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MARXISMO E ECOLOGIA: UMA CRÍTICA A ECONOMIA VERDE Edilvan M. Luna 1 ; Adelia A. Brasil 2 ; Bruno Pinheiro Máximo³ 1 Aluno de ciências econômicas da Universidade Regional do Cariri URCA, campus Pimenta, Crato-Ce [email protected] 2 Pesquisadora independente na Universidade regional do Cariri Urca, Campus Pimenta, Crato-Ce [email protected] 3 Aluno de ciências econômicas da Universidade Regional do Cariri URCA, campus Pimenta, Crato-Ce [email protected] Resumo Os desafios ambientais vividos pela humanidade neste início de século XXI conduziram diferentes agentes sociais a reflexões sobre o modo de vida humana. Observa-se que o próprio ser humano a partir de suas decisões cotidianas gerou danos ambientais que põe em perigo a sustentabilidade da vida humana na Terra. A ciência economia não foi excluída desta análise. Pela importância que possui na tomada de decisão de agentes individuais e coletivamente, esta ciência deve repensar seus postulados de maneira que compreenda soluções para as crises ambientais. O surgimento da economia verde como uma forma de racionalidade econômica vem apontando na comunidade científica e no cotidiano de consumidores e empresários como resposta aos desafios ecológicos. Contudo, a partir da abordagem marxista, críticas podem ser direcionadas a essa forma de se pensar a economia, mais especificamente, as faces que a economia verde adota e o seu real compromisso com as questões ambientais. Palavras-chave: Ecologia. Economia Verde. Marxismo. Introdução A ciência econômica desempenha um papel preponderante para a tomada de decisão do homem nas suas atividades cotidianas, abrangendo a produção, distribuição e consumo de riquezas. Por meio da produção, o homem se interage com a natureza e o seu entorno, com os meios de produção e com outros homens, construindo assim a identidade humana. Por meio da distribuição, partilha-se a riqueza produzida, possibilitando a manutenção da vida. O consumo, por fim, provem da exigência do corpo para subsistir. No sistema capitalista, tanto produção, distribuição e consumo adquirem especificidades que conduzem a uma reflexão sobre a existência humana. Um levantamento histórico destas três variáveis fornece uma análise significativa dos valores que norteiam uma sociedade em determinado espaço e tempo. Como exemplo, nas sociedades primitivas, se tendia o trabalhador a possuir também a posse e propriedade dos meios de produção, sendo com o passar do tempo destituído de tais meios, se criando no capitalismo atual uma distinção entre força de trabalho e meios de produção. Esta separação será explorada por Karl Marx, revelando os efeitos nocivos deste distanciamento, no qual chamou de alienação. Desta forma, analisar o sistema econômico atual, o capitalismo, é mais que uma simples análise de meios e fins econômicos, mas significa pensar o próprio ser humano, suas culturas, seus valores, éticas, posições e interações no espaço. Contudo, nas últimas décadas, tanto a ciência econômica, como o capitalismo e seu conceito de crescimento econômico vêm sendo posto em análise, se questionando os limites e os problemas causados pela noção

Marxismo e Ecologia Uma Critica a Economia Verde

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  • MARXISMO E ECOLOGIA: UMA CRTICA A ECONOMIA VERDE

    Edilvan M. Luna1; Adelia A. Brasil

    2; Bruno Pinheiro Mximo

    1 Aluno de cincias econmicas da Universidade Regional do Cariri URCA, campus Pimenta, Crato-Ce [email protected]

    2 Pesquisadora independente na Universidade regional do Cariri Urca, Campus Pimenta, Crato-Ce [email protected]

    3 Aluno de cincias econmicas da Universidade Regional do Cariri URCA, campus Pimenta, Crato-Ce [email protected]

    Resumo

    Os desafios ambientais vividos pela humanidade neste incio de sculo XXI conduziram

    diferentes agentes sociais a reflexes sobre o modo de vida humana. Observa-se que o prprio

    ser humano a partir de suas decises cotidianas gerou danos ambientais que pe em perigo a

    sustentabilidade da vida humana na Terra. A cincia economia no foi excluda desta anlise.

    Pela importncia que possui na tomada de deciso de agentes individuais e coletivamente,

    esta cincia deve repensar seus postulados de maneira que compreenda solues para as crises

    ambientais. O surgimento da economia verde como uma forma de racionalidade econmica

    vem apontando na comunidade cientfica e no cotidiano de consumidores e empresrios como

    resposta aos desafios ecolgicos. Contudo, a partir da abordagem marxista, crticas podem ser

    direcionadas a essa forma de se pensar a economia, mais especificamente, as faces que a

    economia verde adota e o seu real compromisso com as questes ambientais.

    Palavras-chave: Ecologia. Economia Verde. Marxismo.

    Introduo

    A cincia econmica desempenha um papel preponderante para a tomada de deciso

    do homem nas suas atividades cotidianas, abrangendo a produo, distribuio e consumo de

    riquezas. Por meio da produo, o homem se interage com a natureza e o seu entorno, com os

    meios de produo e com outros homens, construindo assim a identidade humana. Por meio

    da distribuio, partilha-se a riqueza produzida, possibilitando a manuteno da vida. O

    consumo, por fim, provem da exigncia do corpo para subsistir.

    No sistema capitalista, tanto produo, distribuio e consumo adquirem

    especificidades que conduzem a uma reflexo sobre a existncia humana. Um levantamento

    histrico destas trs variveis fornece uma anlise significativa dos valores que norteiam uma

    sociedade em determinado espao e tempo. Como exemplo, nas sociedades primitivas, se

    tendia o trabalhador a possuir tambm a posse e propriedade dos meios de produo, sendo

    com o passar do tempo destitudo de tais meios, se criando no capitalismo atual uma distino

    entre fora de trabalho e meios de produo. Esta separao ser explorada por Karl Marx,

    revelando os efeitos nocivos deste distanciamento, no qual chamou de alienao.

    Desta forma, analisar o sistema econmico atual, o capitalismo, mais que uma

    simples anlise de meios e fins econmicos, mas significa pensar o prprio ser humano, suas

    culturas, seus valores, ticas, posies e interaes no espao. Contudo, nas ltimas dcadas,

    tanto a cincia econmica, como o capitalismo e seu conceito de crescimento econmico vm

    sendo posto em anlise, se questionando os limites e os problemas causados pela noo

  • restrita de ambos. Em 1972, o relatrio Limits of Growth (Limites do crescimento), lanado

    em Estocolmo na conferncia das Naes Unidas sobre o Ambiente Humano, representou um

    questionamento profundo ao prprio sistema capitalista, ao por m xeque a capacidade de tal

    sistema em dar continuidade a um dos pilares que o sustenta: a acumulao de riqueza. Como

    trabalhar uma lgica de crescimento ao infinito em um mundo de recursos finitos. Assim se

    apresenta o desafio da sociedade contempornea, que tem que pensar sua prpria

    racionalidade, paradigmas e lgicas para lidar com os desafios ambientais que ameaam a

    prpria sustentabilidade da vida humana na terra.

    A lgica cornucopiana, na qual a Terra seria um paraso para o homem, fornecedora de

    tudo que ele precisa e, sabendo o homem domin-la, teria todas as suas necessidades

    atendidas, poderia ser vlida em um mundo com uma populao reduzida. Entretanto, ao

    longo do sculo XX, a populao da Terra aumentou significativamente, o que para Pinheiro

    (1997, p. 378) vale destacar aqui o fato de que durante 99,9% da histria da humanidade fomos menos de 10 milhes de pessoas habitando o planeta; s muito recentemente nos

    aproximamos dos quase 6 bilhes atuais. Considerando o ano destes dados, este crescimento acelerado, no planejado, que lana questes tais como o desafio de alimentar

    uma populao to grande (ptica da produo); como lidar com a desigualdade social que

    emana deste crescimento populacional, j que grande parte deste aumento populacional

    pertence a continentes pobres como frica e Amrica (PINHEIRO, 1997) (ptica da

    distribuio); e como sustentar nveis de consumo to elevados de recursos naturais tanto

    renovveis como no renovveis (ptica do consumo).

    Como tentativa de se repensar a economia e sua participao no cotidiano humano, um

    ramo da economia vem apontando com sucesso no cenrio tanto empresarial como na poltica

    e na sociedade em geral: a economia verde. Esta economia se apresenta como uma economia

    preocupada com questes ambientais e comprometida em solucionar os problemas

    ambientais, repensando o prprio saber econmico e procurando conciliar um crescimento

    sustentvel com a erradicao de pobreza. (Programa das Naes Unidas para o Meio

    Ambiente PNUMA, 2011). O problema que se lana, entretanto, at onde o conceito de economia verde

    representa um rompimento com os paradigmas de uma economia marrom, predatria, e fomentadora da desigualdade socioeconmica. Deve se analisar a prtica e a teoria envolta do

    conceito de economia verde, para saber qual o seu real compromisso para solucionar os

    desafios ambientais, seus limites e possibilidades, identificando se, de fato, consiste em uma

    nova economia ou apenas uma transformao da economia tradicional, que se adapta a novas

    condies de produo e mercado. Para tanto, inicialmente, deve-se pontuar o que consiste a

    economia verde, seus objetivos, projetos e resultados prticos, para, em seguida, observar se

    tal conceito resiste s crticas ao sistema no qual foi gerado.

    Para problematizar a economia verde, os trabalhos de Karl Marx e Friedrich Engels

    so relevantes para se realizar um debate terico sobre o conceito de economia verde. Pelas

    suas crticas ao capitalismo e a racionalidade que o sustenta, estes autores so significativos

    para se observar se a economia verde consiste em uma nova economia compromissada com a

    proteo do meio ambiente ou se so apenas transformaes adaptativas da economia

    capitalista predatria.

    Marxismo e ecologia

    As idias desenvolvidas por Karl Marx e Friedrich Engels em seus extensos trabalhos

    abrangem diferentes mbitos do ser humano. Pode se creditar aos dois autores a capacidade de

    ver o homem em sua totalidade, no o reduzindo a simplificaes como to comum a

    cincia positivista. Como prova, os escritos de Marx e Engels so estudados na cincia

    econmica, pedagogia, sociologia, geografia, histria, administrao, psicologia, etc., o que

  • reflete a riqueza de seus estudos. Diante de tal abrangncia, estes mesmos autores podem ser

    utilizados como referncia para uma anlise da crise ecolgica contempornea.

    Embora, Marx tenha dado nfase ao trabalho como elemento formador da sociedade e

    da identidade humana, a natureza desempenhava um papel fundamental nesta formao

    identitria, pois por meio do trabalho que o homem se relaciona com o meio, se construindo

    e construindo o meio em que vive. Assim sendo, o trabalho constri, mas s tem essa

    capacidade por existir um meio que fornea insumos para essa construo. Da mesma forma

    que o homem constri o meio em que vive pelo trabalho, o meio influencia o homem,

    fornecendo as possibilidades para sua subsistncia e palco para sua atuao. Esta

    interdependncia entre homem e natureza visvel na seguinte passagem de Friedrich Engels

    (1876 apud CANTOR, 2007, p. 99): No devemos ficar demasiado lisonjeados de nossas vitrias humanas sobre a

    natureza. Ela se vinga de ns por cada uma das derrotas que lhe infligimos [...].

    Tudo nos faz recordar, a cada momento, que o homem no domina a natureza. Pelo

    menos de modo como um conquistador domina um povo estrangeiro ou como

    algum que alheio natureza! Isto porque somos parte dela, com nossa carne,

    nosso sangue e nosso crebro, nos situamos em um interior e todo o nosso domnio

    sobre a natureza e a vantagem que nisto levamos sobre as demais criaturas consiste

    na possibilidade de conhecer suas leis e saber us-las.

    Esta passagem do companheiro de Marx reflete a relao de dependncia entre homem

    e natureza, de forma que a ao do homem sobre o ambiente que o rodeia no uma relao

    de dominao, mas de compreenso, onde entender as leis da natureza dar uma vantagem de

    sobrevivncia. A concepo de dominao produziu danos ambientais severos, pois, junto

    com a necessidade de gerao de riqueza e produo de bem-estar, a explorao dos recursos

    naturais foi levada ao extremo.

    Marx questiona a lgica capitalista ao revelar suas contradies e sua tendncia

    autodestruio em nome do benefcio de uma pequena classe burguesa. Seriam estas

    contradies que conduziriam a sociedade a romper com o capitalismo em direo a uma

    sociedade comunista. As ameaas ecolgicas presenciadas na contemporaneidade fazem parte

    desta lgica, na qual os anseios por riqueza de poucos conduzem s ameaas ambientais para

    muitos outros seres humanos.

    O capitalismo, para Karl Marx, um sistema de organizao social no qual a

    explorao do trabalhador e da vida humana levada ao extremo, apenas beneficiando uma

    classe de pessoas. Essa explorao do trabalhador o conduz para um estado de alienao, que,

    de forma grosseira, pode ser interpretado como a negao do homem a sua existncia. Os estudos sobre alienao so outra prova que corrobora a noo de que Marx voltou suas

    atenes tambm para as questes ecolgicas.

    A separao da fora de trabalho dos meios de produo leva o trabalhador a realizar

    uma atividade na qual no ser detentor dos resultados de seu trabalho. Como a fora de

    trabalho vendida para o capitalista no pode se separar do trabalhador como ser humano, este

    est condenado a realizar uma tarefa cujo significado para si da atividade que realiza se reduz

    ao ganho apenas de um salrio. Embora esse seja importante para a sobrevivncia do

    trabalhador no sistema capitalista, isso produz efeitos psicolgicos representativos,

    impactando sua viso de mundo, de vida e sua identidade.

    Mas a alienao no se d apenas no mbito do trabalho. O homem pode se v

    despossudo de uma relao coma natureza e com outros homens. Desta forma, um

    individualismo extremo em uma sociedade e a noo de no pertencimento a natureza pode

    conduzir o indivduo a aes cada vez mais predatrias. A alienao, o sentimento de no

    pertencimento a algo ou algum, favorece a mercantilizao da natureza, aumentando ainda

    mais sua depredao. Oliveira et al (2005, p. 145) observa que: A deteriorao da relao Natureza-Homem leva alienao do homem, pois o

    homem vive apenas como ser satisfazendo as suas necessidades de conservao e

  • procriao; a relao homem-outros homens tambm deteriorada pela alienao,

    pois o mundo do trabalho nos torna estranhos uns aos outros; a relao homem-

    produto do seu trabalho est deteriorada, pois na sociedade industrial o homem no

    possui o resultado da sua atividade laborativa. O trabalhador no se afirma no seu

    trabalho, mas se nega. Essa negao est no fato de o trabalho no ser um bem

    prprio do trabalhador e criar a dominao sobre a produo e sobre o produto por

    parte daqueles que no produzem.

    As concepes marxistas so atuais para um debate onde a crise ecolgica se faz

    presente como uma anomalia para a cincia atual e, em particular, a cincia econmica,

    questionando seus pressupostos e a lgica que fundamenta o sistema capitalista, que para o

    autor, causa dos desafios ambientais vividos hoje. [...] Quanto mais um pas cresce com a indstria em grande escala na base de seu

    desenvolvimento, como acontece nos Estados Unidos, mais rpido se torna esse

    processo de degradao. A produo capitalista, portanto, s desenvolve as tcnicas

    e o grau de combinao do progresso social da produo minando, simultaneamente,

    as fontes originais de toda a riqueza o solo e o trabalhador (MARX apud FOSTER, 1999, p. 167)

    A economia verde e os desafios ambientais

    A crise ecolgica que emerge com maior abrangncia na contemporaneidade gerou

    questionamentos sobre o modo de vida humano, sendo creditado ao homem as transformaes

    danosas ao meio ambiente. O homem avanou to significativamente no campo cientfico

    sobre a compreenso da natureza que passou a desempenhar um papel de agente antrpico.

    Como exemplo da interferncia do homem nos ecossistemas naturais, a Mata Atlntica

    ocupava inicialmente 16% do territrio brasileiro, sendo agora de apenas 7%.

    no contexto de repensar a atitude humana diante da natureza, reduzindo o carter

    predatrio e devastador para com a natureza, que a economia chamada para repensar seus

    postulados, tendo em considerao a viso ecolgica. Esta nova economia ecolgica ser

    chamada de economia verde e ser designada pelo PNUMA (2011) como: uma economia que resulta em melhoria do bem-estar da humanidade e igualdade

    social, ao mesmo tempo em que reduz significativamente riscos ambientais e

    escassez ecolgica. Em outras palavras, uma economia verde pode ser considerada

    como tendo baixa emisso de carbono, eficiente em seu uso de recursos e

    socialmente inclusiva. Esta forma de economia procura, em seus pressupostos, ressaltar a incluso social, a

    diminuio da pobreza e a eficincia dos recursos naturais, que por serem escassos, se no

    administrados eficientemente, podem ameaar a prpria continuidade das atividades

    empresariais. Esta forma de economia vem sendo adotada por muitas empresas de sucesso,

    que observam nessa nova tendncia oportunidades de vantagens competitivas significativas.

    O programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) no relatrio O argumento

    comercial para a economia verde: retorno sustentvel do investimento (2012) faz um

    levantamento de empresas multinacionais que adotaram a economia verde nas suas atividades,

    buscando com este relatrio evidenciar as vantagens comerciais e empresariais de se investir

    neste nicho de mercado. Alguns exemplos so1:

    No Mxico, o Grupo Bimbo economizou aproximadamente US$ 700 mil e 338.400 m3 de gua em 3 anos com o seu programa de reduo de consumo de gua;

    No Egito, o projeto de compostagem do Grupo SEKEM ajudou a economizar o equivalente a mais de 300.000 toneladas de CO2 entre 2007 e 2011, e aumentou as

    vendas de EGP 788.400 para mais de EGP 10,5 milhes em 2010.

    1 Disponvel em: < http://www.unep.org/pdf/Business_Case-16June-Newsdesk-Draft_PR_PT-BR.pdf> acesso

    em 12 set. 2012.

  • Na China, o Grupo Zhangzidao Fishery viu um aumento anual de 40% na sua receita entre 2005 e 2010 (comparado com a mdia de 13% no seu ramo de atividade)

    oferecendo uma alternativa aos mtodos de monocultura. A abordagem integrada da

    Multi-Tropic Aquaculture utilizada pela empresa proporcionou um ecossistema mais

    equilibrado, tendo em conta a qualidade ambiental e as condies locais.

    A General Motors economizou mais de US$ 30 milhes em 6 anos com seu programa de produtividade dos recursos, que tambm reduziu o volume de resduos em 40%.

    Estes exemplos revelam a prosperidade da economia verde no sistema capitalista,

    possibilitando lucros para as empresas e benefcios ecolgicos e sociais. Mas, diante do

    testemunho de adoes desta nova economia por parte de grandes agentes empresariais, fica a

    pergunta, at onde a economia verde est comprometida com um paradigma tambm verde?

    neste ponto que o marxismo fornece uma anlise considervel sobre a economia verde e a

    falcia que ela representa, contribuindo para o sentido real que a economia verde adota diante

    das evidncias pontuadas acima.

    Marxismo e a crtica a economia verde

    Os problemas ambientais vividos hoje so problemas que emanam da forma como o

    homem se relaciona com a natureza, subjugando e adotando uma postura de separao

    edistanciamento com a natureza. Tal relacionamento est alm das aes visveis. Ela se

    legitima na cultura, nos valores, nas ideologias, nos smbolos e significados que construmos

    das coisas e que nos fornecem subsdio para tomarmos decises no cotidiano. Desta maneira,

    antes de uma revoluo prtica, no campo do visvel, uma revoluo no mundo das idias, dos

    valores e da cultura ter que se realizar primeiro, para que assim possa legitimizar aes

    prticas de economia verde.

    O sistema capitalista, acentuando o distanciamento entre homem e natureza, contribui para

    alimentar e legitimizar uma cultura predatria e devastadora com seus pressupostos

    utilitaristas, mercantilizantes e individualistas. O sistema capitalista no s efetua um

    distanciamento do homem com a natureza, como tambm a transforma em mercadoria, sendo

    utilizada para a obteno de lucro e acumulao de riqueza. Para Cantor (2007, p. 101-102): De forma histrica especfica, o capitalismo, as relaes entre os seres humanos, a

    sociedade e a natureza converteram-se em relaes mercantis e monetrias. Isto

    redunda em que, em ara do lucro que a essncia do modo de produo capitalista , dilapidem-se as duas fontes fundamentais riqueza: a fora de trabalho e a terra, o que produz, de um lado, a alienao e a desumanizao e, do outro, a destruio

    acelerada do meio rural. verdade que Marx se concentrou principalmente no

    primeiro aspecto, ou seja, nas implicaes que a explorao da fora de trabalho e a

    diviso do trabalho geram na sociedade capitalista, ao redor da qual desenvolveu

    uma autentica ecologia humana.

    Se o sistema capitalista acentua os problemas ambientais devido a sua lgica que prioriza

    o capital em detrimento do homem e da natureza, ento se pressupe que na base da revoluo

    ideolgica necessria para legitimizar uma economia verde esteja crtica ao sistema

    capitalista e sua substituio por uma lgica econmica diferente. O que se quer afirmar que

    uma economia ecolgica que nasa dentro do capitalismo no , de fato, ecolgica, pois o

    sistema no qual nasce predatrio em sua essncia. A economia verde nos moldes que se

    apresenta no passa de uma falcia, consistindo apenas em uma reestruturao empresarial em

    busca de eficincia e novos nichos de mercado.

    A economia verde na verdade uma exigncia empresarial para tornar as empresas mais

    competitivas em um mercado global. Nos pontos salientados acima se observou que aes de

    reduo de recursos naturais e preservao do meio ambiente esto sempre relacionadas com

  • vantagens financeiras, o que justifica tal ao. Assim sendo, esta economia verde perde sua

    consistncia e seu compromisso com as solues ambientais, pois este deixa de ser prioridade,

    continuando o capital sendo o centro. Caso uma ao ambientalmente correta no gere

    resultados financeiros, estas aes ecolgicas so cortadas dos projetos empresariais.

    Makower (2009) evidencia essa necessidade das empresas de se manterem competitivas por

    meio de uma estratgia de economia verde:

    Por que a preocupao? Na primeira dcada do sculo XXI, est surgindo uma

    crescente economia verde voltada aos desafios ambientais e sociais do mundo, com

    a criao de novas oportunidades e desafios para as empresas de todos os tamanhos e setores. Na economia verde, processos empresariais esbanjadores e

    produtos que poluem esto dando lugar a outros, mais eficientes, que empregam

    tecnologias mais limpas. Os problemas ambientais urgentes, tais como os de

    mudanas climticas, esto cada vez mais sendo vistos como oportunidades de

    inovao, estmulos a novos produtos, processos, mercados e modelos empresariais.

    Orientadas por multiplicidade de fatores concorrncia, medo de interveno governamental, presses ativistas, exigncias de clientes, altas nos preos de

    energia, preocupaes de acionistas, mudanas de expectativas pblicas,

    necessidade de atrair e manter bons profissionais , as empresas esto utilizando tais oportunidades para a criao de valor nos negcios, ao mesmo tempo em que

    melhoram seu desempenho e reputao. (MAKOWER, 2009, p. 1)

    importante aqui, contudo dar crdito, em curto prazo, a essas aes empresarias que

    poupam recursos naturais e procuram preservar a natureza. Contudo tais aes, como j

    afirmado, so de curto prazo, apenas postergando o colapso ambiental e no solucionando o

    problema de como vemos nos relacionamos com a natureza, pois como observou Marx (apud

    FORSTER, 1999, p. 166): Do ponto de vista de uma forma econmica mais alta da sociedade, a propriedade

    privada do globo por indivduos isolados parecer to absurda quanto a propriedade

    privada de um homem por outro. Nem mesmo uma sociedade inteira, uma nao ou

    mesmo todas as sociedades simultaneamente existentes juntas so proprietrias do

    globo. Elas so apenas posseiras, suas usufrutuarias e, como boni patres famlias

    [bons pais de famlia] devem leg-lo, em melhores condies, s geraes futuras.

    Concluso

    Este artigo procurou contribuir com a discusso acerca do desenvolvimento

    sustentvel, que enfoca fortemente a necessidade das geraes presentes protegerem os

    ecossistemas em nome da continuidade da vida humana na Terra. Contudo, dentro desta

    temtica, no se pode excluir os conflitos de interesses e as relaes de poder. A presena de

    classes dentro da sociedade que compartilham de uma ideologia imediatista, utilitarista e que

    se beneficiam da mercantilizao da natureza, por possurem instrumentos de poder, elas

    procuram legitimizar suas aes a partir da adaptao de seus discursos para o debate

    ecolgico, tentando disfarar seus reais interesses.

    A discusso sobre economia verde uma discusso vlida medida que procura

    estabelecer um compromisso com paradigmas de organizao social e, por conseguinte,

    econmicas atreladas preservao da natureza e a valorizao do ser humano. O problema

    consiste quando se utiliza de tal discurso para se produzir aes contrrias, que valorizam o

    capital e esto comprometidas apenas com o curto prazo, no questionando a lgica de

    crescimento econmico ad infinitum em um planeta finito. As crticas marxistas ao

    capitalismo, desta forma, se torna um instrumental basco para a construo de uma ideologia

    ecolgica.

  • Referncias

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