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ENTREVISTA //21 Maximização de produção dos parques eólicos pode aumentar penetração de energia renovável na rede Cinco anos após a entrada no mercado cabo-verdiano, a Cabeólica tem quatro parques eólicos a funcionar – Santo Vicente, Santiago, Sal e Boa Vista. Antão Manuel Fortes Chief Executive Officer da Cabeólica S.A., em entrevista ao Expresso das Ilhas, explica que a empresa já atingiu o break even, mas ainda não entrou na fase de “payback do investimento inicial, coisa que somente acontecerá daqui a alguns anos”. A Cabeólica comemora cinco anos de atividade em Cabo Verde. Que ba- lanço se pode fazer até este momento? A concepção do projecto Ca- beólica teve o seu arranque no início dos anos 2000, visando uma potencial solução para os desafios do país em relação à qualidade, sustentabilidade e custo da produção de eletrici- dade. Foi concebido como um projeto de parceria público- -privada (PPP) com objetivos estratégicos de reduzir a gera- ção de eletricidade a partir do petróleo, atrair o investimen- to privado e aliviar o Estado de ser o único financiador do setor energético do país. Os dois primeiros parques eólicos da Cabeólica entra- ram em operação no segundo semestre de 2011, e os outros dois iniciaram operações em 2012. A empresa teve uma trajetória positiva ao longo destes 5 anos iniciais de ope- ração. Apesar da grande crise financeira global e das incerte- zas macroeconómicas, o pro- jeto viria a ser o único projeto de produtor independente de energia no continente africa- no a atingir o financial close em 2011 e, após a construção e comissionamento, tornou-se no primeiro PPP de grande es- cala no sector eólico na África subsaariana e o maior projeto de parques eólicos da região. Actualmente, a empresa ope- ra os quatro parques eólicos, localizados nas ilhas de San- tiago, São Vicente, Sal e Boa Vista, totalizando uma capa- cidade instalada de 25,5 MW. De um modo geral, os parques eólicos atingiram uma taxa média de penetração total no país de 22%, demonstrando claramente o papel importan- te que a Cabeólica, ao lado de outros projetos de energias re- nováveis, tem desempenhado para permitir ao Governo de Cabo Verde alcançar a meta estabelecida na altura - garan- tir 25% das necessidades em energia elétrica do país, até 2012, a partir de fontes reno- Nº 787 • 28 de Dezembro de 2016 Entrevistado por: André Amaral

Maximização de produção dos parques eólicos pode aumentar ... · Vista, totalizando uma capa-cidade instalada de 25,5 MW. De um modo geral, os parques ... Qual é o custo da

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ENTREVISTA //21

Maximização de produção dos parques eólicos pode aumentar penetração de energia renovável na rede

Cinco anos após a entrada no mercado cabo-verdiano, a Cabeólica tem quatro parques eólicos a funcionar

– Santo Vicente, Santiago, Sal e Boa Vista. Antão Manuel Fortes Chief Executive Officer da Cabeólica S.A., em entrevista ao Expresso das Ilhas, explica

que a empresa já atingiu o break even, mas ainda não entrou na fase de “payback do investimento inicial,

coisa que somente acontecerá daqui a alguns anos”.

A Cabeólica comemora cinco anos de atividade em Cabo Verde. Que ba-lanço se pode fazer até este momento?A concepção do projecto Ca-beólica teve o seu arranque no início dos anos 2000, visando uma potencial solução para os desafios do país em relação à qualidade, sustentabilidade e custo da produção de eletrici-dade. Foi concebido como um projeto de parceria público--privada (PPP) com objetivos estratégicos de reduzir a gera-ção de eletricidade a partir do petróleo, atrair o investimen-to privado e aliviar o Estado de ser o único financiador do setor energético do país.Os dois primeiros parques eólicos da Cabeólica entra-ram em operação no segundo semestre de 2011, e os outros dois iniciaram operações em 2012. A empresa teve uma trajetória positiva ao longo destes 5 anos iniciais de ope-ração. Apesar da grande crise financeira global e das incerte-zas macroeconómicas, o pro-

jeto viria a ser o único projeto de produtor independente de energia no continente africa-no a atingir o financial close em 2011 e, após a construção e comissionamento, tornou-se no primeiro PPP de grande es-cala no sector eólico na África subsaariana e o maior projeto de parques eólicos da região.Actualmente, a empresa ope-ra os quatro parques eólicos, localizados nas ilhas de San-tiago, São Vicente, Sal e Boa Vista, totalizando uma capa-cidade instalada de 25,5 MW. De um modo geral, os parques eólicos atingiram uma taxa média de penetração total no país de 22%, demonstrando claramente o papel importan-te que a Cabeólica, ao lado de outros projetos de energias re-nováveis, tem desempenhado para permitir ao Governo de Cabo Verde alcançar a meta estabelecida na altura - garan-tir 25% das necessidades em energia elétrica do país, até 2012, a partir de fontes reno-

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Entrevistado por: André Amaral

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váveis. Em 2014, a Cabeólica alcançou a taxa recorde de penetração anual, ao produ-zir 24% do total de energia elétrica consumida naquele ano em Cabo Verde. Com es-tes valores, raros, Cabo Verde tornou-se num dos países com a maior taxa de penetração de energia eólica no mundo.Com o apoio dos seus investi-dores externos, o developer, InfraCo, a AFC e a Finnfund, e os accionistas nacionais, o Estado de Cabo Verde e a Electra, a Cabeólica assegu-rou grandes quantidades de energia de qualidade, limpa e de fontes nacionais na rede elétrica, tendo como resultado a redução da importação de produtos petrolíferas e pou-panças substanciais para a concessionária ao longo dos anos. Por conseguinte, vemos os primeiros cinco anos da empresa como tendo sido ex-tremamente bem-sucedidos, na medida em que a empresa tem tido um importante papel na reestruturação da indústria elétrica do país, servindo tam-bém como modelo para outros países da região.

O investimento nas ener-gias renováveis é para continuar? Estão previs-tos novos parques para Cabo Verde?O investimento em energias renováveis é uma opção cla-ra da política energética em Cabo Verde, pelo que deve continuar. O objetivo da em-

presa é também apoiar Cabo Verde na sua aposta em ener-gias renováveis e no de líder nessa área, papel que atual-mente desempenha na África Subsariana. Actualmente nem todos os nossos parques eó-licos operam na sua máxima capacidade, devido às limi-tações impostas pela conces-sionária. Assim sendo, nosso objetivo para o futuro ime-diato é maximizar a produção dos parques existentes, o que poderá impulsionar a taxa de penetração anual de energia renovável para 30-50% em to-das as quatro ilhas. Taxas de penetração acima dessas me-

tas exigem um planeamento solido e cuidadoso, bem como investimentos adicionais em infraestruturas e tecnologias. Esperamos continuar a con-tribuir para a remoção de bar-reiras e, com isso, permitir a instalação de capacidade de energia renovável adicional necessária para que o país possa atingir as suas novas metas.

A expectativa, por par-te dos consumidores, de uma descida dos preços da energia com a entrada das energias renováveis no mercado era grande. Tal não veio, no entanto, a acontecer. Qual é o custo da energia eólica em Cabo Verde?O preço da eletricidade para o consumidor final é aplicado pela concessionária das redes de transporte e de distribui-ção de eletricidade e regula-do pela Agencia de Regulação Económica, tendo em conta vários fatores que vão além do nosso envolvimento. A tarifa média de electricidade pro-duzida pela Cabeólica varia de ano a ano, uma vez que se baseia num contrato de com-pra e venda de energia com 3 níveis, sendo o primeiro nível correspondente a um preço de base, um mínimo de take-or--pay de energia previamente negociado com a Electra. Esta disposição é extremamente comum em projetos de ener-gia em várias partes do mun-

do, especialmente se o projeto é construído em torno de um único cliente, e serve para viabilizar o investimento. As quantidades do take-or-pay da Cabeólica são baseadas em valores que a concessionária consegue confortavelmente absorver, com base em estu-dos de análise dinâmica das redes e nas tendências de consumo mensal previamen-te analisadas e nas previsões de disponibilidades mensais de vento. Os restantes 2 ní-veis são para quantidades de energia superiores ao nível do take-or-pay e são vendidos a preços reduzidos. Através deste sistema, quanto mais energia eólica a Electra des-pachar por mês menor será o custo por kWh, em média.

O break-even da Cabeo-lica já foi atingido. Como foi possível alcançar esse resultado em apenas cin-co anos?Cabeolica é um project finan-ce, e deve gerar fluxo de caixa suficiente para responder às despesas totais. Tal como ou-tros projectos semelhantes, a Cabeólica atingiu o break--even no sentido de que as despesas operacionais e fi-nanceiras anuais são cobertas pelas suas receitas anuais de venda de energia eólica. No entanto, o projeto ainda não atingiu o seu período de pay-back do investimento inicial, coisa que somente acontecerá daqui a alguns anos.

Os custos de produção de energia recorrendo a energias renováveis são mais elevados do que usando meios convencio-nais. O investimento nas energias renováveis com-pensa?O custo da eletricidade pro-duzida através de fontes de energia renováveis pode ser competitivo em relação à pro-dução de eletricidade através da forma convencional. Em-bora os projetos de energia re-novável tenham maiores cus-tos de capital em comparação com métodos convencionais, há o beneficio de terem cus-tos operacionais menores e, devido à melhoria das tecno-logias, juntamente com outros fatores, as tarifas de energia renovável estão cada vez mais competitivas em comparação com outras tecnologias de produção de eletricidade. Em Cabo Verde, o custo de capital de um projeto de energia eó-lica como o da Cabeólica con-tinua a ser elevado, principal-mente devido à falta de escala, à logística envolvida na sua implementação, aos sistemas isolados de rede devido à in-sularidade, e, à falta de recur-sos e de mão-de-obra especia-lizada. No caso da Cabeólica, todas as implicações do que poderia ter sido um só proje-to num outro país tiveram que ser multiplicadas por 4 (4 par-ques) para ser implementado em Cabo Verde. Além disso, todos os equipamentos ne-

Actualmente, a empresa opera os quatro parques eólicos, localizados nas ilhas de Santiago, São Vicente, Sal e Boa Vista, totalizando uma capacidade instalada de 25,5 MW

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cessários, incluindo camiões e gruas, tiveram de ser im-portados, temporariamente, e a mão de obra especializada trazida para Cabo Verde du-rante a totalidade das fases de implementação. Assim, e acrescido do facto de ser um projeto pioneiro no país e na região, o que acarreta custos de financiamento elevados e enormes custos com consulto-ria legal, financeira e técnica, o custo inicial do projeto, que influencia a tarifa, não pode ser comparado diretamente com projetos em outros paí-ses com condições mais apro-priadas. No entanto, mesmo com custo inicial elevado e não beneficiando de nenhum subsidio, a volatilidade dos preços dos combustíveis de-rivados do petróleo, particu-larmente adversos para pe-quenos países insulares, torna as energias renováveis, como a energia eólica, uma opção economicamente competitiva e recomendável.

Quanto custa à Electra cada kW/h produzido nos parques eólicos instala-dos em Cabo Verde?A tarifa por kWh paga até ago-ra pela Electra pela energia limpa recebida dos parques eólicos não difere muito do que a Electra gastaria apenas em combustível por kWh pro-duzido. Vamos para este efei-to ignorar o facto de existirem outros custos diretos no caso da produção convencional da

Electra. Ao longo dos 4 anos iniciais de operação, a Cabeó-lica forneceu ao sistema elé-trico das 4 ilhas uma eletrici-dade ligeiramente mais barata do que a convencional, mes-mo considerando mais uma vez apenas os custos diretos com os combustíveis para produzir a mesma quantidade de energia elétrica. Essencial-mente devido à queda ines-perada e abrupta dos preços internacionais do petróleo no ano passado, neste momen-to as tarifas de energia eólica em Cabo Verde são ligeira-mente superiores, à produção convencional. No entanto, ao contrário dos derivados do petróleo, cuja volatilidade tem sido enorme, contribuin-do significativamente para a excessiva dependência e vul-nerabilidade da economia do país, esta fonte de energia renovável continua a ser van-tajosa, tendo em consideração que as tarifas de energia eólica são previsíveis.

Tendo em conta a insula-ridade de Cabo Verde e os elevados custos da produ-ção de energia eléctrica está a Cabeólica a ponde-rar apostar na construção de parques eólicos nas ilhas mais pequenas de Cabo Verde?Devido à estrutura e tama-nho do projecto, a Cabeólica implementou parques eólicos apenas nas quatro ilhas com maior procura de eletricida-

de. Conforme mencionado anteriormente, a empresa pretende, em primeiro lugar, maximizar a produção desses parques eólicos antes de ana-lisar quaisquer possibilidades de expansão. Para além disso, o fabricante de turbinas eóli-cas dos parques da Cabeolica, Vestas, deixou de produzir turbinas V52 850 kW. Em vez disso, a empresa fabrica turbinas eólicas de maior ca-pacidade, como de 3.000 kW, capacidade muito alta para a maioria das ilhas, mormente para as mais pequenas, pelo que não existe previsão para essas ilhas.

Tem-se falado muito nas ilhas 100% renováveis. Na perspectiva da Cabeólica, o que impediu a concreti-zação desse projecto?A meta de 100% de eletrici-dade proveniente de fontes renováveis foi mencionada há algum tempo pelo governo como uma meta para o futuro próximo e, como tal, deve-se aguardar o pronunciamento do governo sobre essa maté-ria. No entanto, um projeto desta natureza exige a imple-mentação de novas infraes-truturas, bem como um pla-neamento cuidadoso de uma estrutura de financiamento, ambos processos custosos e demorados.

Segundo o presidente da ARE ‘apenas’ 20% da ele-tricidade tem origem em parques eólicos e sola-

tagem diminuiu ligeiramente para 21,4%, devido à menor disponibilidade de vento e li-mitações impostas pela con-cessionaria devido aos baixos preços do petróleo. Por outro lado, foram instalados grupos eletrogéneos de maior poten-cia na Praia e no Mindelo. No entanto, esses valores percen-tuais fazem de Cabo Verde o país com a maior taxa de pe-netração de energia eólica em África, e um dos países com a maior taxa de penetração de energia eólica no mundo. Esse tipo de contribuição de uma única fonte renovável é raro, devido essencialmente à natureza intermitente de algumas formas de energias renováveis, como a eólica e o solar, tendo esta última uma capacidade instalada pequena no país. Maior penetração de energia renovável a partir de uma combinação de energia eólica e solar requer alguns investimentos no sistema de rede, incluindo centros de despacho automático e meca-nismos de armazenamento, que estão sendo analisadas neste momento pelo governo. Neste contexto, a Cabeólica continua a manifestar inte-resse em trabalhar em estreita colaboração com os principais parceiros, nomeadamente o governo e a Electra, na con-solidação de opções tecni-camente e economicamente inovadoras, que possam ser implementadas para abordar a subexploração da energia eólica disponível.

A tarifa média de electricidade produzida pela Cabeólica varia de ano a ano, uma vez que se baseia num contrato de compra e venda de energia com 3 níveis, sendo o primeiro nível correspondente a um preço de base, um mínimo de take-or-pay de energia previamente negociado com a Electra

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res. Porquê um valor tão baixo, tendo em conta as condições favoráveis exis-tentes em Cabo Verde?De acordo com os dados de que dispomos, em 2014, 24% da eletricidade consumida em Cabo Verde originou dos par-ques eólicos de Cabeólica. En-tretanto, em 2015 esta percen-