Marcuschi- Generos Textuais Emergentes No

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  • 7/29/2019 Marcuschi- Generos Textuais Emergentes No

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    GNEROS TEXTUAIS EMERGENTESNO CONTEXTO DA TECNOLOGIA DIGITAL1

    Luiz Antnio MarcuschiUniversidade Federal de Pernambuco

    0. Ponto de Partida

    Esta exposio analisa as caractersticas de um conjunto de gneros textuais queesto emergindo no contexto da tecnologia digital. No so muitos os gnerosemergentes nessa nova tecnologia, nem totalmente inditos. Contudo, sequer seconsolidaram e j provocam polmicas quanto natureza e proporo de seuimpacto na linguagem e na vida social. Isso porque o ambiente virtual extremamente verstil e hoje compete, em importncia, nas atividadescomunicativas, ao lado do papel e do som.

    J nos acostumamos a expresses como e-mail, bate-papo virtual (chat), aulavirtual, listas de discusso e outras. Mas qual a originalidade desses gnerosem relao ao que existe? De onde vem o fascnio que exercem? Qual a funode um bate-papo virtual, por exemplo? Propiciar divertimento, veicular informao,permitir participaes interativas? Pode-se dizer que parte do sucesso da novatecnologia deve-se ao fato de reunir num s meio vrias formas de expresso, taiscomo texto, som e imagem, o que lhe d maleabilidade para a incorporaosimultnea de mltiplas semioses, interferindo assim na natureza dos recursoslingsticos utilizados.

    O impacto das tecnologias digitais na vida contempornea est apenas se fazendosentir, mas j mostrou com fora suficiente que tem enorme poder tanto paraconstruir como para devastar. Seguramente, uma criana, um jovem ou um adulto,viciados na Internet, sofrero seqelas nada irrelevantes. Segundo observouDavid Crystal (2001:169) a propsito da participao indefinida nos bate-papos emsalas abertas, a atividade se parece com um enorme jogo maluco sem fim ouento assemelha-se a uma festa lingstica (linguistic party) para onde levamosnossa lngua ao invs de nossa bebida.

    Neste quadro, trs aspectos tornam a anlise desses gneros relevante: (1) seufranco desenvolvimento e um uso cada vez mais generalizado; (2) suaspeculiaridades formais e funcionais, no obstante terem eles contrapartes em

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    Texto da Conferncia pronunciada na 50 Reunio do GEL Grupo de Estudos Lingsticos do Estadode So Paulo, USP, So Paulo, 23-25 de maio de 2002.

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    gneros prvios; (3) a possibilidade que oferecem de se rever conceitostradicionais, permitindo repensar nossa relao com a oralidade e a escrita. Comisso, o discurso eletrnicoconstitui um bom momento para se analisar o efeitode novas tecnologias na linguagem e o papel da linguagem nessas tecnologias.Aqui esto algumas reflexes de carter epistemolgico e metodolgico para umamelhor compreenso do tema na perspectiva da teoria dos gneros.

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    1. Novas tecnologias, novos fatos

    Tal como observa Bolter (1991), a introduo da escrita conduziu a uma culturaletrada nos ambientes em que a escrita floresceu. Tudo indica que hoje, de igual

    modo, a introduo da escrita eletrnica, pela sua importncia, est conduzindo auma cultura eletrnica, com uma nova economia da escrita. Basta observar aquantidade de expresses surgidas nos ltimos tempos com o prefixo e- comobem observou Crystal (2001)2. Pode-se resumir esse aspecto numa expressoque est se tornando usual para designar o fenmeno, isto , letramento digital,cujas caractersticas merecem ser melhor conhecidas. Segundo Yates (2000:233),com as novas tecnologias digitais, vem-se dando uma espcie de radicalizaodo uso da escrita e nossa sociedade parece tornar-se textualizada, isto ,passar para o plano da escrita.

    Assim, partindo da noo de gnero textual como fenmeno social e histrico3,este breve estudo tem por finalidade identificar e caracterizar alguns dos gnerosque emergiram nas trs ltimas dcadas.4 Analisa de modo particular os gnerosdesenvolvidos no contexto da hoje denominada mdia virtual, identificadacentralmente na tecnologia computacional a partir dos anos 70 do sculo XX. Essenovo tipo de comunicao conhecido como Comunicao Mediada porComputador (CMC) ou comunicao eletrnica e desenvolve uma espcie dediscurso eletrnico5, cujas peculiaridades sero aqui vistas. Este estudo deveriaser ampliado no que concerne ao grave problema das novas formas decomportamento que esto surgindo nos usos por incontrolados do computador.6

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    Observa Crystal (2001:21) que a expresso e- foi a expresso do ano em 1998. Veja-se emquantos casos ela apareceu: e-mail (correio eletrnico) ; e-book (livro eletrnico); e-therapy (terapiavirtual); e-manager (negcios eletrnicos); e-busness (negcios virtuais) e uma infinidade de outras. Aexpresso eletrnicoou mesmo virtual(talvez em menor escala, tambm digital) passou a fazer parte dodia-a-dia de quase todos ns. Mas em especial o caso dos e-mails est se tornando uma epidemiaincontrolvel.3 Dizer que os gneros so histricos equivale a admitir que eles surgem em determinados momentos naHistria da Humanidade. Contudo, no geral, no temos a histria da maioria dos gneros. J Yates e W.J.Orlikowski (1992), por exemplo, analisaram o surgimento dos memorandos na virada do sculo XIX emostraram como esses gneros surgem numa relao muito estreita com mudanas institucionais, novasexigncias e formas de relacionamento e novas tecnologias. Os gneros virtuais prestam-se para um trabalhodeste tipo porque no tm mais de 30 anos, podendo-se reconstituir com facilidade sua histria. Alm disso,eles se situam num meio de extrema velocidade em relao a mudanas. Esta uma razo a mais para que nos

    dediquemos a eles, como sugere Erickson (1997:4) de onde extra algumas dessas observaes.4 No est nos objetivos desta exposio fazer uma anlise do impacto da tecnologia eletrnica na civilizaocontempornea. Nem se pretende aqui realizar algum tipo de estudo histrico. Para uma viso mais clara dosdesmembramentos, pode ser consultado o trabalho de Ewa Jonsson (1997) que analisa alguns desses aspectosdesde os meados dos anos 60 quando a ARPANET (Advanced Research Projects Agency Network) doPentgono uniu pela primeira vez computadores situados em regies geogrficas distantes. Era o germe daInternet que chegaria aos anos 90 com impressionante desenvolvimento e versatilidade. Trabalho importantepara se ter uma viso mais completa dessa histria o livro de Katie Hafner e Matthew Lyon (1996).5 O termo discurso eletrnico ser ainda objeto de definio mais precisa e vem sendo trabalhadosistematicamente por Ewa Jonsson (1997) de quem so adotadas vrias das idias tratadas adiante.

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    No ser uma abordagem da linguagem na Internet7, nem uma anlise de todosos gneros emergidos ou em fase de emergncia no meio virtual. Vale frisar queapesar dos muitos trabalhos desenvolvidos a esse respeito, particularmente aquesto dos gneros continua pouco esclarecida. A CMC abrange todos osformatos de comunicao e os respectivos gneros que emergem nesse contexto.

    Futuramente, provvel que a expresso Internet assuma a carga semntica epragmtica do sistema completo, j que se trata da rede mundial de comunicaoininterruptamente interconectada a todos os computadores interligados.

    O tema em si gneros textuais - no novo e vem sendo tratado desde os anos60 quando surgiram a Lingstica de Texto, a Anlise Conversacional e a Anlisedo Discurso, mas o enfoque dado aqui, com ateno particular aos gnerostextuais no domnio da mdia virtual8, mais recente e carece ainda de trabalhos,embora j apaream estudos especficos9 sobre esse novo modo discursivotambm denominado discurso eletrnico.

    Para tanto, assumimos a posio de Carolyn Miller (1994:71) que v no gneroum constituinte especfico e importante da estrutura comunicativa da sociedade,de modo a constituir relaes de poder bastante marcadas em especial dentro dasinstituies. O gnero reflete estruturas de autoridade e relaes de poder muitoclaras. Observe-se o caso da vida acadmica e veja-se quem pode emitir umparecer, dar uma aula, confeccionar uma prova, fazer uma nomeao, defenderuma tese de doutorado e assim por diante. Os gneros so formas de organizaosocial e expresses tpicas da vida cultural. Contudo, vale tambm ressaltar queos gneros no so categorias taxionmicas para identificar realidadesestanques.10

    6 Para uma viso da dimenso dos problemas aqui envolvidos remeto obra de Patrcia Wallace (1999), ondese poder observar os casos mais complexos de relao quase-psictica ou diretamente distorcida com amquina. O assunto j vem merecendo ateno de pais, educadores e responsveis pela sade pblica.

    7Fique claro que a noo de Internet aqui tomada na acepo ampla que lhe d o Dicionrio Aurlio Sculo XXI, na sua verso eletrnica, ou seja: Internet segundo Aurlio:

    Qualquer conjunto de redes de computadores ligadas entre si por roteadores e gateways,

    como, p. ex., aquela de mbito mundial, descentralizada e de acesso pblico, cujos principais

    servios oferecidos so o correio eletrnico (q. v.), o chat (q. v.) e a Web (q. v.), e que constituda

    por um conjunto de redes de computadores interconectadas por roteadores que utilizam o protocolo

    de transmisso TCP/IP.

    Assim, aInternet algo diverso da WWW e outros fenmenos que esto nela abrigados.8 Como j se observou nestes poucos pargrafos, usaram-se aqui vrios termos como equivalentes paradesignar esse fenmeno. Assim, embora demos preferncia expresso mdia virtual, usamos indistintamentemdia eletrnica, mdia digitale tecnologia digitalhoje correntes na literatura sobre esses temas.9 Torna-se imperativo citar aqui o livro Interao e Aprendizagem em Ambiente Virtual, recentementeorganizado e editado por Vera Lcia Menezes PAIVA (FALE-UFMG, Belo Horizonte, 2001) com uma sriede textos, a maioria deles referidos ao longo deste trabalho.10 Thomas Erickson (2000:3) aponta este aspecto mostrando que houve, nas ltimas dcadas, uma guinada daperspectiva taxionmica na viso dos gneros (teoria clssica) para uma viso do gnero como situado, isto ,observa-se o gnero na relao com a comunidade social, a histria, a cultura e os propsitos comunicativos.

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    Considerando a penetrao e o papel da tecnologia digital na sociedadecontempornea e as novas formas comunicativas aportadas, afigura-se relevantepensar essa tecnologia e suas conseqncias numa perspectiva menos tecnicistae mais scio-histrica. Certamente, no ser fcil dar uma noo clara sobre temato complexo no qual, desde a dcada passada, proliferam as publicaes. J se

    pode indagar se a escola dever amanh ocupar-se de como se produz um e-maile outros gneros do discurso eletrnico ou pode a escola tranqilamentecontinuar analisando como se escrevem cartas pessoais, bilhetes e como seproduz uma conversao. Ser que o modelo de interao face a face propostopor Sacks, Schegloff e Jefferson nos anos 70 j deve ser revisto em alguns pontosessenciais?

    Em princpio, parece possvel concordar com Thomas Erickson (1997:4), paraquem o estudo da comunicao virtual na perspectiva dos gneros particularmente interessante porque a interao on-line tem o potencial deacelerar enormemente a evoluo dos gneros, tendo em vista a natureza domeio tecnolgico em que ela se insere e os modos como se desenvolve. Essemeio propicia, ao contrrio do que se imaginava, uma interao altamenteparticipativa, o que nos obrigar a rever algumas noes j consagradas.

    Se tomarmos o gnero como texto concreto, situado histrica e socialmente,culturalmente sensvel, recorrente, relativamente estvel do ponto de vistaestilstico e composicional, segundo a viso bakhtiniana, servindo comoinstrumento comunicativo com propsitos especficos como forma de ao social, fcil perceber que um novo meio tecnolgico, na medida em que interferenessas condies, deve tambm interferir na natureza do gnero produzido.Tomemos o gnero mais praticado no nosso dia-a-dia, a conversao espontnearealizada face a face, e pensemos na descrio oferecida por Sacks, Schegloff eJefferson (1974). Tentemos agora aplicar aquele modelo a um bate-papo on-line.Que aspectos da relao face a face transferem-se para o novo gnero? Qual ainterferncia do anonimato mantido num apelido (nickname)? O que muda quandoa relao interpessoalpassa a ser uma relao hiperpessoal11, como no caso deum bate-papo em aberto numa sala de bate-papo virtual? Criam-se novas formasde organizar e administrar os relacionamentos interpessoais nesse novo enquadreparticipativo. No propriamente a estrutura que se reorganiza, mas o enquadreque forma a noo do gnero. Em suma: muda o gnero. Desde que notomemos a contextualizao como um simples processo de situar o gnero numasituao exteriorizada, mas sim como enquadre cognitivo, os gneros virtuais soformas bastante caractersticas de contextualizao.

    Por outro lado, um dos aspectos essenciais da mdia virtual a centralidade daescrita, pois a tecnologia digital depende totalmente da escrita. Assim, nessa eraeletrnica no se pode mais postular como propriedade tpica da escrita a relaoassncrona, caracterizada pela defasagem temporal entre produo e recepo,

    11 Veja-se quanto a este aspecto o trabalho de J.B. Walther. 1996. Computer-Mediated Communication:impersonal, interpersonal and hyperpersonal interaction. Communication Research. 23(1):3-43.

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    pois os bate-papos virtuais so sncronos12, ou seja, realizados em tempo real eessencialmente escritos. Assim, se com o telefonema tornou-se um dia impossvelcontinuar postulando a co-presena fsica dos interlocutores como caractersticaexclusiva da oralidade, j que era possvel interagir oralmente estando emespaos diversos, hoje se retira dela tambm a concomitncia temporal. Contudo,

    bom ter cautela quando se afirma que algo de novo est acontecendo, pois essapropriedade do bate-papo virtual no implica a importao automtica depropriedades da fala. Existem vrios aspectos a serem considerados, pois asnovas tecnologias no mudam os objetos, mas as nossas relaes com eles.

    A idia de que a cada nova tecnologia, como lembra David Crystal (2001:2), omundo todo se renova por completo, uma iluso que logo desaparece.Novidades podem at acontecer, mas com o tempo percebe-se que no era tonovo aquilo que foi tido como tal.13 E, particularmente suas influncias no foramto devastadoras ou to espetaculares como se imaginava. Da a pergunta:quanto de novo vem por acom a Internetem relao aos gneros textuais?

    Justamente por no encontrar respostas para a questo, Crystal escreveu seulivro Linguagem e a Internet, na tentativa de descobrir algo sobre o papel dalinguagem na Internet e o efeito da Internet na linguagem (2001:viii). Quanto aisso, para o autor, sumariamente, trs aspectos podem ser frisados:

    (1) do ponto de vista dos usos da linguagem, temos uma pontuaominimalista, uma ortografia um tanto bizarra, abundncia de siglas eabreviaturas nada convencionais, estruturas frasais pouco ortodoxas e umaescrita semi-alfabtica;

    (2) do ponto de vista da natureza enunciativa dessa linguagem,integram-se mais semioses do que usualmente, tendo em vista a naturezado meio;

    (3) do ponto de vista dos gneros realizados, a internet transmuta demaneira bastante complexa gneros existentes e desenvolve algunsrealmente novos.

    12 Embora pouco relevante neste contexto, observo que a noo de sincronia a que me refiro aqui tem a verapenas com a produo num tempo concomitante, ou seja, os interlocutores operam no mesmo tempo. Istodistingue-se da noo desimultaneidade, pois esta diz respeito ao tempo de produo. Neste caso trata-se dapossibilidade de observao da produo no seu ato imediato de produzir. Isso possvel no caso de certos

    programas como oICQ que permite observar a pessoa digitando e se refazendo na digitao. No caso dessesprogramas tem-se uma relaosncrona e simultnea. Este aspecto deveria ser melhor analisado um dia, masno tema desta investigao.13Como os gneros so histricos e muitas vezes esto ligados s tecnologias, elas permitem que surjamnovidades nesse campo, mas so novidades com algum gosto do conhecido. Observem-se as respectivastecnologias e o alguns de seus gneros: telegrama; telefonema; entrevista televisiva; entrevista radiofnica;roteiro cinematogrfico e muitos outros que foram surgindo com tecnologias especficas. Neste sentido claro que a tecnologia da computao, por oferecer uma nova perspectiva de uso da escrita num meioeletrnico muito malevel, traz mais possibilidades de inovao.

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    E um fato aqui inconteste: a Internet e todos os gneros a ela ligados soeventos textuais fundamentalmente baseados na escrita. Na Internet a escritacontinua essencial apesar da integrao de imagens e de som. Por outro lado, aidia que hoje prolifera quanto a haver uma fala por escrito deve ser vista comcautela, pois o que se nota um hibridismo mais acentuado, algo nunca visto

    antes, inclusive com o acmulo de representaes semiticas.Esta exposio dedica-se com alguma nfase anlise do terceiro aspectoapontado os gneros textuais --, j que os outros dois vm sendo cuidados halgum tempo. Tudo indica que, ainda segundo Crystal (2001), o impacto daInternet menor como revoluo tecnolgica do que como revoluo dosmodos sociais de interagir lingisticamente. Contudo, apesar de constataresse fenmeno, o prprio David Crystal pouco se dedicou a uma anlise dosaspectos centrais implicados pelas inovaes trazidas aos modos de interagir. Nomeu entender, aspecto urgente na anlise desses novos modos de interaoligados aos respectivos gneros uma anlise etnogrfica. Observando osestudos na rea, constata-se que ainda no se fez um estudo etnogrfico srio dacomunicao no meio virtual. Lamentavelmente, este no ser o enfoque tambmdo presente estudo, que se dedica em particular anlise dos gneros e apenassecundariamente apresenta observaes de carter etnogrfico.

    Pode-se dizer que o discurso eletrnico (ou a comunicao mediada porcomputador [CMC] se algum assim o preferir) ainda se acha em estado meioselvagem e indomado sob o ponto de vista lingstico e organizacional, segundoobservou Crystal (2001). O prprio estado de anonimato dos participantes nosbate-papos virtuais favorece o lado instintivo desde a escolha do apelido at asdecises lingsticas, estilsticas e liberalidades quanto ao contedo. Trata-se deuma esttica em busca de seu cnone, se que isso pode acontecer.

    Vrias das caractersticas atribudas, nos anos 70-80, linguagem da Internet eaos diversos gneros ali praticados no ocorrem mais a partir dos anos 90, poisaquelas eram muito mais restries impostas pela precariedade dos programascomputacionais do que propriedades dos usos ou da linguagem como tal.Podemos dizer que os gneros textuais so frutos de complexas relaes entreum meio14, um uso e a linguagem. No presente caso, o meio eletrnico oferecepeculiaridades especficas para usos sociais, culturais e comunicativos que no seoferecem nas relaes interpessoais face a face. E a linguagem concorre aquicom nfases deslocadas em relao ao que conhecemos em outros contextos deuso.

    Assim, possvel que ainda tenhamos de esperar mais para ver o que ocorrerem futuro prximo. Se algum se ativesse a analisar a linguagem dos e-mails em

    14 Neste momento me refiro ao meio em sentido restrito de meio fsico de comunicao, tal como aInternet,o rdio, o telefone, o papel impresso e assim por diante. Assim, no considero a linguagem um meio dessetipo, mas uma forma constitutiva da realidade. Quanto a isso, adoto a noo de linguagem como atividadeinterativa de carter scio-cognitivo e no como um meio de transmisso de informaes. Descarto, pois, aconhecida metfora da linguagem como conduto, canal ou de transporte de idias.

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    meados dos anos 70, quando essa nova forma de comunicao estava iniciando,daria como propriedade desse gnero a produo de textos limitados a dois outrs enunciados. No entanto, aquela era uma limitao devida baixa velocidadeda transmisso de dados eletronicamente e uma dificuldade dos programascomputacionais de ento. Hoje, o tamanho dos e-mails ilimitado e pode-se

    anexar at livros inteiros. Tudo depende do programa que se usa e da capacidadeda mquina ou qualidade do servidor a que se est conectado.

    inegvel que a tecnologia do computador, em especial com o surgimento dainternet, criou uma imensa rede social (virtual) que liga os mais diversos indivduospelas mais diversificadas formas numa velocidade espantosa e na maioria doscasos numa relao sncrona. Isso d uma nova noo de interao social. Este o primeiro aspecto que gostaria de frisar na natureza das novas tecnologias queno so anti-sociais como alguns supuseram, mas favorecem a criao deverdadeiras redes de interesses. Surgem da comunidades virtuais em que osmembros interagem de forma rpida e eficaz (o gnero listas de discussoencarna esse aspecto). Esse um novo foco para a reflexo; nonecessariamente um novo objeto lingstico, mas uma nova forma de uso dalngua enquanto prtica interativa.

    2. Comunidades virtuais

    Um dos desafios neste contexto vem sendo a noo de comunidade15,particularmente na expresso comunidade virtual16 (CV), tida como uma espciede agregado social que emerge da rede internetiana para fins especficos. Algoassim como pessoas com interesses comuns ou que agem com interessescomuns num dado momento, formando uma rede social estruturada. Seriam redesde relaes virtuais (ciberespaciais). Mas ser que a noo de comunidade podeser aplicada ou deveria ser redefinida no caso do ambiente virtual?

    interessante indagar-se em que as comunidades virtuais distinguem-se dascomunidades sociais, ou comunidades sociais17 do mundo real com suasprojees discursivas. Servindo-me aqui de um trabalho de Thomas Erickson(1997) sobre a interao socialna Rede Mundial, analiso algumas caractersticas

    15 No est nos propsitos nem nos limites deste estudo um aprofundamento da noo de comunidade defala ou comunidade lingstica, redes sociais ou a nova noo de comunidade de prticas tal comoexposta em Janet Holmes e Miriam Meyerhoff (1999) ao distinguirem essas noes de forma sistemtica.Quanto a isso pode-se ver tambm o trabalho de Etienne Wenger (1998) sobre as Comunidades de Prticas.

    16 Na realidade, pode-se indagar se existem Comunidades Virtuais. Howard Rheingold (2000) escreveu umaobra sobre o tema com um captulo final intitulado Rethinking Virtual Communities, acrescido edio de2000, que no aparecia na edio de 1993. Ali ele expe os problemas com essa noo quando se trata daexpresso comunidade virtual.17 Afasto-me aqui da noo de comunidade lingstica, tal como definida na sociolingstica, pelas razeslevantadas por Miller (1994:72-73), j que aquela noo aproxima-se de uma categoria taxionmica fundadano domnio da lngua. Contudo, a noo de comunidade retrica como proposta por Miller (1994:73) ecaracterizada como uma projeo discursiva, um constructo retrico ou uma espcie de entidade virtual eno real, parece-me pouco adequada para este caso, j que Miller (1994) tem em mente grandes entidadesculturais como comunidades retricas.

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    da noo de comunidade no sentido tradicional e na nova viso a fim de observara natureza dos gneros textuais nesse contexto. Segundo Erickson (1997:2), anoo de comunidade virtual no parece descrever adequadamente o discursoon-line. Diante disso, o autor sugere uma mudana de nfase, adotando oconceito de gnero para melhor entender esse tipo de discurso. A razo disso

    estaria no fato de a noo degnero deslocar o foco de questes como a natureza e o grau dorelacionamento entre os membros da comunidade, para o propsito, dacomunicao, suas regularidades de forma e substncia e as forasinstitucionais, sociais e tecnolgicas que subjazem a essas regularidades.(p.2)

    Mas ao mesmo tempo o autor nota que essa idia de gnero problemtica, poisaqui temos algumas peculiaridades que no se aplicam muito bem a essa nooem outros casos. Quanto noo de comunidade, Erickson (1997:3) apresenta ascinco caractersticas definidoras do conceito de acordo com a tradio dasociolingstica e da antropologia. Estas caractersticas so:

    Membro: central para a noo de comunidade o fato de ser membro ou de estarexcludo; alguns pertencem a ela e outros no e isso por razes vrias tais comoreligio, raa, camada social, profisso etc.

    Relacionamento: os membros de uma comunidade formam relacionamentospessoais entre si, desde relacionamentos casuais a amizades estveis.

    Confiana e reciprocidade generalizada: uma comunidade deve ter confianamtua e estar preparada para que os membros se ajudem.

    Valores e prticas partilhados: os membros devem partilhar um conjunto devalores, objetivos, normas e interesses, assim como uma histria, costumes einstrumentos.

    Bens coletivos: participao dos membros na produo, uso e distribuio de

    bens. Durabilidade: enquanto uma coletividade, os aspectos acima mencionados s se

    efetivaro se a comunidade tiver longa durao.

    Em suma, a definio de comunidade poderia ser:Uma comunidade uma coleo de membros com relacionamentosinterpessoais de confiana e reciprocidade, partilha de valores eprticas sociais com produo, distribuio e uso de bens coletivosnum sistema de relaes duradouras.

    Esta noo de comunidade muito prxima da definio de Lave & Wenger

    (1991) para a noo hoje bastante adotada de comunidade de prticas assimdefinida:

    um agregado de pessoas que se encontram em torno de engajamentosnum empreendimento. Modos de fazer coisas, modos de falar, crenas,valores, relaes de poder em suma, prticas emergem no decorrerdesses empreendimentos mtuos. Como um constructo social, uma CdeP diferente da tradicional comunidade, basicamente porque definida

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    simultaneamente por seus membros e pelas prticas nas quais osmembros se engajam.(apud Holmes & Meyerhoff , 1999:174).

    Central em ambos os casos so as atividades comuns, os engajamentosmtuos e o partilhamento de bens negociveis, sendo que a noo de

    partilhamento lingstico fica como um pano de fundo e no como base. Este serum aspecto importante para a abordagem do gnero no meio virtual. Voltando posio de Miller (1994:73) a respeito da noo de comunidade retrica comouma entidade virtual e no uma realidade emprica, pode-se ver aqui algunsaspectos comuns. Assim, enquanto construo retrica, uma comunidade seriauma projeo discursiva constituda por atribuies de aes retricas comunscaractersticas, gneros de interao, modos agir, incluindo a prpria reproduo.Mas essas comunidades seriam muito mais comunidades de prticas discursivas.

    Como observa Erickson (1997:3), as propriedades atribudas noo decomunidade acima lembradas se aplicam fracamente aos diversos contextos daInternet e so poucos os casos em que elas se do. Veja-se o caso dos bate-papos on-line com indivduos em geral annimos, efmeros e superficiais nasinteraes. Existem comunidades cujos membros se comunicam pela Internet deforma duradoura, tais como os clubes de fs ou os membros de salas de aula eassim por diante. Mas esse no o caso mais freqente. O caso mais notvel deCV o das aulas virtuais e dos bate-papos educacionais, como veremos logomais. Igualmente as listas de discusso podem ser tidas como CV em sentidoamplo, embora essa comunidade muitas vezes seja efetivamente diluda, mas osindivduos tm interesses e prticas comuns.

    Os aspectos apontados fazem com que Erickson substitua a noo decomunidade pela de gnero, j que assim desloca-se o foco dos participantes,com uma suposta relao entre si, para artefatos partilhados que so asinstncias de gneros. Como Erickson um engenheiro de software, julga ognero como nico artefato sobre o qual os designers de programas teriam algumcontrole, ao dominarem as convenes de forma e contedo que tipificam umgnero.

    Seguramente, aqui tudo vai depender da noo de gnero. O autor lembra aconcepo de Miller (1984) para quem os gneros seriam aes retricastipificadas produzidas em resposta a situaes sociais recorrentes. Os gneros,enquanto artefatos culturais,18 seriam instrumentos aptos para se desenvolveraes sociais em situaes especficas, que se definem por objetivoscomunicativos, audincia, regularidades formais e contedos. Por seu turno,Swales (1990) tambm partindo de Miller (1984) define gnero a partir de

    18 Em seu clssico estudo de 1984 Miller afirmava serem os gneros artefatos culturais sem definir o queentendia com cultura. Em trabalho posterior, a autora (1994:68) retoma a questo para definir aquelaexpresso e assume a posio de William, para quem a cultura seria um modo particular de vida de umtempo e um lugar, em toda a sua complexidade experimentada por um grupo que entende a si prprio comoum grupo identificvel. Isto explicaria, para a autora, a singularidade dos gneros em cada cultura e suaprofunda relao com os espaos culturais.

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    comunidade discursiva, o que leva de volta questo da comunidade, s queneste caso, os membros de uma comunidade discursiva seriam os que participamde um gnero discursivo, ou seja, a comunidade seria uma espcie de pano defundo e se determinaria como uma comunidade de prticas discursivas.

    Em estudo posterior, Erickson (2000:3) assim define sua noo de gnero combase na qual observa-os no ambiente virtual.Um gnero um padro de comunicao criado pela combinao deforas individuais, sociais e tcnicas implcitas numa situao comunicativarecorrente. Um gnero estrutura a comunicao ao criar expectativaspartilhadas acerca da forma e do contedo da interao, atenuando assima presso da produo e interpretao.

    Com base nessa noo de gnero, Erickson (1997:4-5) sugere observar oseguinte em relao ao discurso on-line.

    Propsito comunicativo do discurso;

    Natureza da comunidade discursiva; Regularidades de forma e contedo da comunicao, expectativas

    subjacentes e convenes;

    Propriedades das situaes recorrentes em que o gnero empregado, incluindo as foras institucionais, tecnolgicas e sociaisque do origem s regularidades do discurso.

    Na tentativa de validar o modelo construdo, Erickson (1997:5-11) analisa oexemplo de uma sala de bate-papo, o Caf Utne19, mostrando que se trata deuma certa comunidade virtual que interage com certos propsitos e regularidade.Interessante que em todas as salas de bate-papo o participante se acha diante

    de um vdeo e com um teclado na mo, livre de muitas das presses sociais quese apresentam numa conversao face a face (p.9). Essa propriedade essencial a todos os discursos virtuais que se do em gneros produzidos on-linee ter conseqncias diversas se o gnero o de um bate-papo virtual em salasabertas com pseudnimos e identidades mascaradas ou opacas, ou se umgnero de bate-papo virtual educacionalcom identificao dos interlocutores.

    Essa questo se torna relevante porque em certo sentido pode contribuir paradefinir gneros diversos por um trao importante como a qualidade daparticipao dos atores sociais nas atividades conjuntas. Este ser tambm umaspecto importante porque implica na identificao dos atores e o partilhamento

    desse conhecimento.A situao da sala de bate-papo analisada por Erickson tem algumaspeculiaridades do meio discursivo que a maioria das atuais salas no tm mais. Asala Utne fica aberta ou fechada por inteiro, sendo que todos os participantesvem a mesma coisa e os novos participantes podem consultar a conversa porinteiro (em suas etapas anteriores) a fim de saber onde se engajar no tpico.

    19 Veja: http://www.utne.com

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    Normalmente no se tem essa noo nas salas de bate-papos, onde sopossveis interaes reservadas a que somente os dois participantes tmacesso. Alm disso, s se tem acesso s contribuies realizadas a partir daentrada na sala sendo vedado o acesso a contribuies anteriores.

    Central e sintomtico para o tratamento de novos gneros na mdia digital, arevelao de Erickson (1997:14), quando afirma que, na qualidade de designer,toma a conversao apenas como documento modelo para produzir sistemason-line mais efetivos. Nas palavras do autor:

    O gnero parece ser um enquadre [frame] til para analisar e projetarsistemas conversacionais on line porque ele fornece o pano de fundo[foregrounding] para o meio discursivo e encoraja o exame de caminhosnos quais caractersticas do meio moldam as prticas que se do no seuinterior.

    As propriedades centrais a que se refere o autor para o gnero bate-papo on-lineso: seqencialidade, interatividade, contedo comum. Isto transforma eevento em um gnero participativo, dando oportunidade aos participantes de seportarem como no seu dia-a-dia.

    3. Os gneros emergentes no meio virtual

    Vimos at aqui um enquadre histrico, social e tecnolgico para a abordagem dosgneros da mdia virtual pelo uso da escrita eletrnica. As formas textuaisemergentes nessa escrita so vrias e versteis. Veremos a seguir quais so ostraos mais interessantes para abord-las e defini-las. O grande risco quecorremos ao definir e identificar esses gneros situa-se na prpria natureza datecnologia que os abriga. Seu vertiginoso avano pode invalidar com granderapidez as idias aqui expostas. Isso obriga-nos a ter muita cautela nasafirmaes feitas.

    Antes de mais nada, ressalto que no vamos tratar como gnero a home-page(portal, stio, pgina), j que no ela passa de um ambiente especfico paralocalizar uma srie de informaes, operando como um suporte e caracterizando-se cada vez mais como um servio eletrnico. Uma home page no passa deum catlogo ou uma vitrine pessoal ou institucional. Tambm o hipertexto20 nopode ser tratado como um gnero e sim como um modo de produo textual quepode estender-se a todos os gneros dando-lhes neste caso algumaspropriedades especficas. Por fim, no tomamos os jogos interativos (sejam eleseducacionais ou no) como gneros virtuais, pois no geral eles so suportes paraaes complexas envolvendo vrios gneros na sua configurao.

    20 Para maiores detalhes sobre a natureza e o funcionamento do hipertexto, veja-se Marcuschi (1999 e 2000)bem como a vasta bibliografia ali citada. Antnio Carlos Xavier (da UFPE) vem desenvolvendo tese dedoutoramento na UNICAMP sobre o Hipertexto na sociedade.

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    Desconheo levantamentos exatos de quantos gneros poderiam ser identificadosna mdia virtual e ignoro se j h uma designao consagrada para os mesmos21.Entre os gneros mais conhecidos e que vm sendo estudados podemos situarpelo menos estes (com designaes tentativas):

    1. e-mail22 (correio eletrnico na forma com formas de produo tpicas).

    Inicialmente um servio (electronic mail), resultou num gnero (surgiu em1972/3 nos EUA).

    2. bate-papo virtual em aberto(room-chat)23(inmeras pessoas interagindosimultaneamente). Surgiu como IRC na Finldia em 1988.

    3. bate-papo virtual reservado (chat) (variante dos room-chats do tipo (2)mas com as falas acessveis apenas aos dois selecionados, embora vendotodos os demais em aberto).

    4. bate-papo agendado (ICQ) (variante de (3), mas com a caracterstica deter sido agendado e oferecer a possibilidade demais recursos tecnolgicosna recepo e envio de arquivos).

    5. bate-papo virtual em salas privadas (sala privada com apenas os doisparceiros de dilogo presentes). Uma espcie de variao dos bate-paposde tipo (2).

    6. entrevista com convidado (forma de dilogo com perguntas e respostasnum esquema diferente do que os dois anteriores).

    7. aula virtual (interaes com nmero limitado de alunos tanto no formato dee-mail ou de arquivos hipertextuais com tema definido em contatosgeralmente assncronos).

    21 No gostaria que se tomassem os nomes aqui dados aos gneros como designaes definitivas. Parece, porexemplo, que o que aqui se denomina bate-papos educaionais vem sendo chamado de Chatseducacionais e assim por diante.22 Note-se que o termo j vem sendo dicionarizado nessa forma tanto pelo Dicionrio Aurlio Sculo XXI,como pelo Dicionrio Eletrnico Houaiss da Lngua Portuguesa 1.0. Assim, no traduzo para correioeletrnico, como seria o normal faz-lo.23 Uma observao terminolgica: Os denominados chats so na realidade bate-papos virtuais que se realizamem tempo real (on-line) e provm de um programa ou sistema chamado IRC(Internet Relay Chat). Existem

    muitos sistemas desses. Quanto ao ICQ (I seek you) e os MUDs (Multiple User Domains), trata-se devariaes que aqui no sero distinguidas de maneira sistemtica, j que no fundo variam apenas como formasoperacionais de programar as falas e estabelecer os contatos, mas a produo textual (os bate-papos) no variasubstantivamente, a no ser quando se trata de mostrar a natureza dos dilogos. E isto ficar mais claro nasdescries a seguir. Tambm chamo ateno para o fato de o termo j se achar dicinarizado tanto noAurlio como no Houaiss. Neste, lemos, para o verbete Chat, o seguinte: forma de comunicao distncia, utilizando computadores ligados internet, na qual o que se digita no teclado de um deles apareceem tempo real no vdeo de todos os participantes do bate-papo.

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    8. bate-papo educacional (interaes sncronas no estilo dos chats comfinalidade educacional, geralmente para tirar dvidas, dar atendimentopessoal ou em grupo e com temas prvios).

    9. vdeo-conferncia interativa (realizada por computador e similar a uma

    interao face a face; uso da voz pela rede de telefonia ou a cabo)10. lista de discusso (grupo de pessoas com interesses especficos, que se

    comunicam em geral de forma assncrona, mediada por um responsvelque organiza as mensagens e eventualmente faz triagens).

    11. Endereo eletrnico (o endereo eletrnico seja o pessoal para e-mail oupara a home-page tem hoje caractersticas tpicas e um gnero).

    Entre os mais praticados esto os e-mails, bate-papos virtuais e listas dediscusso. Hoje comeam a se popularizar tambm as aulas virtuais no contextodo ensino distncia. Em todos esses gneros a comunicao se d pelalinguagem escrita. Como veremos, esta escrita tende a uma certa informalidade ea uma menor monitorao e cobrana pela fluidez do meio e pela rapidez dotempo.

    Em certos casos, esses gneros emergentes parecem projees de outros comosuas contrapartes prvias, o que sugere a pergunta de se os designers desoftwares seguiram padres pr-existentes como base para moldagem de seusprogramas. Como os novos gneros s so possveis dentro de determinadosprogramas, parece que a resposta deve sersim.24Mas no devemos confundirum programa com um gnero, pois mesmo diante da rigidez de um programa,no h rigidez nas estratgias de realizao do gnero como instrumento de aosocial. O que se deveria investigar qual a real novidade das prticas e no asimples estrutura interna ou a natureza da linguagem.

    Por exemplo: nos bate-papos virtuais abertos so construdas identidades sociaismuito diversas do que nas conversaes face a face. Este aspecto no est nosdomnios de controle de nenhum engenheiro de software. O engenheiro pode,quando muito, controlar a ferramenta conceitual, mas no os usos e, muito menosos usurios. Isto significa que os usos no podem ser controlados em toda suaextenso pelo sistema. Assim ocorre tambm com as lnguas naturais de ummodo geral. Embora haja um sistema lingstico subjacente a cada lngua, ele no

    24 Essa questo de extrema importncia e, como vimos acima, nas explicaes do engenheiro de software,Thomas Erickson (2000), ao explicar a construo e o funcionamento do programa BABBLE, os disignerstiveram como modelo padro os gneros prvios que compem aquele programa. Assim, um Chatseguiria asestratgias de produo dialgica de uma conversao com simulao das atividades ali desenvolvidas. Maisadiante nos reportaremos a este aspecto na hora de tratar dos bate-papos virtuais em ambientes abertos. Outroengenheiro dessa mesma linha de trabalho Lyn Pemberton (2000), que no trabalho intitulado Genre as aStructure Concept for Interaction Disign Pattern Languages, explora a idia de que gnero pode seruma ferramenta conceitual til para estruturar padres interacionais de sub-linguagens e com isso mapear oterritrio para a construo desofts. O autor toma o trabalho de Swales (1990) como ponto de partida para suanoo de gnero da vida real.

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    impede a variao. As variaes no so aleatrias e sim sistemticas, no casodos usos lingsticos. J no caso dos usos de softwares interativos, que fundamusos resultantes em gneros textuais, as projees dos engenheiros so aindamais fracas. A rigidez do programa fica por conta de sua caracterstica formulaica,

    j que em ltima anlise todos os gneros produzidos no contexto da mdia virtual

    tm um sabor de formulrios mais ou menos discursivos e no de mltiplaescolha.

    Mas em que que os gneros virtuais divergem de suas contrapartes reais?Essas divergncias so essenciais para produzirem gneros novos? Aspectoreiteradamente salientado na caracterizao dos gneros emergentes o intensouso da escrita, dando-se praticamente o contrrio em suas contrapartes nasrelaes interpessoais no virtuais. Ser isso relevante na caracterizao dognero emergente ou um aspecto que nos leva apenas a repensar a nossarelao com a escrita e com a oralidade, mas no a relao entre ambas?

    Se nos dedicarmos a uma anlise de detalhe dos gneros emergentes na mdiaeletrnica em geral (telefonia, rdio, televiso, Internet), veremos que algumas dasidias a respeito da interao verbal devero ser revistas. Por exemplo, apresena fsica no caracteriza a interao conversacional em si, mas simdeterminados gneros, tais como os que se do nos encontros face a face. Deigual modo, a produo oral no necessria, mas apenas suficiente paradeterminar a interao verbal, pois possvel uma interao sncrona, pessoal edireta pela escrita transmitida distncia, o que j era em parte possvel pelacomunicao pelo telgrafo e pelo cdigo Morse. Mas no caso atual h uma sriede novidades que no apenas simulam, mas realizam efetivamente a interao.Veja-se o quadro abaixo com os gneros emergentes e suas contrapartes pr-existentes sugerindo um paralelo formal e funcional:

    GNEROS TEXTUAIS EMERGENTES NA MDIA VIRTUAL SUASCONTRAPARTES EM GNEROS PR-EXISTENTES

    Gneros emergentes Gneros j existentes1 E-mail Carta pessoal // bilhete // correio2 Bate-papo virtual em aberto Conversaes (em grupos abertos?)3. Bate papo virtual reservado Conversaes duais (casuais)4 Bate-papo ICQ (agendado) Encontros pessoais (agendados?)5 Bate-papo virtual em salas privadas Conversaes (fechadas?)6 Entrevista com convidado Entrevista com pessoa convidada7 Aula virtual Aulas presenciais8 Bate-papo educacional (Aula participativa e interativa???)9 Vdeo-conferncia Reunio de grupo/ conferncia / debate10 Lista de discusso Circulares/ sries de circulares (???)11 Endereo eletrnico Endereo postal

    Esses gneros tm caractersticas prprias e devem ser analisados em particular.Nem sempre tm uma contraparte muito clara e no se pode esperar umaespecularidade na projeo de domnios to diversos como so o virtual e o real.

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    Esses gneros so mediados pela tecnologia computacional que oferece umprograma de base (uma ferramenta conceitual) e servem-se da telefonia. De certomodo, esses gneros so diversificados em seus formatos e possibilidades edependem do software utilizado para sua produo. No caso dos e-mails, porexemplo, temos vrios programas para sua elaborao.25

    Todos os gneros aqui tratados dizem respeito a interaes entre indivduos reais,embora suas relaes sejam no geral virtuais. Por isso optamos por no tratar dognero textual no contexto do mundo imaginrio dos MUDs (Multi-User-Dungeon). Trata-se de um programa de jogos muito conhecido nos anos 70 e queposteriormente redundou em algo que poderia ser chamado de Jogo de Combateou Luta com Drages. Como opera numa relao com um mundo imaginrio,pareceu no caber neste contexto de anlise. No caso dos MUDs temos um tipode relao irreal, relao com a fantasia e no com seres reais e trata-se de um

    jogo. Por essa razo, foi aqui excludo.26

    Diante de tudo isso, possvel indagar-se que tipo de prtica social emerge comas novas formas de discurso virtual pela internet. Pode-se falar em letramentodigital, como foi inicialmente sugerido? Creio que cedo para tanto. Mas j sepode dizer que temos novas situaes de letramento cultural.

    4. Parmetros para caracterizao dos gneros emergentes

    Neste item, apresentamos um quadro geral com os parmetros que poderiamcaracterizar os novos gneros. Trata-se de uma proposta descritiva aindaincipiente e merecedora de maior sistematizao. Para sua validao, ascategorias devem ser detidamente testadas nos casos que tentam modelizar.Alm disso, necessria uma definio dos constituintes de cada trao de acordocom o conjunto de postulados tericos de onde provm.

    Na construo desta matriz propomos um conjunto de categorias dentro da teoriados gneros textuais postulada na confluncia entre Bakhtin (1979); Halliday(1978); Miller (1984); Swales (1990) e Bronkcart (1999). Seguimos o que julgamosimportante na caracterizao dos gneros que constituem as contrapartesapontadas, acrescendo os aspectos que surgem no novo ambiente virtual. Noest claro em que medida essas diferenas so relevantes para caracterizar umgnero como novo. O quadro foi elaborado numa viso tridimensional e observa acomposio (aspectos textuais e formais, incluindo as relaes entre osparticipantes ou a audincia); o tema (natureza dos contedos, funes eprofundidade) e o estilo (aspectos relativos linguagem, seus usos e usurios).Resta definir com maior preciso o que se deveria observar em cada um desses

    25 Temos que distinguir o que prprio do gnero surgido e o que devido ao estgio tecnolgico. Pois halgum tempo no se podia corrigir a no ser a linha inteira e isto gerava problemas especficos; depois no sepodia acentuar; hoje se pode operar com os e-mails do mesmo modo que nos processadores textuais comuns.26 Para informaes mais detalhadas a respeito da linguagem e dos formatos dessas interaes imaginrias,sugiro a leitura do cap. 6 de Crystal (2001), pp. 171-194.

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    aspectos. Supomos que as teorias apontadas oferecem sugestes bastante clarase operacionais que no precisam ser aqui repetidas.

    Uma das caractersticas centrais dos gneros em ambientes virtuais seremaltamente interativos, geralmente sncronos (com simultaneidade temporal),

    embora escritos. Isso lhes d um carter inovador no contexto das relaes entrefala-escrita. Alm disso, tendo em vista a possibilidade cada vez mais comum deinsero de elementos visuais no texto (imagens, fotos etc.) e sons (msicas,vozes) pode-se chegar a uma interao com a presena de imagem, voz, msicae linguagem escrita numa integrao de recursos semiolgicos. Quanto a isso,h outro aspecto nas formas de semiotizao desses gneros relativo ao uso demarcas de polidez ou indicao de posturas. So os conhecidos emoticons(cones indicadores de emoes) ao lado de uma espcie de etiqueta netiana(etiqueta da Internet, tal como analisada por Crystal, 2001), trazendo descontraoe informalidade formulao (monitorao fraca da linguagem), tendo em vista avolatilidade do meio e a rapidez da interao. Contudo, estes aspectos no sedistribuem por igual ao longo dos gneros.

    Embora parea irrelevante na caracterizao do gnero, passa a ser importante aquesto da permanncia ou no do documento no tempo. Como o ambiente virtual relativamente voltil e no tem a menor garantia de estabilidade e fixao (bastauma queda de energia ou travamento do programa para perder tudo o que no foisalvo), estamos sugerindo como trao demarcador tambm o aspecto.relativo recuperao dos textos produzidos nesses gneros.

    Do ponto de vista estritamente formal, esses gneros se distinguem tanto pelaforma como pelo programa usado. Tome-se o caso de um bate-papo virtualaberto, como os da UOL, AOL, BOL, YAHOO, TERRA, IG e assim por diante.Cada servidor tem uma maneira de representar os seus ambientes e isso divergeainda na relao com o ICQ, IRC ou mIRC, sem entrar em detalhes a respeito deprogramas tpicos como o descrito por Erickson (2000), chamado de BABBLE,que oferece uma srie de recursos envolvendo praticamente todos os gnerosdentro de um programa verstil e quase corporativo.

    O quadro a seguir foi construdo com base em observaes na perspectiva aquilevantada e no privilegia aspectos estruturais e formais, mas sim funcionais eoperacionais ao lado de estratgias e propsitos. Nisto segue a idia de que no tanto a natureza formal, mas o aspecto scio-comunicativo e as atividadesdesenvolvidas que caracterizam o gnero.

    Tendo em vista o exguo espao disponvel neste momento, vamos observar aquidetidamente apenas alguns aspectos definidores do gnero, deixando para outromomento as questes relativas aos problemas operacionais. Quanto a estesltimos elementos e tambm quanto linguagem, remeto o leitor proveitosacoletnea de trabalhos sobre o assunto, organizada por Vera Paiva (2001), jcitada acima e que ser aqui lembrada ainda em alguns pontos especficos.

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    PARMETROS PARA IDENTIFICAO DOS GNEROS NO MEIO VIRTUAL

    DIMENSO ASPECTO GNEROS EM AMBIENTE VIRTUAL

    1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11Relaotemporal

    Sncrona - + + + + + - + + - 0Assncrona + - - - - - + - - + 0

    DuraoIndefinida - + + + + - - - - - 0Rpida ? 0 + - - - - - - ? 0Limitada + - - - - + + + + + 0

    Extensodo texto

    Indefinida - + + + + + - - - - 0Longa - - - + - 0 + - + - 0Curta + + + - + 0 - + - + +

    Formatotextual

    Turnos encadeados - + + + + + - + + - -Texto corrido + - - - - - + - - - 0Seqncias soltas ? 0 - - - - - - - - -Estrutura fixa + - - - - - + - + + +

    Participantes

    Dois + + + + + - - - - - -Mltiplos + + - + - + + + - + 0Grupo fechado + - - + - - + + + + 0

    Relaodosparticipantes

    Conhecidos + - 0 + 0 - + + + + 0Annimos - + 0 - 0 + - - - - 0Hierarquizados ? - - - - - + + + - 0

    Troca deFalantes

    Alternada - + + + + + - + 0 - 0Inexistente + - - - - - + - - + 0

    FunoInterpessoal + + + + + - - + - + +Ldica - + + + + + - - - - -Institucional - - - + - - + + + + +

    Educacional - - - - - - + + + + 0

    TemaLivre + + + + + + - - - + 0Combinado + - - 0 - - + + + + 0Inexistente - + - - - + - - - - +

    EstiloMonitorado 0 - - - - - + 0 + + 0Informal 0 + + + + + + + - - 0Fragmentrio - + + + + + - - - - 0

    Canal/Semioses

    Puro texto escrito + + + + + + + + 0 + +Texto oral & escrito - - - + - - - - + - -Texto com imagem 0 + + + + + + - + - -Com paralinguagem 0 + + + + + + + + - -

    Recuperao de

    mensagem

    Gravao automtica + - - + - - + + 0 + +Volteis - + + + + - - + + - -

    Legenda 1: Sinais para marcao dos traos: + (presena); - (ausncia); 0 (irrelevncia do traopara definio do gnero); ? (indefinio quanto presena e relevncia).

    Legenda 2: Para os gneros listados: (1) e-mails; (2) bate-papo virtual aberto; (3) bate-papo virtualreservado; (4) bate-papo ICQ (agendado); (5) bate-papo virtual em salas privadas; (6) entrevistacom convidado; (7) aulas virtuais por e-mails; (8) bate-papo educacional; (9) vdeo-confernciainterativas; (10) listas de discusso; (11) endereo eletrnico.

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    Tomando-se os gneros apontados acima e seguindo-se a idia de que elespodem representar um contnuo com base em alguns vetores, tal como j haviasido sugerido para a relao fala-escrita em Marcuschi (1997), possvel, combase na sugesto de Yates (2000:236-236), traar os dois grficos abaixo comodois contnuos contrapostos.

    O Grfico 1 mostra o contnuo entre alguns gneros tradicionais na fala e escrita,tendo como vetores os eixos da comunicao sncrona versus comunicaoassncrona, ou seja, comunicao que se d no tempo real (caso dacomunicao face a face) e a comunicao escrita (em geral defasada no tempo).Alm disso, temos os outros dois vetores, a comunicao grupal (de um paramuitos, de muitos para um ou de muitos para muitos) e a comunicao bilateral(de um para um). Os Grficos 1 e 2 trazem uma relao similar que estabelecicom outros parmetros para todos os gneros, tentando eliminar a visodicotmica e ao mesmo tempo mostrar que h uma certa diferena entre oambiente sonoro/impresso e o meio digital. Vejamos o grfico 1:

    GRFICO 1: O CONTNUO DE GNEROS NA COMUNICAOTRADICIONAL IMPRESSA E FALADA

    ComunicaoAssncrona

    ComunicaoSncrona

    Fonte: Simeon J. YATES (2000) P. 236

    O Grfico 1 representa o contnuo entre os gneros de uma certa escrita (cartasinformais) at a fala espontnea nas conversaes dialgicas. H um movimentodo relativamente formal, pois as cartas podem receber vrios estilos quanto a esse

    Interao

    em grupo

    Cartas

    impressa

    s

    Memorandos

    Conferncias

    Interao face a face

    19

    Interaoum a um

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    aspecto, at o bastante informal. E igualmente do mais distanciado (comunicaoassncrona) at a comunicao em tempo real a face a face. Por outro lado, pode-se ir desde a comunicao em grupo at a bilateral. Quanto a este aspecto, note-se que uma carta pode ter vrias formas de ser (desde uma carta pessoal de umpara um (o que parece ser o mais comum) at uma carta circular de um para

    muito ou de muitos para muitos.O Grfico 2 traz os mesmos vetores acima, mas desta vez aplicando-se comunicao digital. Neste caso, o que se observa que os e-mails so umacomunicao de fato assncrona, mas podem ser tanto grupal como individual,tendo uma preferncia por sua realizao inter-individual. J a vdeo-confernciadistingue-se quanto a isso. Por outro lado, o uso da rede (WWW) em todas assuas modalidades e gneros abrigados, est num entrecruzamento que permiteenorme variedade de realizaes em termos de formalidade, informalidade,relaes comunicativas e produo sncrona ou no. Mas os bate-papos virtuaisocupam a base que em certo sentido corresponde situao da comunicaoface a face, com as diversas possibilidades apontadas em relao a seremcomunicaes grupais ou inter-individuais.

    GRFICO 2: O CONTNUO DE GNEROS NA COMUNICAODIGITAL MEDIADA POR COMPUTADOR

    Assncronos

    Sncronos

    Fonte: Simeon J. YATES (2000) P. 237

    Vdeo-conferncia

    e-ma

    il

    ICQ/ IRC/ MUD/ MOO (chats em geral)

    Uso geral da rede

    Grupointerativo

    Interaoum a um

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    A distribuio dos gneros por este contnuo poderia ser feita num quadromultidimensional tomando os parmetros trazidos no quadro acima econsiderando os onze gneros tratados. Veramos que h uma ordem muito claraentre eles e sua distribuio se d de forma no aleatria e sua produo obedecea critrios bastante rigorosos. Gaston Hilgert (2000)27 j mostrava esta questo

    com muita preciso ao identificar o contnuo em que se distribuem os gneros detextos escritos (p. 52) correlacionando-os dentro do ambiente digital. Alm disso,Hilgert comprovou que os chats de que se ocupa em detalhe esto localizados noextremo aqui identificado com a oralidade.

    5. Anlise dos gneros da mdia digital

    Como difcil oferecer aqui uma viso completa de todos os gneros listadosacima, nos limitaremos a indicaes sumrias, apontando algumas fontes para osque desejam aprofundar-se na questo. Alguns gneros sero analisados commaior detalhamento e outros apenas apontados em seus traos bsicos. Noconhecemos algum trabalho que os trate todos da forma como vm aquiagrupados, por isso oferecemos este material como uma sugesto altamenteprovisria.

    5.1. As mensagens pelo correio eletrnico (e-mail)

    O e-mail(correio eletrnico) remonta ao incio dos anos 70, portanto, uma formade comunicao que tem hoje cerca de 30 anos. Populariza-se apenas nos anos80 para assumir a feio atual em meados dos anos 90. Surgiu casualmente noscomputadores do Departamento de Defesa dos EUA (ARPANET). Durante quaseuma dcada no tinha mais do que algumas linhas e, embora sua emisso fosserelativamente rpida, a recepo era muito lenta.28 Foi grandemente aperfeioadoe vem sendo extremamente utilizado, tendo sido vaticinado como o fim doscorreios tradicionais e das cartas escritas. Contudo, isso no se verificou, assimcomo os e-livros (livros eletrnicos) no representam a menor ameaa aoslivros impressos. Assim foi tambm com o surgimento do telefone que parecia sero coveiro dos correios. No entanto, nada mudou nesse particular, assim como ateleviso no suplantou o rdio.

    Num instigante trabalho sobre o futuro das cartas tradicionais diante dos e-mailsna CMC, Yates (2000) lembra que com os e-mails entramos em um novo estgiona histria da escrita de cartas.29 E segundo o mesmo autor (p.233), no ano de

    27 Sugiro a leitura do texto de Gaston Hilgert (2000) como bsica para uma idia do funcionamento dos bate-papos digitais (chats) em suas peculiaridades relativamente ao funcionamento dos turnos e outraspeculiaridades comuns nas interaes face a face.28 Aos que desejarem detalhes histricos sobre o surgimento do e-mail, com Len Kleinrock (cientistacomputacional da UCLA), sugiro a leitura de Talking Headers reproduzido do The Washigton PostMagazine (04/10/1996) nosite: http://www.olografix.org/gubi/estate/libri/wizards/email.html29 de grande interesse o trabalho de Simeon Yates (2000), tendo em vista as observaes tanto tcnicascomo histricas e a recuperao de dados anteriores. Ele mostra, por exemplo, que o gnero carta surgiucomo carta comercial no incio sculo XVII e s aps os meados daquele sculo elas se tornaram privadas. Osmemorandospor sua vez surgiram na virada do sculo XIX para o sculo XX.

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    2000 teriam sido remetidos cerca de 7 trilhes de e-mails no mundo todo, quasetriplicando as remessas de 1997, que foram em torno de 2,7 trilhes. As perguntasque o autor nos faz so: os e-mails e a CMC so simplesmente novas verses demeios j estabelecidos como as cartas postais? Seriam os e-mails e a CMC novosmeios com suas prprias formas distintas das cartas e outros meios? Como esto

    os e-mails e a CMC afetando o uso contemporneo das cartas e outros meios?(p. 234).

    O correio eletrnico uma forma de comunicao escrita normalmente assncronade remessa de mensagens entre usurios do computador. Em certascircunstncias pode apresentar uma defasagem mnima de tempo entre umaremessa e a resposta, dando a ntida sensao de turnos em andamento, quandoambos esto em conexo on-line, ou ento ter defasagem de dias, semanas emeses. No geral, os interlocutores so conhecidos ou amigos e raramente ocorreo anonimato, o que uma violao de normas do gnero (tal como uma cartaannima). Esta caracterstica o diferencia dos bate-papos. Por outro lado, os e-mails em geral so pessoais, o que o diferencia das listas de grupos ou de frunsde discusso.

    Quanto aos interagentes, os e-mails podem apresentar uma caractersticainteressante: (a) de um emissor a um receptor; (b) de um emissor a vriosreceptores simultaneamente, no caso de se mandar mensagens com cpias.Quando s possibilidades de vrios simultaneamente remeterem a um ou devrios simultaneamente remeterem a vrios mais difcil e pouco usual. Essasvariaes no trazem grandes conseqncias para a natureza dos textos quanto sua estrutura, mas podem interferir nas escolhas lingsticas, como no caso deuma carta pessoal a um amigo ou uma circular a toda uma comunidade. O caso(a) caracteriza tipicamente os e-mails enquanto forma pessoal decorrespondncia.

    Quanto ao formato textual, normal compar-lo com uma carta. Tem umcabealho (padronizado, fixo e posto automaticamente pelo programa, cabendo aousurio apenas preencher). Parece um formulrio de estrutura bipartite, comonotou Crystal (2001:95), identificando uma parte pr-formatada e outra livre com ocorpo do texto propriamente. Pode receber textos anexados (attachment). De ummodo geral o e-mail tem:

    1) endereo do remetente: automaticamente preenchido2) endereo do receptor: deve ser inserido (quando no for uma resposta)3) possibilidade de cpias: a ser preenchido, visvel ou no ao receptor4) assunto: deve ser preenchido5) data e hora:preenchimento automtico6) corpo da mensagem com uma saudao, texto e assinatura.30

    30 Hoje j existem normas para escrever e-mails. Vejam-se sugestes e bibliografia neste sentido em Crystal(2001:107). O autor lembra que para cada equvoco gramatical nos textos de e-mails ocorrem 3 de digitao(p.112); notou ainda que cerca de 80% dos e-mails por ele analisados tinham at 4 linhas e eram raros os queiam alm de 20 linhas, sendo que os pessoais eram mais longos que os institucionais (p. 114).

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    Em certos casos h o que se pode chamar de encadeamento de turnos, j queem dadas circunstncias temos uma seqncia relativamente grande de e-mailsque no foram apagados e eventualmente podem estar seqenciados. umacorrespondncia com seu arquivo seqencialmente anexado. Vrias cartasgrudadas como se fossem turnos.

    Em muitos casos os e-mails tm a estrutura tpica de um bilhete. Sua linguagem no geral no-monitorada, podendo ser, porm, muito bem elaborada e escrita emseparado, j que hoje se permite trabalhar no campo para e-mail com rascunhosque podem ser remetidos mais tarde e no apenas no ato da elaborao comoocorria na dcada de oitenta do sculo passado. Seu tamanho no tem um limite,mas no geral no se ultrapassam as 5-10 linhas e no usual fazer paragrafao,embora alguns costumem realiz-la invariavelmente. A rigor, os formatos nesteparticular so livres e hoje podem ter arquivos de textos agregados (attachment)em quantidade ilimitada.31

    um gnero que, como as cartas, tem respostas (mas no sempre). Na falta deresposta pode-se supor que o destinatrio no recebeu ou no quer responder, ourecebeu e no respondeu. Mas h casos em que o endereo do remetente nofunciona na recepo de respostas. O fluxo determinado no s por decisespessoais, mas tambm por condies tecnolgicas. Uma das vantagens dos e-mails sua transmisso instantnea encurtando o tempo de recebimento.Segundo Jonsson (1997:9),

    as mensagens eletrnicas podem partilhar as propriedades da carta tradicional,mas podem partilhar as propriedades do telefonema ou a comunicao face aface. Conseqentemente, os e-mails transgridem os limites entre as noestradicionais de comunicao oral e escrita.

    Isto, porm, ser observado como uma propriedade mais geral da maioria dos

    gneros no meio eletrnico. A presena dos emoticons (cones para sentimentos eemoes) no to constante em e-mails como se apregoa e parece que vemdiminuindo. Eles aparecem mais nos bate-papos virtuais e menos nos e-mails.Curiosamente, a escrita com maisculas nos e-mails d a sensao de que apessoa est gritando ou xingando, sendo por isso evitada.

    Aspecto interessante e inovador nos e-mails sob o ponto de vista formal apontado por Jonsson (1997:11) quando lembra a possibilidade de colagens.Esta uma atividade de construo textual que se tornou possvel e comum naescrita digital. Copiar e colar fragmentos atividade normal em qualquer escrita

    31Pude notar, com base em anlises de um corpus muito reduzido que os textos de e-mails comparados acartas pessoaistm frases mais curtas e, em mdia, apresentam de 3 a 5 palavras a menos por frase. No htantas construes encaixadas e o cuidado com a ortografia bem menor e tambm no se tem o cuidado dareviso. H maior nmero de abreviaturas e siglas. O compromisso com a manuteno tpica menor,havendo menos desdobramentos paragrficos. Em particular, observa-se um alto uso de diticos comreferenciao imediata no frame interno do prprio texto. Pode apresentar um uso intenso de elementostruncados com incidncia de formas feitas e acrscimo de imagens.

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    eletrnica (o que passa para os gneros nesse ambiente). Mas isso d aos e-mails uma caracterstica estrutural sistematicamente nova. Pode-se inclusive terum sistema de resposta de e-mails colando parte do e-mail recebido e dando aresposta; depois mais uma parte com a resposta e assim por diante, na estruturade turnos. H pessoas que costumam usar esta estratgia de forma sistemtica, o

    que caracteriza um estilo de escrita de e-mails.Em sua concluso anlise dos e-mails, Jonsson (1997:15) observa que essaforma de comunicao tem traos do gnero tradicional conhecido na escrita, mastraz elementos novos, em especial na relao com a oralidade. Assim:

    os e-mails introduzem traos inteiramente novos para a comunicao, tais comoa colagem gerada pelo software, postagem cruzada e encadeamentos. Os e-mailsno se conformam aos domnios tradicionais do discurso oral e escrito, mastransgridem constantemente os limites entre os dois. Assim, pode-se dizer que oe-mail cria seu prprio domnio de discurso no territrio da comunicao.

    O que se infere deste final do comentrio da autora que os e-mails efetivamenteesto constituindo um novo gnero tendo-se em vista suas peculiaridades formais

    e discursivas.

    5.2. Os bate-papos virtuais em aberto (chats)32

    Ao concluir suas observaes sobre os e-mails, Jonsson (1997:15) reporta-se aosbate-papos virtuais e sugere que o carter sncrono e a relao face a face poreles simulados lhes do as peculiaridades distintivas em relao aos e-mails. Comefeito, observando a histria dos chats, constata-se que surgiram na Finlndia novero de 1988, quando Jarkko WIZ Oikarinen escreveu o primeiro IRC (InternetRelay Chat), na universidade de Oulu, com o objetivo de estender os servios dos

    programas BBS (os e-mails de ento) para comunicaes em tempo real. Deacordo com o prprio Jarkko o nascimento do IRC se deu em agosto de 1988.33

    De incio, funcionava apenas na rede pessoal de Jarkko chamada tolsun.oulu.fi.Aps contatos com amigos norte-americanos, j em novembro de 1988 anovidade estava ligada Internet. Em meados de 1989, eram 40 servidoresinterligados pelo IRC no mundo todo, mas obrigados a entrar com senhas eidentificao pessoal.

    Se no incio s tinham acesso ao IRC pessoas com senha especial e ligaodireta com os servidores em questo, em agosto de 1990 ocorre a primeiradissidncia mundial ao surgir o que se chamou a A-net (Anarchy net) que abria o

    IRC para qualquer um se conectar sem a necessidade de senha. Desde ento os

    32 Assim, se expressa o Dicionrio Aurlio Sculo XXI em sua verso eletrnica em relao ao verbete jincorporado lngua portuguesa: Chat - Forma de comunicao atravs de rede de computadores (ger. aInternet), similar a uma conversao, na qual se trocam, em tempo real, mensagens escritas; bate-papo on-

    line, bate-papo virtual, papo on-line, papo virtual.33 Para maiores detalhes desta interessante histria, consulte-se a History or IRC (Internet Relay Chat) nosite: http://damiel.haxx.se/irchistory.html Aqui est uma exposio do que foram os primrdios do programae seus desmembramentos.

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    programas de bate-papo (chats)34 proliferaram a nmeros espantosos. O certo que um programa para comunicao limitada entre indivduos que se conheciamcresceu e em menos de uma dcada tornou-se um dos gneros mais praticadosda civilizao digital.

    A anlise dos bate-papos (que na realidade so conversas multi-participativas)deveria iniciar pela seleo da sala que se quer freqentar. Quanto a isso, hojeem dia h a possibilidade de escolha de salas de acordo com interessesespecficos. Existem salas classificadas (a) por idade (distribudas por faixasetrias); (b) por cidades e regies; (c) por temas; (d) para encontros; (e) paraimagens erticas ou outras; (f) para bate-papos com convidados especiais eassim por diante. Cada um pode entrar a seu gosto, mas h pessoas que se fixamem determinadas salas e dia aps dia se encontram com outros que vo formandouma espcie de comunidade virtual.

    Em seguida deve-se ter em conta a escolha do apelido. Uma etnografia sumriados bate-papos virtuais abertos mostra que a relao de desconhecimentopessoal que existe entre os participantes se caracteriza pelo anonimato mantidoem nicknames (apelidos, nomes de fantasia) atrs dos quais o indivduo seesconde. Esse anonimato tem repercusses quanto natureza da construo daidentidade e administrao das faces. Tal como aponta Crystal (2001:159), essa uma caracterstica altamente distintiva dos grupos de bate-papo sncronos. Nestesentido, para o autor, o anonimato do meio um dos traos mais interessantesque conduz da lingstica para a psicologia social (p.166). Essas verdadeirasmscaras podem variar com enorme rapidez e o mesmo indivduo pode entrarem curto lapso de tempo com nomes diversos e at personalidades diversas, oque d uma volatilidade s identidades sociais. Esses nomes assumem diversosformatos e merecem um estudo a parte. Basta entrar numa sala qualquer para deimediato constatar a variedade e a imaginao (ou falta) que grassa nessas salasem relao aos participantes e s escolhas de seus nomes com forte apelo sexualem muitos casos. Vejam-se alguns exemplos de salas diversas, sejam elas decidades, adolescentes, sadomasoquistas, lsbicas, gays etc.

    NICKNAMES DE PARTICIPANTES DE BATE-PAPOS VIRTUAISSenhor das AlgemasSubmissaMalvol@O FEIOGatinha ApetitosaSolitri@

    MaiorAbandonadoDose DuplaFlorzinha cheirosaSem Apelido

    PINTO LINDOLa Belle de JourJUJUBA*putinha devassa*GOSTOSA DE+INSACIVEL

    CIENFUEGOS/30SenadorANINHA 2.8Ev@ngelic@-30 anos

    Deus GregoMorenoGato**MUSA**O INESQUECVEL@ANDID@TO@DO/30

    FMEA VADIATRISTE SEM NOMEPsiclogo do AmorUMALIND@BRUX@SemChapu

    34 Crystal (2001:129) inicia seu captulo sobre a linguagem nos chats identificando vrios formatos, tais comochatgroups, newgroups, usergroups, chatrooms, mailing lists, discussion lists, e-conferences e bulletinboards, decidindo-se por abord-los em conjunto sob o nome chatgroups de forma genrica na relizaosncrona e assncrona. Mas cada um desses formatos poderia constituir um gnero esses eventos internetianostal como se nota na abordagem detalhada do autor.

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    **MULHER G@TO** *Um presente dos Deuses* Naturalmente Linda e Modesta

    Este aspecto etnogrfico merece estudo especfico porque revela uma importantefaceta oculta de nossa sociedade contempornea reprimida e que agora aflora noanonimato das salas de bate-papo. Seguramente, esses nomes no so gratuitose tm um valor discursivo e poderamos fazer at mesmo uma tipologia para asescolhas, tal como sugerido por Crystal (2001:161). Por exemplo:

    - nomes ligados tecnologia: robot, pcman, Pentium, hardware etc.- nomes ligados flora, fauna e objetos: tulipa, BMW, Flordeliz, orqudeaselvagem, leo, queijinho etc.- nomes ligados a personalidades famosas: Elvis Presley, Marx, Plato,etc.- nomes do dia-a-dia: Maria, Catarina, Vera, Tereza etc.- nomes ligados fico, mitologia: Godot, Pantagruel, Minotauro, Helenade Tria etc.- nomes ligados a sexo: Pinto Lindo, pica dura, fudedor, comedor, bomde cama,MxM, HBi etc.- nomes de filmes ou obras: La Belle de Jour, La Nave V etc.- nomes vazios de significao:Eu/H, Eu/M, PP, HH,

    A srie pode prosseguir com uma catalogao muito extensa, o que revela acriatividade e a imaginao. Esses nomes chamam a ateno e muitas vezes soobjeto de comentrio. Essas observaes valem para todos os formatos de bate-papos, inclusive os duais.

    Ao entrarem numa sala os participantes em geral cumprimentam todosgenericamente com um alou um oi ou boa noite, ou ento faam convitesalgum a fim de tc?, afim de um papo legal?, cad a mulher mais inteligente?e outras formas. Se observarmos o que preceituam os estudos conversacionais,notamos que nos bate-papos virtuais se pode no ser responsivo, ou seja,podemos ignorar falas a ns remetidas sem o colapso das interaes. Por outrolado, comum que o sistema provoque confuses tendo em vista a sempreiminente queda de algum ou a lentido de uma conexo diante da rapidez deoutra, devido a recursos tecnolgicos mais avanados (modem de alta velocidadeetc.). Isso significa que as atividades obedecem a uma srie de habilidades deoperao do participante (ser bom digitador, ter presena de esprito e coordenaros parceiros se est falando com vrios reservadamente e no aberto). Pois possvel manter simultaneamente vrios dilogos paralelos simultneos eprivados.

    Quanto aos aspectos lingsticos, a liberdade de tal ordem e a massa de dadosto extensa que ainda no se tem uma viso sequer aproximada do fenmeno epara Jonsson (1997:16) o assunto continua uma terra incgnita. A linguagem dosbate-papos de fato bastante livre e envolve, ao contrrio de todos os demaisgneros textuais escritos impressos muitos elementos paralingsticos. Almdisso, traz muitas expresses formulaicas, com efeito, de homofonia (cf Fonseca,201:77). V-se isto at em nomes do tipo: GATO100GATA ou KCTO, Htaentre outros.

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    Hoje h uma srie de recursos disponveis nas salas como frmulas prvias, quepermitem aes muito interessantes e regulares, simulando atividades interativasnaturais. O quadro abaixo d ma idia dessas operaes:

    RECURSOS OPERACIONAIS DISONVEIS NAS SALASCategorias Atividades possveis

    (1) seleo de parceiros

    a) seleo de TODOS: neste caso fala-se para a sala toda; b)seleo de parceiros em conversa no aberto: disponibilidade deescolha e um indivduo com quem se quer falar, clicando em cima donome e dirigindo-se a ele no aberto; c) seleo de parceiros paraconversa reservada: neste caso fala-se com algum reservadamentee ningum observa aquela fala; por outro lado permanece-se vendotodas as demais falas no aberto; d) seleo de um nico parceiro eexcluso de todos os demais: assim no se recebe outra fala a noser do indivduo selecionado com exclusividade e) eliminao de umindivduo indesejado: pode excluir do vdeo pelo menos uma

    pessoa.(2) envio de sons especiais Pode-se enviar sons de animais, instrumentos musicais, telefones,suspiros, catarros, tosses, beijos, sustos e vrios outros imitandosituaes dirias.

    (3) envio de caretas/imagens

    Os sons podem ser acompanhados de figuras ou caretas do tipo:assustado, bocejando, dentuo, sorrindo, beijo, gargalhada,aprovao, piscada, zanga, indeciso, desaprovao nojo etc.

    (4) seleo de comentriosPode-se acrescer comentrios prontos como atos ilocutriospretendidos. As remessas so: fala para; responde para; concordacom; discorda de; desculpa-se com; murmura para; sorri para; suspirapor; flerta com; entusiasma-se com; ri de; d um fora em; grita com;xinga; ignora mensagem de X.35

    (5) sistema de alertaPode-se fazer uma marcao de esperas e pedir para o sistemaavisar quando se recebe uma mensagem ou uma fala. So sinais taiscomo: tocar um bip, tocar o telefone ou um instrumento musical.

    Entre os aspectos bsicos salientes nesse gnero podemos identificar osseguintes traos que o caracterizam na operao dos elementos acima.

    (a) so produes escritas no formato de dilogo numa seqnciaimediata e retornos rpidos com o sistema de selees de parceiros descrito em(1), podendo ocorrer muitas confuses pela multiplicidade de indivduos na sala.Os turnos no se apresentam necessariamente numa seqncia encadeada, jque pode haver aspectos tcnicos que impedem isso (demora na transmisso dedados). Assim, permite-se mais de uma contribuio do mesmo participante antes

    de receber do parceiro uma resposta. A administrao das contribuies nos bate-papos virtuais um problema local novo em relao s interaes verbais face aface. Alis, neste ltimo caso, quando algum faz reiteradas contribuies sem

    35 Quanto a estes comandos comunicativos que servem para administrar aspectos do processo interativo,veja-se Fonseca (2001:77) .E sobre a tomada de turnos dos chats, Chaves (2001) desenvolveu trabalhobastante completo mostrando vrios aspectos que se aproximam e afastam das interaes face a face.

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    esperar o retorno do parceiro, surgem cobranas e o dilogo pode chegar ruptura.36

    (b) so produes sncronas apesar de escritas. Mas existe apossibilidade de no ocorrer a sincronia esperada no caso de respostas noimediatas quando o parceiro responde muito tarde ou interage com vrios

    simultaneamente, como se viu em (a) acima.(c) as contribuies so em geral curtas, no indo alm de umas poucaslinhas; caracterizam-se como turnos quando olhadas nas relaes que seestabelecem no contexto da interao em andamento. Mas, como dissemos, asseqncias nem sempre so ordenadas e pareadas no formato P-R ou de paresadjacentes. Muitas vezes as contribuies so grandes e um participante podereunir vrias falas de outros e remeter a algum para que as aprecie. Isso umaforma de citao de falaipsis verbis, impossvel em interaes face a face. Esteaspecto exclusivo desses gneros (da famlia dos bate-papos virtuais). Noexemplo a seguir esto as falas de dois participantes EU/H e CALIENTE/M. Nosegundo segmento,ela manda para ele as falas de outras pessoas s quais eleno tinha acesso:

    (21:59:07) RAMBOreservadamente fala para CALIENTE/M: Algum aimportunava?

    (21:59:10) CALIENTE/Mreservadamente grita com RAMBO: Olha s isso aqui:(21:54:14) CALIENTE/M reservadamente grita com RAMBO: (21:34:42) KCTOreservadamente fala para CALIENTE/M: vc e taradinha ne ...(21:39:20) KCTOreservadamente fala para CALIENTE/M: estas a quanto tempo semtransar ...21:42:09) CALIENTE/M reservadamente grita com KCTO: est meconfundindo com outra ...(21:42:32) CALIENTE/M reservadamente grita com

    KCTO: pois tenho um amante q me d assitncia e estou bem servida.(21:59:38) CALIENTE/Mreservadamente grita com RAMBO: Ele no para de

    me tentar veja essa (21:51:25) KCTO reservadamente fala para CALIENTE/M:acho que estas sendo mal amada ...e outras...rsss

    (22:00:03) RAMBOreservadamente fala para CALIENTE/M: que fazemoscom ele?

    (22:00:13) RAMBOreservadamente fala para CALIENTE/M: quer que eu oesculhambe no aberto?

    (22:00:23) CALIENTE/Mreservadamente grita com RAMBO:nada...estudamos a mente humana com essa materia prima...rsss

    (d) a possibilidade de operar comandos e praticar aes que nemsempre so bilaterais. Ocorre a possibilidade de eu ter selecionado algum esomente ele, mas esta pessoa estar comigo e tambm estar respondendo a outros

    36 Para uma viso mais completa da administrao dos turnos nos bate-papos veja-se Hilgert (2000:26-28) queanalisou a dinmica com muita preciso, sugerindo que uma das caractersticas centrais a rapidez dosturnos, o que um fato, pois mais da metade deles no vo alm de 3 ou 4 palavras. Esta uma caractersticadistintiva entre esse tipo de comunicao e a interao face a face.

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    de modo que eu no saiba nem possa controlar. E ela pode estar recebendoreservadamente mensagens que eu no controlo. Tudo isso torna a natureza dobate-papo muito diversa do que uma conversao face a face. De algum modo,pode-se dizer que uma sala de bate-papo aberto se d uma relao maishiperpessoal do que interpessoal, pois a participao no centrada no

    indivduo e nas relaes individuais e sim no grupo. Quando as relaes deslizampara o interpessoal mais definido, ento surge um novo gnero e a sala aberta abandonada. Este gnero o que veremos a seguir.

    5.3. Bate-papo virtual reservado

    Este formato de participao comunicativa virtual tem as mesmas caractersticasque os bate-papos que acabamos de descrever, mas com uma diferenaessencial, entre vrias outras de menor monta. Isto : os indivduos interagem emparticular, podendo at isolar-se dentro da sala pela escolha exclusiva de umparceiro. Este gnero opera no mesmo ambiente que o anterior e uma de suasvariaes notveis porquanto a sala e seus recursos ficam os mesmos, mas sficam presentes as duas pessoas que se selecionaram para interagirreservadamente.

    Uma das conseqncias mais interessantes a maior tranqilidade dosparticipantes e a possibilidade de respostas mais ordenadas e na forma de turnosno sentido estrito se assim o desejarem. Pois pode haver espera pela respostasem que isso se torne pesado. Os turnos vo progressivamente ficando menoscarregados de elementos paralingsticos e a tendncia nesses casos desenvolver algum tema por um certo tempo. Caso os participantes tenhamcontatos anteriores podem retomar tpicos e desenvolv-los ou progredir paranovas informaes.

    Muitas vezes esses ambientes isolados de todos os demais so buscados comfinalidades especficas, seja para estmulos e brincadeiras sexuais ou pararesolver problemas que vinham se acumulando em outros encontros havidos.

    Em suma, este gnero tem uma proximidade com a conversao face a face muitomaior que o anterior e no apresenta tanto tumulto comunicativo como aquele.Pelo fato de s estarem duas pessoas na sala, tem-se aqui menor ndice dedistrao e concentrao bastante clara.

    De resto, vale tambm neste gnero, todas as observaes sobre a escolha dosnomes e as operaes lingsticas. Aqui, observa-se que os turnos so maislongos se um tema est em andamento ou ento muito curtos num ping-pong.

    5.4. Bate-papo ICQ (agendado)

    Este gnero de bate-papo virtual agendado ou agendvel , denominado ICQ (ISeek You), tem seu prprio programa e uma histria parte. Surgiu em agosto de1996, em Israel, pelas mos de seu criadorMirabilis, entrando na Internet quatro

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    meses depois de sua criao. Aspecto curioso desse programa foi o fato de emcurto espao de tempo ter sido instalado em mais de meio milho de usurios domundo todo, constituindo-se num dos maiores sucessos mundiais na rea deaplicativos interativos. Hoje so mais de 10.000.000 de usurios que se servemdesse programa, sendo o mais divulgado e usado.

    A pergunta inevitvel : qual a razo de tanto sucesso? Em primeiro lugar, desdeo incio, o programa se achava em verses em muitas lnguas Depois de adquiridopela UOL, em 1998, ele passou a ser divulgado em mais de 20 lnguas. Como sedesenvolveu em Israel, espalhou-se pela sia e frica, atingindo a China e oJapo. A vantagem do programa a possibilidade de criar uma lista de amigosque permanecem em contato sempre que estiverem conectados rede. Trata-sede uma relao interpessoal bastante definida. Uma das caractersticasdiferenciais do ICQ , portanto, o fato de os participantes se conhecerem epoderem entrar com seus nomes ou com apelidos.

    Esse programa encoraja interaes mais personalizadas, como bem lembraJonsson (1997:22) e no se d no total anonimato.37 Isso d a essas interaes acaracterstica de uma chamada telefnica, pois o programa avisa quando algumprocurado (ou da lista de amigos) est on-line e disponvel para interagir. Assim,quando algum est ligado rede, pode ser encontrado por outro que o procura,desde que esteja em sua lista. neste sentido que o bate-papo ICQ pode ser tidocomo agendado ou pelo menos agendvel e seguir tpicos combinados ou maisdetidamente desenvolvidos. So geralmente interaes duais e no em salasmltiplas.

    Aspecto diferente do ICQ em relao ao que acabamos de analisar no caso desalas convencionais de provedores comerciais (tipo AOL, UOL, BOL, YAHHOetc.), o fato de os participantes poderem observar-se simultaneamente nasdigitaes se assim o desejarem, j que a digitao vai aparecendo on-line, nosendo necessrio esperar a remessa do texto aps sua concluso. Essa tambm uma das razes porque o programa se tornou to popular. A possibilidadede uma digitao simultnea (conversao simultnea) torna esse gnero deinterao muito mais veloz e atraente.

    Aspecto tambm notado por Jonsson (1997:23) que o gnero de bate-papo-ICQtende a conter muito menos emoticons e imagens de uma maneira geral. Issosobrecarrega menos os textos, mas no elimina esses recursos. Por outro lado,como h mais texto, os turnos podem ficar mais longos ou mais curtos, e darmaior agilidade ou maior contedo. Se por um lado h menos carinhas, poroutro, este gnero incorpora e apresenta muito mais abreviaes que vo setornando convencionais entre o grupo. Com o ICQ pode-se dizer que se criamverdadeiras comunidades virtuais com interesses e similares.

    37 Existem verses do programa que permitem a interao com mltiplos usurios de uma s vez e neste casoas salas tm praticamente as mesmas caractersticas que o gnero anteriormente analisado.

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    Aspecto importante neste gnero a possibilidade de remessa de documentos earquivos sem a necessidade de sair do programa. Ele incorpora, pois, algumasfunes especficas a mais. Notvel o fato de ambos os participantes poderementrar simultaneamente em contato com documentos que esto manuseando, oque lhes d a sensao de partilharem espaos fsicos ou geogrficos, como

    lembra Jonsson (1997:23).5.5. Bate-papo virtual em salas privadas

    Este gnero no oferece novidades em relao aos programas de base anteriores,mas tem um aspecto essencialmente peculiar. Trata-se de uma forma de bate-papo virtual em salas especficas s quais s tm acesso duas pessoas que secomunicam. Tudo o que foi exposto para os bate-papos virtuais em ambientesabertos (item 5.2) se aplica tambm a esse caso apenas com a diferena de quese trata de uma interao a dois sem a possibilidade de acessar mais ningum.Isso traz a diminuio sensvel de emoticons e em geral diminui as tenses.

    Tambm neste caso a escolha se d na forma de um pseudnimo, j que osparticipantes so no geral desconhecidos. Contudo, de acordo com os casos, hpessoas que combinam para se encontrarem nessas salas a fim de conversaremtemas especficos.

    5.6. Entrevista com convidado

    Aqui temos um tipo se servio que se d em servidores comerciais que semprepem disposio uma personalidade com a qual os interessados interagem.Entre as caractersticas centrais definidoras deste tipo de interao on-line, est afigura de um mediador que no aparece e que faz a triagem das perguntas que oentrevistado recebe para responder.

    Caso numa sala estejam 30 ou mais pessoas, evidente que um entrevistado nopoder atender a todos. Neste caso, ele s responder a algumas perguntas queso escolhidas pelo prprio mantenedor do servio. Muitas vezes ocorre o fato dehaver participantes que fazem perguntas inconvenientes e que no soconfortveis, sobretudo se a entrevistada for uma atriz porn ou uma danarina.Nestes casos, s as perguntas julgadas convenientes sero respondidas.

    5.7. Aulas virtuais por e-mails

    Este gnero bastante estudado na rea educacional e vem sendo cada vez maispraticado no contexto do que se convencionou chamar de Ensino a Distncia(EaD).38 A coletnea editada por Vera Lcia Menezes Paiva (2001) traz uma sriede estudos sobre o tema da sala de aula virtual. A autora dedica-se em especial 38 Aspectos interessantes neste sentido podem ser observados no trabalho de Otto PETERS (2002),especialmente no captulo dedicado a essa questo. Tambm o trabalho de Christiane H. Faustini (2001) trazobservaes teis para entender o funcionamento dessa modalidade de ensino.

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  • 7/29/2019 Marcuschi- Generos Textuais Emergentes No

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    anlise das aulas virtuais no ensino de lngua estrangeira no formato de e-mailebate-papo virtual (Chat). Aqui, como se ver, vou distinguir esses dois momentosem dois gneros de aulas, j que so estrutural e etnograficamente diversos efazem parte do discurso instrucional.

    Antes demais nada, as aulas virtuais se apresentam em pelo menos trs formatos.Um, centrado na exposio (aula expositiva no prprio modelo textual corrido),outro, centrado na exposio e discusso (no formato de e-mails) e um centradona discusso (os chats). Os primeiros dois ligados exposio so apresentadosneste item como se formassem um gnero nico, apesar de suas distinesinternas, e um terceiro ser analisado em separado no item 5.8. a seguir. Aspectocentral que deve ser apontado desde j para os trs casos a caractersticacentral dessas aulas: trata-se de eventos essencialmente escritos. Esta aprimeira grande inovao, j que ns sabemos que a aula em geral se d noformato oral em sua forma cannica. Isso faz pensar desde logo que se estdiante de um novo conjunto de gneros. Alm disso, a forma de acesso e o ritmode trabalho no so mais os mesmos que as aulas tradicionais.

    Uma outra razo especfica nos leva a distinguir os dois gneros globalmente. Nocaso das aulas virtuais temos uma atividade em que as aulas so baseadasnuma interao escrita assncrona, sendo que no caso dos bate-paposeducacionais temos uma interao escrita sncrona. Esse aspecto tem algumasconseqncias na forma de se conduzir os trabalhos e na organizao dasrelaes interpessoais.

    Se fssemos faz