc. Maísa de Souza Lopes, que, pronta e gentilmente aceitou a responsabilidade de ser minha orientadora, pelas aulas ministradas, às quais serviram-me de incentivo para a eleição do meu tema de pesquisa e, principalmente, pelas orientações técnico-pedagógicas, das mais elementares às mais complexas, fundamentais para a tessitura deste trabalho.

    Aos demais professores do Curso de Especialização em Direito Civil Contemporâneo, pelos sábios ensinamentos.

    Aos colegas de turma, pelo relacionamento espontâneo vivenciado no cotidiano acadêmico, ambiência que favoreceu uma relação recíproca de aprendizado.

    Ao Sirval Mendes, meu esposo, pela presença e apoio sempre constantes.

    Aos meus irmãos e sobrinhos, família abençoada, pela união que há entre nós, em especial, pela certeza que temos que quando um da família cresce, todos crescem com ele.

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    Não reconhecemos a velhice em nós, nem sequer paramos para observá-la, somente a vemos nos outros, mesmo que estes possuam a mesma idade que nós.

    Simone de Beauvoir

    Sabe o que mata mais rápido um idoso? É o seu esquecimento filho ingrato A sua falta de atenção, A sua falta de carinho! Ainda bem que Deus está vendo tudo! E o que você faz hoje com seus pais, Amanhã seus filhos farão com você! A lei do retorno existe e é implacável! É só esperar!

    Andréia Godoi

    Mensagem de WhatsApp veiculada em 01/07/2017

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    RESUMO

    Objetiva-se com este trabalho revisitar a história universal para mostrar que o processo de envelhecimento e o tratamento dispensado ao idoso reflete a ideologia que a sociedade tem a seu respeito. Sob essa ótica, trouxe à reflexão o idoso na civilização oriental e ocidental desde os primórdios até à atualidade. Para tanto, analisou-se as principais legislações pátrias de amparo ao idoso como a Constituição Federal de 1988, o Código Civil de 2002 e o Estatuto do Idoso, com enfoque no instituto da Responsabilidade Civil dos Filhos pelo Abandono Afetivo Inverso, por ser uma via judicial que possibilita a indenização de pais idosos em decorrência do abandono filial sofrido. Não obstante essa possibilidade judicial, a indenização aos idosos ainda é tema polêmico que exigirá muito estudo e debate como demonstram os julgados pátrios sobre essa questão. Formalmente, procurou-se desenvolver o conteúdo enfocando o idoso na história, na família, na sociedade, no ordenamento jurídico pátrio e na jurisprudência, para se compreender o processo de amparo e/ou exclusão social do qual tem sido protagonista e, acima de tudo, contribuir para que tenha uma vida digna, como merece todo cidadão que já contribuiu para uma sociedade melhor. Metodologicamente, utilizou-se a pesquisa bibliográfica partindo-se do método indutivo para o dedutivo, com vistas a verificar se o idoso tem recebido a tutela jurídica referente à indenização por abandono afetivo inverso face à sua situação de hipossuficiência e vulnerabilidade.

    Palavras-chave: História, Idoso, Legislação, Responsabilidade Civil, Abandono Afetivo Inverso.

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    ABSTRACT

    This study aims at revisiting the universal history to show that the aging process and the treatment given to the elderly reflects the ideology that society has about them. From this point of view, it is brought to the reflection the elderly in Eastern and Western civilizations since the early days until today. Therefore, the main Brazilian laws for the protection of the elderly were analyzed, such as the 1988 Federal Constitution, the Brazilian Civil Code of 2002 and the Statute of the Elderly, focusing on the Filial Civil Responsibility for Reverse Affective Abandonment, as it is a judicial process which enables compensation for elderly parents who suffered filial abandonment. Notwithstanding this judicial possibility, compensation for the elderly is still a controversial issue that will demand further study and debate as demonstrated by the country’s cases on this subject. Formally, it was sought to develop the content in 04 chapters focusing on the elderly in history, family, society, the country’s legal system and jurisprudence, in order to understand the process of support and/or social exclusion from which he/she has been the protagonist and, above all, contribute to a dignified life, as every citizen that has already contributed to a better society deserves. Methodologically, the bibliographic research was used starting from the inductive to deductive method, in order to verify if the elderly has received the legal protection regarding compensation for revere affect abandonment in view of their situation of hypo-sufficiency and vulnerability.

    Keywords: History, Elderly, Legislation, Civil Responsibility, Reverse Affective Abandonment.

  • 10

    SUMÁRIO

    INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 12

    CAPÍTULO I

    O IDOSO NO CONTEXTO SOCIOCULTURAL DA HISTORIA UNIVERSAL ......................... 13

    1.1 Conceito de idoso .............................................................................................................. 13

    1.2 Conceito de envelhecimento.............................................................................................. 14

    1.3 O idoso na terceira idade ................................................................................................... 15

    1.4 O idoso na Antiguidade ..................................................................................................... 16

    1.5 O idoso na Idade Media ..................................................................................................... 22

    1.6 O idoso na modernidade ................................................................................................... 23

    1.7 O idoso na sociedade contemporânea .............................................................................. 24

    1.8 O idoso e a família ............................................................................................................. 26

    1.9 Maus tratos ao idoso ......................................................................................................... 27

    CAPÍTULO II

    A PROTEÇÃO DO IDOSO NO ORDENAMENTO JURIDICO BRASILEIRO .......................... 30

    2.1 A ONU e as pessoas idosas ............................................................................................. 30

    2.2 O idoso nas constituições brasileiras ................................................................................. 31

    2.3 A Constituição Federal de 1988 ......................................................................................... 33

    2.4 Principiologia ..................................................................................................................... 35

    2.5 Princípios constitucionais do Direito de Família: dignidade humana, afetividade e

    solidariedade

    ................................................................................................................................................ 35

    2.5.1 O princípio da dignidade humana .................................................................................. 36

    2.5.2 O principio da afetividade ............................................................................................... 38

    2.5.3 O princípio da solidariedade ........................................................................................... 40

    2.6 Lei 10741/2003 – O Estatuto do Idoso .............................................................................. 41

    2.7 O Código civil e o idoso .................................................................................................... 43

    CAPÍTULO III

    RESPONSABILIDADE CIVIL ................................................................................................. 45

    3.1 Responsabilidade civil: um breve escorço teórico .............................................................. 46

  • 11

    3.2 A responsabilização civil dos filhos nas relações com seus pais idosos ............................ 54

    3.3.A possibilidade de indenização por danos morais decorrentes do abandono afetivo

    inverso........................................................................................................................... 56

    CAPÍTULO IV

    O ABANDONO AFETIVO INVERSO NA JURISPRUDÊNCIA ........... 59

    4.1 Breves considerações sobre o abandono afetivo inverso........................................................................................................................ 60

    4.2 Posicionamento favorável à indenização por abandono inverso........................................................................................................................ 68

    4.3 Posicionamento desfavorável à indenização por abandono afetivo inverso 72

    CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................. 75

    REFERÊNCIAS...........................................................................................................................78

    ANEXOS......................................................................................................................................82

  • 12

    12

    INTRODUÇÃO

    A história universal nos mostra que o processo de envelhecimento não foi

    similar em todos os povos. A visão que se tem do idoso é o reflexo ideológico de

    uma dada sociedade sobre ele. Essa dicotomia fica mais nítida se compararmos

    as duas grandes civilizações mundiais: a oriental e a ocidental. Na oriental, cujos

    expoentes são a China e o Japão, a velhice, ao longo do tempo, sempre teve uma

    condição privilegiada. Já, na ocidental, cuja ideologia enaltece o corpo jovem,

    saudável e produtivo, a velhice é tratada, quase sempre, com desdém e, às vezes,

    com muito desrespeito. Ademais, o idoso, no sistema capitalista, por não mais

    constituir-se em mão de obra é considerado invisível e descartável, pois com o

    envelhecimento surge a degradação física, mental e emocional.

    Por ser efêmera a vida do ser humano, é essencial que ela seja digna em

    todas as suas fases. A terceira idade, em razão de sua vulnerabilidade,

    necessita de maior cuidado e proteção, garantias que são alcançáveis com leis

    que criem condições para promover sua autonomia, integração e participação

    efetiva na sociedade.

    Nesse sentido, a Constituição Federal/88, o Código Civil, o Estatuto do

    Idoso e a Lei 8.842/1994 (Política Nacional do Idoso), possuem dispositivos com

    força coercitiva que obrigam os filhos a cuidarem de seus pais idosos. Um

    exemplo dessa ação concreta é a reparação civil devida pelos filhos aos seus

    genitores anciãos por danos morais sofridos pelo abandono afetivo. O caráter

    coercitivo de tal medida justifica-se por entender que a omissão dos filhos em

    relação aos seus pais na velhice constitui falta grave por violar a sua dignidade,

    além de causar prejuízos como humilhação e angústia, situações que podem

    causar doenças e, até mesmo, diminuir o seu próprio prognóstico de vida.

    Aliás, o Código Civil tem se tornado um relevante instrumento de proteção

    aos direitos essenciais dos idosos através da responsabilização civil, uma vez

    que por meio dela poderá o idoso pleitear, perante o Poder Judiciário,

  • 13

    13

    indenização por danos morais sofridos em consequência do abandono afetivo de

    seus filhos.

    Partindo-se do pressuposto de que tudo gravita em torno da família,

    primeiro ente de proteção do idoso, a ela cabe lutar para assegurar os seus

    direitos fundamentais, em especial, o direito à vida com dignidade, como ressalta

    a CF/88. Como a dignidade é inerente à pessoa, o dever dos seus familiares é

    proporcionar as condições ideais para que haja uma longevidade saudável e

    feliz.

    Não obstante, a possibilidade de se ajuizar demandas com vistas à

    indenização de idosos em decorrência do abandono filial sofrido, esta medida

    judicial ainda é tema polêmico que exige muito estudo e debate. Contudo, a

    reparação por danos morais no ambiente familiar objetiva assegurar a função

    social da família, celula mater da sociedade.

    Pretende-se com este trabalho verificar se o idoso tem recebido a tutela

    jurídica referente à indenização por abandono afetivo tendo em vista a mesma

    relação de hipossuficiência e vulnerabilidade da criança e do adolescente.

    Objetiva-se, também, contribuir para o enriquecimento do acervo

    bibliográfico a respeito da situação do idoso considerando que é uma parcela da

    sociedade que aumenta a cada ano e, por esse motivo, precisa ser assistido

    material e imaterialmente, com políticas públicas adequadas e mudanças de

    atitudes tanto da família, como da sociedade, do Estado e do próprio idoso.

    Formalmente, este trabalho possui 04 (quatro) capítulos assim

    configurados: I - O idoso no contexto sociocultural da História Universal, II - A

    proteção do idoso no ordenamento jurídico brasileiro, III - Responsabilidade Civil e

    IV - O abandono afetivo inverso na jurisprudência

    Com essa estrutura, procurou-se desenvolver o conteúdo enfocando o

    idoso na história, na família, na sociedade e no ordenamento jurídico pátrio para

    se compreender o processo de amparo e/ou exclusão social do qual tem sido

    protagonista e, acima de tudo, contribuir para que tenha uma vida digna, como

    merece todo cidadão que já contribuiu para uma sociedade melhor.

    Metodologicamente, utilizou-se a pesquisa bibliográfica partindo-se do

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    14

    método indutivo para o dedutivo.

    Vale consignar que a indenização por abandono imaterial, por si só, não

    reaproxima os familiares, tampouco promove a solidariedade e a afetividade entre

    eles. Todavia, possui caráter punitivo, compensatório e pedagógico, como toda

    medida em que cabe responsabilidade civil.

  • 15

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    CAPÍTULO I

    1. O IDOSO NO CONTEXTO SOCIOCULTURAL DA HISTORIA UNIVERSAL

    Objetiva-se neste capítulo situar, historicamente, a questão do idoso,

    trazendo à reflexão a concepção de diferentes civilizações sobre a velhice desde a

    Antiguidade até os dias pós modernos, por acreditar que esta abordagem é

    fundamental para se compreender a situação de exclusão e de abandono da qual

    são vítimas muitas pessoas idosas.

    Antes de discorrer sobre a história do idoso no contexto sociocultural

    necessário se faz a conceituação dos termos idoso, envelhecimento e terceira

    idade, elementos que constituem-se em base delimitada de saber para se

    entender quem é o idoso, como se apresenta e como é visto pela sociedade na

    qual está inserido.

    1.1 Conceito de idoso

    Tanto a Organização das Nações Unidas - ONU como a Organização

    Mundial de Saúde - OMS definem o idoso a partir da idade cronológica e tomam

    como parâmetro o nível socioeconômico de cada nação. Para ambas, em países

    em desenvolvimento, é considerado idoso aquele que tem 60 ou mais anos de

    idade. Já nos países desenvolvidos, a idade se estende para 65 anos.

    Como se vê, o conceito de idoso é diferenciado para países em

    desenvolv imento e pa ra pa íses desenvo lv idos . Nos p r ime i ros ,

    como é o caso do B ras i l , são consideradas idosas aquelas pessoas com

    60 anos e mais; nos segundos, são idosas as pessoas com 65 anos e mais. Essa

    definição foi estabelecida pela ONU, em 1982, por meio da Resolução 39/125,

    durante a Primeira Assembleia Mundial das Nações Unidas sobre o

  • 16

    16

    Envelhecimento da População, realizada em Viena, capital da Áustria,

    relacionando-se com a expectativa de vida ao nascer e com a qualidade de vida

    que as nações propiciam aos seus cidadãos.

    Etimologicamente, a palavra idoso vem de idade + oso. Sempre se

    relaciona objetivamente com o tempo em anos, meses e dias, decorridos a contar

    de uma data inicial determinada ou determinável. Idoso, em relação ao ser

    humano, tem esse significado, a partir do nascimento.

    Para a Lei 8.842/1994 - Política Nacional do Idoso, bem como para a Lei

    10.741/2003 - Estatuto do Idoso, o vocábulo idoso refere-se à pessoa com 60

    anos ou mais.

    É importante esclarecer, no entanto, que a idade cronológica não é um

    marcador preciso para as mudanças que acompanham o envelhecimento. Existem

    diferenças significativas relacionadas ao estado de saúde, participação e níveis de

    independência entre pessoas que possuem a mesma idade (SANTOS, 2010).

    1.2 Conceito de envelhecimento

    Envelhecimento é um processo inexorável e irreversível que ocorre em

    todas as sociedades humanas em decorrência de mudanças biológicas,

    cognitivas, sociais, culturais e econômicas (MACHADO, 2017).

    Para referida autora, a velhice, no ser humano, caracteriza-se por um

    processo biopsicossocial de transformações, ocorridas ao longo da existência,

    suscitando diminuição progressiva de eficiência de funções orgânicas (biológica),

    criação de novo papel social que poderá ser positivo de acordo com os valores

    sociais e culturais do grupo ao qual o idoso pertence (sociocultural); e pelos

    aspectos psíquicos vistos tanto pela sociedade quanto pelo próprio idoso

    (psicológico).

    De acordo com SARAIVA (2016), na visão da gerontologia, ciência que

    estuda o envelhecimento do homem sob enfoques biológicos, psicológicos,

  • 17

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    ambientais e culturais, envelhecer é um processo natural, orgânico, dinâmico,

    progressivo e irreversível que se instala no indivíduo desde o nascimento e o

    acompanha por toda a vida, provocando alterações na forma do corpo, nas

    funções orgânicas e nas reações químicas do organismo.

    1.3 Conceito de terceira idade

    Como descrito anteriormente, a ONU define Terceira idade1 como a fase da

    vida que começa aos 60 anos nos países em desenvolvimento e aos 65 anos

    nos países desenvolvidos.

    Se fizermos um cotejo entre a definição de terceira idade apresentada pela

    ONU com as principais legislações brasileiras, encontraremos pontos de

    divergência relativos a essa faixa etária. Isso ocorre, porque a Constituição Cidadã

    de 1988 estabelece que a terceira idade tem início aos 65 anos. Já o Código

    Penal, considera idoso para efeitos criminais a partir de 70 anos e a Política

    Nacional do Idoso, define o limite de 60 anos para o ingresso da pessoa na

    referida fase.

    Apresentados os conceitos em epígrafe, passa-se a revisitar a História

    Universal, a fim de contextualizar a historicidade do idoso nas diversas fases do

    processo civilizatório e, com isso, conhecer o lugar que ele, ideologicamente,

    ocupa na sociedade contemporânea, de forma a contribuir para que tenha um

    1 1 A terceira idade caracteriza-se por mudanças físicas em todo o organismo do indivíduo,

    alterando suas funções e trazendo mudanças nos seus comportamentos, percepções, sentimentos, pensamentos, ações e reações. Há também alterações dos papéis sociais que resultam das mudanças biopsicológicas relacionadas ao avanço da idade. Assim, a terceira idade ou velhice não comporta um único conceito, uma vez que a idade cronológica pode não ser idêntica à idade biológica e social do indivíduo. O termo terceira idade foi criado pelo gerontologista francês Huet, cujo início cronológico coincide com a aposentadoria por emprego lucrativo, entre 60 e 65 anos. O envelhecimento ocorre em diferentes dimensões (biológica, social, psicológica, econômica, jurídica, política) e depende de diversos fatores ocorridos nas fases anteriores da vida, como as experiências vividas na família, na escola ou em outras instituições.

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    tratamento voltado para as suas necessidades e não seja vítima do abandono

    afetivo inverso.

    1.4 O idoso na Antiguidade

    Não há como negar: o idoso é uma parcela da sociedade que compõe o

    contingente populacional de uma nação e, nessa condição, recebe tratamento

    social e governamental, de acordo com a concepção sociopolítica dessa nação.

    Isso significa dizer que o idoso é visto sob diferentes perspectivas consoante as

    várias culturas na qual está inserido. Assim, na cultura oriental, o idoso é visto

    como um símbolo de sabedoria devido às experiências vividas, e por isso, é o

    mais respeitado e com o mais alto estatuto na sociedade.

    Ao passo que na cultura ocidental, o viver da pessoa idosa é pontilhado por

    preconceitos, discriminação e isolamento. Não obstante esses traços sombrios,

    SANTOS (2001), afirma que eles vem sendo transformados em uma função mais

    positiva.

    Depreende-se dessas informações que a concepção sobre a velhice não é

    única para todos os povos, tudo resulta do período em que cada um viveu e a

    herança cultural recebida da própria civilização.

    A autora em comento, partindo de reflexões filosóficas da história universal,

    aborda a questão do envelhecimento na Antiguidade oriental e ocidental, sob a

    visão de pensadores importantes como forma de o profissional que cuida do idoso

    entenda esse processo e, com isso, cuide melhor de si e do idoso em suas reais

    necessidades.

    A China, à guisa de exemplo, tratava os idosos de maneira privilegiada. A

    qualificação e a responsabilidade das pessoas aumentava com os anos e no ápice

    da hierarquia de poder encontravam-se os anciãos. Essa posição elevada refletia-

    se na família, sendo que toda a casa devia obediência ao homem mais idoso e,

    sua autoridade, não diminuía com a idade.

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    19

    Na civilização oriental destacam-se Lao-Tsé e Confúcio como os principais

    idealizadores e propagadores dessa concepção. O filósofo e historiador Lao - Tsé

    ou Lao - Tzi (604-531 a.C) viu na velhice um momento de alcance espiritual

    máximo, afirmando que o ser humano, aos 60 anos, atinge a possibilidade de

    libertar-se de seu corpo através do êxtase e se tornar santo.

    O outro expoente dessa época foi Confúcio (551 a.C. - 479 a.C.) que

    justificava moralmente essa autoridade associando velhice à posse da sabedoria.

    A sua filosofia visa a uma organização nacionalista da sociedade

    estruturada no princípio da simpatia universal que deve ser alcançada por meio da

    educação, e estender-se do ser humano à família e da família ao Estado, este

    considerado a grande família.

    O confucionismo, como descreve SANTOS (2001), tem como base a

    família, na qual todos devem obediência ao ser humano masculino mais velho. A

    autoridade do patriarca mantém-se elevada com a idade e até mesmo a mulher,

    tão subordinada, na velhice, passa a ter poderes mais elevados do que os jovens

    masculinos, exercendo influência preponderante na educação dos netos. Confúcio

    acreditava que a autoridade da velhice é justificada pela aquisição da sabedoria.

    Pregando que aos 60 anos o ser humano compreende, sem necessidade de

    refletir tudo que ouve; ao completar 70 anos, pode seguir os desejos do seu

    coração sem transgredir regra nenhuma, e que a sua maior ambição era que os

    idosos pudessem viver em paz e, principalmente, que os mais jovens amassem

    esses seres.

    De acordo com a autora em referência, Confúcio entendia que não há no

    mundo nada tão grande como o ser humano; e, no ser humano, nada é maior que

    a piedade filial. Conforme sua doutrina, os deveres dos filhos para com os pais

    compreendem: procurar torná-los seres humanos felizes, de todas as maneiras e

    em todos os momentos; sempre cuidar deles com carinho e atenção; demonstrar

    saudade e dó deles, por ocasião de sua morte; e, após a sua morte, oferecer-lhes

    sacrifícios com muita formalidade.

    Conclui o pensador, que o amor dos filhos aos pais envelhecidos, a

    assegurar-lhes maior proteção e segurança na última idade do seu processo de

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    20

    viver, compreende uma das mais sublimes ações do ser humano para consigo

    mesmo e para com a sua espécie, ou seja, para com a sua geração e para as

    gerações futuras, sustentando a perpetuação do amor intenso e especial entre

    pais e filhos.

    No que diz respeito à literatura chinesa, a velhice nunca é concebida como

    um flagelo. No Japão, a velhice é sinônimo de sabedoria e de respeito. O

    fenômeno envelhecer é natural. O idoso é tratado com respeito e atenção, devido

    à vasta experiência acumulada através dos anos. A família é o seu amparo. As

    crianças e os adolescentes veem com orgulho os sacrifícios realizados pelos seus

    idosos em benefício da família. Dentre esses sacrifícios destacam-se o trabalho

    para satisfazer as despesas da casa e o pagamento do estudo dos filhos, mesmo

    possuindo um grau de escolaridade elementar. Na cultura japonesa o ancião

    ocupa sempre uma posição digna. Por isso, é comum as pessoas os consultarem

    antes de tomarem uma decisão importante, por considerarem os seus conselhos

    sábios e experientes. Os idosos tem, portanto, uma forte atuação tanto nas

    decisões políticas como nas decisões do seu grupo social.

    O aniversário do idoso é comemorado no Japão de forma solene. E mais,

    desde 1.947, celebram o Dia do Respeito ao Idoso (keiro no hi). É um feriado

    dedicado aos idosos, e neste dia, os japoneses rezam pela longevidade dos mais

    velhos, agradecendo as contribuições feitas à sociedade ao longo de suas vidas.

    Com relação à idade, esta não é perguntada às mulheres jovens, somente às mais

    idosas, que respondem com muito orgulho terem 70 ou 80 anos. Em sentido

    contrário, tal indagação aqui, no Brasil, é interpretada como falta de educação,

    tendo em vista que perguntar a idade de alguém mais velho causa

    constrangimento, como se fosse vergonhoso ter muitos anos de vida.

    Na cultura japonesa, ao completar 60 anos de idade, é permitido ao homem

    o uso de blazer vermelho, pois é preciso completar seis décadas de vida para ter a

    liberdade de usar a cor dos deuses.

    Como se vê, nas culturas orientais, o idoso é tido como alguém que

    acumulou muita experiência, portanto, possuidor de um saber digno de respeito e

    de admiração.

  • 21

    21

    Já no Ocidente, onde a beleza e o vigor físico eram cultuados e exaltados,

    o primeiro texto dedicado à velhice, escrito em 2.500 a.C. por Ptah-Hotep, filósofo

    e poeta egípcio, traça um quadro sombrio sobre o idoso, como se observa da

    seguinte citação:

    Como é penoso o fim de um velho! Ele se enfraquece a cada dia; sua vista cansa, seus ouvidos tornam-se surdos; sua força declina; seu coração não tem mais repouso; sua boca torna-se silenciosa e não fala mais. Suas faculdades intelectuais diminuem, e lhe é impossível lembrar-se hoje do que aconteceu ontem. Todos os seus ossos doem. As ocupações que até recentemente causavam prazer só se realizam com dificuldade, e o sentido do paladar desaparece. A velhice é o pior dos infortúnios que pode afligir um homem. O nariz entope, e não se pode mais sentir nenhum odor (BEAUVOIR apud SANTOS, 2001).

    Referido pensamento nos apresenta a face cruel do processo do

    envelhecimento com todas as suas mazelas e tece comentários de modo

    desfavorável, desolado e depressivo.

    Embora escrito na civilização antiga, esse texto reflete, em muito, o

    universo do idoso no mundo atual, principalmente em países em desenvolvimento,

    como é o caso do Brasil, haja vista a situação de abandono, isolamento,

    preconceito e discriminação em que vive grande parte da população anciã.

    Contudo, esse quadro sombrio tende a melhorar em virtude da criação de leis,

    bem como de políticas públicas em prol dessa classe que é denominada “geração

    esquecida”.2

    Não se pode olvidar, no entanto, que em decorrência da globalização da

    economia e, com ela, os avanços tecnológicos, científicos e demográficos, fatores

    que contribuem para tornar o homem mais longevo não foram suficientes para os

    idosos conquistarem um padrão ideal de qualidade de vida, ou seja, uma velhice

    mais tranquila e saudável e, acima de tudo, mais adaptável às limitações próprias

    dessa fase.

    2 Geração esquecida, assim denominada, porque muitos idosos são deixados pela família em abrigos, esquecidos nos hospitais, mandados para lares, a maioria dos idosos não recebe visitas nem mesmo nas datas mais importantes e especiais, como o Dia do Pai/da Mãe, aniversário, Natal, Páscoa ou no Dia do Idoso.

  • 22

    22

    O respeito do povo judeu pelos idosos pode ser verificado através de seu

    principal livro: a Bíblia. Sobre esse assunto MENDES (2011), esclarece que em

    Eclesiástico, consta “Obrigações dos filhos” onde encontram-se recomendações

    quanto ao cuidado com os idosos: “Filho, ampara a velhice de teu pai, e não lhe

    dê pesares em sua vida: e se lhe forem faltando as forças, suporta-o, e não o

    desprezes por poderes mais do que ele: porque a caridade que tu tiveres usado

    com teu pai, não ficará posta em esquecimento” (Ecle, 3:14,15).

    Continua o autor: Sobre a Maturidade da Velhice: “Como acharás tu na tua

    velhice, que o não ajuntaste na tua mocidade? Quão belo é às cãs o juízo, e aos

    anciãos o ter conhecimento do conselho! Quão bem parece a sabedoria nos

    velhos, e a inteligência, e o conselho nas pessoas da alta jerarquia! A experiência

    consumada é a coroa dos velhos, e o temor de Deus é a sua glória” (Ecle, 25:5-8).

    Os antigos hebreus também se destacavam pela importância que davam a

    seus anciões, que, em épocas de nomadismo eram considerados os chefes

    naturais dos povos que eram consultados quando necessário. Matusalém é o

    símbolo da velhice da cultura hebraica, aos 969 anos era considerado o homem

    mais velho dessa nação.

    Uma vida longa era vista mais como uma benção do que como uma carga,

    e esta benção é vista nos patriarcas bíblicos.

    No povo judeu, a sociedade descrita é patriarcal, na qual os grandes

    ancestrais eram os eleitos e os porta-vozes de Deus, eram venerados e

    respeitados. Tanto a velhice era valorizada que, maltratar os pais era um crime

    que podia ser punido com a morte. Os idosos tinham um papel político na

    sociedade, pois o órgão máximo do povo hebreu, o Sinédrio, era composto por

    setenta (70) “anciãos do povo”, homens ilustres, cujas filhas poderiam casar-se

    com sacerdotes.

    Na Grécia Antiga, não se verifica uma unidade de tratamento para com os

    mais velhos. Pode-se dizer que a velhice era mesmo uma etapa da vida temida

    pelos gregos, principalmente pela civilização helênica, onde o vigor característico

    da juventude era muito valorizado.

  • 23

    23

    Entretanto, é em Sócrates que se encontra o verdadeiro interesse pelos

    problemas do idoso. Em sua obra “A República”, Platão dá voz a Sócrates que faz

    referências ao envelhecimento afirmando que para os seres humanos prudentes e

    bem preparados, a velhice não constitui peso algum.

    De fato, se a pessoa, no decorrer da vida, desenvolver hábitos e atitudes

    saudáveis e entender que a velhice é um processo natural da vida, tem grande

    chance de ser um idoso consciente e dessa forma, será feliz e contribuirá com a

    sociedade, à medida de sua capacidade. Platão, reproduzindo os diálogos e os

    momentos vivenciados com Sócrates, afirmava que a velhice faz surgir nos seres

    humanos um imenso sentimento de paz e de libertação. Aos 80 anos quando

    escreveu “Leis” mostra as obrigações dos filhos para com os pais idosos,

    enfatizando que nada é mais digno que um pai e um avô, que uma mãe e uma avó

    todos idosos.

    Já a visão de Aristóteles sobre o envelhecimento era a de que uma boa

    velhice era aquela em que o ser humano não apresentasse enfermidades.Na

    percepção aristotélica, o idoso era deprimente, reticente, hesitante, lento, de mau

    caráter, só imagina o mal; é cheio de desconfiança e que essas características

    são decorrentes de suas experiências de vida, sendo desprovidos de

    generosidade, vivendo mais de recordações do que de esperanças e desprezando

    a opinião alheia. Em “A Ética”, Aristóteles ensina que o ser humano progride

    somente até os 50 anos.

    Essa era, portanto, a concepção que imperava entre os gregos, amantes do

    corpo jovem e saudável e, nessa preocupação de cultuar e preservar a beleza,

    tratava a velhice com desconsideração e até mesmo com pavor, chegando alguns

    a preferirem a morte do que envelhecer.

    Observa-se que essa visão negativa da velhice ainda está arraigada no

    imaginário coletivo dos povos ocidentais, entre eles, nós, brasileiros, que temos

    uma imagem distorcida da pessoa idosa.

    Porém, de maneira geral, a velhice estava associada à ideia de honra, o

    que pode ser verificado mediante o fato de o rei ser assistido por um conselho de

    anciãos, mesmo que esse conselho tivesse apenas um papel consultivo, para o

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    24

    qual alertava Homero. É que naquela época (séc. IX) a coragem física e valores

    guerreiros desempenhavam um papel essencial, como pode ser constatado

    através da obra “Ilíada”, de maneira que a velhice e a morte eram evocadas de

    forma a induzir a uma aceitação deliberada da condição humana. A velhice era

    associada à experiência, à arte da palavra e à autoridade, mas era reconhecida a

    fragilidade física do idoso.

    Na sociedade romana os anciãos tinham uma posição privilegiada. O direito

    romano concedia a autoridade de “pater familias” aos anciãos. Quanto mais

    poderes lhes eram concedidos, mais a ira de novas gerações se voltava contra os

    velhos. A República Romana também conferia cargos importantes no senado aos

    anciãos como “patrícios”. A imagem negativa da velhice foi combatida por Sêneca,

    mas foi Cícero, com sua obra "A Senectude" que a velhice foi valorizada, uma vez

    que encontrou nele seu maior defensor.

    Entre os romanos, a relação do velho com a sociedade se dá através da

    propriedade. Enquanto proprietários, a propriedade privada era garantida por lei e

    eles eram respeitados. E, foram os ricos proprietários fundiários, que haviam

    chegado ao fim de suas carreiras de magistrados, que detiveram o poder, eles

    compunham o senado. O senado era a mais importante instituição de poder, cujo

    nome deriva de “senex”, que significa idoso, valorizando a experiência desses

    cidadãos.

    Essa situação privilegiada dos idosos afirma-se no interior da família, onde

    o poder do pater familias é quase sem limites. Ele tem os mesmos direitos sobre

    as pessoas e sobre as coisas: matar, mutilar e vender. O regime republicano

    fracassa a partir dos Gracos e o senado perde pouco a pouco seus poderes que

    passam às mãos dos militares, ou seja, de homens jovens. Cícero, que era

    senador, compõe, aos 63 anos, uma defesa da velhice para reforçar a autoridade

    do senado que estava abalada. Ele chama de preconceitos as ideias que se têm

    da velhice, mas reconhece que, em geral, ela é detestada. Com a queda do

    Império Romano os anciãos também foram perdendo seu lugar de destaque na

    sociedade, mais uma vez se tornaram vítimas da superioridade juvenil.

    No sistema de estratificação por idade de cada sociedade estava implícito

    http://www.ufrgs.br/e-psico/subjetivacao/tempo/velhice-pater-familias.htmlhttp://www.ufrgs.br/e-psico/subjetivacao/tempo/velhice-senectude.html

  • 25

    25

    que a idade era um determinante básico da distribuição de tarefas.

    O Cristianismo pregou uma visão negativa da velhice. Este tema deixou de

    interessar aos escritores cristãos que associavam a velhice com a moral e a

    concebiam como uma etapa da decrepitude, feiúra e pecado.

    Nas culturas Incas e Aztecas, a população anciã era tratada com muita

    consideração. A atenção a este segmento social era vista como de

    responsabilidade pública.

    1.5 O idoso na Idade Media

    Durante o Baixo-Império e a alta Idade Média (século V ao X), quando a

    sociedade era regida pelas armas, os idosos foram excluídos da vida pública. Na

    família, o avô era respeitado, os pais exigiam obediência de seus filhos e lhes

    impunham casamentos. No século XIV, quando a propriedade funda-se em

    contratos, e não na força física, os idosos ricos tornaram-se poderosos pela

    acumulação de riquezas. Observa-se que, os antigos não tinham como referência

    a idade cronológica para estabelecer a condição de velhice, esta poderia iniciar-se

    a partir dos 45 anos, considerando que, com esta idade, a pessoa já detinha saber

    ou propriedade, o que lhe assegurava um papel na sociedade, e a longevidade era

    rara, poucos viviam muito mais do que isso3.

    É possível verificar a associação entre velhice e sabedoria também na

    descrição das idades da vida, apresentada por Ariès, onde elas são representadas

    no século XVI, de acordo com as funções sociais. Em uma pintura no palácio dos

    Doges, pode ser visto:

    “Primeiro, a idade dos brinquedos: as crianças brincam com um cavalo de pau, uma boneca, um pequeno moinho ou pássaros amarrados. Depois, a idade da escola: os meninos aprendem a ler ou seguram um livro e um

    3 A título de exemplo, Carlos V, Imperador do Sacro Império Romano Germânico, faleceu aos 42 anos, em 1.380, com a reputação de um velho sábio.

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    26

    estojo; as meninas aprendem a fiar. Em seguida, as idades do amor ou dos esportes da corte e da cavalaria: festas, passeios de rapazes e moças, corte de amor, as bodas ou a caçada do mês de maio dos calendários. Em seguida, as idades da guerra e da cavalaria: um homem armado. Finalmente, as idades sedentárias, dos homens da lei, da ciência ou do estudo: o velho sábio barbudo vestido segundo a moda antiga, diante de sua escrivaninha, perto da lareira.”

    1.6 O idoso na modernidade

    No século XVIII, em toda a Europa, a população cresce e rejuvenesce

    graças a uma melhor higiene, todavia o domínio do idoso na família e na

    sociedade começou a mudar, e acredita-se que o início da perda de poder e de

    prestígio se deva à Revolução Industrial, que ocorreu no fim desse século, e que

    pode ser considerada a causa fundamental de grandes transformações

    estruturais, especialmente no mundo ocidental, que interferiram na estrutura

    familiar, nas relações de trabalho e nos valores econômicos. Surge a família

    nuclear, na qual o idoso perde seu espaço, e não sendo mais produtivo

    economicamente, passa a ser considerado improdutivo e descartável. E assim

    surge o conceito negativo de velhice.

    Na visão de Beauvoir (1990), as concepções de velhice variam conforme o

    interesse das classes sociais, manifestas pelos legisladores e moralistas, e esta

    questão está sempre relacionada com a questão do poder, pois até o século XIX,

    ela não encontrou referência aos velhos pobres, que eram pouco numerosos e

    sua vida era mais curta. A velhice idealizada e prestigiada na mitologia e no

    folclore, observa Mascaro, é representada pela imagem do homem idoso, cheio de

    vigor, bondade e sabedoria, enquanto que a imagem da velhice feminina é

    identificada pelo lado negativo e sombrio da vida. O prestígio e a valorização da

    mulher estavam relacionados à procriação, após a menopausa, perdiam seu valor.

    As ideologias predominantes em cada época reconheciam a velhice como

    categoria social, ora exaltando-a como virtude, ora marginalizando-a pela

    ausência da força física. Já aos artistas e poetas, a velhice só interessou enquanto

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    27

    aventura individual, e desta forma, era temida e apresentada como um ser

    negativo, evidenciando-se as suas limitações.

    De toda a história da velhice o que se verifica é que, mesmo tendo sido

    reconhecida como sabedoria, nunca foi ignorada sua fragilidade, por isso as

    imagens que dela se tem em diferentes épocas, ora evocavam um ou outro

    atributo. Felizmente, na pós modernidade, não tem sentido a imagem da

    decrepitude do ancião dos séculos XVI e XVII. O ancião desapareceu, como diz

    Ariès, foi substituído pelo “homem de uma certa idade”, e por “senhores ou

    senhoras bem conservados”. Segundo o autor, “a ideia tecnológica de

    conservação substituiu a ideia ao mesmo tempo biológica e moral da velhice,”

    associadas à fragilidade e à sabedoria.”

    1.7 O idoso na sociedade contemporânea

    Não obstante os avanços científicos, tecnológicos, sociais, culturais e

    legais na sociedade pós moderna, o idoso ainda é estigmatizado por preconceitos,

    discriminação e exclusão. A imagem que se tem dele é de declínio e fragilidade. A

    sociedade contemporânea está focada no novo, no belo e no produtivo, por isso,

    valoriza o jovem e, por via reflexa, rejeita tudo o que não corresponde a essa

    imagem.

    A sociedade atual é caracterizada pela imagem e pelo consumo, status que

    torna a velhice invisível e em decadência. Nesse contexto, o idoso é o inservível,

    inadaptável à realidade sóciocultural. Sob essa ótica, ele perde o seu valor social

    e simbólico positivos passando a ocupar um lugar estigmatizado e preconceituoso.

    Nesse quadro, o idoso não é reconhecido como portador de conhecimentos os

    quais são transmitidos aos mais jovens como ocorria nas sociedades antigas em

    que era respeitado e valorizado como agente detentor de grande saber e que o

    transmitia aos mais jovens.

    Há um imaginário coletivo, em que se acredita que o idoso ocupa espaço e

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    28

    que está à espera da morte. Com o evoluir da sociedade, ele perdeu a sua função

    de perpetuador cultural, aquele que transmite conhecimentos, ao contrário, é

    reconhecido como inativo.

    Isso ocorre, porque a sociedade em que vivemos é capitalista e, como tal,

    valoriza a produção e o lucro, sendo o idoso também excluído neste quesito, uma

    vez que não há mercado de trabalho para ele, por ser considerado inoperante e

    improdutivo.

    Sobre a atuação do idoso na sociedade, HORN (2013) assim pontua:

    Numa sociedade capitalista, além de ser marcada pela cultura da imagem, se valoriza também a produção, que geralmente pode ser considerada a primeira dificuldade a ser enfrentada pelo idoso. Fazendo com que seja excluído do mercado de trabalho. Na atualidade, produtividade e velocidade são termos de grande importância para o mundo do trabalho e parece que fazem parte somente das características da juventude. É fato de que em certo ponto, a velhice se caracteriza por um período de redução e ausência de trabalho formal, fazendo com que seja utilizada uma quantidade de termos negativos que são aplicados aos idosos, como “inativos”, “improdutivos”, fazendo com que essas pessoas se sintam aposentadas para a vida e não somente para o trabalho.

    Apesar desse quadro sombrio sobre o idoso na contemporaneidade, ele

    conseguiu muitas conquistas sociais, legais e sanitárias. Na legislação pátria

    tem-se a CF/1988, o Estatuto do Idoso, a Política Nacional da Pessoa Idosa, o

    Código Civil e o Código do Consumidor, todas com dispositivos voltados à

    proteção dos direitos e da dignidade da pessoa idosa.

    Não se pode perder de vista que o idoso é um agente de transformação.

    Com o seu conhecimento, seu salário e sua alegria, contribui para o bem estar de

    muitas pessoas, em especial, as de sua família, principalmente quando é

    aposentado e, muitas vezes, o provedor principal da família.

    É preciso compreender, no entanto, que o envelhecimento é um processo

    universal que afeta o próprio ser humano, sua família, sua comunidade e a

    sociedade. Portanto, esse processo deve ser visto com naturalidade,

    considerando que faz parte da vida.

  • 29

    29

    1.8 O idoso e a família

    A maioria das famílias vive com o idoso sob o mesmo teto. Dessa

    convivência nasce um relacionamento baseado na afetividade e, às vezes, na

    agressividade. A família é definida como um grupo enraizado numa sociedade e

    tem uma trajetória que lhe delega responsabilidades sociais. Especialmente

    perante o idoso, a família vem assumindo um papel importante e inovador, na

    medida em que o envelhecimento acelerado da população é uma realidade.

    Sob o ponto de vista legal, a Constituição Federal de 1988 define família

    como a base da sociedade e atribui-lhe como dever o amparo das pessoas idosas

    de modo a assegurar-lhes a participação na comunidade, defendendo sua

    dignidade e bem estar e garantindo-lhes o direito à vida.

    Nesse sentido, enfatiza Fátima Teixeira que cabe aos membros da família

    entender essa pessoa em seu processo de vida, de transformações, conhecer

    suas fragilidades, modificando sua visão e atitude sobre a velhice e colaborar para

    que o idoso mantenha sua posição junto ao grupo familiar e social.

    Em sendo a família fundamental para o bem estar e o equilíbrio do idoso,

    conclui-se que é no seio familiar que o idoso deve permanecer e receber o

    cuidado, o apoio e o amor dos filhos ou de outros familiares.

    Nos países em desenvolvimento, como o Brasil, a família ainda é a principal

    provedora da pessoa idosa. Essa realidade é mais recorrente entre as famílias

    pobres com idosos, onde acontece a formação de arranjos familiares entre várias

    gerações, de modo a se fazerem companhia e se autoajudarem. Nesse processo

    de coabitação, os familiares mais jovens, quase sempre desempregados, passam

    a usufruir da renda dos mais velhos, e estes, dos cuidados e do afeto que a família

    pode oferecer no ambiente doméstico, numa nítida relação de barganha na qual o

    idoso provê a manutenção econômica e o jovem, em contrapartida, cuida do

    idoso.

    De fato, o Brasil é um dos países onde predominam os arranjos familiares

    do tipo idoso com cônjuge, filhos e outros parentes que coabitam num mesmo

    domicílio. No meu cotidiano há esse exemplo, reforçando a ideia de que é comum

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    30

    a coabitação entre mais de duas gerações, principalmente entre as famílias mais

    pobres.

    1.9 Maus tratos ao idoso

    Os maus tratos é a ação e o efeito de maltratar (tratar mal uma pessoa,

    sujeitando-a à violência e aos abusos). Este conceito está associado a uma forma

    de agressão no âmbito de uma relação entre duas ou mais pessoas. Trata-se,

    portanto, de violência praticada por alguém, de forma comissiva ou omissiva

    contra outra pessoa que esteja sob os seus cuidados.

    É comum observar a intolerância dos não idosos com os mais velhos.

    Vulneráveis física e emocionalmente, os idosos sofrem, profundamente, essa

    agressão.

    A violência contra os idosos acontece de várias maneiras: abandono, roubo,

    espancamento, humilhação, cárcere privado, violência física e psicológica são

    alguns modos. Medo, constrangimento e constantes ameaças são as principais

    causas que impedem a população idosa de denunciar esses delitos. As agressões

    ocorrem dentro de casa, de quem, teoricamente, mais se espera amor e proteção.

    Surge o dilema: Como denunciar o próprio filho ou outro parente? Pois,

    quebrar o laço familiar é um desafio para as vítimas, que se calam diante da

    situação de violência. O idoso não consegue anular a relação parental com o

    agressor da família. Romper esse silêncio muitas vezes gera dor. Esse conflito

    interno explica porque 90% das denúncias de maus tratos são anônimas.

    A questão da violência contra a pessoa idosa é tão séria que foi criado o

    Disque 1004, canal da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos responsável pelo

    recebimento de denúncias de violações de direitos. Registrou-se 12.454

    denúncias de violência contra a pessoa idosa nos quatro primeiros meses de 2016

    (de janeiro a abril). Os dados, divulgados no Dia Mundial de Conscientização da

    Violência contra a Pessoa Idosa, mostram que a maior parte das violações

    4 Dados do Disque 100, divulgados em 15/06/2016, pela Assessoria de Comunicação Social da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República – SDH – PR.

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    31

    acontece dentro da casa das vítimas, cometida por filhos, netos ou outros

    familiares. Comparado ao mesmo período do ano anterior, 2015, o número de

    denúncias cresceu 20,54%.

    Essas violações acontecem principalmente com os idosos mais

    dependentes de cuidados, os indefesos, que não têm mobilidade, não só para sair

    de casa, mas também de reclamar ou denunciar. Esses são os que sofrem mais",

    afirma o presidente do Conselho Nacional de Direitos do Idoso (CNDI), Luiz

    Legñani. Ele destaca, ainda, que a data é importante para criar uma consciência

    sobre o assunto, que não pode ser tratado como normal. "Precisamos criar a

    consciência de que o idoso precisa ser respeitado e valorizado, bem tratado e bem

    cuidado. Diante de uma sociedade que prega individualidade, consumismo e

    isolamento, o idoso acaba ficando deslocado em sua necessidade de conversar e

    ter companhia".

    Os dados revelam, ainda, que as violações mais comuns são a negligência,

    a violência física ou psicológica e o abuso financeiro e econômico, também

    chamado de violência patrimonial. O maior número de denúncias foi registrado em

    São Paulo (2820), Rio de Janeiro (1699) e Minas Gerais (1116).

    Afirma Legñani que o Brasil pode ser considerado referência em termos de

    legislação e políticas públicas para o idoso, como a Política Nacional dos Direitos

    do Idoso e o Estatuto do Idoso. Iniciativas como a Cidade Madura (João Pessoa,

    PB) e o Centro Dia para idosos fazem parte deste quadro de referência, que ainda

    precisaria ser expandido para beneficiar um número maior de pessoas.

    No entanto, ele avalia que essas políticas ainda não chegam de maneira

    satisfatória ao público direcionado, em razão da manutenção financeira. Em sua

    opinião, quando o trabalhador está na ativa, sempre tem alguns benefícios, uma

    cesta básica, auxílios para transporte, planos de saúde. Muitas empresas

    conseguem viabilizar esses benefícios e os trabalhadores também. Mas, quando a

    pessoa se aposenta, tudo isso acaba. Além disso, ele é atingido pelo fator

    previdenciário, que diminui os benefícios”. Esta realidade coloca a pessoa idosa

    em situação vulnerável para um tipo específico de violação: o abuso financeiro e

    econômico. Isso acontece quando, pela dificuldade da pessoa idosa em gerenciar

  • 32

    32

    seu próprio patrimônio, um parente ou pessoa próxima consegue se apropriar

    indevidamente do salário ou benefício recebido. Neste primeiro quadrimestre de

    2016, este tipo de violação representa quase 39% dos casos denunciados, com

    4.840 ocorrências.

  • 33

    33

    CAPÍTULO II

    2. A PROTEÇÃO DO IDOSO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

    A Constituição Federal e várias leis infraconstitucionais garantem à pessoa

    idosa a efetivação de direitos especiais em função da trajetória de vida que se

    manifesta na velhice. Esses direitos são uma forma de levar em conta a

    realidade do envelhecimento social e individual (FALEIROS, 2007).

    Na visão desse autor, a legislação traduz tanto a necessidade de proteção

    como o incentivo ao protagonismo, à participação e à qualidade de vida,

    dimensões que, de fato, devem ser articuladas na implementação das políticas

    sociais formalmente assinaladas na Constituição.

    Tendo-se em vista que os direitos dos idosos estão previstos em várias leis,

    nesta pesquisa, optou-se pela abordagem da atual Constituição Federal de 1988,

    do Estatuto do Idoso – Lei 10.741/2003, do Código Civil de 2002, da Lei

    Orgânica da Assistência Social – Lei 8.742/93 e da Política Nacional do Idoso –

    Lei 8.842/94, por serem instrumentos legais que visam proporcionar ao idoso

    uma vida digna tanto no aspecto formal quanto material. .

    2.1 A ONU e as pessoas idosas

    De acordo com a Organização das Nações Unidas, o mundo está no centro

    de uma transição do processo demográfico única e irreversível que irá resultar em

    populações mais velhas em todos os lugares. À medida que taxas de fertilidade

    diminuem, a proporção de pessoas com 60 anos ou mais deve duplicar entre 2007

    e 2050, e seu número atual deve mais que triplicar, alcançando dois bilhões em

    2050. Na maioria dos países, o número de pessoas acima dos 80 anos deve

    quadruplicar para quase 400 milhões até lá.

    As pessoas mais velhas têm, cada vez mais, sido vistas como contribuintes

    http://social.un.org/index/Ageing.aspx

  • 34

    34

    para o desenvolvimento, e suas habilidades para melhorar suas vidas e suas

    sociedades devem ser transformadas em políticas e programas em todos os

    níveis. Atualmente, 64% de todas as pessoas mais velhas vivem em regiões

    menos desenvolvidas – um número que deverá aproximar-se de 80%, em 2050.

    2.2 O idoso nas constituições brasileiras

    Segundo OTTONI (2012), até o século XIX, o trabalhador idoso que era

    expulso do seu local de trabalho era abandonado à própria sorte, pois não possuía

    um amparo devido para prover a sua subsistência nas idades mais avançadas.

    Essa situação era recorrente tanto nos países desenvolvidos como a Inglaterra,

    França, Holanda, Bélgica e Estados Unidos, como nos subdesenvolvidos como o

    Brasil.

    Nos países desenvolvidos, buscou-se a manutenção do papel social e a

    reinserção dos idosos, sendo a questão da renda resolvida por meio de sistemas

    de seguridade social. Nos países em desenvolvimento, várias questões ficaram

    pendentes, como a pobreza e a exclusão da população anciã. Em sua história o

    Brasil já adotou sete constituições: uma no período monárquico e seis no período

    republicano. São elas: 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988. Apesar dessa

    multiplicidade de cartas magnas, observa-se que os direitos dos idosos não foram

    contemplados em todas elas.

    De acordo com FALEIROS (2007), a Constituição de 1934 referia-se à

    velhice como uma etapa improdutiva que merecia favor e apoiava a filantropia das

    instituições de caridade para idosos. Somente haveria direito se a pessoa tivesse

    sido inscrita na produção. Assim, os direitos da pessoa idosa foram inscritos na

    Constituição de 1934 (art. 121, item h) como direitos trabalhistas, na

    implementação da previdência social a favor da velhice. Ao se tornar improdutivo,

    na era industrial, o sujeito passava a ser considerado velho, a partir do

    pressuposto de sua exclusão da esfera do trabalho, como operário. Ao trabalhador

  • 35

    35

    rural de então, não foram reconhecidos direitos trabalhistas, pois ficava na esfera

    do “aluguel de mão-de-obra sob a tutela da oligarquia rural.

    Essa Carta Constitucional de 1934, previa, também, em seu art. 138, a

    previdência social a favor da velhice com contribuição tripartite do empregador, do

    empregado e da União, numa clara referência à transição industrial.

    A Constituição de 1937, no art. 137, reafirmava o seguro de velhice para o

    trabalhador.

    A Constituição de 1946, em seu art. 157, dispunha sobre a formulação de

    previdência contra as consequências da velhice, ampliando a ideia de um seguro

    social somente para trabalhadores industriais.

    Já a Constituição de 1967, em seu art. 158, estabelecia a previdência social

    nos casos de velhice.

    Depreende-se que nas citadas Cartas Políticas, conforme nos mostra o

    sociólogo Vicente de Paula Faleiros, que o direito resguardado pela esfera pública

    era o do trabalhador em decorrência de sua velhice e não o direito da pessoa

    envelhecente. Como consequência, aos idosos que não tinham vínculo trabalhista,

    contavam tão somente com a assistência familiar, filantrópica e religiosa. Exemplo

    dessa assistência se deu através de instituições como as Sociedades São Vicente

    de Paula que tentavam manter a família assistida em lares subsidiados e os asilos

    que atendiam àqueles privados de laços familiares e de renda; a Legião Brasileira

    de Assistência - LBA, fundada em 1943, que possuía alguns programas para

    idosos, como o apoio a asilos.

    Assim, o Serviço Social do Comércio – SESC, uma instituição ligada aos

    trabalhadores, entidade patronal financiada pelos trabalhadores e consumidores

    foi quem, a partir de 1963, passou a promover atividades abertas a idosos, nos

    seus centros de convivência e fora do âmbito filantrópico, religioso ou estatal. Na

    opinião do mencionado sociólogo, essas atividades destinadas a idosos

    representaram, no entanto, um espaço de consideração da velhice como um

    momento da vida, como uma esfera especial.

    Somente após muitas décadas, o Brasil começou a tomar medidas para

    compensar a situação de descaso com a população idosa.

  • 36

    36

    Na década de 70, a Lei 6.119/74, instituiu a Renda Mensal Vitalícia, no

    valor de 50% do salário mínimo para maiores de 70 anos que houvessem

    contribuído, ao menos um ano, para a Previdência. O Instituto Nacional de

    Previdência Social – INPS, em 1.975, passou a apoiar os centros de convivência.

    No final dos anos 70, as pessoas idosas começaram a se organizar em

    associações, quando o Ministério da Saúde se voltou para a questão. Em 1982

    surgiram as primeiras Universidades da Terceira Idade. Na década de 80,

    continuou a expansão dos grupos de convivência articulados a várias

    organizações. Em 1990, foi organizada a Confederação Brasileira de Aposentados

    – COBAP, que se aplicou na luta pelos valores das aposentadorias, pelos direitos

    sociais e pela cidadania da pessoa idosa.

    2.3 A Constituição Federal de 1988

    A Constituição Federal do Brasil de 1988 reflete, na concepção de

    FALEIROS (2007), um pacto social fundado na democratização da sociedade, na

    garantia de direitos e na implementação de uma forma de organização política que

    viesse superar o centralismo e a fragmentação de políticas sociais e que

    aprofundasse o federalismo, o municipalismo e o protagonismo das pessoas. Isso

    acarretará implicações nas políticas para os idosos.

    Estimativas da ONU, da OMS e do IBGE são unânimes em afirmar que a

    população idosa está aumentando em ritmo acelerado. Esse crescimento exige

    que o Estado, a sociedade e a família se estruturem para atender às necessidades

    básicas dessa clientela por meio da implantação e da implementação de políticas

    públicas que promovam o seu bem estar e a sua inclusão social.

    No âmbito constitucional, a Carta Magna possui dispositivos que visam

    proteger e promover a pessoa idosa na sociedade brasileira, atribuindo funções ao

    Estado, à sociedade e à família, com vistas a proporcionar aos idosos uma velhice

    saudável, respeitada e feliz.

    A atual Constituição foi a primeira Carta do Brasil que se preocupou em

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    37

    assegurar os direitos do cidadão idoso. Atenta ao princípio da dignidade humana,

    ideia de valor universal, também contemplada na Declaração dos Direitos

    Humanos, ela instituiu dispositivos específicos de proteção aos idosos, garantindo,

    assim, a sua cidadania.

    Os direitos da pessoa idosa estão presentes em vários capítulos da

    Constituição e se referem à responsabilidade da família, do Estado, da sociedade

    e do próprio idoso no contexto em que se inserem. Esses direitos são circunscritos

    à assistência, à família, ao trabalho e à previdência, considerando tanto a

    cobertura de necessidades (de forma não contributiva) como em decorrência da

    contribuição e do trabalho.

    O amparo ao idoso rompeu o estigma ideológico que imagina a velhice

    como uma categoria improdutiva e incapaz. A saúde é um direito universal embora

    haja planos de saúde regulados pela Agência Nacional de Saúde e a medicina

    privada. A previdência social tem um regime público com um teto de benefícios e

    existem fundos privados. A assistência social pública tem um sistema que convive

    com entidades filantrópicas, na maioria com subsídios do Estado. A família

    assume um papel significativo no cuidado dos idosos dependentes. As pessoas

    idosas têm direito à renda previdenciária ou assistencial e à atenção à saúde,

    contudo, o acesso ainda é profundamente desigual, cabendo à família o cuidado

    dos idosos dependentes. Por sua vez, os idosos contribuem significativamente

    para a manutenção dos mais jovens.

    Nesse sentido, a Constituição possibilitou a consolidação tanto do direito à

    idade avançada com um mínimo de dignidade, participativa e protegida como

    direito individual e coletivo, embora persista a profunda desigualdade social. Esses

    direitos estão se corporificando numa rede de proteção que envolve vários órgãos

    públicos. O modelo do envelhecimento ativo está previsto no marco legal e deve

    ser efetivado de forma integrada para garantia de direitos, de forma

    descentralizada.

    Dessa forma, o artigo 229 estabelece que os filhos maiores tem o dever de

    ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. Já o artigo 230,

    atribui à família, à sociedade e ao Estado, o dever de amparar as pessoas idosas.

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    38

    Com esses dispositivos, objetiva o texto constitucional assegurar a participação do

    idoso na comunidade, defender a sua dignidade e a garantir –lhe uma vida

    saudável.

    Acertadamente, o legislador constituinte garantiu ao idoso um tratamento

    digno, de modo que seja visto e respeitado como cidadão, sem discriminação e

    sem preconceito. Todavia, sabe-se que não basta só a lei em favor do idoso, é

    fundamental a sua implementação e cumprimento, pois há muito descaso com a

    pessoa idosa. É flagrante o abandono, o desrespeito e a violência contra os idosos

    tanto por parte da família, quanto do Estado e da sociedade.

    Além dessas garantias, outras em favor dos idosos são encontradas ao

    longo do texto constitucional: O artigo 153, § 2º, I, prevê a individualização da

    pena devendo esta ser cumprida em estabelecimento penal distinto. Os artigos

    127 e 129, dispõem sobre a atuação do Ministério Público em defesa dos direitos

    coletivos dos idosos, sendo que no plano individual, os idosos hipossuficientes

    devem ser assistidos pela Defensoria Pública, como preconiza o artigo 134. Já o

    artigo 201, prevê a isenção do imposto sobre a renda, bem como assegurando o

    direito ao seguro social ou aposentadoria. O idoso que não possui seguro social, a

    Constituição Federal através dos artigos 203, V e 204, garante-lhe a prestação de

    assistência social à velhice, com um salário mínimo mensal ao idoso que

    comprove não possuir meios de prover a sua própria subsistência.

    Esses direitos e esse reconhecimento constitucional se traduz,

    infraconstitucionalmente, em várias leis, cuja finalidade é a proteção, o

    protagonismo e a prioridade que devem ser assegurados ao idoso.

    2.4 Principiologia

    Os princípios há pouco tempo, não eram considerados normas, tinham um

    caráter de mera supletividade. Princípio é comando básico que busca otimizar e,

    ao contrário das regras, não são objetivos, buscando um extremo ou outro, são

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    39

    repletos de subjetivismo, devendo um ser conjugado e sopesado com outro para a

    mais eficaz interpretação e adequação ao caso concreto (FREITAS E

    FIGUEIREDO, 2015).

    2.5 Princípios constitucionais do Direito de Família: dignidade humana, afetividade e solidariedade

    A família é, originariamente, o lugar onde a pessoa se encontra inserida por

    nascimento, adoção ou agregamento e nela desenvolve, através das experiências

    sua personalidade e seu caráter.

    Na opinião de MALUF (2010), o conceito de família vem sofrendo, com o

    passar dos tempos, inúmeras transformações de caráter público e privado em face

    do interesse e do redimensionamento da sociedade.

    É notório que o conceito de família, célula mater da sociedade, sofreu

    alterações de cunho ampliativo pela Constituição Federal de 1988 e, via de

    consequência, pelo Código Civil de 2002, diferindo-se das formas antigas em face

    das suas formalidades, composição e papel de seus componentes em seu seio,

    com a mulher adquirindo os mesmos direitos que o marido, sendo ambos

    considerados “cabeça do casal”. Assim, a Carta Magna, reconheceu como família

    outras entidades. unidas por laços socioafetivos, conferindo-lhes legitimidade.

    Conclui a mencionada autora, que o conceito de família tomou outra

    dimensão no mundo contemporâneo, estendendo-se além da família tradicional,

    oriunda do casamento, para outras modalidades, muitas vezes informais, tendo

    em vista o respeito à dignidade do ser humano, o momento histórico vigente, a

    evolução dos costumes, o diálogo internacional, a descoberta de novas técnicas

    científicas, a tentativa da derrubada de mitos e preconceitos, fazendo com que o

    indivíduo possa, para pensar com Hanna Arendt, “sentir-se em casa no mundo”.

    Feitas estas considerações, aborda-se os princípios da Dignidade humana,

    da Afetividade e da Solidariedade, por entender que eles estão diretamente

    ligados às necessidades materiais e socioafetivas das pessoas, especialmente

    das idosas, que reivindicam um tratamento adequado, tanto em nível familiar

  • 40

    40

    quanto estatal, a fim de que possam participar da vida econômica, política e social

    do país como cidadãos de direitos.

    2.5.1 O princípio da dignidade humana

    A dignidade da pessoa humana é o princípio constitucional que norteia todo

    o ordenamento jurídico brasileiro.

    A primeira Constituição brasileira a tratar do princípio da dignidade da

    pessoa humana, enquanto fundamento da República e do Estado Democrático de

    Direito em que ela se constitui, foi a de 1988.

    Na esfera do constitucionalismo pátrio, o referido princípio foi albergado no

    artigo 1º, inciso III, da Constituição do Brasil e constitui-se como fundamento da

    República Federativa e do Estado Democrático de Direito5, E nessa condição,.

    tem por escopo assegurar ao homem um mínimo de direitos que devem ser

    respeitados pelo Estado, pela sociedade e pela família, tudo com vistas à

    preservação e a valorização do ser humano.

    Segundo MARTINS (2006), a Constituição brasileira transformou a

    dignidade da pessoa humana em valor supremo do Estado brasileiro e, em

    especial, do sistema jurídico constitucional. No constitucionalismo brasileiro

    contemporâneo, o homem é concebido como centro do universo jurídico

    constitucional e como prioridade justificante do Direito.

    Para tornar mais clara a compreensão do princípio da dignidade da pessoa

    humana, recorre-se ao seu conceito e, para tanto, lança-se mão do apresentado

    por (SARLET, 2007):

    5 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II - a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV- os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político.

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    41

    Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

    No que diz respeito à dignidade humana da pessoa idosa, constata-se na

    história das Constituições do País, que a Constituição Federal de 1988 foi a

    primeira a introduzir um capítulo que mencionou o Idoso (Capítulo VII do Título VIII

    – Da Ordem Social), demonstrando assim preocupação com as pessoas idosas,

    oferecendo-lhes tutela especial em razão de suas particularidades, vejamos:

    Artigo 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhe o direito à vida.

    Assim, assegurou-se a defesa da dignidade das pessoas com idade igual

    ou superior a sessenta anos, muitas vezes desrespeitadas em decorrência do

    declínio do vigor físico.

    Verifica-se que há uma estreita relação entre o princípio da dignidade da

    pessoa humana e a situação do idoso, posto que tal princípio pugna pela obtenção

    de mínimas condições para uma vida autônoma e saudável, que deve ser

    preservada em todas as fases da vida de um indivíduo.

    Incontestável, portanto, a relação entre o princípio da dignidade da pessoa

    humana e as pessoas com idade igual ou superior a sessenta anos, bem como

    com as normas constitucionais.

    Assim, verificou-se estreita relação entre o princípio da dignidade humana e

    o idoso, bem como o grande avanço conquistado em sua proteção através de

    normas constitucionais e infraconstitucionais, notadamente o Estatuto do Idoso.

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    42

    Não obstante, para que tais regramentos tenham efetividade é necessário

    um esforço comum entre o Poder Estatal e a sociedade, a fim de que sejam

    realizadas políticas públicas em favor dos idosos, bem como conscientização

    quanto às reais necessidades dessa clientela que merece respeito à sua

    dignidade.

    2.5.2 O princípio da afetividade

    A afetividade nas relações familiares constitui inovação decorrente das

    mudanças de paradigmas a partir de Constituição de 1988, corolário da dignidade

    da pessoa humana. A partir do reconhecimento de tal princípio, o direito de família

    passa a ter fundamento na comunhão de vida, na estabilidade das relações

    socioafetivas, restando em segundo plano as considerações de caráter patrimonial

    e biológico. De fato, o vocábulo “afeto” não se encontra expresso no texto

    constitucional: deriva diretamente da nova disciplina aplicável ao direito de família.

    Consideram-se manifestações do princípio da afetividade: o reconhecimento da

    igualdade entre irmãos biológicos e afetivos, a pluralidade das entidades

    familiares, o direito à convivência familiar, a prioridade absoluta assegurada às

    crianças e adolescentes, entre outros.

    Sobre o enquadramento constitucional do referido princípio, discorre Paulo

    Lôbo: “Projetou-se, no campo jurídico-constitucional, a afirmação da natureza da

    família como grupo social fundado essencialmente nos laços de afetividade, tendo

    em vista que consagra a família como unidade de relações de afeto, após o

    desaparecimento da família patriarcal, que desempenhava funções procracionais,

    econômicas, religiosas e políticas” (LÔBO, 2000). Assim, o afeto – e não apenas

    a mera consanguinidade - passa a ter valor jurídico na esfera das relações

    familiares, consubstanciado na dignidade da pessoa humana. Em relação aos

    idosos, ainda que haja o dever de cuidado imposto à família pelo Estatuto do

    Idoso, há um dever determinado pelo respeito e pelo afeto dos laços familiares

    que independem de jurisdição, que não necessitam de regulamentação. A

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    43

    afetividade é, então, meio primordial para tutelar a dignidade garantida

    expressamente a cada um dos entes familiares. “O afeto é a mola propulsora dos

    laços familiares e das relações interpessoais movidas pelo sentimento e pelo

    amor, para ao fim e ao cabo dar sentido e dignidade à existência humana”

    (MADALENO, 2011).

    Em resposta à falta de afeto tornou-se comum a multiplicação de demandas

    judiciais no direito de família, sendo a busca de reparação civil pelo abandono

    afetivo, justamente espécie delas. Tal constatação foi observada pelo autor em

    referência, segundo o qual “a sobrevivência humana também depende e muito da

    interação do afeto; é valor supremo, necessidade ingente, bastando atentar para

    as demandas que estão surgindo para apurar responsabilidade civil pela ausência

    do afeto”. A ausência da afetividade pode gerar problemas psíquicos, refletindo

    em angústia e afastamento social.

    A afetividade ressalta a importância da entidade familiar, conforme ensina

    Oswaldo Rodrigues (2005): O convívio e relacionamento entre as pessoas, além

    de ser intrínseco à sua formação, ao seu desenvolvimento, e, portanto, ao próprio

    envelhecimento, são fatores imprescindíveis à maturação física e psíquica do ser

    humano. Ao falar-se em convívio e relacionamento, há que se realçar que eles se

    apresentam em diversos setores da vida, tais como na família, na comunidade, no

    trabalho, enfim, na sociedade em geral .

    A resistência ao reconhecimento da afetividade como valor jurídico e

    portanto, fundamento para demandas judiciais, existe na medida em que o seu

    significado não é compreendido. Sobre esse aspecto, a lição de Paulo Lôbo

    (2012) sobre o caráter do princípio é esclarecedora: “A afetividade, como princípio

    jurídico, não se confunde com afeto, como fato psicológico ou anímico, porquanto

    pode ser presumida quando este faltar na realidade das relações; assim, a

    afetividade é dever imposto aos pais em relação aos filhos e destes em relação

    àqueles, ainda que haja desamor ou desafeição entre eles.” (...) “Por isso, sem

    qualquer contradição, podemos referir a dever jurídico de afetividade oponível a

    pais e filhos e aos parentes entre si, em caráter permanente, independente dos

    sentimentos que nutram entre si”.

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    44

    Logo, o conceito de afeto a ser considerado baliza do Direito de Família é,

    justamente, aquele referente a um dever jurídico, na medida em que é o único elo

    responsável por manter as pessoas unidas nas relações familiares.

    2.5.3 O princípio da solidariedade

    Define-se solidariedade, como sentimento que leva os homens a ajudarem-

    se mutuamente”; outro vocábulo, bastante próximo e por vezes utilizado como

    sinônimo é “fraternidade”, definível como “parentesco de irmãos, convivência

    como de irmãos, amor ao próximo”.

    O termo solidariedade tem sua origem associada ao étimo latino solidarium,

    que vem de solidum, soldum (inteiro, compacto). Sacchetto define o termo como

    uma forma de pensar contrária ao egoísmo. O sentimento de solidariedade é

    próprio do ser humano.

    Infere-se, pois, que o princípio da solidariedade tem íntima relação com os

    chamados direitos de terceira dimensão o que não significa dizer que não

    represente, também, direito de quarta dimensão, já que uma nova onda de direitos

    não suplanta a anterior.

    O princípio da solidariedade “explica” a existência de diversos direitos

    fundamentais abrangidos pela Constituição. Pode ser encarado como a

    contraprestação devida pela existência dos direitos fundamentais: se tenho

    direitos, tenho, em contrapartida, o dever de prestar solidariedade àqueles que se

    encontram em posição mais frágil que a minha.

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    45

    2.6 Lei 10.741/2003 - O Estatuto do idoso

    De acordo com estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –

    IBGE, em 2025 os idosos representarão 15,1% da população do país e o Brasil

    estará na sexta posição entre os países com o maior número de idosos, 31,8

    milhões de pessoas acima de 60 anos6. Essa

    demandaé preocupante, porque essa clientela em virtude de sua vulnerabilidade

    necessita de cuidados especializados e, portanto, de maior atenção por parte da

    família, do Estado e da sociedade.

    Assim, no âmbito legal, para fazer frente a essa demanda, promulgou-se a

    Lei Federal, de nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, o Estatuto do Idoso. Estatuto

    é lei orgânica de um Estado, sociedade ou organização. Sob esse ângulo, o

    Estatuto do Idoso é uma Lei Orgânica do Estado Brasileiro destinada a

    regulamentar os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a

    60 (sessenta) anos que vivem no país.

    Referida lei veio ampliar direitos que já estavam previstos na Lei Federal,

    de nº 8.842, de 04 de janeiro de 1994 e também na Constituição Federal de 1988

    e, dessa forma, se consolida como instrumento poderoso na defesa da cidadania

    das pessoas daquela faixa etária, dando-lhes ampla proteção jurídica para usufruir

    direitos e viver com dignidade.

    Formalmente, a lei em comento possui 118 artigos os quais se referem às

    garantias prioritárias dos idosos, bem como ao transporte, à liberdade, à

    respeitabilidade, à vida, à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer, à saúde,

    alimento, profissionalização e trabalho, previdência social, habitação, atendimento

    nas entidades especializadas, aos crimes praticados contra eles, tanto em ações

    por parte do Estado, como da sociedade. Cada uma dessas questões tem um

    6 IBGE é a sigla do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, uma organização pública responsável pelos levantamentos e gerenciamentos dos dados e estatísticas brasileiras. 6A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que no ano de 2025 o Brasil será o sexto país mais envelhecido do mundo, com mais de trinta e quatro milhões de idosos, e que até o ano de 2050 cerca de um quinto da população mundial será composta de anciãos, aumentando-se a proporção para um terço nos países desenvolvidos.

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    46

    tratamento minucioso, contudo, os aspectos mais relevantes são os relativos a:

    a) aposentadorias, reajuste dos benefícios na mesma data do reajuste do

    salário mínimo, porém com percentual definido em regulamento; a idade para

    requerer o salário mínimo estipulado pela Lei Orgânica da Assistência Social-

    LOAS cai de 67 para 65 anos;

    b) desconto de pelo menos 50% nas atividades culturais, de lazer e

    esportivas, além da gratuidade nos transportes coletivos públicos;

    c) no caso do transporte coletivo intermunicipal e interestadual, ficam

    reservadas duas vagas gratuitas por veículo para idosos com renda igual ou

    inferior a dois salários mínimos e desconto de 50% para os idosos da mesma

    renda que excedam essa reserva;

    d) prioridade na tramitação dos processos e procedimentos dos atos e

    diligências judiciais nos quais pessoas acima de 60 anos figurem como

    intervenientes;

    e) os meios de comunicação também deverão manter espaços ou horários

    especiais voltados para o público idoso, com finalidade educativa, informativa,

    artística e cultural sobre o envelhecimento;

    f) os currículos mínimos dos diversos níveis de ensino formal deverão

    prever conteúdos voltados ao processo de envelhecimento, a fim de contribuir

    para a eliminação do preconceito, sendo que o poder público deverá