Material do Mês do Idoso (2006)

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  • QQUUEEMM DDIISSSSEE QQUUEE NNOO SSOOMMOOSS NNAADDAA??

    QQUUEE NNOO TTEEMMOOSS NNAADDAA AA OOFFEERREECCEERR?? Porto Alegre, julho de 2006. Prezados irmos e irms, Com alegria estamos lanando neste ano de 2006 o ms temtico: Agosto, Ms do Idoso. Voc vai,

    encontrar aqui material de estudo e reflexo sobre as dificuldades e desafios da Terceira Idade. Nossa inteno com este material dar incio a uma discusso prorrogada a tanto tempo, ou seja, o papel do idoso na igreja e na sociedade. Qual nossa postura? Qual nosso papel como igreja? O que podemos fazer?

    O tema tem como raiz a cano do compositor Z Vicente, poeta da vida, Quem disse que no somos

    nada? atravs desse tema vamos descobrindo relaes e desvelando situaes pelas quais nossos idosos passam, por vezes, ignorados por nossos olhos, ouvidos e outros sentidos.

    Assim como foi para a velha sacerdotisa Ana, presente no Templo de Jerusalm, hoje queremos que a

    comunidade da igreja descubra formas de incluir pessoas de idade avanada em ministrios e redescubra novos significados para a vida.

    Os textos aqui presentes so partes de diferentes autores e provindos de diferentes momentos de reflexo

    sobre este mesmo tema. O material no est a venda, mas disposio de todas aquelas pessoas que buscam compreender melhor esse tempo to encantador que a Terceira Idade. Devo dizer que todos/as ns somos convidados a refletir juntos, pois os estudos aqui apresentados no so especficos para idosos, mas supe-se a reflexo comunitria.

    Os estudos/textos esto dispostos de modo que pode-se iniciar com uma indicao bblica motivadora e

    aps um texto para discusso. O lder de cada grupo de estudo tem assim flexibilidade para adotar a metodologia que bem entender, e de acordo com sua realidade. Porm, todos os textos so de alguma forma universais e instigadores.

    Fica aqui a expectativa do nosso Departamento de que os estudos sejam para crescimento e maturao da

    igreja a respeito deste tema que muitas vezes fica margem. Aguardamos tambm uma avaliao daquelas comunidades que utilizaram este material e que gostariam de enriquecer o processo dando seu parecer e sugestes.

    Despeo-me na Paz de Jesus, nosso irmo e amigo, Revd. Dessrdi Peres Leite+ Diretor do Departamento de Educao Crist para a Misso

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    QQUUEE NNOO TTEEMMOOSS NNAADDAA AA OOFFEERREECCEERR?? REFLEXO 1

    INSTANTES

    Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na prxima trataria de cometer mais erros.

    No tentaria ser to perfeito, relaxaria mais. Seria mais tolo ainda do que tenho sido;

    na verdade, bem poucas coisas levaria a srio.

    Seria menos higinico.

    Correria mais riscos, viajaria mais, contemplaria mais entardeceres,

    subiria mais montanhas, nadaria mais rios.

    Iria a mais lugares onde nunca fui,

    tomaria mais sorvete e menos lentilha,

    teria mais problemas reais e menos imaginrios.

    Eu fui uma dessas pessoas que viveu

    sensata e produtivamente cada minuto da sua vida.

    Claro que tive momentos de alegria.

    Mas, se pudesse voltar a viver,

    trataria de ter somente bons momentos.

    Porque, se no sabem, disso feita a vida,

    s de momentos;

    no percam o agora.

    Eu era um daqueles que nunca ia a parte alguma sem um termmetro,

    uma bolsa de gua quente, um guarda-chuva e um pra-quedas;

    se voltasse a viver, viajaria mais leve.

    Se eu pudesse voltar a viver,

    comearia a andar descalo no comeo da primavera e continuaria assim at o fim do outono.

    Daria mais voltas na minha rua, contemplaria mais amanheceres e brincaria com mais crianas,

    se tivesse outra vez uma vida pela frente. Mas, j viram, tenho 85 anos

    e sei que estou morrendo... Autoria Annima

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    REFLEXO 2

    Texto bblico motivador: Gnesis 18,1-15

    A VIDA HUMANA E O ENVELHECER Mitos, esteretipos e preconceitos Usualmente, so estabelecidos na sociedade biomarcadores identificando etapas: iniciao escolar, vestibular, trabalho,

    casamento, menopausa, formatura e aposentadoria. Cada etapa tem o seu encanto especial que deve ser vivido e cultivado com intensidade. Porm, devemos estar atentos aos preconceitos, esteretipos e mitos, pois estes destroem, de forma sutil ou declarada, os sonhos, objetivos e projetos de vida. Alcanam em cheio a auto-estima, o direito do idoso, em especial, o direito de aperfeioar-se, ultrapassar-se, ser mais para si e para os outros.

    Referindo-se aos idosos, Confort lembra que "o martrio no decorre do envelhecimento biolgico e sim do envelhecimento

    sociognico" pelo desprestgio na sociedade, a maneira como so tratados, pelos papis impostos ou outorgados, muitos deles decorrentes de conceitos e crenas internalizados desde a infncia e incorporados cultura. A idade no os torna nulos de inteligncia, criatividade e competncia. Desprotegidos de estmulos e crdito torna-se invivel o vir-a-ser. perceptvel a mudana interior e exterior quando idosos so incentivados com oportunidades; transformam-se em novos atores sociais, protagonistas. "S nos preocupamos com a idade quando comeamos a envelhecer" - dizia Pablo Picasso.

    Muitos mitos, em relao velhice, permanecem entre ns: "Todo mundo fica velho do mesmo jeito". Cada um tem uma

    velhice prpria. "J velho a partir dos 60". Muitos ilustres octogenrios tm expresso nacional pelos seus trabalhos e atuao. "O sexo forte vive mais que a mulher. A mulher tem maior sobrevida. "Os idosos no tm vida sexual". normal a ocorrncia de modificaes de freqncia nas relaes sexuais, enfermidades da prstata e impotncia, nada que no possa ser solucionado ou minimizado por mdicos especialistas. Na mulher, algumas alteraes hormonais podero ocorrer, passveis de tratamento. Aps a menopausa, muitos casais expressam a libertao dos medos de gravidez extempornea, propiciando uma relao mais light. "Todo idoso bem-humorado e bonzinho". Nem sempre. Diz-seque a velhice reproduz o que foi acumulado.

    Quanto aos preconceitos, temos de trabalhar muito para extirp-los. Subliminarmente associamos velho a no presta

    mais, por exemplo: "deixe este sapato velho", "o jornal velho". Com estas marcas os idosos so marginalizados e muitos se automarginalizam pela fora das palavras. Se foi aposentado porque no "servia" mais, advindo os adjetivos de intil, incapaz, incompetente, invlido, inativo.

    Gesto da vida Quando a vida bem vivida e cuidada com dignidade, com exerccios de participao, gestos solidrios, no precisa temer

    o envelhecimento. Levamos um tero da vida da infncia ao incio da fase adulta. Para envelhecer, so dois teros, razo pela qual, podemos dar novos encaminhamentos ao que foi postergado. A reeducao para o aprimoramento pessoal, o cultivo da f, dos valores religiosos, fidelidade e compromisso consigo mesmo a chance para deixar boa imagem; como deseja ser lembrado. Dados de uma pesquisa ressaltaram o poder da f no envelhecimento; muitas pessoas alcanaram uma sobrevida de dez anos a mais. Pesquisadores europeus atribuem, atualmente, um acrscimo de 15 anos mais.

    "A sabedoria, a intimidade e o sentido da vida necessitam de aprendizagem e experincias solidrias. A educao a base fundamental para imprimir valores ticos, dignidade e solidariedade. Educar para a vida tem incio no colo da me, aprendendo a tratar as pessoas mais idosas com respeito. Na escola, do maternal universidade, na formao dos profissionais transmitindo conhecimentos tcnico-cientficos, mormente nas reas de Gerontologia e Geriatria.

    O educador Paulo Freire props uma pedagogia para adultos, podendo ser aplicada aos idosos, imprimindo novos paradigmas de vida e longevidade. Uma pedagogia para a longevidade supe reflexes, estudos, dinmicas, formatados em novos paradigmas, pois o idoso precisa re-aprender a ser, conhecer, fazer, conviver, construir ou se reconstruir.

    O homem, criado sob a tica do poder, da produo, provedor da famlia, educado em rgidos padres de "no chorar", ter

    mais direitos do que a mulher, no executar trabalhos domsticos, necessita de uma pedagogia especial, com metodologia instigante para "acord-las", preparando-os para novos papis, novas posturas, dando-lhes condies e a coragem de mudar,

  • vencer o tdio, o vazio existencial. A mulher, mais habilidosa e participativa, est sempre disposta a assumir novos papis. Por fim, a etapa da finitude. Sob diversos ngulos, a morte social significa afastar-se dos grupos de amigos, de familiares,

    por um vazio existencial, no encontrando mais sentido para sua existncia. Outro tipo de morte seria a morte antecipada em razo de um diagnstico comprovadamente direcionado falncia dos rgos ou por uma depresso progressiva. Em ambos o caso, est presente a falncia da f, a falta de uma espiritualidade capaz de dar um encaminhamento diferenciado vida.

    A morte na realidade no coisa para se desejar, porm, um fato inexorvel do qual no podemos fugir. Viver a vida da

    melhor forma possvel, aceitando momentos bons e ruins, mas com a certeza de que voltaremos ao p. "O que negamos no o objeto morte, mas o que se perde neste objeto, a vida" - afirma o psicanalista Freud.

    A conquista da longevidade, no sculo 20, nos leva a questionarmos: como queremos viver os prximos 13,20 ou mais

    anos? Uma questo tica Mesmo enfrentando novos e velhos desafios: pobreza, misria, violncia, desenvolvimento desarmnico entre as regies,

    dvida externa, corrupo, impunidade, entre outros, a longevidade vem sendo conquistada. A dignidade na longevidade de pobres e ricos uma questo tica que merece ateno. A velhice para os pobres um acrscimo das dificuldades vivenciadas. Para os ricos, constrangimentos, desprezo, desprestgio familiar e social. "De que vale o direito vida sem o provimento de condies mnimas de uma existncia digna?" A falta de investimentos nas polticas pblicas, garantindo os direitos, prejudica a populao, mormente os mais necessitados. Tornam-se imprescindveis mudanas estruturais na sociedade, e nos idosos, na conduo do ser e agir sobre a longevidade.

    * Maria Jos Lima de Carvalho Rocha Barroso Licenciada em Servio Social e Cincias Jurdicas e Sociais. Especializao superior em

    Gerontologia Social pela Universidade de Barcelona. Espanha. Texto extrado da revista DILOGO 28 Outubro de 2002.

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    QQUUEE NNOO TTEEMMOOSS NNAADDAA AA OOFFEERREECCEERR?? REFLEXO 3

    Texto bblico motivador: Gnesis 17, 1-8

    OS IDOSOS NUMA SOCIEDADE DE CURTO PRAZO

    A sociedade atual se caracteriza por mudanas advindas do avano tecnolgico nas diferentes reas do conhecimento.

    Esses avanos possibilitam a utilizao de mquinas para realizao de muitos trabalhos, o que facilita a vida e evita a sobrecarga de trabalho para as pessoas. No podemos deixar de valorizar tais conquistas (inveno, inovao e criao de novas tecnologias) como extenso do ser humano, mas preciso reconhecer que, infelizmente, elas possibilitam a melhoria da qualidade de vida para apenas uma parte da populao. O desafio apresentado o fato de que toda produo cultural acaba por tornar-se mercadoria vendvel e que tem como objetivo antes de tudo o lucro. Isso faz com que a melhoria da qualidade de vida seja relegada a um segundo plano, quando no, omitida.

    Uma sociedade centrada no mercado acaba por valorizar apenas quem produz e consome. Os que no se enquadram

    nessa lgica tornam-se um "peso" e acabam sendo descartveis. A produo feita para ser consumida. Quando esse objetivo atingido, os produtos tornam-se obsoletos e devem ser substitudos. Sendo assim, tudo passa a

    ser organizado dentro de uma lgica a "curto prazo". Tudo pensado para ser modificado. Essa forma de entender e organizar a sociedade influi decisivamente sobre a personalidade da pessoa, que o resultado de um longo processo de formao. Ningum estrutura o seu jeito de ser de forma mgica, mas atravs das mltiplas interaes que compem o processo de socializao.

    Outro problema que a sociedade a "curto prazo" elimina a memria do que foi construdo historicamente, pois o

    importante a novidade. O que vale avanar, mesmo que no se saiba para onde. Os referenciais histricos que possibilitaram a construo da identidade tornam-se descartveis. Isso exige muita flexibilidade do ser humano diante das inovaes, exigncia nem sempre possvel para uma humanidade com uma frgil identidade. Pela ruptura entre a natureza e a cultura, a identidade dos indivduos e naes se apresenta de maneira muito frgil e com bases extremamente vulnerveis. Nesse sentido, as mudanas bruscas criam problemas desastrosos, impedindo uma vivncia que contemple as diferentes dimenses da vida.

    Diante dessa realidade, como entender o papel dos idosos? H lugar para eles? Como so contemplados nos projetos?

    interessante refletir sobre isso, pois numa sociedade a "curto prazo" os idosos se contrapem com suas expresses de "longo prazo".

    O Lugar dos Idosos H diferentes concepes quanto ao papel dos idosos na sociedade. Em muitas, eles ocupam lugar de destaque e so

    considerados os referenciais mais significativos. So vistos como portadores de uma sabedoria adquirida com o passar dos anos. Nessas culturas ainda no contaminadas pela sociedade utilitarista, em torno dos idosos que se articulam as mltiplas atividades da vida, porm as contradies sociais e econmicas j comeam a modificar esse lugar significativo.

    Nas sociedades centradas no mercado, os idosos que encontram um lugar so os consumidores, os no-consumidores

    nem so considerados como existentes, por isso descartveis. Tornam-se um "peso", tanto para a famlia como para a sociedade. Os setores de produo, ao perceberem o potencial de consumo dos idosos, lanam produtos para esta faixa etria. Em geral, as iniciativas no contemplam os valores e a contribuio que os idosos podem dar a partir de sua experincia de vida.

    Por outro lado, podemos perceber a busca de lugar na sociedade por parte dos grupos de idosos, clubes dos idosos ou de

    terceira idade, que atravs de inmeras atividades, como: cursos, danas, festas, trocas de experincias, servios sociais, possibilitam a sada da clandestinidade em busca de sentido para a vida. Tais iniciativas no contam com o apoio oficial, mas os prprios idosos esto se organizando e alimentando as suas esperanas. importante ressaltar que cada ser humano deve

  • ter o seu lugar garantido e respeitado pelo conjunto da sociedade. No h justificativa para qualquer forma de excluso. Os Idosos nos Ensinam Colocar a questo dos idosos no centro do debate no pode ser no sentido de despertar "pena" e sim no de perceber que

    h um potencial adormecido que pode contribuir para melhoria da qualidade de vida. Destacamos alguns aspectos que devem ser considerados na organizao da sociedade a partir da experincia dos idosos: Vida dedicada famlia - Ao ouvirmos os idosos, no geral, eles afirmam que o princpio norteador de toda a vida foi ou os filhos, uma vida dedicada aos filhos e famlia, num processo de construir juntos e dividir os bens. fundamental perceber e aprender que a vida feliz da descendncia possibilita satisfao e realizao para todos. A maioria dos idosos vive em funo da famlia. Entendem que atravs dela que continuaro a sobreviver na histria e por isso no medem esforos para que todos se sintam bem.

    Abertura ao Transcendente - O tempo possibilita a percepo de que a vida passagem, de que tudo passa. As perdas

    impulsionam a uma abertura ao infinito, no que essa dimenso esteja presente apenas nos idosos, mas so os que percebem com maior nitidez e proximidade a transitoriedade da vida. So as diferentes "mortes" ocorridas durante a vida que intensificam a busca de sentido para as contradies e realizaes. Sentido da vida, s vezes, encontrado apenas no Transcendente, numa fora do alm que acaba por relativizar muitas coisas e dar a razo de ser a tudo que se viveu e se realizou. A abertura ao Transcendente revela a pequenez e a grandeza do ser humano diante de todo o universo. Essa aprendizagem impulsiona para a organizao da vida centrada em questes essenciais e relevantes para ento alcanar a sua plenitude.

    A Ao Social - Por mais que a vida se articule em torno dos filhos, percebemos que, em grande parte, os idosos foram e

    so capazes de educar para a autonomia. Um processo educacional tendo em vista a ao na sociedade, isto , filhos criados para serem "perdidos, soltos, libertados", para atuarem no mundo. Essa percepo evita a simbiose que inviabiliza a realizao da famlia. Os idosos que foram capazes de agir segundo essa concepo transparecem uma satisfao de misso cumprida. fundamental aprender que cada indivduo tem uma contribuio a dar para que na sociedade se efetive a vida para todos, fundamentada na dignidade de cada ser.

    Viver A Espera - Os idosos de "vida longa" revelam que o que os impulsiona sempre a espera de algo. Espera de um

    filho que vir visitar, um plano a concretizar, uma festa a realizar, um problema a resolver, uma meta a alcanar, entre tantas outras esperas que alimentam a esperana de vida. So inmeros os exemplos de que a espera motiva e d sentido vida, como o de um casal que aps terminar a festa dos 65 anos de casados, ele com 90 e ela com 85, j planejava a festa dos 70 anos. O que percebemos no cotidiano que sem esperana no possvel seguir a vida. preciso aprender que cada ponto de chegada tornasse um novo ponto de partida, tendo como meta outra chegada.

    A Contemplao - Os idosos geralmente se harmonizam em profundidade com as crianas. Sentem que a vida uma

    brincadeira e que talvez no vale a pena lev-la to a srio como os adultos. Percebem que brincar a grande arte, mesmo que parte da energia tenha sido consumida pelas coisas "srias" da vida. Brincar no tem uma finalidade em si, a no ser a de curtir o momento e "perder" tempo com o que d prazer. Talvez seja essa a sabedoria da vida - contemplar o ldico, o gratuito, o espontneo. Aprender isso parece ser fundamental para aliviar a vida estressante e depressiva da atualidade. O desgaste das foras fsicas aciona outras dimenses que permitem olhar para alm da movimentao e do corre-corre, imposto pela luta da sobrevivncia. Aprender a contemplar a vida na sua totalidade, reconhecendo que todas as dimenses esto inter-relacionadas, uma misso urgente.

    Os valores individuais e sociais nascem a "longo prazo", por isso a necessidade da articulao e do dilogo entre as

    diferentes faixas etrias. Dilogo em que no se define a partir do encontro efetivo entre os diferentes saberes. Encontro que reafirme que a vida vale ser vivida. Torna-se urgente resgatar a sabedoria de que a vida no pode ser organizada apenas a "curto prazo", pois as coisas significativas se constroem a "longo prazo". Essa uma busca permanente, por isso preciso seguir abrindo novas trilhas com os ps firmes na realidade, mas com o olhar no horizonte e na certeza proftica de que "no haver crianas que vivam alguns dias apenas, nem idosos que no cheguem a contemplar seus dias, pois ser ainda jovem quem morrer aos cem anos".

    *Antonio Boeing. Licenciado em Filosofia. Mestre em Teologia, doutorando em Cincias da Religio. Assessor de Ensino Religioso da

    AEC (Associao de Educao Catlica) de So Paulo e professor nas Faculdades Integradas Claretianas. Texto extrado da revista DILOGO 28 Outubro de 2002.

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    QQUUEE NNOO TTEEMMOOSS NNAADDAA AA OOFFEERREECCEERR?? REFLEXO 4 E PROPOSTA DE PROJETO

    Texto bblico motivador: Lucas 2, 36-40

    1. REMINISCNCIAS

    "Lembrana do que a alma contemplou numa vida anterior, quando, ao lado dos deuses, tinha a viso direta das idias."

    Plato Conceituao Com o passar dos anos as pessoas vo registrando na memria fatos de toda natureza. Isso quer dizer que,

    quanto mais avanam em idade, mais histrias tm guardadas em seus "livros ntimos". Essas lembranas, se no forem contadas e registradas, sero perdidas, causando enorme prejuzo s geraes futuras.

    O QUE SO REMINISCNCIAS? Reminiscncias memria, lembrana, aquilo que se conserva na memria. o ato ou o processo de relembrar

    o passado. Costuma ser uma ocorrncia natural na vida de cada um, mas parece tornar-se mais freqente medida que a pessoa envelhece.

    Por essa capacidade de armazenar fatos e pela capacidade de relembrar eventos do passado com mais freqncia, os idosos podem dar uma enorme contribuio sociedade, visto que o registro das histrias de vida um meio de construir nossa cultura.

    Com que idade a pessoa idosa? O conceito de idoso difcil e s vezes impossvel de ser precisamente definido. Isso porque no s a idade

    cronolgica, mas a capacidade funcional decorrente de processos biolgicos, psicolgicos, sociolgicos e s vezes aspectos culturais tm que ser levados em conta. Entre os iorubas da Nigria, por exemplo, a mulher considerada idosa quando se torna av, evento que pode ocorrer aos quarenta anos. Na ndia, quando o filho mais velho se casa. Outras culturas consideram a mulher idosa quando atinge a menopausa.

    No processo de envelhecimento, no entanto, a qualidade de vida, muito mais do que o nmero de anos, define o

    estado de velhice. Pelo fato de a idade para a aposentadoria em vrios pases ter sido estipulada entre 60 e 65 anos, desenvolveu-se a idia de que todas as pessoas nessa faixa etria e acima so idosas. Se mesmo para os pases desenvolvidos esse limite no satisfatrio, para aqueles em desenvolvimento , no mnimo, inadequado (8, 9, 10). provvel que pessoas que vivam em pobreza extrema, trabalhando excessivamente e em situaes precrias, comparadas com outras de mesma faixa etria que vivam com conforto e trabalhem em condies ideais, apresentem idades funcionais bastante diferentes. Apesar da dificuldade de se estabelecer uma idade cronolgica para definir o que seja uma pessoa idosa, essa definio necessria, a fim de possibilitar a comparabilidade de dados. De acordo com a Organizao Mundial da Sade, a pessoa considerada idosa, nos pases em desenvolvimento, a partir dos sessenta anos de idade.

    Em sntese, pode-se dizer que a quantidade de anos nem sempre define a idade das pessoas, que varivel;

    podemos ter muitas. Os idosos, com mais propriedade, podem dizer que tm todas porque j vivenciaram todas as fases da vida. J sentiram o sabor e a dor de cada uma delas.

  • Reminiscncias e histria oral Reminiscncias e histria oral diferem porque, na primeira, o objetivo principal compartilhar as histrias de vida

    como uma forma de melhorar o entendimento entre os participantes ou promover modificaes no estilo de vida. No existe o compromisso rgido do registro das histrias para o futuro, e o processo pode ser conduzido por qualquer pessoa treinada. A histria oral, por outro lado, utiliza as memrias como fonte primria de informaes. Para alguns autores ingleses, a diferena entre histria oral e reminiscncias sutil, e muitas vezes o significado de ambas se confunde. Segundo eles, a tnue diferena existente insignificante e, na verdade, as experincias mais valiosas parecem ocorrer quando as duas formas acontecem simultaneamente. Na Inglaterra, a histria oral foi reconhecida como parte do currculo nacional nas escolas desde o nvel primrio (primary school). Para Corra, no entanto, na histria oral usa-se o sistema de entrevistas com tcnicas prprias, que so feitas pelo historiador, e no por pessoas de outras reas, por meio das quais pode-se fazer com que o entrevistado explique determinados pontos ou relate fatos que a falta de outro material documental deixou obscuros. Alm disso, existe a intencionalidade da preservao do registro para o futuro.

    Reminiscncias e ruminaes A atividade de reminiscncias coloca no presente as situaes do passado, oferecendo a oportunidade para a

    reflexo sobre quem e o que somos, a fim de considerarmos os diferentes meios pelos quais possamos encarar o futuro. Algumas pessoas, por desconhecimento, acreditam que reminiscncias uma prtica melanclica, que incentiva o narrador a ficar preso ao passado. Essa uma idia errnea, uma vez que conhecer o passado a base para entender o presente e preparar o futuro. Ignorar o passado ignorar a histria.

    Trabalhar com reminiscncias, no entanto, s faz sentido se acreditarmos verdadeiramente que as lembranas tm como funo maior justapor o passado, o presente e o futuro e recuperar o universo pblico. Se o processo falha nesse intento maior; pode ser que a atividade se torne uma jornada sentimental, uma evocao nostlgica ou uma fuga do presente. Pensar incessante e obsessivamente sobre problemas sem soluo pode realmente aumentar o sofrimento. Esse processo chamado de ruminao, e definitivamente no benfico. No entanto, o registro da histria de vida das pessoas idosas pode ajudar as geraes presentes e futuras a entenderem o universo pblico e a evitarem sua runa natural. Nesse caso, ela representa um guia para a jornada da vida.

    A IMPORTNCIA DO PROCESSO DE REMINISCNCIAS Os tpicos anteriores mostram o valor da lembrana e sua contribuio para a sociedade na construo da

    cultura e no estabelecimento do vnculo do que passou com o presente e com o que est por vir. No plano individual, o processo de reminiscncias tem um significado especial, tanto para o narrador quanto para o ouvinte, oferecendo a ambos a oportunidade de expresso, reflexo e aprendizado. Esse exerccio pode facilitar mudanas de atitudes de ambos os lados, contribuindo para a reduo de seus preconceitos e esteretipos.

    Para os idosos Relembrar e refletir sobre o passado um importante exerccio para o autoconhecimento. Para as pessoas

    idosas, a prtica de relembrar pode contribuir para fortalecer ou restituir o senso de identidade e auto-estima. Essa opinio compartilhada por Peter Coleman e outros autores citados por ele, segundo os quais a capacidade de manter o passado vvido, principalmente na presena de um ouvinte solidrio, pode ser um dos mecanismos que as pessoas muito idosas encontram para manter a sua integridade psicolgica.

    Em estudo ingls que durou vrios anos, Coleman observou que a prtica de relembrar, para muitos dos entrevistados, tinha influncia positiva no estado de bem-estar psicolgico, libertando-os at mesmo de estados depressivos.

    Nesse mesmo estudo, no entanto, o autor constatou que a prtica de reminiscncias agradvel e til para muitos, mas no para todos os idosos, e que, portanto, essa prtica no deve ser generalizada.

    Mesmo os idosos portadores de deficincias auditivas, visuais, ou da fala, podem se beneficiar de grupos de reminiscncias, o que ir reduzir o isolamento social e contribuir para recuperar o sentimento de utilidade e bem-

  • estar. Naturalmente que, nesse caso, algumas medidas necessitam ser tomadas pelo lder ou coordenador, tais como: adequar o tamanho e a composio dos grupos e os estmulos que sero utilizados para evocar a memria.

    Para os portadores de dificuldade auditiva importante saber que no necessrio falar demasiadamente alto ou gritando. O mais importante falar de frente para a pessoa, articulando bem as palavras. Pode-se tambm lanar mo, durante as sesses, de diapositivos e da escrita.

    Para deficientes visuais podem ser utilizados estmulos tteis, olfativos e auditivos. Essas pessoas tendem a se tornar excelentes narradores.

    A literatura tambm recomenda a participao de idosos com dificuldades de comunicao pela fala. Reminiscncias pode ser um excelente meio para encorajar as pessoas a falarem, principalmente aquelas que foram vtimas de acidente vascular cerebral (derrames). Pode ser um bom motivo para envolver os parentes que, em geral, sentem grande dificuldade em manter conversao com pessoas que apresentam tal limitao.

    Em relao aos portadores de demncia5, as pesquisas disponveis mostram que no h uma melhora significativa de desempenho da memria com a prtica de reminiscncias. No entanto, o prazer que alguns demonstram e o ganho social geralmente observado justificam o seu uso.

    * Elza Maria de Souza, nascida em Vianpolis, GO. Mdica e pesquisadora com especializao em Geriatria e Gerontologia pela Universidade de Southampton, Inglaterra, e mestrado em Cincias da Sade pela Universidade de Braslia. Desenvolveu o projeto pioneiro de reminiscncias entre geraes no Distrito Federal. Texto extrado do livro Reminiscncias integrando Geraes, 1999, Ed. Vozes.