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361 IV COBRAE - Conferência Brasileira sobre Estabilidade de Encostas - Salvador-BA Mecanismos de instabilização de taludes de erosões Carvalho, J.C. Universidade de Brasília, Brasília-DF, [email protected] Resumo: Segundo pesquisas na literatura, cerca de 15 % das terras são atingidas pela degradação, sendo que a erosão acelerada pela água é responsável por 56 % da degradação dos solos no mundo. A formação de erosões dos tipos ravina e voçoroca em áreas urbanas se deve principalmente ao lançamento indevido de águas superficiais em talvegues desprovidos de sistemas adequados de drenagem. As obras necessárias ao controle e recuperação de voçorocas são de elevado custo. As formas de tratamento freqüentemente utilizadas para o controle desses processos erosivos, normalmente são destinadas ao fracasso, em função da não consideração das características geológico-geotécnicas dos terrenos e de sua evolução em intervalo de tempo relativamente curto. Este artigo apresenta a análise de alguns fatores responsáveis pela evolução de ravinas e voçorocas devido à ocorrência de rupturas de taludes. Ele se fundamenta em resultados de pesquisas desenvolvidas na última década no Programa de Pós-Graduação em Geotecnia da Universidade de Brasília. Abstract: According to researches in the literature, about 15% of the emerged surface of the earth is degraded, being uncontrolled water flow responsible for 56% of the landscape degradation due to erosion throughout the world. The formation of gullies in urban areas is mainly caused by inappropriately delivered effluents of drainage systems or poor design of such systems. The civil works necessary to control and recover such erosive processes are often expensive. The treatments commonly employed to control erosion are bound to fail if geological and geotechnical characteristics of the soils and their evolutions are not addressed properly. This paper presents analyses of some factors responsible for the evolution of erosive processes due to slope failures. The results shown are based on researches developed at the Graduate Program on Geotechnical Engineering of the University of Brasília during the last two decades.

Mecanismos de instabilização de taludes de erosões - ABMS · externos, como o potencial de erosividade da chuva, as condições de infiltração e escoamen-to superficial e a declividade

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361IV COBRAE - Conferência Brasileira sobre Estabilidade de Encostas - Salvador-BA

Mecanismos de instabilização de taludes de erosões

Carvalho, J.C.Universidade de Brasília, Brasília-DF, [email protected]

Resumo: Segundo pesquisas na literatura, cerca de 15 % das terras são atingidas pela degradação,sendo que a erosão acelerada pela água é responsável por 56 % da degradação dos solos nomundo. A formação de erosões dos tipos ravina e voçoroca em áreas urbanas se deve principalmenteao lançamento indevido de águas superficiais em talvegues desprovidos de sistemas adequadosde drenagem. As obras necessárias ao controle e recuperação de voçorocas são de elevado custo.As formas de tratamento freqüentemente utilizadas para o controle desses processos erosivos,normalmente são destinadas ao fracasso, em função da não consideração das característicasgeológico-geotécnicas dos terrenos e de sua evolução em intervalo de tempo relativamente curto.Este artigo apresenta a análise de alguns fatores responsáveis pela evolução de ravinas e voçorocasdevido à ocorrência de rupturas de taludes. Ele se fundamenta em resultados de pesquisasdesenvolvidas na última década no Programa de Pós-Graduação em Geotecnia da Universidade deBrasília.

Abstract: According to researches in the literature, about 15% of the emerged surface of the earthis degraded, being uncontrolled water flow responsible for 56% of the landscape degradation dueto erosion throughout the world. The formation of gullies in urban areas is mainly caused byinappropriately delivered effluents of drainage systems or poor design of such systems. The civilworks necessary to control and recover such erosive processes are often expensive. The treatmentscommonly employed to control erosion are bound to fail if geological and geotechnicalcharacteristics of the soils and their evolutions are not addressed properly. This paper presentsanalyses of some factors responsible for the evolution of erosive processes due to slope failures.The results shown are based on researches developed at the Graduate Program on GeotechnicalEngineering of the University of Brasília during the last two decades.

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1 INTRODUÇÃO

O correto diagnóstico dos mecanismos deeclosão e evolução das erosões se dá por meiode análises das causas do problema e de estu-dos geológico-geotécnicos do fenômeno. Estecorreto diagnóstico contribui para a definiçãode medidas preventivas ou corretivas mais eco-nômicas e eficientes.

O processo de erosão depende de fatoresexternos, como o potencial de erosividade dachuva, as condições de infiltração e escoamen-to superficial e a declividade e comprimento dotalude ou encosta e de fatores internos, comogradiente crítico, desagregabilidade eerodibilidade do solo. A evolução da erosão aolongo do tempo, depende de fatores tais como,características geológicas e geomorfológicas dolocal, presença de trincas de origem tectônica eevolução físico-química e mineralógica do solo(Lima 2003, Camapum de Carvalho et al. 2002a).Devido ao grande número de variáveis que in-terferem na erodibilidade dos solos é difícil suacorrelação com propriedades e parâmetrosgeotécnicos isolados (Fácio 1991).

No meio geotécnico tem-se dado grandeimportância ao estudo das erosões ditas linea-res, que são classificadas pela maioria dos au-tores como ravinas (sem surgência de água) evoçorocas (com surgência de água). Além daserosões lineares, ocorrem ainda com certa fre-qüência, as erosões tipo anfiteatro (Lima 1999).

Na gênese e evolução das ravinas,voçorocas e erosões tipo anfiteatro atuam, demodo isolado ou em conjunto, fenômenos taiscomo erosão superficial, erosão subterrânea,solapamento, desmoronamento e instabilidadede talude, além das alterações que os própriossolos podem sofrer em conseqüência dos flu-xos em meio saturado e não saturado em dire-ção aos taludes, tornando complexo o conheci-mento dos mecanismos que comandam o pro-cesso erosivo ao longo do tempo. A Figura 1 dá

mostra do quão complexo pode ser o entendi-mento dos processos erosivos. Ela retrata aevolução lateral de uma voçoroca na cidadegoiana de Análopis. Tem-se no caso dois tiposde solo e modelos evolutivos distintos. Enquan-to o solo branco apresenta erosão superficial erupturas localizadas de talude, o solo vermelhoapresentou uma ruptura de talude seqüencial,provavelmente motivada pelo processo deesqueletização do maciço gerada ao longo dotempo. Esta erosão existe a mais de 20 anos evárias foram as tentativas de contenção de suaevolução. Todas até o momento foram infrutífe-ras. A Figura 2 ilustra uma das tentativas fra-cassadas.

Figura 1: Voçoroca próxima de Anápolis-GO.

Figura 2: Obra de controle na voçoroca próxima deAnápolis-GO.

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O objetivo deste trabalho é mostrar a partirde estudos realizados em erosões do DistritoFederal, Goiânia e Manaus alguns fatores quecontribuem para a evolução de ravinas,voçorocas e erosões tipo anfiteatro. Serão abor-dados os aspectos relativos ao solo, ao solapa-mento da base do talude, à influência da suc-ção, à degradação físico-química e mineralógicado solo, à erosão interna e à geologia.

2 O SOLO E O PROCESSO EROSIVO

O solo de cobertura tem grande influência so-bre a eclosão e evolução das erosões. Em regi-ões tropicais esses solos vão de poucointemperizados a profundamente intemperiza-dos. Cardoso (1995) mostra que a influênciada intemperização nas propriedades e compor-tamento dos solos muito intemperizados, rele-ga a um segundo plano a importância de suagênese. Cruz (1987) apresentou uma revisãorelativa às teorias ou hipóteses de formulaçãoteórica sobre o comportamento dos solos tro-picais.

Fácio (1991), ao estudar a erodibilidade desolos do Distrito Federal, verificou ser esteparâmetro de difícil correlação com as proprie-dades geotécnicas tratadas de modo isolado.

O processo de intemperísmo químico asso-ciado à lixiviação e à laterização, além de alterara química e mineralogia do perfil de solo, pro-porciona profundas alterações estruturais, fa-zendo com que o efeito do estado inicial de ten-sões e/ou da própria rocha de origem na suaestrutura seja progressivamente removido, dan-do lugar a novas forças interativas associadasà cimentação.

Os perfis de solos regionais, dadas as con-dições climáticas e de pH favoráveis, são ca-racterizados por uma estrutura composta de ele-mentos agregados (Figura 3) que tende a desa-parecer à medida que se aproxima do topo ro-choso (Figura 4).

Figura 3: Estrutura agregada, profundidade 2m.

Além da modificação estrutural ointemperísmo gera no solo uma transformaçãomineralógica que se origina nos minerais primá-rios e finalizam com o aparecimento dos oxi-hidróxidos de ferro e alumínio, sem que se des-carte a reversibilidade do processo em condi-ções propícias. A Figura 5 ilustra a mineralogiade um perfil de alteração do Distrito Federal (Car-valho 1995). Observa-se nesse perfil de altera-ção, que a ilita se transforma em caulinita e estaem gibbsita, o que faz com que até 5m de profun-didade já não exista ilita e que a 9m de profundi-dade a gibbsita que se origina da caulinita deixede estar presente. Observa-se ainda, que nos 3 a4m iniciais a mineralogia é relativamente estávele que a partir desta cota enquanto o teor degibbsita diminui com a profundidade ocorre oaumento proporcional de caulinita. A soma dosteores de hematita e goethita é praticamenteconstante com a profundidade.

Os fenômenos de agregação e lixiviação quecaracterizam os solos tropicais mais superfici-ais e intemperizados geram neles uma estruturaporosa, geralmente colapsível e facilmenteerodível. Por outro lado, os solos mais profun-dos que são menos intemperizados e menosporosos, apresentam características químico-mineralógicas e estruturais favoráveis à desa-gregação e, portanto, ao processo erosivo. A

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contribuição para o surgimento e evolução daserosões é, no entanto, distinto nos dois casos.Enquanto o manto poroso intemperizado maissuperficial oferece pouca resistência aodesencadeamento do processo erosivo, devi-do a sua baixa resistência à força trativa exercidapela água, as camadas mais profundas e menosintemperizadas são muitas vezes de fácil desa-gregação em presença de água.

Figura 4: Estrutura não agregada, profundidade 10m.

Figura 5: Mineralogia de um perfil de intemperísmo.

Os solos tropicais tipificam o processoerosivo, ficando a profundidade da erosão con-dicionada à espessura do manto deintemperísmo. A sua largura é condicionada pelageologia como se verá mais adiante. A agrega-

ção e cimentação que caracteriza a estrutura dossolos intemperizados interferem na inclinaçãodos taludes fazendo com que eles sejam geral-mente bastante verticais (Figura 6).

Figura 6: Voçoroca junto à BR 060.

Por vezes, parece difícil entender como ostaludes nesses mantos porosos deintemperísmo se mantêm estáveis com inclina-ções tão acentuadas como as mostradas na Fi-gura 6. No entanto, três fatores explicam estecomportamento: a cimentação presente no solo,a sua elevada drenabilidade e a forma da curvacaracterística de retenção de água (Figura 7,Guimarães 2002). A cimentação oferece signifi-cativa parcela de coesão, a drenabilidade domaciço impede a retenção excessiva de água e acurva característica e as variações de umidadeque ocorrem “in situ” (Figura 8, Guimarães 2002)tendem a limitar as grandes alterações de suc-ção à zona junto à superfície exposta do talude.Nas camadas mais profundas as variações de

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sucção geralmente se situam no patamar inferi-or da curva característica de retenção de água,ou seja, não são muito grandes.

Figura 7: Curvas características de retenção de água.

Figura 8: Perfis de umidade ao longo do tempo.

3 O SOLAPAMENTO E O PROCESSOEROSIVO

Os taludes de ravinas e voçorocas têm muitasvezes suas estabilidades afetadas pelo proces-so de solapamento de suas bases quando dofluxo intermitente ou perene de água.

A ocorrência do solapamento pode se darem função de vários fatores, dentre os quais sedestacam:

- A elevada erodibilidade do solo. Estaerodibilidade pode ser avaliada a partir da aná-lise de feições erosivas regionais ou por meiode ensaios que medem o potencial de erosãosuperficial do solo como o ensaio de Inderbitzen(1961) mostrado por Fácio (1991).

- A composição mineralógica do solo. A mi-neralogia se associa a dois elementos que fa-vorecem o desprendimento das partículas, abaixa atividade característica de muitos mine-rais primários onde a expressão máxima é o quart-zo, e a expansibilidade. Embora ensaios maissofisticados como o de raios x sejam ideais paraavaliar a mineralogia, o potencial de desagrega-ção do solo e sua suscetibilidade ao solapa-mento pode ser visto com facilidade fazendo-se a imersão progressiva e total de elementoscúbicos de solo (Santos, 1997). Na imersão pro-gressiva limita-se a influência da variação dasucção no desprendimento dos grãos. Este en-saio tem por objetivo verificar o que pode sepassar com o solo se no interior de uma erosãoo nível d’água for subindo progressivamente.Na imersão total dá-se destaque a influência davariação da sucção no processo de desagrega-ção. Com a cobertura instantânea do solo poruma lâmina d’água, a água succionada para ointerior do corpo de prova (maciço no campo),coloca sob pressão a fase ar e quando esta pres-são ultrapassa a coesão efetiva do solo, dá-seo desprendimento de partículas, agregados etorrões. Observa-se que enquanto no primeirocaso a sucção varia drenando a fase gasosa e oefeito desagregador se liga aos aspectos quí-micos (cimentação), mineralógicos (mineraisativos e inativos, expansivos ou não) e de vari-ação da própria sucção, no segundo a fase ga-sosa é colocada sob pressão. Ambas as situa-ções são passíveis de ocorrerem no campo.

- A estrutura do solo. Nos solos tropicaismuito intemperizados, a estabilidade estruturaldepende do nível de cimentação existente entrepartículas e entre agregados. Nestes solos a

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cimentação pode ser fraca (pontes de argila),média (oxi-hidróxidos de alumínio) e forte (oxi-hidróxidos de ferro). Nos solos poucointemperizados a estrutura que se encontravaem equilíbrio quando confinada pode sedesestabilizar em função da mineralogia e daprópria orientação de partículas. Nestes solosa cimentação oriunda da intemperização é ge-ralmente precária.

Santos (1997) ao estudar erosões da Cidadede Goiânia verificou que o modelo evolutivoera predominantemente influenciado pelo pro-cesso de solapamento. A Tabela 1 mostra osvalores de coeficiente de segurança por eleobtidos considerando-se parâmetros de resis-tência oriundos de ensaios de cisalhamento di-reto. Os resultados foram obtidos para o solono estado natural e saturado. No caso da análi-se da influência do solapamento, foram utiliza-dos parâmetros do solo saturado. Santos (1997)mostra ainda que o coeficiente de segurançadiminui à medida que aumenta o solapamento.

Tabela 1 – Coeficientes de segurança peloSLOPE/W

Condição Batalhão Jardimdo solo Vera Cruz Policial Botânico

Natural 1,30 1,05 2,00Saturado 1,24 1,02 1,91Saturado esolapado 1,15 0,97 1,87

4 A SUCÇÃO E O PROCESSO EROSIVO

Em regiões tropicais a presença dos solos nãosaturados como manto de cobertura é uma cons-tante. Na maioria das vezes o lençol freáticoencontra-se pouco acima do contato com omaterial impermeável pouco intemperizado. Sen-do assim, a erosão evolui do sulco até atingir a

voçoroca no manto mais intemperizado e nãosaturado. Neste manto de cobertura, embora asvariações de sucção afetem a estabilidade es-trutural do solo é frequentemente necessárioque a erosão se encontre em estágio relativa-mente avançado de evolução para que ela in-terfira no comportamento do solo, atuando demodo marcante na estabilidade dos taludes. Atítulo de exemplo, verifica-se para a erosão Jar-dim Botânico, estudada por Santos (1997) eapresentando 200m de comprimento, 10m delargura e 4m de profundidade, fator de seguran-ça quanto a estabilidade de talude igual a 1,87,considerando-se os parâmetros do solosaturado e solapamento na base do talude (Ta-bela 1). Ou seja, neste caso a evolução da ero-são está sendo ditada pela erodibilidade do solodiante do fluxo superficial que se apresenta. Jápara a erosão do Conjunto Vera Cruz, com com-primento semelhante a do Jardim Botânico, lar-gura de até 30m e profundidade de aproximada-mente 10m, se percebe que para as mesmas con-dições o coeficiente de segurança se aproximade 1 (Tabela 1). Neste caso, além da erosão su-perficial do solo tem-se a interferência das vari-ações de sucção na estabilidade de taludes. Nãose pretende com isso, dizer que em certos ca-sos a sucção não interfere no coeficiente desegurança quanto à estabilidade de taludes,mas sim, que não é essa interferência que dita omodelo evolutivo da erosão.

Cabe destacar, que para os solos porososbem drenados, profundamente intemperizados,caracterizados por curvas características de re-tenção de água do tipo bimodal (Camapum deCarvalho et al. 2002b e Figura 7), muitas vezesas variações de umidade não geram variaçõessignificativas de sucção na zona potencial deruptura. Neste caso a sucção perde importân-cia no trato dos problemas de erosão. Portanto,torna-se indispensável conhecer a curva carac-terística de retenção de água e as variações sa-zonais do teor de umidade no maciço nas proxi-

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midades dos taludes para que se possa valorara importância da sucção. Este estudo deve serconduzido de ambos os lados da erosão, tendoem vista a influência de fatores como insolaçãoe direção do vento no equilíbrio hídrico.

5 A DEGRADAÇÃO FÍSICO-QUÍMICA EMINERALÓGICA DO SOLO E O PROCES-SO EROSIVO

Apesar da importância e influência da degrada-ção físico-química e mineralógica do solo naestabilidade dos taludes não só de ravinas evoçorocas como de encostas naturais, este nãotem sido um aspecto valorado, talvez por en-tender-se que tal degradação só ocorra em in-tervalos de tempo muito longos. Pode-se ousardizer que existe uma lacuna entre a concepçãoda análise do efeito temporal feita pelosgeólogos e pelos engenheiros. Enquanto osprimeiros observam a evolução do perfil em lon-go prazo, os engenheiros se contentam em co-nhecer o seu comportamento em um dado e pre-ciso momento e no máximo simulam influênciasexternas ou provenientes de variações de umi-dade mantendo intocáveis as propriedades eos chamados parâmetros intrínsecos do solo.Ou seja, imagina-se que o solo estudado hoje,será exatamente o mesmo que aquele presentedaqui a 10, 15 ou 20 anos. Este parece na visãodo autor, ser um erro monumental. Apesar dasmudanças climáticas e ambientais que se pro-cessam na terra, querer sistematicamente atri-buir as rupturas das encostas naturais ao sim-ples excesso de precipitação, parece ser umasolução simplista, embora quase sempre se en-contre uma relação satisfatória entre precipita-ção e as rupturas de taludes.

Buscando mostrar a rapidez com que podese processar a alteração físico-química emineralógica do solo em condições favoráveis dedrenagem, Lima (2003) analisou o processo dedegradação do maciço junto a cinco erosões do

Distrito Federal. O estudo foi conduzido a partirde amostras deformadas e indeformadas coletadasa diferentes profundidades e distâncias dos talu-des das erosões. As distâncias de coleta variaramde “0” a 60m da face do talude. Cabe destacar queestas erosões estudadas são relativamente recen-tes, a mais antiga não ultrapassando 20 anos deexistência quando do estudo.

Lima (2003) verificou para os casos estuda-dos, que quando o fluxo se dava em meiosaturado (caso das voçorocas) ocorria lixiviaçãodos finos, redução da plasticidade e do teor deoxi-hidróxidos de ferro e alumínio. Já no casode fluxo em meio não saturado (caso dasravinas), ocorria o aporte de material para a zonapróximo a face do talude. Camapum de Carva-lho et al. (2002a) mostram que a própria minera-logia da caulinita pode ser afetada por estesfluxos e condição de exposição. Embora a zonaafetada dependa do porte da erosão, das con-dições climáticas regionais e das próprias con-dições de drenagem, Lima (2003) verificou paraos casos estudados que as alterações físico-químicas ocorriam até a distância de 10m dobordo da erosão, estabilizando-se a partir daí.As análises de estabilidade de taludes efetuadaspela autora para duas das erosões estudadas,mostraram que os coeficientes de segurança nazona afetada pelo fluxo (1,197 e 1,182) eram res-pectivamente menores que os da zona preser-vada (1,204 e 1,313). É importante destacar quea maior variação de coeficiente de segurança sedeu para a ravina (1,313 para 1,182) e não para avoçoroca (1,204 para 1,187), caracterizando as-sim a grande importância do fluxo em meio nãosaturado. É certo, que dependendo da compo-sição, da estrutura, da textura e da distribuiçãogranulométrica do solo e das próprias condi-ções de drenagem, estas variações de coefici-ente de segurança poderão ser muito mais im-portantes no caso das voçorocas e menos nocaso das ravinas. Não se pretende, portanto,em face dos resultados apresentados, dizer que

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o fluxo em meio não saturado seja mais ou me-nos relevante que o que ocorre em meio saturado,mas sim, que ele é importante. Enquanto os gra-dientes de energia de transporte podem ser mui-to maiores no meio não saturado (diferenças desucção), as condições de transporte seriam maisfavoráveis no meio saturado. Esta é uma áreaque ainda se tem muito por pesquisar.

6 A EROSÃO INTERNA E O PROCESSOEROSIVO

A degradação físico-química do solo discutidano item anterior, gera no maciço um processode esqueletização responsável pelo aumento deporosidade, mantendo, no entanto, a uniformi-dade da drenagem. Ela é, portanto, distinta daerosão interna.

Embora geralmente se associe a erosão inter-na às voçorocas, ela pode ocorrer também emravinas. Nas voçorocas elas surgem em conse-qüência do aumento do gradiente hidráulico juntoao pé do talude, ao ser atingido e rebaixado olençol freático em função da própria presença daerosão. Ao atingir o gradiente crítico do solo emcertos pontos do maciço, deflagra-se o proces-so de erosão interna. Nas ravinas o surgimento eaumento do gradiente hidráulico, em conseqü-ência de condições favoráveis de drenagem e dainfiltração concentrada de água pode dar origema processos de erosão interna a partir da face dotalude. A infiltração concentrada se dá muitasvezes pela implantação de drenagens de águaspluviais via a técnica de infiltração ou pela cons-trução junto às cabeceiras ou margens das ero-sões de bacias de dissipação.

No Distrito Federal e seu entorno já ocorre-ram alguns acidentes ligados à erosão interna.Um exemplo foi o caso de Jardim Ingá, no qualos gradientes hidráulicos impostos ao solo poruma voçoroca, conjugado a infiltração de águasservidas e de chuva geraram trincas em ruas edesmoronamento de casas. A Figura 9 ilustraum dos problemas verificados.

Figura 9: Problema gerado por erosão interna.

7 A GEOLOGIA E O PROCESSO EROSIVO

Mortari (1994) mostrou que o mecanismo de evo-lução das erosões lineares do Distrito Federalestá associado às características geológico-geotécnicas e estruturais da região. Segundo esteautor, geralmente os processos erosivos apre-sentam inicialmente a forma de V, podendo man-ter esta forma ou passar para a forma de U outrapezoidal (FAO, 1986) ao atingir camadas me-nos intemperizadas e mais resistentes (Figuras10 e 11). No Distrito Federal, no entanto, estecontato é predominantemente constituído porsaprólito de ardósia e de metassedimentos, queem face da tectônica atuante apresentam seusestratos geralmente inclinados com mergulhosdas camadas da ordem de 40º a 60º. O fluxo deágua superficial ao atingir este contato, devido àalternância de camadas, à inclinação e à própriafoliação estrutural, encaixa-se nas camadas me-nos resistentes ficando confinado pelas maisresistentes. Com isso dá-se origem ao modeloencaixado (Figura 12) proposto por Mortari(1994). Com o encaixe estabiliza-se o fundo e ostaludes buscam o seu equilíbrio natural (Figura6). A erosão passa então a evoluir em escala ge-ológica de tempo. Mortari (1994) exemplifica pormeio de análises de estabilidade este processode evolução e estabilização dos taludes paraduas erosões do Distrito Federal.

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Figura 10: Modelo evolutivo de erosão em V e U outrapezoidal.

Figura 11: Erosão na periferia de Manaus.

Figura 12: Modelo encaixado de evolução de erosões.

O Distrito Federal não constitui, no entan-to, um caso isolado de importância da geologiaestrutural no processo evolutivo das erosões.Enquanto no Distrito Federal a estrutura geoló-gica atua contribuindo para a estabilização doprocesso erosivo, em Manaus a existência defalhas normais e transcorrentes geradas pormovimentos neotectônicos se associam a gê-nese e evolução dos processos erosivos, con-forme mostrado por Lima (1999).

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho não é nem poderia ser de todoconclusivo, pois além de se fundamentar emanálises realizadas para áreas geográficas es-pecíficas e limitadas os solos tropicais guar-dam em si características e propriedades quedificilmente se repetem em sua plenitude. Osfatores desencadeadores e que mantêm ativosos processos erosivos também não são muitasvezes os mesmos, a simples alteração do pH daágua de chuva pode alterar de modo significati-vo os mecanismos de surgimento e evoluçãoda erosão em função do tipo de solo e condi-ções de drenagem. No entanto, o artigo permitecolocar em evidência que:

- tanto a geologia como a geologia estrutu-ral são aspectos importantes para o entendi-mento do processo erosivo;

- o tipo de solo por si só apesar de impor-tante para o entendimento do processo erosivonão pode estar dissociado dos seus aspectosestruturais, químicos e mineralógicos;

- no caso de encostas ou taludes submeti-dos a novas condições de fluxo (tipo de fluido,geometria do talude, condições de infiltração eevaporação), o solo não pode ser consideradocomo imutável na escala de tempo de engenha-ria, dada a possibilidade de sua alteração físi-co-química e mineralógica;

- a importância da variação da sucção noprocesso erosivo, por um lado não se limita às

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modificações dos parâmetros de resistência erigidez do solo interferindo, por exemplo, nosprocessos de desagregação e solapamento epor outro pode ter seu efeito minimizado pelaforte cimentação presente em alguns solos;

- a erosão interna pode ocorrer tanto emravinas como em voçorocas, sendo muitas ve-zes oriundas de fluxos intermitentes geradospor sistemas de drenagem como bacias de infil-tração localizadas próximas aos taludes ou ca-beceira da erosão.

O artigo colocou em evidência vários as-pectos relevantes para o entendimento da gê-nese e processo evolutivo das erosões em regi-ões tropicais. Ele mostra que associar um deter-minado processo erosivo a parâmetros especí-ficos é quase sempre um grande risco, pois vá-rios são os fatores e parâmetros intervindo nodesencadeamento e evolução das erosões. Pre-venir e controlar processos erosivos requer,portanto, uma visão ampla do fenômeno.

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das erosões no Município de Goiânia. Dis-sertação de Mestrado em Geotenia, Univer-sidade de Brasília, GDM-044A/97, 120p.

AGRADECIMENTO

O autor agradece ao CNPq pelo apoio dado aodesenvolvimento da pesquisa, em grande partedesenvolvida no âmbito do Projeto PRONEXdo qual participaram o Programa de Pós-Gradu-ação em Geotecnia da Universidade de Brasília,a Escola de Engenharia da Universidade Fede-ral de Goiás e FURNAS Centrais Elétricas S.A..Agradece ainda aos pesquisadores e alunos queatuaram no desenvolvimento da pesquisa.

372 IV COBRAE - Conferência Brasileira sobre Estabilidade de Encostas - Salvador-BA