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MECÂNICA DOS FLUIDOS I Engenharia Mecânica e Naval Exame de Época de Recurso – 4 de Fevereiro de 2011, 08h 00m Duração: 2,5 horas. Questão 1 Duas albufeiras (reservatórios de grande dimensão) com água encontram-se ligadas por um sistema de condutas, como se mostra na Figura 1. O desnível entre a superfície livre da água (à pressão atmosférica) nos dois reservatórios é de 30 m. O sistema de condutas é constituído por troços de conduta de aço de diâmetro interior D = 40 cm com um comprimento total L = 40 m, dois cotovelos a 45º e uma válvula de comporta. A conduta de aço tem uma rugosidade ε = 0,15 mm. A massa volúmica da água é 3 1000 kg/m ρ = e a viscosidade cinemática 6 2 10 m /s ν = . O desnível da saída da conduta de descarga em relação à superfície livre do reservatório inferior é de 3 m, como se mostra na Figura 1. Figura 1 O coeficiente de perda de carga nos cotovelos (regulares a 45º) é 0,16, na válvula (totalmente aberta) é 0,1 e na entrada A da conduta é 0,8. a) Determine o caudal escoado na conduta com a válvula totalmente aberta. [2,0 val.] b) Mostre que acima de um valor mínimo de caudal a perda de carga total no sistema de condutas entre os dois reservatórios se pode escrever na forma 2 f h KQ = sendo K uma constante independente do caudal, em -5 2 ms , e Q em 3 m /s . Determine o valor mínimo do caudal e o coeficiente K . [1 val.] Suponha que introduz no sistema de condutas uma turbina com um difusor, como se mostra na Fig. 2. Figura 2 c) Admita que a perda de energia (por unidade de peso) entre os dois reservatórios quando se escoa um caudal Q é dada por 2 f h KQ = com -5 -2 11,1 m s K = constante. Determine a potência máxima que a turbina pode extrair, sabendo que esta tem um rendimento hidráulico de 0,80. [2 val.] A 3 m 30 m 45º Válvula Turbina 1 2 A 3 m 30 m 45º Válvula

MECÂNICA DOS FLUIDOS I - Autenticação · no regíme completamente rugoso, em que o coeficiente de atrito é independente do número de Reynolds, e apenas depende da rugosidade

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MECÂNICA DOS FLUIDOS I Engenharia Mecânica e Naval

Exame de Época de Recurso – 4 de Fevereiro de 2011, 08h 00m Duração: 2,5 horas.

Questão 1 − Duas albufeiras (reservatórios de grande dimensão) com água encontram-se ligadas por um sistema de condutas, como se mostra na Figura 1. O desnível entre a superfície livre da água (à pressão atmosférica) nos dois reservatórios é de 30 m. O sistema de condutas é constituído por troços de conduta de aço de diâmetro interior D = 40 cm com um comprimento total L = 40 m, dois cotovelos a 45º e uma válvula de comporta. A conduta de aço tem uma rugosidade ε = 0,15 mm. A massa volúmica da água é 31000 kg/mρ = e a viscosidade cinemática 6 210 m /sν −= . O desnível da saída da conduta de descarga em relação à superfície livre do reservatório inferior é de 3 m, como se mostra na Figura 1.

Figura 1

O coeficiente de perda de carga nos cotovelos (regulares a 45º) é 0,16, na válvula (totalmente aberta) é 0,1 e na entrada A da conduta é 0,8.

a) Determine o caudal escoado na conduta com a válvula totalmente aberta. [2,0 val.]

b) Mostre que acima de um valor mínimo de caudal a perda de carga total no sistema de condutas entre os dois reservatórios se pode escrever na forma 2

fh KQ= sendo K uma constante

independente do caudal, em -5 2m s , e Q em 3m /s . Determine o valor mínimo do caudal e o coeficiente K . [1 val.]

Suponha que introduz no sistema de condutas uma turbina com um difusor, como se mostra na Fig. 2.

Figura 2

c) Admita que a perda de energia (por unidade de peso) entre os dois reservatórios quando se escoa um caudal Q é dada por 2

fh KQ= com -5 -211,1 m sK = constante. Determine a potência

máxima que a turbina pode extrair, sabendo que esta tem um rendimento hidráulico de 0,80. [2 val.]

A

3 m

30 m45º

Válvula

Turbina

1 2

A

3 m

30 m45º

Válvula

O difusor tem geometria cónica com diâmetro de entrada 1 40 cmD = e diâmetro de saída

2 50 cmD = . A perda de carga entre a entrada 1 e a saída 2 do difusor é de 21 /(2 )dk V g em que 1V é

a velocidade média à entrada do difusor e 0,5dk = . Para um caudal na turbina de 31,0 m /sQ =

determine:

d) A pressão à entrada do difusor [1 val.]

e) A força horizontal que o fluido exerce sobre as paredes do difusor, admitindo que a parede exterior do difusor está à pressão atmosférica [2 val].

Questão 1 − a) Consideremos a válvula totalmente aberta. O escoamento processa-se entre os dois

reservatórios através do sistema de condutas. Aplicando a equação da energia entre as superfícies livres dos dois reservatórios, secções de entrada 01 e saída 02 do volume de controlo na aproximação unidimensional, tem-se:

2 2

01 01 02 0201 01 02 022 2f

p V p Vz h zg g g gρ ρ−+ + − = + + ,

em que 1 2fh − são as perdas no sistema de tubos entre a secção 01 e a secção 02, p a pressão estática, V a velocidade média do fluido na secção, ρ a massa volúmica, g a aceleração da gravidade e z a cota em relação a um plano horizontal de referência Como 01 02 atp p p= = e 01 02 0V V= ≅ , vem

01 02 01 02fh z z− = −

Como os tubos são de secção constante, V é constante ao longo do tubo e as perdas no sistema de tubos entre a secção 1 e a secção 2 podem ser calculadas da seguinte forma:

2

01 02 ( 2 )2f A V C s

L Vh f k k k kd g− = + + + +

em que f é o coeficiente de atrito no tubo, Ak o coeficiente de perda de carga na entrada abrupta, Vk o coeficiente de perda na válvula, Ck o coeficiente de perda na no cotovelo a 45º, Sk o coeficiente de perda de carga na saída abrupta para o reservatório, L o comprimento total do tubo, D o seu diâmetro e V a velocidade média na secção do tubo. A perda pode escrever-se

2 2

01 02 ( )2 2f A V C S

L V Vh f k k k k kd g g− = + + + + = ,

com A V C SLk f k k k kD

= + + + + . O coeficiente de atrito depende da rugosidade

relativa / dε e do número de Reynolds VdReν

= . Como a velocidade não é conhecida,

teremos que proceder iterativamente. Numa primeira iteração admitimos que estamos

no regíme completamente rugoso, em que o coeficiente de atrito é independente do número de Reynolds, e apenas depende da rugosidade relativa. Com

/ 0,00015 / 0,40 0,000375Dε = = , retira-se do diagrama de Moody um coeficiente de atrito de 0,0155f = . Com 0,5Ak = , 0,08Vk = , 0,16Ck = e 1,0Sk = , tem-se

402 0,0155 0,5 0,08 2 0,16 1,0 3, 450, 40A V C D

Lk f k k k kD

= + + + + = × + + + × + =

Substituindo na equação da energia, obtém-se a velocidade

2

1 22 ( ) 2 9,8m/s 30 m 13,1 m/s3, 45

g z zVk− × ×

= = =

O número de Reynolds para o escoamento no tubo é

6

6 2

13,1 m/s 0,40 m 5,22 1010 m /s

VDReν −

×= = = ×

Com este valor do número de Reynolds estamos no regime completamente rugoso, pelo que podemos admitir como adequado o valor do coeficiente de atrito estimado de

0,0155f = .

O caudal escoado é

2 2 230, 40 m13,1 m/s 1,646 m /s

4 4DQ V π π ×

= = × =

b) Para a rugosidade relativa / 0,000375Dε = o número de Reynolds a partir do qual o regime é completamente rugoso é de 64,6 10Re = × . Nesse caso, o coeficiente

A V C SLk f k k k kD

= + + + + é uma constante independente do caudal. O seu valor é

3, 45k = . O valor da velocidade correspondente a este número de Reynolds é dada por

6 6 2

min4,6 10 10 m /s 11,5 m/s

0, 40mminReVDν −× ×

== = =

O caudal mínimo será

2 2 23

min0, 40 m11,5 m/s 1,445 m /s

4 4DQ V π π ×

= = × =

A constante K obtém-se, escrevendo a perda de carga na forma

2 2 22 2

01 02 2 4

(4 / ) 162 2 2fV Q Dh k k k Q KQg g gD

ππ− = = = = ,

donde

-5 22 4 2 -2 4 4

16 163,45 11,1 m s2 2 9,8 ms 0,40 m

K kgDπ π

= = × =× × ×

,

c) A potência da turbina cedida ao exterior escreve-se

P gQHηρ= em que H é a altura de queda (energia cedida pelo fluido à turbina) e η o rendimento hidráulico. A altura de queda obtém-se a partir da equação da energia aplicada entre os dois reservatórios

2 2

01 01 02 0201 01 02 022 2f

p V p Vz h H zg g g gρ ρ−+ + − − = + + ,

que se simplifica para

201 02 01 02( ) fH z z h z KQ−= − − = ∆ −

sendo 2

01 02fh KQ− = as perdas de carga totais e 01 02z z z∆ = − o desnível entre os dois reservatórios . Substituindo na expressão da potência tem-se

2( )P gQH gQ z KQηρ ηρ= = ∆ − Derivando em ordem a Q e igualando a zero obtém-se

2( 3 ) 0dP g z KQdQ

ηρ= ∆ − =

O caudal para o qual a potência é máxima será

3max

30 0,95 m /s3 3 11,1PzQK∆

= = =×

A altura de queda será

2 2max max 30 m 11,1 0,95 m 20,0 mP PH z KQ= ∆ − = − × =

A potência máxima será

3 2 3max max max 0,8 1000 kg/m 9,8 m/s 0,95 m /s 20 m 149 kWP PP gQ Hηρ= = × × × × =

d) Aplicando a equação da energia ente 1 e 02, tem-se

2202 021 1

1 1 02 022 2fp Vp Vz h z

g g g gρ ρ−+ + − = + + .

Com

2 21 2

1 02 2 2f dV Vh kg g− = + ,

em que 2

2

2Vg

é a perda de energia à saída do difusor. Com 02 0p = (pressão relativa) e 02 0V =

(superfície livre) tem-se

2 2 21 1 2 1

02 2( )2 2 2d

p V V Vz z kg g g gρ= − + + − .

Alternativamente, pode-se aplicar a equação da energia entre as secções 1 de entrada e 2 de saída o difusor na forma

2 21 1 2 2

1 1 2 22 2fp V p Vz h zg g g gρ ρ−+ + − = + + .

Com 1 2z z= , 2

11 2 2f d

Vh kg− = e sendo 2 02 2( )p g z zρ= − a pressão à saída que é a pressão

hidrostática no reservatório, tem-se

2 2 21 2 1 1

02 2( )2 2 2d

p V V Vz z kg g g gρ= − + − + .

que coincide com a equação anterior. Para o caudal de 31,0 m /sQ = , a velocidade à entrada do difusor é

3

1 2 21

4 4 1,0m /s 7,96 m/s0,4

QVD ππ

×= = =

×

a velocidade à saída do difusor é

3

2 2 22

4 4 1,0m /s 5,09 m/s0,5

QVD ππ

×= = =

×

A perda de carga será

2 2 2 21 2

1 027,96 5,09(0,5 ) m 2,93 m

2 2 2 9,8 2 9,8f dV Vh kg g− = + = × + =

× ×,

Com, 02 1 3,0 mz z− = , 2 2 2 2 2

1 /(2 ) 7,96 m /s /(2 9,8m/s ) 3,23 mV g = × = , 02 0p = (pressão relativa), tem-se

2

1 102 1 1 02( ) 3,0 m 3,23 m+2,93 m 2,70 m

2 fp Vz z hg gρ −= − − + = − = .

A pressão (relativa) será

3 2

1 1000 kg/m 9,8 m/s 2,70 m 26,5 kPap = × × = .

e) A força que o fluido exerce sobre o difusor pode ser determinada por aplicação de um balanço integral de quantidade de movimento. A resultante F

r das forças aplicadas

num volume de controlo iguala a taxa de variação da quantidade de movimento do fluido contido no volume de controlo.

VC

dF Vddt

ρ= ∀∫r r

.

Consideremos o volume de controlo fixo VC delimitado pela superfície de controlo SC (a tracejado) que engloba as paredes da bifurcação, como se mostra na Figura.

Para este volume de controlo as condições são estacionárias e a aplicação do teorema transporte de Reynolds conduz ao seguinte balanço

( . )

SC

F V V n dSρ= ∫r r r r .

12

VC

SC1p 2p

1V 2V xer

atmp

atmp

1D

2D

2nr

1nr

A resultante das forças que se exercem sobre o volume de controlo é dada por

( )( ) dif

at vSC SC VC

F p p ndS dS gd Fτ ρ= − − + + ∀+∫ ∫ ∫r rr r r ,

em que vτ

r é a resultante das tensões viscosas no elemento de superfície e ( )bifFr

é a força aplicada ao fluido pelas paredes da bifurcação no interior do volume de controlo.

A pressão na superfície de controlo é a pressão atmosférica, excepto sobre as secções 1 e 2 onde as pressões relativas são 1 26,5 kPap = e

3 22 02 2( ) 1000 kg/m 9,8 m/s 3 m=29,4 kPap g z zρ= − = × × .

Seja xer o vector unitário na direcção horizontal do ao longo do eixo do difusor, como

se mostra na Figura. Uma vez que 1xn = − em 1, e 1xn = em 2, na direcção horizontal, teremos

1 2

2 2 2 21 2

1 2

( ) ( ) ( )

0,4 0,5(26500 29400 ) N 2,44 kN4 4 4 4

at x at x at xSC

p p n dS p p n dS p p n dS

D Dp pπ π π π

− − = − − − −

× ×= − = × − × = −

∫ ∫ ∫.

As tensões viscosas na superfície de controlo são nulas e nas secções 1 e 2 são aproximadamente zero, pelo que

0v

SC

dSτ =∫r .

A resultante das forças gravíticas é o peso do fluido

z zVC VC

gd ge d Peρ ρ∀ = − ∀ = −∫ ∫r r r .

Na aproximação unidimensional, o balanço de quantidade de movimento na direcção horizontal é

1 2 2 11 2

3 3

( ) ( . ) ( ) ( . ) ( )

1000 kg/m 1,0 m /s (5,09 m/s 7,96 m/s) 2,87 kN

x xe V V n dS e V V n dS Q V Vρ ρ ρ⋅ + ⋅ = − =

= × × − = −

∫ ∫r r r rr r r r

Assim, o balanço de quantidade de movimento na direcção horizontal será

( ) 2, 44 kN 2,87 kN 0, 43 kNdifxF = − = − .

A força horizontal que o fluido exerce sobre a bifurcação seria 0,43 kN da esquerda para a direita.