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(ot<Kên, ?ob,tt" t-cbt*c; ?oEEI'/DAHL, Zzny.6eoqrq"(ia cultuÍal : un Seíulo' ',ì'c .L guio,r;: Éc{U€Ki Zo:c. NoÇÃo or cÊNrRo DE vtDA E SEU VALOR ATUAL Ìr{ex Sonna Uniuercidade cla Sofltonne Trinta e seteanos se passaram dcsdc que \/idal de la Blache,em dois artigos da revisra Annalcs de Géographie, dana direito de cidacla_ nia à noção fundamental de gênero de vida, pela qual Ratzel,na AÌemanha, tinl-ra demons- trado interesse. É noúr,eì qlre estanoção não tenha sido, desde enrão, objeto de alguma eÌaboração crítica. Os etnógrafos, em toda a superfície do globo, acurnularam rnateriais para o conhecirnento dos gêneros de üda. Os geógrafbs, em suas monogr:rfias regionais, tÌorüeÌìanìcontribuições de grande vaÌor a suas dcscriçôes, sobretudo na Europa ocidental. Urna espécie de embaraço sr_rbsiste. AÌ- guns, pensando que se trata de noção insufi_ cientemente eÌaborada, preferem calar a res- peito; outros senrem difìculdade de inrroduzi- la em suasconstmções;outros, enfim, julgarn que, própria ao esrudo dos gmpos mais ou menos marcados por arcaísmos, a noção não A * Publicaclo originalmente cotno "I-a Notion de genre de vie er sa raleur acruelle". Annales ttz Géograpltie, i1!30_6), 1e48, pp. e7-108 e b?(30?),1e48, p;. le5- 204. Traducão de tr4laria Cecíliade OueirósLcerda e revisão de Roberto Lobato Corrêal

Max Sorre. Genero de Vida

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(ot<Kên, ?ob,tt" t-cbt*c; ?oEEI'/DAHL,Zzny.6eoqrq"(ia cultuÍal : un Seíulo'

',ì'c .L guio,r;: Éc{U€Ki Zo:c.

NoÇÃo or cÊNrRo DE vtDAE SEU VALOR ATUAL

Ìr{ex SonnaUniuercidade cla Sofltonne

Trinta e sete anos se passaram dcsdc que\/idal de la Blache, em dois artigos da revisraAnnalcs de Géographie, dana direito de cidacla_nia à noção fundamental de gênero de vida,pela qual Ratzel, na AÌemanha, tinl-ra demons-trado interesse. É noúr,eì qlre esta noção nãotenha sido, desde enrão, objeto de algumaeÌaboração crítica. Os etnógrafos, em toda asuperfície do globo, acurnularam rnateriaispara o conhecirnento dos gêneros de üda. Osgeógrafbs, em suas monogr:rfias regionais,tÌorüeÌìanì contribuições de grande vaÌor a suasdcscriçôes, sobretudo na Europa ocidental.

Urna espécie de embaraço sr_rbsiste. AÌ-guns, pensando que se trata de noção insufi_cientemente eÌaborada, preferem calar a res-peito; outros senrem difìculdade de inrroduzi-la em suas constmções; outros, enfim, julgarnque, própria ao esrudo dos gmpos mais oumenos marcados por arcaísmos, a noção não

A

* Publicaclo originalmente cotno "I-a Notion de genrede vie er sa raleur acruelle". Annales ttz Géograpltie,

i1!30_6), 1e48, pp. e7-108 e b?(30?),1e48, p;. le5-204. Traducão de tr4laria Cecília de Oueirós Lcerdae revisão de Roberto Lobato Corrêal

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encontra emprego na descrição do mundomoderno. Aliás, nenhum ayanço sistemáticoìe encontra nestas reliquiae editadas porEmmanuel de Martonne sob o t í tulo dePrinnp$ fu gengïaPhiz hurnnirw. não se conce-'be, no en[anto, que uma definição dos gêne-ros de üda não tenha encontrado lugar naobra definitira, tão subjacente é a noção atodos os seus avanços. Nada impede que seretome o pensamento de Vidal de la Blacl-re,a partir do ponto onde o deixou, no fim deseu segundo artigo, para transformá-lo emobjeto de reflexão e esclarecêlo à luz das nolasaquisições da etnografia e da socioÌogia.Ì

I - O coNTEúDo DÂ NocÀo DÈcÊNERo DE \/tDA

Vamos analisar este complexo dc atiüda-des habituais, característico de um grupohumano e vinculado ao sustento de sua üda,acrescentando aos exemplos de Vidal da laBlache algumas formas rnais modcrnas.

Os eltnuntos dns gateros de aidnA noção de gênero de üda é extrema-

Inente rica, pois abraça a maioria, se não atotalidade, das atiüdades do grupo e mesmodos indivíd,ror. É preciso chegar a um esúgioadiantado de cultura para assistir a uma cspé-

I E indispensár'el leler os alt igos de [Á BLACHE,Paul Vidal de. "lrs Gcnres de vie dans la géographielrurnaine". Annalcs de C)éog'aplú2, ano e0, l9l l, pp. 19}'2l l e 289-304. Uti l izeirne arnplamentc clc FORDE,Darl,ll C. "Habitat, Econornl'and Society". A &ngraphiealInh'orhrcIinn lo Ethnolog. Londres: 1934, 500 p.

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cie dc liberação. Estcs elcmentos matcriais cespirituais são, no sentido cxato da paìavra,técnicos, processos transmitidos pela tradiçãoe graças aos quais os homens asseguram uÌrìaposse sobre os elementos naturais. Técnicasde energia, de produção de matéri;rs-primas cde ferramentas são sempre técnicas, assinrcorno as instituições qrre nrantêm a coesão dogrupo, assegurando srra pcrenidadc. Criaçòesdo gênio humano: a pressão do meio esrimrr-la, orienLa este gêÌìio, mas é prcciso semprepensar no podcr criador.

Três tcrritórios no nrundo apresentam unÌconjunto de condições compar: iveis: aColúrnbia britânica, o litoral rneridional daAmérica do Suì no Pacífico e a Tasmânia.Sornente no prìmeiro culturas ricas c variadasforam criadas. Os alaculoofs e os yaghans doChile mer-idional rcpresentam o.s rcstos misc-rár'eis dos gr.rrpos r.r.rais atrasados da Ìrumani-dade. Os tasnlanianos estavam ainda cm grauinferior dc civiliação. A indolência menral clu insuficiência dc previsão, tão freqüentemen-te atripuícìas aos fueguinos, teriam aparccidocoÌÌlo lcaractcrísticas ainda ntais marcantesdesses povos, segundo Daryll Forde.? A apri-dão original ou adquirida, que às vezes podeser perdida ao se utilizarenÌ as possibilidadcsdo meio, esú no fundo de tudo.

Não é abuso considerar, ao menos inicial-mcntc, um gênero de vida como uma combi-nação de técnicas. A pútica do nomadismopastonÌ supõe conhecidos os nrétodos de cria-

: FOI(DE, U- t ., op.crr., p. b9 e seguintes

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ção, adestran-ìento dos animais domésticos,castração, utilização paÌìa a alimentação - paratrabalho, fabricação dos produtos lãcreos -,para o ü?nsporte - uso da sela, da albarda, daczuroça e dos diferentes modos de atrelar -,ou para a fabricação de vestimenras e tendas.Os métodos variam com o clima, a naturezajurídica do rebanho, a topografia, a extensão,a proximidade das pastagens sazonais e a ex-pansão dos deslocamentos que ela implica. Anossos olhos, sua eficácia se apóia no conhe-cimento empiricamente adquirìdo das propri-edades do nreio vivo orr inerte.

Entretanto, não é assim que os homensentenderam durante muito tempo. A disún-ção do naturaÌ e do sobrenatural, familiar anossos espíritos, é uma conquista não muitoantiga. AÌém disso, cada técnica materiaÌ temcorrespondência com uma técnica religiosaou mágica - não te nìos aqui de escolher entreas duas palavras. O prirnitivo abate sua presapor meio da flecha, da pedra ou da lança; deque ajuda não lhe senem as rezas, as repre-sentações par-ietais, nas quais vetìlos os pri-meiros balbuciamentos da arte e que têm, semdúüda, um objetivo utilirário?

Em outro esúgio de civilização, todos osritos de fecundidade - dos quais fazem parteos da água - pertencem à descrição dos gêne-ros de üda, tanto quanto o rxo do bastão, daenxada e do arado.3 Nos tempos pré-colombi-anos, o índib enterra\a uma cabeça de peixe

3 HAUDRICOURT, A. G. e HÉDIN, L. L'tlomnne et lesplanles cuüiaé1s. Paris: 1943. (Géographie Humaine).lìe uiiii-ain alf,uirs ,jados sobic os riios da fccundidadc.

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em um buraco onde haúa depositado um gúode milho; nós interpreúvamos esse gesto comoa origem de uma adubação nitrogenada, mashá cerLamente outro significado. pastores eagricultores conheceram os ritos da água. Sabe_se qual o uso queJoleaud fez, para a crono_logia saariana, das fìguras rupestres por eleassim interpretadas. fusociados à mais delica_das práticas de inseminação, usos que nósachamos obscenos porque perdemos o senti-do do sagrado nos vieram do mais Ìongrnquopassado do Oriente, por inrermédio dos agro_nomos cartagineses e de seus copistas árabes.aCitaremos os rìtos, procissões e orações pelasquais o camponês católico chama a chuvaceleste sobre seus campos sedentos. Frsas açõesse verificam sob o mesmo título de gênero devida. Quando então o definimor, .,ão o deve-mos mudlar: ao lado dos elementos materiaismais facilmente acessíveis, os elementos espi_rituais têm seu lugar. E, naturalm..rt , o, .ì.-rnentos sociais: a constituição do gênero devida é inconcebível fora da atmosfera de umasociedade organizada.

O p"l*I dos ebnwnns do gênerc fu v:ufu4 satajustamnztnA observaçâo de gêneros de üda comple_

xos sugere distinções que já aparecem quan_do se consideram formas mais simpler. irl.*

' Ibn el Al'am, escritor- espanhol, autor de Liwe dzI'agricuüure, r'erdadeirarnen te i nspirado n a agricul tu-ra lìabatea, que se apóia em fontes antigas, inencio-na um ri to de fecundidade (análogo) referenre àinseminaçâo.

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todos os tr-aços têm o mesmo significado quan-to a seu desempenho nem quanto a sua idade- este último ponto de üsta proüsoriamenteafastado. Uns são a base primeira do gênerode r.ida, são criadores oll org'anizadorcs; ou-tros têÌn função de consenação, de fixação.Podem-se descrever os que têm função anta-gônica, de lirnitação. Enfìm, enconlram{e üìa-

ços cuja utilidade não aparece imediatamen-te; estes são elementos relictuais. Essas distin-

ções devem ser entcndiclas com o cuidadonecessário. Elas clar-ificam o funcionamentoclo gênero de vida e nrlo têrn valor absoluto cnít ido.

Os mais antigos gêneros de vida agrícolasse prestam à definição dos tmços crituktra oumganizadorN. A escoiha d:r^s plantas dc cultura,o rnaterial instmmental e a maneira como osgrãos são enterrados poclem ser vistos comotócnicas fundamentais, crn torno das quaistodo gênero de vida sc organiza. Sua associa-

ção se Ì'eveste de notável estabilidadc nasáreas clin'rádcas extensas: associação dos tu-bérculos ou de um cereal de grao duro comoo milho, com o bastão nas regiões florcstaisintertropicais; associação dos pequenos grãosdo tipo sorgo com a enxada rlas terms menospesadas do Sudão ou do Decão; submersãodos solos e repicagem do arroz nas regiões demonção; tríade trigo, arado e boi nos camposda Eurásia temperada. Outros elementos,como as estrutuÍïÌs sociais e a organiza$o dotrabalho, têm de preferência papel fixador.

Se quisermos compreendcr a natureza ea ação destes elementos fxafuna, dirigirerno-nos a formas muito evoiuícias, como os gène-

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ros de vida baseados em uma combinação cieagricultura de cercais com criação sedenúria,em um nteio social que repousa sobre forteestrutura aldeã, com obrigações coletivas. Écerto que o ripo de habitat, a cstrutura agrá_ria * partilha e forma dos campos -, o tipo depropriedade c de exploração inscrevcm nosolo, pm traços materiais, o funcionamcnrodo gêfrero dc vida. A distribuiçzio dos taroúscontribui para imobilizar o gnrpo agrícola emseus costLllne.s. Não vemos a que ponto ofmcionamento e a dispersão clas parcelas im_pedenr a substinriçzio de um tìpo clè explotaçãoarÌtlga poÌ- outro clc cxpÌotação moderna?

Esscs últirnos traços a rcpresentareuì LÌnìpapel fìxador no qênero de vida antigo subsi.s_tclrì no novo cotÌìo traços antagonìros. Encon_tmríat.nos outros exemplos na clescrição do.sgêneros de vida baseados na criação. Se asgrandes tribos de pasrores nômacles cla rcgiãoestépica e desértica cla Errrásia obtêm cle scusanimais dornésticos o máximo proveito, umbom número de criirclores sedenrários, quesão ao mesnìo tenlpo agricultores (Índia), oumesmo criadorc.s nômades (furica austraì coriental), utiliza mal suas manadas de bois ede vacas para alimenado e transporte.s Asprescrições religiosas o atrapalham: descle <1ueas proibições desapareçam, o grupo retoma aI iberdade de ut i l ização de seus animais(hotentotes).. A religião representava fator clelimitação.

Os ritos e púticas que foram ligados acertos modos de atiüdade de um grupo po_

: FORDE, D. C., op. cit., cap. XIV, p. 483.

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dem persistir quando as formas de existênciaque lhes serviram de suporte desaparecem.Seu sentido se perdeu. Os iakoutes, que setornaram criadores de renas, conservam par-te do material de que se utilizavam para oscarralos - a sela, por exemplo. As pesquisasdos arqueólogos russos, na região do Altaíoriental, revelaram ritos funerários que per-petuavam as lembranças da mudança do ani-mal doméstico, as máscaras em ouro de re-nas colocadas nos crânios de cavalos. Emnossos campos, as tradiçõcs populares evoca-vam estados muito anrigos, ccintempoúneosde nossas origens, no seio de populações nr-rais. 'fudo isso se afunda junto com nossacivilização rural tradicional e os elementosre ïtc ntnis desa parece m.

Um equilíbrio entre esses elementos deordens diferentes acaba por se estabelecer eassegura a coesão interna do gênero de vida,penhor da perenidade, que é uma de suascaracterísticas essenciais.

(ien^eros de üida e mànsReteremos aqui apenas algumas conse-

qüências das relações gerais estabelecidas porVidal de la Blache. Conjunto de técnicas, osgêneros de úda são formas ativas de adapta-

ção do grupo humano ao meio geográfico.Da especialização e da estabilidade dos gêne-ros de üda dependem a especialização e aestabilidade do grupo humano e sua duração.Suas mudanças locais se traduzem por suasvariantes.

Nos povos submetidos à pressão de ummeio muito especializado, ciesertico ou árdco,

))

cujas características não variam quase nada deum ano para outro, a direção imprimida pe_las influências exteriores não

-ráu, os gêne_

ros de üda estão sempre orien[ados d.a mes-ma maneira. Há meios menos definidos, fizn_jas onde preralece ora um grupo de cond.i-ções, ora outro, como ocorre na margem dasestepes, seja do lado dos climas úmidà ou dolado do deserto. para condições margrnais,gêneros de vida marginais. Um período deseca prolongada e muito severa trãnsforma ogr-upo de criadores nômades em um bandode coletores levados ao mais baixo nír,eì devida pela perda de seu rebanho; transforma ocriador,sedenririo em nômade, ao menos poraÌgum tempo. Antes que se tenha começacloa lhes trazer algum alír,io com os trabalhos cleirrigação, os habitantes d.o Ceará (Nordestedo Brasil) conheciam os efeitos dos períodossem chulas. Igualmente, o abandonà das al_deias à margem do deserto de Thar duranre a-sgrandes secas foi há muito tempo assinalada.

Os esquimós oferecem um dos melhoresexemplos de Íìdelidade, por intermédio daqual o gênero de üda reflere mudancas domeio. Povo esrranho, que, segundo a expres_são de Diammond .|enness, escolheu parahabitar o meio das neves e dos gelos quaseperpétuos. Sua cultura é ao mesmo tempouma das mais extensas e especializadas domundo, adaptada às condições do arquipéla_go ártico americano. O Velho Continente nãoapresenta nada de comparável. Entretanro,Daryll Forde repara que sua uniformidade nãodera dissimular suas yariantes. Elementos dacuitura,se encontram em toda a área ocupada

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pelos esquimós e estão ausentes dos territó

rios onde üvem os índios nômades criadores

cìe caribu. Apenas o arpão e o caiaque faltam

no extremo noroeste. Mas o trenó puxado

por cães, a casa de neve ou iglu, os métodos

de caça no gelo desaparecem progressivamen-

te ao mesmo temPo na direção do sudeste e

do sudoeste. E nessas duas direções, na mar-

gem subártica da área, vêem-se aparecer for-

mas especiais de caiaque e, com o grande

barco, l'umình, todo o equipamento necessá-

rio à caça de grandes celáceos em alto-mar.Enfim, na região dos Balrm Grsunds os üa-jantes descreveram os esquimós caçadores de

caribu, cujo rnodo de existência representa

alteração profunda em relação ao conjuntodo grupo. Todas essas mudanças no equipa-mento material e nos hábitos exprimem as

variações do gênero dc vida em relação ao

que se poderia chamar de matizes'do ambien-te ártico do meio fïsico.6

Contentatno-nos com estas observações:

não temos de insistir, uma vez que o outÌo

aspecto das relações entre o gênero de úda eo meio - o do poder rnodificador do primci-ro - já foi suficientemente analisado. Nós o

assinalamos eÌn seu lugar lógico. Nós o rr:en-

contraremos.

" Os mais recerÌtes trabalhos de conjunto produzidospor-geógrafos sobre as sociedades esquimós são:

ZINÍÌ\{ERMAT\N. In: L.A BL^ACHE, Paul Vidal de c

GALLOIS, Lucien. Gcogaphie uniuerselLe. Terna III,

1933, p. 258 e seguintes; FORDE, D. C., op. ci t . , cap.

\4.1I, p. 748; GEORGE, Picrre. I-es Régions polaires.

Paris: pp. 139-56. (Armanci Coiinl.

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A rutrca do gênzro de uifu sobre os hom.ensA marca colocada pelo gênero de üda ao

mesmo tempo no grupo e nos indir'íduos éoutro f:rtor de sua preserr"ação. Ele se mostracapaz, em Ìlma Ìarsa escala, de moclcl:rr aornesmo tempo sua aparência física e sua cstrÌl-tura mental. Vidal de la BlacheT i:i disse oesscncial:

Os gêneros de vida têm uma autonomia quese apega à pessoa humana e a segue. Não ésomente o becluíno e o felá que se cor-rsidc-ram de tipos diferentes; é o pastor valáquio,é o cuÌtivador bírlgaro, é até, em nosso litoral,o marinheiro e o camponês. A alma de unsparece formada de metal diferente da dosoutros.

Essas oposições explodcrn quando seacham em conflito panì a conquista do espa-ço; a do cuÌtivador sedenuírio e a do D;ìsrornômade é um dos pontos comìlns da hi.stóriare da geografia.

Seria fácil prolongar quase indefinidamen-tc a lista de exemplos. A idéia a reter é a cÌepenistência das características. É scnsível quan-do os grupos cstão terrirorialmente just"rpos-tos; mais notável ainda, quem sabe, quandoestão superposros. Nos planaltos da Áfricaor iental , os "baki taras", "banyankolés" e"massais" r'ivem no meio de populações agrÊcolas, mantendo a individualidade de serrsgêncros de vida.8 AfastaraÌn{c de libe radame nte

7 [Á BIÁCHE, Paul \4dal de, op. ci t . , p. 304.o Sobre os povos pasrores da lifrica oriental, iá foi

)q

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das possibilidades econômiczts que lhes eramoferecidas, pam perrnanecer na criação no-made de bois. Sua existência mostra a queponto um gênero de üda tradicional poderestringir o uso de um território mais rico emürtualidades. Não menos nítida é a oposiçãodos "peuls" com os agr-icultores sudaneses, nomeio dos quais eles se confundiram. A preser-vação de seu tipo étnico em vastâs extensõesé um dos fatos mais impressionantes da geografìa humana da Áfiica.

A ação do gênero de úda se faz sentirsobre o tipo son-rático. Caso se argumente quea diferenciação física dos "massaïs" e dos"peuls" é de origem longínqua - pois são inra-sores e conhecemos algumas de suas etapas -,afasta-se son-Ìerìte a solução do problema. Hána prática do gênero de üda elementos capa-zes de agir sobre o tipo fisico, o modo dealimentação, 2ì natureza e o grau de trabalhofísico: ignoramos conìo essa ação se inscreveno patrimônio herediúdo e, da característicaindividual, passa{e à característica étnica. Masa formação de um patrirnônio psíquico, gra-

ças a linguagen, tradições e ritos, é um fatoindiscutível. O indiúduo é prisioneiro de seugrupo, restrições, antipatias, ódios. O fato maiscomplexo é o rnais fácil de ser constatado ede ser explicado com base nas diferençasindicadas acirla sobre o papel dos diversoselementos do gênero de úda.

citado D. C. For<le. É iurto mencionar os trabalhosdc Scaetta, infel izrnente interrornpidos de rnaneilapÌ-ccoce. Sobre os "petr ls", o art igo de BIÁCHE, J."La Quest ion pastorale en Afr ique occidentale".Annaks dc Geogtalthte, Li, i942, pp. 2ü4+.

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Os gêneros de úda assim definidos sãosuscetíveis de classificação? Agrupam-se geral-mente tomando como ponto de partida omodo de atiúdade dominante. Hoje, que re-nunciamos ao dogma da sucessão dos estadosde cultura, pareceria imprudente arriscar umaclassificação genética. Acredito que é preciso

Permanecer no uso corrente, sem outra preo_cupação de precisão.

II - A evoluçÁo oos cÊNrRos DE vlDA

Uma clefini@o dos gêneros de üda comoa que acaba de ser esboçada oferece apenasuma visão incompleta e mutilada. Para ter in-teresse geográfico, este complexo de hábitosdeve apresentar um mínimo de duração e deestabilidade, sem o que não poderia ser aprGveitado. À{as duraçao e esrabilidade não signi-ficam imobilidade. O gênero de üda nasce,transforma-se, expande-se e, quando chega aeste gïau de man-rridade, nós o caracterizamos.Daí a necessidade de evocar um aspecto com-plementar e não contraditório: o da evolução.Será ocasião de fazer um progïesso no conhe-cimento dos gêneros de üda. Vidal de la Blachemostrou múto bem de que combinações nas-cem seu; gerïnes, a favor de que circunstânciasestes se organizam e se enraízam. Sem reperiro que escreveu, que deve ser olhado comodefiniliv:rmente adquiúdo, podemos tenrar umpasso a mais na análise.

Exempla d,os aquirnósF-etomemos por tema de reflexão os es-

quimós, a propósito dos quais ernógrafos e

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arqueólogos têm, há trinta anos, acumuladotrabalhos.e As origens e as transformações desua cultura apresentam problemas dificeis, cujoenunciado, entretanto, esrá cheio de significa-dos aos oÌhos dos geógrafos. Os arqueólogosencontraram vestígios de frês ciülizações ãnti-gas, entre as quais é diÍícil imaginar as relaçõescronológicas: aquela de Thule, a do cabo Dorsete a das ilhas e margens do mar de Bhering.

A culrura de Thule ocupa posição geo-gráfica central em relação às duas outras.Segundo os trabalhos de Holwed, divulgadospor Matthiasen, a superposicão no distrito deThule seria a seguinte: Dorset (século X),Thule (caçadores marinhos espalhados portoda a costa ártica do Canadá, séculos X-XII),Inugsuk (caçadores de baleias, séculos XfV-X$, Ruín Island (em relação corn o Alasca,século XfV), esquimó moderno. 'fhule teriasido um centro de irradiação cuja ciülizaçãosucedia a uma cultura mais antiga. Quantoaos esquimós das Baren. Grounds, longc derepresentarem a sobrevivência de um grupocm üa de adaptação, não ainda acostumadoàs condições árticas, seriam uma tribo em via

s Cf. trabalhos citados na rìota 6. Cornpletar com:JENNES, Diarnrnond. 'Ethnological Ploblems of ArticArner ica' . In: A\ . íERICAN GEOGRAPHICALSOCIETY. Problerns of Polar Resea.rch, SspecialPublications, ne. 7, Nova Iorque, 1928, pp. 167-76;RASIúUSSEN. Khud. 'Tasks for Future Research inEskimo Cultur-e". Ibidern, pp. 177-88; BOGORAS,Valdernar. "Ethnographic Problems of Eurasian Artic".Ib idem, pp. 182-208. Mais recenr.ernenre,MATHIASEN, T. "The Archeology of the ThuleDisu'icr". Gcogr. i'i<ishiy, XL\,ii, ì94+45, pp. 43-72.

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de regressão: treinados na perseguição docaribu, teriam ürado as costas ao mar e per_dido todos os elementos de sua cultura, iiga_dos às condições litorâneas. euc há mais cÌcdez séculos os esquimós se,jam LÌm povo emüa dc migração, como o sabiam os velhosautores, é fato indiscutível; mas o sentjclo deseus dcslocamentos ao longo das cosLls seteÌl-trionais do Canadá fica contestado.

As relações atuais entr-e a árc:r sucioeste ea área sudeste da cuÌtura esquimó são reco_nhecidas (posse do grandc barco dc mar).À4as como explicar o desaparccirnento clostraços comrÌns, subzir t icos, no clomínio dacultura de Thule? E, sobretudo, quais são asrelaçõcs exatìs cla cul tur-a dc' fhulc corn a deBhcring? O moümento se fez dc lcste paraoeste ou inversamentc? É certo q.,. o, gèn.-ros cle vrda do.s esquiniós resulürm cle umacvolução quase milenar, corn inflexõcs segun_do as rnudanças de cl ima. As grancÌcs l inhasainda csuo incerLrs.

O que retemos são os tcmas que se cru-zam nas cliscussoes dos arqueótogos: influôn-cia das mudanças de meio, importância domaterial instrumental, função porrí,,.I da trans-ferência de cultura, contaminações de umaculnrra pela üzinha, margem extensa dc adaptação, indo da vocação marítima à r,ida de pescaou à caça do caribu. Esses são o. ,.-^ qu.sempre encontmmos quando estuclamos siste_maticamente a evolução dos gêneros de üda.

Euofup^o dz origem internaO primeiro probl<'rrr:r a examinar consis_

te em saber em que rrrctlida um gênero de

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üda é suscetí\'el de evoluir a partir de neces-sidades internas, sem nenhuma espécie deimpulso ündo do exterior. Tal qucsrao nãoparecerá arbitrária se refletir, de um lado, oque já dissemos a respeito da força oos cle-mentos fxadores ou conservadores e. de ou-tro, este poder de inércia do qual Vidal de laBlache falou tantas vezes. Não parece duúdo-so que os gêneros de i'ida possam evoluir es-pontaneamente.

Uma invenção que modifica o materialinstrumental, como a do arado e a da pirogacom apoio lateral, pode ter efeito de alcanceconsideráveÌ, qualquer que seja o esúgio decultura em que se encontra. Os progressosdas primeiras ciülizações foram aqueles dasferramentas; permitiram melhor uso da forçados homens e de seus arxiliares. Sem dúúda,nem sempre foram adoados sem resistência,pois a destruição do hábito é um delito. Masnão se explicaria a transformação das socieda-des mais antigas caso se recusasse admitir queela resulta da totalização das invenções no in-terior do grupo.

Dois outros fatores precoces de transfor-mação residem no crescimento demográficoe no progresso de uma organização social quepermita a divisão do trabalho. O primeiro fazpairar sobre os homens uma ameaça constan-te de desequilíbrio entre as necessidades e osrecursos. Os primitivos, mais freqüentementedo que se acredita, procuraram fazer frente aisso por uma limitação volunrária da naaÌida-de, sobretudo quando as condições do meioeram muito severas. Mas foram forçados tam-bém a procurar novos recursos. A ciivisao cio

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trabalho, logo que se reveste d.e formas me-nos rudimenlares do que a estabelecida nointerior da família, termina ern uma especia_linção das castas, em uma separação das ocu_pações agrícolas e industriair.,o D.u._.. ver aío princípio da distinção dos dois grandes gru_pos de gêneros de üda; connrdo, no esrágioinicial, a separação não é geográfica, é de

:.q:- sociológica. Tudo aquilo q,r. se refere

à alimenhção fica no primìiro plu.,o.Com o tempo, a separação àos dois gru_

pos de ocupações, agrícolas e industriais, vaise acennÌando: os segundos tomam importân_cia crer;cente e absorvem quantidade de er,.._gia humana cada vez maior. Como sua produ_ção não é mais consumida no lugar, rrà

".,ro.nomia aumenta. Novos gêneros de üda co.meçam a emergir da indiferenciação primiti-ra. Têm caráter misto. Todas as vezes^que ostrabalhos agrícolas não são suficientes paraempregar toda a atiüdade do grupo, ot.. pu.,sustentar sua existência, sempre que há umresto disponível de energia, permanenre ousazonal,_sempre que o excedente de produ-ção pode ser trocado, as condiçõ.s áe seuaparecimento esdo reunidas. O esperáculo denossas sociedades ocidentais, com suas distin_ções definidas, leva-nos a esquecer a ajudalerada ao mundo rural no passado pelas pe_quenas indútrias domésticas dispÀas noscamp_os. O camponês era, segundo as horas eestações, um operário ou um agricultor. Nada

r0 No que concerne aos efeitos da divisão do traba-!ho, cf. THURNWALD, R. L,Econonie primít;ue. paús:1937, 390 p.

31

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disso esrá abolido; as monografias regionarsnos fizeram conhecer esla associação do tra-balho dos campos com o da pequena oficina,de acordo com modalidades muito lariadas.O trabalho com renda, a tecelagem, a malha-ria sobretudo, mas também o trabalho emmetais (serralharìa) e o da madcira prospera-ram muito tempo nas aldeias da Picardia, daregião do Vimeu, cia Charnpagne, noJura, noItÍaciço Central ou nos Pirincus. Sob o efeitoda concentmção industrial, as caractensticasdesta simbiose se alteram.rr

O importante para nós é ver como osgêneros de vida, associando tipos de ocupaçãotão diferentes, puderarn sc formar. Não é difr-cil conceber como pôde ser feita a separação:ela, porém, não gerou necessariantente umasegregação geográfica, pois a usina podia, aosubsrinrir a oficina, pernìanecer no campo.

Algunns conseqüencicu dessa euohqãnNo entanlo, com os progressos da indús-

tria e tambérn com os das cidades, dos quaisfalaremos rnais tarde, modos de existênciafundados unicamente em ocupações indus-triais conquistaram sua independência dianteda agricultura e se localizaram segundo suaspróprias leis. Ern sua formação e progresso, oavanço das técnicas insü-umentais, dominadohá um século e meio pelo progresso científi-co, desempenhou função dominante. A inven-

rI Não se podc indicar uma bibl ioglafìa sobre estesgêneros de vida rnistos, dos quais muitos forarn ol>jeto de descrições pormenorizadas em monoglaÍìasgeograiìcas.

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çao da maqulna a vapor, tal qu:ri conccbidapor J. Watt depois de três ouarros <ic sóculode tenLatir,as, inaugurou nova cra na históriados gêneros de r.ida. Triunfo do espírito qucfez cxplodir os velhos quadros.

Esses novos moclos de cxistôncia não tênttodos os tr:ìços quc cxistiam nos antigos cteremos cÌe voìtar a este ponto importantt:.Insistintos somentc cÌï quc, nos gêneros clcvida antigos, a atividade do erupo envolvc asatrsfação do conjunto d:u neccssidacles, in_cluindo tanto a alimennçào quanto os utensÊIios e fcrramcnri ts, o abrìgo e roÌ l l ) l ìs. I ì : Í rnui tutempo que a campor-ìesa crn nosso país nlìr;tecc mais a lã ncrn o Ì inho. E, l i r não urro n.,o, ,seu pão. Chegou um monìcnto em quc adifcrenciação dos gôneros dc vida, fundadasobre a especialização profissional - dir*e-ia,de boa vontade, o desmernbran-Ìcnto dos gê-neros de rrida -, traduziu-se por um cmpobre-cimento das advidades do grupo, ao menosem celto sentido. Ao rtresmo tempo, perdeuquaÌquer coisa de surì aLrtonomia, Íìcou nr:risdependenre dos gmpos qr.re praricam adrrida-des complemenares. A noção mcsÌna do gê-nero de úda se transforma.

Eaoh4ao por atl{tptaçao a um rwuo mzioO que foi di to dos csquimós permire

considerar rapidamcr-rte os efcitos das mudan_ç^ _d. meio. Impelido para fora de seu rerri_tório, pela necessidade ou pela força, um gru-po humano leva consigo seu gênero de vida.Mas po$e ocorrer incompatibilidade erìtre seusháhitos e o meio para onde se desloca. Usosnovos sc impoem. Para que serviriam aos esqui_

Page 11: Max Sorre. Genero de Vida

mós, migrando em direção ao sudeste, aspúticas da caça de espreita em um litoraì ondenão há camada de gelo permanente, comoriÍícios de respiração para as focas? Esta açãodo meio não tem caráter de necessidade, nosentido de que o gïupo humano nunca possase adaptar e perecer. Possui, não obstante,grande força dominadora.

Ela nos coloca diante de problemas mui-to gerais. Acabamos de examinar deslocamen-tos de grupos, migrações geográ{ìcas condu-zindo um povo de um meio bioclimático aoÌrtro. Mas, desde o aparecimento do honnsapiens na Terra, a distribuição dos climasmudou, afetando a repartição das grandesmassas de vegetação. Discì.rte-se sobre a crG-nologia destas variações, sobrc scu carátercíclico e a amplinrde de suas oscilações. Suarealidade não é dr,n'idosa. Nossa espécie assis-tiu ao recuo das geleiras c a todas as mudan-ças pluüotérrnicas que se seguiram. Os gêne-ros de vida primitivos sofreram os contragolpesdesses acontecimentos. A arqueologia préìris-tórica nos tl?z alguma luz sobre isso, semresponder a todas as questões. Pois, se é pos-sír'el conceber que um grupo humano pernìa-neça fixo em um território em transforma-ção, adaptando seu gênero de vida a condi-

ções novas, pode-se também conccbcr que e leseguiu essas condições em seu deslocamentoem ladrude. A semelhança entre o materialdas ciúlizaçoes primiti\as em nossas latirudesmédias e o das populações aruais do Ánicosugeriram aos predecessores a hipótese de umacorrLirruitiatic à quai r crrurrciarrrt-rs.

34

Introdução dz nrnos elemnttosOutras influências externas, e não mu_

danças no meio fïsico, intervêm. Invasoresbastante numerosos para impor sua lei po_dem inroduzir novos hábitos sem suprimiro velho fundo cultural. Os gêneros de üdada Europa ocidental, se aí fizermos um cor_te, revelam uma superposição de alurriões compenetrações em profundidade. O substratode nossa vida rural remonta a tempos muitoremotos. Celtas, latinos e germanos remod.e_laram este fundo primitivo. Elementos novos- técnicas de atrelagem, por exemplo _ de_sempenharam a função de fermento. O re_sultado é um sincretisrno no qual todos oselementos parecem determinar uns aos ou_tros. Pura ilusão. A introduçâo de um ele_mento eln uma região é suficiente para per_trìrbar um velho gênero de üda e dar-lhe umnovo dinamismo. Os índios da pradaria nor_te-americana, na época pré<olombiana, erarncaçadores de bisões. No século XVI, os euro_peus introduziram o cavalo e este se narura_lizou rapidamenre. A população da pradariase tornou então uma população de cavalei_ros. No entzÌnto, consenou seu gênero devida, mas com traços novos, deüdo ao au_mento da mobilidade, à possibilidade de ex_plorar territórios mais vastos e de transpor_tar material mais pesado e mais rico ao lon_go dos deslocamenros sazonais. O calaÌo éum sinal de riqueza, o objeto das competi_ções. Sua posse conferiu aos pésnegros e ou_tros grupos caçadores superioridade decisivasobre os agricultores que tinham impelidosuas culturas até rárias centenas de milhas

J5

Page 12: Max Sorre. Genero de Vida

=r-

além do Mississipi e que, desdc então, dcslo-ca\am-se para leste.ì:

Essa introdução pode ser'feita por conta-minação entÌe gnÌpos vizinhos, e não se per-cebe isso senão no fim de certo tempo. NoExtremo Oriente, os europeus ficaram surpre-sos quando constataram a variedade de produtos colocados no mercado pelos campone-ses, que tinham cultivado em suas [6rtas, âoIado das plantas alirnentícias tradicionais, asespécies importadas de regiões longrnquas pelacultura associada à plantatitn Constataram amelhoria dos gêneros de üda dos nativos.r3Retomaremos mais adiante o exemplo daagricultura sudanesa, enriquecida pela adoçãode vegetais americanos desde o século )ilII.Assinalaremos somente que, ern alguns distri-tos da zona da Guiné, ocorreu urna evoluçãoanáloga à da Insulíndia.

As contaminações podem ir_até a adoçãototal de urn gênero cle vida. E o caso dospaleo:siáticos, dentre os quais alguns adota-lam os costlrrnes dos csquimós.

Origent únìca ou nuiltiph, dos generos d"e uül^uChegando a este ponto, o geógrafo se

pergunta se é sempre possível fixar a origeme as trajetórias dos elementos dos gêneros devida. Ele se volta pam os etnógrafos, de posse

rr Sobre os índios das plalrícies, cf. \\ISSLE& Clark."Ttre-Inf luence of the Horse in the Development ofPlaiIr Cultule". Artaican Á,nllroltologist, XVI, I9I4, pp.l -25.rr ROBEQUAIN, Charles. "Ploblèmes cle colonisariondans-les Indes Neerlandaises". Annales dz Góografthie,L, i941, pp.3?-57 e l t4- i6.

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de métodos aprovados e crla cliscipìina acabade conhecer um florescimento magnífico. Mas,em muitos casos, esles param também diantedesta questão: um determinaclo elemento cul_tural pode aparecer espontaneamentc, sob ;rpressão de necessidades semclhal-ìtcs, cnÌ pon_tos afastados (convergência), ou então sc cleve,para explicar as similinrdes, recorrcr à hipótesede uma difusão? Cada um responde segunclosuas tendências e a escola a que pertence.Ìa

De nossa parte, julgamos imprudente daruma rcsposta geral e afastar propositalmcnteuma possibi l idadc cle expl icação. euando,nesta árca imensa de agricultura da Euúsia,encontramos em dum regiões _ China e Ori_ente meditcrúneo - técniczu dc irrigação to-talmente comparáveis, podemos considcrarque aparelhagens elevatórias do mesmo npoe insdqições semeìhantes puderam ser inven-tadas erir úrios lugares.15 A inìgação foi des-coberta na América pré-colombiana indeper.r-(lentemenre de qualquer imitação. A possibi-Iidade dc uma rransferência para a Èurásiafìca aberta: não é indispensávcl invocáJa.

hobbmas dz ümitaçaaVemos que essa evolução, cqjos nrecanis-

mos acabamos de pesquisar, em alguns casosé interrompida: grupos humanos se cristali-

rí Ragnar Numelin nos fornece um resumo em Í in-landês ern " Diffusior-rs problemet i kultu rforskningen ".l'erra, geografuka siilkkapets i linkmd. .l'ìdskrift,

Vuosik,L\41, I945, pp. 2G35, com o essencial da bit l iosraf iac um bom resumo cm francês (pp. 3a-5).f sJules Sion expôs o problema

"^L,Ari" dzs Ìt4oussons,

lr parte, p. 49.

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Page 13: Max Sorre. Genero de Vida

--r-

zam em seu modo de existência e desapare-

cem em vez de mudarem.Os nômades mostram muitas vezcs uma

falta de plasticidade e de flexibilidade sur-

preendente. Compreendemos os verdadeirosnômades e não as tribos que, nas zonas mar-

ginais, praticam gêneros de üda igualmente

rnarginais. O problema de sua sedentarização

se estendeu a todos os povos coloniais. A Rússiasoviética tenta no Casaquistão e na Baixa-

Quirguizia uma experiência de grandc enver-

gadura. "O nomadismo desaparece rapidamen-

te, não sem que a mudança do gênero de údarnodifique profundarnente os hábitos e até

o equi l íbr io v i ta l das t r ibos 'casaques" '

(P. George).16 Freqtìentemente se descreveu

o desaparecimento de grupos indígenas porincapacidade de modificar seu gênero de vida

com a chegada dos brancos. A sobrevir'ênciados esquimós da costa oriental da Groelândiaaparece como a recompensa de um magnífi-co esforço do governo dinamarquês. A inca-

pacidade de evolução se enconü? mesmo em

povos agrícolas que, enüeLallto, no curso dos

séculos, tiverarn seus gêneros de üda ttansfor-rnados pela introdução de novas plantas. To-

dos os especialistas concordam sobre a dificul-

dade de melhomr a agricultura chinesa e so'

bre as precauções com a introdução de ummaterial de cultura do tipo euroPeu no Sudão.

Esta limitação resulta da especializa$o e

da estreita coesão de um gênero de üda adaptado ao meio. Mas parece que o fator domi-

IcCEORGE, Pierre. U/óJ- Pans: 194-1 ,p. +74. (Orbis)

38

nante deve ser freqüentemente procurado namarca profunda colocada pelo g'ênero de údano grupo humano, tornando-o incapaz de seÌibertar dele.

III .- A clncur-e.çÀo u os cÊNunos DE vrDA

Se é r'erdade que a formação de um gê_nero de vida demanda certa estabiÌidade ne-cessária ao ajustamento dos elementos que ocompõem e a seu enraizamento no meio, todasas mudanças, mesmo quando obedecem a umirnpulso interno, estão vinculadas de algummodo à atiüdade cla circuÌação. Esta hz ogrlÌpo humano participar cie uma vida maisarnpla, oazlhe germes de renovação que vêmfecundar os antigos modos de existêrrcia. Faznascer outros, marcados por eìa, organizadosern vista de seus próprios fins. Não há nenhu_ma região aparentemente isolada que estejapara sempre ao abrigo de setu ataques.

A cirntlafia e os gwteros de aida tradicìsnaisdn rnuúa antigDesde os tempos mais remotos, tudo nos

atesta a união estreita entre a formação e aevolução de nosas ciülizações agrícolas e es_tas formas elementares de circulação que sãoas migrações primitivas. O gênero de üdarural, tal qual se apresenta\a no fim do séculoX\ryII no norte da França, era um sincretis-mo. Supunha a di fusão de inf luênciasverificadas desde o Neolítico. As pesquisascontemporâneas sobre a origem das plantascultivadas esclarecem o assunto. Distinguimosos focos a partir dos quais se propagaram

39

Page 14: Max Sorre. Genero de Vida

rtì

-r-

nossos principais cereais: o trigo, a aveia e os

vegetais que lhes são associados. Somos capa-

zes de retraçar os caminhos seguidos Por esta^s

correntes, a partir das regiões mediterrâneas

e indoiranianas, as planícies danubianas e o

rosário de man"chns dc lmss alinhadas ao norte

dos Alpes, em relação às quais Vidal de la

Blache tinha mostrzdo interesse, e as grandes

üas radiais sul-norte.r7 Nem sempre podemos

dizer qual foi o agente difusor, nem se houve

centros secundários de desenvolúmento- Mas

sabemos que temos os dados fundamentais da

geograÍìa das migrações no Neolítjco e na

Idade do Bronze. A história da circulação nesta

Europa primiriva é a da difusão em círculos

sempre mais largos dos elementos de nossos

gêneros de üda rurais. Em um sentido oPos-

to, os bãços comuns às ciülizações mrais da

China do norte e as de nosso ocidente não se

explicam, se não fizerem intervir a circula@o,

tão antiga, através dos elevados planaltos da

Ásia central, pelas portas da Kachgaria e da

Dzoungaria.Em todas as épocas da história, a circu-

lação arrasta em sua onda os elementos de

renovação dos gêneros de vida. Na Idade

Média e nos tempos modernos, a Lombardia

e sobretudo Flandres são centros de irradi-

ação das técnicas agrícolas, de irrigação, de

conservação da fecundidade do solo e ins-

Ir çf. I.A BIÁCHE, Vidal de. T'ablzou dz la géôgraphie

d.e h liance, p. 30 e seguintes e o maPa em cores;

HAUDRICOURT, A. e HEDIN, L. L'Homtne et lzs plan'

lu cuüiaéet Paris: 1943, aPesar de algum paralelismo

inadequado entre fatos culturais e antropológrcos'

40

trumentais. As regiões que a tudo isso tivc-ram acesso forarn as que pr irrrc iro se bene-f ic iararn. Descrcvendo os planaltos l imososda Picardia, A. DemanÍrcon disse: "Estcamaci{mento da terra, Que t i l ì marca m<:s-ma do trabalho humano, t in l ra s ido at ingi-do em Flandres muito antes de scr tentadopor nós. Ela ó que foi a inic iadora". I -ogodepois acrescenta: "Estas trocas dc produ-tos, esta penetração de inf luências, cxigian"rcomunicações fáceis". '8

O akrgrurcnlo tlo ecúrrwno c sats eleiktsEsta difusão dc r-rm gônero cie úda nas-

cido nas regiõcs rnais mericlionais, impossí-vel dc se datar corn precisão, e que acompa-nha a cr,inquista da Europa ce ntral c sctenrrio-nal, amplia seu carnpo com as grandes des-cobertas, a ponto de abraçar o globo. Tod:ra Terra entra no ecúrrneno da circulação.Prelúdio e preparação de uua outra revohr-ção, este acontecimento, por si mesmo, temconseqüências imensas.

Primeiro, os grupos brancos emigradosda Europa implantam em todo lugar quepodem os elementos essenciais de seu gênerode üda. Durante os séculos que se seguem,observa-se sua progressão, mesmo fora doslimites dos climas temperados. Como as con-dições de espaço e de povoamento não são asmesmas da Europa, ao lado dos tipos calcadossobre as formas originais obserr"a-se nascerem

f8 DEMANGEON, Albert. La Picardie el les rigionsvoìsìnes: Arlois, Cambrésis, Beauuaisi.s. Paris: Ì905, capitu lo XII .

41,

Page 15: Max Sorre. Genero de Vida

-!-

formas extensivas, talvez transitórias, mas o elode filiação é evidente. Na África do Sul, osdescendentes dos imigrantes holandeses, osbôers, criarzm, com elementos emprestados aseu meio, um gênero de üda muito estável.Na América do Norte, se os imigrantes eurG.peus transporlaram seu modo de úda para aNova Inglaterra, realizaram cornbinações bemmais recentes no Centro-Oeste. Na faixaintertropical, os europeus criamm um tipointeiramente desconhecido até então, querepou.sa nâ economia de plantation. Seuscaracteres essenciais são as culturas de plan_tas transportadas para fora de seri país deorigem (cana, café, cacau etc.), t ' isando a nmaprodução de luxo lançada nos mercaclos dametrópole por meio de mão-de-obra selil,arrancada de sua pátria longínqua: tríplicce lo de dependência relativa à cir.cr_rlação. Essegênero de vida sofrerá mudanças profundascom o desaparecirnento da cscravidão e aexpansão do capitalismo: a relação originalnão desaparecerá.

O que se tornal?m os gêneros dc vidaantigos? Rlpida ou lenramente, os mais arcai_cos estão condenados a desaparecer, às vezescom o grupo que os compunha, diante daarividade conquistadora d.o modo de exisrên_cia dos brancos. Que se pense nos índios daAmérica do Norte. Em muitos casos, eles seti'ansformam pela vantageÌn de elementosno\/os. Eis o exernplo sudanês: a agricuìtumdo Sudão tinha conservad.o até o século X\rIgm caráter bastante arcaico, embora aí se.crrcontrassem aiguns elementos ün<ios do ies-

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te (Egito e Índia). Ela era pobre. Após o des-cobrimento do Novo Mundo, enriqueceu_secom algumas plantas americanas. À condi-ções dessa introdução são noráveis.re Trara-se,basicamente, da substituição de vegetais dotipo agrícola por plantas de melhor rendimen_to: a mandioca por inhame na zona florestal,a batatadoce por cóleo e, sobretudo, o amen_doim por voandzou (uoandzzin subterrârca), quetambém tem seu grão enterrado; como se essasmodificaçoes obedecessem a uma lei de me_nor mudança, permanecem intactos osafolhamentos tradicionais. Tudo iá se dissesobre o enriquecimento clos gêneros de vidaagrícolas europeits pela introdução do milhoe da batata. Ao ver o lugar que esses dois\regetais ocupam hoje enr nossas culturas, re_mos difìculdade de imaginar em nossas re_giões uma economia rural em que eles fos-sem desc,onhecidos.

Todas as zonas agrícolas do globo forarnatingidas por essa imensa tmnsformação. Osexemplos que citarnos bastam para esclarecero sentido geral: ela atuou para reduzir as dife_renças no interior de cada zona. A circulaçãoé um instnrmento de uniformização do globo.

A cirailaSo, con"diç.an de existêncin dnsghnos de uidnEis um ponto de vista sensivelmente dife_

rente. A circulação não se limita a carrear oselementos dos gêneros de üda. Sua ação nãoé simplesmente de transformação: ela vai apa-recer como uma condiçao de existência dos

'e HAUDRICOURT e HÉOIN, op. cir, p. t3g.

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Page 16: Max Sorre. Genero de Vida

gêneros de vida tradicionais e, em certa medi-da, como um agente de estabilização.

Entre os gêneros de vida mais originaise especializados, estão os que foram freqüen-temente descritos na maioria dos maciçosmontanhosos da Europa. Esses gêneros re-pousam em ulÌÌa combinação de agriculturapobre com tipos de criação muito variados,mas cuja condição inic ial é a explotaçâodurante o verão dos trechos mais elevadosda montanha. Deixam disponibilidade detrabalho importante duranie o longo inver-no e obedecenì a um ritmo sazonal coman-dado pelo escalonamento das formasbiocl imáticas. Como se desenvolvern emquadros fechados, salvo nos casos onde ovale que dá acesso a colos habitados é umeixo de grande circulação, permanecem aoabrigo das investidas do movimento geral doshomens e das coisas. De fato, esses gênerosmostravam glande estabilidade com marcasde arcaísmo. N:r análise, percebe-se uma Ìezmais que a esrabilidade não sigaifica imobi-Iidade. Muitos dentre os camponeses só sub-sistiam mantendo os rebanhos da planície naspartes mais elevadas das montanhas duranteo inverno; o gado nutrido, no esrábulo, nãoesgotava os recursos. Eles combinavam atransumância com a criação de gado namontanha. De outra parte, o excedente damãode-obra era empregado nas planíciesvizinhas: a renda com a prestação de servi-ços, obtida algumas vezes a grandes distân-cias, trazia algum alívio a uma economiaprecária, que dificilmenre subsistiria comscus próprios recursos. O rrrovi trrcrr to corrs-

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tante dos homens e dos animais estabcleciauma espécie de equilíbrio.2o

Assim, gêneros de vida prat icados emregiões üzinhas, como na plarúcie e na mon_tanha, são compleÌnentares: sua existência estáligada à atividadc dos inrcrcâmbios rcgionais.Vidal de Ia Blache falou muiras vezcs dã, .o.,",_binações de boas e cle rnás regiões em nossopaís: estas são associações cle gên.ro, de üdaentre os quais se estabeiece uma permÌrta dc:sewiços, não estando excluícìa a frcqüênciade migrações mais longínquas.

A airla de trocas, agente de destruição e clecüferen^ciaç(ioOs efeitos da circulaçã<_i se revestem clc:

grandc cornplexidade. Trazcm corn ela aoe_nas elementos úteis ou lllesmo indispensáveisà existência clos gêneros de r.ida: ela abrepossibilidades cn-ì todos os scnridos.

- Portadora de pl.omcssas ou dc ilusõcs,

facilita, nas regiõcs nrrais, a er,asão de todosaqueles que sonham com uma üda mais fácilou mais brilhante. A estracla de ferro foi umagente ativo da aceleração clo ôxodo nrral:não o criou, mas o facilitou. Trouxe trnraruptura de equilíbrio demográfico no meiocamponês e contribuiu, com isso, para altcrargïavemente entre nós o funcionamento dosgêneros de vida rurais.

Por ou-tro lado, o escoamento mais fácildos produtos e sua distribuição para um mer-cado ampliado csrimulam a prãrìução e po-

r0 É irnporraírte rerneter à tese de ARBO,S. plr i l i rrr .rcLa Vü pasloralz dans tzs Alltu liançaisa.

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IIl

I

-r

dem comprometer a economia de uma re-gião na direção da especialização. Vê-se, en-tão, gêneros de üda diferenciados se desen-volverem, orientarCos pelas exigências de umúp,o particular de produção. Eles substinremmodos de existência baseados em umapolicultura que se voltava essenciaìmente parao consumo local. A üticultura languedocianade grande rendimento só subsiste na formamodema gïaças a uma circulação fácil de seusprodutos. Sua diferenciação se exprime pelaoriginalidade do tipo humano que ela fo{ou,o üticultor tão distinto do ünhateiro tradicio-nal, que contrasta com os camponeses locali-zados em torno. Poderíamos invocar comoexemplo o hortelão dos subúrbios ou o jardi-neiro dos cantões irrigados da França medi-terránea.

Vimos anteriormente sob que irnpulsointerno podiam nascer, no seio das socieda-des rurais, estes gêneros de vida mistos queassociam a pútica das ocupações industriais àda agricultura. Sua persistência esú ligada àconserração de um certo equilíbrio que aindústria exerce em uma usina implantada empleno campo ou na oficina rural. Esse equilí-brio é rompido se a agricultura não absorvedisponibilidades sazonais notáveis de mãode-obra. A pequena industria se torna incapaz deresistir à concorrência, os operários emigrampara lugares de concentração da grande in-dústria e o gêr-rero de úda rural subsisre comtoda sua própria pureza. Sion a mostroll com-parando o destino des indústrias rurais naNormandia oriental, zona de criação, comnecessidacies cie mão<ie-obra iimirarias. ao

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destino das indústrias da picardia, região decultura de beterraba açucareira, onde a arivi_dade agrícola tem importância acentuada.2rPorém, qualquer que seja a importância des_ses fatores internos, que gêneros de üda mis_tos, como aquele da região do Vimeu, onde aatiúdade de serralharia foi ,,criada completa_mcÌìte com materiais oriundos de fora, pelaúnica ürtude da mão-cle-obra campo.,àro',(4. Demangeon), poderiam prosperar sem aatividade de um comércio que dispersassr seusprodutos aré os países do prata?

Em ourro esrágio, a segregação geográfi_ca sobrevém sob o império de causas comple_xas: não é nosso objerivo esrudar a localizaçãodas indútrias. Apontaremo.s unicamente esrasgrandes regiões onde elas são noúveis pelariqueza da rede que as sene. As facilidades deacesso de matérias-primas ou de energia e ascomodidades de escoamento dos produtosfabricados sâo as condições fundamàntais desua existência.

A ciratlnçan crindara, os gêna"os ctc aifu,urbarnsA circulação não se limita a agir sobre os

gêneros de vida já existentes paraãesenvolvê-los, transformá-los ou especialiálos. Faz sur_gir novos que só existem por e para ela. Epensando nestes grupos humanos, cuia atiü_dade está ligada aos rransportes, que se podefalar da função criadora da circuiacão.

?r DEMÂNCIION, Albert, o1;. ci t . ; SION, fLrles. larPaysaru de kr Nonnantlie Oimtalz..paris: ì90-9, p.324.

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fusociada à criação nômade, a'funçãocomercial representa um desempenho impor-tante na existência dos povos do deserto-. Elafoi para eles uma fonte importante de lucrosna Arábia e no Saara. fu transformações con-temporâneas do comércio nas regiõesdesérticas causarn a decadência da atiúdadecaravaneira e alteram profundamente seu

gênero de vida.Em nosso mundo, os agentes da circula-

ção são, muitas vezes, disseminados na massada população e não se reconhece, à primeiraüsta, a originalidade de seu gênero de üda.

Freqüentemente tambérn eles formam, aoredor dos portos, das estações ferroüárias cdos aeroportos, grupos mais ou menos com-

pactos. Encontram-sc mesÌno aglomeraçõcscontcndo centenas de Jressoas, unicamentecompostas de ferroüários. Pode-se ver aí, rne-lhor que er'Ìl oÌltì-a parte, ern quê slta existên-cia difere da dos outros homens.

Tomemos o caso mais característico, odo mecânico ou do rnaquinista da estrada de

ferro. Consagrada ao serviço de um mecanis-mo que não pára nunca, sua vida se desenro'la em um ritrno que, de qualquer maneira,isola-os dos outros homens. Eles são comoque ligados à máquina que conduzem portodo o tempo. Grande responsabilidade pesasobre eles e o mínimo descuido coloca emperigo sua própria vida e a dos úajantes dosquais eles se inõumbcm. Esses traços não sãoos dos marinheiros ou dos aüadores? Elessáo ligados por uma estreita solidariedade atodos os especjalistas que, de uma maneiraou cie ouü?, panicipam cia manuren@o cio

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material. O mais curioso é que mesmo osagentes de escritórios, cujas ocupaçôcs têmcaráter sobretudo com ercia l, cs tan d o regul zr-dos pelo mesmo ritmo da circulação, nutrema seu respei to um forte sent imento defraternidade. Eles atribuem a scì-ls scniclhan-tes responsabiÌidades bast:rntc pesadas. A f:r-míìia ferroüária: não é rrma metáfora, a vo-cação ó às vezes hereditária, como aconrecccom os homens do mar.

Não temos ainda senão uma úsão frag-mentada do poderio criador da circrrlação.Para med!Ìa, considcranìos as condições clcexistência das cidades. Aìgumas nasceram aolongo das estradas ou no cruzamento do.scaminhos; nem todas subsistem scnão pclaatiüdade da vida de rclaçõcs c graçiìs a uìnarica rcde de vias. Vida rcgional dc relaçõesPara os centr-os menos iÌÌìportantes, gcral paraos outros. Essas aglornerações não tiram nadadc seus solos, clas ncnì semprc se renov-anlpor seu crcscimcnto natural; rccebem dc foraseus alimcntos, as matérias-prim:u necessáriasa sua indústria e até mesmo os recursos hn-manos. Seu penodo de grande expansão nãoesrá terminado; ele começa com o dcsenvolü-mento da grande indúsnia. E também a época em que meios de cornunicação se niultipli-cam e transportes mobilizam massas crescen-tes de produtos pesados e multidões cada vezmais numerosas - tão íntima é a relação entrea circulação e as cidades.

Ora, aos olhos do geógrafo, a cidade nãoé só um elemento da paisagem, caracterizadapela ocupa@o contínua do solo, o emaranha-do das construções, a extraordinária densida-

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de dos homens. F-ses traços fisionômicos sãoa expressão concreta e durável do gênero deüda urbano, dominado pela atiüdade da cir-culação, oposto aos gêneros de úda mrais.2zUltrapassamos o círculo das diferenciaçõesprofissionais, à vezes indiúduais, em todo casorariár'eis, segundo a predominância de taÌ outal ftrnç:io urbana. Aqui o comércio, alhures aindútria ou as ocupações administrativas, esúno primeiro plano e dá uma cor particular àexistência de grupos inteiros: acima de todaessa diversidade destaca-se uma certa comuni-dade de traços que define o gênero de üdaglobal. A fixação das funçoes urbanas estácondicionada pela geografìa fïsica; contudo, aüda das cidades é quase sempre independen-te das estações. Mesmo em nossos dias, emque o rurismo parece introduzir na existênciaurbana uma espécie de ritmo, este é inversoàquele dos campos. Liberado da dependênciado clima, o gênero de vida urbano é maisdependente de uma organização social e eco-nôrnica. fu cidades não. poderiam úver semela, mesmo porque elas são, do ponto de üstaeconômico, as consumidoras. A simples con-centração dos homens gera uma coordena-

ção que não prevalece quando estão dispersos.Enfim, a participação em uma üda de relaçõesamplas cria esta atmosfera para a qual foramfeitâs as palawas civilização e urbanidade.

22 Remeto o leitor ao pequeno e excelente liwo deCHABOT, Georges. I-es Vilbs. Paris: 1948, particu-larmente p. 170. (Armand Colin). Cf. Anfralcs deGéographii, ne.307, pp.22&31, a resenha deste trabalho.

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Nós nos deteremos nestes aspectos queapontam um último apanhado no quadro dasrelações entre a circulação e os gêneros de üda.

tV - A NoÇÃo Do cÈNERo DE vlDA E oMUNDO ATUAL

Com a descrição dos gêneros de vidaurbanos, estamos bem longe de nosso pontode partida. Tanto que nos perguntamos seuma única palavra é conveniente para desig_nar ao mesmo tempo o comportamento deuma tribo de pastores e o dos moradores deuma cidade de mais de um milhão de almas.Ao menos, a noção se transformou, alargan_do*e. O caso não seria único nas disciplinasonde a linguagem não pode ter o rigãr daálgebra. A nossa é o domínio do movediço; oconteúd,o dos termos de seu vocabulário seenrìquece com o tempo. Uma reüsão críticade suas noções fundamentais tem sua utilida-de. Para assim procedermos, r,oltaremos aosdois artigos de Vidal de la Blache e consid.e-raremos ainda a concepção clássica dos gêne_ros de üda.

bbnsãn e comlnetnsão originais da noçaode gênen de vidnA expressão pertence ao vocabulário cor_

rente e, como tal, aplica*e tanto à condutaindiüdual de um homem, determinada porseu caráter, posição social e costumes profissio.nais, quanto aos hábitos do grupo. A partir domomento em que.o geógrafo se apropria danodo, restringe o èmorego ao comportamen-to do grupo. Para ele, há únicamente gênero

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t-de vida coletivo. Quaisqucr que scjam asmudanças do sentido da expressão, ela deveúsempre satisfazer a esta exigência fundamen-tal e também a esta coesão dos elementos,cuja necessidade indicamos descle o corneçodeste estudo. Não é sem razão que Vidalemprega, para qualificar este complexo decostumes, a palawa cimentado. Eis alguns tra-

ços perrnanentes, aos quais reconheceremossempre, em geografia, os gêneros de üda.

Esrá claro que a expressão se aplica ainúmeras categorias de modos de existência,repousando todas sobre a exploração diretado ambiente, r,ivendo da coleta, da pesca, dacaça, da criação, da agrìcultura. VidaÌ de laBlache tem-nas todas explicitamente mencio-nadas. Mas, para as necessidades de sua aná-lise, renunciou a utilizar os mais arcaicos,apesar de tudo o que pôde tirzrr da análise daatiüdade dos esquimós, por cxcmplo. A maio.ria dos grupos que praticam atividades dc caçaou coleta parecem subrne ridos a ulna espéciede paralisação na evolução, e isso os tornapouco adequados para sewir de exemplos. Aexistência de criadores e agricultorcs permiteas mais fmtuosas reflexões sobre este

conjunto cle hábitos otganizad,os e sistem.óticw,23elaborando cada vez rnais profur-rdamente suarotina, impondo.se pela força adquir-ida pelasger-ações sucessivas, irnplimindo sua maÌ'casobre os espír i tos, dir ig indo num sent idodeterminado todas :rs forças do pl-ogresso.

!3 Terrnos or i fadns neln< nr.carr izrdnrncÒ- ------- r - ' - - - 'o-- ' - -*-- ' - -

feita anteriormelÌtc.

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Essas últirnas palavras implicarn ao n-ìe.s_mo tempo a possibilidade e os limitcs da cvo_lução da qual já falamos. Em .suma, se noslimitarmos aos gêneros cle vicÌa associacÌos :ìcriação e à agricultura nômacìe olr seclenrária,disporemos ainda cìe um material rnuito v;rs_to, mesmo sem considerar os gêncros dc üdamistos. Essas duas categorias constitucm duasséries cxtremamenre ricas, nas quais os tipossão diferenciados sob a pressão do meio am-biente, assim como pela escolha dos anirnaisdomésticos ou das plantas cle culrivo e pclaengenhosidade das técnicas. Sua.s forrnas rnaiscaracterísticas têm também a vantagem de scopor vigorosamenre. Não é demais afirntar_que, há quatro séculos, elas não somente conl-partilhawìnì da maior parte clo cspaço geogrii_fico continental, conto também cngìobãrrant amaior parte da humanidade.

Sob sua.s formurs rnais puras s:io comple_xos de hábiros autônornos, capazes clc assegrr_rar a existência do grÌrpo qÌle os pratica _ aot-Ìlenos teodczÌmente, pois eles raramente go_zam de indcpendôncia absoluta. A tribo cr_rante dos planaltos da Áia centr?l lera conrela seus artesãos, a aldeia de cultir"adoressudaneses tem sua casta de ferrciros: é rsto :rautonomia. Ocorrc também que o pastor

lôt"1f não pode passar sem os grupos se_

denrárlos dos oásis. Enrretanro, a cãlonizaçãoagrícola da Europa em diferentes épocas apa_rece como gcradom de células capazes de sebzutarcm a si mesmas. Autônomos, csses gê_neros de üda refletcm com fidelidade as pro_priedades do rnelc secgráfico, físrco.ãu üvo.Clima, solo, r'egetação espontânea c a descri_

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ção de um certo tipo de exploração do soloonde se equilibram culturas de arbustos, decereais sem irr igação, de oásis, cr iaçãotransumante, não podem ser separados detodas as imagens do mundo mediterrâneo. Umcerto ripo de agricultura progressiva desenvol-üda na Europa central e setentrional se ligaem nosso espírito à distribuiçao de áreas del.oess e limo. Não se pode deÍìnir o gênero devida senão pela relação com o meio fïsico.Enfim, ele apresenta certa estabilidade. Estas"formas altamente evoluídas, resultado de es-forços hoje cimentados" (Vidal de la Blache),são os produtos de longa duração. Seu pri-meiros vestígios remontam a milênios. Serrsen riquecimentos foram progressir,os. EIes tjve-Ì?Ìrì tempo de digerir os elernentos que poucoa pouco os rransformaram. Ao menos até ahora em que a humanidade branca entrà nestacrise que rai se estender ao planeta. Aí esú osegredo de sua força de resistência sobre \astascxtensões. Em suma. aÍìnnamos anteriormen-te o sentido desta estabilidade. Tais são os atri-butos essenciais do gênero de vida clássico.

ALeragãa da nnçan no quatlro ntralO quadro do mundo rural na Europa

ocidental na época moderna não nos permitemais encontrálos com todo seu ügor. Traçosnovos se introduzem também. A noçao sofre,em muitos casos, uma alteração sensível, ain-da que não hesitemos em reconhecê-la. Amudança é percebida em dois casos: o dasformas de produção especializada e o dosmodos mistos de existência. cuia sênese des-cre\remos.

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A especialização se apresenta sob doisaspectos. Ela acompanha a passagem de umaeconomia dominial ou camponesa fechada auma economia aberta. As ocupações não_agrí_colas são eliminadas progressir,amente da vidarural e o campo fica triburário de outras áreaspara a satisfação de necessidades outras ouenão as alimenmres. Os artesãos se tornammais raros na aldeia. Essa evolução se verifi_cou em nosso país há uma ou duas gerações,mas suzÌs origens são antigas. O outro tipoestá ligado a uma comercialização cada vezmais completa do produto da agricultura ouda criação. A exploração se ori,enta para osmais altos rendimentos, isto é, para uma di_ferenciação cada vez mais desànvoÌr,ida daatividade agrícola: a monocultura é sua ex_pressão mais perfeita, com certas formas deculturas variadas suscetíveis de extrair do soloo. máximo de proveito, graças a uma técnicarrgorosa e a uma ocupação da terra quasepermanen re ( cuhuras hortigranjeiras) . Assi m,o grupo rural não chega mais a satisfazertotalmente suzìs necessidades alimentares. Éobrigado a importar uma parte dos produtosanimais ou vegetais necessários a súa subsis_tência. Na planície vitícola languedociana, aaldeia não tem nem mesmo um cinturão dehortas. Ela compra seus legumes no Comtatou no Rivieral. Ou[rora o camponês dinamar_quês exportava sua manteiga e consumiamargarina importada. E isso significa que d.oisatributos importantes da noção do gênero deúda se atenuaram: a autonomia e a esabilida_de. A atiüdade rural. deoenclendo dos merca-_dos, perdeu sua segurança. Mas, ao menos no

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segundo caso - especialiT2ção de produção -,ocoÍTe que a adaptação ao meio físico é maisestreita, sendo os sistemas de exploração c asespécies ou variedades escolhidas por suaconveniência ao clima, em üsta dos mais altosrendimentos.

Quanto aos gêneros de üda mistos, é bcnrpossível que eles tenlìam em muitos casosencontrado todas as matérias-primas de suaariüdade no meio local: ossos, madeiras, mi-nerais, fibras têxteis. Há muito tempo que suasindútrias se alimentarn do exterior. Sua esta-bilidade esta\a ligada a um acordo esrreitoentre o ritmo das ocupações agrícolas e aque-Ie das ocupações industriais. Ora, esta solida-riedade está ameaçada por influências exterio-res. A cultura da betenaba na região do Vimeuesú sob a dependência de todas as flutuaçõesdo mercado do açúcar. A serralheria, por suavez, sofreu a influência do movimento deconcentmção que domina todas as indústriasmetalúrgicas. O gênero de üda está ameaça-do em sua coesão interna. Não se quer dizerque ele deva necessariamente se dissoÌr'er, masestá ameaçado na medida em que dependedo exterior.

Vê-se por esses exemplos como, mesmono seio de um mundo rurzl, a noção de gê-nero de vida tende a se alterar. Podemos re-sumir tudo dizendo que, em vez de se definir,como no passado, em relação aos elementosdo meio frsico e úr'o, ele tende a se definirem rela$o a um complexo geogr:ifico, eco.nômico e sociaÌ; muda de plano à medida-que a atividade dos homens muda de servirude.

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A noçfut dn gênzro rle ufuIa fora rkt mtnulonralClaro que a noção de gênero de üda em

sua acefÇão clássica, e com o clesenvolümen-to que Ìhe traz a concepÇão de gêncros deüda mistos, encontr:Ì ainda no nrunoo rno_derno va.sto campo de aplicação. pensarnosnas grandes muÌtidões camponesas da Âia dasmonçõcs, nas ccntenas de milhões de homensque vivem da cuÌtura dos cereais, pequenosgrãos, arroz, trigo, como recursos de base.Vcrificou-sc, como na Insulíndia, que as cultu-riu indígcnas sofrem a contaminação clas cul-turas de pkrnta.tion. Sabe-se tarr-rbém que, nodela do Tonkin, pequenas indú.strias alcicãsprestam ajuda aos camponescs rizicultorcs.fudo isso se encaixa no quadro quc já conhe_cemos. Apesar da grande revolução agrícolaque quebra todos os velhos quadros de nossassociedades rurais, não faltam, na Europa,cantões onde a noção de gêneros de üda scaplica às vezes à custa de algumas correçôes.Da mesma maneim ocorreu n:u duas Améri-cas, embora formas novas tenham nascido como niunfo da mecanização e da motorizacãonos Estados Unidos.

Entretanto, ficamos menos surpresos comesta persistência do que com o número cres_cente de homens que escapa ao império dosgêneros de üda fundados na expìoração dosolo, à medida que se estende o domínio dacivilização elaborada na Europa ocidental. Ostipos mais arcaicos, pesca e caça, cstao em viasde recuo, quase de desaparecimento. Sobnossos olhos, o nomadi.smo pastor-il recebe osgolpes mais sensíveis nas estepes do mundo

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antjgo. Para uma produção maior de matériasnutrit.ivas, a proporção das massas campone-sas na população total diminui em todos ospovos de sangue europeu. A importância abrsoluta destas massas esüi em declínio, à medi-da que a população aumenra. As ocupaçõesnão'agrícolas absonrem urna parte sempremaior da atiüdade dos homens. Há rncsrncrgrandes países onde o trabalho do solo era,em 1939, muito escasso, tendo a industrializa-ção estendido seus tentáculos para todas ascamadas da nação. Ora, a mudança de ocupa-ções impìica geralmente o abandono do solo,a formação de grupos l-ìovos, de podcrososcentros de atração. O inclivíduo de.senraizadoaí se incorpora. Aí conrrai hábitos. Ele parti-cipa, por assim dizer, de um novo gênero deüda, pois não temos outla palavra para carac-terizar esse conjunto de usos próprios e forte-mente organizados em uma coletividade. Es-boçamos a formação, seja a respeito das cida-des, seja a respeito dos gêneros de üda liga-dos à circulação, e o emprego da expressãopareceu legítimo. O geógrafo rem, pois, dedefinir uma categoria de gêneros de vida di-ferentes daqueles que retiveram sua atenção.Novos? Não, pois todo o desabrochar da civi-lização se desenvolve, há milênios, por umflorescimento de cidades. Mais desenvolüdos,porém, e pesando mais fortemente sobre osdestinos da humanidade.

Nem todos apresentam a riqueza e a com-plexidade que irnplica a existência urbana.Uma cidade operária em pleno campo, naüzinhança de nma usina, onde o ritmo deúda obedece à marcha das oficinas, uma cida-

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de de ferroviários em uffr ponto de cmzamen_to, um grupo de casas mineiras nas proximi_dades de uma mina nas áreas carboniferas doNorte dificilmente pretenderiam o nome decidades. O modo de exisrência que aí se pra-tica, dominado exclusi\/amenre pelas exigên_cias da profissão que coordena :u atividades,não é mzris, portanto, da Ìnesma espécie oueos gêneros de vida mistos. Direciona_s. po.oaquilo que nós chamamos de gêneros de üdaurbanos. Estes úlrimos compõem também umasérie extensa, diversificada pelas condicõesnaturais, pelo clima - as metrópole. que ,.desenvolvem enffe 45q e 55a norte não separecem com aquelas dos trópicos _, pelotamanho, pela ocupação dorninante e a fun-ção geogrÍfica. Senre-se como seria fáciÌ des_crever as rariedades. Na análise destes mons_tros urbanos, característicos de nossa era, aespeciaÌização de cerros bairros no interior daaglorneração nos leva a considerar gêneros devida secundários em relação uo núl de üdado,s grupos e à profissão, pois é preciso semprevoltar à profusão e à forrna que ela imprime.

Lembrandenos do que foi dito a propôsito da circulação, podemos, em algumas pa_larras, reunir os traços desses gênerõs de úda.Não são mais autônomos, mas dependem, paraseu funcionamento, de regiões tanto maisextensas quanto mais importantes forem asaglomerações. Só podem subsistir em frrnçãode uma dupla coordenação: coordenaSo in_teffÌa entre as atiüdades da cidade, coordena_ção externa com as atiúdades das regiões dasorrais a cidade depende. Fm sua definiçao, oselemenlos fisicos do complexo geográfico sãoi

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menos significativos do que os dados pura-mente humanos. Enfim, se existe grande for-ça de atração, há rambém grande mobilidade,porque uma adaptação perpérua em circuns-tancias cambiantes é sua lei. A história dosdois séculos passados foi a do progresso dascidades: o esperáculo do mundo nos conduza uma interrogação sobre sua fragilidade.

A unifmrnizr4ão dns generos dz vidaPensamos ter moslrado que, com a con-

dição de ajustar o significado à evolução geralde nossas sociedades, o geógrafo podia esten-der à descrição explicatirra do mundo moder-no ì.rma noção da qual Vidaì de la Blachetinha mosüado todo o interesse. Gêneros devida se dissolvem sob nossos olhos. Ouuos seorganizam, conquistam o espaço c, sobretu-do, impõem-se aos homens. B:xta reconhecerestes últimos. Hesitamos muitas vezes ncssaquestão. Colocados no meio da correnteza,somos incapazes de distinguir suas margens?Ou então será que a aceleração nas mudançasde todas as formas da üda, deúdo à penetra-ção dos dados cienúficos em todos os ramosde atiüdade, perturba a consolidação de com-plexos de hábitos, senrimentos e idéias? Osdois ao mesmo tempo. Mas sobretudo os con-trastes, outrora tão marcados e instituídosentre os grupos humanos pela prática dosgêneros de üda, atenuaram-se.

Já no tempo em que Vidal de la Blacheescreüa, esta atenuação tinha sido menciona-da pelos observadores europeus da üda dooutro lado do Atlântico. E. Zimmermann,seguindo dia a dia a evolução econômica, fre-

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qüentemente insistiu sobre a uniformizaçãoem marcha no mundo modemo. Nossa gera-ção pôde corìprovar os progrcssos em unìvelho país conserador como a Franç:r. Duasséries de fatores estão em foco em toclas :rsregiões para reduzir as difcrcnça.s, embora clcmancirT desigual. Ern pr irncir .o lugar, ó a rcn_dência h mecanizaçâo e à motorìzação, (ÌLre scverifica em todos os clomínios da atividaclecriador.r. O rabalho pcsado fica para a m:i_quina, o homern se torna scu co,r trolador. i \presença profìssional se faz menos sensível nohabitus cryoris, assim como na estrlÌtlÌra rncrì_tal. A flase que citamos no início _,,A alma cÌc

llguns parccc forjacla de outro rneral quc :rdos dernais" - torna-sc menos enfática. En.rsegundo lug'ar vem a igualdade dos nír,eis clcvida, sendo o tipo de base fornecido pelo nír,elurbano. No momento do progresso da gran-de indústria, quando Robert pcel fala da novaraça de homens quc se forma nas cidades, acomparação não esú a favor destas. Tr-ôs quar_tos de século depois, as coisas mudaram. Maistarde, no século XX, os hábitos alimentares ede vestuário dos camponeses - esses hábitosque deÍinem o niuel de uifut - alinham-se colnos das cidades. E o conjunto dos elementosdo gênero de üda segue com maior ou Ìne_nor atraso. Assim, como se estivessc reguladopor uma espécie de pêndulo, o moümenroda úda reduz as diferenças criadas por- ele.

O mundo parece perder .. iiqu.ro "em variedade e, na fase em que estamos, tal_

1ez g hgmem perca também em riqueza pro_fi.rnda-. C""o se olhe isso Ce pertc, uè-r" q,r. onecessidade de adaptação foi transferida do

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homem para a técnica. b geógrafo encontranesta última a variedade de combinações lo.cais que são o objeto de seu estudo, uma partedaquilo que, de outro lado, ele perdia. Parzutilizar ainda a noção fecunda de gênero derrida, deve-se, ao mesmo tempo, dar conta dosganhos e perdas.

Ar-curls ASpECTos Do ESpAçovtvlDo NAS CtvtL|ZAÇOES

DO MUNDO TROPICAL

JEaN Gar-urs

Neste artigo, apresento algumas idéiassumárias sobre um tema cujas importância einteresse geográfico se revelaram há lb anos,quando constatei a grande diferença, ou me_lhor, a disparidade entre a percepção de espa_ço dos diferentes povos de uma região afiica_na e minha visão pessoal de geógrafo euro.peu nessa mesma região. Em conseqüênciadissó, tentei, com relativo sucesso, ao-paaa.r-der o conteúdo e os limites do espaço úúdopor rneio do povo Penl, em diversas regioesde seu espaço sudano-saheliano. Na época. aspesquisas realizadas na Índia sob forma deestudos sobre povoados e as informações ge_rais colhidas no Brasil durante minha estadano Nordeste, em discussões sobre trabalhosgeogúficos a respeito do país, ofereciam-meinteressantes elementos de comparação. O in-teresse por esse tema, embora sempre presen_te em meu espírito,jamais chegou a uma abor_dagem sistemática e cvoluída. por cssa raáo

' Publicado originalmente como "euelques zìspectsde I 'esnaee vérrr r l rnc l -"

- i . , i t : - - r :^-^ , . - - ^-- r. rLLs ur: i rcn Li ì . i r i5ai i i ( r i ìS ( ìü múi lüc i l .U-

pical. L'Iìspacc &ngraphi$u,5 (l), 1926.

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