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Maquiavel e o surgimento das teorias modernas de estado e política by Danilo Couto / 0 Comments / 7202 View / 29 de janeiro de 2014 Danilo Couto Na abordagem que encontramos em O Príncipe, Maquiavel inaugura a ciência política. A política passa a ter contornos de uma ciência autônoma separada da moral e da religião medievais. A condição da Itália, convulsionada por crises políticas, ameaças externas e ausência de unidade nacional, influencia diretamente O Príncipe. A obra, claramente, deixa transparecer a amargura e descrença do autor em relação à condição humana. Quando a escreveu, Maquiavel desempenhava funções políticas, administrativas e diplomáticas em Florença. Tinha caído em desgraça e havia sofrido pena de prisão. A intenção da obra foi encontrar um processo que unificasse a Itália e fundasse um Estado duradouro. Ao descrever o processo real da formação do Estado moderno, por meio do absolutismo, Maquiavel não se ocupa da moral. Trata da política e identifica as leis específicas da política enquanto ciência. Com isso, apresenta o seu principal ensinamento, que é a separação da ética e da moral aristotélica da política. Diferentemente de Aristóteles, para Maquiavel o Estado não tem como função principal assegurar a felicidade e a virtude. Ao contrário do pensamento medieval, este Estado não é mais a preparação dos homens para o reino de Deus. O Estado passa a ter a sua própria dinâmica, faz política, segue sua técnica e faz suas leis (GRUPPI, 1986). Logo no início da obra, Maquiavel nos apresenta a sua distinção sobre a realidade efetiva da política e sobre os tipos de Estado: “Todos os Estados, todos os governos que tiveram e têm autoridade sobre os homens são Estados: ou são repúblicas ou principados. Os principados, por sua vez, ou são hereditários, neste caso o príncipe é por descendência antiga, ou são novos” (MAQUIAVEL,1996, p. 11). Mais adiante, no decorrer de sua célebre obra, acrescenta que “muitos imaginam repúblicas e principados que nunca foram vistos nem conhecidos realmente […]”. E completa afirmando que: “Grande é a diferença entre a maneira em que se vive e aquela

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Maquiavel e o surgimento das teorias modernas de estado e política

by Danilo Couto / 0 Comments / 7202 View / 29 de janeiro de 2014

Danilo Couto

Na abordagem que encontramos em O Príncipe, Maquiavel inaugura a ciência política. A política passa a ter contornos de uma ciência autônoma separada da moral e da religião medievais. A condição da Itália, convulsionada por crises políticas, ameaças externas e ausência de unidade nacional, influencia diretamente O Príncipe. A obra, claramente, deixa transparecer a amargura e descrença do autor em relação à condição humana. Quando a escreveu, Maquiavel desempenhava funções políticas, administrativas e diplomáticas em Florença. Tinha caído em desgraça e havia sofrido pena de prisão. A intenção da obra foi encontrar um processo que unificasse a Itália e fundasse um Estado duradouro.

Ao descrever o processo real da formação do Estado moderno, por meio do absolutismo, Maquiavel não se ocupa da moral. Trata da política e identifica as leis específicas da política enquanto ciência. Com isso, apresenta o seu principal ensinamento, que é a separação da ética e da moral aristotélica da política.

Diferentemente de Aristóteles, para Maquiavel o Estado não tem como função principal assegurar a felicidade e a virtude. Ao contrário do pensamento medieval, este Estado não é mais a preparação dos homens para o reino de Deus. O Estado passa a ter a sua própria dinâmica, faz política, segue sua técnica e faz suas leis (GRUPPI, 1986). Logo no início da obra, Maquiavel nos apresenta a sua distinção sobre a realidade efetiva da política e sobre os tipos de Estado:

“Todos os Estados, todos os governos que tiveram e têm autoridade sobre os homens são Estados: ou são repúblicas ou principados. Os principados, por sua vez, ou são hereditários, neste caso o príncipe é por descendência antiga, ou são novos” (MAQUIAVEL,1996, p. 11). Mais adiante, no decorrer de sua célebre obra, acrescenta que “muitos imaginam repúblicas e principados que nunca foram vistos nem conhecidos realmente […]”.

E completa afirmando que:

“Grande é a diferença entre a maneira em que se vive e aquela em que se deveria viver; assim, quem deixar de fazer o que é de costume para fazer o que deveria ser feito encaminha-se mais para a ruína do que para sua salvação. Porque quem quiser comportar-se em todas as circunstâncias como um homem bom vai ter que perecer entre tantos que não são bons” (MAQUIAVEL,1996, p. 43).

Estes trechos de O Príncipe têm um profundo significado para o que podemos chamar de fundação da ciência política contemporânea e da teoria da formação do Estado moderno.

Estas afirmações podem ser feitas em decorrência do seguinte:

Embora se imaginem estados ideais, eles de fato não existem, como Platão elaborou na sua “República”; Na política, devemos observar os fatos como eles são e elaborar o que se pode e é necessário fazer, e não aquilo que seria certo fazer. Portanto, é necessário conhecer o homem, a sua natureza e agir na realidade efetiva; Finalmente a política é, portanto, a arte do possível, a arte da realidade que pode ser efetivada, que atua a partir das coisas como são e não como deveriam ser. Por outro lado, o centro desta

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elaboração encontra sua genialidade na separação entre política e moral, distinguindo-se da elaboração aristotélica, pois é a moral que cuida do dever ser (CHAUÍ, 1995).

Maquiavel ainda descortina sobre o comportamento do príncipe em relação à natureza humana e à necessidade das virtudes:

“Há uma dúvida se é melhor sermos amados do que temidos, ou vice versa. Deve-se responder que gostaríamos de ter ambas as coisas, sermos amados e temidos; mas como é difícil juntar as duas coisas, se tivermos que renunciar a uma delas, é muito mais seguro sermos temidos do que amados […] pois dos homens, em geral, podemos dizer o seguinte: eles são ingratos, volúveis, simuladores e dissimuladores; eles furtam-se aos perigos e são ávidos de lucrar. Enquanto você fizer o bem para eles, são todos seus, oferecem-lhe seu próprio sangue, suas posses, suas vidas, seus filhos. Isso tudo até o momento que você não tem necessidade. Mas quando você precisar, eles viram as costas. […] Os homens têm menos escrúpulo de ofender quem se faz amar do que quem se faz temer. Pois o amor depende de uma vinculação moral que os homens, sendo malvados, rompem, mas o temor é mantido por um medo de castigo que não nos abandona nunca” (MAQUIAVEL, 1996, p. 17).

A política tem uma ética e uma lógica próprias. Maquiavel nos apresenta um novo horizonte para se pensar e fazer política, rompendo com o tradicional moralismo piedoso. A resistência a esta compreensão é o que dá origem ao termo “maquiavélico”. O preconceito sobre Maquiavel e sua obra foi fundado como resistência às suas concepções. Ao longo dos séculos, esta resistência acabou nublando a riqueza das descobertas para as ciências do Estado e da política. Na obra de Maquiavel, funda-se uma nova moral: a moral do cidadão, típico destes tempos humanistas. É o homem que edifica o Estado.

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Nicolau Maquiavel (1469-1527)“Nem quero que se repute presunção o fato de um homem de baixo e ínfimo estado discorrer e regular sobre o governo dos príncipes; pois os que desenham os contornos dos países se colocam na planície para considerar a natureza dos montes, e para considerar a das planícies ascendem aos montes, assim também para conhecer bem a natureza dos povos é necessário ser príncipe, e para conhecer a dos príncipes é necessário ser do povo.”(Dedicatória a Lorenzo de Médicis do Príncipe)

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Niccolò di Bernardo dei Machiavelli (Firenze, 3 maggio 1469 – Firenze, 21 giugno 1527) è stato uno scrittore, drammaturgo e politico italiano.Florença, séc. XV

Maquiavel por Luciano Gruppi (1920-2003), in Tudo começou com Maquiavel, as concepções do Estado em Marx, Engels, Lênin e Gramsci, ed. L&PM, Porto Alegre, 1980.O texto original desta tradução com o título: La concezione dello Stato (A concepção do Estado) está disponível online no link: http://digilander.libero.it/lucianogruppi/concezionedellostato/la_concezione_dello_stato.html

Maquiavel, ao refletir sobre a realidade da sua época, elaborou não uma teoria do Estado moderno, mas sim uma teoria de como se formam os Estados, de como na verdade se constitui o Estado moderno. Isso é o começo da ciência política; ou, se quisermos, da teoria e da técnica da política entendida como uma disciplina autônoma, separada da moral e da religião.O Estado, para Maquiavel, não tem mais a função de assegurar a felicidade e a virtude, segundo afirmava Aristóteles. Também não é mais – como para os pensadores da Idade Média – uma preparação dos homens ao Reino de Deus. Para Maquiavel o Estado passa a ter suas próprias características, faz política, segue sua técnica e suas próprias leis. Logo no começo de O Príncipe, Maquiavel escreve: “Como minha finalidade é a de escrever coisa útil para quem entender, julguei mais conveniente acompanhar a realidade efetiva do que a imaginação sobre esta”. Trata-se já da linha do pensamento experimental, na mesma senda de Leonardo da Vinci: as coisas como elas são, a realidade política e social como ela é, a verdade efetiva.Maquiavel acrescenta: “Muitos imaginam repúblicas e principados que nunca foram vistos nem conhecidos realmente”, isto é, muitos imaginam Estados ideais, que no entanto não existem, tais como a República de Platão. “Pois é grande a diferença entre a maneira em que se vive e aquela em que se deveria viver; assim, quem deixa de fazer o que é de costume para fazer o que deveria ser feito encaminha-se mais para a ruína do que para sua salvação. Porque quem quiser comportar-se em todas as circunstâncias como um homem bom vai ter que perecer entre tantos que não são bons”.Isso significa que devemos estudar as coisas como elas são e devemos observar o que se pode e é necessário fazer, não aquilo que seria certo fazer; pois quem quiser ser bom entre os maus fica arruinado. Enfim, é necessário levar em consideração a natureza do homem e atuar na realidade efetiva.Dessa forma, Maquiavel retoma aqui um tema que já foi de Aristóteles: a política é a arte do possível, é a arte da realidade que pode ser efetivada, a qual leva em conta como as coisas estão e não como elas deveriam estar. Existe aqui uma distinção nítida entre política e moral, pois esta última é que se ocupa do que “deveria ser”.A política leva em consideração uma natureza dos homens que, para Maquiavel, é imutável: assim a história teria altos e baixos, mas seria sempre a mesma, da mesma forma que a técnica política (o que não corresponde à verdade).

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Maquiavel afirma: “Há uma dúvida se é melhor sermos amados do que temidos, ou vice-versa. Deve-se responder que gostaríamos de ter ambas as coisas, sermos amados e temidos; mas, como é difícil juntar as duas coisas, se tivermos que renunciar a uma delas, é muito mais seguro sermos temidos do que amados… pois dos homens, em geral, podemos dizer o seguinte: eles são ingratos, volúveis, simuladores e dissimuladores; eles furtam-se aos perigos e são ávidos de lucrar. Enquanto você fizer o bem para eles, são todos teus, oferecem-te seu próprio sangue, suas posses, suas vidas, seus filhos. Isso tudo até o momento em que você não tem necessidade. Mas, quando você precisar, eles viram as costas”.E o príncipe que esperar gratidão por ter sido bondoso com os seus súditos, pelo contrário, será derrotado: “Os homens têm menos escrúpulo de ofender quem se faz amar do que quem se faz temer. Pois o amor depende de uma vinculação moral que os homens, sendo malvados, rompem; mas o temor é mantido por um medo de castigo que não nos abandona nunca”. Por conseguinte, deve-se estabelecermo terror; o poder do Estado, o Estado moderno, funda-se no terror.Com isso, Maquiavel contradiz profundamente o que ele próprio havia escrito nos Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio: isto é, que o poder baseia-se na democracia, no consentimento do povo, entendendo-se como povo a burguesia do seu tempo. Mas agora Maquiavel pensa na construção de um Estado unitário e moderno, portanto do Estado absoluto, e descreve o que será o processo real da formação dos Estados unitários.Maquiavel não se ocupa de moral, ele trata da política e estuda as leis específicas da política, começa a findamentar a ciência política. Na verdade – como observou Hegel e, posteriormente, fezeram-no De Sanctis e Gramsci – Maquiavel funda uma nova moral imanente, mundana, que vive no relacionamento entre os homens. Não é mais a moral da alma individual, que deveria apresentar-se ao julgamento divino “formosa” e limpa.[op.cit., p.10-11]* * *

Postado por Monica Costa Netto às 16:25 Enviar por e-mailBlogThis!Compartilhar no TwitterCompartilhar no FacebookCompartilhar com o PinterestMarcadores: Maquiavel, pensamento político, séc.XVNenhum comentário:

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a contribuiçao de maquiavel para a ciencia politica e o estado moderno

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Maquiavel“Mais de quatro séculos nos separam da época em que viveuMaquiavel. Muitos leram e comentaram sua obra, mas um númeroconsideravelmente maior de pessoas evoca seu nome ou pelo menos os termosque aí tem sua origem. “Maquiavélico e maquiavelismo” são adjetivo esubstantivo que estão tanto no discurso erudito, no debate político, quanto nafala do dia-a-dia. Seu uso estrapola o mundo da política e habita sem nenhumacerimônia o universo das relações privadas. Em qualquer de suas acepções ,porém , o maquiavelismo está associado a idéia de perfídia , a umprocedimento astucioso, velhaco, traiçoeiro. Estas expressões pejorativassobreviveram de certa forma incólumes no tempo e no espaço, apenasalastrando-se da luta política para as desavenças do cotidiano.”Assim , hoje em dia , na maioria das vezes, Maquiavel é malinterpretado. Maquiavel, ao escrever sua principal obra, O PRÍNCIPE, criouum “manual da política”,que pode ser interpretado de muitas maneiras diferentes. Talvez por isso suafrase mais famosa: -”Os fins justificam os meios”- seja tão mal interpretada.Mas para entender Maquiavel em seu real contexto, é necessário conhecer operíodo histórico em que viveu. É exatamente isso que vamos fazer.O panorama político :Maquiavel viveu durante a Renascença Italiana , o que explica boaparte das suas idéias.Na Itália do Renascimento reina grande confusão. A tirania impera empequenos principados, governados despoticamente por casas reinantes semtradição dinástica ou de direitos contestáveis. A ilegitimidade do poder gerasituações de crise instabilidade permanente, onde somente o cálculo político, aastúcia e a ação rápida e fulminante contra os adversários são capazes demanter o príncipe. Esmagar ou reduzir à impotência a oposição interna,atemorizar os súditos para evitar a subversão e realizar alianças com outrosprincipados constituem o eixo da administração. Como o poder se fundaexclusivamente em atos de força, é previsível e natural que pela força sejadeslocado, deste para aquele senhor. Nem a religião nem a tradição, nem avontade popular legitimaram e ele tem de contar exclusivamente com suaenergia criadora. A ausência de um Estado central e a extrema multipolarização do poder criam um vazio, que as mais fortes individualidadestêm capacidade para ocupar.Até 1494, graças aos esforços de Lourenço, o Magnífico, a penínsulaexperimentou uma certa tranqüilidade.Entretanto, desse ano em diante, as coisas mudaram muito. A desordem

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e a instabilidade ficaram incontroláveis. Para piorar a situação, que já estavagrave devido aos conflitos internos entre os principados, somaram-se asconstantes e desestruturadoras invasões dos países próximos como a França ea Espanha. E foi nesse cenário conturbado, onde nenhum governanteconseguia se manter no poder por um período superior a dois meses, queMaquiavel passou a sua infância e adolescência.

Vida e obraMaquiavel nasceu em Florença em 3 de maio de 1469, numa Itália“esplendorosa mas infeliz”, segundo o historiador Garin. Sua família não meraaristocrática nem rica. Seu pai , advogado como um típico renascentista, eraum estudioso das humanidades, tendo se empenhado em transmitir umaaprimorada educação clássica para seu filho. Maquiavel com 12 anos, jáescrevia no melhor estilo e, em latim.Mas apesar do brilhantismo precoce, só em 1498, com 29 anosMaquiavel exerce seu primeiro cargo na vida pública. Foi nesse ano queNicolau passou a ocupar a segunda chancelaria. Isso se deu após a deposiçãode Savonarola, acompanhado de todos os detentores de cargos importantes darepública florentina. Nessa atividade, cumpriu uma série de missões, tantofora da Itália como internamente, destacando-se sua diligência em instituiruma milícia nacional.Com a queda de soverine, em 1512, a dinastia Médici volta ao poder,desesperando Maquiavel, que é envolvido em uma conspiração, torturado edeportado. É permitido que se mude para São Cassiano, cidade pequenapróxima de Florença, onde escreve sobre a Primeira década de Tito-Lívio ,mas interrompe esse trabalho para escrever sua obra prima: O Príncipe ,segundo alguns , destinado a que se reabilitasse com os aristocratas, já que aobra era nada mais que um manual da política.Maquiavel viveu uma vida tranqüila em S. Cassiano. Pela manhã,ocupava-se com a administração da pequena propriedade onde está confinado.À tarde, jogava cartas numa hospedaria com pessoas simples do povoado. E à noite vestia roupas de cerimônia para conviver, através da leitura com pessoasilustres do passado, fato que levou algumas pessoas a considerá-lo louco.A obra de Maquiavel é toda fundamentada em sua própria experiência,seja ela com os livros dos grandes escritores que o antecederam, ou sejam osanos como segundo chanceler, ou até mesmo a sua capacidade de olhar de forae analisar o complicado governo do qual terminou fazendo parte.Enfim, em 1527, com a queda dos Médici e a restauração da república,Maquiavel que achava estarem findos os seus problemas, viu-se identificadopor jovens republicanos como alguém que tinha ligações com os tiranosdepostos. Então viu-se vencido. Esgotaram-se suas forças. Foi a gota d’águaque estava faltando. A república considerou-o seu inimigo. Desgostoso,adoece e morre em junho.Mas nem depois de morto, Maquiavel terá descanso. Foi posto no Indexpelo concílio de Trento, o que levou-o, desde então a ser objeto de excreçãodos moralistas.A nova ciência políticaMaquiavel faleceu sem ter visto realizados os ideais pelos quais se lutoudurante toda a vida. A carreira pessoal nos negócios públicos tinha sidocortada pelo meio com o retorno dos Médicis e, quando estes deixaram opoder, os cidadãos esqueceram-se dele, “um homem que a fortuna tinha feitocapaz de discorrer apenas sobre assuntos de Estado”. Também não chegou a

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ver a Itália forte e unificada.Deixou porém um valioso legado: o conjunto de idéias elaborado emcinco ou seis anos de meditação forçada pelo exílio. Talvez nem ele mesmosoubesse avaliar a importância desses pensamentos dentro do panorama maisamplo da história, pois “ especulou sempre sobre os problemas mais imediatosque se apresentavam”. Apesar disso, revolucionou a história das teoriaspolíticas, costituindo-se um marco que modificou o fato das teorias do Estadoe da sociedade não ultrapassarem os limites da especulação filosófica.O universo mental de Nicolau Maquiavel é completamente diverso. EmSão Casciano, tem plena consciência de sua originalidade e trilha um novocaminho. Deliberadamente distancia-se dos “ tratados sistemáticos daescolástica medieval” e, à semelhança dos renascentistas preocupados emfundar uma nova ciência física, rompe com o pensamento anterior, através dadefesa do método da investigação empírica. O pensamento de MaquiavelMaquiavel nunca chegou a escrever a sua frase mais famosa: “os finsjustificam os meios”. Mas com certeza ela é o melhor resumo para suamaneira de pensar. Seria praticamente impossível analisar num só trabalho ,todo o pensamento de Nicolau Maquiavel , portanto, vamos analisá-lobaseados nessa máxima tão conhecida e tão diferentemente interpretada.Ao escrever O Príncipe, Maquiavel expressa nitidamente os seussentimentos de desejo de ver uma Itália poderosa e unificada. Expressatambém a necessidade ( não só dele mas de todo o povo Italiano ) de ummonarca com pulso firme, determinado que fosse um legítimo rei e quedefendesse seu povo sem escrúpulos e nem medir esforços.Em O Príncipe, Maquiavel faz uma referência elogiosa a César Bórgia,que após ter encontrado na recém conquistada Romanha , um lugar assoladopor pilhagens , furtos e maldades de todo tipo, confia o poder a Dom Ramirode Orco. Este, por meio de uma tirania impiedosa e inflexível põe fim àanarquia e se faz detestado por toda parte. Para recuperar sua popularidade, sórestava a Bórgia suprimir seu ministro. E um dia em plena praça , no meio deCesena, mandou que o partissem ao meio. O povo por sua vez ficou , aomesmo tempo, satisfeito e chocado.Para Maquiavel , um príncipe não deve medir esforços nem hesitar,mesmo que diante da crueldade ou da trapaça, se o que estiver em jogo for aintegridade nacional e o bem do seu povo.

“ sou de parecer de que é melhor ser ousado do que prudente, pois afortuna( oportunidade) é mulher e, para conservá-la submissa, é necessário(...) contrariá-la. Vê-se , que prefere, não raramente, deixar-se vender pelosousados do que pelos que agem friamente. Por isso é sempre amiga dosjovens, visto terem eles menos respeito e mais ferocidade e subjugarem-nacom mais audácia”.Para Maquiavel, como renascentista que era, quase tudo que veio antesestava errado. Esse tudo deve incluir os pensamentos e as idéias deAristóteles. Ao contrário deste, Maquiavel não acredita que a prudência seja omelhor caminho. Para ele, a coerência está contida na arte de governar. Maquiavel procura a prática. A execução fria das observaçõesmeticulosamente analisadas, feitas sobre o Estado, a sociedade. Maquiavelsegue o espírito renascentista, inovador. Ele quer superar o medieval. Querseparar os interesses do Estado dos dogmas e interesses da igreja.Maquiavel não era o vilão que as pessoas pensam. Ele não era nemmalvado. O termo maquiavélico tem sido constantemente ml interpretado.

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“Os fins justificam os meios” .Maquiavel , ao dizer essa frase, provavelmentenão fazia idéia de quanta polêmica ela causaria. Ao dizer isso, Maquiavel nãoquis dizer que qualquer atitude é justificada dependendo do seu objetivo.Seria totalmente absurdo. O que Maquiavel quis dizer foi que os finsdeterminam os meios. É de acordo com o seu objetivo que você vai traçar osseus planos de como atingi-los.

ConclusãoAssim, a contribuição de Nicolau Maquiavel para o mundo é imensa efantástica. Maquiavel ensinou, através da sua obra , a vários políticos egovernantes. Aliás, a obra de Maquiavel entrou para sempre não só na história,como na nossa vida cotidiana atual, já que é aplicável a todos os tempos.É possível perceber que “Maquiavel, fingindo ensinar aos governantes,ensinou também ao povo”. E é por isso que até hoje, e provavelmente parasempre, ele será reconhecido como um dos maiores pensadores da história domundo.

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Maquiavel e a Razão de   Estado

O presente texto tem como intuito introduzir a noção de “razão de estado” trabalhada nas obras de Maquiavel e muito bem exposta por Isaiah Berlin em seu texto “O Problema de Maquiavel”. O texto está dividido em três partes: Introdução, na qual há breve explanação a respeito de algumas obras de Maquiavel; a “moral maquiavélica”, em que, ao invés do familiar confronto entre “moral” e “política”, Berlin propõe a perspectiva do confronto entre duas moralidades distintas, sendo uma delas a moral cristã; e, por fim, a conclusão acompanhada de reflexão acerca do tema trabalhado.

1. IntroduçãoPoucos pensadores inspiraram tantas interpretações distintas e, por vezes, antagônicas como Maquiavel o fez. Dentre as contribuições que trouxe para o entendimento da política, está sua visão de separação entre a política e a moral cristã.Maquiavel pode ser visto como um “espelho do seu tempo”, traduzindo em sua obra o cotidiano político do que viria a ser a Itália. Mais que isso, interpretações posteriores caracterizam-no de forma bastante diversa: figura cujos preceitos vinham de uma origem anti-cristã; mais um humanista angustiado com a forma com que fazia política no seu tempo; ou ainda um analista político sem qualquer compromisso com a ética ou moral.O autor Isaiah Berlin aborda essas muitas facetas de Maquiavel e propõe uma nova interpretação para sua maneira de ver e entender a política. Está claro que Maquiavel percebia o nascimento do Estado Moderno. Para tal, era necessário que as províncias adotassem postura de maior centralização política. Seu modelo ideal seria a República na qual coincidem os interesses de governantes e governados, como ele mesmo afirma no Discorsi. Entretanto, para que se alcançasse esse objetivo se fazia imprescindível a figura do príncipe.

2. A moral “maquiavélica”Maquiavel deu impulso ao que ficou conhecido como realismo político. Como ele mesmo afirma no início de O Príncipe, iria tratar da política como ela era e não como deveria ser. Por essas e outras é que foi considerado pai da “razão de Estado”. Termo que se refere à ideia de que, frente à ameaça e ponderadas todas as alternativas possíveis, é permitido ao Estado tomar as providências que considera necessárias à sua proteção ainda que desvinculadas de valores éticos e morais. Daí a famosa frase atribuída ao autor: a de que os “fins justificam os meios”.Isaiah Berlin diverge das concepções reinantes que associam os preceitos de Maquiavel à amoralidade ou imoralidade. Ao contrário, o autor dirá que Maquiavel se preocupava com a moral. Mas a moral a que recorria, não era a moral cristã. No ensaio intitulado “O Problema de Maquiavel”, ele dirá que:“(…) ao opor ‘as leis da política’ ao ‘bem e ao mal’, Maquiavel não contrasta duas esferas ‘autônomas’ de ação – a política e a moral: contrasta sua própria ética política com um outro conceito ético governando a vida das pessoas que não o interessa. De fato, rejeita uma moralidade – a moralidade cristã –, porém não a favor de algo que não é moralidade alguma mas tão somente um jogo de habilidade, uma atividade chamada política que não se preocupa com os fins humanos supremos, assim não sendo ética” (BERLIN, Isaiah. Pg.9. 1978).Ou seja, o conflito não se dá entre a moral e a política, mas entre dois tipos distintos de moralidade. Maquiavel rejeita sim a ética cristã, mas isso em favor de outro universo moral que não o cristão. Este “outro universo”:“(…) é edificado sobre a admissão da necessidade da força e astúcia sistemática dos governantes e ele (Maquiavel) parece considerar natural e nada excepcional ou moralmente torturante o emprego destas armas, quando necessário” (BERLIN, Isaiah. Pg.9. 1978).

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Dito isso, é possível afirmar que os valores de Maquiavel ainda que não sejam cristãos, são morais. A diferença é que sua moral é “social” e não “individual”. Uma moral do tipo individual gira em torno de conceitos abstratos e pessoais de “bem” e “mal”, “certo” e “errado” cuja interpretação dos fenômenos ao redor leva o indivíduo a louvar ou depreciar determinado comportamento. Uma moral social, por sua vez, trata antes do “todo social” de modo que seu foco não é o indivíduo.“Existem dois mundos: o da moral pessoal e o da organização pública. Existem dois códigos éticos, ambos supremos: não se trata de duas regiões ‘autônomas’ – a da ‘ética’ e a da ‘política’ – mas de duas alternativas exaustivas entre dois sistemas conflitantes de valores” (BERLIN, Isaiah. Pg.9. 1978).Nessa perspectiva, haverá ocasiões em que o ideal para a comunidade pode não ser ideal para o indivíduo. Maquiavel tem plena consciência disso e acredita mesmo que esse seria o “preço a se pagar” pela estabilidade e paz conquistas com a definição do território italiano, por exemplo.É extremamente importante ler Maquiavel tendo em vista o contexto no qual ele se insere. O sonho da pátria forte e bem definida é típico dos autores que se consideram realistas. E esta é a ideia moral para qual Maquiavel não acha nenhum sacrifício grande demais: “a felicidade da pátria”. Esta última, sendo algo alcançável, deve ser conquistada a todo custo. Tamanho era seu anseio por uma Itália unificada, forte e eficiente.

3. ConclusãoMaquiavel é claramente reconhecido como aquele que rejeitou os princípios da moral cristã em prol dos princípios da razão. Seus tópicos envolviam questões diversas dentre as quais se destaca a questão da unidade política e territorial. Para além dos temas familiarmente atribuídos à Maquiavel, é possível incluir também sua arguição em defesa da razão de estado. Conhecido como pai da razão de estado, este autor defende sua aplicação como fator determinante para a unidade e pacificação do território do príncipe. Mais que isso, não foi o secularismo a maior inovação de Maquiavel para o estudo da política. O processo de secularização da política, a separação da moral e da ética das questões do Estado já vinha acontecendo muito antes dele. Sua maior contribuição foi a revelação da escolha a que estavam submetidos todos os indivíduos. Este dilema insolúvel expõe a existência de fins igualmente absolutos, igualmente importantes e igualmente sagrados que se contradizem. De modo que, diante deles, uma escolha deve ser feita e, mais que isso, antes da escolha do “fim” perseguido há a escolha da moralidade a ser empregada. Esse entendimento é de extrema importância, pois ilumina o fato de que se trata de uma situação humana: característica da existência humana independentemente do tempo e do espaço.

Referências Bibliográficas:BERLIN, Isaiah. O Problema de Maquiavel. Tradução de Yvonne Jean. Documentação e atualidade política, Brasília, n. 6, p. 5-22, jan./mar. 1978.MACHIAVELLI, Niccolo. O Príncipe: Maquiavel. Brasília: Editora Universidade de Brasília 97 p.MACHIAVELLI, Niccolo. Discorsi: Comentários sobre a Primeira Década de Tito Lívio. 5.ed. Brasília: UnB, 2008. 436 p.

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A moral política segundo Maquiavel

Afirmar a política maquiavélica como algo que exclui a moral seria válido apenas a partir de uma perspectiva cristã e, efetivamente, tudo gira em torno disso: perspectivismo. De fato, se pensarmos sob o ponto de vista cristão, seria acertado dizer que o caráter político é destituído de moral. Vale salientar que, contemporaneamente a Maquiavel, vários autores escreveram diversos manuais do estilo “espelho dos príncipes”, cujo objetivo era fornecer um norteamento comportamental (ou seja, um espelho) para aquele que governa, e tais manuais se pautavam necessariamente numa moral cristã.

Rompendo com as tendências de sua época, Maquiavel choca a sociedade ao apresentar ele mesmo a sua proposta de um “espelho”, caracterizado por seguir uma moral pagã. Diante do pensamento cristão, o pensamento pagão de fato se torna algo próximo do mal, ou que é visto como um mal, mas seria um total etnocentrismo considerar que “moral” é apenas aquilo que segue princípios cristãos.

O próprio termo “moral” é auto-explicativo: a palavra vem do latim mores – “relativo aos costumes”. E, obviamente, costumes variam de época para época e de cultura para cultura, assumem valor de verdade só para depois serem substituídos. A única coisa constante no mundo é a inconstância e, deste modo, podemos afirmar que a vida efetiva da política demanda adaptabilidade, o que implica em não seguir um modelo que esteja comprometido com apenas um valor ético. Defender o modelo cristão como a única moral e definir tudo o que fugir a este modelo como não-moral não passa de etnocentrismo. Ainda que imperativos categóricos com leis morais não-relativizáveis, como o estabelecido por Kant, sejam atraentes e até mesmo belos enquanto conceitos teóricos, revelam-se pouco efetivos para a vida pública. Maquiavel demonstra, a partir de exemplos históricos, que não existe uma moral a priori no que diz respeito à administração pública, e que tudo depende das circunstâncias. Isso é, obviamente, herético a partir da visão cristã, onde há mandamentos claros a respeito de como devemos ou não nos portar. Entretanto, que fique claro que Maquiavel não nega a moral cristã, ao menos não para a esfera privada, para o indivíduo. Pessoas, enquanto indivíduos e na esfera privada, devem se nortear por princípios de bondade, compaixão, compromisso com a verdade, etc. Tal coisa não é negada por Maquiavel. O príncipe (governante), todavia, ao observar processos históricos, sendo realista, percebe que, se agir o tempo inteiro com bondade, compaixão e for sempre verdadeiro, será destruído. Não se trata de uma verdade criada por Maquiavel, mas de uma verdade observada por ele.

A vida política e o homem público, segundo Maquiavel, não deveriam buscar externamente a própria moralidade, seja em imperativos, seja em livros sagrados ou em tábuas de mandamentos. A política é autonormativa, justificando seus meios em prol de um bem maior, que é a estabilidade do Estado. E o príncipe, não sendo indiferente ao bem e ao mal, e ainda que valorize os princípios morais cristãos, compreende que o que para o indivíduo particular é ruim (como a mentira, por exemplo), é fundamental para o funcionamento da política. Afinal, a relação entre a moral e a política só se sustenta a partir do que é efetivo, e não a partir do que é afetivo: as realidades de fato, e não belos e espirituais conceitos abstratos. A esfera política é, gostemos ou não, relativista: o que para nós individualmente é definido como vício ou virtude, na política assume roupagem de vício benéfico e virtude perniciosa.

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A Ética para Maquiavel

A ética em Maquiavel se contrapõe a ética cristã herdada por ele da Idade Média. Para a ética cristã, as atitudes dos governantes e os Estados em si estavam subordinados a uma lei superior e a vida humana destinava-se à salvação da alma. Com Maquiavel a finalidade das ações dos governantes passa a ser a manutenção da pátria e o bem geral da comunidade, não o próprio, de forma que uma atitude não pode ser chamada de boa ou má a não ser sob uma perspectiva histórica. A teoria de Maquiavel torna-se interessante por não ter vínculos éticos, morais e religiosos, ele mesmo apóia hora o bem, hora o mal e diz que a conduta do príncipe deve ser de acordo com a situação.

Reside aí um ponto de crítica ao pensamento maquiavélico, pois com essa justificativa, o Estado pode praticar todo tipo de violência, seja aos seus cidadãos, seja a outros Estados. Ao mesmo tempo, o julgamento posterior de uma atitude que parecia boa, pode mostrá-la mau.

É que Maquiavel representa, melhor que ninguém, o rompimento com um modo medieval de ver a política como extensão da moral.

Ele arranca máscaras. Mostra como de fato agiam, agem e devem agir os que desejam conquistar o poder ou simplesmente mantê-lo.Isso é insuportável para os bem-pensantes. Acaba com a justificação religiosa para o poder político. Exibe a nudez das relações de poder entre os homens.

Ele faz uma distinção clara entre o plano Público e o plano Privado. O Público é a política, onde se pode fazer tudo para alcançar a vontade geral do povo, da coletividade. O plano Privado refere-se à questão ética, que nada deve interferir nas questões do Estado, pois "Os fins justificam os meios", quer dizer, o Príncipe deve ser amoral no exercício da sua atividade e na manutenção desta.

No entanto, na sociedade atual, Público e Privado se confundem. E mais: a ética está intrínseca na política. Não há política decente sem ética. Como representantes da vontade geral, deve-se pautar de caráter e atitudes éticos e morais para que haja legitimidade na atividade em evidência. A partir do momento em que a Ética, como propõe Maquiavel, não exista no plano público, a legitimidade perante a sociedade correrá sério risco. Haverá dúvidas sobre as atitudes do governante sempre que ele não justificar de forma moralista e convincente as mesmas. Então, nos dias atuais tentar separar a ética da Política é algo impossível.

Aplicações na política e no Marketing

Para Maquiavel todos os estados que existem ou existiram foram repúblicas ou monarquias. Para fazermos uma aplicação pratica da obra em nossos dias é necessário assumir que Príncipe no sentido que é usada no título e ao longo da obra de Maquiavel não tem o significado que usualmente lhe é atribuído em nossos dias. Príncipe é o principal cidadão do estado, é o seu governante. Para nós hoje, Príncipe é todo aquele que conquistou, de alguma forma, autoridade legítima sobre outros seres humanos, ou seja, é todo aquele que detém o poder executivo.

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Na época de Maquiavel havia uma valorização do homem, foi um período de renascimento, de inovação de valor atribuído para cada ser. Contudo, podemos perceber a relação do marketing com o período de que falava Maquiavel, por exemplo a idéia de inovar algo, se colocarmos nos dias atuais as empresas buscam produtos inovadores, algo novo, queremos colocar o cliente em primeiro lugar, fazer campanhas de marketing voltada para o cliente, para sua valorização, para sua satisfação.

Podemos ver o Príncipe como um líder, ou seja, como um gestor de uma organização em nossos dias, um líder capaz de revolucionar dependendo de suas estratégias aplicadas. O marketing do poder não dispõe de uma fórmula mágica, ou uma chave capaz de abrir todas as portas. A relação entre política e marketing na obra de Maquiavel estão inter- ligadas. Maquiavel deixar bem claro que o Príncipe é um lider e o mesmo tem que conquistar a cada dia a afeição de seus liderados, em nenhuma hipótese deixar de mostrar autoridade e espirito de liderança. Aproximar os seus inimigos de si e torna-los fieis para a batalha, que em nossos dias é a concorrência entre mercados, aplicando estratégias de marketing para aniquilar a concorrência, e assim, criar algo único e inovador.

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Maquiavel e o nascimento da políticaSalvar • 1 comentário • Imprimir • Reportar

Publicado por Marcio Morena - 1 ano atrás3

O pensador político mais original e influente foi, sem sombra de dúvidas, o florentino Nicolau Maquiavel (1469-1527), autor de um dos maiores clássicos da teoria política de todos os tempos, “O Príncipe”, escrito em 1513, e publicado posteriormente, em 1532.

Dada a sua relevância, como se pode imaginar, muitos foram os pontos de vista dos estudiosos sobre a sua obra política. Alguns se esforçaram em mostrar que ele não fez mais do que descrever o funcionamento dos Estados reais, outros deixaram claro que ele separou a Política da Ética, mas, de uma forma generalizada, há que se concordar que o grande feito de Maquiavel foi propugnar pelo abandono dos parâmetros morais do universo político, o que implicou na volta a um estado de competição regulado unicamente pelo desejo da conquista.

Maquiavel viveu em um período de total falta de estabilidade política. A Itália, tal como a concebemos política e geograficamente nos dias de hoje, não existia, encontrando-se fragmentada em principados e repúblicas onde cada um possuía sua própria milícia, o que gerava constantes disputas internas e a hostilidades.

Nessa época, Maquiavel ocupava a segunda chancelaria do governo, cargo que o permitiu adquirir grande experiência política, observando as práticas de seus contemporâneos, pois essa função o obrigava a desempenhar inúmeras missões diplomáticas na França, Alemanha e nos diversos Estados italianos.

Maquiavel tem então a oportunidade de entrar em contato direto com reis, papas e nobres, e também com César Bórgia, quem ele considera o modelo de príncipe que a Itália precisava para ser unificada. Como resultado dessa experiência, duas obras foram concebidas, a já citada “O Princípe”, e os seus “Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio”. A primeira tratando da política militante, ao passo que a segunda aborda a teoria política.

O Princípe tem provocado inúmeras interpretações e controvérsias. Uma leitura mais superficial nos oferece uma visão de defesa do absolutismo e do mais completo imoralismo, o que, inclusive, levou à criação do mito do “maquiavelismo” que tem atravessado séculos.

Vale lembrar que na linguagem popular, chamamos pejorativamente de “maquiavélico” àquele indivíduo sem escrúpulos, traiçoeiro, astucioso que, para atingir seus fins, usa da mentira e da má-fé, sendo capaz de enganar tão sutilmente que pode fazer-nos pensar que agimos livremente quando, na verdade, estamos sendo manipulados.

Como expressão dessa amoralidade, costuma-se atribuir a Maquiavel a famosa máxima: “Os fins justificam os meios”. Trata-se de uma interpretação extremamente simplista e deformadora do pensamento maquiaveliano. Para superá-la, é preciso analisar com mais profundidade o impacto das inovações do seu pensamento político.

Contrapondo-se à análise pejorativa do maquiavelismo, Rousseau, no século XVIII, trouxe à luz

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uma nova interpretação de O Príncipe, afirmando tratar-se de uma sátira, sendo que a verdadeira intenção de Maquiavel seria a de desmascarar as práticas despóticas, ensinando ao povo como se defender dos tiranos. Modernamente rejeita-se essa visão romântica de Rousseau.

Na sua obra, em um primeiro momento, representado pela ação do príncipe, Maquiavel ensina como o poder deve ser conquistado e mantido, justificando o poder absoluto. Posteriormente, alcançada a estabilidade, afirma como é possível e desejável a instalação do governo republicano.

É curioso notar que algumas idéias democráticas aparecem veladamente em sua obra, destacando-se o capítulo IX, no qual Maquiavel se refere à necessidade de o governante ter o apoio do povo, o que é sempre mais aconselhável do que ter o apoio dos grandes, pois estes podem ser traiçoeiros.

Para descrever a ação do príncipe, Maquiavel usa as expressões italianas “virtù” e “fortuna”. “Virtù” significa virtude, no sentido grego de força, valor, qualidade de lutador e guerreiro viril. Homens de “virtù” são homens especiais, capazes de realizar grandes obras e provocar mudanças na história. No entanto, é preciso frisar que não se trata do príncipe virtuoso no sentido medieval, de bom e justo, agindo segundo os preceitos da moral cristã, mas daquele que tem a capacidade de perceber o jogo de forças que caracteriza a política, para poder agir com a energia necessária para conquistar e manter o poder.

A “fortuna” seria, então, a ocasião, o acaso. O príncipe não pode deixar escapar a “fortuna”, isto é, a oportunidade. De nada adiantaria um príncipe virtuoso, se não soubesse ser precavido ou ousado; se ele não soubesse aguardar a ocasião propícia, aproveitando o acaso ou a sorte das circunstâncias, como observador atento do curso da história.

A grande novidade do pensamento maquiaveliano está na reavaliação das relações entre ética e política. Por um lado, Maquiavel apresenta uma moral laica, secular, de base naturalista, diferente da moral cristã. Por outro, estabelece a autonomia da política, negando a anterioridade das questões morais na avaliação da ação política.

Para a moral cristã, há valores espirituais superiores aos políticos, além do que o bem comum da cidade deve subordinar-se ao bem supremo da salvação da alma. A nova ética analisa as ações não mais em função de uma hierarquia de valores dada “a priori”, mas sim em vista das consequências dos resultados da ação política. Não se trata de um amoralismo, mas de uma nova moral centrada nos critérios da avaliação do que é útil à comunidade.

O critério para definir o que é moral é o bem da comunidade e, nesse sentido, às vezes é legítimo o recurso ao mal, ou seja, o emprego da força coercitiva do Estado, a guerra, a prática da espionagem, o emprego da violência, etc. Daí Maquiavel fazer uma distinção entre o bom governante, que é forçado pela necessidade de usar da violência visando ao bem coletivo, e o tirano, que age por capricho ou interesse próprio.

O pensamento de Maquiavel nos leva à reflexão sobre a situação dramática e ambivalente do homem de ação. Se o indivíduo aplicar de forma inflexível o código moral que rege sua vida pessoal à vida política, sem dúvida colherá fracassos sucessivos, tornando-se um político incompetente.

Tal afirmação pode nos levar a considerar, em um primeiro momento, que Maquiavel estaria defendendo o político imoral, os corruptos e os tiranos. Mas não se trata disso. A leitura maquiaveliana sugere a superação dos escrúpulos imobilistas da moral individual, mas não rejeita a moral própria da ação política., afinal, sobre o homem de Estado devem pesar a pressão e a responsabilidade dos interesses coletivos.

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O governante, de fato, não terá direito de tomar uma decisão que envolva o bem-estar ou a segurança da comunidade, levando em conta tão-somente as exigências da moral privada. Casos haverá em que terá o dever de violá-la para defender as instituições que representa ou garantir a própria sobrevivência da nação. (ESCOREL, 1979, p. 104).

Isso significa que a avaliação moral não deve ser feita antes da ação política, segundo normas gerais e abstratas, mas a partir de uma situação específica que é avaliada em função do seu resultado, já que toda ação política visa à sobrevivência do grupo, e não apenas de indivíduos isolados. Por isso Maquiavel não pode ser considerado um cínico apologista da violência.

O que ele enfatiza é que os critérios da ética política precisam ser revistos conforme as circunstâncias, e sempre tendo em vista os fins coletivos. No entanto, vale lembrar que o pensamento de Maquiavel tem um sentido próprio, na medida em que ele expressa uma tendência fundamental da sua época, ou seja, a defesa do Estado absoluto e a valorização da política secular, não atrelada à religião.

Embora Maquiavel não tivesse usado o conceito de “razão de Estado”, é com ele que se começa a esboçar a doutrina que vigorará no século seguinte, quando o governante absoluto, em circunstâncias críticas e extremamente graves, a ela recorre, permitindo-se violar normas jurídicas, morais, políticas e econômicas.

Maquiavel é considerado o fundador da Ciência Política porque subverte a abordagem tradicional da teoria política feita pelos gregos e medievais. Pode-se dizer que a sua política é realista, pois procura a verdade efetiva, ou seja, como o homem age de fato.

As observações das ações dos homens do seu tempo e seus estudos dos antigos, sobretudo da Roma Antiga, levam-no à constatação de que os homens sempre agiram pelas vias da corrupção e da violência. Partindo do pressuposto de que a natureza humana é capaz do mal e do erro, Maquiavel analisa a ação política sem preocupar-se em ocultar “o que se faz e não se costuma dizer”.

A esse realismo alia-se a tendência utilitarista pela qual Maquiavel pretende desenvolver uma teoria voltada para a ação política eficaz e imediata. A Ciência Política só tem sentido se propiciar o melhor exercício da arte política. Maquiavel torna a política autônoma porque a desvincula da ética e da religião, procurando examiná-la em sua própria especificidade.

Em suma, Maquiavel procede à secularização da política, rejeitando o legado ético-cristão. Além de desvinculação a política da religião, a sua ética se distingue da moral privada, pois acredita que a ação política deve ser julgada a partir das circunstâncias vividas, tendo em vista os resultados alcançados na busca do bem comum.

Ao distanciar-se da política normativa dos gregos e medievais, Maquiavel não busca mais as normas que definem o “bom regime”, nem explicita quais devem ser as virtudes do bom governante. Nessa nova perspectiva, para fazer política, acredita ser preciso que o governante compreenda o sistema de forças existentes e calcule a alteração do equilíbrio provocada pela interferência de sua própria ação no sistema político estabelecido.

Referência bibliográfica:

ESCOREL, Lauro. Introdução ao pensamento político de Maquiavel. Brasília: UnB, 1979.

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Ética na Política? Da sagrada ingenuidade dos céticos ao realismo maquiavélico

Até que ponto a política é compatível com a ética? A política pode ser eficiente se incorporar a ética? Não seria puro moralismo exigir que a política considere os valores éticos?

Quando se trata da relação entre ética e política não há respostas fáceis. Há mesmo quem considere que esta é uma falsa questão, em outras palavras, que ética e política são como a água e o vinho: não se misturam. Quem pensa assim, adota uma postura que nega qualquer vínculo da política com a moral: os fins justificam os meios.

O ‘realismo político’, ou seja, a busca de resultados a qualquer preço, subtrai os atos políticos à qualquer avaliação moral, entendendo esta como restrita à vida privada, dissociando o indivíduo do coletivo.

Esta concepção sobre a relação ética e política desconsidera que a moral também é um fator social e como tal não pode se restringir ao santuário da consciência dos indivíduos. Em outras palavras, embora a moral se manifeste pelo comportamento do indivíduo, ela expressa uma exigência da sociedade (um exemplo disso é a adoção dos diversos "códigos de ética"). Ou seja, não leva em conta que a política nega ou afirma certa moral e que, em última instância, a política também é avaliada pelo comportamento e entendimento moral das pessoas. Aliás, se a política almeja legitimidade não pode, entre outros fatores, dispensar o consenso dos cidadãos — o que pressupõe o apelo à moral.

Há também os que, ingenuamente ou não, adotam critérios moralizantes para julgar os atos políticos. Por conseguinte, condicionam a política à pureza abstrata reservada ao ‘sagrado’ espaço da consciência individual. Estes imaginam poder realizar a política apenas pelos meios puros.

O moralismo abstrato concentra a atenção na esfera da vida privada, do indivíduo. Portanto, aprisiona a política à moral intimista e subjetiva deste. Ao centrar a atenção na esfera individual, o moralista julga o governante tão-somente por suas virtudes e vícios, enfatizando suas esperanças na transformação moral dos indivíduos.

Ao agir assim reduz um problema de teor social e coletivo a um problema individual. No limite, chega à conclusão de que as questões sociais podem ser solucionadas se convencermos os indivíduos isoladamente a contribuírem, por exemplo, dividindo sua riqueza como os desafortunados.

O resultado é catastrófico: o moralista angustia-se porque a política não se enquadra nos seus valores morais individuais e termina por renunciar à própria ação política. Dessa forma, contribui objetivamente para que prevaleça outra política.

De um lado o ‘realismo político’; de outro, o moralismo absoluto. Nem tanto mar, nem tanto terra. A política e a moral, embora expressem esferas de ação e de comportamento humano específicas e distintas, são igualmente importantes para a ação humana no sentido da transformação social.

Política e moral são formas de comportamento que não se identificam (a primeira enfatiza o coletivo; a segunda o indivíduo). Nem a política pode absorver a moral, nem esta pode ser reduzida

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à política. Embora sejam esferas diferentes, há a necessidade de uma relação mútua que não anule as características particulares de cada uma. Portanto, nem a renúncia à política em nome da moral; nem a exclusão absoluta da política.

Mas, ainda fica a pergunta inicial: é possível a ética na política? Para uma resposta mais abrangente é preciso analisar as diferenças entre ética e moral (conceitos que usamos de forma indistinta).

Ética e moral

Em nosso cotidiano enfrentamos problemas morais e éticos. Por exemplo: devo cumprir a promessa que fiz ao meu amigo, embora venha a perceber que fazê-lo me causará prejuízos? Sempre devo dizer a verdade ou há ocasiões em que a mentira não apenas se faz necessária como será benéfica ao meu interlocutor? Devo persistir numa ação que moralmente é valorada como boa, mas cujas conseqüências práticas são extremamente prejudicais a outrem? Se cumpro ordens posso ser julgado do ponto de vista moral? Se meu amigo colabora com o inimigo devo denunciá-lo?

A questão ética é, portanto, uma questão prática que extrapola a política — no sentido restrito da política institucional. É interessante como se exige ética na política e, muitas vezes, no âmbito da vida privada, procedemos de forma anti-ética. Aliás, determinados casos políticos onde se alardeia a exigência da ética, nada tem a ver com esta: são, em suma, meros casos de polícia.

Esta relação direta com a realidade dos indivíduos contribui para o entendimento comum que assemelha ética à moral e toma uma pela outra. Um bom exemplo desta confusão conceitual está na expressão já consolidada no vocabulário as diversas profissões: os códigos de ética. Na verdade são normas, regras procedimentos, que configuram, digamos, um código de moral. Observemos que mesmos os partidos políticos têm os seus códigos de ética!

Ética tem origem no grego ethos, que significa modo de ser. A palavra moral vem do latim mos ou mores, ou seja, costume ou costumes. A primeira é uma ciência sobre o comportamento moral dos homens em sociedade e está relacionada à Filosofia, isto é, pergunta-se sobre a fundamentação última das questões. Sua função é a mesma de qualquer teoria: explicar, esclarecer ou investigar uma determinada realidade, elaborando os conceitos correspondentes. A segunda, como define o filósofo VÁZQUEZ (1992), expressa "um conjunto de normas, aceitas livre e conscientemente, que regulam o comportamento individual dos homens".

O campo da ética é diferente da moral: enquanto tal não lhe cabe formular juízo valorativo, mas sim explicar as razões e proporcionar a reflexão. A moral pressupõe regras de ação e imperativos materializados em realidades históricas concretas. A moral antecede à própria ética, é normativa e se manifesta concretamente nas diferentes sociedades enquanto resposta às suas necessidades. Sua função consiste precisamente me regulamentar as relações entre os indivíduos e entre estes e a comunidade, contribuindo para a estabilidade da ordem social.

A moral não é natural. Pelo contrário, resulta da ação do homem enquanto ser social, histórico e prático. Como fato histórico, a moral corresponde aos diversos estágios da evolução da humanidade. A ética acompanha este desenvolvimento sem se reduzir à moral. No entanto, ambas se confundem porque a ética parte de situações concretas, isto é, dos fatos e conseqüentemente da existência da moral.

Explicitado as relações e diferenças entre ética e moral, retomemos o fio da meada: é possível a ética na política? Se seguirmos o itinerário da política, dos gregos à modernidade, verificaremos que não há resposta simples nem única. De um lado, a exigência da ética enquanto componente da política expressa o desejo da sua moralização. Como a moral é essencialmente uma forma de

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comportamento relacionada com a consciência individual, seus critérios chocam-se com a esfera da política enquanto atividade coletiva. A política pressupõe ainda confrontos e conflitos entre interesses de grupos opostos e antagônicos, o que potencializa ainda mais o choque com os imperativos morais do indivíduo.

Na política não é apenas o interesse individual que está em jogo, mas também os interesses de grupos e coletivos expressados pelas ações dos indivíduos. É verdade que muitas vezes aquilo que aparece como algo pertinente à coletividade, de fato mascara o interesse pessoal e carreirista do político que pede seu voto e que faz o discurso do bem comum.

Mas, mesmo este político está preso aos interesses dos grupos que financiam sua eleição e, de certa forma, precisa mediatizar seu interesse egoísta com aquele do grupo social do qual faz parte ou do qual depende financeiramente para dar vôos políticos mais altos. Além do mais, nem que se resuma à mera retórica, ele necessita aparentar ser o que não é: um defensor dos anseios coletivos, do bem-estar social da coletividade.

Por outro lado, a moralização da política recoloca uma antiga problemática: a relação entre o público e o privado. Foram os gregos na antigüidade que inventaram o espaço da política enquanto expressão da vontade coletiva, isto é, enquanto esfera da ação humana que submete a vontade arbitrária e privada do poder pessoal do governante às instituições públicas. Dessa forma, cunharam a distinção entre a autoridade pública — expressão do coletivo — e autoridade privada — identificada com o déspota, o chefe de família. A condição da política é justamente a ausência do despotismo.

Os fins justificam os meios?

Com Maquiavel a política atinge a maioridade e é concebida enquanto esfera autônoma da vida social. A política deixa de ser pensada a partir da ética e da religião. Neste sentido, Maquiavel representa uma dupla ruptura: com os clássicos da antiguidade greco-romana e com os valores cristãos medievais. A política deixa de ser pensada apenas no contexto da filosofia e se constitui enquanto um campo de estudo independente, com regras e dinâmica livres de considerações privadas, morais, filosóficas ou religiosas.

Em Maquiavel, a política identifica-se com o espaço do poder, enquanto atividade que na qual se assenta a existência coletiva e que tem prioridade sobre as demais esferas da vida humana. A política funde-se com a realidade objetiva, com os problemas concretos das relações entre os homens: deixa de ser prescritiva — em torno de uma abstração moral e ideal — e passa a ser vista como uma técnica, com leis próprias, atinente ao cotidiano dos indivíduos.

Para Maquiavel a política deve se preocupar com as coisas como são, em toda sua crueza, e não com as coisas como deveriam ser, com todo o moralismo que lhe é subjacente. Ao libertar a política da moral religiosa, Maquiavel explicitou seu caráter terreno e transformou-a em algo passível de ser assimilado pelos comuns dos mortais.

Isto teve um preço. Não por acaso seu nome virou adjetivo de coisa má. Maquiavelismo virou sinônimo de uma prática política desprovida de moral e de boa fé, um procedimento astucioso e velhaco. De fato, o florentino nada mais fez do que demonstrar a hipocrisia da moral da sua época, isto é, mostrar como, por trás de uma moralidade que justificava a dominação dos senhores feudais e da senhora feudal, a Igreja Católica, a política era cruel e friamente praticada através de meios nada cristãos: traições, assassinatos, guerras etc.

A política explicitada e descrita em sua obra com dezenas de exemplos retirados da história mais se

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assemelha ao inferno dantesco do que ao paraíso prometido aos pobres camponeses, desde é claro, que eles se conformassem com a exploração e a situação de miséria em que viviam. Ontem como hoje a recompensa ao conformismo está no pós-morte, no além.

Maquiavel não introduziu as práticas amorais na política. A despeito de toda a moralidade, o ‘maquiavelismo’ que lhe imputam já se fazia presente antes dele escrever sua obra mais polêmica: O Príncipe. Quem ler este livro sem levar em consideração e estudar minuciosamente o contexto histórico no qual ele escreveu, não aprenderá nem fará justiça ao seu autor.

Com Maquiavel cai por terra a falácia da política enquanto busca da justiça, do bem comum etc. A fraseologia cristã-medieval fundada na moral religiosa mascara o fundamento da política e do Estado: a manutenção do poder político em torno das classes dirigentes em cada época histórica. Conquistar e manter o poder: eis em síntese a finalidade essencial da política. É neste sentido que Maquiavel cunha sua famosa e mais polêmica frase: "Os fins justificam os meios”.

Muito já foi dito e escrito sobre esta assertiva. E ela permanece atual. Em primeiro lugar, é difícil não reconhecer que há uma relação entre fins e meios. Como diria um revolucionário russo: "É preciso semear um grão de trigo se se quiser obter uma espiga de trigo".

Há uma relação dialética entre fins e meios, no sentido de que há uma interdependência entre ambos. O problema é o que a afirmação maquiaveliana encerra em si: o que se pode e o que não se pode fazer para atingir determinado fim? Se o fim é justo, todos os meios justificam-se?

Esta questão não pode ser satisfatoriamente respondida sem equacionarmos outra que se coloca a priori: o que justifica o fim? Ora, a realidade social na qual vivemos está longe de assemelhar-se ao paraíso ou à harmonia positivista da ordem e progresso. A ordem se mantém a ferro e fogo, isto é, a partir da ocultação ideológica das relações e mecanismos de exploração e pelo uso do aparato repressivo estatal, sempre que se faz necessário.

Por outro lado, este século, se pensarmos filosoficamente e não apenas do ponto de vista tecnológico, enterrou a ilusão positivista — mas também iluminista e a leitura evolucionista marxista — de que a humanidade marcharia sempre numa direção progressista. Duas guerras mundiais, o nazismo, o fascismo, o stalinismo, as ditaduras de esquerda e de direita etc., negam qualquer idéia no sentido de uma evolução linear positiva.

Mesmo de um ponto de vista essencialmente capitalista, o progresso é um fracasso pois que toda a riqueza produzida com o desenvolvimento tecnológico está concentrada cada vez mais em mãos de poucos, aumentando o fosso entre ricos e pobres — e não precisa ser marxista para verificar que a miséria aumenta no mundo, que a desigualdade cresce e que as mazelas sociais atingem até mesmo os países mais poderosos.

Assim, a questão dos fins está relacionada à questão política-social. Porém, se entendemos a política enquanto conflitos de interesses entre grupos e classes sociais, a justificação dos fins diz respeito às opções que fazemos quanto ao projeto político. Evidentemente adotar uma ou outra opção justificará este ou aquele fim. Numa sociedade onde impera a desigualdade e as relações de dominação e exploração entre as classes e grupos sociais, os fins não são universais, como também não o é a moral.

Justificado o fim pelo projeto social que assumimos, podemos então discutir se os fins justificam os meios. Há uma tradição, que começa com o próprio Maquiavel, que responde afirmativamente (quanto a este é preciso esclarecer que ele se refere ao Estado e não aos procedimentos morais individuais). Se pensarmos na ação política concreta seria ingenuidade, própria de um moralismo

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abstrato desligado de contextos históricos concretos, imaginarmos que tanto a direita quanto a esquerda não justificou os meios utilizados pelo fim perseguido.

Esta análise nos coloca diante de problemas concretos. Partindo do pressuposto que os fins buscados são diferentes, pode a direita e a esquerda utilizar os mesmos meios? Quem luta pela liberdade pode usar recursos ditatoriais, repressivos? Quem respeita a vida humana pode adotar procedimentos de tortura assassinatos etc., em nome do objetivo político? O que diferencia uma ditadura de esquerda de outra de direita? O terrorista que luta pela liberdade de seu país justifica os meios que utiliza e que, invariavelmente, vitima inocentes?

Os fins justificam os meios, é verdade. Mas apenas na medida em que estes meios não entram em contradição com os fins almejados. Quer dizer, nem tudo é permitido! Só é aceitável aquilo que contribui para que se atinja o fim e que não represente a negação deste. Toda a experiência do ‘socialismo real’ expressa a comprovação histórica de que não basta proclamar certos fins — por mais justos que sejam — é preciso encontrar os meios adequados.

Não se constrói uma nova sociedade utilizando-se os mesmos recursos predominantes na velha estrutura social. Os marinheiros de Kronstadt, os camponeses da Ucrânia e os trabalhadores oprimidos por um Estado e um partido que governou ditatorialmente em seu nome que o digam. Neste caso, os fins já são outros e muito diferentes dos enunciados. Dialeticamente, os meios também mudaram e justificam-se pelos fins ora em pauta. Maquiavel tinha razão...

A moral política segundo Maquiavel – parte 2

Avaliando as estatísticas do blog, dei-me conta de que o post mais acessado é, disparado, um post bem sucinto e antigo que escrevi quando ainda era estudante de Filosofia, sobre a moral política em Maquiavel. Na época, eu usava o blog meio como rascunho das minhas redações, e postava tudo apenas para alguns colegas lerem. Deste modo, o que eu escrevi antes é o resumo do resumo da extensa e profunda obra de Nicolau Maquiavel.

Como se trata de um post muito acessado, resolvi escrever mais sobre o assunto. Acho que o tema está bombando em decorrência das irritações do povo com a política.

Vamos lá:

Em O Príncipe, Maquiavel insiste [particularmente no capítulo XV] que a utilidade e o poder de convencimento de seus escritos encontram-se no fato de ele procurar “a verdade efetiva das coisas” e não ater-se em modelos ideais de política.

A ação política, conforme sustenta Maquiavel em sua obra, demanda inicialmente considerar que a moral seguida pelo cidadão em sua vida privada não é necessariamente a mesma que o homem público deve seguir ao administrar um Estado, pois o que a realidade efetiva demonstra é que se um dito governante seguir um modelo ideal de comportamento pautado numa moral a priori, encontrará fatalmente a sua derrocada por ter se congelado num ideal moral não-adaptável às circunstâncias. Se Maquiavel se refere à moral cristã como algo que inviabiliza a eficácia do governante, não é porque se trata da moral cristã, e sim pelo fato de se tratar de um congelamento do governante em qualquer modelo moral. Porque do mesmo modo, por exemplo, se um governante seguir um modelo moral em que o que importa é a crueldade e a tirania, fracassará tanto quanto um outro que porventura se fixasse na idéia de ser compassivo e bondoso. A ação política, assim sendo, é como uma constante dança de vários passos e vários estilos, em que o governante parte dos fatos para

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elaborar seu comportamento, evitando apegar-se a um modelo teórico como sendo seu norteador. Entretanto, vale salientar que a ação política, pelo menos na época de Maquiavel, demandava que o governante ao menos aparentasse seguir um modelo moral cristão e virtuoso (“virtuoso” num sentido cristão pois a virtù para Maquiavel é outra coisa, conforme sustentaremos na quarta questão deste exame), pois a aparência é importante na ação política.

A ação política visa a estabilidade do Estado e, por isso, deve se valer do que for necessário para garantir esta meta, segundo Maquiavel. Para isso, o príncipe deve ser ao mesmo tempo amado e temido, pois, se for apenas amado, não será respeitado; e, se for apenas temido, gerará ressentimento na população. A arte da política é, portanto, a arte de estar atento às oportunidades e constitui tolice submeter as práticas do Estado às normas que regem e sustentam a moral individual.

Quando Maquiavel sustenta a necessidade da eventual ação cruel no ato político, ele também pondera que tal crueldade deve ser sempre justificada, e jamais norteada por interesses pessoais. Toda ação política deve estar concentrada na estabilidade do Estado. Quando popularmente se diz que “os fins justificam os meios”, atribuindo-se esta fala a Maquiavel como sendo a síntese do ato político segundo este autor, cometemos um equívoco interpretativo, pois retiramos a frase de seu contexto e, ainda por cima, nos valemos de um excerto da frase que, em seu sentido original e completo, afirma que os tais “fins” são a estabilidade do Estado. Não é, deste modo, qualquer “fim”, e sim um fim específico: o governo. A ação política, portanto, é aquela que age no interesse do Estado, e não no interesse de um sujeito.A frase correta seria, portanto, os fins justificam os meios em prol do bem maior. Se no atual cenário alguns políticos acham que os fins justificam os meios em prol do bem deles próprios, é porque lhes faltou um mínimo de entendimento de que agir assim, quando se é uma pessoa pública, é o caminho mais rápido para a autodestruição.

É através do método da investigação empírica que Maquiavel desenvolve suas teorias a respeito da verdade efetiva da vida política. No que tange a tal processo investigativo, Maquiavel assume metaforicamente as qualidades de um camaleão, mimetizando-se em diferentes contextos de realidade com a finalidade de compreender melhor as coisas públicas: durante o período vespertino, jogava cartas com as pessoas simples da cidade; à noite, vestia-se finamente para melhor conviver com pessoas ilustres, de classes mais abastadas. Poderíamos definir as atitudes de Maquiavel como um aude sapere, ou “ousar provar”, no sentido de que “sabor” e “saber” são termos correlatos: para saber, é preciso provar, experimentar o sabor. Trata-se de um “saber com gosto de carne e sangue”, parafraseando o filósofo romeno Emile Cioran, para definir um conhecimento que se estabelece sorvendo da vida até sua última gota, bebendo de seu doce e de seu amargo e, assim, evitando-se seqüestrar pelo teórico, pelo abstrato ou pelo ideal. Mas o autor de “O Príncipe” vai muito além do simples ato de se misturar a diferentes níveis de realidade em sua própria cultura: a metodologia maquiavélica prima pela capacidade de, ao invés de se submeter a uma prisão umbilical que o levaria a abordar as coisas a partir do seu particular contexto de realidade espacial-temporal, romper com isso, projetando-se para outras culturas e outras épocas, com a finalidade de buscar exemplos históricos que lhe permitiram compreender uma verdade efetiva (eventualmente dura, mas real), em contraponto a uma verdade afetiva – sempre bela, todavia infuncional para a vida pública. Neste sentido, é interessante observar que um dos mais revolucionários atos da metodologia de Maquiavel foi o fato dele ter se aberto ao estrangeiro, no sentido de ousar ir além dos limites de sua própria cultura, a fim de melhor compreender a ciência política. Tais exemplos históricos e multiculturais explorados por Maquiavel ao longo dos capítulos de “O Príncipe” demonstram que há verdades efetivas para a vida política, e que tais verdades não se pautam em modelos ideais de comportamento, mas numa moral que nem sempre é cristã, ainda que, para funcionar, precise parecer cristã, ao menos para o contexto no qual ele, o autor, viveu (similar ao que vivemos, num sentido de ainda estabelecermos a moral cristã como “correta”). A verdade efetiva das coisas na política, segundo Maquiavel, elaborada a partir das investigações dos fatos, demonstra o quanto a política é uma ciência autônoma e independente de sistemas éticos fechados. Ao contrário: a

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política, para ser funcional, precisa ser um sistema sempre aberto, que considera atitudes a partir das conveniências de um dado momento. Todos os pressupostos maquiavélicos, portanto, são fatos históricos e exemplos práticos, permitindo-lhe retirar a verdade da observação dos fatos, e não de um pressuposto teórico. Estes pressupostos maquiavélicos demonstram, não apenas através dos exemplos de sucessos dos estadistas, mas também e principalmente dos exemplos dos fracassos, que a história humana se repete e que é tolice ignorar tal verdade.

Num próximo post, tentarei explicar dois conceitos básicos da obra de Maquiavel: virtù e fortuna.

Maquiavel e o pensamento político.

Maquiavel (1469-1527) é um dos mais originais pensadores do renascimento, uma figura brilhante mas também algo trágica. Durante os séculos XVI e XVII, o seu nome será sinónimo de crueldade, e em Inglaterra o seu nome tornou ainda mais popular o diminutivo Nick para nomear o diabo, não havendo pensador mais odiado nem mais incompreendido do que Maquiavel. A fonte deste engano é o seu mais influente e lido tratado sobre o governo, O Príncipe, um pequeno livro que tentou criar um método de conquista e manutenção do poder político.

A vida de Maquiavel cobriu o período de maior esplendor cultural de Florença, assim como o do seu rápido declínio. Este período, marcado pela instabilidade política, pela guerra, pelo intriga, e pelo desenvolvimento cultural dos pequenos estados italianos, assim como dos Estados da Igreja, caracterizou-se pela integração das rivalidades italianas no conflito mais vasto entre a França e a Espanha pela hegemonia europeia, que preencherá a última parte do século XV e a primeira metade do século XVI. De facto, a vida de Maquiavel começou no princípio deste processo - em 1469,

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quando Fernando e Isabel, os reis católicos, ao casarem unificaram as coroas de Aragão e Castela, dando origem à monarquia Espanhola.

Maquiavel era filho de um influente advogado florentino, e durante a sua vida viu florescer a cultura e o poder político de Florença, sob a direcção política de Lourenço de Médicis, o Magnífico. Veria também o crepúsculo do poder da cidade quando o filho de Lourenço e seu sucessor, Piero de Médicis, foi expulso pelo monge dominicano Savonarola, que criou uma verdadeira República Florentina. Quando Savonarola, um fanático defensor da reforma da Igreja, foi também ele expulso do poder e queimado, uma segunda república foi fundada por Soderini em 1498. Maquiavel foi secretário desta nova república, com uma posição importante e distinta. A república, entretanto, foi esmagada em 1512 pelos espanhóis que instalaram de novo os Médicis como governantes de Florença.

Maquiavel parece não ter tido uma posição política clara. Quando os Médicis retomaram o governo, continuou a trabalhar incansavelmente para cair nas boas graças da família. O que prova que, ou era extraordinariamente ambicioso, ou acreditava de facto no serviço do estado, não lhe importando o grupo ou o partido político que detinha as rédeas do governo. Os Médicis, de qualquer maneira, nunca confiaram inteiramente nele, já que tinha sido um funcionário importante da república. Feito prisioneiro, torturaram-no em 1513 acabando por ser banido para a sua propriedade em San Casciano, mas esta actuação dos Médicis não o impediu de tentar novamente ganhar as boas graças da família. Foi durante o seu exílio em San Casciano, quando tentava desesperadamente regressar à vida pública, que escreveu as suas principais obras: Os discursos sobre a primeira década de Tito Lívio, O Príncipe, A História de Florença, e duas peças. Muitas destas obras, como O Príncipe, foram escritas com a finalidade expressa de conseguir uma nomeação para o governo dos Médicis.

A extraordinária novidade, tanto dos Discursos como do Príncipe, foi a separação da política da ética. A tradição ocidental, exactamente como a tradição chinesa, ligava tanto a ciência como a actividade política à ética. Aristóteles tinha resumido esta posição quando definiu a política como uma mera extensão da ética. A tradição ocidental, via a política em termos claros, de certo e errado, justo e injusto, correcto e incorrecto, e assim por diante. Por isso, os termos morais usados para avaliar as acções humanas eram os termos empregues para avaliar as acções políticas.

Maquiavel foi o primeiro a discutir a política e os fenómenos sociais nos seus próprios termos sem recurso à ética ou à jurisprudência. De facto pode-se considerar Maquiavel como o primeiro pensador ocidental de relevo a aplicar o método científico de Aristóteles e de Averróis à política. Fê-lo observando os fenómenos políticos, e lendo tudo o que se tinha escrito sobre o assunto, e descrevendo os sistemas políticos nos seus próprios termos. Para Maquiavel, a política era uma única coisa: conquistar e manter o poder ou a autoridade. Tudo o resto - a religião, a moral, etc. -- que era associado à política nada tinha a ver com este aspecto fundamental - tirando os casos em que a moral e a religião ajudassem à conquista e à manutenção do poder. A única coisa que verdadeiramente interessa para a conquista e a manutenção do poder manter é ser calculista; o político bem sucedido sabe o que fazer ou o que dizer em cada situação.

Com base neste princípio, Maquiavel descreveu no Príncipe única e simplesmente os meios pelos quais alguns indivíduos tentaram conquistar o poder e mantê-lo. A maioria dos exemplos que deu são falhanços. De facto, o livro está cheio de momentos intensos, já que a qualquer momento, se um governante não calculou bem uma determinada acção, o poder e a autoridade que cultivou tão assiduamente fogem-lhe de um momento para o outro. O mundo social e político do Príncipe é completamente imprevisível, sendo que só a mente mais calculista pode superar esta volatilidade.

Maquiavel, tanto no Príncipe como nos Discursos, só tece elogios aos vencedores. Por esta razão, mostra admiração por figuras como os Papa Alexandre VI e Júlio II devido ao seu extraordinário

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sucesso militar e político, sendo eles odiados universalmente em toda a Europa como papas ímpios. A sua recusa em permitir que princípios éticos interferissem na sua teoria política marcou-o durante todo o Renascimento, e posteriormente, como um tipo de anti-Cristo, como mostram as muitas obras com títulos que incluíam o nome anti-Maquiavel. Em capítulos como «De que modo os príncipes devem cumprir a sua palavra» (cap. XVIII) Maquiavel afirma que todo o julgamento moral deve ser secundário na conquista, consolidação e manutenção do poder. A resposta à pergunta formulada mais acima, por exemplo, é que:

«Todos concordam que é muito louvável um príncipe respeitar a sua palavra e viver com integridade, sem astúcias nem embustes. Contudo, a experiência do nosso tempo mostra-nos que se tornaram grandes príncipes que não ligaram muita importância à fé dada e que souberam cativar, pela manha, o espírito dos homens e, no fim, ultrapassar aqueles que se basearam na lealdade».

Pode ajudar na compreensão de Maquiavel imaginar que não está a falar sobre o estado em termos éticos mas sim em termos cirúrgicos. É que Maquiavel acreditava que a situação italiana era desesperada e que o estado Florentino estava em perigo. Em vez de responder ao problema de um ponto de vista ético, Maquiavel preocupou-se genuinamente em curar o estado para o tornar mais forte. Por exemplo, ao falar sobre os povos revoltados, Maquiavel não apresenta um argumento ético, mas cirúrgico: «os povos revoltados devem ser amputados antes que infectem o estado inteiro.»

O único valor claro na obra de Maquiavel é a virtú (virtus em Latim), que é relacionado normalmente com «virtude». Mas de facto, Maquiavel utiliza-a mais no sentido latino de «viril», já que os indivíduos com virtú são definidos fundamentalmente pela sua capacidade de impor a sua vontade em situações difíceis. Fazem isto numa combinação de carácter, força, e cálculo. Numa das passagens mais famosas do Príncipe, Maquiavel descreve qual é a maneira mais apropriada para responder a volatilidade do mundo, ou à Fortuna, comparando-a a uma mulher: «la fortuna é donna». Maquiavel refere-se à tradição do amor cortesão, onde a mulher que constitui o objecto do desejo é abordada, cortejada e implorada. O príncipe ideal para Maquiavel não corteja nem implora a Fortuna, mas ao abordá-la agarra-a virilmente e faz dela o que quer. Esta passagem, já escandalosa na época, representa uma tradução clara da ideia renascentista do potencial humano aplicado à política. É que, de acordo com Pico della Mirandola, se um ser humano podia transformar-se no que quisesse, então devia ser possível a um indivíduo de carácter forte pôr ordem no caos da vida política.

O pensamento de Maquiavel segundo ofilósofo ALEMÃO Eric Voegelin

Tábua das Matérias:

1. Circunstâncias históricas e biográficas2. O trauma de 14943. A Tradição Italiana

3.1. Collucio Salutati 3.2. A Historiografia Humanística

4. O Horizonte Asiático

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4.1. Poggio Bracciolini (1380-1459) 4.2. A Vita Tamerlani

5. Vita di Castruccio Castracani6. Discorsi sopra la prima deca di Tito Livio, 1513-15227. O Príncipe8. Conclusão

1. Circunstâncias históricas e biográficas

Maquiavel permanece ensombrado pela condenação como autor de uma obra famosa, publicada postumamente com um título dado pelo editor, e na qual é hábito destacar o conselho de que, em política, os fins justificam os meios. Esta caricatura é agravada pela sua reputação de figura isolada e monstro imoral. Maquiavel nasceu em 1469, sendo secretário da Signoria de Florença desde 1498 até à restauração de Giuliano de Médici, em 1512. A sua mais notável actuação foi criar uma milícia popular. O interlúdio republicano levou-o ao estudo da política: o conhecimento das regras de acção forneceria a chave de êxito. Aos 43 anos iniciou a redacção dos livros que o tornaram conhecido, Storie Florentine, Discorsi sopra la prima deca di Tito Livio, Vita de Castruccio Castracani, Il Principe. Mas vida e obra separam-se aqui porquanto o pensador que emergiu destas obras pouco tem a ver com o político apagado que foi e o eventual pensador cínico que poderia ter sido. O seu contemporâneo Francesco Guicciardini, nascido em 1483, partilhava um idêntico republicanismo e pessimismo desprezivo da natureza humana, também levou a cabo uma análise desapaixonada da vida política mas não teorizou a política. Pelo contrário: aceitava o fluxo histórico sem distanciamento espiritual. Foi mais "cínico" que Maquiavel até porque, apesar de convicções em contrário, serviu o Papa e os Médici. Considerava que a estrita racionalidade da política de poder não deve ser perturbada por motivações de ordem espiritual ou moral. A luta quotidiana pelo poder, na acção diplomática e militar, não deixam espaço para o sonho. E é este homem que nas suas observações sobre os Discorsi (...) descreve Maquiavel como um entusiasta, um pouco irrealista e optimista.

2. O trauma de 1494

Maquiavel tratou os novos problemas de política de poder num nível especulativo. Sabia que a desintegração da Cristandade em Igreja e Estados nacionais afectara a ordem temporal e espiritual do Ocidente. Desintegração significa literalmente quebra do sentido do todo espiritual e implicava uma obsessão pelas jurisdições legais, pela insistência em direitos e pela procura de interesses pessoais e institucionais. Autores ex-conciliaristas, como Cesarini, Piccolomini e Cusa, acabaram por concordar que uma só cabeça deveria assumir a representação efectiva dos interesses da Igreja para que esta não desaparecesse devido à paralisia parlamentar ou às divisões nacionais; tornaram-se monarquioptantes. No campo temporal, verificou-se idêntica concentração da função representativa do monarca nos processos de unificação da França, Espanha, Portugal e Inglaterra.

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Em Itália, a evolução foi muito diferente. O sistema político italiano no séc. XV assentava na balança de poder entre cinco estados: Nápoles, Florença e Milão equilibravam o poder de Igreja e Veneza. As desinteligências periódicas nesta aliança eram colmatadas, até Ludovico Sforza apelar à intervenção francesa. Em 1494 Carlos VIII, rei de França, invade a Itália e inicia um período multissecular de ocupação estrangeira. Piero de Médici é expulso de Florença pelo regime republicano. Os invasores franceses, espanhóis e alemães reduziram à impotência a mais civilizada área europeia. E, facto traumático, a invasão não resultava de desequilíbrio económico, revolução social ou defesa de princípios religiosos ou políticos. Era um caso puro de vitória de um poder militar superior sobre outro pior equipado. Maquiavel partilha a experiência desta geração que assiste à destruição da ordem pelo poder bruto. Para quem sofre este trauma, a moralidade deixa de contar em política. O moralista é visto como o oportunista que se aproveita do status quo para manter os outros em lugares inferiores; é preferível descrever a realidade imoral do que tentar encobrir a imoralidade do poder. A teoria política deve concentrar-se na racionalidade da acção política e na organização militar. A resposta política seria a criação de um poder nacional italiano. A resposta militar seria a criação de uma milícia nacional, patriota e republicana, que se opusesse com êxito à artilharia francesa e à infantaria suíça que destruíam as fortalezas e a cavalaria italiana. Mas esta visão, obcecada por uma realidade parcial, acabava por distorcer os próprios acontecimentos. A experiência de Maquiavel é traumática porque o cega para o facto de que o mistério do poder não ocupa toda a política nem esgota a natureza humana.

3. A Tradição Italiana

As diversas fontes de Maquiavel estão pouco divulgadas. Em primeiro lugar, a própria tradição institucional do poder eclesiástico, em particular a pacificação e unificação dos Estados da Igreja levada a cabo pelo cardeal Albornoz. As Constitutiones Egidianae, promulgadas no Parlamento de Fano em 1357 e apenas abolidas em 1816, organizavam os Estados da Igreja como um senhorio temporal da Santa Sé. Transformaram uma sociedade de poderes feudais numa instituição centralizada, com a divisão dos Estados em províncias dirigidas por reitores e podestás, sobre os quais pendiam múltiplas limitações que obrigavam à rápida circulação dos dirigentes: não podiam exercer no local de origem, tinham cargos limitados a seis meses, eram reelegíveis apenas passados dois anos e eram impedidos de fazer coligações.

3.1. Collucio Salutati.

Chanceler de Florença desde 1375, Salutati procura na sua obra De Tyranno de 1400 retirar o estigma de tirania ao governo puramente secular. Remove a Christianitas como atitude legitimadora da acção política. Abandona as considerações teológicas; trata o estado como realidade autónoma e isola a esfera da política secular de contextos mais amplos. Considera que César não era um tirano mas sim um salvador da pátria que pôs fim à guerra civil e cujo principado se tornara inevitável face ao fraccionamento do poder, entre o senado, os equites e a plebe.

3.2. A Historiografia Humanística.

Na sequência de Salutati, surgem outros chanceleres humanistas, tais como Leonardo Bruni, Poggio Bracciolini, Benedetto de Accolti e Bartolomeo della Scala. Apresentam uma história oficial a fim de prestigiar o estado e impressionar o estrangeiro. Seguem Tito Lívio como modelo, concentrando-se na descrição de guerras e revoluções, excluindo outros factores. Dramatizam o indivíduo como

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centro da acção. Secularizam totalmente os problemas políticos e rompem com a visão cristã da história: nada de Providência nem de especulação sobre as quatro monarquias de Daniel. Tratam o Cristianismo como inexistente. O Papa é um príncipe territorial. Há estadistas e chefes militares. A vantagem nacional é único critério de acção política. Fazem propostas num ambiente secular anti-religioso e os juízos que emitem não são afectados pelas preferências pessoais. Mas o ambiente que retratam é muito mais histórico que o esboçado por Maquiavel.

4. O Horizonte Asiático

O Ocidente lembra-se ciclicamente que vive na sombra da Ásia. A cadeia de acontecimentos que se inicia com a unificação da China por Ch'in Shi Huang Ti em 221 A.C., e a consequente concentração e derrota do império Hiungnu a norte da Grande Muralha da China, leva essas populações nómadas a migrarem para Ocidente, empurrando tribos germânicas à sua frente, uma história posta em lenda nos Niebelungenlied. Em 451, os Hunos são detidos em Châlons. Agostinho começa a escrever a Cidade de Deus em 410, após Alarico saquear Roma e conclui a obra em 431, com os Vândalos às portas de Hipona. A invasão dos asiáticos Magiares no séc.X é quebrada em Lechfeld, 955. Nova expansão surge com o império Mongol no séc. XIII. Apesar da vitória em Liegnitz, 1241, a morte de Ogudai conduz as hordas mongóis a interromper a progressão. Datam de então as embaixadas a Karakorum e relatos de viagens como o Itinerarium de Rubruck, a Historia Mongolorum de Piano Carpini e as missões de Saint-Quentin e Ascelino. Os documentos diplomáticos mostram ao Ocidente as ordens de Deus que legitimavam a expansão mongol com o princípio "No céu há Deus o eterno; na terra Gengiscão é único e supremo senhor". A partir dos finais do século XIV, a vaga dos turcos otomanos atinge a Europa em 1354, em 1453 conquista Constantinopla e em 1520 alcança Viena. Os choques com os Mongóis de Tamerlão não quebra o processo de expansão, prosseguido por Maomé I. Trata-se de uma cadeia de acontecimentos de escala mundial sem precedentes. Tamerlão representava uma erupção de poder bruto com altos e baixos, o homem do destino, o príncipe conquistador retratado em inúmeras Vita Tamerlani. Desaparecido o perigo turco no século XVIII, surgiu a imagem da Rússia como ameaça ao Ocidente, descrita por Napoleão e Donoso Cortés.

4.1. Poggio Bracciolini (1380-1459).

Poggio Bracciolini, chanceler e historiador de Florença foi o primeiro a ocupar-se da Vida de Tamerlão. A propósito da questão tipicamente humanística do valor relativo de armas e letras, não se decide sobre qual concede maior fama; afirma, porém, que o esquecimento das enormes vitórias e conquistas de Tamerlão mostra que mais facilmente as letras alcançam a fama a quem as cultivar assiduamente do que os feitos sem historiador. (Poggii Florentini Oratoris et Philosophi Opera, Basileia, 1538.) Tal como outros humanistas, também Poggio tentava persuadir os príncipes de que os respectivas feitos deveriam ser incorporados na memória da humanidade, através de trabalhos historiográficos bens pagos. Os materiais estavam disponíveis, como bem sabia Eneias Silvio Piccolomini ao dirigir-se a D.João II de Portugal, propondo-se celebrar as navegações. E afinal, Poggio lembrava-se bem de Tamerlão e não era o único a preocupar-se com a fama, um substituto atraente perante a dissolução da preocupação Cristã com o destino da alma.

A salvação eterna estava a ser paulatinamente substituida, desde o séc. XIII, pelo sentimento intramundano que atribui um significado imanente à existência humana. (Jakob Burckhardt, A Cultura do Renascimento na Itália, Parte II, cap.3). Num aspecto, a salvação pela fama assemelha-se à salvação pela graça; muitos são os chamados, poucos os escolhidos. O humanista pode

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imortalizar-se a si próprio. Mas o homem de estado e o grande capitão precisam dos bons ofícios de um historiador. Ademais, o domínio da acção é governado pela fortuna que favorece uns, fortuna secunda, e destrói outros, fortuna adversa. Nesta concepção renascentista da fama e da fortuna existe uma certa dignidade pagã que irá desaparecer com o impacto da sociedade competitiva pós-Reforma. No séc. XIX, a tensão entre o destino e o valor estará reduzido à atitude totalmente plebeia da sobrevivência dos mais aptos e que o sobrevivente é o melhor: O vencedor plebeu não deseja a sombra da fortuna; quer vencer por mérito próprio e exclusivo. No séc. XX surge a inclassificável postura de que "nothing succeeds like success": ao optimismo brutal dos colectivistas e materialistas de esquerda segue-se o optimismo hipócrita do materialismo de direita que ignora as vítimas. A adoração do sucesso faz coincidir as duas dimensões da acção - a dimensão do poder que leva à vitória e à derrota e a dimensão dos valores do bem e do mal. - e o fluxo da acção torna-se progressivo. Poggio, tal como Maquiavel, ainda admite uma tensão entre fortuna e virtù. Mas o seu pessimismo dará lugar ao idealismo dos renascentistas os quais, ao liquidarem a tensão entre fortuna e valor, existência e espírito, sapam as bases existenciais do Cristianismo.

Apesar de fraquezas humanistas e da proposta de auto-salvação pelas Letras, Poggio não é um megalómano; apenas está fascinado pela realidade do poder no seu tempo. Experimenta a sensação paradoxal de um homem que anda à caça de manuscritos antigos, a ponto de trapacear livreiros e praticamente roubar obras, mas que, simultaneamente, está saturado com a Antiguidade. A glória que foram Roma e Grécia já passaram; agora é preciso cantar a nova idade: "Eu não sou daqueles cuja memória do passado fê-los esquecer o presente". Mas onde situa ele grandeza do presente ? Não nas desordens europeias, nem na paralisia dos concílios nem na desintegração da Cristandade. Está nas conquistas de Tamerlão, o asiático, que ultrapassam tudo o que se viu. Ao menos na grandeza da miséria, a época presente é superior à Antiguidade. Portanto, porque razão não lançar luz sobre os novos feitos e contar a história do nosso tempo ?

Esta ironia de Poggio é um sintoma da visão pessimista de que a civilização pode ser abafada pelo poder. Poggio era um humanista e conhecia os clássicos; sabia que a velha luta entre a Europa e a Ásia ressurgia num Tamerlão que ocupa a posição de Xerxes e numa Europa que não tem Atenas, nem Esparta nem Macedónia. A sua descrição de Tamerlão será, em breve, superada por outras mais requintadas mas tem o interesse de ser a primeira feita com o objectivo de provar que a época presente é pelo menos tão grandiosa quanto a Antiguidade. Emerge assim a imagem de um novo tipo de herói, conquistador e destruidor, que saqueia e erige monumentos. Cidades, povos e humanidade são a sua argamassa. E numa idade em que o significado do poder e da política começa a ficar reduzido à auto-expressão individual, Poggio escreve o primeiro espelho do novo tipo de príncipe. Perante este fundo demoníaco de poder, o Príncipe de Maquiavel propôe uma aura mística de salvação nacional.

4.2. A Vita Tamerlani.

Após o ensaio de Poggio, outros autores acrescentaram detalhes à vida de Tamerlão, até que Eneias Silvio Piccolomini (1405-1464), Papa Pio II desde 1458, fixou o padrão biográfico. Tamerlão teria sido de origem humilde. Afirmou-se entre o seu povo. Conquistou a Transoxiana e a Anatólia. Venceu o sultão otomano Bajazeto em Ankara. Disciplinou um exército especializado em cercos. Conquistou a Síria e o Egipto. Ficou conhecido pelo terror e pela crueldade. Enriqueceu Samarkanda e considerou-se a si próprio como um flagelo, Ira Dei, comparável a Aníbal. O que nos aparece hoje como uma falsificação da história foi, na época, uma tentativa de modelar materiais históricos para construir um tipo ideal, uma imagem mítica. Tamerlão veio do nada e arrastou povos inteiros, descritos na clássica parada de nomes de cidades destruídas. O resultado é um quadro da grandeza terrífica do poder pelo poder. A ideia de uma força bruta que irrompia do nada, tornava-se aliciante para o secularismo humanista. Era reforçada pelas comparações clássicas com Aníbal e Xerxes, com a luta da Ásia contra a Europa. Tratava-se, afinal, da tentativa de sondar o mistério do

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poder mediante a criação de uma imagem mítica para além do bem e do mal.

5. Vita di Castruccio Castracani

Na obra, Vita di Castruccio Castracani (1281-1328), senhor e duque de Lucca, Maquiavel segue o padrão da Vida de Tamerlão para transmitir un grandissimo exemplo, o mito do herói político cuja criação de ordem social manifesta uma força para além do bem e do mal. A ênfase na crueldade de Castruccio sugere que a ordem política depende de um poder intramundano. Os materiais históricos são deformados de modo a criar a imagem de um fundador de um stato, mas cuja virtú foi frustrada pela fortuna. A fortuna procede como quer; é ela, não a prudenza, que confere a grandeza. E contudo, diferentemente do que Maquiavel escreve, Castruccio não era um esposito, uma criança abandonada, mas um descendente de aristocratas de Lucca; não era solteiro pois casou e teve filhos; era um pro-vigário imperial, não propriamente um patriota; Enfim, as teorias militares de Castruccio coincidem estranhamente com as de Maquiavel.

6. Discorsi sopra la prima deca di Tito Livio 1513-1522

Os Discorsi tratam da fundação, organização, expansão e restauração da República Romana, com uma sistematização que deixa muito a desejar. A sequência de tópicos é muitas vezes associativa: muitos surgem a despropósito, outros são demasiado longos, tomando mesmo a forma de digressão como o capítulo III,6 sobre as conspirações. O Livro I trata da fundação de Roma, o Livro II dos meios militares de expansão, e o Livro III de como restaurar uma cidade corrompida. Os problemas são tratados como discussão de exemplos históricos e extraidos principalmente dos Anais de Tito Lívio. A história de Roma é o modelo de todas as histórias das repúblicas italianas. Ao invés do que fizera Salutati, César volta a ser apresentado como tirano e Bruto o herói, precursor do príncipe que irá restaurar Roma. Obra de um uomo buono preocupado com a sua pátria, o livro é dedicado aos giovani, como os Alemanni, Buondelmonti, Filippo dei Neri e Jacopo Nardi que se reuniam nos jardins de Cosimo Rucellai e aos quais Maquiavel lia os Discorsi e a Arte della Guerra. Alguns deles participaram na conspiração de 1522 contra os Médici, tendo Luigi Alemanni sido executado.

Entre os princípios para o estudo da política, o primeiro trata da legitimidade de reflectir no presente à luz do passado. Maquiavel não era um cientista mas também não fragmentava a história numa sequência de acções individuais. Não recorre a uma psicologia de prazer e dor, de auto-interesse ou de materialismo das paixões. O homem tem de ser integrado na natureza e na história e estas revelam a constância das paixões humanas. A vantagem de estudar a história da Antiguidade Romana é que esta oferece um ciclo completo de acontecimentos:"Perchè tutte le cose del mondo, in ogni tempo, hanno il proprio riscontro com gli antichi tempi". Se nos queremos orientar numa época de crise, temos de comparar antiche e moderne cose para mostrar o paradigma antigo e apontar para as possibilidades de imitação moderna. Retém de Políbio a descrição do início da existência dos homens como animais isolados e que depois se associam e escolhem os mais fortes para governantes. (Discorsi, I, 2) Este grupo de nobres cria leis para ditar os comportamentos correctos e castigar os réprobos. Estabelecida a legalidade, são os mais prudentes e justos que ascendem ao poder; depois desta forma inicial electiva se ter transformado em monarquia hereditária, começa um ciclo político com males inevitáveis. A unidade política mais abrangente é o

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politeion anakyklosis, a revolução cíclica das formas políticas, determinada pela physeos oikonomia, a ordem da natureza, exposta por Políbio em Histórias, VI, 9, 10. Um regime começa pela forma monárquica, passa por tirania aristocracia, oligarquia, democracia e degeneração permissiva que dará lugar a nova monarquia. Este é o círculo da república. Quando a república degenera, o cerchio pode recomeçar mas, mais frequentemente, é conquistada por vizinhos. Será sábio o legislador que souber equilibrar estas forças.

Até aqui, nada há de de original. O Livro II resume a história da sociedade como uma ordem no cosmos, um todo político, religioso e civilizacional. É o mito da natureza que deixa liberdade à acção restauradora do homem. As acções de fundação e restauração manifestam a força cósmica do indivíduo; e é essa força que é a substância da ordem. E embora os meios devam estar ao serviço dos fins, estes fins só são valiosos se forem manifestações da virtude ordenadora. A ética de Maquiavel tem de ser compreendida à luz deste mito do herói e da virtú. O amor Dei cristão desapareceu mas não foi substituído pelo amor sui; não é o vontade de poder que comanda a acção. O conspirador é importante porque se rebela contra o tirano que confunde a sua ambição com a principesca virtù. As repúblicas são corpi misti, seres naturais mas não organismos, corpos compostos por homens que vivem na tensão entre o interesse próprio e o interesse comum. Os desejos e a insaciedade levam-nos a criticar o presente, louvar o passado e desejar o futuro. E é deste material humano que são feitas as nações. Também Roma teve começos pouco auspiciosos, e rara é a sociedade como Esparta que possui um sábio legislador como Licurgo. O segredo do êxito Romano foi o regime misto. Rómulo fundou em Roma uma comunidade viva (um vivere civile) matando o irmão e consentindo no assassinato do co-regente. Parece um mau exemplo. Mas é regola generale que uma república só será bem ordenada se a ordem resultar do plano e da mente de um único indivíduo que pense no bem comum. O facto acusa, o êxito desculpa. A violência usada para a construção não é repreensível. A multidão não pode governar; mas o poder deve retornar ao povo após a morte do indivíduo extraordinário. Vem depois, o que se considera o elemento central da ética de Maquiavel, a sua tábua de valores. Os homens mais excelentes são os fundadores de religiões; seguem-se os fundadores de repúblicas e reinos, os grandes capitães, os homens de letras e os que têm outras ocupações. Os Infames são os destruidores de religiões, e os que são inimigos do povo, da virtude, das letras e das artes, os ímpios, os violentos, os ignorantes, os incapazes, os lisonjeiros e os malvados. (Discorsi, I, 10)

Maquiavel segue a lição polibiana de que a força de Roma residia na sua religiosidade. Onde só houver só virtù sem o culto de Deus, desaparece a república. (Sobre a deisidaimonia em Políbio cf. Histórias, VI, 56, 7). Mas o reverso do reconhecimento da religião como a força mais importante de uma cidade, é a avaliação maquiavélica do Cristianismo. A miséria da Itália seria causada pelo Cristianismo degenerado e pela Cúria Pontifícia, cujas armas impedem a unidade de Itália e cujo luxo corrompe os italianos. A posição de Maquiavel, que morreu confortado pelos últimos sacramentos, não é simples. O Cristianismo mostra-nos a verdade e o caminho da salvação e, por consequência, diminui a nossa estima pela honra mundana; l'onore del mondo era para o pagão a honra suprema. A religião antiga beatificava apenas homens gloriosos, enquanto a nossa religião apenas exalta os humildes e os contemplativos. O Cristianismo valoriza a humildade e a renúncia e despreza a humanidade; os antigos valorizavam a grandeza de alma, a força e glória. O Cristão prefere sofrer o mal do que infligi-lo. Mas Maquiavel admite que tenha sido a má interpretação do Cristianismo que causou a decadência e a menor liberdade dos modernos, subservientes da inacção (ozio) e esquecidos da virtude. O Cristianismo já teria morrido há muito, sem a acção de homens como S. Francisco e S. Domingos e sem a imitação da Vida de Cristo pelas Ordens mendicantes, que deram novo alento à Igreja comprometida pela corrupção dos prelados. A propósito do povo de Florença que se deixou persuadir de que Savonarola falava com Deus, escreve Maquiavel: "Não pretendo julgar se é verdade ou falso; porque de tal homem apenas se pode falar com reverência". Por outro lado, o Cristianismo permite a exaltação e a defesa nacionais e pretende mesmo que honremos e estimemos o país natal; a expansão romana, pelo contrário, quebrou a liberdade dos

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reinos que conquistava.(Discorsi, II, 2). Resta, esperar por uma reforma da religião (rinovazione) e um novo começo.(Discorsi, III, 1).

Bastam estes elementos para delinear o sistema filosófico de Maquiavel. No centro, uma metafísica da força cósmica que se manifesta em todos os seres, inclusive os estados. A natureza é a ordem total da existência humana na comunidade religiosa e na civilização histórica. As sociedades nascem através da virtù dos grandes indivíduos; a virtù gera tranquilidade, que gera lazer, que gera desordem, que gera ruína; da ruína nasce a ordem, da ordem nasce a virtù; e desta nasce a boa fortuna, que gera a fama. A estabilidade da ordem assenta num laço religiosos: o pensamento de Maquiavel jamais degenera numa apologia do poder. A tradição ética estabelece a tábua de valores religiosos, morais, civilizacionais e ocupacionais. A virtù não se confunde com a vontade de poder. Mas - e Maquiavel debatia-se com esta objecção - a metafísica da força cósmica e o mito da virtude só fazem sentido enquanto o onore del mondo não foi substituído pela visão beatífica de Deus como o bem supremo. Já não vivemos na Antiguidade, reconhece Maquiavel; mas a sua consciência fecha-se ao facto histórico do Cristianismo e oscila entre invectivas, à maneira de Nietzsche, e atitudes de respeito também Nietzschianas. O mito pagão morreu; Maquiavel não é um Cristão nem quer fundar uma nova religião; espera uma reforma que, aliás, chegou, no ano em que completou O Príncipe.

Apesar das hesitações, Maquiavel não era um pessimista. Se uma república morrer, a virtù passará para outros povos; "Quando considero como vai o mundo, acho que que tudo tem sido sempre igual e sempre houve tanto bem como mal; mas o bem e o mal variam de país para país". O mundo e a história não chegaram ao fim, só porque a Itália entrou em decadência. (Introdução ao Livro II). As calamidades históricas podem até ser um estímulo para explorar as possibilidades de retorno às origens. A história mostra como era necessário Roma ser invadida pelos Gauleses para depois reagir. A tarefa do presente é recobrar nova vida e nova virtude. A tarefa é renascer. E o homem de letras, que nem por virtù nem por fortuna pode ser o herói salvador, dedicar-se-á à evocação do príncipe libertador.

7. O Príncipe

Em 10 de Dezembro de 1513 quando se encontrava no exílio em San Casciano, perto de Florença, escrevia Maquiavel ao seu amigo Francesco Vettori o que fazia ao regressar à noite a casa, após mais um sórdido dia:

"Debaixo da porta, deixo o que trago vestido e cheio de lama e de lodo e envergo vestes régias. Vestido com garbo, entro na companhia dos antigos e aí sou recebido com gentileza e partilho do alimento que é verdadeiramente meu e para o qual nasci. Não me assusto de falar com eles e de lhes pedir as razões dos seus actos; e eles, por humanidade, respondem-me. Durante as quatro horas seguintes não sinto aborrecimento, esqueço todas as penas, não tenho medo da pobreza nem da morte. Transfiro-me completamente para eles. E como Dante deixou escrito que compreensão sem memória não é conhecimento, aproveitei quanto pude dessa conversação e compus um pequeno livro De principatibus. Aí penetro tão profundamente quanto posso nos pensamentos acerca do tema: debato a natureza dos senhorios, quais as suas variedades, como podem ser adquiridos, mantidos e perdidos. E se alguns desejos meus alguma vez te agradaram, este não te desagradará. O livro deveria ser bem recebido por um príncipe, e especialmente por um príncipe de recente criação, pelo que dedicarei a obra a Sua Alteza Giuliano (de Médici)".

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O Príncipe, a mais famosa obra de Maquiavel é um livro póstumo que poderia ter outro título, outro patrono e uma arrumação diferente das suas três partes. Era, afinal, um livro de circunstância. O título original De Principatibus cobre a primeira parte, caps. I - X acerca dos estados, que se dividem em repúblicas e principados e estes em hereditários e adquiridos, além dos senhorios eclesiásticos. O essencial desta primeira parte, caps. III a X, trata dos príncipes novos. A segunda parte deveria abordar os fundamentos do poder - as leis e as armas - mas como não pode haver boas leis onde não há boas armas, os caps. XII - XIV apenas apresentam a organização militar. A terceira parte, caps. XV - XXVI, trata das regras de conduta que um Príncipe deve adoptar para renovar a Itália. O tema do Livro III dos Discorsi, a restauração dos estados, é aqui adaptado ao caso particular italiano.

Se nos fixarmos nestas três partes, O Príncipe parece um livro mal organizado. Foi sugerido que Maquiavel era confuso; que era um oportunista que pretendia agradar aos Médici; ou que a parte realista é seguida por uma parte idealista. Na realidade O Príncipe vai definindo progressivamente o tópico principal. Começa com a descrição de todos os stati, repúblicas e senhorios. No cap. II restringe-se aos senhorios e depois apenas aos novos senhorios. A segunda parte concentra-se nos meios militares em ordem à libertação nacional italiana e a terceira parte é um conjunto de conselhos ao futuro príncipe italiano: o cap. XXVI contém um apelo directo aos Médici. Maquiavel passa de modo admirável da classificação dos stati para o fundamento existencial do poder. Com grande economia de linguagem, classifica os diversos tipos de stati e depois passa à diferenciação das variantes de virtú (caps. II - XI). Nos caps. XII - XIV trata das questões de guerra. No cap. XV afasta todas as considerações de ordem moral acerca da política. Na luta pela existência, o homem comporta-se como um animal e será a estrita racionalidade desse comportamento que decidirá da vitória ou da derrota. Mas o homem é mais do que um animal. A vontade de resistir e de criar uma nova ordem vem de uma fonte diferente É possível apelar à ordinata virtù que resiste à fortuna. (cap. XXV) Enfim, de acordo com as regras de construção dos mitos, o livro encerra com um apelo, de profundis, para que se erga o salvador da pátria: "As armas são santas para aqueles em que constituem a derradeira esperança". A partir da classificação sistemática e clarificação de conceitos, o Príncipe desce, passo a passo, ao fundo da força que cria a ordem na história. O primeiro passo é a força das armas: o segundo, a racionalidade do animal político; o terceiro, a força construtiva que desafia a fortuna; e enfim, a fonte de salvação, de profundis e a visão apocalíptica que anuncia a hora do redentor. Estamos perante uma dramaturgia criada por um grande artista, filósofo e patriota.

O modelo principal de Príncipe surge no cap. VI, sobre os novos Senhorios conquistados pelas armas e pela virtude. O homem humilde que se eleva ao poder é um dos grandissimi esempli a imitar. Moisés, Ciro, Rómulo e Teseu devem o êxito à virtù. Todos enfrentaram situações desesperadas das quais irrompeu a ordem. O herói tem de enfrentar a lei estabelecida, os interesses do status quo, a suspeita dos descrentes, o medo e a falta de imaginação dos seguidores. Para isso precisa de força porque os profetas desarmados (Savonarola) não ganham batalhas. O profeta em armas é seguido pelo príncipe que adquire poder através das armas estrangeiras e da fortuna, como sucedeu com César Borgia. Tem de usar a virtù para transformar um acidente de poder numa realidade estável, ao abrigo da fortuna. O terceiro modelo de príncipe é Agatocles, que nada deve à fortuna nem à virtude pois os massacres que levou a cabo após adquirir o poder não lhe deram fama. O quarto tipo é o do governador que se ergue por consenso dos concidadãos, para o que basta uma astuzia fortunata.

No cap. XV que inicia a listagem das notórias regras de conduta do Príncipe, Maquiavel insiste que está a decrever a verdade da política, habitualmente distorcida por outros autores. O debate é orientado pelo postulado que a observância de regras morais em política conduz geralmente à derrota: "A vida como é, está tão distante da vida como deveria ser, que um homem que desiste do que está feito, em prol do que deveria fazer, engendra a sua ruína mais do que a preservação". O príncipe deve ou não praticar o bem, conforme as necessidades. Há dois modos de lutar: com as

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armas ou com as leis, sendo este o próprio dos homens e o outro próprio dos animais. Ora o príncipe deve saber usar o animal e a besta que residem dentro de si. O centauro Quíron foi o tutor de Aquiles. O príncipe tem de ser como a raposa e o leão "porque o leão não se sabe proteger das víboras, nem a raposa dos lobos". O príncipe deve violar a palavra e todas as regras de fé, caridade, humanidade e religião embora as louve em palavras, porque os homens admiram a fachada da virtude e não se importam de ser iludidos pelos poderosos. Admiram o êxito e, se a aparência fôr boa, não buscam a realidade que está por detrás (cap. XVIII): "A massa é conquistada com aparências e êxito". O Príncipe não está isento da regra da imperfeição humana. A condição humana não permite possuir todas as virtudes. O príncipe deve prudentemente evitar a má reputação. Mas não se pode dar ao luxo de ter moralidade, porque a massa das pessoas pertencem à canalha, ingrata, desconfiada, medrosa e ávida. Seguem os poderosos enquanto vêem proveito; tudo oferecem, enquanto não são realmente precisas; mas revoltam-se quando as carências chegam. Como os laços de gratidão dependem do proveito, o príncipe deve confiar nos laços do medo. Pode mesmo matar mas não deve apropriar-se dos bens do morto. A massa aprecia a segurança no lar e nos bens. São poucos os que desejam ser livres de mandar: todos os outros só desejam a liberdade para viver em segurança.

Ao estabelecer diversos sentidos da fortuna, Maquiavel transita da esfera da observação realista para a esfera da fé. A sua esperança é a substância da fé, onde a ordinata virtù deve prevalecer. Muitos crêem que a existência é governada pela fortuna e por Deus. Mas a fortuna só governa metade das nossas acções, deixando-nos o controle da outra metade. Neste primeiro sentido, a fortuna determina a estrutura da situação; metade é necessidade, a outra metade depende da virtude. É preciso agir impetuosamente, pois a fortuna é feminina. A fortuna é, depois, uma relação entre as circunstâncias e a virtude de um homem. O carácter é constante; se acompanhado de boa fortuna, as circunstâncias não o deformam; a má fortuna não lhe dá oportunidades. Enfim, a fortuna torna-se quase idêntica à virtude porquanto selecciona o homem virtuoso que reconhece a oportunidade. Neste sentido, não podemos agir contra a fortuna e também não nos podemos entregar a ela, como se conhecêssemos os seus planos: a esperança é possível.

É essa esperança que surge na exortação final. A situação é desesperada. O tempo parece propício a um herói salvador. A Itália pede um redentor: a Casa de Médici foi visivelmente dignificada por Deus, que lhe conferiu o Papado. A constelação é favorável. Assistiram-se a portentos: "O mar abriu-se: a nuvem mostrou o caminho; da rocha jorrou água e o maná caiu do céu". Mas como Deus não fará tudo, o homem virtuoso deverá pegar em armas contra a violência bárbara. Esta exortação apocalíptica deve muito à série dos Dux ex Babylone, sugeridos pelo horizonte cultural que abrange Dante, Joaquim de Fiora e Cola di Rienzo e que tivera uma primeira incarnação em Frederico II Hohenstaufen. Nas Vidas de Castruccio Castracani e de Tamerlão Maquiavel absorveu elementos da Antiguidade mítica. Mas o terror inspirado por Tamerlão como castigo dos pecadores, flagelo de Deus, ultor peccatorum, terror gentium, são elementos apocalípticos de origem pós-Cristã, determinantes na formação da imagem do príncipe.

8. Conclusão

Basta o conhecimento da obra sem interpolações críticas para fazer desaparecer muitos pseudo-problemas. A ética de Maquiavel reconhece o facto elementar que a experiência humana comporta um conflito de valores. A moral de tipo platónica poderá afirmar que infligir o mal é pior que sofrê-lo. Mas este princípio moral não pode ser princípio de governação política pois impossibilitaria a realização de outros valores, a começar pela existência pessoal, a existência da comunidade e os

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valores da civilização realizados na história. Se a moral espiritual é um problema na existência humana, é precisamente porque esta não se reduz a espírito.

Maquiavel não inventou uma dupla ética que esquizofrenicamente separe a moral pessoal da razão de estado. Jamais pretende que as suas recomendações tenham valor moral. A ética de Calicles no Górgias é que a justiça é o direito do mais forte e o direito da força vale mais que a força do direito. Maquiavel diria apenas que a força permite instaurar a ordem, libertar a Itália e ganhar a honra mundana; mas nunca diria que estes valores são a justiça e a moralidade. Está consciente que eles exigem acções imorais e que carecem de justificação. Toda a ordem política comporta uma parte acidental e arbitrária de crueldade e violência, de injustiça residual que por, convenção social tácita, é silenciada pela esfera pública. O autor que chama a atenção para essa violência torna-se impopular. Ademais Maquiavel não parece preocupado com as implicações espirituais da sua filosofia da conduta. Sem manifestações exteriores de cristão, acreditava no mito da natureza, numa variante do estoicismo de Políbio. Tal espiritualidade intramundana cumpre-se através da virtude na comunidade. O spirito italiano deve manifestar-se numa nova ordem; república nacional em vez de Respublica Christiana; honra mundana em vez de beatitude; a fama em vez da graça. Sendo assim, não é a santificação dos meios que perturba; essa é uma dimensão incontornável da política. O que perturba mais fundamente é o paganismo dos fins, a incarnação mundana do espírito, a alma que adquire santidade ao manifestar a sua virtude no mundo. Trata-se de uma singular renascença do mito pagão da natureza. Maquiavel tem uma tábua de valores que abrange a existência humana em sociedade, desde o laço religioso até às mais humildes ocupações. Compreendeu num nível teorético a dialéctica da acção e do livre arbítrio. A fortuna governa o curso da história, quer cegando quer conferindo ao homem de virtú a oportunidade de ver, cumprindo o papel de uma providência imanentizada. Este determinismo da fortuna apresenta-se sub specie Dei. Mas sendo inescrutáveis os planos de Deus, Maquiavel não se apresenta como um intelectual que conhece o curso da história. A história será modelada pela virtú que acreditar em si própria. A esperança é a substância da fé na salvação política, como se verifica no final algo apocalíptico e semi-romântico de O Principe: Virtù contro a furore/ Prenderà l'arme, e fia el combatter corto;/ Ché l'antico valore/ Nelli italici cor non é ancor morto".

Embora não fosse um espiritualista, Maquiavel tem vida espiritual; não é um homem irreligioso. A sua religiosidade pagã tem de ser enquadrada num cenário de onde o significado da história está a desaparecer, submerso por sucessivos traumas: 1494, historiografia humanística, desintegração da ordem medieval Cristã, invasões asiáticas. Sempre que se negligencia o problema do curso natural de sociedade política, como sucede em interpretações Cristãs deficientes, torna-se necessário valorizar uma estrutura supostamente natural da história. É neste contexto que se torna notável a explicação do ciclo político de corrupção e redenção nacional. Seria niilista e materialista, quem, simplesmente se conformasse com os acontecimentos. E a reintrodução do problemática do ciclo significa uma recuperação da interpretação da história e da política que através de Giambattista Vico, conduz a elaborações mais recentes de Meyer, Spengler, Toynbee e Voegelin.

O paganismo de Maquiavel é negativo porquanto o Cristianismo não estava morto conforme supunha. Maquiavel sabia que o Cristão vive essencialmente de reforma: conhecia a obra de S. Francisco, de S.Domingos e de Savonarola. Uma vez que o Cristo veio ao mundo não é possível regressar ao paganismo ainda para mais pré-platónico; todos são chamados à salvação. Mas a experiência pessoal de Maquiavel foi mais forte: não considerava o mito da natureza, a fé na virtude e na honra mundana apenas uma teoria mas a expressão da sua religiosidade. Mas este spirito italiano implicava a rejeição trágica do significado transcendental da história, e a pouca fé obrigava a um fechamento da consciência à realidade suprema. A atitude apocalíptica de O Príncipe, terminado em 1516, ano anterior à a afixação das 95 teses de Lutero, diminuirá nas obras posteriores. A Vida de Castruccio (...) contém as seguintes palavras do moribundo Castracani ao jovem Guinigi: "Se eu soubesse, meu filho, que a Fortuna abandonaria a meio do caminho essa

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glória que me prometera tantos êxitos, não me teria esforçado tanto". Maquiavel morreu em 1527, aos 58 anos.

© Mendo Castro Henriques, para a tradução e adaptação.

Fonte:

Mendo Castro Henriques,Eric Voegelin, Estudo de Ideias Políticas de Erasmo a Nietzsche,Lisboa, Ática (Filosofia), 1996

Nicolau MaquiavelMaquiavel Filósofo político do século XVI.

Nasceu em Florença a 3 de Maio de 1469, emorreu em 20 de Junho de 1527.

Nada se sabe da sua vida antes de entrar ao serviço da República de Florença, após a queda do governo clerical de Sovanorola, para além de ser filho de um jurista. Maquiavel serviu na administração da República de Florença, de 1498 a 1512, na segunda Chancelaria, tendo substituído Adriani, e como secretário do Conselho dos Dez da Guerra (Dieci di Libertà et Pace), a instituição que na Signoria tratava da guerra e da diplomacia. Tornou-se um conhecedor profundo dos

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mecanismos políticos e viajou incessantemente participando em vinte e três embaixadas a cortes italianas e europeias, conhecendo vários dirigentes políticos, como Luís XII de França, o Papa Júlio II, o Imperador Maximiliano I, e César Bórgia.

Em 1500 foi enviado a França onde se encontra com Luís XII e com o Cardeal de Orleães. A sua missão mais memorável, acontecida em 1502 quando visitou César Bórgia estabelecido na Romagna, foi objecto de um relatório de 1503 intitulado «Descrição da Maneira empregue pelo Duque Valentino [César Bórgia] para Matar Vitellozzo Vitelli, Oliverotto da Fermo, Signor Pagolo e o Duque de Gravina, Orsini», no qual descreveu com uma precisão cirúrgica os assassinatos políticos do filho do Papa Alexandre VI Bórgia, explicando subrepticiamente a arte política ao principal dirigente de Florença, o indeciso e timorato Pier Soderini.

Maquiavel casou em 1502 com Marietta Corsini, de quem teve quatro filhos e duas filhas.

Em 1504 regressa a França, e no regresso, inspirado nas suas leituras sobre a História Romana, apresenta um plano para a reorganização das forças militares de Florença, que é aceite. Em 1508 é enviado à corte do imperador Maximiliano, estabelecido em Bolzano, e em 1510 está de novo em França. Em 1509 dirigiu o pequeno exército miliciano de Florença para ajudar a libertar Pisa, missão que foi coroada de sucesso. Em Agosto de 1512, devido à invasão espanhola do território da república, a população depôs Sonderini e acolheu os Médici.

Maquiavel foi demitido em 7 de Novembro, devido à sua ligação ao governo republicano, retirando-se da vida pública. Tendo-se tornado suspeito, em 1513, de envolvimento numa conspiração contra o novo governo, foi preso e torturado. Tirando algumas nomeações para postos temporários e sem importância, em que se conta em 1526 uma comissão do Papa Clemente VII para inspeccionar as muralhas de Florença, e do seu amigo Francesco Guicciardini, Comissário Papal da Guerra na Lombardia, que o empregou em duas pequenas missões diplomáticas, passou a dedicar-se à escrita, vivendo em San Casciano, a alguns quilómetros de Florença.

Em Maio de 1527, tendo os Médici sido expulsos de Florença novamente, Maquiavel tentou reocupar o seu lugar na Chancelaria, mas o posto foi-lhe recusado devido à reputação que O Príncipe já lhe tinha granjeado. Pouco tempo depois morreu, pouco tempo depois do saque de Roma.

Duas das obras de Maquiavel foram publicadas em vida, La Mandragola (A Mandrágora), de 1515, publicada em 1524, um grande sucesso na época, ainda hoje considerada uma das mais brilhantes comédias italianas, e o tratado Arte della guerra ( A Arte da Guerra), de 1519-1520, que tem como cenário as reuniões intelectuais dos Ortii Oricellari (Jardins de Rucellai), local onde se reunia a Academia Florentina e onde tinha sido colocada a estatuária retirada aos Médici.

Foi neste cenáculo que Nicolau Maquiavel leu uma versão dos seus Discorsi sopra la prime deca di Tito Livio (Discursos sobra a primeira década de Tito Lívio), escritos em 1517 e publicados em 1531. As suas outras obras incluem a Vita di Castruccio Castracani (1520), um condottieri que governou Lucca de 1316 a 1328, uma Istorie Fiorentine (escrita entre 1520 e 1525), as comédias Clizia (escrita por volta de 1524) e Andria, o conto Belfagor, e a sua mais conhecida obra Il Principe (O Príncipe) escrito 1513 e publicado em 1531.

O Príncipe é um tratado político em 25 capítulos com uma conclusão que propõem a libertação da Itália das intervenções de franceses e de espanhóis, considerados bárbaros. Escrito originalmente em 1513 e dedicado a Giuliano de Médici, em 1516 passou a ser dedicado ao sobrinho deste Lorenzo, antes deste se tornar duque de Urbino.

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Fonte:

Enciclopédia Britânica

O PRÍNCIPE, DE MAQUIAVEL

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ApresentaçãoMaquiavel começa O Príncipe descrevendo os dois principais tipos de governo: as monarquias e as repúblicas. O seu objecto de estudo é a monarquia. Os aspectos mais controversos da análise de Maquiavel aparecem claramente nos capítulos intermédios da obra.

No capítulo 15 propõem-se descrever como um monarca sobrevive de facto, em vez de descrever grandes princípios morais. Descreve as virtudes que em geral se pensa serem necessárias a um governante, concluindo que algumas «virtudes» levam os príncipes ao desaparecimento, ao passo que alguns «vícios» permitem-lhes sobreviver. De facto, as «virtudes» que apreciamos nas pessoas pode levar à sua deposição.

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No capítulo 16 Maquiavel nota que nós pensamos normalmente que o melhor para um governante é ter a reputação de ser generoso. Mas, se a generosidade for praticada em segredo ninguém o saberá e ele será considerado ganancioso. Se for praticada abertamente, a necessidade de manter a sua reputação, poderá levá-lo à bancarrota. Terá então necessidade de retirar mais dinheiro aos seus súbditos o que o fará ser odiado. Para o autor do Príncipe o melhor é o governante ter uma reputação de ser avarento. Maquiavel antecipa exemplos de monarcas generosos que tiveram sucesso. Mas defende que a generosidade só deve ser praticada para com os soldados somente com base no saque retirado de uma cidade inimiga.

No capítulo 17 defende que é melhor a um príncipe ser severo quando pune as pessoas do que magnânimo. A severidade por meio da sentença de morte só afecta alguns, mas detêm crimes que afectam muitos. Indo mais longe, defende que é melhor ser temido do que amado. Mas os governantes devem evitar ser odiados, o que é fácil de conseguir não confiscando a propriedade dos súbditos: «as pessoas esquecem mais facilmente a morte do pai, do que a perda da herança.»

No capítulo 18, possivelmente a parte mais controversa do Príncipe, Maquiavel argumenta que o governante deve saber ser dissimulado desde que isto sirva as suas intenções. Mas, quando o príncipe tiver necessidade de ser dissimulado não pode dar a ideia de que o é. De facto, deve mostrar-se sempre dotado de pelo menos cinco virtudes: clemência, benevolência, humanidade, rectidão e religiosidade.

No capítulo 19 Maquiavel defende que o príncipe deve evitar fazer coisas que o façam ser odiado. O que se realiza ao não confiscar a propriedade, nem dar mostras de avidez ou de desinteresse. A melhor maneira de não ser deposto é evitar ser odiado.

EXTRACTOS

Dedicatória

DedicatóriaNicolau Maquiavel ao Magnífico Lourenço de Médicis

Os principados

Capítulo IDas várias espécies de principados e por que meio se adquirem

As qualidades do Príncipe

Capítulo XVIDa liberalidade e da parcimónia

Capítulo XVIIDa crueldade e da clemência e se vale mais ser amado que temido, ou temido que amado

Capítulo XVIIIDe que modo os Príncipes devem cumprir a sua palavra

Capítulo XIXDe que modo deve evitar-se ser desprezado e odiado

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Fonte:

Nicolau Maquiavel, O Príncipe, tradução de Francisco Morais, Coimbra, Atlãntida, 1935

O PRÍNCIPE, DE MAQUIAVEL

Dedicatória

Nicolau Maquiavel ao Magnifico Lourenço de Medicis

Costumam os que desejam conquistar as graças dum príncipe oferecer-lhe o que de mais raro possuem ou o que julgam ser mais do seu agrado; donde se vê, muitas vezes, oferecerem-lhe cavalos, armas, brocados, pedras preciosas e outros adornos, dignos da sua grandeza.

Ora desejando eu apresentar-me com algum testemunho, que prove a minha admiração por vossa Magnificência, não encontrei entre as minhas alfaias coisa de maior valia ou que tanto estime, como

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o conhecimento das acções dos grandes homens, adquirido numa longa experiência das coisas modernas e numa contínua lição das antigas, que, meditadas por largo tempo e examinadas com grande diligência, juntei agora no pequeno volume que vos envio. E, se bem que eu julgue esta obra indigna de vos ser oferecida, confio, no entanto, que a recebereis, considerando que não posso oferecer-vos melhor dádiva que facilitar-vos, em brevíssimo tempo, o que a mim me custou muitos anos e não poucos trabalhos e perigos.

Não enfeitei a obra nem com palavras brilhantes e pomposas, nem com nenhum desses vãos ornamentos com que muitos autores costumam embelezar e descrever as suas; pois somente quis, ou que nada a honre, ou que só a variedade da matéria e a gravidade do assunto a tornem grata. Nem quero se tenha por presunção que um homem de baixo e ínfimo estado se atreva a discorrer e dar regras sobre os governos dos príncipes; porque, assim como os que desenham paisagens se colocam nas planícies para considerar a natureza dos montes e das colinas, e, para considerar as planícies, se colocam no cimo dos montes, do mesmo modo para conhecer bem a natureza dos povos é preciso ser príncipe e para compreender a dos príncipes é necessário ser filho do povo.

Que Vossa Magnificência aceite este pequeno presente com o ânimo com que vo-lo envio; e se o lerdes e o meditardes detidamente, achareis no seu intimo o ardentíssimo desejo que tenho de que chegueis à grandeza que a fortuna e as outras qualidades vossas vos prometem. E se, do cume de vossa altura, volverdes os olhos para estes baixos lugares, reconhecereis quão indignamente suporto uma grande e contínua adversidade da sorte.

O PRÍNCIPE, DE MAQUIAVEL

I.

Das várias espécies de principados e por que meio se adquirem.

Todos os estados, todos os poderes que tiveram e têm império sobre os homens, foram e são ou repúblicas ou principados. Os principados ou são hereditários, por terem sido príncipes largo tempo os ascendentes de seu senhor, ou são novos. Os novos ou o são inteiramente, como Milão para Francisco Sforza 1, ou o são como membros acrescentados ao Estado hereditário do príncipe que os adquire, como o reino de Nápoles para o rei de Espanha 2. Estes domínios assim conquistados ou estão habituados a viver sob a tutela dum príncipe, ou gozam da sua liberdade, e conquistam-se com

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as armas alheias ou com as próprias, pela fortuna ou pelo valor 3.

1. Francesco Sforza (1401-1466), filho de Muzio Attendolo, por alcunha «O Forte» - Sforza - condottiere que serviu a casa de Anjou de Nápoles, casou com a filha do duque de Milão em 1441, e em 1450 tomou conta do ducado, após a morte do sogro. O Imperador reconheceu-o em 1452, e em 1463 conseguiu incorporar Génova nos seus domínios.

2. Fernando o Católico (1452-1516), rei de Aragão, marido de Isabel a Católica (1451-1504), rainha de Castela, reuniu Nápoles à coroa de Aragão em 1501, pelo tratado de Granada, e a Sicília em 1504.

3. Tradução de virtú. Virtú quer dizer força, energia do espírito e da vontade, têmpera de ânimo dirigida, tanto no bem como no mal, a um fim determinado. O virtuose é o homem dotado duma individualidade poderosa que prefere a infâmia ao esquecimento, aquele que como César Bórgia tem por moto: aut Cesar aut nihil.

O PRÍNCIPE, DE MAQUIAVEL

XVI.

Da liberalidade e da parcimónia.

Começando, pois, pelas primeiras qualidades que mencionei, digo que seria bom o príncipe ser tido por liberal; não a liberalidade usada de modo que o não pareça, que essa prejudica-te, porque se ela se usa virtuosamente e como se deve usar, não será conhecida e por conseguinte não te evitará a fama do contrário. A querer manter entre os homens a fama de liberal é preciso não descuidar nenhuma espécie de sumptuosidade; de modo que sempre um príncipe desta natureza consumirá todos os seus haveres em obras semelhantes e ver-se-á, por fim, na necessidade de agravar extraordinariamente os povos, recorrer a toda a espécie de impostos e fazer todas aquelas coisas que se podem fazer para obter dinheiros. Isto começará a torná-lo odioso aos olhos dos súbditos e pouco estimado de todos, por tornar-se pobre; de modo que, com esta sua liberalidade, tendo ofendido muitos para premiar poucos, sente as primeiras necessidades e periga ao primeiro risco; e se assim que o reconhece quer retroceder, logo incorre na fama de mesquinho.

Portanto, um príncipe, que não possa usar da virtude da liberalidade sem dano seu, deve, se é prudente, fazer pouco caso da fama de mesquinho, porque com o tempo será tido sempre por mais liberal, vendo que com a sua parcimónia as suas rendas lhe bastam; pode defender-se do que lhe faça guerra; pode meter-se em empresas sem agravar os povos, de modo que vem a ser liberal com todos aqueles a quem nada tira, que são infinitos, e só é mesquinho com aqueles a quem nada dá, que são bem poucos. Em nossos tempos não vimos fazer grandes coisas senão àqueles que foram tidos por mesquinhos, porque os outros arruinaram-se. O papa Júlio II, valendo-se do nome de liberal para chegar ao pontificado, não pensou em mantê-lo, para poder fazer a guerra. O actual rei de França sustentou tantas guerras, sem lançar encargos extraordinários sobre os seus súbditos, porque soube compensar as despesas supérfluas com a sua longa parcimónia. O presente rei de Espanha, se fosse tido por liberal, não teria levado a cabo nem vencido tantas empresas. Portanto, um príncipe, para não ter que despojar os súbditos, para poder defender-se, para se não ver pobre e

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desprezado, e para não ser forçado a tornar-se rapace, deve importar-se pouco com a fama de mesquinho; porque este é um daqueles vícios que o fazem reinar. E se alguém objectar: César, pela sua liberalidade, conseguiu o império e muitos outros, por terem sido e serem tidos por liberais chegaram a lugares eminentíssimos, responderei: ou tu já és príncipe, ou estás para sê-lo; no primeiro caso a liberalidade é prejudicial, no segundo é bem necessário que sejas tido por liberal. E César era um daqueles que queriam chegar ao principado de Roma, mas se depois que lá chegou tivesse vivido mais tempo e não fosse temperado nos seus gastos, teria destruído o império. E se alguém replicar: Muitos foram os príncipes tidos por liberalíssimos que com os seus exércitos fizeram grandes coisas, responderei: ou o príncipe gasta do seu e do dos seus súbditos, ou gasta dos outros; no primeiro caso deve ser poupado e no segundo não deve descuidar em nenhum ponto a liberalidade. O, príncipe que parte com seus exércitos, que se mantém com as presas, os saques e impostos e maneja o que é dos outros, precisa de usar de toda a liberalidade, porque de contrário as tropas não o seguiriam. Do que não é teu nem dos teus súbditos podes ser pródigo, como o foram Ciro, César e Alexandre; porque gastar o que é dos outros dá reputação em vez de tirá-la; o que arruína é gastar o próprio. Não há coisa que se consuma mais a si mesma que a liberalidade, porque enquanto tu a usas, vais perdendo a faculdade de a usar e tornas-te pobre e desprezível, ou, para fugires da pobreza, rapace e odioso. Entre todas as coisas de que um príncipe deve precaver-se, está o tornar-se desprezível e odioso; e a liberalidade a uma ou outra destas coisas te conduz. Portanto, é muito mais prudente passares por mesquinho, o que dá má fama sem ódio, do que, para passares por liberal, te veres na necessidade de incorrer no nome de rapace, que acarreta má fama com ódio.

O PRÍNCIPE, DE MAQUIAVEL

XVII.

DA CRUELDADE E DA CLEMÊNCIA E SE VALE MAIS SER SER AMADO QUE TEMIDO, OU TEMIDO QUE AMADO

Descendo às demais qualidades que alegámos antes, digo que todo o príncipe deve desejar ser tido por piedoso e não por cruel. No entanto deve ter cuidado em não usar mal desta piedade. César Bórgia era tido por cruel e todavia essa sua crueldade organizou a Romanha, uniu-a, restituiu-lhe a paz e a fé. O qual se bem se considera ver-se-á que ele foi muito mais clemente que o povo florentino, que, para não passar por cruel, deixou destruir Pistóia 1. Portanto um príncipe deve fazer pouco caso da fama de cruel a fim de conservar os seus súbditos unidos e fiéis, porque com pouquíssimos exemplos será mais piedoso que aqueles que, por demasiada piedade, deixam prosseguir as desordens de que nascem mortes ou rapinas: porque estas ofendem a todos ao passo que as penas infligidas pelo príncipe ofendem um particular. E, entre todos os príncipes, o príncipe novo não pode libertar-se do nome de cruel, por se encontrarem os Estados novos cheios de perigos. Assim Virgílio, pela boca de Digo, diz

Res dura et regni novitas me talia cogunt Moliri, et late fines custode tueri. 2

Contudo, deve ser prudente no crer e no agir, não ter medo de si mesmo; deve proceder dum modo temperado, com prudência e humanidade; que a demasiada confiança não o faça incauto e a demasiada desconfiança o não torne intolerável.

Nasce daqui uma questão: se vale mais ser amado que temido ou temido que amado. Responde-se

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que ambas as coisas seriam de desejar; mas porque é difícil juntá-las, é muito mais seguro ser temido que amado, quando haja de faltar uma das duas. Porque dos homens se pode dizer duma maneira geral, que são ingratos, volúveis, simuladores, covardes e ávidos de lucro e enquanto lhes fazes bem são inteiramente teus, oferecem-te o sangue, os bens, a vida e os filhos quando, como acima disse, o perigo está longe; mas quando Ale chega, revoltam-se. E perde-se aquele príncipe que por ter acreditado as suas palavras se encontra nu de qualquer outra defesa; porque as amizades que se adquirem a preço e não por grandeza ou nobreza de alma, compram-se, mas não se possuem e no momento oportuno não se podem empregar. Os homens têm menor escrúpulo em ofender um que se faz amar, do que um que se faz temer, porque o amor está unido com o vínculo da obrigação o qual, por os homens serem maus, se parte na primeira ocasião em que surja o interesse, mas o temor é sustentado pelo medo do castigo o qual nunca se perde. Deve, todavia, o príncipe fazer-se temer de modo que, se não adquire amizade, evite ser odiado, porque pode muito bem ser ao mesmo tempo temido e não odiado; o que sempre conseguirá desde que respeite os bens dos seus concidadãos e dos seus súbditos e a honra das suas mulheres; e quando se veja obrigado a proceder contra o sangue dalgum, não o fará sem justificação conveniente e causa manifesta; mas sobretudo não tocar na propriedade alheia, porque os homens esquecem mais depressa a morte do pai que a perda do património. E depois, não faltam nunca motivos para apoderar-se do alheio e sempre aquele que começa a viver da rapina encontra razões para apoderar-se do que é dos outros, ao passo que as ocasiões de fazer correr sangue são mais raras e faltam mais amiúde.

Mas quando um príncipe está com os exércitos e tem uma multidão de soldados sob o seu comando, então é de todo necessário que não se importe de passar por cruel; porque sem esta fama não se mantém um exército unido, nem disposto a qualquer feito. Entre as admiráveis acções de Aníbal aponta-se a de que, tendo um exército, composto de gentes diversas, militando em terras estranhas, nunca viu que surgisse qualquer dissensão, nem entre si, nem contra o príncipe, e tanto na boa como na má fortuna. O qual só pode resultar da sua desumana crueldade, que, junta às suas infinitas virtudes, o tornou sempre, aos olhos dos seus soldados, venerado e terrível; e sem ela as demais virtudes não bastavam para aquele efeito. No entanto, há escritores pouco judiciosos que por um lado admiram os seus feitos e por outro condenam a principal razão deles.

E que é verdade que as outras virtudes não são o suficiente, pode ver-se em Cipião, exemplo raro não só no seu como em todos os tempos, cujos exércitos se revoltaram em Espanha. E isto resultou apenas da sua demasiada indulgência que deu aos seus soldados mais liberdades do que convinha à disciplina militar: defeito que lhe lançou em cara e em pleno Senado, Fábio Máximo, chamando-lhe corruptor da milícia romana. Um legado de Cipião destruiu os locrenses e ele nem os vingou nem corrigiu a insolência do legado, o que proveio da sua natural bondade; de tal sorte que, querendo alguém desculpá-lo no Senado, disse que havia muitos homens que sabiam melhor não errar do que corrigir os erros dos outros. Este excesso de indulgência teria com o tempo obscurecido a reputação e a glória de Cipião, se ele tivesse perseverado no comando com aquele natural; mas estando sob o governo do Senado, esse seu defeito não somente ficou oculto como até lhe deu glória.

Concluo, portanto, voltando à primeira questão, que amando os homens a seu bel prazer e temendo, pelo contrário, a bel prazer de quem os governa, deve o príncipe prudente basear-se no que é seu, não no que é dos outros; e deve apenas evitar o ódio, como se disse.

1. Cidade da Toscânia, antiga cidade fortificada construída sobre a cidade romana de Pistoriae, na Idade Média, as lutas políticas entre Guelfos e Gibelinos enfraqueceram-na, tendo sido conquistada por Florença em 1351.

2. «O duro estado em que meus negócios estão. / E do meu reino também a novidade. / Tais casos cruéis a fazer me obrigam / E a colocar guarnições em toda a parte.» Eneida, I, 563-564.

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O PRÍNCIPE, DE MAQUIAVEL

XVIII.

De que modo os príncipes devem cumprir a sua palavra

Todos sabem quão louvável é um príncipe ser fiel à sua palavra e proceder com integridade e não com astúcia; contudo, a experiência mostra que só nos nossos tempos fizeram grandes coisas aqueles príncipes que tiveram em pouca conta as promessas feitas e que, com astúcia, souberam transtornar as cabeças dos homens; e por fim superaram os que se fundaram na sua lealdade.

Deve saber-se que há dois modos de vencer um com as leis, outro com a força: o primeiro é próprio dos homens, o segundo dos animais; mas porque muitas vezes o primeiro não basta, convém recorrer ao segundo. Portanto é necessário a um príncipe que seja ao mesmo tempo homem e animal. Os antigos escritores ensinaram encobertamente isto mesmo aos príncipes, escrevendo que Aquiles e muitos outros príncipes antigos foram dados a educar a Quíron centauro para que os guardasse sob a sua disciplina. E ter por preceptor um ser, meio animal, meio homem, outra coisa não significa senão que um príncipe deve saber usar duma e doutra natureza e que uma sem a outra não é durável.

Achando-se, portanto, um príncipe na necessidade de saber proceder como animal, deve escolher a raposa e o leão, porque o leão não sabe defender-se dos laços, nem a raposa dos lobos. E preciso, portanto, ser raposa para conhecer os laços e leão para espantar os lobos. Os que tomam simplesmente a parte de leão não entendem palavra. Não pode, nem deve, portanto, um homem prudente guardar a palavra dada, quando o seu cumprimento se volte contra ele e quando já não existem as causas que o fizeram prometer. Não seria bom este preceito se todos os homens fossem bons; mas como são maus e em igual caso eles não cumpririam contigo, tu também não deves cumprir com eles. Nem nunca faltaram a um príncipe razões para colorir a sua falta à palavra. Disto se poderiam dar infinitos exemplos modernos e mostrar quantas pazes, quantas promessas ficaram írritas e nulas pela falta de palavra dos príncipes; aquele que melhor soube proceder como a raposa, melhor se houve. Mas é necessário saber bem colorir esta natureza e ser grande simulador e dissimulador: os homens são tão simples e obedecem tanto às necessidades presentes que quem engana achará sempre quem se deixe enganar.

Não posso resistir a contar um exemplo dentre os recentes. Alexandre VI não fez outra coisa nem pensou noutra coisa que não fosse enganar os homens e sempre encontrou objecto para poder fazê-lo; nem nunca existiu homem que afirmasse com maior eficácia e assegurasse uma coisa com mais juramentos e que menos a observasse; contudo os enganos saíram-lhe sempre ad votum, porque conhecia bem a arte de enganar.

Por conseguinte, não é necessário que um príncipe possua todas as qualidades mencionadas, mas convém que aparente tê-las. Atrever-me-ei a dizer antes que, tê-las e observá-las sempre, é prejudicial e que aparentar tê-las é útil: como parecer piedoso, fiel, humano, íntegro, religioso, etc., mas ter sempre o ânimo preparado para, na altura que convenha, tu poderes e saberes fazer o contrário.

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Deve ter-se presente que um príncipe, e sobretudo um príncipe novo, não pode observar todas aquelas coisas pelas quais os homens têm fama de bons, tendo mesmo necessidade, para manter o Estado, de proceder contra a fé, contra a caridade, contra a humanidade, contra a religião. E preciso mesmo que tenha o ânimo disposto a mudar segundo o que lhe mandem os ventos e as variações da fortuna e, como acima disse, não se separar do bem podendo fazê-lo, mas saber entrar no mal se for necessário.

Deve ainda um príncipe ter grande cuidado em que não lhe saia da boca uma só coisa que não esteja cheia das cinco qualidades atrás ditas e que ao verem-no e ao ouvirem-no pareça todo piedade, todo fé, todo integridade, todo religião. E não há coisa mais necessária de aparentar que esta última qualidade. E que os homens universalmente julgam mais pelos olhos que pelas mãos, pois que a todos é dado ver, mas a poucos sentir. Todos vêem aquilo que tu pareces, poucos sentem o que és, e estes poucos não se atrevem a opor-se à opinião dos muitos que têm a majestade do Estado que os defenda; e nas acções de todos os homens e principalmente nas dos príncipes, das quais não se pode recorrer, se atende ao fim. Faça, pois um príncipe por vencer e por manter o seu Estado; os meios serão sempre julgados honrosos e de todos louvados. Porque o vulgo deixa-se sempre levar pela aparência e o sucesso das coisas; e no mundo não há senão vulgo e os poucos só têm lugar quando os muitos não têm em que apoiar-se. Há presentemente um príncipe, que não quero nomear 1, que só prega paz e boa fé e é inimicíssimo duma e doutra; e se fôsse a observar uma e outra, muitas vezes lhe teria prejudicado a reputação ou o Estado.

1. Fernando, o católico, rei de Aragão.

O PRÍNCIPE, DE MAQUIAVEL

XIX.

De que modo deve evitar-se ser desprezado e odiado

Mas porque acerca das qualidades de que acima se faz menção já falei das mais importantes, direi agora brevemente das outras sob estas generalidades que o príncipe trate, como acima em parte se disse, de evitar todas as coisas que o façam odioso ou desprezível; e todas as vezes que as evite terá desempenhado bem o seu papel e não encontrará nas demais infâmias perigo algum. Odioso o fará sobretudo, como já disse, ser rapace e usurpador dos bens e das mulheres dos súbditos: do que se deve abster. A generalidade dos homens vive satisfeita sempre que se lhe não tire nem os bens nem a honra; e então só há a combater a ambição de poucos a qual de muitos modos e com facilidade se refreia. O ser tido por vário, leviano, efeminado, pusilânime, irresoluto, torna o príncipe desprezível: do que ele se deve guardar como dum escolho e procurar que nas suas acções se reconheça grandeza, valor, gravidade e força; e quanto aos negócios particulares dos súbditos querer que a sua sentença seja irrevogável e se mantenha em tal conceito que ninguém pense em enganá-lo.

Aquele príncipe que dá de si esta opinião é reputado em muito; e contra o que tem tal reputação, com dificuldade se conspira e com dificuldade se ataca, desde que se saiba que é excelente e temido dos seus. Porque um príncipe deve ter dois receios: um interior, por causa dos súbditos; outro

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exterior, por causa dos potentados estrangeiros. Deste se defende com as boas armas e os bons amigos; e sempre que tiver boas armas terá bons amigos; e sempre estarão firmes as coisas de dentro, quando o estejam as de fora, a não serem perturbadas por uma conjura. Ainda quando as de fora se movam, se ele é ordenado e experimentado, como disse, desde que não perca o ânimo, sempre sustentará qualquer ataque, como já disse que fez Nabides espartano. Mas quando não haja alteração nos negócios externos, há a temer que os súbditos secretamente conspirem, o que o príncipe pode evitar fugindo de ser odiado ou desprezado e tendo o povo satisfeito o que é necessário conseguir, como acima largamente já disse. Um dos mais poderosos remédios que um príncipe tem contra as conjuras é não ser odiado da generalidade dos súbditos; porque quem conspira sempre crê com a morte do príncipe satisfazer o povo, mas, quando julga que vai ofendê-lo, não tem ânimo para tomar semelhante partido, porque as dificuldades que estão da parte dos conjurados são infinitas. Por experiência se vê terem sido muitas as conjuras e poucas as que tiveram bom fim: porque quem conspira não pode ser só, nem pode associar-se senão aos que julga descontentes; e no momento em que descubras o teu coração a um descontente, dás-lhe os meios de contentar-se, porque, atraiçoando-te, pode esperar todas as vantagens; de modo que, vendo ganho certo por este lado, e pelo outro vendo-o duvidoso e cheio de perigos, é preciso que seja ou um grande amigo teu, ou em tudo um inimigo acérrimo do príncipe para que te possa ser fiel. Para reduzir o assunto a breves termos, digo que da parte do conspirador não há senão medo, apreensões, temor da pena que o amedronta; mas da parte do príncipe há a majestade do principado, as leis, a defesa dos amigos e do Estado que o defendem; de tal sorte que, juntas a todas estas coisas a benevolência popular, é impossível que haja homem tão inconsiderado que se atreva a conspirar. Porque, de ordinário, um conspirador deve temer antes da execução do mal; mas neste caso, tendo por inimigo o povo, deve temer ainda depois do plano executado, não podendo, por esse motivo, esperar nenhum refúgio.

Sobre esta matéria poderia dar infinitos exemplos, mas contento-me com um sucedido no tempo de nossos pais. Messer Aníbal Bentivogli, príncipe de Bolonha, avô do actual messer Aníbal, foi vítima duma conspiração urdida pelos Canneschi, que o assassinaram; ficou dele um filho, messer João, ainda de tenra idade; o povo levantou-se depois do homicídio e matou todos os Canneschi 1. Isto proveio da simpatia popular de que gozava naqueles tempos a casa dos Bentivogli, a qual foi tão grande que não tendo ficado ninguém dela em Bolonha que pudesse reger o Estado, depois da morte de Aníbal, e sabendo-se que em Florença existia um Bentivogli, que até então era tido por filho dum ferreiro 2, os bolonheses foram buscá-lo a Florença e entregaram-lhe o governo da cidade, até que messer João chegou à idade conveniente de governar 3.

Concluo, pois, que um príncipe deve ter em pouco as conspirações, enquanto o povo lhe seja benévolo; mas, se o povo é seu inimigo ou o odeia, deve temer tudo e todos. Os Estados bem ordenados e os príncipes sábios procuraram sempre não reduzir ao desespero os grandes, satisfazer o povo e tê-lo contente porque este é um dos objectos principais dum príncipe.

Entre os reinos bem ordenados e bem governados da nossa época, pode contar-se o de França, onde há boas constituições de que depende a segurança e liberdade do rei, das quais a primeira é o parlamento 4 e a sua autoridade. Aquele que regulou aquele reino, conhecendo a ambição dos poderosos e a sua insolência, e julgando que necessitavam dum freio que os contivesse, e por outro lado conhecendo o ódio universal contra os grandes fundado no medo; querendo assegurar-se do povo, não quis que isto fosse particular cuidado do rei, para evitar a má vontade dos grandes favorecendo os populares e dos populares favorecendo os grandes; e por isso constituiu um terceiro juiz, que sem responsabilidade do rei deprimisse os grandes e favorecesse os pequenos. Esta disposição não pode ser melhor nem mais prudente, nem dar maior motivo de segurança ao rei e ao reino. Daqui pode tirar-se outro ensinamento notável e é que os príncipes devem fazer administrar por outros as coisas odiosas e exercer por si mesmo as gratas. De novo concluo que um príncipe deve estimar os grandes, mas não fazer-se odiar pelo povo.

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Parecerá talvez a muitos, considerada a vida e morte de muitos imperadores romanos, que eles foram exemplos contrários a esta minha opinião, achando que alguns viveram sempre exemplarmente e mostraram grande valor de alma e no entanto perderam o império, ou foram mortos em conjura urdida pelos súbditos. Querendo responder a estas objecções, deter-me-ei nas qualidades dalguns imperadores, mostrando a causa da sua ruína, em nada diferente da que fiz ver; e, no entanto, levarei em consideração aquelas coisas que são notáveis a quem lê as acções daqueles tempos. E parece-me bastante indicar todos aqueles imperadores que se sucederam no império de Marco filósofo a Maximino: os quais foram Marco, Cómodo seu filho, Pertinaz, Juliano, Severo, Antonino Caracala seu filho, Macrino, Heliogabalo, Alexandre e Maximino. Em primeiro lugar, deve notar-se que, se nos outros principados só há a combater a ambição dos grandes e a insolência dos povos, os imperadores romanos tinham uma terceira dificuldade em ter que suportar a crueldade e a avidez dos soldados, coisa tão difícil que foi razão da ruína de muitos, sendo difícil satisfazer os soldados e o povo, porque o povo amava a tranquilidade e por isso amava os príncipes moderados, e os soldados amavam o príncipe belicoso e que fosse insolente, cruel e amigo da rapina, as quais coisas queriam as exercitasse contra os povos para terem duplicado estipêndio e poderem desafogar a sua avareza e crueldade. De que sempre se arruinavam aqueles imperadores que por natureza ou por arte não tinham um prestígio tão grande que refreasse uns e outros; e a maior parte deles, principalmente os que como homens novos chegavam ao principado, conhecidas estas duas dificuldades, decidiam-se a contentar os soldados, preocupando-se pouco em injuriar o povo. Tal partido era indispensável, porque os príncipes, não podendo deixar de ser odiados por alguém, devem procurar não o ser pela generalidade, e, se não podem conseguir isto, devem procurar por todos os meios evitar o ódio das massas mais poderosas. No entanto, os imperadores que por serem novos tinham necessidade de favores extraordinários, mais facilmente aderiam aos soldados que ao povo, o que resultava ou não em proveito seu, segundo a reputação que entre eles sabia manter aquele príncipe. Por estas razões aconteceu que sendo Marco, Pertinaz e Alexandre de vida moderada, amantes da justiça, inimigos da crueldade, humanos e bons, todos, à excepção de Marco, tiveram um fim desgraçado. Somente Marco viveu e morreu honradíssimo porque sucedeu no império iure hereditario 5 e por nada tinha de estar reconhecido nem aos soldados nem ao povo; demais, sendo dotado de muitas virtudes que o tornavam respeitado, teve sempre, enquanto viveu, uma e outra classe a seu lado e nunca foi odiado nem desprezado. Pertinaz foi elevado ao império contra a vontade dos soldados, os quais estando habituados a viver licenciosamente com Cómodo, não puderam suportar a vida honesta a que Pertinaz os queria obrigar; pelo que tendo-se cercado de ódio e a este ódio juntado o desprezo por ser velho, ficou arruinado nos princípios da sua administração.

Deve notar-se que o ódio se conquista tanto com as boas como as más obras; e portanto, como atrás disse, um príncipe que queira manter o seu Estado, é muitas vezes obrigado a não ser bom; porque quando a generalidade do povo, dos soldados ou dos grandes, da qual tu julgas ter necessidade para te manteres, está corrompida, convém-te seguir a tua inclinação para a satisfazeres, e então as boas obras são tuas inimigas. Mas passemos a Alexandre, o qual foi de tão grande bondade que, entre os demais elogios que se lhe tributam, é o de em catorze anos que governou não ter condenado à morte nenhum súbdito sem julgamento; no entanto foi tido por efeminado e por homem que se deixava governar por sua mãe e por isto caiu em desprezo, pois o exército conspirou contra ele e o matou.

Discorrendo agora por oposição sobre as qualidades de Cómodo, de Severo, de Antonino Caracala e Maximino, achamos que foram crudelíssimos e ávidos de rapina. Para satisfazerem os soldados não perdoaram nenhuma espécie de injúria que se pudesse cometer contra o povo, e todos, excepto Severo, tiveram um triste fim. Porque em Severo foi tanta a virtude, que mantendo os soldados amigos, ainda que os povos fossem agravados, pôde sempre reinar com felicidade; as suas virtudes o fizeram tão admirável aos olhos dos soldados e dos povos que estes ficavam de certo modo atónitos e pasmados e aqueles respeitosos e satisfeitos. E porque as suas acções foram grandes num

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príncipe novo, quero mostrar resumidamente como soube fazer bem o papel de raposa e de leão, cujo natural, como antes disse, um príncipe deve por necessidade saber imitar. Conhecendo Severo a indolência de Juliano imperador 6, achando-se na Esclavónia como capitão, convence o seu exército a marchar sobre Roma para vingar a morte de Pertinaz, assassinado pelos soldados pretorianos; e sob este pretexto, sem dar mostras de aspirar ao império, move o exército contra Roma, e antes que se soubesse da sua marcha já se encontrava em Itália. Chegado a Roma e morto Juliano, o Senado, por medo, elegeu-o imperador. Depois deste princípio restavam a Severo duas dificuldades a vencer, se queria assenhorear-se de todo o Estado: uma na Ásia, onde Nigro 7, chefe dos exércitos, se tinha feito aclamar imperador; outra no ocidente, onde estava Albino 8, que também aspirava ao império. E porque julgava perigoso mostrar-se inimigo dos dois, deliberou atacar Nigro e enganar Albino, a quem escreveu que o Senado o elegera imperador e que queria dividir aquela dignidade com ele; enviou-lhe o título de César e por deliberação do Senado o tomou por colega. Todas estas coisas foram aceites por Albino como verdadeiras. Mas, logo que Severo venceu e matou Nigro, regulados os assuntos orientais, voltou a Roma; e ali se queixou ao Senado de que Albino, pouco reconhecido aos benefícios que dele havia recebido, procurava assassiná-lo e por isso era necessário partir a punir tamanha ingratidão. Foi encontrá-lo em França e lhe tirou o Estado juntamente com a vida. Quem detidamente considere as acções deste imperador, achá-lo-á um ferocíssimo leão e uma astutíssima raposa e o verá temido e respeitado por todos, sem ser odiado pelo exército; e não se admirará de que sendo um homem novo, pudesse ter tão grande império, porque a sua muitíssima reputação o preservou sempre daquele ódio que os povos, pelas suas rapinas, teriam podido conceber. Mas Antonino 9, seu filho, foi também homem de excelentes qualidades, que o tornavam admirado do povo e estimado dos soldados; porque era militar por natureza, sofrendo toda a fadiga, desprezando todo o manjar delicado e toda a comodidade: e por isto era amado de todos os exércitos. Apesar disso, a sua ferocidade e crueldade foi tanta e tão inaudita, por ter, depois de infinitas mortes particulares, morto grande parte do povo de Roma e todo o de Alexandria, que se tornou odioso a toda a gente; e começaram a temê-lo até os que se achavam à sua volta, de modo que foi morto por um centurião10, no meio do seu exército. E de notar que semelhantes mortes, as quais se executavam de ânimo deliberado e obstinado, não podem os príncipes evitá-las, porque pode atingi-los qualquer que despreze a vida; mas o príncipe deve temê-las pouco porque são raríssimas. Deve só ter cuidado em não injuriar gravemente a algum daqueles de quem se serve e que estão mais chegados ao serviço do seu principado, como fez Antonino que depois de ter morto afrontosamente um irmão daquele centurião, ameaçava este último todos os dias e, no entanto, conservava-o na sua guarda: partido temerário e capaz de causar a sua ruína, como de facto sucedeu.

Mas vejamos Cómodo 11, a quem era muito fácil manter o império, por tê-lo iure hereditario sendo filho de Marco; e só lhe bastava seguir os exemplos do pai para ter satisfeito o povo e os soldados; mas sendo de ânimo cruel e bestial, para poder satisfazer os seus instintos de rapina nos povos, procurou cativar a simpatia dos exércitos e fazê-los licenciosos; por outro lado, não mantinha a sua dignidade, baixando amiúde aos teatros a combater com os gladiadores, e fazendo outras coisas vilíssimas e pouco dignas da majestade imperial, com o que se tornou desprezível aos olhos dos soldados. E sendo odiado por uma parte e desprezado por outra, urdiu-se contra ele uma conjura e o mataram.

Resta-nos falar das qualidades de Maximino 12. Este foi homem belicosíssimo e, como os exércitos se encontravam enfastiados da indolência de Alexandre, do qual já falei, depois da sua morte o elegeram para o império. Mas não o possuiu muito tempo, porque duas coisas o tornaram odioso e desprezado: uma a sua humilíssima origem, pois havia guardado gado na Trácia, coisa por todos sabida e que o desacreditava aos olhos de muitos; a outra foi que ao iniciar o seu principado, tendo demorado a ira Roma sentar-se no trono imperial, deu de si uma opinião de homem crudelíssimo, praticando muitas crueldades, por meio dos seus prefeitos, tanto em Roma como nos demais lugares do império. E foi de modo que, movida toda a gente de desprezo pela vileza do seu sangue e do

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ódio pelo temor da sua ferocidade, se revoltou primeiro a África, depois o Senado com todo o povo de Roma 13, e toda a Itália conspirou contra ele. Logo se juntou o seu próprio exército, que, pondo cerco a Aquileia, e achando dificuldade na sua expugnação, o matou, aborrecido da sua crueldade e temendo-o pouco já, por ver que tinha tantos inimigos.

Não quero falar de Heliogabalo 14, nem de Macrino 15, em de Juliano 16 que, por serem de todo vis, acabaram rapidamente; mas passarei à conclusão deste discurso. E digo que os príncipes têm agora no seu governo meros uma dificuldade que os imperadores romanos, a de satisfazerem extraordinariamente os soldados, porque, se bem que com eles haja de ter-se alguma consideração, prontamente o caso se resolve, pois nenhum destes príncipes possui tão grande exército reunido que se haja inveterado nos governos e na administração das províncias, como o estavam os exércitos do império romano; pois se então era necessário satisfazer mais os soldados do que o povo, era porque aqueles podiam mais que este; agora é mais necessário a todo o - príncipes, excepto ao Turco e ao Soldão 17, 1 satisfazer mais o povo do que os soldados, porqueo povo pode mais que aqueles. Exceptuo o Turco porque tem sempre à sua volta doze mil homens de infantaria e quinze mil de cavalaria, de cuja força depende a segurança e fortaleza do seu reino; e é necessário que, posta de lado qualquer outra consideração, aquele senhor os mantenha amigos. No mesmo caso se encontra o Soldão, que, tendo o reino todo nas mãos dos soldados, precisa de, sem respeito pelos súbditos, os manter amigos. E haveis de notar que este Estado do Soldão é diferente de todos os outros principados, pois é semelhante ao Pontificado cristão, a que se não pode chamar nem principado hereditário, nem principado novo, porque não ficam com o poder nem são herdeiros os filhos do antigo príncipe, mas o que elegem para aquele grau os que para isso têm autoridade. Como este uso é já antigo, não pode chamar-se principado novo, por não haver nele nenhuma daquelas dificuldades que existem nos novos; pois embora o príncipe seja novo, as instituições do Estado são antigas e reguladas para recebê-lo, como se fosse seu senhor hereditário.

Mas voltando ao nosso assunto, digo que todo aquele que considere no que acabo de dizer, verá que, quer o ódio, quer o desprezo causaram a ruína dos imperadores mencionados e saberá também donde provém que, procedendo parte deles dum modo e a outra parte de modo contrário, num e noutro caso uns tiveram um fim ditoso e outros um fim desgraçado. A Pertinaz e a Alexandre, por serem príncipes novos, foi-lhes inútil e ruinoso quererem imitar Marco, que tinha o principado iure hereditario; e igualmente foi pernicioso a Caracala, a Cómodo e a Maximino imitarem Severo, por não possuírem tanta virtude que bastasse para seguirem as suas pegadas. Portanto, um príncipe novo, num principado novo, não pode imitar as acções de Marco, nem também é necessário que siga as de Severo; mas deve tomar de Severo aquela parte necessária para fundar o seu Estado, e de Marco o que seja conveniente e glorioso para conservá-lo, quando já esteja estabelecido e firme.

1. Aníbal Bentivogli, príncipe de Bolonha, foi assassinado por Batista Canneschi, que contra ele chefiou uma conjura e, depois do assassínio, aclamou pelas ruas da cidade o duque de Milão. Mas o povo levantou-se e, excitado pelos embaixadores de Veneza e Florença, trucidou Canneschi.

2. Santi, filho de Hércules. primo de Aníbal cujo governo vai de 1445 a 1462.

3. Expulso de Bolonha em 1506 pelo Papa Júlio II.

4. Instituído por Filipe Augusto, que reinou de 1180 a 1223.

5. «Por direito hereditário». O imperador Marco Aurélio, que governou de161 a 180.

6. Dídio Juliano (193).

7. Proclamado imperador pelas legiões de Antioquia, foi derrotado por Septímio Severo.

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8. Escolhido para imperador pelas legiões da Gália, também foi vencido por Septímio Severo.

9. O imperador Caracala, que governou de 211 a 217.

10. Julius Martialis, que temia ser morto por Caracala, e cuja aventura Maquiavel descreveu com mais pormenores nos Discursos, III, 6.

11. Imperador de 180 a 192.

12. Imperador de 235 a 238.

13. Na África proclamaram-se imperadores o procônsul Gordiano e seu filho. Reconhecidos pelo Senado, foram mortos pelos soldados de Maximino. O Senado reconheceu depois como imperador Balbino e Máxino Pupieno.

14. Imperador de 218 a 222.

15. Imperador de 217 a 218.

16. Dídio Juliano (v. nota 7).

17. Do Egipto.

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O Conceito de Virtú, a Política e a ÉticaIntrodução

“Demais, os Estados rapidamente surgidos, como todas as outras coisas da natureza que nascem e crescem depressa, não podem ter raízes e as aderências necessárias para a sua consolidação. Extingui-los-á a primeira borrasca, a menos que, como se disse acima, os seus fundadores sejam tão virtuosos [virtuosi], que saibam imediatamente preparar-se para conservar o que a fortuna lhes concedeu e lancem depois alicerces idênticos aos que os demais príncipes construíram antes de tal se tornarem.” Nicolau Maquiavel[1]

Maquiavel nasceu em Florença, na Itália, em 1469. Por volta de 1498 tornou-se secretário da Segunda Chancelaria, onde por mais de quatorze anos viajou entre diversas cidades em missões diplomáticas. Contudo, com o retorno dos Médici ao poder em 1512, Maquiavel foi exonerado do cargo e um ano depois preso, torturado e multado sob a acusação de tramar contra o governo.Neste período, a Itália era uma nação fragmentada em diversos Estados que formavam um território em constante conflito, muito deles derivados pela incompetência política de seus governantes. Com o desejo de retornar à vida pública e incentivado pela desestabilização da região cujas fronteiras de seus Estados viviam em perigo de guerra eminente, Maquiavel escreveu um livro de instruções ao príncipe Lorenzo, chefe da família Médici e sucessor do príncipe Juliano. Em O Príncipe, livro de gênero muito popular na época, Maquiavel aconselha de forma prática sobre como Lorenzo deveria agir para tornar-se um conquistador e com isso, conseguir unificar a Itália sob seu domínio soberano.Nesta obra, o príncipe é descrito como alguém capaz de conquistar territórios, exercer soberania e manter o poder político. Para isso, ele não poderia ficar restrito à moralidade vigente e aos costumes da época. Maquiavel via a humanidade de maneira pessimista, fria e cruel, entendendo os homens como essencialmente ruins, mentirosos e trapaceiros. Por este motivo, não caberia ao príncipe ser diferente dos homens a quem governava, sendo a ele concedida a premissa de mentir, ser corrupto e não precisar manter a palavra dada, se disso dependesse a manutenção de seu poder. Para Maquiavel, os fins justificavam os meios e não havia, para este pensador, fim maior que a unificação da frágil Itália, na época tão chafurdada em um ambiente de caos e instabilidade.

Sobre o Conceito de Virtú e FortunaDois grandes conceitos permeiam a obra O Príncipe: Virtú e Fortuna. Para ampará-los, Maquiavel recorre à mitologia clássica em oposição ao cristianismo que começava a ser discutido na Itália Renascentista.Com o cristianismo, o conceito sobre a fortuna tornou-se pejorativo, símbolo de busca indiscriminada e vã pelo poder. Para os cristãos, a fortuna deixava de ser fonte de felicidade, já que por seus preceitos, ao homem era dada a verdadeira felicidade somente no além-mundo, de acordo com a moralidade exercida pelos indivíduos na vida terrena. Sobre a maneira como os cristãos do período compreendiam o conceito de fortuna, nos diz Maria Tereza Sadek:

Esta visão foi inteiramente derrotada com o triunfo do cristianismo. A boa deusa, disposta a ser seduzida, foi substituída por um “poder cego”, inabalável, fechado a qualquer influência, que distribui seus bens de forma indiscriminada. A Fortuna não tem mais como símbolo a cornuscópia, mas a roda do tempo, que gira indefinidamente sem que se possa descobrir o seu movimento. Nessa visão, os bens valorizados no período clássico nada são. O poder, a honra, a riqueza ou a glória não significam felicidade. Esta não se realiza no mundo terreno. O destino é uma força da providência divina e o homem sua vítima impotente.

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Maria Tereza Sadek[2]

Maquiavel então subverte esta concepção cristã sobre a fortuna, dotando-a de características clássicas, que consideravam a fortuna uma deusa que “possuía o bens que todos os homens desejavam: a honra, a riqueza, a glória, o poder” (SADEK). Mas se por um lado a Fortuna era a responsável por oferecer tantos favores ao príncipe, Maquiavel afirma ser a virtú a responsável por atrair tais favores e mantê-lo no poder. Assim, um homem dotado de virtú seria capaz de seduzir a sorte, onde “a liberdade do homem é capaz de amortecer o suposto poder incontrastável da Fortuna” (SADEK).Desta maneira, na obra de Maquiavel a Fortuna é considerada um instrumento de sorte, que poderia ou não agraciar ao príncipe, de acordo com a virtú representada na sua coragem e força em seduzi-la. No entanto, mais uma vez Maquiavel subverte o conceito que era comum sobre a virtude. Na abordagem deste pensador, a virtú se aproxima mais da concepção medieval de qualidade e habilidade pessoais, do que na virtude religiosa.Para Maquiavel, a virtú é a destreza do governante em obter o sucesso pelos favores da fortuna, alcançando com isso a glória e a manutenção do poder, sem que este conceito seja relacionado à virtude religiosa que estabelecia a bondade como âncora. Ao contrário, para Maquiavel, a virtú era a astúcia política, o segredo da excelência e sucesso do príncipe:

Assim, a qualidade exigida do príncipe que deseja se manter no poder é sobretudo a sabedoria de agir conforme as circunstâncias. Devendo, contudo, aparentar possuir as qualidades valorizadas pelos governados. O jogo entre a aparência e a essência sobrepõem-se à distinção tradicional entre virtudes e vícios. A virtú pública exige também os vícios, assim como exige o reenquadramento da força. O agir virtuoso é um agir como homem e como animal. Resulta de uma astuciosa combinação da virilidade e da natureza animal. Maria Tereza Sadek[3]

Com isso, Maquiavel em um único livro altera toda a concepção de virtú e fortuna, tão comuns e incentivados na época. A fortuna deixa de ser uma conquista egoísta, para tornar-se instrumento de sorte. A virtú deixa de ser sinônimo de bondade para tornar-se astúcia e destreza pessoal, sendo que somente com a junção de virtú e fortuna, um príncipe seria capaz de manter-se no poder conquistado, podendo incorrer em defeitos se isso fosse necessário para a manutenção de sua soberania, devendo, para tanto, ser guiado pela necessidade e não pela moralidade vigente.

Inovações do conceito de virtú para a política e a éticaO Livro O Príncipe é considerado um dos maiores instrumentos da filosofia política da História. Por tratar da política como ela se desenvolve de fato e não como poderia desenvolver-se utopicamente, Maquiavel disseca a psicologia das relações de poder e estabelece uma rigorosa segregação entre política e religião.Ao contrário do que era estabelecido, Maquiavel considera que o poder não depende apenas do destino, mas, sobretudo, da astúcia de governante em manter-se sob o comando de uma nação que o respeitasse, temesse e, sendo possível, o amasse. Tal astúcia representa uma inovação no pensamento político, outorgando ao homem a responsabilidade por seu sucesso, através da junção das forças intelectuais e animais presentes em cada indivíduo. Assim, ao príncipe não bastaria a força de um leão para o domínio de um território, mas, sobretudo, a astúcia de uma raposa para manter-se no controle, sabendo como agir, quando mentir e o que deveria aparentar aos seus governados.Desta maneira, Maquiavel inova ao propor que a política possui uma ética própria, e não mais a mesma pregada pela religião. Ele subverte os conceitos já mistificados de virtude, fortuna e poder, e lança sobre eles um olhar crítico e prático, baseado em observações concretas e desprovidas de fundamentalismos dogmáticos. Assim, não seria necessário ao príncipe ser um homem bom, devoto, cumpridor de suas promessas ao povo, pois tais características são próprias da virtude cristã,

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apartada da ética política instruída por Maquiavel. Bastaria, portanto, que o príncipe se guiasse pelas necessidades advindas de determinadas circunstâncias, tendo a astúcia exigida para saber identificá-las e a sabedoria para agir em razão delas.Outra inovação de Maquiavel foi a de atestar à fortuna apenas metade do sucesso de um príncipe, sendo a virtú a responsável pela metade que o manteria no poder. Com isso, Maquiavel dilui a crença no sucesso como predestinação e passa a encará-lo como um esforço árduo e constante do homem que se dispõe a governar uma nação, caracterizando o pensamento renascentista de outorgar ao homem e não aos poderes do destino, o seu estabelecimento enquanto tal.Com essas inovações, Maquiavel não apenas consagrou-se como um dos maiores expoentes do pensamento renascentista, como se tornou também um dos maiores filósofos políticos da História, contribuindo para a análise de como a política funciona de fato, e não como gostaríamos que ela funcionasse.

Conclusão: Os fins justificam os meiosÉ célebre a frase de Maquiavel que afirma que os fins justificam os meios. Tal afirmação é a responsável pelo tom pejorativo com que o pensador é citado cotidianamente, até por quem nunca teve acesso à sua obra. Assim, “maquiavélico” tornou-se ao longo da história sinônimo de maldade, característica de pessoa traiçoeira, de quem vive a tramar planos contra outrem. No entanto, Maquiavel apenas alterou o prisma pelo qual a moralidade era encarada, separando radicalmente a política da religião. Para ele, o fim maior era a unificação da Itália, o que justificaria quaisquer meios utilizados pelo príncipe para alcançá-lo. Além disso, por considerar a humanidade essencialmente pérfida, Maquiavel entendia que ao príncipe caberia também sê-lo, se esta atitude acarretasse na ordem e na instauração de um Estado estável. Ao contrário de pensadores que ao longo da História descreveram como a política deveria ser realizada para o alcance de um Estado forte e provedor de bem-estar aos seus governados, Maquiavel antecede uma característica do Renascimento e parte para o plano concreto da política, descrevendo como se dão as relações de poder e não como poderiam dar-se utopicamente. Assim, a partir de um exame metódico da realidade e da história de governos passados, Maquiavel conclui que caberia ao Príncipe construir um Estado que resolvesse o ciclo inevitável de caos e instabilidade, onde os fins justificariam os meios utilizados, tornando-se o príncipe não um ditador, mas o fundador de um Estado unificado, sendo ele o agenciador da transição de uma nação em constante conflito:

O príncipe não é um ditador; é, mais propriamente, um fundador do Estado, um agente da transição numa fase em que a nação se acha ameaçada de decomposição. Quando, ao contrário, a sociedade já encontrou formas de equilíbrio, o poder político cumpriu sua função regeneradora e “educadora”, ela está preparada para a República. Neste regime, que por vezes o pensador florentino chama de liberdade, o povo é virtuoso, as instituições são estáveis e contemplam a dinâmica das relações sociais. Os conflitos são fontes de vigor, sinal de uma cidadania ativa, e portanto são desejáveis. Maria Tereza Sadek[4]

É importante ressaltar, por isso, que os conselhos de Maquiavel são voltados a um plano político que prevê o Principado como fonte de poder, tendo ainda, a República como alternativa política. No entanto, para este pensador, a nação só estaria plenamente preparada para este modelo de governo, quando um homem forte conseguisse unificar os diversos territórios em conflito e tivesse cumprido seu papel de regenerador da sociedade.Por fim, há correntes dentro da Filosofia que afirmam ser O Príncipe um livro satírico, que fizesse com que os governados constatassem a natureza dos príncipes e rejeitassem tal domínio. Por outro lado, há os que afirmam que sua obra tinha o intuito apenas de agraciar a família Médici, como forma de retornar ao cargo público ao qual havia sido exonerado. Com isso, é um desafio discernir na obra de Maquiavel quais eram suas reais crenças e quais seriam apenas o modelo utilizado para satirizar ou agraciar os governantes. Contudo, independentemente das correntes que estudam e

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defendam tais concepções, O Príncipe é, de toda forma, um livro intrigante, feito de instrumento político por ditadores e republicanos, e obra indispensável aos interessados na descrição analítica dos mecanismos do poder.__________Texto: Natachy Petrini(Licencianda em Filosofia) CEUCLAR

FONTES DE PESQUISA:http://www.ceap.br/artigos/ART13102011193159.pdfhttp://www.youtube.com/watch?v=QHUYIHsnoiI&feature=relatedhttp://www.youtube.com/watchy?feature=fvwp&NR=1&v=8IlQKSkd68Y[1] MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Disponível em: http://www.ceap.br/artigos/ART13102011193159.pdf.[2] SADEK, Maria Tereza. Nicolau Maquiavel: o cidadão sem fortuna, o intelectual de virtú. Disponível em:http://www.ceap.br/artigos/ART13102011193159.pdf.[3] SADEK, Maria Tereza. Nicolau Maquiavel: o cidadão sem fortuna, o intelectual de virtú. Disponível em:http://www.ceap.br/artigos/ART13102011193159.pdf.[4] SADEK, Maria Tereza. Nicolau Maquiavel: o cidadão sem fortuna, o intelectual de virtú. Disponível em:http://www.ceap.br/artigos/ART13102011193159.pdf.

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ÉTICA E POLÍTICA NO PENSAMENTO DE MAQUIAVEL.De: Michel Gustavo de Almeida Silva

Maquiavel (1469_1527) ao revelar aos seus leitores o conteúdo do seu livro resultante da sua própria experiência e avesso ao idealismo político dos antigos gregos, já que para este, a vida política de uma sociedade impossibilitada de ser una e indivisível, na realidade é governada por duas leis básicas: o desejo dos poderosos de oprimir e o desejo dos menos favorecidos de não serem oprimidos, pretendia na realidade oferecer subsídios intelectuais práticos e de resultado imediato (se fossem praticados de maneira eficaz em circunstâncias propícias) para o surgimento de um político altamente capacitado que proporcionasse por intermédio do seu mandato a unificação da Itália e extrapolasse esse projeto, fazendo da Itália um Estado forte e por isso, escreveu o livro: O príncipe e o dedicou ao Duque de Urbino, neto de Lourenço – o magnífico.É justamente por causa disso, que o átrio da sua obra-prima é a famosa máxima: '' os fins justificam os meios'' e sua obra-prima roga à política uma legalidade, onde tudo é válido, inclusive a violência estatal, desde que o objetivo seja a posse e também a manutenção do poder. Assim, nas linhas gerais do seu pensamento está explícito o realismo político do seu contexto e até hoje de certa forma vigente, permeado pela sistematização de uma concepção de poder que permite à política um caráter autônomo e a exclusão quase que total da ética na esfera política. Mas por que a política se tornou autônoma e rompeu a união íntima com a ética?

A política para Maquiavel.Maquiavel antes de ser exilado, foi um político diplomata e conselheiro de alguns governantes de Florença, acompanhou de perto a ascensão burguesa, testemunhou as lutas européias de centralização do poder e viu sua pátria, ou seja, a Itália de acordo com as palavras do mesmo, na seguinte situação: '' sem ordem, batida, espoliada, dilacerada, invadida, e sujeita a toda sorte de ruínas''. Assim, por acompanhar pessoalmente as atuações dos mais diversos atores no teatro político, presenciar tal situação histórica e por perceber que a tão desejada união da política com a ética pelos antigos gregos e os cristãos não passava de teorização, já que uma sociedade homogênea, una e indivisível onde o bem comum fosse o foco principal de todos os membros da sociedade era utópica por que as relações humanas estiveram e estão pautadas no desejo dos grandes de oprimir e a vontade do povo de não ser oprimido.

Para Maquiavel, a política sempre esteve pautada na tomada e manutenção do poder e a função do Estado é através da violência legalizada controlar a violência dos homens que ''são genericamente ingratos, volúveis, covardes, mesquinhos, dissimulados e fazem o jogo conforme seus interesses estão sendo satisfeitos'' (MAQUIAVEL, 2007) a fim de estabelecer a ordem social. A política adquiriu um caráter autônomo e passou a ter como finalidade primordial a tomada e a manutenção do poder, o Estado passou a ser, segundo Max Weber, o '' monopólio legítimo da força'' e a união da política com a ética desejada pelos antigos se tornou algo quase que fora de cogitação, já que a ética esteve mais voltada para as questões metafísicas até a ocorrência das 2 guerras mundiais.Se a política adquiriu um cunho pragmático e se tornou algo demasiado humano em detrimento da realidade efetiva das coisas que é sempre mutável, como deveria ser o político ideal para tomar o poder e conservá-lo nessa perspectiva?

O Príncipe ideal para exercer essa política.O príncipe ideal para exercer a política tal como ela é se consiste naquele que possui virtu; méritos, tais como audácia e prudência e sabe gozar dos benefícios do tempo e utilizar as circunstâncias favoráveis, isto é, faz bom uso da fortuna. É aquele que sabe que o homem não é totalmente livre e está subordinado ao conjunto de circunstâncias exteriores, isto é, a fortuna que por sua vez, é mutável e quase sempre alheia a vontade humana e usa da sua própria habilidade para se adaptar as

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circunstâncias, sendo também capaz de usar os artifícios necessários para torná-las, se as mesmas forem adversas, favoráveis para a realização do seu projeto maior. Em outras palavras, é aquele que consegue obter e conservar o poder, por saber como e quando usar as estratégias certas, mesmo que, sejam permeadas de violência para não infringir, segundo Marilena Chauí, o único principio que rege a política: o poder do príncipe deve ser superior ao dos grandes e estar a serviço do povo, sem fortalecer quem deve ser enfraquecido, sem que os súditos conheçam a sua verdadeira intenção a evitar a revolta popular e a sua própria ruína. Age assim, por ter, sempre em mente, as noções conceituais maquiavelianas de que o governante deve ser temido, amado e não pode ser odiado. Além de conservar a ordem estabelecida por ele mesmo, o seu outro grande objetivo é evitar causar o terror nos seus governados, pois, quando isso ocorre, a ruína é certa. Porém, Maquiavel recomenda ao político que é melhor ser temido do que amado e que para conservar o poder, o político dever ser bom quando possível e mau quando necessário. Ou seja, o governante que deseja cumprir com êxito o seu objetivo de manter o poder precisa aprender a não ser bom. Por que o príncipe não deve ser bom? Por que segundo Maquiavel, ''aquele que, num mundo cheio de perversos, pretende seguir em tudo os ditames da bondade, caminha inevitavelmente para a própria perdição. Dai se infere que um príncipe desejoso de conservar-se no poder tem que aprender os meios de não ser bom e fazer uso ou não deles, conforme as necessidades''. Essa frase pode ser considerada como uma chave para compreendermos o motivo de a política ter se separado da ética.

Ou seja, a virtude política consiste na capacidade de agir de acordo com as circunstâncias e de forma eficaz e prática, já que a vida política, como disse Raquel Kritsch¹, tem exigências próprias, particulares, que não se podem subordinar aos imperativos, pretensamente universais.

Concluo esse ensaio alegando que sem dúvida alguma é importante a existência da ética em qualquer esfera humana, porém, não devemos esquecer que a situação política vigente é conseqüente da averiguada por Maquiavel em seu contexto e descrita em sua obra-prima, O príncipe que apesar de ter sido acusada de diabólica por muitos pelo fato de ter um conteúdo que explicita a verdadeira finalidade da política, isto é, a tomada e a manutenção do poder, acabou instigando um processo de humanização no mundo político, em outras palavras, trouxe a política para o pragmatismo cotidiano, onde não há espaço para a ingenuidade de acreditar que é possível haver uma sociedade una, indivisível sem os conflitos entre as diversas classes sociais e a união indissociável da política com a ética. A partir do paradigma Maquiavel, posso perceber que a nossa realidade social deixa explícita a urgente necessidade do diálogo da política com a ética, porém um diálogo mais amplo e que supere o pseudo-moralismo escondido há séculos em nosso processo civilizatório.

Referências.MAQUIAVEL. O príncipe: tradução de Antônio Caruccio-Caporale. Porto Alegre: L&PM POCKET, 2007.KRITSCH¹, Raquel, Maquiavel e a construção da política. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64452001000200009&lng=pt&nrm=isoRIBEIRO, Renato Janine. Um pensador da ética. Disponível em: http://www.renatojanine.pro.br/FiloPol/pensador.htmlCHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Editora Ática, 1997.WEBER, M. ''A política como vocação''. In: Ciência política e duas vocações. Brasília: Editora UnB, 1983.

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Virtù e Fortuna em Maquiavel a partir da obra ‘O Príncipe’

Resumo: O trabalho busca esclarecer dois pontos centrais da Filosofia política de Maquiavel – as figuras da Virtù e da Fortuna. A virtú deve ser vista como uma forma do livre-arbítrio do governante, sendo a principal variável na condução do principado. Destaca-se, também, a utilização da variável na contestação aos valores tradicionais. Já a Fortuna constitui-se na indeterminabilidade de parte dos resultados do governo: ela deve ser dominada, conquistada para o benefício do príncipe.Introdução

O trabalho estuda duas variáveis fundamentais na Filosofia política de Maquiavel – Virtù e Fortuna. Esses dois conceitos estabelecem um momento inédito na filosofia política até então aplicada - a partir deles começa-se a pensar política de forma factual, através da expressão ‘verdade efetiva das coisas’, ao contrário do pensamento medieval, em que se abordava o poder a partir de análises religiosas ou morais, espelhando o que deveria fazer o príncipe, isto é, um fundamento deontológico do poder.

A Virtù trata-se da capacidade do príncipe em controlar as ocasiões e acontecimento do seu governo, das questões do principado. O governante com grande Virtù constrói uma estratégia eficaz de governo capaz de sobrestar as dificuldades impostas pela imprevisibilidade da história. Assim, o político com grande Virtú observa na Fortuna a probabilidade da edificação de uma estratégia para controlá-la e alcançar determinada finalidade, agindo frente a uma determinada circunstancia, percebendo seus limites e explorando as possibilidades perante a mesma. Destaca-se também a estabilidade requerida por Maquiavel – a virtú seria uma forma de manter a paz e estabilidade do Principado. Outro ponto importante é acerca da superioridade da vida pública em detrimento da vida privada na constituição da Virtù. Por fim, destaca-se a contestação dos valores e virtudes da moral cristã tradicional à época de Maquiavel.

A Fortuna diz respeito às circunstâncias, ao tempo presente e às necessidades do mesmo: a sorte individual. É, para o filósofo, a ordem das coisas em todas as dimensões da realidade que influenciam a política. Observa-se que a Fortuna não pode ser vista como um obstáculo ao governante, mas um desafio político que deve ser conquistado e atraído. O príncipe que vive despreparado em função da Fortuna apenas atrairia desonra e fracasso, mas o de Virtù procura utilizá-la, controlá-la da tal forma que lhe possa ser útil. É nesse sentido da Fortuna que se debruça este trabalho, isto é, procura esclarecer acerca da (in) determinabilidade da Fortuna.1 A Virtù

A Virtù de Maquiavel trata-se de um signo valorativo utilizado pelo autor para refletir a um conhecimento prático, técnico da realidade efetiva das coisas. O sujeito possuidor da Virtù é o que obtém êxito em obter e manter o poder. Os fundadores do principado, sujeitos com tal característica, são homens excelentes – dispostos a agir da forma mais corajosa possível no sentido de se fundar um governo. Segundo Maquiavel, a manutenção e a obtenção do poder torna-se variável, portanto, conforme seja maior ou menor a Virtù de quem o conquistou. Os homens de Virtù receberam da Fortuna não mais do que a ocasião, que lhes deu a matéria para introduzirem a forma que lhes aprouvesse, sendo que aqueles que por Virtù conquistam o poder tendem mais facilmente a conservá-lo. Os mais organizados teriam conseguido que suas constituições fossem seguras se também considerassem as armas necessárias para mantê-la. Assim, há homens que enfrentam grandes dificuldades, defrontando-se em seu caminho com perigos que foram superados. Depois de vencerem esses perigos e passarem a ser venerados, tendo aniquilado os que tinham inveja de suas qualidades, tornam-se poderosos, seguros, honrados e felizes, segundo Maquiavel.[1] (Vide

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Maquiavel, 2008, pp. 23-26).

Do contrário, aqueles que não possuem a Virtù na aquisição do principado esforçam-se pouco para conquistá-lo, mas muito para mantê-lo. Todas as dificuldades, a partir daí, surgem quando já conquistado o principado. Os novos príncipes, que adquirem o poder a par da Virtù, apóiam-se exclusivamente na vontade de quem lhes concedeu. Diz o autor (2008, p. 27):

Não sabem porque, a menos que sejam homens de grande engenho e Virtù, não é razoável que saibam comandar tendo sempre vivido como particulares; e não podem porque não têm forças que lhes possam ser amigas e fiéis. Além disso, os Estado que nascem subitamente – como todas as outras coisas da natureza que nascem e crescem depressa – não podem ter raízes e ramificações, de modo que sucumbem na primeira tempestade. A menos que – como já disse – aqueles que repentinamente se tornaram príncipes sejam de tanta Virtù que saiba rapidamente preparar-se para conservar aquilo que a Fortuna lhes colocou nos braços e estabeleçam depois os fundamentos que outros estabeleceram antes de se tornarem príncipe. (grifo meu)

Também, segundo Maquiavel, os governantes que possuíram os seus principados por muito tempo, não podem acusar a Fortuna por tê-lo perdido, mas a sua própria indolência (ou a falta de Virtù) por não terem, em tempos de paz, pensado que as condições estabelecidas poderiam mudar sua situação de estagnação social e econômica. Segundo Maquiavel (2008, pg. 118):

Quando chegam os tempos adversos, pensam em fugir e não em defender-se, esperando que o povo, cansado da insolência dos vencedores, os chame de volta. Este caminho, à falta de outros, é bom; porém é muito mau ter abandonado outras soluções para adotar esta, porque não deves jamais querer cair por acreditar que encontrarás alguém para te reerguer, coisa que ou não acontece ou, quando acontece, não contribui para a tua segurança, pois esta defesa é vil e não depende de ti. Certamente, as defesas só são boas, seguras e duráveis quando dependem de ti mesmo e de tua Virtù.

Observa-se, outrossim, que a Virtù não se confunde com a virtude cristã, sendo que ao príncipe não há restrições, ou não deve importar-se em incorrer na infâmia religiosa dos vícios necessários para o seu governo. O comportamento do príncipe, pelo menos nos assuntos acerca do principado, não obedece aos preceitos da moral piedosa tradicional; não compete ao governante conduzir os assuntos de governo conforme uma deontologia tradicional, mas conforme apenas à Virtù. Nas palavras do autor (2008, pgs. 73 e 74):

Muitos imaginaram repúblicas e principados que jamais foram vistos e quem nem se soube se existiram na verdade, porque há tamanha distancia entre como se vive e como se deveria viver, que aquele que trocar o que se faz por aquilo que se deveria fazer aprende antes a arruinar-se que a preservar-se; pois um homem que queira fazer em todas as coisas profissão de bondade deve arruinar-se entre tantos que não são bons. Daí ser necessário a um príncipe, se quiser manter-se, aprender a poder não ser bom e a valer-se ou não disto segundo a necessidade. (Grifo meu)

(…)

Sei que vão dizer que seriam muito louváveis que um príncipe, dentre todas as qualidades acima, possuísse as consideradas boas. Não sendo isto, porém inteiramente possível, devido às próprias condições humanas que não o permitem, ele necessita ser suficientemente prudente para evitar a infâmia daqueles vícios que lhe tirariam o poder e guardar-se, na medida do possível, daqueles que lhe fariam perdê-lo; se não o conseguir, entretanto, poderá, sem grande preocupação, deixar estar.

Também não deverá importa-se de incorrer na infâmia dos vícios sem os quais lhe seria difícil

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conservar o poder porque, considerando tudo muito bem, encontrar-se-á alguma coisa que parecerá Virtù e, sendo praticada, levaria à ruína; enquanto uma outra que parecerá vício, quem a praticar poderá alcançar segurança e bem-estar.

Ou seja, a Virtù não se importa com aspectos da compaixão e benevolência da tradição moral cristã.[2]

O príncipe, ainda, não deve sequer se preocupar com a fama de severo que uma eventual decisão lhe traga, quanto mais os preceitos de uma religião. Segundo Maquiavel, quando o príncipe está em campanha, no comando de inúmeros soldados, não deve se preocupar com a fama de cruel, pois a mesma mantém um exército unido e disposto à ação. E essa fama apenas surge de sua forma desumana de crueldade, que juntamente com outras várias formas da Virtù, fazem venerável o príncipe. (2008, pg. 81)[3]

Observa-se, entretanto, que apesar de refutar a moral tradicional cristã através da Virtù, o sistema de Maquiavel não pode ser considerado amoral ou mesmo imoral, mas simplesmente diverso da moral medieval. Segundo Marilena Chauí (2000, pg. 203), a Virtù nunca deixou de estar presente também na ética e, como esta surgia inseparável da política, a mesma oposição se fez presente no pensamento político. Neste, o governante virtuoso é aquele cujas virtudes não sucumbem ao poderio da caprichosa e inconstante Fortuna. Ainda, para a autora, Maquiavel retoma essa questão da moralidade, mas lhe imprime um sentido inteiramente novo. A Virtù do príncipe não consiste num conjunto fixo de qualidades morais que ele oporá à Fortuna, lutando contra ela. A Virtù é a capacidade do príncipe para ser flexível às circunstâncias, mudando com elas para agarrar e dominar a Fortuna. Isto é, um príncipe que agir sempre da mesma maneira e de acordo com os mesmos princípios em todas as circunstâncias fracassará e não terá Virtù alguma. Para ser senhor da sorte ou das circunstâncias, deve mudar com elas e, como elas, ser volúvel e inconstante, pois somente assim saberá agarrá-las e vencê-las.

Conclui a autora (CHAUÍ, 2000, pg. 204):

Em certas circunstâncias, deverá ser cruel, em outras, generoso; em certas ocasiões deverá mentir, em outras, ser honrado; em certos momentos, deverá ceder à vontade dos outros, em alguns, ser inflexível. O ethos ou caráter do príncipe deve variar com as circunstâncias, para que sempre seja senhor delas.

Para Maria Tereza Sadek (1993, pg. 21), Maquiavel recorre aos pensadores clássicos, investigando os preceitos dominantes em política para fundar o conceito de Virtù. A estratégia argumentativa do pensador está em demonstrar que apesar da quase determinabilidade da história, a Virtù pode conquistar essa imprevisibilidade da Fortuna, ou seja, uma figura política pode superar as variações arbitrárias do movimento contingente da história. Consequentemente, Maquiavel sublinha a indubitável origem do poder na força. A força continua fundamentando o poder, porém é a Virtù a chave para a excelência e o sucesso do príncipe. O governo tem que ser capaz de resistir os inimigos e os infortúnios da sorte. “O homem de Virtù deve atrair os favores da cornucópia, conseguindo, assim, a fama, a honra e a glória para si e a segurança para seus governados” (SADEK, 1993, pg. 23)

Assim, afirma a autora supra, que a questão trata-se das qualidades valorativas do príncipe. As qualidades do governante não devem estar atreladas à tradição moral medieval, mas comportam um novo sistema de preceitos. Para Maquiavel há vícios que são virtudes para os medievais. Nesse sentido, os ditames da moralidade tradicional não são considerados e podem levar o príncipe à ruína. Mas dentre os novos valores do príncipe destaca-se a flexibilidade – a qualidade exigida é de que ele mantenha uma sabedoria de agir conforme as circunstancias. Ou seja, a Virtù política

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também exige valores considerados vícios para os doutores da igreja, da mesma forma que exige as questões da força e graus de irracionalidade. A Virtù resulta, assim, de uma combinação entre virilidade e natureza animal, “quer como leão (para aumentar os lobos), quer como raposa (para conhecer os lobos), o que conta é o triunfo das dificuldades e a manutenção do Estado. Os meios para isso nunca deixarão de ser julgados honrosos, e todos aplaudirão.” (SADEK, 1993, pg. 23) Ou seja, a política tem uma ética e uma lógica própria, em que não se enquadra o tradicional moralismo piedoso, mas da mesma forma não é niilista.

Complementa Maria Tereza Sadek acerca da contestação por parte de Maquiavel de uma moral tradicional cristã. Nas palavras da autora (1993, pg. 21 e 22):

Não cabe nessa imagem a idéia da virtude cristã que prega uma bondade angelical alcançada pela libertação das tentações terrenas, sempre à espera de recompensa no céu. Ao contrário, o poder, a honra e a glória, típicas tentações mundanas, são bens perseguidos e valorizados; o homem de Virtù pode consegui-los e valorizados. O homem de Virtù pode consegui-los e por eles luta.

Dessa forma, o poder que nasce da própria natureza humana e encontra seu fundamento na força é redefinido; não se trata mais apenas da força bruta, da violência, mas da sabedoria no uso da força, da utilização virtuosa da força; o governante não é, pois, simplesmente o mais forte – já que este tem condições de conquistar mas não de se manter no poder -, mas sobretudo o que demonstra possuir Virtù, sendo assim capaz de manter o domínio adquirido e se não o amor, pelo menos o respeito dos governados.

Conforme Quentin Skinner (1996, pg. 146), a Virtù de Maquiavel apresenta-se como uma forma extremamente criativa - a forma pela qual o governante mantém seu estado e se capacita a confrontar seus inimigos. Além, a Virtù está como fundamento da liberdade para Maquiavel – esta somente pode se conservar promovendo-a, isto é, com o pleno desenvolvimento político dos cidadãos. Também ela contesta as piedades dominantes, que ao contrário de serem pacifista, representam para o filósofo florentino apenas uma forma dissimulada de aquisição do poder, porém, conforme demonstra a história, sem condições de mantê-lo – daí resulta a dificuldade de conexão entre a Virtù e as exigências da fé cristã[4]. O autor afirma que existia certa complacência entre os valores propostos pelos republicanos da época e a religião cristã em relação à Virtù e às virtudes, contudo Maquiavel ataca essas teses supostamente tranquilizadoras. Se o governante estiver autenticamente empenhado no ideal da Virtù e dedicar-se primordialmente aos valores da república acima de todos os outros, não poderá supor que será um homem virtuoso e de Virtù necessariamente na mesma proporção (SKINNER, 1996, pg. 202).

Constitui-se, portanto, em um dilema para o governante – comandar conforme os ditamente da moral cristã, tradicional, ou através da Virtù. Para Maquiavel a resposta é indubitável – as metas da liberdade e segurança da república representam os valores mais elevados. Assim, conclui que não há sentido em utilizar-se dos valores religiosos nos assuntos políticos. Apesar de que o governante deva comportar-se da forma mais popular possível: aconselha a utilizar-se de todos os instrumentos da Virtù a nosso alcance, mesmo também a dissimulação encontrada na tradição medieval. Recomenda que se a liberdade de nossa pátria exigir que trilhemos o caminho dos malfeitores, fazê-lo sem hesitar é o principal papel político do príncipe. (SKINNER, 1996, pg. 203).

Enfim, nas palavras de Skinner acerca do conceito de Virtù:

Para Maquiavel, como para os outros humanistas, o conceito de Virtù serve dessa forma para indicar a qualidade indispensável que capacita um príncipe a vencer as pedras e setas da enfurecida Fortuna, e a aspirar assim à obtenção da honra, glória e fama; isso se evidencia com muita nitidez em seu capítulo “Por que os príncipes de Itália perderam seus Estados”. Aqui ele prevê todos os

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novos príncipes, se desejam alcançar “a dupla glória” que resultará de ter fundado um principado novo e de lhe consolidar a existência, que “os únicos meios bons, certos e duradouros” a utilizar são “aqueles que dependem de tuas próprias ações de tua Virtù”. O mesmo tom ressurge, ainda mais vigoroso, no capítulo final do Príncipe, na “exortação” de Maquiavel aos Medice para que ‘livrem a Itália das mãos dos bárbaros”. Depois de assegurar-lhes que sua ‘ilustre casa’ possui ‘Fortuna e Virtù’, afirma não haver alguém mais capacitado que eles a conduzir a Itália a sua redenção.

Observa que para Abbagnano (1998, pg. 642), em função da diferença entre o pensamento da Virtù e as considerações acerca da expressão pejorativa ‘maquiavélico’, segue a posição mesma da Chauí e Skinner, afirmando a também eticidade sui generis do pensamento do autor, assim como também não há espaço para uma moral restrita aos preceitos tradicionais. A posição justifica a má leitura feita em relação à instrumentalidade do poder em Maquiavel, sendo o resultado da expressão ‘os fins justificam os meios’. Segundo Abbagnano, a Filosofia política de Maquiavel passou a ser convencionalmente resumida de que "o fim justifica os meios". Tal máxima, porém, não foi formulada por Maquiavel, que não considera o Estado como fim absoluto e não o julga dotado de existência superior à do indivíduo Além disso, Maquiavel tinha grande simpatia pela honestidade e pela lealdade na vida civil e política; portanto, admirava os Estados regidos por essas virtudes, como os romanos e dos suíços. Contudo, seu objetivo era formular regras eficazes de governo, tendo como base a experiência política antiga e nova, considerando que essa eficácia era independente do caráter moral ou imoral das regras tradicionais. No entanto, Maquiavel percebeu, segundo Abbagnano, que a moral e a religião podem ser - como às vezes são - forças políticas que, como todas as outras, condicionam a atividade política e seu êxito; também que às vezes isso não acontece e que a ação política se mostra eficaz mesmo quando exercida em sentido contrário ao das leis da moral. Como essa era a realidade mais freqüente nas sociedades de seu tempo (especialmente a italiana e a francesa)—que ele chama de "corruptas" - e como Maquiavel tem, sobretudo, em vista a aplicação de suas regras políticas à sociedade italiana para a constituição de um Estado unificado, explica-se sua insistência em certos preceitos ‘imorais’ de conduta política, o que acabou sendo mal expresso ou generalizado na máxima de que "o fim justifica os meios", mesmo sendo o pensamento de Maquiavel oposto a tal máxima.

Para Norberto Bobbio (1998, pg. 87), quanto aos novos principados, assunto da maior parte do livro, Maquiavel distingue quatro espécies, de acordo com as diferentes maneiras como o poder pode ser conquistado: a) pela Virtù; b) pela "Fortuna"; c) pela violência; d) com o consentimento dos cidadãos. Estas quatro espécies podem ser dispostas em duplas antitéticas: Virtù-"Fortuna"; força-consentimento. Os conceitos de Virtù (coragem, valor, capacidade, eficácia política) e de "Fortuna" (sorte, acaso, influência das circunstâncias) têm grande importância para a concepção maquiaveliana da história. Por Virtù, diz Bobbio, Maquiavel entende a capacidade pessoal de dominar os eventos, de alcançar um fim objetivado, por qualquer meio. Observa-se que para Maquiavel o que se consegue realizar não depende nem exclusivamente da Virtù nem só da "Fortuna"; quer dizer: nem só do mérito pessoal nem apenas do favor das circunstâncias, mas de ambos os fatores, em partes iguais. Enfim, A diferença entre os principados conquistados pela Virtù e os conquistados pela "Fortuna" é que os primeiros são mais duradouros; os segundos, que o príncipe conquista devido a circunstâncias favoráveis, e não pelo próprio mérito, são menos estáveis, destinados a desaparecer em pouco tempo.

Ainda conforme Bobbio, em relação ao pensamento político medieval existente a época de Maquiavel, o cristianismo continuava forte nos espíritos da época, e se declarar de maneira veemente, como o faria Maquiavel, que, além de tudo, estava o soberano totalmente liberto dos imperativos éticos que regiam os homens comuns, era coisa absolutamente inaudita em uma Europa ainda ideologicamente bastante ligada aos valores medievais e constituiu uma reação contrária por parte da Igreja. Neste sentido, afirma Norberto Bobbio (1994, pg. 14):

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Quanto se proclamava que o príncipe estava acima das leis, geralmente não se queria dizer com isso, que ele estivesse acima das leis divinas e morais. Por meio da teoria do maquiavelismo são quebrados também esses limites: o príncipe não é mais somente livre dos vínculos jurídicos, mas também (para usar de uma expressão provocativa), além do bem e do mal, quer dizer, livre dos vínculos morais que delimitam a ação dos simples mortais. O maquiavelismo, neste sentido, é a exposição teórica mais audaciosa sobre o absolutismo do poder estatal.

Observar-se, portanto, a importância da figura da Virtù no pensamento político de Maquiavel, não podendo negar também a sua preocupação, ainda que em desacordo com a tradição, com uma ética do príncipe. Ou seja, não há de considerar o pensamento de Maquiavel como amoral ou imoral, ou designá-lo como niilista, pois possuiria uma filosofia destituída de valores. O que se encontra no texto do filósofo italiano, entretanto, é um pensamento valorativo diverso do tradicional, o que por muito tempo (ou mesmo por má-fé) recebeu a alcunha de niilista. Há, portanto, valores no texto de Maquiavel, contudo, são novos valores, criativos e transformadores.

2 Fortuna

A figura da Fortuna representa, assim como a Virtù, uma das formas de aquisição do poder. Contudo, diversamente da Virtù, ela não garante a estabilidade. Para Maquiavel, aqueles que somente pela Fortuna de outros se tornam príncipes, sem grandes esforços, encontram sérias dificuldades em manter o principado. Tais apóiam-se exclusivamente na vontade e na Fortuna de quem lhes concedeu o poder, situação, segundo o autor, volúvel e instável. Diz Maquiavel que tais homens não sabem nem porque devem manter o principado, sendo que sempre viveram como particulares.[5] Nas palavras do autor (2008, pg. 28):

Não sabem porque, a menos que sejam homens de grande engenho e Virtù, não é razoável que saibam comandar tendo sempre viveu como particulares; e não podem porque não têm força que lhes possam ser amigas e fiéis. Além disso, os Estado que nascem subitamente – como todas as outras coisas da natureza que nasce e crescem depressa – não podem ter raízes e ramificações, de modo que sucumbe na primeira tempestade. Ao menos que – como já disse – aqueles que repentinamente se tornaram príncipes sejam de tanta Virtù que saibam rapidamente preparar-se para conservar aquilo que a Fortuna lhes colocou nos braços e estabeleçam depois os fundamentos que outros estabeleçam antes de se tornarem príncipes.

A figura da Fortuna é tratada de forma mais exaustiva no vigésimo quinto capítulo da obra ‘O príncipe’ – ‘De quanto pode a Fortuna nas coisas humanas e de que modo se pode resistir-lhe’. Para o autor, muitos pensam que as coisas do mundo são governadas por deus ou pela Fortuna. Contudo, afirma Maquiavel (2008, pgs. 119 ss), há o livre-arbítrio, considerado como possuidor de metade das responsabilidades. A Fortuna possui metade do arbítrio de nossas ações, não sendo exclusiva, determinante na ação. Um príncipe, logo, que se apoia exclusivamente na Fortuna tende a fracassar. Maquiavel utiliza-se de uma metáfora interessante, a do rio caudaloso – nas palavras do autor (2008, pg. 120):

Comparo a sorte a um desses rios impetuosos que, quando se irritam, alagam aas planícies, arrasam as árvores e as cassas, arrastam terras de um lado para levar a outro: todos fogem deles, mas cedem ao seu ímpeto, sem poder detê-los em parte alguma. Mesmo assim, nada impede que, voltando a calma, os homens tomem providências, construam barreiras e diques, de modo que, quando a cheia se repetir, ou o rio flua por um canal, ou sua força se torne menos livre e danosa. O mesmo acontece com a Fortuna, que demonstra a sua força onde não encontra uma Virtù ordenada, pronta para resistir-lhe e volta o seu ímpeto para onde sabe que não foram erguidos diques ou barreiras para contê-las. Se considerares a Itália, que é sede e origem dessas alterações, verás que ela é um campo sem diques e sem qualquer defesa; caso ele fosse convenientemente ordenado pela

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Virtù, como a Alemanha, a Espanha e a França, ou esta cheia não teria causado as grandes mudanças que ocorrem, ou estas em sequer teriam acontecido.

Mesmo, porém, sendo inconsistente e indomável, para Maquiavel ainda assim a Fortuna poderia ser controlada para o benefício do príncipe. Aqui se associam as variáveis da Fortuna e da Virtù. Segundo Marilena Chauí (2000, pg. 204), a Fortuna para Maquiavel é sempre favorável a quem desejar agarrá-la. Oferece-se como um presente a todo aquele que tiver ousadia para dobrá-la e vencê-la. Portanto, em lugar da tradicional oposição entre a constância do caráter virtuoso e a inconstância da Fortuna, Maquiavel introduz a Virtù política como astúcia e capacidade para adaptar-se às circunstâncias e aos tempos, como ousadia para agarrar a boa ocasião e força para não ser arrastado pelas más e a Fortuna como um problema a ser enfrentado e dominado pelo príncipe.

Para Bobbio (1998, pg. 87), por Fortuna Maquiavel entende o curso dos acontecimentos que não dependem da vontade humana. Diríamos hoje: o "momento subjetivo" e o "momento objetivo" do movimento histórico. Entretanto, mesmo não dependendo da vontade, a Fortuna pode ser domada pelo príncipe de virtú.

Em Skinner, temos a Fortuna em Maquiavel como uma referência do pensamento renascentista. A forma da Fortuna é encontrada reiteradamente no texto, sendo encontrada em todo o decorrer da obra - já no início Maquiavel apresenta a Fortuna como sendo uma das forma de aquisição do poder; também reforça a ideia de que a da Fortuna também pode auxiliar os principados novos. Contudo, o que o autor mais ressalta, segundo Skinner (1996, pg. 141), “é o caráter instável da deusa Fortuna, de que resulta ser louco todo aquele que confiar, por alguma duração de tempo, em seus favores.”

Para Maria Tereza Sadek, Maquiavel parece, no penúltimo capítulo da obra, concordar com a determinabilidade da ação por parte da Fortuna, contudo, nas palavras da autora (Sadek, 1993, pg. 22):

No entanto, o desenrolar de sua exposição mostramos, com toda clareza, que se trata de uma concordância meramente estratégica. Concorda para pode desenvolver os argumentos da discordância. Assim, após admitir o império absoluto da Fortuna, reserva poucas linhas a seguir, ao livre-arbítrio pelo menos o domínio da metade das ações humanas. E termina o capítulo demonstrando a possibilidade da Virtù conquistar a Fortuna. Assim, Maquiavel monta um cenário no qual a liberdade do homem é capaz de amortecer o suposto poder incontrastável da Fortuna. Ou melhor dizendo, ao se indagar sobre a possibilidade de se fazer uma aliança com a Fortuna, esta não é mais um a força impiedosa, mas uma deusa boa, tal como era simbolizada pelos antigos. Ele é mulher, deseja ser seduzida e está sempre pronta a entregar-se aos homens bravos, corajosos, aqueles que demonstram ter Virtù.

Enfim, vê-se que a Fortuna não é uma figura política a ser desprezada pelo governante, mas sim conquistada, administrada através dos preceitos da Virtù. Nesse sentido, mesmo sob certa determinação histórica, o príncipe, desde que com Virtù pode garantir sua liberdade dessa dominação e estabelecer seu principado de forma estável sem a interferência da Fortuna.Conclusão

O trabalho procurou destacar a grande relevância dos dois principais conceitos da filosofia política de Maquiavel – a Virtù e a Fortuna. Resultado de um pensamento efetivo dos assuntos de estado, Maquiavel expressa através destas variáveis as necessidades de um governante na obtenção e manutenção do poder, sem influências do moralismo tradicional, medieval.

A Virtù, como visto, é uma figura utilizada para representar a liberdade, o livre-arbítrio do

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governante em relação à imprevisibilidade e determinabilidade da história. Ele, o governante, tem a capacidade, através da Virtù, de superar, controlar as ocasiões e acontecimento do seu governo; construir uma estratégia capaz de conquistar a Fortuna, estratégia principalmente regrada pela flexibilidade política. Também a Virtù representa metade das ações do príncipe. Portanto, vê-se claramente em Maquiavel o espaço da liberdade em seu modelo, restringindo, contudo, a moralidade e o pensamento medieval, isto é, a virtú representa um conceito diverso de liberdade de arbítrio do pensamento tradicional.

Já a Fortuna representa uma deusa grega, uma mulher que, segundo Maquiavel, escolhe entre os mais viris, como maior Virtù, aquele que vai conquistá-la. Refere-se às circunstâncias, as imprevisibilidade dos acontecimentos e a determinação de parte da história. A Fortuna não deve ser evitada ou ignorada pelo príncipe, pois é inevitável e sempre presente, mas deve ser conquistada pelo mesmo. O príncipe não pode depender dela, contudo deve fazer da mesma sua aliada, controlá-la, não através de uma força imoderada ou impensada, mas através da habilidade e flexibilidade política.Referências

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

BOBBIO, Norberto. Dicionário de Filosofia Política. Trad.: Carmen C. Varriale etal. 11ª Ed. Brasília: Ed. UNB, 1998.

______________. Teoria das formas de governo. Tradução: Sérgio Bath. 10ª Ed. Brasília: Ed. UNB, 1994.

CHAUÍ, Marilena. Filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 2000.

MAQUIAVEL, Nicolo. O Príncipe. Tradução Maria Goldwasser. São Paulo: Martin Fontes, 2008.

SADEK, Maria Tereza. Nicolau Maquiavel: o cidadão sem Fortuna, o intelectual sem Virtù. Os clássicos da política. Org. Francisco C. Weffort. 4ª Ed. São Paulo: Editora Ática, 1993.

SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.Notas

[1] Complementa Maquiavel (2008, pg. 26): A tão elevados exemplos, quero acrescentar outro menor, mas que mantém certa relação com eles e que servirá como modelo a todos os outros semelhantes: é o de Hierão de Siracusa que, de simples cidadão, transformou-se em príncipe de Siracusa. Também ele nada recebeu da Fortuna senão a ocasião. Quando estavam os siracusanos subjugados, escolheram-no para capitão e a partir daí mereceu tornar-se seu príncipe. Foi de tamanha Virtù, mesmo quando cidadão particular, que sobre ele se dizia que quod nihil illi deeerat ad regnandum preater regnunt. Hierão extinguiu a milícia antiga e organizou uma nova, deixou as amizades antigas e contraiu novas, e assim que teve seus próprios amigos e soldados pode construir, sobre esta base, todo um edifício; assim teve muito trabalho para conquistá-lo mas pouco para conservá-lo.

[2] Quando ao principado Eclesiástico, diz Maquiavel (2008, pg. 53): Agora, resta-nos somente discorrer sobre os principados eclesiásticos, cujas dificuldades são todas anteriores à sua posse, porque são obtidos ou por Virtù ou por sorte e são mantidos sem uma nem outra, pois têm por base antigas instituições religiosas, de tamanho poder e natureza tal, que conservam seus príncipes no governo, qualquer que seja o modo como procedam e vivam. Somente eles possuem Estados e não

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os defendem; súditos, e não os governam; e os Estados, embora não sejam defendidos, não lhes são tomado; e os súditos, embora não sejam governados, não se preocupam com isso e não podem separar-se deles; logo, só estes principados são seguros e felizes. Mas, sendo eles regidos por razões superiores, que a mente humana não pode alcançar, não falareis sobre eles, pois sendo erguidos e mantidos por Deus, seria homem presunçoso e temerário se discorresse a seu respeito.

[3] Observa-se, contudo, que apesar de temido entre os soldados, o príncipe jamais se deve fazer odiado ou desprezado, o que também é um aspecto da Virtù. Segundo Maquiavel, o governante de Virtù não deve injuriar a comunidade, utilizando-se da Virtù para jamais ser odiado ou desprezado. (2008, pg.92)

[4] Interessante observar a tradição política dos autores de “espelhos do príncipe”. (Vide Skinner, 1996, pg. 139 e 144) Skinner esclarece tal predomínio do pensamento monárquico e excessivamente ligado à religião em tais autos

[5] Vide Skinner, 1996, pg. 139 ss. acerca da superioridade da vida pública em detrimento da vida priva em Maquiavel.

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Maquiavel, a virtù e a garantia da liberdadeEm sua obra Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio, Maquiavel influência o debate sobre o conceito de liberdade, e deixa uma questão contemporânea em aberto: como estimular a virtude cívica nos cidadãos de uma sociedade política, dado que tal virtude é pressuposto de realização da liberdade?

Nicolau Maquiavel (Niccolò Machiavelli, 1469-1527), autor renascentista italiano conhecido principalmente por sua obra O Príncipe (de 1513, publicado em 1532), servia à a

no início do século 16. Participava ativamente e observava de perto as instituições de um poder em funcionamento. Depois de aproximadamente 14 anos de trabalho, foi afastado de suas funções públicas sob a acusação de ser um dos responsáveis pela política contrária ao governo a . Entre 1514 e 1517, afastado do exercício político, escreveu seus Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio, cujo objetivo era comparar as instituições da Roma clássica com as de Florença do período. Como surgem os estados, como se mantêm e como se extinguem são os movimentos analisados nesse trabalho, que influencia até hoje as discussões sobre a virtude cívica e a garantia da liberdade.A liberdade tem sido considerada um valor a ser realizado pelas sociedades políticas nas obras de diversos autores da filosofia política moderna.

Thomas Hobbes, a , Jean-Jacques Rousseau e o próprio Maquiavel – entre tantos outros que trazem e atualizam o debate e a tentativa de conceituação até a contemporaneidade –, tentaram definir liberdade, tratar seus limites e as implicações de sua realização.

Se na obra O Príncipe Maquiavel parecia privilegiar, entre os bens a serem realizados por uma ordem política, a conservação e a segurança, o valor eleito pelo autor nos Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio parece ser a preservação da liberdade na cidade de Roma, seu modelo de organização política.

Surpreendentemente, são tumultos e conflitos entre plebe e nobres que poderiam levar à realização da liberdade na cidade: estariam na origem de boas leis. Não é, porém, para Maquiavel, qualquer tumulto capaz de gerar boas leis, mas sim os conflitos canalizados para as instituições que consigam dar vazão a esses humores sociais. A existência de formas institucionais capazes de mediar os conflitos e, ao fazê-lo, conseguir transformá-los em efetiva participação na vida pública é, assim, essencial. Sem instituições que acolham e promovam uma solução pública para os conflitos, estes podem se transformar em disputas privadas que em tudo são contrárias à virtù, que Maquiavel visa a promover.

Cidades populares x cidades aristocráticas

O povo é, ou deveria ser, o guardião da liberdade, já que é ele quem age contra uma opressão ou

contra o receio de ser oprimido. Entre e , cidades aristocráticas, e Roma, exemplo de cidade popular, que conta com a participação do povo para realização de seus projetos públicos, Maquiavel deixa evidente ao longo do livro sua predileção pelo modelo romano.

Cidade-estado fundada em 1115 e dissolvida em 1532, a República

Florentina, ou República de Florença, era governada pela Signoria, cuja cúpula era formada por nove integrantes, escolhidos

entre comerciantes e artesãos e figuras destacadas de uma sociedade composta por oligarquias. Em 1429, iniciou-se o

período da dinastia dos Médici – Cosme (Cosimo) de Médici (1389- 1464) à

frente, seguido de outros nomes importantes como Lourenço de Médici

(1449-1492). A região de Florença vivia, então, um período de esplendor

intelectual e artístico.

Tendo como membros banqueiros, governantes, grão-duques e papas, a

Família Médici foi uma poderosa dinastia política presente na região da Itália. Os

Médici comandaram Florença e Toscana por décadas e foram financiadores de

artistas, poetas, filósofos e cientistas do Renascimento. Entre aqueles que, em

algum momento se beneficiaram desse mecenato, figuram Galileu Galilei, Michelangelo e Leonardo da Vinci.

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Maquiavel nos oferece duas relevantes razões de sua defesa e preferência pelas cidades populares quando comparadas às cidades aristocráticas, de porque ele acredita ser tão relevante a participação do povo na vida pública das cidades. O primeiro motivo é a importância da participação popular para a garantia de uma cidade militarmente forte e próspera. Uma população numerosa, armada, treinada para participar de guerras e defender sua cidade de seus inimigos externos é uma população que tem força para causar tumultos e reivindicar benefícios diante dos poderosos, ou seja, para atuar em seus conflitos internos.

 

O povo é, ou deveria ser, o guardião da liberdade, já que é ele quem age contra uma opressão ou contra o receio de ser oprimido. Entre Esparta e Veneza, cidades aristocráticas e Roma, exemplo de cidade popular, que conta com a participação do povo para realização de seus projetos públicos, Maquiavel deixa evidente ao longo do livro sua predileção pelo modelo

romano.

Maquiavel, a virtù e a garantia da liberdade

Em sua obra Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio, Maquiavel influência o debate sobre o conceito de liberdade, e deixa uma questão contemporânea em aberto: como estimular a virtude cívica nos cidadãos de uma sociedade política, dado que tal virtude é pressuposto de realização da liberdade?

por Ester Gammardella Rizzi*

Outra razão, ainda mais importante, para que se estimule a participação do povo na vida pública, segundo Maquiavel, é a necessidade de confiar a ele a preservação da liberdade, já que, sendo ele o objeto privilegiado da dominação, é também o sujeito mais capaz de prevenir que ela aconteça. Ressalta o protagonismo dos muitos diante dos poucos. Algumas características devem estar presentes para que o povo funcione efetivamente como guardião: a

QUEM FOI TITO LÍVIO Escritor, filósofo e historiador nascido por volta do ano 59 a.C., em

Pádua, na região do Vêneto, Tito Lívio (Titus Livius) escreveu Ad Urbe Condita (tradução aproximada: Desde a fundação da cidade), obra

monumental que reconstitui a trajetória de Roma desde a sua formação. Embora tenha se mantido afastado dos grupos literários de seu tempo,

foi contemporâneo de Virgílio, Ovídio e Horácio. Tito Lívio morreu também em Pádua, no ano 17 d.C.

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instância última de julgamento de uma cidade, ao menos em relação à violação ou não de sua liberdade, deve ser o próprio povo, e não algum magistrado investido de poderes pessoais. Os juízes devem ser muitos nesses casos, pois os poucos tendem sempre a julgar em favor dos poucos.

Parece claro, assim, que se há uma tensão entre senado e plebe, entre muitos e poucos, entre um só e muitos no exercício do poder, tal como descrito na obra de Maquiavel, há, pelo menos em relação à preservação da liberdade, um verdadeiro protagonismo do povo em sua guarda e realização. Não há cidade forte militarmente sem povo, mas também não há cidade livre sem participação dos muitos na vida política da cidade, defendendo sua própria liberdade contra os poucos, que teriam a possibilidade de suprimi-la.

Tal participação popular traz consequências, ressaltadas na obra de Maquiavel. Não há como esperar participação política pacífica e não conflituosa. A virtude cívica implica levar a público intenções, desejos, projetos que, muitas vezes, não são consensuais. O conflito decorrente da intensa participação política do povo nos negócios da cidade, parece ter sido uma das importantes contribuições de Maquiavel às formulações dos teóricos que lhe sucederam. Os humanistas cívicos exaltavam a participação política de todos os cidadãos, mas nenhum desses pensadores chegou a refletir sobre os possíveis choques que essa participação poderia causar e seu potencial criativo e destrutivo da cidade cuja ordem política se analisava.

Maquiavel não se limita a constatar que a participação política é imprescindível para a guarda da liberdade e seu potencial conflituoso inerente. Afirma ainda que as boas leis, ou seja, as leis que garantem a liberdade, surgem exatamente desse conflito, dos tumultos, não podendo suprimi- los sem que seja suprimida a liberdade. O conflito passa a ser, assim, um elemento constitutivo fundamental a uma comunidade política que queira realizar a liberdade. Supressão do conflito gera supressão da liberdade, segundo sua visão. A partir desse pressuposto, há que se criar formas institucionais que consigam dar vazão aos conflitos sem que a comunidadepolítica seja posta em risco, permitindo a ampla participação popular.

O conceito de virtù e seu contrário – o povo corrompido

Nem toda participação popular, porém, pode ser considerada boa. Maquiavel descreve, em oposição àqueles que possuem virtù – qualificada como a intenção de alcançar o bem comum – os poderosos, que, em vez de apresentarem leis em favor da liberdade e do interesse público, as formulam tendo em vista o seu próprio poder. Por que tais poderosos, porém, detinham em suas mãos a iniciativa legislativa, quando o povo deveria participar ativamente dessas formulações? Por que o povo acatava, deliberava e aceitava regras que seriam sua própria ruína, como descreve Maquiavel? Há, aqui, como tratado no item anterior, um protagonismo dos muitos diante dos poucos. Um povo cheio de virtù não se deixa governar por tiranos; um povo corrompido, por sua vez, não consegue reconhecer os benefícios de uma cidade livre. Escreve Maquiavel em Discursos:

Nascido em Wrington, Inglaterra, John Locke (1632-1704) é para muitos considerado o “pai do liberalismo político”.

Hoje um clássico da filosofia política – liberalismo e contratualismo –, Locke deixou ao menos duas grandes

obras: Dois Tratados sobre o Governo Civil e Ensaios acerca do Entendimento Humano.

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MAQUIAVEL, O REPUBLICANOPor ocasião do lançamento de seu livro Maquiavel entre Repúblicas (Editora UFMG, 2010), a revista Conhecimento Prático Filosofia [edição 26] conversou com o filósofo Gabriel Pancera. Doutor em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e especialista em filosofia política, Pancera analisou o republicanismo e o reformismo presentes na obra do autor de O príncipe. Confira a seguir

trechos da entrevista conduzida pelo jornalista Matheus Moura:

Um dos seus intuitos com o livro Maquiavel entre Repúblicas é elucidar crenças e valores republicanos de Maquiavel. Explique como isso foi feito e quais os principais pontos levantados no título.

A principal questão é mostrar como o republicanismo de Maquiavel, presente já em outras obras do autor, se concretiza numa proposta de reforma constitucional, que é o Discurso. Ao verificarmos como o autor pensava na prática certas categorias formuladas abstrata e conceitualmente, podemos compreender e dar maior precisão ao sentido de suas críticas e de suas formulações. É como se o concreto lançasse luzes sobre o conceitual, iluminando-o com novos sentidos e significados. É o caso, por exemplo, dos conflitos, elemento central nas formulações maquiavelianas. Sabemos, dos Discursos, segundo o qual parte da virtude de um estado está na sua capacidade de dar soluções político-institucionais às inevitáveis tensões, mas não sabíamos como pensá-lo efetivamente. Lendo o Discurso sobre as formas de governo, vemos como Maquiavel imagina que isso pudesse acontecer, pois ali ele formula uma proposta de reforma da forma de governo, que procura incorporar tais conflitos. Assim, ao retornarmos para as obras anteriores, conseguimos melhor compreender essa questão. E esse é apenas um caso.

No desenvolvimento do livro, foram usadas outras obras de Maquiavel, como O Príncipe e Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio, para norteá-lo nas elucidações quanto ao pensamento republicano de Maquiavel. Pode-se dizer que Maquiavel explica Maquiavel? Por quê?

As pessoas em geral nutrem uma visão de Maquiavel como um autor maquiavélico. Não, ele não é bem isso. Ele é, sim, um estudioso da política, do campo da política. Está preocupado em desvendar seus mecanismos, compreender a realidade que o circundava e pensar em caminhos e soluções para os impasses de sua época. É dessa perspectiva que olha para esse objeto do mundo humano. Mas não se pode reduzir seu pensamento ao Príncipe, obra com base na qual, muitas vezes, Maquiavel foi lido como um maquiavélico. Não, não se deve reduzir seu pensamento a essa obra, pois parte importante é encontrado nos Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio, lugar onde o autor se mostra claramente republicano, um autor defensor da vida ativa, dos valores cívicos, mas, sobretudo, um pensador de grande estatura, que formula e mobiliza um vigoroso aparato conceitual para compreender o universo da política e pensar possíveis alternativas para seus impasses. O esforço do pensador florentino fica claro no opúsculo examinado no livro Maquiavel entre Repúblicas, pois, para pensar a reforma constitucional de sua cidade, o autor pressupõe tudo o que tinha sido formulado anteriormente. Mas com a vantagem de apresentar os mesmos temas de maneira sintética e bastante articulada.

Como pode ser feita a aproximação do pensamento maquiavélico com o comportamento político contemporâneo dentro do conceito de bom governo e republicanismo?

Parece-me que as principais lições a serem aprendidas com Maquiavel têm a ver com o cultivo e a valorização da vida e das virtudes cívicas, e também com a compreensão da política como um lugar de solução de conflitos e construção de um espaço comum, capaz de vincular os homens. Os dois aspectos mostram- se, aliás, como crítica e alternativa para a sociedade individualista e de massa em que atualmente nos encontramos, caracterizada pelo isolamento, egoísmo e apatia das pessoas relativa às coisas que são comuns a todos e sobre as quais temos, queiramos ou não, responsabilidade.

Maquiavel, a virtù e a garantia da liberdade

Em sua obra Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio, Maquiavel influência o debate sobre o conceito de liberdade, e deixa uma questão contemporânea em aberto: como estimular a virtude cívica nos cidadãos de uma sociedade política, dado que tal virtude é pressuposto de realização da liberdade?

por Ester Gammardella Rizzi*

Gabriel Pancera é doutor em Filosofia, pesquisador e professor de filosofia política da Universidade Estadual

do Oeste do Paraná.

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Tais foram, portanto, o início e o fim da lei agrária. E embora tivéssemos mostrado alhures como as inimizades, em Roma, entre o

senado e a plebe, mantiveram a cidade livre, visto que delas nasciam as leis favoráveis à liberdade, parecendo, pois,

desconforme com tal conclusão o resultado dessa lei agrária, digo que nem por isso renuncio a tal opinião: porque é tão grande a

ambição dos grandes que, se não sofrer oposição por várias vias e de vários modos numa cidade, logo a levará à ruína. De modo

que, embora o con¤ ito da lei agrária tenha demorado trezentos anos para acarretar a servidão de Roma, isso teria ocorrido

muito mais cedo caso a plebe, seja com essa lei, seja com outros desejos seus, não tivesse refreado a ambição dos nobres. Vê-se

também por aí como os homens estimam mais o patrimônio que as honras. Porque a nobreza romana sempre cedeu à plebe sem

excessivos [straordinari] tumultos quando o assunto eram honras, mas quando se tratou do patrimônio, foi tão grande sua obstinação na defesa deste que a plebe, para saciar seu apetite, recorreu aos

meios extraordinários que acima falamos.

Só a virtù do povo, ou seja, só a participação de todos na vida política da cidade, tendo em vista o bem comum e a preservação da liberdade de todos, é que pode manter a cidade a salvo de sua apropriação por interesses privados. A corrupção, entendida como a falta de capacidade de se dedicar energia ao bem comum, priorizando interesses privados em detrimento de interesses da coletividade, tem sua origem, segundo Maquiavel, na desigualdade existente na cidade.

Maquiavel não se limita a constatar que a participação política é imprescindível para a guarda da liberdade e seu potencial

conflituoso inerente. Afirma ainda que as boas leis, ou seja, as leis que garantem a liberdade, surgem exatamente desse

conflito, dos tumultos, não podendo suprimi-los sem que seja suprimida a liberdade.

Assim, a não realização da liberdade e inaptidão para a vida livre estão diretamente relacionadas a uma intensa desigualdade existente, levando- nos a crer que igualdade e liberdade se aproximam. Seria possível, então, entender que os conflitos tratados nos primeiros capítulos do livro seriam conflitos que, além de reivindicarem a garantia e a preservação da liberdade,

Cidade localizada na Grécia, Esparta foi uma das principais cidades-estado da Grécia Antiga (ou Grécia Clássica). Com fortes caracteristicas bélicas, Esparta manteve relações tensas com Atenas, que culminariam com a Guerra do Peloponeso ocorrida entre 431 e 404 a.C., vencida pela Liga do Peloponeso (com Esparta na linha de frente) e cuja história foi relatada nos escritos de Xenofonte e Tucídides.

A Sereníssima República de Veneza, com a capital situada na bela Veneza, vigorou de 697, quando se desligaram do Império Bizantino, em 1797, quando fora invadida pelo Exército de Napoleão Bonaparte. Atualmente a cidade de Veneza é um dos cartões-postais da Itália e um dos grandes pontos turísticos da Europa.

LIVROS SOBRE MAQUIAVEL

O Príncipe de Maquiavel, uma Interpretação Moderna e Prática (Saraiva, 2010) Tim Philips

Maquiavel, um Homem Incompreendido (Record, 2007) Michael White

Maquiavel & O Príncipe (Zahar, 2004) Alessandro Pinzani

Maquiavel (Zahar, 2003) Newton Bignotto

Maquiavel, Política e Retórica (UFMG, 2009) Helton Adverse

A pena do florentinoAlém de Discursos sobre as Primeiras Décadas de Tito Livio, Nicolau Maquiavel produziu uma obra considerável, que abrange os campos da filosofia, da estratégia política, da história, do teatro e da literatura. O Príncipe é seu livro mais lido e influente, sendo mencionado em cursos de ciências sociais (disciplina de filosofia política), filosofia, história, psicologia e administração. No entanto, o notável florentino escreveu,

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relacionavam-se também com uma ânsia de realização da igualdade? Uma igualdade que, por sua vez, estivesse menos relacionada com as honras do que com as propriedades distribuídas desigualmente entre os membros da comunidade?

À parte essas hipóteses dificilmente verificáveis nos limites deste artigo, impossível não reconhecer haver uma conexão entre a virtù do povo e a virtù dos governantes, tal como Maquiavel descreve. Magistratura cheia de virtù e povo participativo e atento; magistratura permeada por interesses privados e povo corrompido, parecem ser relações constatáveis com base no texto de Maquiavel.

Como evitar a corrupção e estimular a virtù?Apresentadas as relações que Maquiavel estabelece entre participação popular, virtù, e garantia do respeito à liberdade, resta uma pergunta: se são a participação e a virtù tão fundamentais para a realização da liberdade e para impedir que a comunidade política se corrompa, como estimulá- las em seus cidadãos?

Provavelmente ele acreditava que, ao escrever seu livro, estaria estimulando esse valor nos outros cidadãos de Florença. Mas a questão se coloca tal como antes: como estimular a virtù em todo um povo, para não permitir que uma república, que uma cidade seja corrompida? Há um meio de estimular os cidadãos pelas leis da própria república? Maquiavel esboça duas possíveis respostas de como estimular a virtù nos cidadãos de uma cidade. O primeiro modo é mediante a educação voltada à participação na vida pública. O segundo modo é estimular os cidadãos por meio de exemplos: grandes homens virtuosos poderiam ser modelos a serem seguidos pelos povos que eles pretendem (re)ordenar. Os grandes exemplos históricos também podem cumprir esse papel.

Saber qual a forma de estimular a virtù, a participação do povo na vida pública das cidades e das sociedades, no entanto, é uma importante questão que não é completamente resolvida na obra de Maquiavel.

Autores republicanos contemporâneos reconhecem, com base na referência de Maquiavel, a imperatividade do exercício da virtude cívica para a realização dos valores republicanos, notadamente para a garantia da liberdade. Virtude cívica, comunidade política e garantia da liberdade dos cidadãos na vida em sociedade, constituída pela sociedade política e suas instituições estão, ainda contemporaneamente, indissociáveis.

Já que a participação política, o exercício da virtù tal como descrita por Maquiavel, é pressuposto do exercício do poder, não deveríamos estar preocupados em avançar mais um passo e responder à desconfortável pergunta: como o sistema político pode estimular a participação política de seus cidadãos? Por meio de leis que os obriguem a participar? Não seria essa, no entanto, uma forma de restringir a própria liberdade que se quer alcançar?

Bem ou mal resolvida, a virtude cívica é, certamente, um dos componentes que compõem a noção de liberdade tal como concebida pela tradição de filosofia política chamada republicana, bastante presente nos debates contemporâneos. Tal característica, por sua vez, deve boa parte de sua origem teórica à obra Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio.

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Aula 2 maquiavel - Estado e Relações de Poder - UFABC

1. 1. Disciplina Estado e Relações de Poder O pensamento de Maquiavel Prof. Giorgio Romano 28 de maio de 2010 http://tidia.ufabc.edu.br:8080/ Membership: Prof. Giorgio Romano 1

2. 2. Contexto histórico – 2ª metade sec. XV Grande mudanças em governos e ideias sobre o governo Época medieval: Poder político disperso (feudalismo). Sociedade medieval era local (reflexo organização econômica/ transporte) 2

3. 3. Contexto histórico – 2ª metade sec. XV (2) Novidade: unidade nacional + Rei ⇒superação ideias sobre papel igreja e império Organização comércio em âmbito nacional + comércio longa distância. Era necessário poder político nacional => Monarquias absolutas substituíram as cidades livres e o sistema feudal (revolucionando instituições e civilização medieval) 3

4. 4. Contexto histórico – 2ª metade sec. XV (2) Classe emergente dos comerciantes , inimiga dos nobres, aliou-se ao Rei. Espanha: união Fernando Aragão/Isabella Castilla Inglaterra: Henry VII – reino absoluto Tudor França: exemplo mais clássico de surgimento consolidação poder centralizado: tributação nacional para financiar o exército cidadão 4

5. 5. Preocupação Maquiavel E a Itália? País dividido entre cinco centros de poder: Veneza, Milão, Florença (Firenze), Roma e Nápoles Lógica política: Evitar invasões estrangeiras Manutenção do equilíbrio de poder 5

6. 6. Preocupação Maquiavel Itália deve adaptar-se à nova situação: precisa de um líder para criar um Estado nacional. A organização das cidades livres não poderia resistir. No livro “Comentários (Discorsi) sobre a primeira década de Tito Lívio”: Um país nunca pode ser unido e feliz quando não obedece um só governo, republicano ou monárquico, como nos casos da França e Espanha. 6

7. 7. Preocupação Maquiavel O que diferencia Espanha e França da desordem e corrupção na Itália? É que eles têm um rei que os une. Percepção do novo fenômeno das naçõesEstado. Cap XXVI: É preciso um novo monarca na Itália (um libertador). Uma nova forma de governo. E para isso fala-se até em “guerra justa”. 7

8. 8. O Príncipe Combinação de: • Experiência concreta • Observação processos políticos • Estudo da história Dirigido ao Lorenzo de Medici (potencial “salvador” da Itália) Empirismo senso comum: não há ainda tentativa de empirismo indutivo (testar hipóteses). Exemplos históricos são selecionados para sustentar suas teses. 8

9. 9. O Príncipe Sucesso ou fracasso da política depende do líder. O Princípe é o governante, o poder Executivo, a autoridade legítima. Logo no início do Cap II: “Discorrerei somente sobre os principados, examinando de que modo suas várias modalidades...podem ser mantidas e governadas”. 9

10. 10. O Príncipe O livro pode ser lido de várias formas Na tradição diplomática (precursora RI), balanço de poder entre cidades-estados Manual sobre liderança (psicologia superficial) Tratado político sobre a oportunidade histórica de criar um Estado na Itália e a necessidade de um príncipe assumir essa tarefa 10

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11. 11. Fortuna e Virtú: contra o determinismo Virtú => capacidade de realizar; poder humano de efetuar mudanças Fortuna=> o acaso; o curso da história Entre Fortuna e Virtú: a oportunidade “...não devemos nada à fortuna, senão à oportunidade (l´ocassione)...” “...sem sua virtude, a ocasião teria vindo em vão”. 11

12. 12. Fortuna e Virtú: contra o determinismo Maquiavel se posiciona contra o fatalismo que se conformava com o comando do mundo pela Providência divina (determinismo) ou pelo acaso. Por isso a importância do conhecimento do mundo: apoderar-se da oportunidade, permacendo imunes às surpresas do acaso => • • Política como exercício da escolha É preferível o príncipe ser audacioso do que 12 prudente.

13. 13. Fortuna e Virtú: contra o determinismo Cap XXIV/ XXV: Sorte - mostra todo o seu poder quando não foi posto nenhum empenho para lhe resistir. Considerar em tempos tranquilos as coisas que podem mudar (“lembrar da tempestade durante a calmaria”) => defesa de planejamento (p. 145/146) 13

14. 14. Fortuna e Virtú: contra o determinismo Quem sabe faz a hora, não espera acontecer (Geraldo Vandré) Que Deus me dê a serenidade de aceitar as coisas que não posso mudar, coragem de mudar as coisas que posso e a sabedoria de ver a diferença. (Francisco de Assis, Sec XII/XIII) 14

15. 15. Realismo político Descrição das coisas como são, não a defesa do que elas deveriam ser. • • • Objetivo da política: a conquista do poder e a sua manutenção. O Príncipe como estudo sobre a dinâmica do poder: disputa de poder permanente Elemente a-histórico: condição humana, independe de lugar e época. 15

16. 16. Realismo político “...exaggerate the importance of the game for its own sake and to minimize the purposes for which the game is presumably played. Politics is an end in itself”. (Sabine/Thorson) Governo de sucesso garante segurança da propriedade. “O homem mais facilmente esquece do assassinato do pai do que do confisco do seu patrimônio” => desenvolvido por Thomas Hobbes (meados século 17) 16

17. 17. Realismo político Cap III Organização de colônias Cap VI Fala na dificuldade de instituir uma nova ordem das coisas. Quem toma tal iniciativa suscita a inimizade de todos os que são beneficiados pela ordem antiga. Cap XII/ XIII Não confiar em tropas mercenárias e/ou forças auxiliares (de vizinhos poderosos). 17

18. 18. Natureza humana Profetas armados vencem, são arruinados os desarmados. Justificativa: “...a natureza dos povos é lábil: é fácil persuadilos de uma coisa, mas é difícil que mantenham sua opinião. Por isso, convém ordenar tudo de modo que , quando não mais acreditam, se lhes possa fazer crer pela força”. 18

19. 19. Natureza humana Cap XVIII Príncipe não precisa agir com boa fé: “...quando, para fazê-lo, precisa agir contra seus interesses...Este preceito não seria bom se todos os homens fossem bons”. Cap XXIII “...os homens falam sempre com falsidade, a não ser quando a necessidade os obriga a serem verídicos” (Na mesma linha: conselheiros/assessores pensam 19 todos nos seus próprios interesses)

20. 20. Ética e Moral em Maquiavel Thomaso de Aquino (século 13) em “Sobre a Realeza” dava conselhos ao príncipe cristão: piedade, moderação, caridade, generosidade, honestidade. Maquiavel: “...para se manter o príncipe deve adquirir a capacidade e não ser bom, e que faça ou não uso dela de acordo com a necessidade”. 20

21. 21. Ética e Moral em Maquiavel O Bem e o Mal não têm sentido na vida

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sociopolítica se forem abstratamente dissociados. Indiferença ao uso de meios imorais para objetivos políticos: o governo depende de força. Critério de legitimidade do mal: uma minimização do uso dos instrumentos de poder + maximização da eficácia dos resultados (proporcionalidade) 21

22. 22. Ética e Moral em Maquiavel Cap VIII - “Uso adequado ou não da crueldade”. Usar a crueldade bem: “...uma só vez, com o objetivo de se garantir, sem dar-lhe continuidade, mas ao contrário substituíram por medidas tão benéficas a seus súditos quanto possível”. Crueldade mal-empregada: “...a que sendo a princípio pouca, cresce com o tempo, em vez de diminuir”. “praticar todas as necessárias crueldades ao mesmo tempo”. 22 (pg 68/69)

23. 23. Ética e Moral em Maquiavel Nos Comentários Tito Lívio: “...enquanto o ato o acusa, o resultado o escusa..(ações repreensíveis podem ser justificadas por seu efeito) quando o resultado for bom, como o caso do Romulus, ele sempre justifica a ação. Pois censurável é o homem que usa da violência para estragar as coisas, e não aquele que faz uso dela para consertá-la.” 23

24. 24. Ética e Moral em Maquiavel Cap XVIII Evitar desviar-se do bem quando foi possível, mas guardando a capacidade de praticar o mal, se forçado pela necessidade: “...os fins justificam os meios”. Cap XIX “..quando um partido cujo apoio lhe seja necessário para manter sua posição é corrupto, precisa amoldar-se a ele e satisfazê-lo...” 24

25. 25. Ética e Moral em Maquiavel • • • • Não a ética da consciência, dos valores. Mas, a ética dos resultados, das conseqüências da ação. A moral cristã não serve por ser de outro mundo. Não é a intenção que valida o ato, mas seu resultado (the proof of the pudding is in the eating) Por isso não condena a força quando necessária. Mas necessária para que? 25

26. 26. Ética e Moral em Maquiavel Abstração da política: non-moral mais que imoral? Aristótoles, na sua obra sobre a política: considerações sobre a preservação dos Estados em referência a bem ou mal. Cap XVII: “O príncipe, portanto, não deve se incomodar com a reputação de cruel, se seu propósito é manter o povo unido e leal.” 26

27. 27. Ética e Moral em Maquiavel Cap. XV O Príncipe “...não deverá se importar com a prática escandalosa daqueles vícios sem os quais seria difícil salvar o Estado”. Poder pelo poder? Objetivo do príncipe: uma ordem estável em meio a um mundo de contingência e acaso. Somente por esse propósito é que a prática da tirania pode ser usada. 27

28. 28. Ética e Moral em Maquiavel Robert Chisholm: A ética política de Maquiavel tem como um de seus componentes a lealdade e alguma instituição que vai além da fortuna pessoal. Ou seja: não é somente a conquista e a manutenção do poder. Ele coloca a ambição necessária do príncipe acima de interesses imediatos: estabelecimento da ordem temporal. Não fornece a base para uma moralidade universal, apenas para as relações entre as cidadãos e entre governante e governado. 28

29. 29. Princípios democráticos em Maquiavel? Entusiasmo para governos populares como na república romana desaparece no Príncipe: seria impraticável naquela época na Itália. Era preciso um príncipe absoluto. Um nome forte, porque precisará combater as elites aristocráticas que impedem a consolidação de um Estado republicano. 29

30. 30. Princípios democráticos em Maquiavel? Porém: afirma no Príncipe a importância fundamental do consentimento e apoio populares para o êxito de qualquer política: o consentimento das massas é a melhor garantia de estabilidade (precursor da tradição

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democrática moderna?) 30 31. 31. Princípios democráticos em Maquiavel O príncipe precisa do apoio do povo Cap

III “...o príncipe precisará sempre do favor dos habitantes de um território para poder dominá-lo, por mais poderoso que seja seu exército”. “...precisa tratar bem os homens ou então aniquilá-los”. Cap IX: “...é necessário que o príncipe tenha o favor do povo, senão, não encontrará seu apoio na adversidade.” Cap XX: “...a melhor fortaleza é a construída sobre a estima dos súditos, pois as fortificações não salvarão um príncipe odiado pelo povo”. 31

32. 32. Princípios democráticos em Maquiavel O príncipe precisa do apoio do povo Cap IX Governo civil – poder pelo favor de seus concidadãos. Em todas as cidades duas facções: o povo e os poderosos. “Quando os ricos percebem que não podem resistir à pressão da massa, unem-se, prestigiando um dos seus e fazendo o príncipe, de modo a poder perseguir seus propósitos à sombra da autoridade soberana.” Mas: “Quem chega ao poder com a ajuda dos ricos tem maior dificuldade em manter-se no 32 governo do que quem é apoiado pelo povo”.

33. 33. Princípios democráticos em Maquiavel O príncipe precisa do apoio do povo Cap XVII É preciso evitar o ódio • abstiver de atentar contra o patrimônio e suas mulheres • quando for preciso executar um cidadão, que haja uma justificativa e uma razão manifesta. • alcançar prestígio e grande reputação • instituir prêmios para quem melhore sua cidade ou estado (Cap XXI) • organizar festas e espetáculos (Cap XXI) • dar atenção a todos as classes, corporações, reunir-se com seus membros (Cap XXI) 33

34. 34. O Mito do líder Ênfase na importância da liderança: impor confiança, governar é decidir. Só inspira credibilidade na massa quem age com decisão. Mito do líder absoluto que defende o destino da nação (despotismo iluminado) 34

Page 77: Material Sobre Maquiavel Para a Aula

PLANO DE AULA: A POLÍTICA MODERNA E A FILOSOFIA DE MAQUIAVEL

                                                               Autor: Professor Michel Gustavo. 

Tema: A política na Modernidade a partir da Filosofia de Maquiavel.

Justificativa: apresentar a concepção filosófica de Maquiavel sobre a Política aos

alunos contextualizá-la de maneira que eles venham a compreender que o pensamento

político de Maquiavel é muito relevante na atualidade, pois, a maioria dos nossos

governantes segue os seus preceitos, em especial, os apresentados na sua obra-prima: O

príncipe.

Objetivos: oferecer uma noção sobre o conceito de modernidade, estimular a

criticidade dos alunos em relação ao acontecer político atual e oferecer subsídios teóricos

para que os mesmos possam compreender que a nossa sociedade é violenta, injusta e,

que apesar de toda a carga pejorativa (maquiavelismo, maquiavélico) que engloba o

nome Maquiavel, sua teoria política é quase que um retrato fiel da nossa realidade social

e política.

Page 78: Material Sobre Maquiavel Para a Aula

1ª ETAPA: 1ª Aula; Iniciarei a aula expondo o assunto que será discutindo nas próximas 5

aulas, falarei da proposta da confecção do cartaz sobre os acontecimentos políticos

mundiais da atualidade. Pretendo escrever na lousa as principais premissas de Maquiavel

sobre a política.

2ª ETAPA: 2 ª e 3ª Aulas; Pretendo primeiro explicar o pensamento de Maquiavel e

contextualizá-lo, trazê-lo para os nossos dias, logo após, levarei os alunos à sala de

computação da escola para fazerem um levantamento bibliográfico sobre o filósofo e irei

propor a formação de grupos de pesquisa e a composição do cartaz e de um breve texto

dissertativo sobre o pensamento do filósofo.

3ª ETAPA: 4ª E 5ª aulas; Término da composição dos cartazes, dos textos dissertativos.

Exposição oral e visual dos cartazes de cada grupo. E para finalizar complementarei o

que for exposto pelos alunos sobre o pensamento de Maquiavel e sobre a política atual.

            Metodologia:

            >Exposição das principais premissas do corpo teórico de Maquiavel na lousa.

            >uso da internet da escola para o levantamento bibliográfico do autor.

            > propor grupos de cinco alunos para fazerem um cartaz contendo as informações

recentes sobre os acontecimentos políticos no mundo.

           

Page 79: Material Sobre Maquiavel Para a Aula

Avaliação: será avaliado o conteúdo elaborado no cartaz, seja os dados políticos da

atualidade, assim como o texto dissertativo sobre o filósofo e a exposição do mesmo

pelos alunos e também sua participação no decorrer das aulas.

Materiais utilizados: lousa, giz, papel ( cartaz) e computadores.

Referências Bibliográficas:

CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Editora Ática, 1997.

MAQUIAVEL. O príncipe; tradução de Antônio Caruccio-Caporale. Porto Alegre: L&PM

POCKET, 2007.

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Introdução sobre Maquiavel

 “Old Nick” é como os ingleses chamam o diabo. A origem dessa expressão popular está no nome e na fama de Niccolò Maquiavel. Apesar de ter vivido e desenvolvido seus pensamentos sobre política onde hoje é a Itália, a associação do nome de Maquiavel com o “mal” espalhou-se rapidamente primeiro pela Europa, e com o tempo para todo o mundo. Mas, essa associação é não só um erro como uma injustiça. Afinal, Maquiavel não criou o “mal”. Ele apenas desnudou com absoluta precisão a natureza humana aplicada à arte da política. Em sua mais importante obra, “O Príncipe”, Maquiavel mostrou a contradição entre governar um Estado e levar, ao mesmo tempo, uma vida moral. Ao tratar sem hipocrisia como um governante deveria agir, ele acabou com uma má fama. Mas o que ele fez foi desenvolver uma teoria política realista que, na verdade, nos mostrou uma desagradável característica do ser humano. A filosofia da arte de governar que ele desenvolveu tinha a intenção de ser científica, por isso não havia espaço para questões morais. Maquiavel foi um homem que esteve na maior parte de sua vida profundamente envolvido com as questões políticas da Itália renascentista. É dessa experiência e da análise de inúmeros fatos históricos que ele tira os elementos para desenvolver uma obra-prima que mostra a um príncipe ou a um governante como dirigir o Estado e permanecer no poder. Nas próximas páginas, descubra mais sobre a vida e a obra de Maquiavel. Este artigo é um resumo do livro “Maquiavel em 90 minutos”, de Paul Strathern, da coleção “Filósofos em 90 minutos” da Jorge Zahar Editor, publicado em 2000.

Maquiavel e a filosofia política Enciclopédia Delta Universal 

 

Na renascentista Florença, importante centro financeiro e artístico da Europa, nasceu Niccolò Machiavelli em 3 de maio de 1469. Sua infância foi austera em função dos tempos difíceis enfrentados por sua família. A educação de Maquiavel acabou sendo conduzida por letrados em dificuldades financeiras que eram contratados como tutores. Maquiavel também foi um autodidata. Ele lia avidamente os clássicos que ocupavam a biblioteca de seu pai, um dos poucos legados dos tempos bons da família. Maquiavel cresceu numa época em que Florença emergia como um dos principais centros

Page 81: Material Sobre Maquiavel Para a Aula

intelectuais e de negócios europeus. Após uma infância isolada e durante uma juventude solitária, Maquiavel começou a ser notado por conta de suas críticas e ironias especialmente sobre o clero nas reuniões de jovens humanistas na Piazza della Signoria. Apesar de sua condição social modesta, Maquiavel sabia que tinha uma inteligência privilegiada e procurava usá-la em suas zombarias para estabelecer-se como o centro das atenções.

 O ambiente em que Maquiavel observou a arte de fazer política e desenvolveu seus pensamentos sobre ela era de uma riqueza única. Florença se tornará o polo do Renascimento graças à riqueza acumulada pelas famílias de banqueiros mercantis, como os Pazzi, os Strozzi e os Médici que lá moravam. A culpa católica do acúmulo da riqueza fez com que os Médici destinassem fortunas para a reforma, construção e decoração das igrejas na cidade, além de patrocinarem obras de arte na arquitetura, na pintura e na literatura. Dinheiro e mecenato atraíram para Florença os talentos e mentes mais privilegiados da época, como Michelangelo, Rafael, Botticelli e Leonardo da Vinci.        A riqueza e o ambiente humanista, no entanto, não impediram que Florença fosse palco de intrigas e manobras políticas das mais perversas. Conspirações, traições e governantes radicais foram observados de perto por Maquiavel. A ação política do pensador começou quando ele tinha 29 anos, e durante um período politicamente moderado em Florença, como encarregado dos negócios exteriores da cidade. Em pouco tempo já era também secretário da comissão de assuntos militares.   Suas missões diplomáticas às cortes das cidades-estados vizinhas o tornaram um profundo conhecedor das intrigas, armadilhas e tentações da diplomacia. Sua extrema lealdade ao governante oficialmente eleito de Florença e seu desapaixonado intelecto impressionavam. Logo começou a ter missões mais importantes, como a perante a corte francesa de Carlos VIII que garantiu a segurança da cidade que vivia ameaçada pelas pretensões da França de um lado e de Nápoles de outro. Em 1501, Maquiavel casou-se com Marietta di Luigi Corsini, com quem iria ter cinco filhos. Após o casamento, ele enfrentaria um de seus maiores desafios. César Bórgia, filho do papa, estava usando o exército papal e tropas francesas para criar um novo principado na Itália central. Seus avanços começavam a ameaçar Florença e Maquiavel foi enviado em duas longas missões ao quartel-general de Bórgia. Essa experiência foi essencial para Maquiavel que pôde observar de perto o oportunismo como um atributo essencial de um governante e chegar à importante conclusão de que uma ciência política deve ser distinta e independente de qualquer consideração de ordem moral. Em sua cabeça estavam se formando as ideias centrais de “O Príncipe”. 

O Príncipe e Maquiavel Nos primeiros anos do século 16 a atuação pública de Maquiavel foi tentar evitar em suas missões diplomáticas que a tempestade política e militar que desabava sobre a Itália atingisse Florença. Ele procurou também fazer com que a cidade-estado tivesse a sua própria milícia formada por cidadãos de seus territórios e não mais por mercenários. Nesses anos, conduziu a retomada militar da cidade de Pisa e chefiou missões diplomáticas na Alemanha e na França, na tentativa de evitar uma guerra contra Florença. Mas, como o próprio Maquiavel reconheceu, quando se tem o poder na luta pelo

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poder, não há necessidade de negociar. As forças da Santa Aliança (formada pela associação do imperador Maximiliano com o papa) cercaram e avançaram sobre Florença, sendo que a milícia criada por Maquiavel se recusou a enfrentar o exército invasor. Maquiavel foi destituído do cargo, da cidadania e levado à falência. Alguns meses depois, seu nome foi envolvido em um complô político e ele foi preso e torturado. Após dois meses de prisão e tortura foi solto e teve de viver exilado em sua pequena propriedade rural. Mas ele ainda tinha um plano. Suas habilidades e sua ciência política se fossem expostas ao homem certo o fariam novamente ser valorizado e respeitado. Entre a primavera e o outono de 1513, num inspirado ardor, ele escreveu “O Príncipe”. O livro destina-se a um governante e o aconselha sobre como manter seu governo da forma mais eficiente possível. Sua obra mostrava como funciona a ciência política. Discorre sobre os diferentes tipos de Estado e ensina como um príncipe pode conquistar e manter o domínio sobre um Estado. Em uma passagem, Maquiavel aconselha que, quando um conquistador toma um Estado, ele deve infligir todos os danos que considera necessários de uma vez e não fazê-lo aos poucos, para poder tranquilizar o povo e ganhar seu apoio. Na segunda metade do livro, Maquiavel trata daquilo que é o seu objetivo principal: as virtudes que o governante deve adquirir e os vícios que deve evitar para manter-se no poder. Em um trecho, cita que um líder deve inspirar ao mesmo tempo amor e ódio, mas por conta da dificuldade de se manter as duas coisas, é preferível do ponto de vista da arte de governar (e mais seguro) ser temido do que amado. Maquiavel desenvolveu seus pensamentos num período turbulento e amoral da história italiana e com uma visão pessimista da natureza humana. Maquiavel mostrou em “O Príncipe” que a moralidade e a ciência política são separadas. Ele apontou a contradição entre governar um Estado e ao mesmo tempo levar uma vida moral. Maquiavel não conseguiu realizar seu plano de levar o livro ao governante do momento em Florença. As constantes mudanças políticas e as crises na cidade não lhe deram mais uma grande chance política em um alto posto, apesar de ter exercido algumas funções públicas antes de morrer aos 58 anos de idade, doente, em uma precária situação financeira e mais uma vez em desgraça política por ter apoiado o lado errado na instável política florentina. Local original dos artigos acima

LIVRO "O Príncipe" de maquiavel, disponível para Download AQUI  -  Livro "O Príncipe" em versão para web AQUI

LEIA MAIS, SOBRE MAQUIAVEL 

Mais de quatro séculos nos separam da época em que viveu Maquiavel. Muitos leram e comentaram sua obra, mas um número consideravelmente maior de pessoas evoca seu nome ou pelo menos os termos que aí tem sua origem. "Maquiavélico e maquiavelismo" são adjetivo e substantivo que estão tanto no discurso erudito, no debate político, quanto na fala do dia-a-dia. Seu uso extrapola o mundo da política e habita sem nenhuma cerimônia o universo das relações privadas. Em qualquer

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de suas acepções , porém , o maquiavelismo está associado a idéia de perfídia , a um procedimento astucioso, velhaco, traiçoeiro. Estas expressões pejorativas sobreviveram de certa forma incólumes no tempo e no espaço, apenas alastrando-se da luta política para as desavenças do cotidiano." Assim , hoje em dia , na maioria das vezes, Maquiavel é mal interpretado. Maquiavel, ao escrever sua principal obra, O PRÍNCIPE, criou um "manual da política", que pode ser interpretado de muitas maneiras diferentes. Talvez por isso sua frase mais famosa: -"Os fins justificam os meios"- seja tão mal interpretada. Mas para entender Maquiavel em seu real contexto, é necessário conhecer o período histórico em que viveu. É exatamente isso que vamos fazer. Painel histórico :     Maquiavel viveu durante a Renascença Italiana , o que explica boa parte das suas idéias.     Na Itália do Renascimento reina grande confusão. A tirania impera em pequenos principados, governados despoticamente por casas reinantes sem tradição dinástica ou de direitos contestáveis. A ilegitimidade do poder gera situações de crise instabilidade permanente, onde somente o cálculo político, a astúcia e a ação rápida e fulminante contra os adversários são capazes de manter o príncipe. Esmagar ou reduzir à impotência a oposição interna, atemorizar os súditos para evitar a subversão e realizar alianças com outros principados constituem o eixo da administração. Como o poder se funda exclusivamente em atos de força, é previsível e natural que pela força seja deslocado, deste para aquele senhor. Nem a religião nem a tradição, nem a vontade popular legitimaram e ele tem de contar exclusivamente com sua energia criadora. A ausência de um Estado central e a extrema multipolarização do poder criam um vazio, que as mais fortes individualidades têm capacidade para ocupar.     Até 1494, graças aos esforços de Lourenço, o Magnífico, a península experimentou uma certa tranqüilidade.     Entretanto, desse ano em diante, as coisas mudaram muito. A desordem e a instabilidade ficaram incontroláveis. Para piorar a situação, que já estava grave devido aos conflitos internos entre os principados, somaram-se as constantes e desestruturadoras invasões dos países próximos como a França e a Espanha. E foi nesse cenário conturbado, onde nenhum governante conseguia se manter no poder por um período superior a dois meses, que Maquiavel passou a sua infância e adolescência.  Bio-bibliografia:     Maquiavel nasceu em Florença em 3 de maio de 1469, numa Itália "esplendorosa mas infeliz", segundo o historiador Garin. Sua família não mera aristocrática nem rica. Seu pai , advogado como um típico renascentista, era um estudioso das humanidades, tendo se empenhado em transmitir uma aprimorada educação clássica para seu filho. Maquiavel com 12 anos, já escrevia no melhor estilo e, em latim.

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     Mas apesar do brilhantismo precoce, só em 1498, com 29 anos Maquiavel exerce seu primeiro cargo na vida pública. Foi nesse ano que Nicolau passou a ocupar a segunda chancelaria. Isso se deu após a deposição de Savonarola, acompanhado de todos os detentores de cargos importantes da república florentina. Nessa atividade, cumpriu uma série de missões, tanto fora da Itália como internamente, destacando-se sua diligência em instituir uma milícia nacional.     Com a queda de soverine, em 1512, a dinastia Médici volta ao poder, desesperando Maquiavel, que é envolvido em uma conspiração, torturado e deportado. É permitido que se mude para São Cassiano, cidade pequena próxima de Florença, onde escreve sobre a Primeira década de Tito Lívio , mas interrompe esse trabalho para escrever sua obra prima: O Príncipe , segundo alguns , destinado a que se reabilitasse com os aristocratas, já que a obra era nada mais que um manual da política.     Maquiavel viveu uma vida tranqüila em S. Cassiano. Pela manhã, ocupava-se com a administração da pequena propriedade onde está confinado. À tarde, jogava cartas numa hospedaria com pessoas simples do povoado. E à noite vestia roupas de cerimônia para conviver, através da leitura com pessoas ilustres do passado, fato que levou algumas pessoas a considerá-lo louco.     A obra de Maquiavel é toda fundamentada em sua própria experiência, seja ela com os livros dos grandes escritores que o antecederam, ou sejam os anos como segundo chanceler, ou até mesmo a sua capacidade de olhar de fora e analisar o complicado governo do qual terminou fazendo parte.     Enfim, em 1527, com a queda dos Médici e a restauração da república, Maquiavel que achava estarem findos os seus problemas, viu-se identificado por jovens republicanos como alguém que tinha ligações com os tiranos depostos. Então viu-se vencido. Esgotaram-se suas forças. Foi a gota d’água que estava faltando. A república considerou-o seu inimigo. Desgostoso, adoece e morre em junho.     Mas nem depois de morto, Maquiavel terá descanso. Foi posto no Index pelo concílio de Trento, o que levou-o, desde então a ser objeto de excreção dos moralistas. Separando a ética da política     Maquiavel faleceu sem ter visto realizados os ideais pelos quais se lutou durante toda a vida. A carreira pessoal nos negócios públicos tinha sido cortada pelo meio com o retorno dos Médici e, quando estes deixaram o poder, os cidadãos esqueceram-se dele, "um homem que a fortuna tinha feito capaz de discorrer apenas sobre assuntos de Estado". Também não chegou a ver a Itália forte e unificada.     Deixou porém um valioso legado: o conjunto de idéias elaborado em cinco ou seis anos de meditação forçada pelo exílio. Talvez nem ele mesmo soubesse avaliar a importância desses pensamentos dentro do panorama mais amplo da história, pois " especulou sempre sobre os problemas mais imediatos que se apresentavam". Apesar disso, revolucionou a história das teorias

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políticas, constituindo-se um marco que modificou o fato das teorias do Estado e da sociedade não ultrapassarem os limites da especulação filosófica.     O universo mental de Nicolau Maquiavel é completamente diverso. Em São Casciano, tem plena consciência de sua originalidade e trilha um novo caminho. Deliberadamente distancia-se dos " tratados sistemáticos da escolástica medieval" e, à semelhança dos renascentistas preocupados em fundar uma nova ciência física, rompe com o pensamento anterior, através da defesa do método da investigação empírica. "Princípios maquiavélicos"     Maquiavel nunca chegou a escrever a sua frase mais famosa: "os fins justificam os meios". Mas com certeza ela é o melhor resumo para sua maneira de pensar. Seria praticamente impossível analisar num só trabalho , todo o pensamento de Nicolau Maquiavel , portanto, vamos analisá-lo baseados nessa máxima tão conhecida e tão diferentemente interpretada.     Ao escrever O Príncipe, Maquiavel expressa nitidamente os seus sentimentos de desejo de ver uma Itália poderosa e unificada. Expressa também a necessidade ( não só dele mas de todo o povo Italiano ) de um monarca com pulso firme, determinado que fosse um legítimo rei e que defendesse seu povo sem escrúpulos e nem medir esforços.     Em O Príncipe, Maquiavel faz uma referência elogiosa a César Bórgia, que após ter encontrado na recém conquistada Romanha , um lugar assolado por pilhagens , furtos e maldades de todo tipo, confia o poder a Dom Ramiro d'Orco. Este, por meio de uma tirania impiedosa e inflexível põe fim à anarquia e se faz detestado por toda parte. Para recuperar sua popularidade, só restava a Bórgia suprimir seu ministro. E um dia em plena praça , no meio de Cesena, mandou que o partissem ao meio. O povo por sua vez ficou , ao mesmo tempo, satisfeito e chocado.     Para Maquiavel , um príncipe não deve medir esforços nem hesitar, mesmo que diante da crueldade ou da trapaça, se o que estiver em jogo for a integridade nacional e o bem do seu povo.     " sou de parecer de que é melhor ser ousado do que prudente, pois a fortuna( oportunidade) é mulher e, para conservá-la submissa, é necessário (...) contrariá-la. Vê-se , que prefere, não raramente, deixar-se vender pelos ousados do que pelos que agem friamente. Por isso é sempre amiga dos jovens, visto terem eles menos respeito e mais ferocidade e subjugarem-na com mais audácia".     Para Maquiavel, como renascentista que era, quase tudo que veio antes estava errado. Esse tudo deve incluir os pensamentos e as idéias de Aristóteles. Ao contrário deste, Maquiavel não acredita que a prudência seja o melhor caminho. Para ele, a coerência está contida na arte de governar. Maquiavel procura a prática. A execução fria das observações meticulosamente analisadas, feitas sobre o Estado, a sociedade. Maquiavel segue o espírito renascentista, inovador. Ele quer superar o medieval. Quer separar os interesses do Estado dos dogmas e interesses da igreja. 

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    Maquiavel não era o vilão que as pessoas pensam. Ele não era nem malvado. O termo maquiavélico tem sido constantemente ml interpretado.     "Os fins justificam os meios" .Maquiavel , ao dizer essa frase, provavelmente não fazia idéia de quanta polêmica ela causaria. Ao dizer isso, Maquiavel não quis dizer que qualquer atitude é justificada dependendo do seu objetivo. Seria totalmente absurdo. O que Maquiavel quis dizer foi que os fins determinam os meios. É de acordo com o seu objetivo que você vai traçar os seus planos de como atingi-los.    A contribuição de Nicolau Maquiavel para o mundo é imensa. Ensinou, através da sua obra , a vários políticos e governantes. Aliás, a obra de Maquiavel entrou para sempre não só na história, como na nossa vida cotidiana atual, já que é aplicável a todos os tempos.     É possível perceber que "Maquiavel, fingindo ensinar aos governantes, ensinou também ao povo". E é por isso que até hoje, e provavelmente para sempre, ele será reconhecido como um dos maiores pensadores da história do mundo.   Algumas máximas maquiavélicas: 

"Os fins justificam os meios" "Não se pode chamar de "valor" assassinar seus cidadãos, trair seus amigos, faltar a palavra dada, ser desapiedado, não ter religião. Essas atitudes podem levar à conquista de um império, mas não à glória" "Homens ofendem por medo ou por ódio" "Assegurar-se contra os inimigos, ganhar amigos, vencer por força ou por fraude, faze-se amar a e temer pelo povo, ser seguido e respeitado pelos soldados, destruir os que podem ou devem causar dano, inovar com propostas novas as instituições antigas, ser severo e agradável, magnânimo e liberal, destruir a milícia infiel e criar uma nova, manter as amizades de reis e príncipes, de modo que lhe devam beneficiar com cortesia ou combater com respeito, não encontrará exemplos mais atuais do que as ações do duque." "Um príncipe sábio deve observar modos similares e nunca, em tempo de paz, ficar ocioso"" "...Pois o homem que queira professar o bem por toda parte é natural que se arruíne entre tantos que não são bons." "... vindo a necessidade com os tempos adversos, não se tem tempo para fazer o mal, e o bem que se faz não traz benefícios, pois julga-se feito à força, e não traz reconhecimento." 

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"Tendo o príncipe necessidade de saber usar bem a natureza do animal, deve escolher a raposa e o leão, pois o leão não sabe se defender das armadilhas e a raposa não sabe se defender da força bruta dos lobos. Portanto é preciso ser raposa, para conhecer as armadilhas e leão, para aterrorizar os lobos." "Pelo que se nota que os homens ou são aliciados ou aniquilados" 

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Plano de Ensino

DISCIPLINA: Introdução à Filosofia I PRÉ-REQUISITOS: Nenhum PROFESSOR: Paulo Vieira Neto C.H. SEMANAL: 4

CÓDIGO: HF075 SEMESTRE: 1 / 2011

C.H. TOTAL: 60

EMENTA (parte permanente)

Curso introdutório de tema ou temas gerais da filosofia, insistindo preferencialmente em percursos histórico-conceituais que abordem mais de um autor e que problematizem algum aspecto da filosofia contemporânea, relacionado com a questão da possibilidade da reflexão metafísica.

PROGRAMA (parte variável)

O curso irá tratar, de um ponto de vista histórico, dos conceitos filosóficos mobilizados no Manual dos cursos de Lógica Geral de Kant (referência na bibliografia mínima). Como esse manual é a transcrição de um curso oferecido por Kant a respeito da lógica geral, mas trata de problemas e conceitos que hoje classificamos em disciplinas diversas, como a teoria do conhecimento, exporemos em linhas gerais o vocabulário conceitual que ele sugere. Faremos isso, no entanto, tentando recuperar a história dos conceitos que se destacam, tomando a licença de traçar inclusive seu desenvolvimento posterior nas filosofias contemporâneas, quando for o caso.

Não se trata de um curso de lógica, portanto. A intenção principal é a de desenhar a fisionomia de certos problemas filosóficos pelo seu retrato kantiano, e, às vezes, apesar dele, para mostrar em grandes linhas como certos vocábulos e expressões se preencheram de significados filosóficos que impedem sua compreensão sem a referência ao processo mesmo de suas transformações e reinterpretações.

PROCEDIMENTOS DIDÁTICOS

Aulas expositivas.

FORMAS DE AVALIAÇÃO

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Trabalho e prova final.

BIBLIOGRAFIA MÍNIMA

Kant, E. ; Manual dos cursos de Lógica Geral, Editora Unicamp 2002.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

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Maquiavel, pai da filosofia política moderna

“Os homens esquecem mais facilmente a morte do pai do que a perda do patrimônio.” (Maquiavel, “O príncipe”, XVII)

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Prof. Ms. Roger Moko Yabiku

Nicolau Maquiavel (1469-1527) pode ser considerado o pai da filosofia política moderna. Ele estudava meticulosamente o homem e a sociedade tal como realmente eram, e não como deveriam ser. Ao verificar essa natureza humana e social, o estudioso dizia que a política tinha uma ética própria, diferente do que até então se pregava. Por constatar essa realidade, Maquiavel é tido até hoje como um pensador “maldito”, cujos ensinamentos muitas vezes podem ser associados com hipocrisia, falta de caráter, deslealdade e, quem sabe, até mesmo maldade. “Diferentemente dos teólogos, que partiam da Bíblia e do Direito Romano para formular teorias políticas, e, diferentemente dos contemporâneos renascentistas, que partiam das obras dos filósofos greco-romanos para construir suas teorias políticas, Maquiavel parte da experiência real do seu tempo”, escreve Marilena Chauí (p. 368). “Partindo do pressuposto de que a natureza humana é capaz do mal e do erro, analisa a ação política sem se preocupar em ocultar ‘o que se faz e não se costuma dizer’”, completam Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins (p. 237).O polêmico autor foi funcionário público em Florença, na Itália, desempenhando função de conselheiro e diplomata. Testemunhou o nascimento dos estados absolutistas na França, Inglaterra, Espanha e Portugal, o retorno das cidades europeias – conta Chauí (p. 368). Porém, a Itália continuava dividida em ducados, principados, condados e Igreja. As teorias antigas e medievais não eram suficientes para compreender o cenário, nem de dar uma resposta para a unificação da Itália.Em 1513, lançou “O príncipe”, a obra inaugural da nova filosofia política, que dedicou a Lourenço de Médici. Esse livro nem sempre foi bem compreendido e seria o responsável por lançá-lo no rol de autores malditos. “Essa obra funda o pensamento político moderno porque busca oferecer respostas novas a uma situação histórica nova, que seus contemporâneos tentavam compreender lendo os autores antigos, deixando de lado a observação direta dos acontecimentos que ocorriam diante de seus olhos”, explica Chauí (p. 368). “Maquiavel rejeitou as noções platônicas e aristotélicas do estado ideal como fantásticas e inatingíveis. Ele também acreditava que a infusão de um ethos cristão na mistura era impraticável e contraproducente”, complementa James Mannion (p. 69).

As rupturas propostas por Maquiavel

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Maquiavel foi responsável por romper com a tradição do pensamento político anterior, eis os principais pontos demonstrados por Claude Lefort, segundo Chauí (p. 368-369):

“1. Maquiavel não admite um fundamento anterior e exterior à política (Deus, natureza ou razão). Toda cidade, diz ele em “O príncipe”, está originariamente dividida por dois desejos opostos: o desejos dos grandes de oprimir e comandar e o desejo do povo de não ser oprimido nem comandado. (...) Assim, a política nasce das lutas sociais e é obra da própria sociedade para dar a si mesma unidade e identidade. (...);2. Maquiavel não aceita a idéia de boa comunidade política constituída para o bem comum e a justiça. Como vimos, o ponto de partida da política para ele é a divisão social entre os grandes e o povo. A sociedade é originariamente dividida e jamais pode ser vista como uma comunidade una, indivisa, homogênea, voltada para o bem comum. Essa imagem da unidade ou da indivisão, diz Maquiavel, é uma máscara com que os grandes recobrem a realidade social para enganar, oprimir e comandar o povo, como se os interesses dos grandes e dos populares fossem os mesmos e todos fossem irmãos e iguais numa bela comunidade;3. Maquiavel recusa a figura do Bom Governo encarnada no príncipe virtuoso, portador das virtudes cristãs, das virtudes morais e das virtudes principescas. O príncipe precisa ter virtù, mas esta é propriamente política, referindo-se às qualidades do dirigente para tomar e manter o poder, mesmo que para isso deva usar a violência, a mentira, a astúcia e a força. A tradição afirmava que o governante devia ser amado e respeitado pelos governados. Maquiavel afirma que o príncipe não pode ser odiado;4. Maquiavel não aceita a divisão clássica dos três regimes políticos (monarquia, aristocracia, democracia) e suas formas corruptas ou ilegítimas (tirania, oligarquia, demagogia/anarquia), como não aceita que o regime legítimo seja o hereditário e o

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ilegítimo, o usurpado por conquista. Qualquer regime político – tenha a forma que tiver e tenha a origem que tiver – poderá ser legítimo ou ilegítimo. O critério de avaliação, ou o valor que mede a legitimidade e a ilegitimidade, é a liberdade.”

O governo republicano

Ao contrário da noção que se tem no vulgo, Maquiavel enseja e diz ser possível a instalação do governo republicano. De acordo com Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins (p. 234), o florentino esboça a idéia de consenso no capítulo IX de “O príncipe”, ao discorrer da necessidade de o governante ter o apoio do povo, melhor que o apoio dos grandes, que, via de regra, são traiçoeiros. “Trata-se de uma mudança radical de enfoque, uma vez que as utopias costumam valorizar a paz de uma sociedade sem antagonismos, o que significa não reconhecer a realidade do mundo humano sem constante confronto. Ou seja, Maquiavel percebe que o conflito é um fenômeno inerente à atividade política, e que esta se faz justamente a partir da conciliação de interesses divergentes”, escrevem Arruda e Aranha (p. 237).Ele defende que monarca, aristocratas e povo governem o Estado em conjunto, para que todas as partes se controlem, sob o império da Lei, visando a manutenção da república. Assevera Bignotto (p. 115): “Tanto os que criticam Maquiavel por separar ética da política quanto os que se esforçam em mostrar que ele não fez mais do que descrever o funcionamento dos Estados reais contentam-se em ver nele o criador da razão de Estado, e em pensar que o abandono dos parâmetros morais implica a volta a um estado de competição regulado unicamente pelo desejo de conquista.”Por isso, é de suma importância que a Lei governe a república, e não o os interesses particulares dos governantes. Aí, ressaltou a antiga Roma como modelo. “Todos os primeiros capítulos dos Discorsi dedicam-se a mostrar que a República romana foi a encarnação dos mais elevados parâmetros políticos, que toda ação deve guiar-se pelas ações de seus grandes homens. Exemplaridade da cidade que se funda na exemplaridade da ação de seus cidadãos. O que faz de Roma, no entanto, o melhor regime possível? A resposta maquiaveliana se constrói ao longo de toda sua obra, mas podemos resumi-la a uma só palavra: liberdade”, explica Newton Bignotto (p. 119).

O leão e a raposa: virtù e fortuna

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E quem deve ocupar o poder político e guiar o Estado? Uma pessoa habilidosa, asseverava Maquiavel: um mestre em conquistar e manter o poder. “Quando Maquiavel, no famoso capítulo XVIII, de “O príncipe”, descreve as qualidades que deve ter quem tem em mãos o destino de um Estado, afirma que esse alguém deve combinar ao mesmo tempo as qualidades do leão e da raposa, isto é, força e astúcia: são duas qualidades que nada têm a ver com o fim do bem comum, mas concernem exclusivamente ao objetivo imediato de conservar o poder, independentemente do uso público ou privado que desse poder o governante demonstre fazer”, escreve Norberto Bobbio (p. 219)A conquista e a manutenção do poder são uma coisa. O bem comum é outra coisa, salienta-se. Para a primeira tarefa é preciso ter virtù (virtude, no sentido grego de força, virilidade) e fortuna (sorte, ocasião, acaso), porém, não no sentido cristão, mas numa concepção mais realista e visceral. “Não se trata, portanto, do príncipe virtuoso, bom e justo, segundo os preceitos da moral cristã, mas sim daquele que tem a capacidade de perceber o jogo das forças da política, para então agir com energia a fim de conquistar e manter o poder. Aliás, o príncipe de virtù não deve se valer das normas preestabelecidas da moral cristã, pois isso geralmente pode significar a sua ruína”, comentam Aranha e Arruda (p. 234).O caráter do príncipe (ethos) deve variar conforme as circunstâncias, no intuito de sempre se manter o senhor delas. Essa flexibilidade marca a virtú do príncipe de Maquiavel. “Em certas circunstâncias, deverá ser cruel, em outras, generoso; em certas ocasiões deverá mentir, em outras, ser honrado; em certos momentos, deverá ceder à vontade dos outros, em algumas, ser inflexível”, diz Chauí (p. 370)Para agarrar a fortuna, é preciso ter virtù. O acaso favorável é conquistado por aquele que tiver habilidades suficientes, inclusive para dobrá-lo ou vencê-lo. Ter fortuna sem ter virtù é oportunismo. No entanto, na impossibilidade de se ter todas as virtudes, é necessário,

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porém, aparentar tê-las, assinala Bignotto (p. 115): “Ao afirmar, por exemplo, que a um príncipe não é necessário possuir todas as qualidades, mas é necessário parecer tê-las, ou que as violências devem ser feitas todas ao mesmo tempo, a fim de que seu gosto, persistindo menos tempo, ofenda menos, Maquiavel parece sugerir que a boa ação política não deve levar em conta valores que sejam incapazes de garantir seu sucesso, mas apenas o que conduz à meta desejada, que, no caso dos príncipes, é a manutenção do Estado.”

Religião, ética e política

Alguns interpretam que Maquiavel separou radicalmente ética (e religião) da política. No entanto, há de se fazer os devidos comentários para se evitar juízos precipitados. Maquiavel constatou que a lógica política é diferente da ética dos sujeitos em suas vidas particulares. O que é tido como virtuoso para o público é aquilo que tem efeitos benéficos para a República. Dessa maneira, o que pode ser considerado virtuoso na política pode não ser considerado virtuoso no privado. E vice-versa. “Em outras palavras, Maquiavel inaugura a idéia de valores políticos medidos pela eficácia prática e pela utilidade social, afastados dos padrões que regulam a moralidade privada dos indivíduos”, ensina Chauí (p. 370). “O que Maquiavel descobre, portanto, não é a independência da ética e da política. A história romana prova o contrário. O que ele mostra é que nas fronteiras do político, onde a ética e a religião fracassam, continua a existir uma forma de governo que conserva elementos fundamentais de todas as outras. (...) Maquiavel aponta os limites da ética cristã mostrando que ela é incapaz de guiar os homens na construção de uma república virtuosa”, completa Bignotto (p. 125).A política tem uma ética própria, diferente da ética cristã e da ética dos gregos antigos. A ética na política de Maquiavel não é parada, imóvel. Ela se movimenta segundo aquilo que é o melhor para a comunidade. “Para Maquiavel, portanto, a avaliação moral não deve ser feita antes da ação política, segundo normas gerais e abstratas, mas a partir de uma situação específica e em função do resultado dela, já que toda ação política visa a sobrevivência do grupo e não apenas de indivíduos isolados. (...) Ele enfatiza que os critérios da ética política precisam ser revistos conforme as circunstâncias e sempre tendo em vista os fins coletivos”, escrevem Aranha e Arruda (p. 236).Tendo em vista a priorização do público em detrimento do coletivo, Maquiavel elabora a máxima “os fins justificam os meios”. José Reginaldo Inácio (p. 81) explica: “As ações que movem as discussões acerca dos resultados, tanto para Maquiavel quanto para os negociadores – indistintamente sindicalistas, gerentes, políticos, patrões, juízes, etc – fazem dos meios apenas instrumentos que são úteis conforme o fim a que almejar. As discussões às quais predispõem suas ações, de certo modo dão conta de que os fatos da vida são os únicos argumentos válidos. É nessa firme posição que a teoria maquiaveliana se mostra sustentada, uma vez que ao tratar dos meios, só haverá relevância se o fim for alcançado, caso contrário, o meio, ainda que conduzido por condutas éticas, estará invalidado. A invalidade do meio não significa a desaprovação da conduta enquanto valor moral, mas sim o resultado em si, se insatisfatórios.”

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O importante, então, é o resultado. Maquiavel inaugura uma filosofia política real, centrada naquilo que o homem é, e não no que deveria ser. E toda política teria um conjunto de normas e valores morais diferentes daqueles que eram impostos pela cristandade. É um novo mundo, o da prática, dos resultados. A teoria e a reflexão ético-filosófica ficariam, de certo modo, relegadas a segundo plano.

Leia mais:

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando. 3. rev. São Paulo: Moderna, 2003.BIGNOTTO, Newton. As fronteiras da ética: Maquiavel. In: NOVAES, Adauto (org.). Ética. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 113-125.BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política: a filosofia política e as lições dos clássicos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000.CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2006.INÁCIO, José Reginaldo. Ética, Sindicalismo e Poder: os fins justificam os meios? Belo Horizonte: Crisálida, 2005.MANNION, James. O Livro Completo da Filosofia: entenda os conceitos básicos dos grandes pensadores: de Sócrates a Sartre. 5. ed. São Paulo: Madras, 2008.

Indicação de filmes/séries de Tv/música -

Séries de Tv: Os Bórgias – A série é baseada na história da Família Bórgia,

uma dinastia italiana e origem espanhola, que se tornou proeminente durante

o Renascimento e que geralmente é lembrada pelo governo corrupto e pela

acusação de ter cometido vários crime, incluindo adultério, roubo, estupro,

corrupção, incesto e assassinato (especialmente por envenenamento).

Músicas: Chico Buarque, Cálice (Que remete a questão da ditadura no Brasil

entre 1964 a 1988).

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