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Parahyba - Paraíba - Brasil Ano 2 - Nº 5 - Novembro/Dezembro de 2012 Venda Proibida www.jornalamargem.com.br COMISSÃO DA VERDADE Editorial Natal, Reveillon, Reajuste » Página 2 Opinião O Poder Legislativo sobrecarregado: as demandas sociais sem resposta » Página 7 A necessidade da conservação » Página 10 Trabalho infantil: uma questão de Direitos Humanos » Página 11 INfome Jornal realiza o I Seminário de Direito e Comuni- cação A Margem realizou em abril um debate que discutiu direito, co- municação e formas de democratização da mídia. Opinião Luta antimanicomial e política de saúde mental no Brasil: garantindo os direitos humanos das pessoas em sofrimento mental » Página 5 Opinião Neoconstitucionalismo e o caduco Direito: em uma contra- dição hermética Opinião Sobre a RIO + 20 Cinefilia! Arthur – O Milionário Sedutor (Arthur) » Página 12 Um espaço de diálogo e intervenção social » Página 9 » Página 8 A história não é uma cadeia de acontecimentos es- tanques. A história não é um continuum linear da evo- lução triunfal do ser humano. A história é o exercício de uma luta reciprocamente material e simbólica e de (re)construção social. A história, sobretudo a das dita- duras latino-americanas, é a história da barbárie, dos vilipêndios, das ruínas em que emerge o edifício ideo- lógico do “progresso”. » Páginas 3 e 4 » Página 4 Opinião À espera de um manifesto pela transformação na educação no Brasil » Página 8 Opinião A Lei Maria da Penha e o monstrengo tinhoso » Página 6

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Jornal A Margem

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Parahyba - Paraíba - Brasil Ano 2 - Nº 5 - Novembro/Dezembro de 2012

Venda Proibida www.jornalamargem.com.br

COMISSÃO DA VERDADE

Editorial

Natal, Reveillon, Reajuste

» Página 2

Opinião

O Poder Legislativo sobrecarregado: as demandas sociais sem resposta

» Página 7 A necessidade da conservação

» Página 10 Trabalho infantil: uma questão de Direitos Humanos

» Página 11

INfome

Jornal realiza o I Seminário de Direito e Comuni-cação

A Margem realizou em abril um debate que discutiu direito, co-municação e formas de democratização da mídia.

Opinião

Luta antimanicomial e política de saúde mental no Brasil: garantindo os direitos humanos das pessoas em sofrimento mental

» Página 5

Opinião

Neoconstitucionalismo e o caduco Direito: em uma contra-dição hermética

Opinião

Sobre a RIO + 20

Cinefilia!

Arthur – O Milionário Sedutor (Arthur)

» Página 12

Um espaço de diálogo e intervenção social

» Página 9

» Página 8

A história não é uma cadeia de acontecimentos es-tanques. A história não é um continuum linear da evo-lução triunfal do ser humano. A história é o exercício de uma luta reciprocamente material e simbólica e de (re)construção social. A história, sobretudo a das dita-duras latino-americanas, é a história da barbárie, dos vilipêndios, das ruínas em que emerge o edifício ideo-lógico do “progresso”.

» Páginas 3 e 4

» Página 4

Opinião

À espera de um manifesto pela transformação na educação no Brasil

» Página 8

Opinião

A Lei Maria da Penha e o monstrengo tinhoso » Página 6

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Ano 2 ● Nº 5 ● Novembro/Dezembro de 2012

Página 2

Todo ano, a mesma coisa. Papai Noel, fogos de artifí-cio e uma nova facada.

Talvez já seja hora de se incluir o honroso ato no ca-lendário municipal de João Pessoa. Quem sabe no dia 2 ou 3 de janeiro? Assim, a coisa fica um pouco mais “oficial”, não é? “Dia Municipal de Reajuste da Tarifa de Transporte Urbano”, assim conhecido entre aqueles que dele tiram proveito, e popu-

larmente conhecido como “Dia em que a Porcaria da Passagem Aumenta de Novo”.

Ora, se já há um “rito” de celebra-ção desta graça, por que não? Os empre-sários do transporte público, ao garanti-rem novos 365 dias (e 6 horas) de extor-são coletiva, festejam em seus requinta-dos jantares de cúpula. E eles, todos aqueles beneficiados pelo aumento, real-mente cabem numa sala de jantar. Nosso fígado é o prato principal, e nossos (mais deles do que nossos) governantes, seus

convidados especiais (não exatamente ilustres, por seus postos de serviçais). Tudo regado a garrafas de whisky, cujo preço individual costuma superar o que um trabalhador médio paraibano recebe em um mês inteiro para assegurar o sus-tento de sua família.

Por outro lado, há a contra-celebração desta desgraça, igualmente tradicional: a lamentação, a indignação e sua expressão coletiva, os protestos. Quem neste mundo, em sã consciência ou não, pode ser a favor do aumento das

passagens de ônibus? Quem, nesta cida-de, pode enxergar como “razoável” ser – qualquer outro termo é um eufemismo estúpido, injustificável e, sobretudo, mal-intencionado – roubado? Ou, traduzindo, quem pode agradar-se ao bancar o wiskhy de um bando de parasitas (com todo o respeito aos seres que desempenham este papel em seus respectivos ecossistemas)? Ninguém (além dos parasitas, claro, e dos seus capachos) pode ser favorável a tão grosseira patifaria.

A forma como se organiza o transporte público produz efeitos subjetivos muito peculiares. Confesso que ela costuma

fazer com que eu esqueça que pago, e caro, por aquele servi-ço. A coisa é tão ruim que faz com que o sujeito pense que estão lhe fazendo um favor. Ônibus lotado, ônibus que não che-ga, ônibus de menos, esse é o outro lado da moeda, o reverso

do wiskhy feito de ouro. É que o whisky de ouro não pode exis-tir sem as privações e sem a penitência diária de quem paga por esse serviço cretinamente oferecido. Não por culpa de mo-toristas e cobradores – tão vítimas do parasitismo quanto todos nós – mas por culpa deles, os parasitas. Afinal, por que diabos alguém deve lucrar com a necessidade alheia de ir até ali, vol-tar de acolá, chegar ao trabalho, à escola, ao hospital, à casa

da mamãe? E muito: lucrar, e muito. São parasitas, sim, porque o transporte, enquanto uma necessidade, deve ser tratado co-

mo um direito – humano – e não co-mo um canal de transferência dos recursos dos trabalhadores a – eles – os parasitas. Repita-se, repita-se: repita-se: parasitas. Que se chamem pelo nome. Mas veja: se criarmos o nosso novo feriado, quem sabe não abrimos es-paço para que a tradição ganhe ainda mais corpo? Quem sabe, daqui a al-

guns anos, não sejamos visitados por isso? Quem sabe os parasitas não obtenham, no final das contas, ainda mais dinheiro a partir do trabalho alheio? O nosso São João de janeiro. Ônibus e mais ônibus, que coisa, tra-rão turistas e mais turistas, a cada ano. “Reajustes” cada vez maiores, para que nossa “festa” seja a mais atraente entre todas as capitais. Está lançada a proposta. Posso estar des-considerando a importância do ele-mento surpresa, tão caro aos nossos

“reajustadores”, reconheço, o “reajuste” se tornará previsível. Mas sequer proponho alterações relativas ao período de comemoração, conve-niente para que todos sejam rouba-

dos em paz em virtude das férias escolares e dos distrativos festejos que precedem a data. Assim procedo porque de fato não há sentido algum em realizar um ataque frontal ao oportu-nismo alheio, isso seria absurdo.

Existe um reajuste necessário, relativo ao transporte público em João Pessoa. Não o “reajuste” do preço da passa-gem: o reajuste do sentido do transporte público na cidade: da

mercadoria, ao direito; do lucro, à necessidade dos pessoen-ses. Reajustemos, então.

Por Thiago Arruda

Editorial

Natal, Reveillon, Reajuste

www.jornalamargem.com.br

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Editor-geral

Tancredo Fernandes

Revisor

Alex Jordan

Coluna Cinefilia!

Carlos Nazareno

Tirinha

Madson Xavier

Equipe de editores/as

Breno Barros

Delosmar Magalhães Douglas Pinheiro

Hanna Lima Ive Fróes

Liziane Correia Luiz Victor

Entre em contato com a equipe: www.jornalamargem.com.br

Este jornal é uma publicação bimensal produzida por estudantes do curso de

Direito da Universidade Federal da Paraíba e outros colaboradores. As

ideias aqui expostas não necessaria-mente refletem a opinião da equipe

editorial.

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ESPECIAL

Por Alex Jordan*

A história não é uma cadeia de acontecimentos estanques. A história não é um continuum linear da evolu-ção triunfal do ser humano. A história é o exercício de uma luta reciproca-mente material e simbólica e de (re)construção social. A história, sobretu-do a das ditaduras latino-americanas, é a história da barbárie, dos vilipên-dios, das ruínas em que emerge o edifício ideológico do “progresso”.

O passado exsurge no presente , tornando imperioso, pois, desnudar passagens dos Estados de Exceção latino-americanos escamoteadas em nome de uma conciliação extorquida. Para isso, precisamos de uma Comis-são da Verdade autônoma, indepen-dente e disposta a revelar documen-tos secretos, nomes de algozes e víti-mas, torturadores e torturados, sem pestanejar ou titubear diante de pres-sões políticas – nos moldes formula-dos por países como Argentina, Chile e África do Sul, também já submeti-dos a regimes de exceção e que re-solveram descortinar seus passados.

A importância política desse des-cortinamento pode ser desvelada se, seguindo uma das trilhas teóricas dei-xadas por Walter Benjamin, promo-vermos um diálogo entre o silêncio da história latino-americana e o romance do escritor George Orwell intitulado "1984". O qual retrata a história mar-cada por uma racionalidade instru-mental, uma ética manipulativa e o controle do passado.

"O Big Brother", como era chama-do o líder do Partido no poder, vigiava a todos, transformando e controlando a realidade conforme seus desígnios. O lema do Partido era o de que quem controla o passado, controla o futuro; e quem controla o presente, controla também o passado. Isto é, não existi-am verdades ou mentiras, pois os fatos históricos eram modificados e (re)produzidos conforme a conveniên-cia de quem detinha o controle.

O romance - publicado em 1949 - traduz-se em críticas a regimes totali-tários e à funcionalização, à coisifica-

ção e ao estranhamento das pessoas perante o mundo. Além disso, traz a discussão sobre qual a função que os meios de comunicação de massa re-presentam ao emitir opiniões, sua influência junto à população e o papel do jornalismo na dissimulação e no estranhamento do mundo.

Não obstante, a instalação da Co-missão da Verdade em terrae brasilis e nos países latino-americanos não é, meramente, uma tentativa de reescre-ver uma segunda história sob o adstri-to olhar dos excluídos, torturados, oprimidos e desvalidos. Mas consiste em reacender uma problematização hermenêutica do passado através da abertura das barbáries dissimuladas que, pela estranheza que as constitui, tornam-se irrepresentáveis, indescrití-veis, extrapolando os espaços limítro-fes do que é tolerável pela consciên-cia.

A projeção de um horizonte de redenção perpassa a concretização – na ação política – de uma recupera-ção do passado, abrindo-se à erup-ção de passagens de nossa história solapadas pela barbárie e o “progresso”, com vistas a obstar que o mal-esquecimento de nosso passa-do renunciado venha a fomentar o retorno de tais práticas. Além disso, a

imposição de um esquecimento dos abusos, torturas, traumas e assassi-natos engendram um sentimento de impunidade e, mais do que isso, cata-lisa, a meu ver, a naturalização da barbárie como percuciente sintoma social.

Os acontecimentos indeléveis ocorridos nos porões das ditaduras do cone-sul não só negam a dignidade humana, mas a existência e a memó-ria daqueles que foram apagados da face da terra. Enquanto não ocorrer o resgate da nossa memória política, os algozes não se sentirão culpados, mas meramente incompreendidos, posto que estavam cumprindo o seu “dever patriótico”, sendo este ampara-do por todo um discurso autoritário-personalista dos regimes totalitários. Nos moldes do nazismo, por exemplo, que exigia que “as normas fossem interpretadas, em ultima ratio, de acordo com a vontade do Führer” . Esse regime, por sua vez, delimitou um princípio prudencial de uma ética negativa, nos dizeres de Adorno : “Hitler há impuesto a los hombres en estado de no-libertad un nuevo impe-rativo categórico: orientar su pensami-ento y su acción de tal modo que Aus-chwitz no se repita, que no ocurra nada parecido”.

Big Brother, Comissão da Verdade e Estranhamento do Mundo: ou sobre como ainda não superamos o

Estado de Exceção

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ESPECIAL

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Conquanto Auswitchz aconteceu novamente, permanece acontecendo e - caso as relações de poder perma-neçam - continuará acontecendo. Pi-or, sob os ditames do dito e escrito Estado Democrático de Direito, o Es-tado de Exceção transborda os cam-pos de concentração propriamente ditos, atingindo, sobremaneira, os países à periferia do capitalismo cen-tral, ou melhor, “a tradição dos oprimi-dos nos ensina que o ‘estado de ex-ceção’ em que vivemos é na verdade a regra geral” . Basta observar a reali-dade das penitenciárias brasileiras; a profusão de formas de trabalho análo-gas ao escravo nos descomunais lati-fúndios de terrae brasilis e a violência degradada e ressentida entre as clas-ses no Brasil.

Passados mais de vinte anos do nosso processo de (re)democratização, o Brasil, ainda pos-sui traços de uma democracia delega-tiva, assentada em um Estado – como nota Raymundo Faoro – estamental na forma e patrimonialista no conteú-do. O fato de o Brasil ser o último - dentre os países latino-americanos submetidos às grandes ditaduras pró-

capitalistas – a instalar uma “Comissão da Verdade”, reverbera, definitivamente, os traços de uma eli-te autoritária e eivada por certa dose de sadismo.

Para minha surpresa; até nos cor-redores estreitos de nossa “vetusta” (sic) Faculdade de Direito deparo-me com comentários de alu-nos (considerando, por puro otimis-mo, que os professores não coadu-nam com tais opiniões); que encaram a revisitação do nosso passado – através da abertura dos documentos militares – como um “revanchismo bolchevique” ou um retrocesso para a “nação” e a “a evolução democrática”. Assim sendo, traduzindo em miúdos, a nossa elite, além de condescenden-te, possui uma simpatia prática para com as ditaduras e torturadores.

É como se certa parcela da socie-dade relutasse em digredir do indivi-dualismo complacente e exacerbado para ocupar a condição de ouvinte. O reconhecimento dos suplícios dos torturados dignifica a luta política des-tes sujeitos, responsáveis por vivificar uma abertura democrática e possibili-tar a des-ocultação, o des-cobrimento

e a denuncia da violência sistemática do Estado de Exceção! Negligenciar e menoscabar o sofrimento das vítimas e de suas famílias corrobora a perpe-tuação da ignorância e da indiferença, logo, a tomada de consciência peran-te as conjecturas supracitadas é pre-cípua para transformar relatos em fatos históricos, bem como fortalecer os lastros seminais de uma sociedade aberta, não preconceituosa e demo-crática.

Ano 2 ● Nº 5 ● Novembro/Dezembro de 2012

*Alex Jordan é estudante da Graduação

em Direito da Universidade Federal da Paraíba e Bolsista PIBIC/CNPq.

Dicas de Leitura:

- BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de

história. In: BENJAMIN, Walter. Magia e

técnica, arte e política. São Paulo: Brasilien-se, 1994.

- STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídi-ca e(m) crise. Porto Alegre: Livraria do Advo-gado, 2009. p.99.

- ADORNO, Theodor W. Dialectica negativa.

Madrid: Akal, 2005, p.134.

I Seminário de Direito e Comunicação

O Jornal realizou no dia 16 de abril de 2012, no auditório da Central de Aulas da Universidade Federal da Paraíba, o seu primeiro seminário sobre Direito e Comunicação. O evento foi realizado em parceria com o Coletivo Desento-ca, o Coletivo COMjunto, o Núcleo de Extensão Popular Flor de Mandaca-ru e o Grupo de Pesquisa Direito à Comunicação e Movimentos Sociais.

O debate reuniu os

professores Renata Ro-lim, Roberto Efrem, Lud-mila Correia e Wellington Pereira, e o Presidente Regional da Abraço José Moreira. Eles debateram entres outros temas os abusos come-tidos pelo mídia, as formas de demo-cratização, a necessidade de um mar-co regulatório, a banalização dos di-reitos humanos pela mídia sangrenta do meio dia, a importância das Rádios

Comunitárias na construção de uma identidade local e na democratização da informação.

Também foi debatido a forma co-

mo as grandes empresas da comuni-cação utilizam-se de suas linhas edi-toriais para o domínio ideológico e para a criminalização de grupos mar-

ginalizados pela sociedade e os pró-prios movimentos sociais. A grande mídia, como é chamada, atua como

agente opressor de gru-pos que se contrapõem aos grandes interesses do latifúndio, das grandes empresas e do próprio sistema político. Assim, o seminário pro-movido pelo Jornal foi mais um evento integrati-vo com os diversos cur-sos da Universidade co-mo Direito, Rádio e TV, Jornalismo, Estatística e Biologia, e os diversos ramos da sociedade e dos movimentos sociais. Através de um debate enriquecedor foi possível

traçar diversas críticas ao atual mode-lo midiático e pensar em soluções para efetivar as diversas formas de democratização da mídia.

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Ano 2 ● Nº 5 ● Novembro/Dezembro de 2012

Por Ludmila Cerqueira Correia* A Política Nacional de Saúde Mental foi

objeto de recentes reformulações no Brasil: uma nova perspectiva no ordenamento jurídi-co do país, em relação à pessoa em sofri-mento mental, ensejou a Lei nº 10.216, de 06

de abril de 2001, conhecida como Lei da Reforma Psiquiátrica. Essa legislação dispõe “sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireci-ona o modelo assistencial em saúde mental”, responsabilizando o Estado e a sociedade pela superação do modelo assistencial até então vigente baseado, exclusivamente, na internação tradicional.

A referida lei somente foi aprovada após doze anos de tramitação no Congresso Naci-onal, a partir das mobilizações do Movimento da Luta Antimanicomial e das denúncias de graves violações de direitos humanos às pessoas em sofrimento mental, como diver-sas mortes ocorridas em Hospitais Psiquiátri-cos. Além disso, a primeira condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), a partir do caso Damião Ximenes (morto em 1999 numa clínica psi-quiátrica no Ceará), que contribuiu para ace-lerar o processo de aprovação da referida lei e para a implantação de uma nova política de saúde mental no país.

Com a aprovação da Lei de Reforma Psi-quiátrica, o novo modelo prevê a estrutura-ção de uma rede de serviços de atenção diária em saúde mental de base territorial, com destaque para os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), cujo projeto integra os usuários de tais serviços às suas respectivas famílias e comunidade. O CAPS constitui a principal estratégia do processo de reforma da assistência pública em saúde mental pro-movido pelo Ministério da Saúde em todo o país, sendo que tal reforma foi desencadea-da com os primeiros Núcleos e Centros de Atenção Psicossocial, a partir da década de 1980, e impulsionada com a promulgação da lei retrocitada e da implantação da nova polí-tica de saúde mental pelo Estado brasileiro. Além dos CAPS, compõem a rede de aten-

ção em saúde mental outros serviços, como os ambulatórios e clínicas ampliadas, os hospitais-dia, as residências terapêuticas (SRTs), o Programa de Volta para Casa, os Centros de Convivência, os leitos integrais em hospitais gerais e os leitos em hospitais psiquiátricos.

Diante desses novos dispositivos, resta observar como tem sido a implantação dos mesmos no país, no sentido de garantir aos usuários dos serviços de saúde mental a universalidade de acesso e direito à assis-tência, como prevê a Constituição Federal e o Sistema Único de Saúde. A descentraliza-ção do modelo de atendimento também é uma das diretrizes, quando se determina a estruturação de serviços mais próximos do convívio social de seus usuários, devendo-se configurar redes de cuidado mais atentas às desigualdades existentes, ajustando as ações às necessidades da população de forma equânime e democrática. Sendo as-sim, é imprescindível observar os impasses atuais para avançar na consolidação da Re-forma Psiquiátrica tão almejada pelo Movi-mento da Luta Antimanicomial.

Para a superação das dificuldades encon-tradas na consolidação da política de saúde mental, é necessário que o governo brasilei-ro desenvolva uma forma adequada de finan-ciamento, que envolva diversos setores das políticas públicas, além da área da saúde, e, ainda, o estabelecimento de critérios e dire-trizes para atender a demanda da população em sofrimento mental que vive em situação de rua, das pessoas não-egressas de inter-nações, bem como das pessoas egressas de Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiá-trico (os antigos Manicômios Judiciários).

Outra questão importante é que mesmo com a redução progressiva do número de leitos em hospitais psiquiátricos, observando o período entre 2002 e 2011, o Brasil ainda tem 32.284 leitos psiquiátricos . Nesse caso, é fundamental refletir sobre o modelo hospi-talocêntrico que ainda subsiste no país mes-mo com a implantação de serviços territoriais e comunitários, como os CAPS. Quanto ao número de leitos integrais em Hospitais Ge-

rais em funciona-mento no Brasil, até 2011, estes somavam ape-nas 3.910 . Esse número repre-senta uma gran-de dificuldade da implementação da Reforma Psi-quiátrica no Bra-sil, a qual optou pelo cuidado em saúde mental no território, desati-vando os hospi-tais psiquiátricos paulatinamente e implantando leitos psiquiátri-cos em Hospitais

Gerais para atenção de maior complexidade nessa área, de forma articulada e como reta-guarda aos serviços substitutivos.

Acrescente-se que, embora haja uma série de avanços no âmbito das políticas de atenção em saúde mental no Brasil, o Estado brasileiro ainda não adotou programas espe-cíficos de formação dos profissionais que trabalham nos serviços de saúde mental, sobretudo, nos Hospitais Psiquiátricos (como determinado na sentença da CIDH - caso Damião Ximenes), o que denota grande fra-gilidade da rede de atenção em saúde men-tal do país.

Além disso, ainda há registros de mortes em alguns Hospitais Psiquiátricos do país, em decorrência de maus-tratos e violência contra as pessoas ali internadas, reafirman-do tal espaço asilar como violador de direitos humanos, de acordo com informações colhi-das no site do Observatório de Saúde Mental de Direitos Humanos e do Movimento da Luta Antimanicomial, que também afirma que continuam ocorrendo mortes dentro dos refe-ridos hospitais, inexistindo um sistema nacio-nal de vigilância, sendo que a comunicação e a troca de informações dentro da rede sobre todas essas questões continuam falhas.

Diante desse quadro, é importante que sejam adotados e implementados medidas e mecanismos eficazes de recebimento e apu-ração de denúncias sobre maus-tratos e violências cometidos contra pessoas em sofrimento mental, com destaque para a participação de representantes da sociedade civil organizada, do Ministério Público e de entidades representativas de profissionais da área da saúde, para criar um canal de comu-nicação entre usuários dos serviços de saú-de mental e seus familiares e coibir condutas violadoras dos direitos desse grupo social.

Para o Movimento da Luta Antimanicomi-al, a rede substitutiva de serviços de saúde mental deve oferecer um tratamento de qua-lidade que atenda à demanda da população brasileira, efetivando, assim, a Reforma Psi-quiátrica. Além disso, os princípios que fun-dam esses serviços devem ser muito claros, a fim de fortalecer a ressignificação do lugar social dos usuários, tendo em vista que mui-tos CAPS acabam por reproduzir uma postu-ra manicomial em seu dia a dia de atendi-mento. Portanto, um dos grandes desafios nessa área e que influencia as políticas pú-blicas para a garantia de direitos desse gru-po, é a dimensão sociocultural, no sentido de que somente é possível falar em mudança de modelo caso haja ações efetivas para transformar a relação da sociedade com as

*Ludmila Cerqueira Correia é Advogada

popular. Militante da Luta Antimanicomi-al. Mestra em Ciências Jurídicas pela UFPB. Professora do Departamento de

Ciências Jurídicas - UFPB, e membro da coordenação do CRDH-UFPB. Pesquisa-dora do Grupo de Pesquisa "Direitos Hu-

manos, Direito à Saúde e Família" da Uni-versidade Católica do Salvador.

Luta antimanicomial e política de saúde mental no Brasil: garantindo os direitos humanos das pessoas em sofrimento mental

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Por Tancredo Fernandes*

A decisão judicial nada mais é do que uma resolu-ção coativa de um conflito que se estabelece através das relações jurídicas existentes entre os sujeitos de

direito agente e paciente. A função discricionária do juiz é inclinada por valores que se constroem e prin-cípios que se tem.

Muitas vezes a posição tomada por aquele que tem a sentença em suas mãos é extremamente con-

flituosa e injusta. A título de exemplo, no ano de 2006, a posição do Exmo. Sr. Juiz Edílson Rumbels-perger Rodrigues, magistrado da Comarca de Sete Lagoas-MG, diante da aplicação da Lei Maria da Pe-

nha ao caso de violência doméstica resultou numa decisão extremamente polêmica e criticada pelos mais diversos órgãos da defesa dos direitos das mu-lheres.

No início da sentença, o magistrado baseia seus

argumentos constitucionalmente, através do Preâm-bulo da Constituição de 1988, que faz referência à proteção de Deus para a elaboração da Carta Mag-na. Esquece-se, no entanto, que esse texto anteces-

sor da Constituição é simplesmente um documento de caráter político, que não tem força normativa algu-ma. Hans Kelsen afirma que o preâmbulo tem caráter mais ideológico do que jurídico, razão por que, se

vier a ser suprimido, isso não mudará o significado real da Constituição.

É evidente que o legislador brasileiro utiliza-se dos princípios cristãos tradicionais como norteadores constitucionais, é o caso da criminalização do aborto,

da proibição do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. Embora tais fatos não excluam a laici-dade do Estado brasileiro conquistada desde 1891 e indiretamente garantida no artigo 19 da Constituição

Não se pode negar que maioria dos brasileiros são católicos, mas as minorias umbandistas, judai-cas, pentecostais, neopentecostais, mulçumanas, luteranas, budistas, ateias, agnósticas, ad infinitum devem ter o mesmo respeito, até por que são iguais

perante a lei. Dessa forma, decisão judicial alguma pode se basear na Biblía, Suna ou Corão. Principal-mente, como fez o juiz de Sete Lagoas, em um mito, no caso, o da Origem de Adão e Eva. Ora, se assim

for, qualquer juiz tomaria a saga gananciosa do Rei Midas, o sonho aeronáutico de Ícaro, as aventuras de Homero, as histórias de Tupã, as peripécias do Saci Pererê e a trilogia de Harry Potter como base de su-as decisões.

A decisão judicial é conclusão de um encaixe de uma premissa menor – o caso concreto – em uma premissa maior – a norma jurídica. Lógico, que o juiz utiliza-se de valores para a argumentação, mas des-

de que se respeite o que está escrito constitucional-

mente. Esse controle constitucional-filosófico é extre-mamente importante para evitar exageros interpreta-tivos. Não é possível utilizar o pensamento aristotéli-

co na divisão entre homens e escravos. Muito menos no dualismo feito desde Platão até Nietzsche que jo-gavam as mulheres aos pés dos homens.

A sentença do juiz mineiro reflete o pensamento

imperativo do patriarcalismo, a preponderância do androcentrismo (“O mundo é e deve continuar sendo masculino”) e da convivência a violência doméstica (“Porque ao homem desta lei não será dado o direito de errar”). Incontestavelmente, o desrespeito a Cons-

tituição e a mulher são marcas profundas da decisão desse magistrado, que além de chamar a Lei Maria da Penha de monstrengo tinhoso busca argumentos infundados para comprovar a inconstitucionalidade

da lei. Enfim, o caráter discriminatório e machista da de-

cisão revela o objetivo maior desse artigo que é en-contrar os valores de uma sentença judicial. Infeliz-mente, alguns dos nossos magistrados não compre-

endem a importância da igualdade de direitos nem dos limites interpretativos. Muitos nem mesmo se uti-lizam da filosofia como base e outros, como nesse caso, quando utilizam fazem de má fé e ao invés de

sabedoria buscam os privilégios. Felizmente pensa-mentos como os do juiz Edílson estão desaparecen-do aos poucos na contemporaneidade, todavia é ne-cessário ultrapassar diversas barreiras para alcançar

a justiça. Se é que é possível alcançá-la.

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A Lei Maria da Penha e o mostrengo tinhoso

*Tancredo Fernandes é estudante da Graduação em Direito da

UFPB, integrante do Coletivo Desentoca e do NEP-Flor de Manda-caru.

Ano 2 ● Nº 5 ● Novembro/Dezembro de 2012

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Página 7

Por Mayanne Bezerra Dantas*

A teoria de separação rígida das fun-ções do poder desenvolvida por Mon-tesquieu, na qual estas deveriam ser

executadas, cada uma delas, por órgãos autônomos, independentes e distintos entre si, tinha o propósito de garantir que o

próprio poder limitasse o poder, já que, para ele, todo homem que possuísse poder seria levado a dele abusar, até que encontrasse

limites. Não obstante, o Estado vivencia um momento diferente daquele outrora encontrado na França Absolutista e, por isso, o princípio da

separação de poderes foi consagrado na Cons-tituição da República Federativa do Brasil sob um novo entendimento, no

que tange ao seu aspecto material. Ainda deve-se certi-ficar que nenhum poder se

volte contra o outro, de modo a resguardar o equilíbrio interno do País e assim, a

eficiência estatal; ainda deve-se, prioritariamente, manter preservados os direitos e garantias individuais do cida-

dão, mas, para tanto, os três poderes não só podem, co-mo devem inter-relacionar-

se. O Estado Moderno ad-

quiriu um caráter participativo

e, para conseguir atuar nas mais variadas esferas da sociedade, uma íntima inte-

gração, cooperação e inter-penetração entre os poderes, bem como a inexistência de

um limite instransponível entre eles, tornou-se fundamental. Foi essa conversão no papel do Estado que tornou obri-

gatório um novo olhar sobre o princípio da separação de poderes e o seu significado.

É à luz de tais considerações que a Pro-

posta de Emenda à Constituição (PEC) nº 3, de 2011, elaborada pelo Deputado Federal Naza-reno Fonteles (PT/PI) e recém-aprovada pela

Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), no dia 25 de abril do corrente ano, será avaliada. O objetivo desta PEC é ampliar a esfera de

poderes do Poder Legislativo, ao conceder, através da mudança da redação do inciso V do artigo 49 da atual Constituição (1988), a possi-

bilidade deste poder sustar os atos normativos que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa, não apenas do

Poder Executivo, como já ocorre, mas também do Poder Judiciário, sob o principal argumento de preservar o equilíbrio entre eles.

Ora, manter o equilíbrio entre os três pode-res, não implica dizer, necessariamente, que todos eles devem ser tratados de maneira

idêntica, mas sim, que devem estar em harmo-nia entre si. Logo, não é porque o Congresso Nacional é competente para sustar os atos

normativos do Poder Executivo que, necessari-amente, assim deverá ser com relação aos atos normativos do Poder Judiciário. Diferente-

mente do que alega o autor da proposta, não se está diante de uma lacuna deixada pelo poder constituinte originário, pelo contrário, já a

observar o princípio existente no artigo 2º da

Constituição, que menciona a independência

entre os poderes e tomando por base o siste-ma de freios e contrapesos, ele limita a esfera de competências concedida ao Poder Legislati-

vo. Além do mais, parece contraditório o Depu-

tado Nazareno Fonteles falar em equilíbrio

entre os três poderes, quando está buscando a supremacia do Poder Legislativo sobre os de-mais, ao tentar arraigar para este, a competên-

cia de sustar todo ato normativo produzido pelo Estado. Salvo se, o equilíbrio mencionado e que está se procurando atingir, seja aquele

que, caso a PEC 3/2011 seja aprovada, existirá entre os poderes Executivo e Judiciário, já que ambos ficarão submetidos ao Poder Legislati-

vo.

Segundo o presidente da Ordem dos Advo-

gados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, uma das motivações para a elaboração desta PEC pode ser a insatisfação dos deputados com o

Judiciário, sobretudo por causa de decisões tomadas no vácuo de ação do Congresso. Ora, é bem verdade que o ativismo judicial, o qual

deveria ser moderado, está crescendo de ma-neira avassaladora, no entanto, é essencial que sejam apontadas as razões pelas quais

isso está ocorrendo e o porquê deste não po-der ser considerado como uma afronta ao prin-cípio da separação de poderes.

O que acontece é que esse preceito está norteado pela colaboração entre os poderes, com fim a resolver, a dar uma resposta às

demandas e aos conflitos sociais. Se o trâmite do processo legislativo, por si só, já é lento em demasia e ainda observa-se certa inércia e

desleixo por parte dos parlamentares, e se o Poder Judiciário é provocado, então, este tem que decidir, baseado no princípio de que o juiz

não pode eximir-se de julgar a pretexto de haver lacuna ou obscuridade da lei, pois, na omissão desta, ele deve proceder como se fora

o próprio legislador. Julgamentos recentes da Suprema Corte são suficientes para constatar essa observação de que quando o tema envol-

ve grande pressão social, o Congresso resiste e procrastina ao máximo o seu pronunciamento a respeito, sem causa legítima, obrigando as-

sim o STF a fazê-lo, como foi o caso da inter-rupção de gravidez em caso de feto anencéfalo

e da constitucionalidade de cotas raciais nas

universidades brasileiras, de tal modo que, essa atuação do Judiciário vem sendo funda-mental para solidez da justiça e preservação

dos direitos e garantias do cidadão. Além do mais, se desde os primeiros mo-

mentos em que a teoria da separação de pode-

res foi desenvolvida, ela estava atrelada a assegurar o exercício, pelos cidadãos, dos direitos e garantias individuais que lhes foram

atribuídos pelo ordenamento constitucional, assim permanecendo, o ativismo judicial, se está sendo responsável por assegurá-los, é

sim justificável, como bem afirmou o Ministro Celso de Mello, no seu discurso proferido em nome do STF, na solenidade de posse do Mi-

nistro Carlos Ayres Britto na presidência da Suprema Corte do Brasil em 19 de abril de 2012: “(...)

torna-se justificável a inter-venção do Judiciário, nota-damente a desta Corte Su-

prema, para suprir incom-preensíveis situações de inércia reveladas pelas ins-

tâncias de poder em que se pluraliza o aparelho estatal brasileiro.”

Deste modo, se for preferí-vel que o Poder Judiciário mantenha-se imobilizado

diante de tais circunstâncias a esperar uma atuação mais incisiva do Poder Legislati-

vo, então, será correto afir-mar que o Brasil estará vi-vendo um retrocesso na

evolução do Estado, pois perante uma rígida separa-ção de poderes, até mesmo

o conceito de democracia encontra-se ameaça-do, quando um dos seus fundamentos está nesta flexibilização, cujo fim é o interesse públi-

co e o bem comum. Diante do exposto, cabe um questionamen-

to: o Poder Judiciário está tentando colocar-se

no lugar do Poder Legislativo, com a intenção de usurpar as suas competências, assim como este quer fazer ao elaborar a PEC 3/2011? A

resposta é não, pois esse ativismo judicial é uma necessidade interposta pelo próprio Poder Legislativo, como fica claro nos dizeres do criminalista Leonardo Sica, membro da Associ-

ação dos Advogados de São Paulo, quando pronuncia :”A atuação do Judiciário vem cres-cendo e isso incomoda os parlamentares. Só

que a gente precisa lembrar que o Judiciário só age por provocação e age quando o Legislativo se omite. O melhor caminho não é PEC nenhu-

ma. É o Legislativo se incumbir de suas atribui-ções.

Destarte, o entendimento é que, frente a

tantos problemas que parecem não estar sen-do observados pelo Poder Legislativo, este deveria manejar as ferramentas de que dispõe

para editar leis gerais e abstratas capazes de embasar e alicerçar soluções para os casos concretos apresentados por uma sociedade em

* Mayanne Bezerra Dantas é estudante de

Direito da Universidade Federal da Paraí-ba.

O Poder Legislativo sobrecarregado: as deman-das sociais sem resposta

Ano 2 ● Nº 5 ● Novembro/Dezembro de 2012

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À espera de um manifesto pela transformação da educação no Brasil

Por Newton de Oliveira Lima*

F ruto de uma colonização desvalo-rizadora do saber acadêmico e magisterial, a formação brasileira padece de uma historicidade que

valorizasse a figura do docente. O proble-ma crucial da educação no Brasil é pro-fundamente voltado para o desamor de nosso povo, e nisso classes elitistas e não elitistas comungam plenamente, da figura de um saber pelo saber, não utilitário. Isso gera um espírito filosófico, só por exem-plo. Educar ficou para os trouxas. Amar o saber é para quem não sabe a 'prática' e para mulherzinhas enfezadas em salas de aula suburbanas. Esse é o olhar das elites do Brasil sobre professoras e professores.

A colonização prossegue pela mídia, e

o consumo dos padrões existenciais desti-lados implica na renovação de uma não cultura literária, o rebento do romance

burguês nos Novecentos pouco fez pela cultura e pedagogia no Brasil - nossas elites em seu positivismo de Estado, em sua falta de preocupação com uma ativi-dade política e nessa de uma política edu-cacional, perpetuam a miséria de nossa condição intelectual, sem isso a forma de uma valorização integral do magistério realmente não possui espaço, a docência é relegada aos nefelibatas, acadêmicos são tratados como altruístas do saber, professoras primárias como heroínas de-sesperadas em salas de aula do dia-a-dia nefasto da escola primeva cada vez mais violenta.

Ser professor no Brasil é um paradoxo

cruel, para além do idealismo, vive-se entre um platonismo pejorativo ávido de importação de teorias, e uma conjugação teórico-prática que sente nas entranhas a impossibilidade de atuar sobre a política de educação do Estado. Em mais esse

momento histórico de luta pela educação, quiçá unamos forças pelo menos pela afinação de uma orquestra comum de reivindicações, onde se proponha ante ao Leviathan a forma de uma integral renova-ção da função cultural e política do ser educador nesse país.

Nessas lutas é que se possibilita que a

juventude repense a função do saber, e faça valer a força das contestações sobre cosmovisões estilizadas da educação - o momento é de reflexão e ação, se perder-mos mais essa oportunidade, amargare-mos o continuísmo de uma ignorância proposital do Estado sobre a docência no Brasil.

Ano 2 ● Nº 5 ● Novembro/Dezembro de 2012

*Newton de Oliveira Lima é Professor

Assistente, nível II, de Filosofia Geral e Jurídica do Departamento de Ciências Jurídicas da UFPB.

Sobre a RIO + 20 Por Belinda Pereira da Cunha*

Enviado em 25 de junho de 2012

A cabo de chegar da Rio + 20 e, confesso, ainda respiro fundo para entender a grandiosidade do Evento, aliás, dos Eventos

que ocorreram nestes dias na cidade do Rio de Janeiro.

Parece-me que a certeza é a realiza-ção dos encontros, vários encontros, entre ciência, grupos, organizações, pesquisa-dores, chefes de Estado, estudantes, pes-soas que passavam por alguns dos locais que realizavam uma parte do evento.

Logisticamente, muitas distâncias, tornando quase impossível estar em vá-rios momentos dos encontros, pelo menos no mesmo dia, porém, a coesão na mes-ma direção e sentido no que se refere ao ambiente, como meio de vida e cenário para a vida neste Planeta foi consenso.

Muitos temas e subtemas, acerca do Meio Ambiente e da Sustentabilidade so-cioambiental – sinto como se referisse expressões sinônimas –, incluindo a pre-servação dos recursos e, simultaneamen-te, a necessidade de sobrevivência com qualidade de vida.

Quanto a isto, a mescla entre os con-ceitos de subsistência e sustentabilidade, gerada pela Economia, passa a alçar um voo maior, alcançando e ultrapassando as fronteiras da marca de cada área do co-nhecimento, para chegar ao que é comum de todos e a todos: qualidade de vida dig-na com a preservação dos recursos que a natureza nos oferece, visando o futuro das gerações.

Discussões sobre geração de energia limpa ( o que inclui o ser humano em to-

das as fases do processo e o meio físico de sua geração), preservação das comu-nidades e povos tradicionais em suas terras e culturas, apoio para a agricultura familiar, agricultura orgânica, os refugia-dos, deslocados do desenvolvimento, matrizes energéticas, resíduos e geração de lixo (sólido, industrial, espacial) e seus desdobramentos como reciclagem, reutili-zação e obsolescência, mudanças climáti-cas e desertificação, o aquecimento do planeta, petróleo (pré-sal?), fomentaram as preocupações em busca de propostas ainda mais concretas, em todos os níveis e nações.

A transição ecológica foi destacada, incluindo as cidades como agentes trans-formadores, a partir de seriedade e sobri-edade no manejo dos recursos e das polí-ticas públicas locais, que interajam de alguma maneira com os princípios ambi-entais mundiais, reafirmados na Agenda 21.

Atores sociais e econômicos oportuni-zam o aprendizado a partir das crises e dificuldades enfrentadas pelos países, notadamente sentidos a partir das cida-des, em razão de sua condição econômi-ca ou geográfica, verificando problemas diferentes, porem com as mesmas bases, como água, saúde, educação, habitação, levando a uma cooperação e solidarieda-de múltipla, com a troca das melhores experiências e tecnologias que desven-dem soluções.

Sem citar alguns nomes e tantos agen-tes e formadores de opinião, principal-mente a sociedade civil através das orga-nizações não governamentais ou não, as comunidades e povos indígenas, os pro-fessores e a população em geral que pas-saram por qualquer dos eventos.

Enfim, o encontro de preocupações e verificações sob todos os ângulos com a vida no planeta, a partir de sua qualidade e não mais de seu resultado, da efetiva continuidade, realmente para tantas e tantas gerações e não mais para gerar este ou aquele meio para a presente gera-ção, o socorro ao clima, à água, à terra, aos impactos múltiplos a todo instante e em toda a parte.

Cada país fazendo sua parte, o Estado agindo em seu âmbito, as cidades partici-pando e antevendo cada possibilidade de acidente ou desastre ambiental e, ao mes-mo tempo, autorizando, cada qual em sua competência, o que traga o bem perma-nente, pois o imediatismo provou sua in-sustentabilidade.

Todas as situações concentradas no eixo do Planeta que a todos pertence e, para isto, as soberanias podem somente cooperar, nunca prevalecer sob o argu-mento do sacrifício do ambiente e da vida, esta que está em jogo, sob todas as for-mas.

Se este balanço for positivo, haverá sinal de desenvolvimento, do contrário, se nem mesmo o ambiente e a vida estive-rem preservados... não seremos aplaudi-dos e nada teremos a comemorar.

A Rio + 20 poderá valer a pena se reafirmarmos em nossas ações e políticas ambientais as reflexões feitas por tantas nações, a partir de suas necessidades, experiências (até mesmo as negativas para não serem repetidas), tecnologias e solidariedade, aos povos, à vida, ao Pla-neta.

*Belinda Pereira da Cunha é Mestre e

Doutora em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC-SP. Professora Adjunta da UFPB.

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Ano 2 ● Nº 5 ● Novembro/Dezembro de 2012

Por Renato Gomes de Lacerda Alves*

A vida é um direito precípuo. Um assunto que nos afigura na atualidade é a grande pro-blemática do aborto. A Consti-

tuição de 1988 assevera em seu artigo quinto a igualdade de todos perante a lei sem distinção de qualquer natureza. Isto é, um feto concebido entre um ca-sal que se ama em nada pode deferir de outro que é fruto de um abuso sexu-al, ou seja, naturezas distintas de se dar origem, todavia, igualdades de pe-so na balança da existência (análise interpretativa gramatical do texto). Nes-te artigo trataremos de princípios es-senciais e necessários para o indivíduo e mostraremos as discordâncias notá-veis entre diversas fontes do nosso Direito.

O Direito é uma ciência mutável, todavia este direito que é a vida tem que ser algo imutável e inex-pugnável. Asseverar-vos-ei a res-peito da discrepância que se afigu-ra em uma análise hermética e cuja contradição é uma das luzes.

A norma fundamental assegura-nos o direito in-vi-o-lá-vel à vida (direito no sentido de ter algo zela-do pelo Estado). Contudo, o Código Penal vai contra esse princípio ao instituir que há dois casos que se pode efetuar o aborto, que são: “Se não houver outro meio de salvar a vida da mulher e quando for vítima de estupro”. Não nos é necessário em poucas entrelinhas responder a todas as perguntas, o nosso orde-namento pátrio, aceita a teoria con-cepcionista (espermatozoide + óvulo= Zigoto = forma inicial de vida), neste termo deixaremos as divagações a res-peito do início da vida de lado.

Vamos neste artigo essencialmente buscar problematizar a respeito de te-mas não condizentes e que conse-quentemente destroem um coerente ordenamento jurídico.

Em consonância com a teoria de gênese da vida adotada na nossa con-cepção de direito, é inafastável um conjunto de interrogações que pode-mos conceder. Para o biólogo Botella Lluziá, o embrião ou o feto é um ser individualizado com carga genética própria, ou seja, ele tem vida . O feto não se comporta e nem é uma ramifi-cação da mulher como unhas, cabelos, cílios, não são placas de queratina

morta sim o princípio do crescer e sa-ber. Ele é um ser em desenvolvimento que possui conjuntos de proteínas, DNAs, enzimas, células somáticas que formam as unidades básicas da vida.

A inviolabilidade do direito a vida que é afirmada com veemência no “corpo” do artigo 5º está em forte contradição com o artigo 128 do Código Penal. Pois, a vida na nossa concepção jurídi-ca começa com a nidação, quando se inicia a gravidez.

As possibilidades que podem ter as mulheres com o auxílio do médico de se abortar são: “Quando a gravidez representa grande risco de vida para a gestante e se a mulher for vítima de estupro (direitos subjetivos da mulher)”. Nós como animais racionais temos co-mo fruto do nosso raciocinar o entendi-

mento de um direito natural: não lesar a outrem. Uma vida não pode ser sub-jugada em decorrência de outra, mes-mo que a outra possua um desenvolvi-mento orgânico mais complexo.

A principiologia ou o neoconstitucio-nalismo vem se consolidando como um viés de grande circunscrição no direito. Seus principais defensores, entre eles Dworkin, Alexy e Perelman afirmam que os princípios abrangem as próprias normas e eles não se anulam quando entram em contradição, mas forma uma espécie de complexo dialético. Onde um institui uma tese em contra-partida de outro que estabelece uma antítese (anti- tese) formando uma sín-tese e assim irar-se se te um conheci-mento e direitos mais refinados.

Um ponto de grande clímax que ocorrer no tocante ao aborto é a utiliza-ção de uma única ótica de encarar as consequências. O feto também é uma pessoa e a própria concepção de pes-soa, de origem Cristã, significa aquele que tem dignidade e esta dignidade é inalienável, insubstituível, inviolável, una etc.

O Direito brasileiro é dotado de con-tradições. As linhas de montagem for-dista do Congresso Nacional prezam mais pela quantidade do que pela qua-lidade. Mas, neste caso a contradição não é tão simples, uma norma da déca-da de quarenta (precisamente o art. 128 do Código Penal) que vai contra um princípio constitucional (artigo 5º da constituição) e natural do ser humano é ainda aceitada. Nas antigas socieda-

des sem Estado, ditas “primitivas” (visão etnocêntrica) havia uma maior regularidade do que na atualidade do Brasil dito desenvolvido. O sistema bicameral adotado no Brasil é um reflexo do povo brasi-leiro. Um artigo já asseverava que nós somos matéria prima deste país e em um sistema representa-tivo o nosso poder de decisão é soberano. Fala-se em educação como transformadora, contudo, como podemos mudar este país se nós mesmos escolhemos pes-soas sem preparação para reger o mesmo. A contradição é um retra-to do descaso com a educação, com os princípios provindos dos valores, e principalmente com a vida de onde advêm todos os ou-

tros valores e princípios. Concluí-se que em uma análise des-

virtuada de princípios próprios e axioló-gicos é indubitável as discrepâncias notadas em uma análise extrínseca do nosso Direito. Observamos um novo viés do direito, o principio lógico daqui-lo que nos é devido. Ao findo cabe re-saltar que o aborto mesmo válido para se adequar a concepção de justo em uma sociedade (é justo abortar medi-ante estupro, risco de morte para a mulher) não anula a problemática do nosso ordenamento e mostra uma ano-malia, onde o fundamental se torna banal e o banal se torna vida.

* Renato Gomes de Lacerda Alves é estu-

dante de Direito da Universidade Federal da Paraíba.

Neoconstitucionalismo e o caduco Direito: em uma contradição hermética

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Ano 2 ● Nº 5 ● Novembro/Dezembro de 2012

Opinião

A necessidade da conservação Por Rosiene dos Santos Dias Paulino*

O Código Florestal regula-menta a utilização da pro-priedade de terra, delimi-tando áreas de preserva-

ção e de uso. A proposta de um novo código já estava em tramitação há algum tempo, mas foi aprovada pelo Congresso só em abril deste ano. A proposta causou grande discussão: os ruralistas afirmavam que o texto do ano de 1965, aplicado até recente-mente com algumas modificações, não correspondia mais à realidade vivida no país e precisava ser substi-tuído por outro que autorizasse a pro-dução em determinadas áreas prote-gidas, para atender às necessidades atuais. Por sua vez, os ambientalistas argumentavam que o mesmo texto facilitava a exploração desnecessária e invasiva de novas áreas.

O projeto do novo código, já votado no Congresso, foi encaminhado à pre-sidente Dilma Rousseff, que decidiu por vetá-lo apenas parcialmente, ela-borando juntamente uma medida pro-visória para preencher lacunas no texto, o que desagradou os defenso-res do meio ambiente e, ao mesmo tempo, foi comemorado pelos produ-tores rurais que temiam o veto total. Essa decisão de Dilma leva a uma nova tramitação na Câmara e no Se-nado, e representa um risco, pois agora a aprovação fica sob a responsabilidade do Congres-so, onde a Câmara dos De-putados (com uma signifi-cativa bancada ruralista, vale-se dizer) é quem vai dar a palavra final sobre o assunto. Pa-ra os ambientalis-tas, a presidente teve a chance de de-

monstrar seu compromisso com a preservação ambiental e optou por se abster do poder de vetar integralmen-te a lei.

A atitude de Dilma busca o meio-

termo, parece querer agradar parcial-mente aos líderes partidários e à po-pulação. É visível, entretanto, a posi-ção de grande parte da sociedade contra o novo código – demonstrada por manifestações públicas, abaixo-assinados, pesquisas de opinião – o qual mesmo com as modificações feitas pela presidente fica aquém do que era esperado. Além disso, os ve-tos a alguns dispositivos e a medida provisória anunciada são insuficientes para garantir a ampla preservação dos ecossistemas.

O Brasil, país com uma diversidade

biológica incrível, referência global em relação ao meio ambiente, um dos maiores produtores de alimentos pre-cisa dar exemplo aos demais. E mos-trar que é possível se desenvolver respeitando a flora e a fauna. Que se podem aproveitar as terras já cultivá-veis e maximizar a produção. Que a estabilidade geológica precisa ser mantida. Com o consumismo se in-tensificando a cada dia e a preocupa-ção com o legado que fica para as gerações futuras estando em segun-

do plano, seria extre-mamente importan-

te a atuação da nação brasi-

leira a fim de esta-

belecer prioridades acerca da conser-vação e de alertar para a necessidade de desenfrear esse consumo exacer-bado.

Recentemente, a Rio+20, Conferên-

cia das Nações Unidas sobre Desen-volvimento Sustentável, realizada na cidade do Rio de Janeiro, numa espé-cie de continuação da Cúpula da Ter-ra (ECO-92) ocorrida há vinte anos na mesma cidade, teve o intuito de reafir-mar o compromisso dos países parti-cipantes com as questões ambientais. De fato, um evento desse porte, que teve a participação de representantes de dezenas de países e da sociedade civil, deve ser comemorado e de-monstra que há compreensão da ne-cessidade de mudanças para comba-ter os problemas globais. Os resulta-dos da conferência, entretanto, não foram satisfatórios. Os líderes dos países não alcançaram um consenso que permitisse maiores acordos, e não foram estabelecidas medidas concretas a serem tomadas. O que houve foi um adiamento das ações práticas, dificultando a concretização do discutido desenvolvimento susten-tável.

Diante dos fatos, cabe a nós, socie-

dade, continuar buscando a conserva-ção do meio ambiente, especialmente das terras brasileiras, tão ricas em diversidade e ao mesmo tempo tão almejadas para exploração. E cobrar das autoridades providências que também concorram para a proteção dos ecossistemas. A situação atual reflete, a nível nacional, os interesses de lucro dos proprietários de terra e, internacionalmente, a divergência en-tre países que ambicionam continuar a usufruir dos recursos naturais. Pre-cisamos resguardar o que é da natu-reza, pois muitos danos são irrepará-veis.●

*Rosiene dos Santos Dias Paulino

é graduada em Ciências Biológicas e estudante da Graduação em Direi-to da Universidade Federal da Paraí-ba.

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Opinião

Trabalho infantil: uma questão de Direitos Humanos

Por Raíssa Vieira Alves*

No dia 12 de junho foi celebrado o dia contra o trabalho infantil, dia em que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgou os dados do último Censo referente às crianças que desempenham algum traba-lho. Ainda que os números rela-tivos ao Nordeste e a Paraíba tenham reduzido 13,44% entre 2000 e 2010, não há o que se comemorar: os números refe-rentes ao trabalho infantil conti-nuam elevados e somado a isto temos o fato das pesquisas, ao mostrarem números estimados, podem esconder uma realidade ainda pior.

Importante destacar, que é considerado trabalho infantil todo aquele desempenhado por pessoas com idade inferior a 18 anos em condições e locais pre-judiciais ao desenvolvimento físico e psicológico, que seja perigoso, penoso ou insalubre e que impeça a frequência escolar; e não o simples arrumar da própria ca-ma e dos brinquedos, obviamente afastadas as condições de risco antes citadas.

Além de constituir uma grave viola-ção aos direitos deste grupo que é extremamente vulnerável, o trabalho desempenhado por crianças é impac-tante tanto na vida destas como para o crescimento de uma nação. São impactos de ordem física, psicológica e intelectual, sem contar que, ao se-rem afastadas da escola para traba-lhar, estas crianças e adolescentes estão fadados a perpetuação do ciclo de exclusão social: sem sequer uma formação escolar básica, elas serão a futura mão de obra desqualificada, sujeitas ao subemprego e a indigên-cia. Se a relação laboral existente entre pessoas com plena capacidade por si só já é desigual, esta é acentu-ada quando envolve seres ainda em desenvolvimento e que necessitam de amparo integral, com bem prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

São crianças e adolescentes que trabalham em carvoarias; no corte de cana; como domésticas; entre outras ocupações que os expõem a situa-

ções degradantes e de risco, longas jornadas diárias de trabalho e carre-gamento de peso excessivo, em troca de uma baixíssima remuneração e, acredite, mediante autorização judici-al. Sim, autorização judicial! E que

vem batendo recordes a cada ano. Como defendem alguns juízes, que entre perecer uma família de fome ou autorizar uma criança a trabalhar, eles não duvidariam em permitir o trabalho infantil.

Uma crença tão antiga quanto equi-vocada da maioria da sociedade, é que para a criança pobre só existem duas opções: trabalhar ou ser margi-nal. O trabalho dignificaria o indivíduo, deixando-o inclusive mais preparado para a vida adulta. Nesse diapasão, incluem-se parlamentares que até pouco tempo defendiam a redução da idade mínima laboral, o que revela ser o problema do trabalho infantil não só político e socioeconômico, mas tam-bém cultural.

A despeito do pensamento de al-guns juristas e parlamentares brasilei-ros com relação ao trabalho infantil e sua permissibilidade, o Brasil compro-meteu-se em 2010, perante a comuni-dade internacional na II Conferência Global de Haia, a eliminar as piores formas de trabalho infantil até 2016, e até 2020 eliminar todas as formas de trabalho infantil.

Segundo a Convenção 182 da OIT, uma das piores formas de trabalho infantil é a exploração sexual comerci-al de crianças e adolescentes, que

ocorre quando estes submetem-se ou são induzidos a prática de relações sexuais mediante lucro. Caracteriza-se como trabalho porque é uma ativi-dade que objetiva uma finalidade es-pecífica: o lucro; e exploração, porque

não há que se falar em uma manifestação de vontade, ain-da que a criança tenha exerci-do a prostituição ou consenti-do o ato, eles são incapazes relativamente, portanto explo-rados. Além da exploração sexual comercial ser uma das piores formas de trabalho infantil, com as piores consequências físicas e psicológicas, notada-mente é uma questão de difícil enfrentamento, pois aliados a uma sociedade que tolera este tipo de atividade estão, na maioria das vezes, familiares da própria vítima que a influ-enciam para a prática; gover-nos com políticas públicas

fracas, que não previnem, tampouco oferecem suporte para a criança ou o adolescente que sai da situação de exploração; e, somado a tudo isso, um Judiciário moroso e com poucos recursos humanos que pensam criti-camente, o que leva a decisões ab-surdas, como considerar a exploração sexual infantil uma relação de consu-mo e que a presunção de violência contra menores em estupro é relativa.

O Brasil comprometeu-se a erradi-car a exploração sexual comercial infantil, bem como as demais formas de trabalho infantil em seu território; mas enquanto continuar a formar ju-ristas, eleger políticos e mantiver a sociedade com pensamentos de que “é melhor criança trabalhando do que na rua”, demonstrando uma fraca for-mação crítica e em direitos humanos, não conseguirá uma plena solução para o problema, pois um país que se desenvolve e cresce desrespeitando direitos fundamentais jamais será uma nação, e sim um mero colabora-dor de injustiças sociais.●

*Raíssa Vieira Alves é estudante da Graduação em Direito da Universidade Federal da Paraíba.

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Charge

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Tirinha

Arthur – O Milionário Sedu-tor (Arthur)

O inglês Dudley

Moore (protagonista em diversas comédias nos anos 80) e a norte-americana Liza Minelli (estrela do musical Cabaret [1972]) estão no foco desta fantástica comédia dirigida por Steve Gordon, o qual não teve expressão no cinema e centrou sua carreira em alguns trabalhos na televisão na década de 70.

Arthur Bach é um milionário alcoólico e excêntrico que vive à custa da fortuna de sua família. Caracteriza-se por ter uma personalidade excessivamente juvenil ou, dependendo da ótica, revestida por algum transtorno psicológico (histriônico, talvez). Tudo o que ocorre ao seu redor é motivo para uma sarcástica piada.

Prestes a unir sua fortuna à de uma neurótica milionária através de um casamento arquitetado entre famílias, Arthur conhece Linda Marolla, uma garçonete por quem imediatamente se apaixona. O que fazer? Casar-se com sua noiva obsessiva? Ficar com seu “amor à primeira vista” e ameaçar sua fortuna, que seria retirada se não houvesse a união entre as famílias milionárias? Ou conciliar as duas situações?

Enquanto ele escolhe, você verá uma exagerada degustação de milhões de dólares regados a álcool e boas risadas. É diversão certa. O roteiro prende o espectador durante os 97 minutos de duração. Todos os personagens apresentam uma veia cômica peculiar e extremamente envolvente.

Destaco, dentre os pontos mais positivos desta hilária obra, a fenomenal interpretação do ator britânico John Gielgud, o qual incorporou o personagem Hobson, mordomo atencioso e protetor que roubou as cenas e ofuscou o brilho dos protagonistas; bem como a música “Arthur’s Theme (Best You Can Do)” do inconfundível norte-americano Christopher Cross. Ambos levaram o prêmio Oscar em 1982 (ator coadjuvante e canção original). Merecidas, ainda, as indicações do roteiro original e de Dudley Moore como melhor ator, perdendo, respectivamente, para Chariots Of Fire (Carruagens de Fogo) e Henry Fonda (On Golden Pond [Num Lago Dourado]). Teve maior reconhecimento no Globo de Ouro ao levar as premiações de melhor filme (comédia / musical), ator de cinema (Dudley Moore), canção original e ator coadjuvante, não olvidando da indicação da Liza Minelli (atriz de cinema), a qual perdeu para Bernadette Peters (Pennies From Heaven [Dinheiro do Céu]).

Arthur (1981) rendeu uma excelente continuação com o mesmo elenco em 1988, intitulada “Arthur 2 – O Milionário Arruinado”. Merece ser vista, uma vez que se aproxima ao nível do primeiro. Houve, ainda, um remake trinta anos após o lançamento do original (2011) com Helen Mirren (interpretando uma versão feminina do mordomo Hobson), Jennifer Garner e Russel Brand. Não tive coragem de vê-lo para não correr o risco de apagar parte do encanto da melhor comédia que assisti em toda minha vida.

Carlos Nazareno é cinéfilo, amante da boa música, estudante e jurista nas horas vagas

Ano 2 ● Nº 5 ● Novembro/Dezembro de 2012

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