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Memórias de um povo

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Exercicio da cadeira Design do Livro.

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AnçãMemória de um Povo

Alexandre Cortesão

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Ançã - Memória de um Povo

Propriedade: Centro de Estudos Educativos de Ançã

Edição: Centro de Estudos Educativos de Ançã

Autor: Alexandre Cortesão

Capa e design: Jorge Sagradas

Depósito Legal N° 124984/98

Tiragem: 1000 exemplares

Direitos de copyright reservados © 2010

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PREFÁCIO

PREFÁCIO

“O homem pensa a obra nasce”

Ançã e a sua história são motivos de análise por parte de A. Cortesão, que procura de uma forma clara e apetecível descrever a evolução histórica da Vila de Ançã, recorrendo para o efeito a fundamentos e figuras do passado de entendi-mento “sui genens”.

De sangue poético, o Autor é um estudioso da Terra que o viu nascer, enaltecendo neste seu trabalho a sua localiza-ção geográfica, um dos fortes motivos para que Ançã tenha sido o que foi, e pelo menos não deixe de ser o que é. O esco-amento de algum do seu saber permitiu a concretização de obras e monumentos que impedem que esta Vila, a pouca distância de Coimbra, se perca nos tempos.

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Ançã - Memória de um Povo

Não fosse a paixão que A. Cortesão nutre pelas artes e esta monografja, que tanta falta fazia a Ançã, não teria sur-gido.

Dai que, não hesitando em aceder ao pedido do Autor para prefaciar este apontamento histórico, aceitei com algu-ma humildade, mas que como principal responsável pelo Centro de Estudos educativos de Ançã, estabelecimento de ensino do quinto ao décimo segundo ano, entendi que o de-veria fazer.

Em meu nome pessoal, e em nome de todos os professores que leccionam neste Centro de Estudos, o meu agradeci-mento a A. Cortesão por mais este contributo para o enri-quecimento cultural da Vila de Ançã.

Américo de Carvalho(Director do Centro de Estudos Educativos de Ançã)

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NOTA DE ABERTURA

NOTA DE ABERTURA

Ançã foi a Terra que me viu nascer. Aqui cresci, aqui fre-quentei a Escola e, depois de uma passagem por Coimbra onde estudei e trabalhei, nunca esqueci este rincão que sempre me apaixonou.

A razão deste livro é simples. Desde os meus antepassa-dos que foi hábito guardar tudo aquilo que, um dia mais tarde, pudesse de alguma forma servir para recordar e reviver a vida dos nossos antepassados.

E foi assim que, desde fotografias, fatos, alfaias agrícolas e outros objectos, representando um pouco da vida desta Ançã e das gentes da minha Terra, estão guardados como relíquias.

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Compilando tudo o que tinha e mais aquilo que consegui recolher tanto em Bibliotecas como directamente das pesso-as mais idosas, consegui juntar matéria para escrever este livro. Não se trata de uma obra com pretensões enciclopédi-cas onde tudo está escrito e inventariado. Muito haverá ain-da para fazer. No entanto, fica-me a satisfação de contribuir com uma obra que, não sendo exaustiva, servirá para que os nossos vindouros revejam nela os tempos que não viveram e não se perca no tempo a memória deste povo.

Ficaria mal com a minha consciência se não dedicasse este livro a alguém. Faço-o aos meus Pais que sempre tive-ram por Ançã o maior carinho e amor. Dedico-o aos meus Pais porque sempre me ensinaram a preservar um patrimó-nio histórico que guardo com muita alegria. Dedico-o aos meus Pais para saldar uma dívida que tenho para com Eles - a de me terem colocado neste mundo.

Junho de 1998

O Autor

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A ORIGEM DE ANÇÃ

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A ORIGEM DE ANÇÃ

A velhíssima designação de Ançã é, só por si, bastante para se considerar que a sua antiguidade, vem pelo menos, desde a romanização do seu povoado. Ançã tem a evolução de Antiana “Anzana”, Ançãa que depois deu o Ançã actual. No dizer do Padre Cardoso, por volta de 1740, Ançã foi “fun-dada em um vale e daqui vai subindo a um monte” sendo possível que nele tivesse existido um castro que fosse a ma-triz originária da “Villa Antiana”, de Antius, estando-se em presença de um dos poucos topónimos deste tipo que se mantém por todo o País.

As referências conhecidas sobre Ançã tornam-na “numa das localidades portuguesas que aparecem nos documentos mais antigos que nos restam. Assim, em 937, Eldara doa a Gundemiro iben Dautri (o patronímico indica o moçárabe) o seu moinho “in villa que vocitam Anzana”, para ficar de-pois da morte dele na posse do Mosteiro de Lorvão (Dip. et Ch., no.45).”

O rei D. Sancho diz que “Ançã ser sua Villa” o que pode levar a crer que se apoderou de tal moinho, já na posse do Mosteiro, “de modo que este veio a obter dele a cessão de 966.”

Entre 1092 e 1098, um Vímera Pais dispõe que, “enquanto viver, sua mãe possua a sua parte da “ViIla”, isto é, “ut mater mea dum vixerit possideat porcionem mean de villa nomine Anzana que nihi contigit per directum” (Dip et Ch., nO. 895) e depois da morte dela fique a Sé de Coimbra” - o que mostra que Ançã deixara de ser “ViIla” régia.

Foto _1 (pag. 8) Vista da zona da Pachieira.

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Em carta de 13/XII/1371, o Rei D. Fernando doou ao 4° Conde de Barcelos, D. Afonso Telo, a vila de Ançã, para si e seus sucessores, o que mostra como Ançã já era vila sobre si, como decerto o foi desde os princípios da Monarquia (Sec. XII-XIII).

É de notar que o autor Henriques Seco, lente de Direito da Universidade de Coimbra, afirmou que o poeta Damião José Saraiva, sócio da Arcádia, (Sec. XVIII) e natural de Ançã, “es-creveu um opúsculo laudatório da mesma, da qual sustenta-va que a sua fundação se deve aos oito monges que o Patriar-ca do Ocidente, S. Bento, deputara a estes sítios pelo Sec. XVII; que os ditos monges eram italianos, como se depreen-de do nome que impuseram à vila, Ançã, que em italiano quer dizer abundância de águas, pelas muitas que aqui há, ou pelos montes que cercam a vila, de que em Itália há al-guns semelhantes - o que é o mesmo que forçar a demons-

Foto _2 Vista parcial da Vila de Ançã.

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tração do disparate: se não é por isto, é por aquilo, ou vice versa, e como se fosse prova de proveniência a semelhança de nomes demais em línguas da mesma origem que nas suas proximidades há muitas florestas e espessas matas abun-dantes em caça; por isso um senhor romano que ele supunha ser Flávio Ervígio fez sua casa de campo junto à fonte e daqui percorria em suas casas”. Estas afirmações não admiram por serem bem típicas do Sec. XVIII; mas, acrescenta o mesmo autor que “em 1842 ou 1843 foi encontrado numa escavação uma elegante figura de fino alabastro, em meio corpo, de dois palmos e meio de alto, parecendo representar um man-cebo romano que facilmente obtiveram os Srs. FF, em cujo poder está; quatro ou cinco arcos de tijolo, de dois ou três palmos de altura e outro tanto de largura; um pavimento de lindo mosaico; grande porção de argamassa mui compacta, com engraçados relevos, e um tubo de chumbo que, sendo de duas polegadas de diâmetro na extremidade inferior ia engrossando proporcionalmente para a outra extremidade, que não se observou por se achar introduzida na parede da casa alheia, produzindo a porção descoberta perto de três arrobas... A cada passo aparecem vestígios históricos com-provativos da antiguidade da Vila”.

A. Santos Rocha, in “Ruínas Romanas de Ançã”, refere um caso muito raro na Lusitânia e visto em construções, pela primeira vez, em Ançã. Refere-se, concretamente, ao reves-timento das paredes encontradas numa escavação junto à fonte. O estudo do desenho do mosaico e, comparando-o com o encontrado na Vila Romana de Nossa Senhora do

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Desterro em Montemor-o-Velho, chegou à conclusão que deve ter sido empregue, pelo menos, no Século III da nossa era. Refere ainda o mesmo autor o facto de as paredes serem revestidas de tijolos romanos em forma de triângulos isósce-les. Aparecem assim e em quantidade nas ruínas romanas de Itália como, por exemplo, nas ruínas dos Palácios dos Cézares e nas ruínas de Pompeia. Os ornatos de mosaico são geralmente em forma de cruzes ou de linhas torcidas em espiral.

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OS FORAIS DE ANÇÃ

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OS FORAIS DE ANÇÃ

Ançã estava integrada no território de Coimbra depen-dendo administrativa e economicamente do governador do território daquela cidade. Assim se manteve até ao reinado de D. Fernando que deu autonomia a Ançã.

“...fazemos saber que nos de pura e livre vontade e de nossa certa stientia e poder absoluto fazemos Villa por syy o logar dançãa que era termo de Coymbra...”.

Em 12 de Dezembro de 1371, em Tentúgal, assinou D. Fer-nando um documento que eleva Ançã à categoria de Vila, dá-lhe autonomia, concede-lhe privilégios, enumera-lhe as regalias e marca-lhe a extensão dos seus territórios.

“... a qual fazemos de livre e isenta para todo o sempre com os seus terrentórios adiente divisados e a tiramos et livramos et quitamos a syy nas causas como nas pessoas moradoras em ella e nos termos et terrentó-rios della de todo senhorio et jurisdiçam da dicta Villa de Coymbra e doutro qualquer julgado ou concelho ou pessoa aque atequy foe ou eram sujeito o dicto lugar dançãa...”.

Através deste documento podemos conhecer a extensão exacta do Concelho de Ançã:

“...damos e outorgamos por termo e terrentório a aldeia da Pena com seu termo de Valdago com seu termo e Portunhos com seu termo e Enxofroes com seu termo e Rio Frio dos Caualleyros com seu termo, Barcouço e a Vila do Mato e Rio Frio doleiros e a Cos-ta e San Fagundo e Lavarrabos e a Sioga com seus ter-mos as quaes aldeas e casaes pobras e as pessoas e

Foto_3 (pag. 14)Foral Manuelino.

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causa dellas livramos e tyramos e quitamos da jurisdi-çam da sugeiçon da dita villa de Coymbra...”.

Juridicamente Ançã ficava com largos poderes. Tanto como Vila, como no seu concelho podiam os oficiais por si escolhidos exercer amplos poderes nos julgamentos. Tão grande era esse poder que os réus só podiam apelar mas exclusivamente em casos de crime e em última instância - para a corte real. Ficou bem determinada a independência jurisdicional em relação ao alcaide de Coimbra. Nem este nem nenhum dos seus oficiais poderiam jamais julgar ou ter qualquer direito sobre indivíduos de Ançã ou do seu termo sob pena de acusação de desrespeitador da vontade do Rei.

“... e mandamos e defendemos ao alcaide e justiças e officiaes e quaisquer da dicta villa de Coymbra que daquy adiante non huzem da dicta villa dançãa nem nos termos e terrentórios dela...de nenhuma judiçam crime nem civel nem doutro nenhum dereito de suje içam sob pena de nossa mercee e de lhe seer por nos stranhado se contra esta fizerem nos corpos e nos aue-res como aquelles que vão contra mandado de seu reye senhor...”.

Em 23 de Junho de 1514, D. Manuel concedeu novo foral a Ançã depois de ter encarregado Fernão de Pina de reformu-lar os velhos forais que deixavam de estar actualizados.

Muitos foram os tributos que passaram a pagar com a saída deste foral. Desde o “oytano” (oitava parte dum moio de produto forado), à “eiradega” pago em trigo e de uma só vez ainda que o lavrador cultivasse trigo em outras terras

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que não pertencessem ao senhor da vila, o “pão alvo” pago de uma só vez, no Natal, de um alqueire de cevado e de seis pães alvos “segundo os fazem comunemente para sua casa hum capam dez anos huma galinha hum frangam. E, em dinhei-ro, dez reaes tudo pelo Natal”.

Outro capão se pagava anualmente para o “bodo de Nossa Senhora” - tratava-se de uma refeição que, em certo dia do ano, se oferecia aos pobres da terra ou da região por alma dos defuntos, contribuindo para este bodo não só o donatá-rio como todas as pessoas abastadas da região.

O comércio da pedra teve também o seu lugar especial no Foral Manuelino. Mas aqui, apenas a pedra destinada a mós de moinhos pagava um imposto de trinta e seis reais. A res-tante ficava isenta. “...e se a levarem para fora não se pagará della nenhum direito” o que facilitava a exploração das pe-dreiras. Face a esta benesse surge o desenvolvimento da fa-bricação da cal. Mas aqui, D. Manuel, impunha o pagamento por cada forno “que fizer cal na dieta terra hum moimo della” e ainda o “terradego”, quadragésima parte do dinheiro por que fosse vendida.

Segundo D. Manuel, também o “gado de uentd’ (gado per-dido ou do qual não se conhecesse o dono) passa a ser per-tença do senhorio, exigindo-se à pessoa que o encontrasse, uma declaração dentro dos primeiros dez dias, sob pena de ser demandado de furto:

“o gado de uento hé do senhorio quando se perder, se-gundo nossa ordenaçã”.

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Também o foral impunha que se pagasse um tributo de duzentos reis, por uso de armas. Contudo esta “pena” não se levava quando se usassem espada, ou qualquer outra arma de que não se servissem.

O Foral de Ançã dá-nos ainda a oportunidade de co-nhecer o descontentamento do povo de Ançã “pelos agravos que os lavradores d’ esta terra dizem que recebem dos ren-deiros e officiaes das julgadas de Coimbra, não poemas aqui dar final despacho, porque não foram ouvidos os ditos ren-deiros e officiaes”.

D. Manuel determina a maneira de entregar os foros e estabelece as medidas do pão.

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DONATÁRIOS DA VILA DE ANÇÃ

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DONATÁRIOS DA VILA DE ANÇÃ

O primeiro donatário da Vila de Ançã foi D. João Afonso Telo, 4° Conde de Barcelos, Vassalo e Conselheiro de D. Pe-dro e de D. Fernando. Foi-lhe feita a doação porque D. Fer-nando quis recompensá-lo pelos muitos e bons serviços fei-tos “à nossa casa de Portugal”.1 D. João Afonso tinha, entre outros, o poder de escolher os seus oficiais e, todos os habi-tantes do Concelho de Ançã, a ele e seus sucessores deviam obediência, como representante legítimo do próprio Rei.

“E mandamos aos moradores desta Villa dançãa e de seu termo que ao dito senhor conde e seus herdeiros e sucessores seiam obedientes em todo e per todo como a seus senhores aqual jurisdiçam tiramos do poderio e sugeiçam nossa damolla e sumetemolla no poder do dito Conde e seus herdeiros e sucessores em todo e por todo para sempre como dieto hé”.

Esta doação foi feita um dia depois de, em Tentugal, ter elevado Ançã a Vila. D. Álvaro Pires de Castro, primeiro Marquês de Cascais, sexto Conde de Monsanto, foi Conse-lheiro de Estado e de Guerra, Fronteiro-Mor, Coudel-Mor, Canteiro Mor, Alcaide Mor de Lisboa, senhor das vilas de Cascais, de Lourinhã e Ançã, de S. Lourenço do Bairro e de Monsanto, administrador das Comendas da Ordem de Cristo, de S. Martinho de Bornes, Vila de Rei, Segura, etc.. Foi também Embaixador de D. João IV em França, por oca-sião da morte de Louis XIII. Foi nomeado Marquês de Cas-cais por D. João IV a 16 de Novembro de 1643.

1 TI. Chancelaria de D. Fernando, Livro I, fls 88.

Foto_4 (pag. 20)Brasão dos Castros, Donatários da Vila de Ançã.

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Depois da queda de D. Afonso VI, D. Álvaro Pires de Cas-tro foi desterrado para Ançã e aqui viveu os últimos sete anos da sua vida tendo falecido a 11 de Julho de 1674.

Segundo “Monstruosidades do Tempo eda Fortuna”,

“por sua mão dava esmola aos pobres e ensinava dou-trina às crianças. Em contraste com o seu brilhante cargo de Embaixador, já não era em baixelas de prata que comia, nem entre fidalgos de França, mas em pra-tos de barro e entre mendigos de Portugal”.

Viveu num antigo palácio que hoje é parte dele privado e, o restante, propriedade da Phylarmónica Ançanense.

Estão presentes ainda as suas armas encimadas por uma inscrição onde se pode ler:

“SUFFICIT HOC SIGNO DESPICERE TEMPORE RERUM”.

Tem três arcos por debaixo do palácio que comunica o Terreiro do Paço fronteiro à Igreja com o Largo do Pelouri-nho, do lado oposto.

O último donatário de Ançã foi D. Carlota Joaquina, feita por seu marido D. João Príncipe Regente de Portugal a 15 de Outubro de 1799, em Mafra. Em 1863 Mouzinho da Silveira acabou definitivamente com os senhorios.

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COMPOSIÇÃO DO CONCELHO DE ANÇÃ

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COMPOSIÇÃO DO CONCELHO DE ANÇÃ

O “Tombo dos bens da Vila de Ançã” permite conhece-rem-se as diversas categorias de bens e tributos que paga-vam os lugares de Ançã e como se encontravam distribuí-dos, assim como conhecer com exactidão as povoações que faziam parte do Concelho de Ançã:

Próprios - com domínio consolidado - Celeiro Real

Direitos reais TributosPadroadosÁguas

AnçãPortunhosPenaFerrariaCavaleirosBarcouçoVila de MatosGranjaMourelosRios FriosCidreiraLavarrabos

Com foro e ração - Distritos

RolPrazo do BeltrãoPrazo do Cabral Pinto Quinta dá Boavista Prazos da Câmara

Com foro e semente

Reguengos

Foto_5 (pag. 24)Mapa figurativo do Concelho de Ançã

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Extinção do concelho de Ançã

Por Decreto de 31 de Dezembro de 1853 foi extinto o Con-celho de Ançã. Este Decreto foi publicado no Diário do Go-verno do dia 3 de Janeiro de 1854.

Segundo o Mapa do Distrito Administrativo de Coimbra, elaborado por António Luiz de Sousa Henriques Seco em 1884, Ançã possuía então 263 fogos.

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INVASÕES FRANCESAS

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INVASÕES FRANCESAS

Segundo o n° 955 da Gazeta de Cantanhede de 15 de Agos-to de 1936, composto e impresso em Ançã na Tipografia An-çanense, é do seguinte teor a descrição de uma sessão cama-rária nos Paços Municipais de Ançã:

“... em 29 de Maio de 1808, reuniram-se todas as auto-ridades e as pessoas gradas e nobres de então as quais resolveram enviar a Napoleão uma “Representação”, devidamente assinada, pedindo-lhe para Governante de Portugal um rei de sua família. Para convencer os munícipes a aderir, valeu o entusiástico discurso do Juíz de Fora. Aprovada a “Representação” concorda-ram utilizar como intermediário o Duque de Abran-tes”.

No documento a enviar expunham as razões porque fa-ziam tal petição, comparando a situação agora criada, com as Invasões Francesas, com a do domínio espanhol de 1580 - 1640 e com as suas consequências. Pediam um rei francês e uma constituição completamente nova baseada na dos ter-ritórios igualmente conquistados por Napoleão e à frente dos quais colocara príncipes da sua família.

Para Bento Pereira do Campo e para a Câmara de Ançã, todos nós portugueses somos de origem francesa e à nação francesa devemos a nossa liberdade na época de 1640.

Esperavam os signatários grande apoio a nível nacional o que não se verificou pois ainda não tinha passado um mês após a assinatura do documento e já todo o reino de Portu-gal se tinha sublevado conseguindo, com a ajuda dos ingle-ses, expulsar os franceses do nosso território. Foto_6 (pag. 28)

Quadro alusivo às Invasões Francesas.

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As invasões francesas estenderam-se entre 1807 e 1811 e foi na terceira invasão que algumas terras de Coimbra foram invadidas e molestadas as suas pessoas e bens. Depois da retirada da Batalha do Bussaco onde os invasores foram der-rotados nos dias 26 e 27 de Agosto de 1810 as tropas de Mas-sena, à passagem, levaram tudo o que encontraram de valor.

Embora não esteja provado que Ançã tenha sido vítima dos invasores o mesmo não poderá ser dito de Portunhos que ficou nua e se viu privado do “...Calix, vaso Sacrário, Al-vas, Toalhas, em hua palavra, em nada mais do q. as vesti-mentas “. Mas não só a Igreja foi alvo de pilhagens. As casas também se viram roubadas e, no relato do Padre de Portu-nhos:

“Na invasão dos inimigos, nestes países se demorarão nesta freguesia 5 para 6 dias, deixarão todas as casas roubadas e o q. não poderão levar, inutilizarão, dema-neira q. qd os habitantes se recolherão, não acharão mais q. as paredes, ao pouco q. precipitadam. te ti-nham levado consigo”.

O Rev. Manuel das Neves estava a celebrar a Missa com objectos emprestados, não vendo maneira de remediar se-melhante falta, porque “o povo é muito pobre e hua confra-ria q. ha não tem hum vintém, e está empenhada em mais de 120$000”.

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AS FONTES DE ANÇÃ

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AS FONTES DE ANÇÃ

O Padre Cardoso, por volta de 1740, cita várias fontes notáveis em Ançã:

“...a Fonte de Ançã que usa este povo tem o seu nascimen-to junto ao Palácio dos Senhores desta Vila e se vê enobreci-da com as armas desta nobilíssima casa. Fica debaixo de dois arcos de pedra coberta por uma abóbada, cingindo a obra toda da sua cimalha e serve de remate uma pirâmide à ma-neira de torre. Forma por baixo seu tanque de catorze pal-mos em quadrado, com seus bordos levantados, metendo muita parte de superfície contra o Poente, lajeada de pedra com seus assentos, à sombra de um rochedo, que defende dos calores do Estio. É um só olho de água, mas tão crescido que a pouca distância faz mover ao mesmo tempo três pe-dras de moinho e um lagar de azeite, não se ocupando deste trabalho a água toda.” E, mais adiante: “...usam todos desta água, por ser muito boa; pelo Verão nasce fria e no Inverno tépida. Desta Fonte se forma um rio que, suposto não ser muito caudaloso, contudo faz mover sucessivamente, em menos de um quarto de légua, vinte pedras de moinho.”

Datada de 1674, o caudal desta nascente está calculado em cerca de 20.640 litros por minuto, pouco diferindo entre o Verão e o Inverno. Não há memória desta nascente ter se-cado e são muitos os milhares de hectares de terra de cultivo que vêem as suas produções regadas com o precioso líquido da Fonte de Ançã.

Nos últimos anos, face à escassez de água para o abasteci-mento do Concelho de Cantanhede, a Câmara optou por uma situação de excepção colocando uma bomba elevatória Foto_7 (pag. 32)

Promenor da Fonte de Ançã.

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a partir da fonte e abastecer assim as freguesias de Ançã e Portunhos.

Junto à Fonte, existe uma piscina pertencente à Junta de Freguesia que utiliza também a sua água.

De outras fontes se refere o mesmo autor:

“...no termo da Vila, na Quinta do Rol, há uma fonte de admirável virtude para laxar o ventre, de tal sorte que as pessoas endurecidas na sua operação, em bebendo dela, logo se lubrificam e os que vivem na Quinta não usam desta água pelo muito que os destempera.”

Uma outra fonte existe ainda perto da Loureira - a Fonte do Iséu - mas sem grande caudal sendo este, contudo, uni-forme durante todo o ano.

Foto _8Fonte de Ançã e canal.

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MONUMENTOS DE ANÇÃ

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MONUMENTOS DE ANÇÃ

Ançã é uma terra de profunda crença religiosa e, para o provar, tem no seu seio uma bela Igreja Matriz, várias Ca-pelas e alguns Cruzeiros, uns dispersos pelas ruas de Ançã e outros encimando casas, que são bem o testemunho da religiosidade do seu povo.

Igreja Matriz

Não se conhece ao certo a data da sua construção muito embora, na sua fachada, se encontre a inscrição de 1812. Sabe-se, contudo, que na noite de 3 de Outubro de 1783 um grande incêndio fez dela pasto de chamas por descuido de um carpinteiro que, no côro, estava a fazer um retábulo para a Capela do Senhor de Jesus.2

Em 1789 a Igreja encontrava-se ainda bastante arruinada o que levou o Bispo, D. Francisco de Lemos, a ordenar a Sua reconstrução.3

A torre também sofreu obras de elevação. Segundo a ins-crição contida na mesma, foi aumentada em alguns metros por ordem do padre resignatário, José Carlos de Paula, em 1886.

O Corpo da Igreja divide-se em três naves separadas por oito colunas dóricas, quatro de cada lado.

A nave do meio é mais espaçosa e na segunda coluna da parte do Evangelho, descendo do Altar Mor, fica o púlpito

2 Jornal Ançanense, no. 2 de 16 de Maio de 19143 Inventário Artístico de Portugal

Foto_9 (pag. 36)Promenor da fachada da Igreja de Ançã.

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encostado a uma das colunas. É de passeio, com grades de pau preto torneado. Das últimas duas colunas de uma e de outra nave, na direcção da porta da Igreja, fica o coro, de madeira e a toda a largura da Igreja. O tecto, sobre as três naves e o coro, é forrado de caixotões de madeira.

Dum lado e do outro da Igreja poderão encontrar-se algu-mas Capelas e assim, subindo pelo lado direito, começamos por encontrar o acesso à torre e ao coro, seguida da Porta da Travessa e da primeira Capela - a Capela de Nossa Senho-ra das Dores - também conhecida por Capela das Almas. Tem um arco do Sec. XVII, tecto de pedra em painéis e retá-bulo de colunas salomónicas do princípio do Sec. XVIII, podendo ler-se na parede a seguinte inscrição:

ESTA CAPELA DAS ALMAS SE FES DESMOLAS O ANNO DE 1667 A PESOA Q(V)E SE ENTERRAR NELA DAR A ESMOLA NA FORMA DO COMPRIM(ISS)O.

Segue-se a Capela de Nossa Senhora de Fátima e o acesso à Sacristia Velha ou Capela de Antônio Bacelar. Conserva parte do retábulo com Cristo crucificado, a Virgem e S. João, tudo de pedra, do Sec. XVI. Uma lápide contém a seguinte inscrição:

ESTA CAPELA MA(N)DOU FAZER A(N)TONIO BARBOSA BACELAR CIDADÃO DA CIDADE DO PORTO PERA ELLE E SUA MOLHER VERONIQUA PINTA E ERDEIROS TEM A OBRIGAÇÃO QUATRO MISAS SOMANA ATE A FIM DO MUNDO FEITA NO ANNO DE 1581.

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MONUMENTOS DE ANÇÃ

Seguidamente, e já ao lado da Capela Mor, encontramos a Capela de S. Joaquim.

Ao centro, poderemos encontrar a bonita Capela Mor, toda de Pedra de Ançã, incluindo o tecto feito de caixotões do mesmo material. É dedicada a Nossa Senhora do Ó, Padroeira de Ançã, que se encontra exposta no seu interior.

À esquerda da Capela Mor, restaurada nos anos quarenta, fica a Capela do Santíssimo.

O acesso à Sacristia é feito por um excelente portal de pedra ao que se segue, de imediato, a Capela de Santo Antó-nio. Tem entrada do Sec. XVI, sendo a abóbada de quartelas.

Segue-se a Capela de Nossa Senhora do Rosário cujas pa-redes estão revestidas de azulejos de laçaria e folhagens, a azul, e roda pé de figuras avulsas, das olarias de Coimbra, do princípio do Sec. XVII. A abóbada é de aresta, pintada de grotescos. O retábulo é de quatro colunas salomónicas, dos Sec. XVII e XVIII.

Segue-se a Capela de Nossa Senhora da Soledade, do Sec. XVII, tem portal e arco de pilastras lavradas, abóbada de arestas com florão central. Possui a seguinte inscrição:

ESTA CAPELA MANDOU FAZER O DOUTOR BENTO DIAS ZAMBADO. TEM DE OBRIGAÇA MI TRES MISSAS CADA SEMANA I FOI FEITA NO ANO DE 1683.

A terminar encontramos a Capela do Baptistério com arco de entrada onde se vê um brasão de madeira. A abóbada

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é formada de painéis do Sec. XVII. No seu interior encontra-mos a seguinte inscrição:

ESTA CAPELA MANDOU FAZER VITOIRIO DA COSTA CERVElRA. TEM DE OBRIGASÃO HUMA MISA CADA SEMANA I FEITA NA ERA DE 1719 ANNOS.

A Igreja Matriz de Ançã, dedicada a Nossa Senhora do Ó ou da Expectação, está classificada como imóvel de interesse público pelo Decreto n.º 8/83 de 24 de Janeiro.

Foto _10Fachada da Igreja de Ançã.

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MONUMENTOS DE ANÇÃ

As imagens

No interior da Igreja Matriz existem algumas imagens de grande valor. Assim, poderemos admirar a imagem seiscen-tista feita de madeira representando S. Bento, as imagens setecentistas de Santo António, Senhora da Piedade e Santa Ana. A imagem renascentista de S. João Baptista, uma ima-gem de Nossa Senhora do Ó - Padroeira de Ançã - de madei-ra policromada estilo D. João V (de notar que se trata de uma imagem não tradicional da Santa sobre o ventre dilatado, mas sim “de mãos postas”), uma escultura de madeira da Senhora e o Menino muito co-mum na nossa região, uma Santa Rita e um S. José, do Sec. XVIII. Uma escultura de pedra de Mestre João Afonso, também conhecido por Mes-tre das Alhadas, representan-do a Virgem e o Menino.

Uma bela imagem de Santa Luzia, do Sec. XV, que fazia parte do Inventário Artístico de Portugal, desapareceu sem deixar rasto.

Foto _11 Imagem de Santa na Capela do Senhor da Fonte, século XV

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Ançã - Memória de um Povo

CRUZEIROS E ALMINHAS

Para além da Igreja Matriz e das muitas Capelas que popu-lam em Ançã, outras formas de religiosidade estão bem pa-tentes na Vila. Refiro-me aos Cruzeiros e Alminhas que, um pouco por toda a parte, estão espalhados pelos largos e ruas de Ançã.

Comecemos pelo cruzeiro que existe no Largo da Cruz; trata-se de um belo Cruzeiro que está implantado no centro do Largo. Construído sobre uma base elevada ergue-se, so-bre três degraus de pedra, uma bela cruz datada de 1624.

Junto à Capela de Nossa Senhora das Mercês há um pequeno, mas belo, Cruzeiro datado de 1770, que espera por arranjo condigno.

O Senhor Santo Cristo, logo abaixo da Fonte de Ançã, apresenta uma certa similaridade com o Pelouri-nho, pensando tratar-se de monumentos da mesma época. É constituído por um pilar de secção quadrada de cantaria rusticada, encima-do por um templete de colu-nas dóricas que assentam sobre um capitel em forma de cimalha. A cobertura é Foto _12

Cruzeiro no Largo da Cruz, 1770.

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MONUMENTOS DE ANÇÃ

em pirâmide quadrangular tendo no seu interior um belo Cristo pregado na Cruz.

Alguns outros cruzeiros desapareceram tendo sido subs-tituídos por outros que nada têm a ver com os primitivos. Estou a lembrar-me de um belo Cruzeiro quinhentista que existiu frente à Igreja Matriz, do qual ainda se pode ver a base mas que foi derrubado, por acto de vandalismo, tendo sido substituído por uma Cruz pesado na de Cemitério.

À saída de Ançã, jun-to à estrada que se dirige para Cantanhede, pode-remos encontrar, no sí-tio da Rocha, um outro Cruzeiro provavelmente do Sec. XVII, isto é, da mesma época do que se encontra no Largo da Cruz.

As Alminhas que exis-tem em Ançã estão data-das de 1820 e são consti-tuídas por uma só pedra com os seguintes dizeres:

PELAS ALMAS PNOSSO AVEM ERA DE 1820

Foto _13Pedra das Alminhas.

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Ançã - Memória de um Povo

As Capelas

Ao entrar em Ançã, pelo lado Sul, a primeira Capela que encontramos é a Capela de S. Sebastião. Trata-se de uma Capela de construção simples, com alpendre, que está data-da de 1606. Tem duas imagens do Sec. XVI - S. João e Santa Catarina - e um lampadário de latão do Sec. XVII, descrito no Inventário Artístico de Portugal. A imagem de S. Sebas-tião, que dá o nome à Capela, também aí se encontra e, todos os anos em Janeiro, sai à rua numa festa que os militares da região lhe fazem e que detém um cunho muito peculiar.

Na Rua Dr. Machado e Costa, encontramos a Capela do Espírito Santo. Trata-se de uma Capela datada de 1615, com alpendre de grossas pilastras de pedra. Dentro da Capela há uma imagem de pedra, do Sec. XVII, representando o Espíri-to Santo sentado, uma imagem da Virgem com o Menino do Sec. XVI, um Cristo Flagelado do Sec. XVII e ainda uma Ima-gem de S. Bartolomeu, sem cabeça, que se encontra deposi-tada na Sacristia.

Muito perto desta Capela encontra-se a Capela de Nossa Senhora das Mercês, particular, com fachada do Sec. XVIII, porta de pilastras, frontão curvo e óculo em forma de qua-drado.

Junto à Fonte de Ançã, poderemos encontrar a Capela do Senhor da Fonte. De forma quadrangular e de pequenas dimensões, a sua arquitectura é em tudo semelhante ao al-pendre da Fonte. Possui uma pequena Sacristia. No interior ainda se podem observar alguns frescos pintados nas pare-

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MONUMENTOS DE ANÇÃ

des que foram cobertos com cal. É datada de 1674 e terá sido mandada construir (ou reconstruir?) provavelmente pelo Marquês de Cascais, donatário da Vila.

A Sul de Ançã, poderemos encontrar a bonita Capela de S. Bento com uma bela vista sobre Ançã. Trata-se de uma Capela datada de 1599 e é a mais bela de todas as Capelas de Ançã. Ali se fazem as maiores romarias, a S.Bento, na Terça-Feira seguinte ao Domingo de Páscoa e a S. Tomé, sempre no dia 25 de Julho de cada ano. Tem um grande al-pendre abrigando a entrada principal. No seu interior pode-remos admirar todo o tecto abobadado em caixotões de can-taria e o Altar, único, virado a Nascente, e feito de pedra, da mesma época. O retábulo, é de dois corpos e bancada vendo-se, ao alto, S. Bento sob um Pálio. Ainda podemos encontrar as seguintes imagens dentro da Capela: S. Bento, S. Tomé, S. Gregório, S. Bernardo, Santa Apolónia, Santo Amaro, S. Roque, Santa Águeda e uma Abadessa. Na Sacris-tia, há um retábulo de pedra representando o Calvário, do Sec. XVI. No exterior, poderemos ver uma inscrição que en-cima a porta principal:

IHS 7 ESTA S(AN)TA CASA, SE FEZ DE ESMOLAS NO ANNO DE 1599 NO QUAL AVENDO PESTE GERAL EN TODO ESTE REINO HE DURANDO NELE POR M(UI)TO TEMPO NESTA VILLN POR ENTERCESSÃO DO GLORIOSO S.BENTO NÃO DUROV MAIS Q(UE) VINTE DIAS.

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O PELOURINHO

Os Pelourinhos são padrões que, colocados junto à resi-dência dos senhores da Terra, tinham por fim salvaguardar os interesses e as regalias pessoais e colectivas dos habitan-tes da povoação. Possuí-lo era um privilégio e esse privilégio era também comum aos donatários da Vila de Ançã - o Mar-quês de Cascais.

Com aspecto setecentista, foi remodelado no Sec. XIX e encontra-se instalado no Largo do Pelourinho, fronteiro ao Palácio do Donatário. Tem cerca de 5 metros de altura e consta de uma coluna onde a metade inferior é de secção quadrada e rusticada que assenta sobre uma base também

quadrada de dois degraus. A me-tade superior é de secção cilín-drica que remata com uma espé-cie de capitel arredondado, sem ábaco e ornamentado de acantos.

Segundo informação do etnólo-go Dr. Luís Chaves, o Pelourinho de Ançã nada tem de quinhentista, devendo ter substituído o primitivo que teve o Concelho de Ançã.

Trata-se de um imóvel de interes-se público, assim classificado pelo Decreto n.o 23.122 de 11 de Outu-bro de 1933.

Foto _14Pelourinho da Vila de Ançã.

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MONUMENTOS DE ANÇÃ

CASAS BRAZONADAS

São várias as casas que ainda hoje poderemos admirar em Ançã ostentando os seus brasões nas suas fachadas.

No Paço dos Donatários, na Fonte, nos marcos que deli-mitavam o Terreiro do Paço e na Vala de Ançã, junto a Paúl encontra-se a Brasão dos Castros que é composto por seis arruelas de azul em campo de Prata.

Para além do Palácio dos Marqueses de Cascais, atrás re-ferido, encontramos um pouco mais abaixo, a caminho da Fonte de Ançã, um belo exemplar de arquitectura impo-nente encimado pelo Brasão dos Bandeiras de Neiva. Um pouco mais abaixo, uma outra casa setecentista ostenta também o seu brasão. Trata-se de uma bela peça do estilo barroco setecentista de escudo esquartelado. No primeiro e quarto quartéis, Pintos; no segundo quartel, Rebelos e, no terceiro, Bandeiras. Tem elmo voltado à esquerda e, por timbre, um leão.

Mas outros brasões ainda se podem apreciar em Ançã. Assim, na Rua Dr. Machado e Costa poderemos encontrar, numa casa muito mal estimada, um belo brasão de família e, na Quinta da Loureira, um outro da Família dos Beltrões inserido numa parte de casa abandonada mas junto ao solar, recuperado e bem estimado.

Também nalgumas Capelas da Igreja Matriz encontra-mos alguns brasões. Assim, na Capela do Baptistério, ao centro do arco de entrada, vemos um brasão de escudo par-

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Ançã - Memória de um Povo

tido de Castros e Cerveiras, com uma brica, carregada de uma flor de liz, sem elmo nem timbre.

Na Capela de Nossa Senhora da Soledade, encimando o pórtico de entrada, encontrarmos um outro brasão de es-cudo partido de Machados e Carvalhos e, na Capela de San-to António, encimando também o arco de entrada, podere-mos também admirar um brasão de escudo esquartelado onde, no primeiro e quarto quartéis, encontramos Bacela-res; no segundo quartel, Barbosas e, no terceiro, Novais ten-do, por timbre, o leão de ouro.4

4 Armando de Matos - Brazonário de Portugal

Foto _15Brasão no Palácio dos Neivas.

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ACTIVIDADES ECONÓMICAS

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ACTIVIDADES ECONÓMICAS

Ançã é uma terra onde a população, na sua maioria, se dedica à actividade de serviços tanto em Cantanhede como em Coimbra, muito especialmente nesta última cidade.

Contudo, ainda hoje à agricultura é dedicada grande atenção e onde, especialmente os mais velhos ocupam o seu tempo. Assim, desde sempre que algumas colheitas são característi-cas da região de Ançã. Vem à cabeça o cultivo do arroz no extremo sul da freguesia, na zona denominada Paúl. É esta actividade que faz de Ançã o limite da zona do Baixo Mon-dego completamente diferente da Gândara que é, por exce-lência, o Concelho de Cantanhede.

Mas outras culturas ainda hoje se fazem em Ançã. Assim, poderá encontrar-se a cultura do milho, dos legumes e do vinho que é de boa qualidade e muito característico da nossa região. É conhecido como um vinho carrascão muito embo-ra, actualmente com o plantio de novas vinhas e o abandono de outras, essa sua característica se tenha perdido um pou-co. Ançã é o limite da Zona Demarcada da Bairrada, dela fazendo parte com todo o mérito. Quase toda a produção do vinho de Ançã é encaminhada para a Adega Cooperativa de Cantanhede ou de Souselas, o que deixa em Ançã pouca quantidade, apenas servindo para consumo próprio ou de amigos dos produtores.

Outra das culturas que ainda hoje é explorada é a da oli-veira; um pouco abandonada face à escassez de mão de obra e à fraca produção, esta foi, no entanto, uma grande riqueza de outros tempos. Para o justificar poderemos afirmar que em Ançã houve quatro lagares de azeite a funcionar curiosa-

Foto _16 (pag. 50)Vinha, uma das fontes de rendimento do povo de Ançã.

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mente, todos estes lagares funcionavam movidos a agua ou por tracção animal, especialmente de gado bovino. Hoje apenas temos em funcionamento dois lagares movidos mecanica-mente e só laborando em anos de muita produção, por vezes, com azeitona vinda do Alentejo.

Foto _17Azeitona, outra fonte de rendimento.

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A PEDRA DE ANÇÃ

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A PEDRA DE ANÇÃ

Desde sempre que Ançã foi conhecida através da sua pe-dra. Vários são os tipos de pedra existente em Ançã: A pedra branca muito dura usada para cantarias, uma outra muito mole usada para esculturas, dada a sua facilidade de ser tra-balhada, sem esquecer a azulada, muito rija usada apenas como rachão. São algumas das variedades de pedra que constituem o subsolo de Ançã. Mas foi sobretudo a pedra mole que tornou célebre Ançã através de escultores como João de Ruão, Nicolau Chanterenne, Teixeira Lopes, João Ma-chado, Mestre das Alhadas, entre outros, que fizeram da pe-dra verdadeiras obras de arte que poderemos encontrar nas nossas Igrejas e Monumentos um pouco por todo o nosso Portugal.

Mas além fronteiras a Pedra de Ançã também pode en-contrar-se, tendo sido exportada, via marítima, depois de se fazer transportar em carros de bois até à Quinta do Rol, de onde era transportada em barcaças, Mondego abaixo, até à Figueira da Foz para, daí, ser carregada em navios que a le-vavam até ao seu destino. São disso exemplo algumas escul-turas de Galiza e do Portal do Hospital Real de Santiago de Compostela. Mário Nunes, numa comunicação feita aquan-do das Jornada sobre a Pedra de Ançã em Outubro de 1989, refere:

“...Esculturas nascidas de pedra que os homens trans-formaram. E, contámos de repente: Alfaiates, Tabua-ço, Santarém, Coimbra, Santar, Porto Penela, Espi-nhal, Podentes, Pombalinho, Pedrógão Grande Lisboa, Portei, Évora, Funchal, Arouca, Castelo de Vide Estre-moz, Vila Flor, Coja, Santiago de Compostela, Jerusa- Foto_18 (pag. 54)

Pedreira em Ançã.

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A PEDRA DE ANÇÃ

lém Roma, Brasil, Japão, Goa, Guiné, Angola, Macau, etc., etc....”

Muitos foram os canteiros que, em Ançã, trabalharam a pedra e disso bem prova a nossa bela Igreja Matriz.

Da existência deste tipo de calcário nasceu a Escola de Coimbra que, do Sec. XIV até à Renascença (Sec.XVI), deixou obras de arte no campo da arquitectura, especialmente, na escultura. São de salientar os nomes de João de Ruão que viveu em Coimbra vindo de França (Rohen), o de Tomé Ve-lho e do empreiteiro José Carvalho que, no século XVIII, vi-veu em Portunhos, embora construísse em Coimbra. Mas João de Ruão foi atraído pelas encomendas de D. Jorge de Meneses, ao qual já lhe havia feito uma parte da ornamenta-ção da Igreja de Atalaia do Ribatejo. Aqui, nos domínios de Cantanhede, haveria de levantar a Capela da Varziela, cerca do ano 1530, na qual, o mesmo fidalgo haveria de ter sepul-tura.

Segundo o Dr. Nogueira Gonçalves, João de Ruão tinha um “estilo delicado, amoroso de seguidores florentinos dos mestres de meados de quatrocentos”. João de Ruão fixou-se em Coimbra, aqui casou, estabeleceu uma oficina formando discípulos, vindo a falecer a 28 de Janeiro de 1580.

Mas não há bela sem senão, e a facilidade com que se tra-balha a pedra mole e branca de Ançã também, a longo pra-zo, traz algumas consequências desagradáveis face à sua deterioração. Ensaios feitos pelo Gabinete Nacional de Enge-nharia Civil concluíram que essas alterações são causadas por via química, por via física e pela acção de organismos Foto _19 (pag. 56)

Escultura em Pedra de Ançã.

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vivos mas, que, sempre e só, se processam em presença da água.

Para obviar este problema, aquando da construção da Igreja Matriz de Ançã, (consta nos seus arquivos) todas as pedras foram impregnadas de leite porque, dizia-se, a ca-seína do leite evitava a presença do salitre. A verdade é que na Igreja não há a mais pequena presença de salitre.

Mas a Pedra de Ançã, apesar de tudo, vai resistindo du-rante muitos e muitos anos. Existe no Museu Machado de Castro, em Coimbra, uma lápide em Pedra de Ançã com mais de 1500 anos que foi feita em homenagem ao Impera-dor Romano Constâncio, pai do Imperador Constantino Magno, e que documenta o facto de Coimbra ser a antiga Aemínium. Diz o seguinte:

AT AVCMENTUMREIPVBLICAE NATO DILECTOQUE PRINCIPI DOMINO NÔSTRUM FLAVIOVALERIO CONSTANCIO PIO FELICI INVICTO AVGUSTO PONTIFICI MAXIMOTRIBUNITIA POTESTARE PATRI PATRIE PROCONSOL CIVITAS AEMINIENSIS

Segundo José Pinto Loureiro, em “Coimbra no Passado”, quer isto dizer:

“A nosso Senhor Flávio Valério Constâncio, Pio, Feliz invicto, Augusto, Pontífice Máximo, com o Poder Tri-bunício, Pai da Pátria, Proconsul - nascido para o en-

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A PEDRA DE ANÇÃ

grandecimento da República e Príncipe querido - a Cidade de Aemínium dedica este Monumento”.

Uma outra vertente da Pedra de Ançã, hoje completa-mente desaparecida, foi a sua cozedura em fornos prepara-dos para o efeito onde, ao fim de alguns dias, se obtinha a cal branca viva que depois servia para a caiação das casas e para a construção civil. Uma outra forma de aproveitamento da pedra era a construção de pias para azeite onde, ainda hoje, se armazena este tão precioso líquido.Não resistimos à transcrição de um poema de Paulino Mota Tavares sobre a Pedra de Ançã:

Pedra de Ançãcalcário exactogrito e arteque na manhã gótica do mundose inscreve e se resolve

História e sangueImagem, arco e geometriaaudáciapoesia e espaço que o canto exultante preenche e santifica

Pedra branca que tudo eleva e glorifica sinal de contradiçãopoder do podertrono, pelourinho

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solidão agressiva de paláciomorte, vaidade, cinzaepitáfio da crueldade ou do amor testamento de Pedra e Inês em Alcobaça.

Pedra antigaúltima lembrança que não passaa da genteque te embala no berço da terrae que te acorda para a vidae o rigor do cinzelpedra de alvarsoleira, avental, lintelvem ser de novoo rasto inteira sem mágoa,sem idade,filha da Água, filha do povo

Pedra de Ançãúltimo grito de triunfo e liberdade.

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OS MOINHOS

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OS MOINHOS

Para complemento da grande riqueza agrícola que o mi-lho representou, desde sempre, em Ançã, era necessário que a sua transformação se fizesse também no seu seio. Assim, aproveitando uma outra não menor riqueza que é a água em grande abundância, a população construiu moinhos em que a energia para a sua laboração era a própria água.

Logo a escassos metros da grande nascente foram cons-truídos os primeiros moinhos. São talvez os mais antigos e a sua primeira citação remonta ao ano de 937.5

Neste documento, Eldara doa a Gundemiro Iben Dautri “...molino proprio que habemos in villa que cocitant anza-na...” Alguns anos mais tarde, em 966, o Rei D. Sancho con-cede, entre outras coisas, ao prior do Mosteiro do Lorvão “...ilo molino Qui est in villa nostra anzana...”.

Também os moinhos foram objecto dos inquiridores de D. Manuel. Os moinhos junto à fonte, uns da Coroa, outros do Mosteiro do Lorvão, eram obrigados a pagar à Coroa 360 réis por ano. O moinho do Rol, que era pertença do Mosteiro de Santa Cruz, pagava à Coroa um tributo de dois moios de trigo “... por tomarem agoa da terra dei Rey...”.6

Contudo, vários outros se construíram ao longo do curso da Vala de Ançã e assim, dizia Padre Cardoso, que “em me-nos de um quarto de légua eram movidas vinte pedras de moinho” o que equivale a dizer que isto se verificava entre a nascente e a Quinta do Rol.

5 Portugaliae Monumenta Historia6 Foral Manuelino

Foto _20 (pag. 62)Moagem do milho.

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Mas dois tipos de moinhos existiram ao longo do curso: Os moinhos de rodízio e os de azenha. Ainda hoje toda a produção de milho de Ançã e, bem assim, das terras vizi-nhas, é transformada em farinha, muito procurada para a cozedura da Broa a que me referirei mais adiante.

São dois os moinhos que ainda estão em laboração per-manente, noite e dia, num total de 5 pedras, moendo o grão que vai caindo devagarinho no orifício que se encontra no centro da pedra superior.

Foi o rodopiar dos moinhos por acção da água que moti-vou os poetas a dedicarem-lhes uma música muito viva, a que deram o nome de “Rodízio”, dançada sempre de roda, tal como os rodízios dos moinhos se movem em torno do seu eixo.

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O ARTESANATO

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O ARTESANATO

Algumas das actividades dos ançanenses de outros tem-pos tinham por fim dois objectivos: a primeiro, uma forma de subsistência e o segundo, criar os instrumentos adequa-dos para fazer face às necessidades do dia a dia. Assim se desenvolveram algumas artes, tais como a de ferreiro que fazia as ferramentas que os agricultores necessitavam, tanto para uso próprio (casos de enxadas, machados, ponteiros etc.), como para uso nos animais e neste caso estão as ferra-duras para os cavalos, burros etc. e os canelas para os bois que depois, por sua vez, apoiavam uma outra profissão que era a de ferrador.

O cesteiro fazia os cestos de vários feitios e tamanhos, cada qual para o seu fim, sendo os ceirões para os burros transportarem as uvas ou o estrume para as propriedades, mas tudo feito em vime ou verga.

O tanoeiro que, desde a construção do vasilhame para o transporte das uvas - as dornas; aos balseiros para fermen-tação das mesmas, às pipas e tonéis para armazenamento do vinho, dos canecas para transporte da água da fonte para casa, aos baldes com que se deitava comida aos porcos ou tirava água dos poços “à cegonha” ou picota para regar as hortas, tudo era feito pelos artesãos. Hoje, ainda temos al-guns artífices a trabalhar neste tipos de artesanato.

O Manuel Tanoeiro, como é mais conhecido, é o único sobrevivente da arte da tanoaria. Tem levado, de norte a sul do país, a sua arte em feiras de artesanato onde tem partici-pado.

Foto _21 (pagina 66)Tanoeiro em actividade.

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O ARTESANATO

O latoeiro que fazia os cântaros de folha para transporte de água ou vinho ou mesmo mosto, os funis, as bacias de adega ou para fazer a panela em casa, os S. Tomés (medida com capacidade de cerca de dois litros que servia para vazar os mostos nas adegas) e as candeias de azeite para alumiar dentro de casa, tudo isto foram actividades que se desenvol-veram em Ançã mas que hoje, sem necessidade daqueles ob-jectos, fazem parte do artesanato que constitui o património rico de Ançã.

Tais actividades ainda hoje existem. Ainda hoje é possível ver trabalhar todos estes artesãos ao vivo porque eles exis-tem, muito embora estejam em vias de extinção se as medi-das para a sua protecção não forem tomadas e criados incen-tivos para que outros lhes sucedam.

Mas outras formas de artesanato, poderemos ainda en-contrar em Ançã. Não nos poderemos esquecer que algu-mas indústrias caseiras ainda hoje sobrevivem de forma ar-tesanal. Estou a lembrar-me do fabrico dos Bolos de Ançã que continuam a ser cozidos em fornos aquecidos a lenha. Sobre eles falaremos mais adiante.

A confecção da broa de milho é também uma indústria artesanal que desde sempre teve uma grande importância em Ançã, não só como complemento da alimentação da po-pulação como também para escoar a produção de milho da região.

Entretanto, alguns outros artesãos já deixaram de traba-lhar. Estou a lembrar-me dos canteiros. Ançã teve alguns excelentes canteiros que fizeram obras de grande valor. Uns Foto _22 (pag. 68)

Canteiro da Pedra de Ançã.

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já faleceram e destes lembramos o Ti Chico Vida; outros já deixaram de trabalhar porque a sua idade já não o permite - caso do Sr. José Teixeira que conseguia fazer, numa só pe-dra, uma pipa com todos os pormenores, assente sobre duas vigas que, por sua vez, estavam apoiadas em malhais. Uma verdadeira obra prima! Resta-nos apenas um canteiro a tra-balhar a pedra de Ançã - o Zé Cristo - que, com a ajuda do filho, lá vai fazendo todo o trabalho que lhe é encomendado porque... segundo diz, pedra mole de Ançã, não falta.

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OS BOLOS DE ANÇÃ

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OS BOLOS DE ANÇÃ

É obrigatório referir os Bolos de Ançã, pois tratam-se de uma indústria artesanal florescente que é bem representati-va das gentes desta Vila.

Quem não conhece os Bolos de Ançã? Provavelmente quase toda a gente ao passar por Ançã, ou mesmo em Coim-bra onde são vendidos porta a porta, ou ainda nas praias de Mira ou da Figueira da Foz, durante a época balnear, já adquiriu um ou mais bolos para saborear o seu requintado paladar.

Contudo, são vários os tipos de bolos que se fabricam em Ançã: Os mais conhecidos são os bolos de ovos, redondos, que são vendidos dentro de açafates de vime e que, para fica-rem sempre tenros, são envolvidos num grande plástico azul. Depois, feitos de uma massa mais grosseira, há os Bo-los de Cornos, em forma de um “S” alongado e que têm um paladar activo a canela e limão. São muito saborosos e en-contram-se em três tamanhos. Por último, há os Bolos Fi-nos; são geralmente feitos por encomenda, na época da Pás-

Foto _23 (pag. 72)Bolos de Ançã no forno.

Foto _24Confraria do Bolo de Ançã.

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coa, para dar de folar aos afilhados, e também como oferta nos casamentos. Trata-se, como não podia deixar de ser, de um bolo mais rico. Tem mais ovos (caseiros de preferên-cia) sendo o seu aspecto também diferente: São ovais e a parte superior é dobrada. Trata-se de um excelente embai-xador de Ançã que identifica perfeitamente a sua origem.

De salientar que o Grupo Típico de Ançã, nas suas deslo-cações de Norte a Sul de Portugal, leva sempre consigo al-guns exemplares do Bolo de Ovos que fazem as delícias de quem tem o privilégio de os comer.

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HOMENS ILUSTRES

Jaime Cortesão

Sem dúvida que o homem mais ilustre que nasceu em Ançã foi Jaime Cortesão. Nasceu no dia 29 de Abril de 1884 e faleceu em Lisboa no dia 14 de Agosto de 1960. Era filho do médico, filósofo e Professor da Escola Normal de Coim-bra, António Augusto da Silva Cortesão e de Norberta Cân-dida Zuzarte. Com 6 anos apenas, acompanha a sua família que vai fixar-se em S. João do Campo. Fez o seu Curso dos Liceus em Coimbra e matriculou-se na Universidade, em Grego, tendo concluído o primeiro ano com distinção. Fre-quenta seguidamente Direito, depois de hesitar entre este curso e o de Belas Artes. Mais tarde, abandona-o e matricu-la-se em Medicina. Transfere a sua matrícula para o Porto onde começa a desenvolver actividades literárias e políticas.

Funda em 1907, com Leonardo Coimbra, Cláudio Basto e Álvaro Pinto, a revista de vida efémera “Nova Sylva” onde publica algumas das suas primeiras poesias e desenhos.

Um ano mais tarde é-lhe confiada a importante missão política de ligação entre os republicanos do Norte e do Sul do País. Em 1909 matricula-se na Faculdade de Medicina de Lisboa, curso que termina um ano mais tarde com 18 valo-res, defendendo a tese sobre “Arte e Medicina (Antero de Quental e Sousa Martins)”. Publica então o seu primeiro li-vro de versos: “A Morte da Águia”, escrito em S. João do Campo, onde fixa residência e exerce também medicina.

Em 1912 casa-se com a sua prima Carolina Ferreira Cor-tesão e instala-se no Porto. É nomeado professor de História Foto _25 (pag. 76)

Jaime Cortesão e Augusto Abelaira.

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e Literatura no Liceu Rodrigues de Freitas e destaca-se como o principal impulsionador do movimento RENASCENÇA PORTUGUESA.

Em 1916 estreia-se como autor dramático com a peça “Infante de Sagres”.

Em 1917 oferece-se como voluntário e segue, em Agosto, para França, na qualidade de médico miliciano. É gaseado e cega temporariamente nas linhas da frente ao atender os fe-ridos. O seu comportamento vale-lhe a Cruz de Guerra e Louvor.

Em 1921 é eleito membro da Academia das Ciências e, no ano seguinte, faz parte da missão intelectual que vai ao Brasil com o Presidente António José de Almeida, a quando do Centenário da Independência deste País.

Em 1952 é encarregado da Exposição Histórica de S. Paulo voltando definitivamente a Portugal em 1957 tendo-lhe sido, pouco antes, concedido o título de “Cidadão Benemérito de S. Paulo” em homenagem à maneira brilhante como or-ganizara a Exposição Histórica do IV Centenário desta Ci-dade.

É preso, com 74 anos, no Forte de Caxias juntamente com António Sérgio, Vieira de Almeida e Azevedo Gomes e solto, após vigorosa campanha de indignação e protesto da Im-prensa Brasileira.

Entre 1959/1960, e após uma convalescença demorada, é o início de um período de labor intelectual e literário in-tenso. A sua obra monumental “Os Descobrimentos Portu-

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gueses” é começada nesta altura, tendo falecido precisamen-te quando completava 50 anos de actividade literária.

Foto _26Jaime Cortesão.

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Augusto Abelaira

Augusto Abelaira nasceu em Ançã no ano de 1926. Ainda menino vai com os seus pais para os Açores e aí começou a sua familiaridade com os livros. Seu Pai, José Abelaira Go-mes, lia-lhe então os mais fáceis diálogos de Platão.

De regresso, viveu em Lisboa, Ançã e Porto. Na adoles-cência começa a escrever poesia estreando-se com o poema sobre os Heterónimos de Fernando Pessoa, publicado no “O Primeiro de Janeiro”.

De novo em Lisboa, faz licenciatura em Histórico-Filosó-ficas criando o hábito de estudar nos cafés, fugindo da soli-dão. Ainda hoje só escreve no café.

Com 72 anos de idade é um Homem inteligente, culto e liberal. Mantém escrita no “Jornal das Letras” e é um dos romancistas mais importantes da nossa literatura.

Urbano Tavares Rodrigues “vê” assim o escritor: “... a par-tir de 1959, data da publicação de A Cidade e as Flores, Au-gusto Abelaira é um dos autores que mais interferiu entre nós na renovação da literatura e, de certo modo, através des-ta, na transformação da vida, ou melhor, em algumas das alte-rações das relações sociais e, antes de mais, na relação ho-mem/mulher.

Escritor irónico, contestatário e perguntador, essencial-mente problematizante, questionou desde o seu primeiro li-vro os estatutos do amor e do casamento, insurgindo-se in-quieta e atormentadamente contra os conceitos de posse, fidelidade e perenidade dos sentimentos, tal como num ou-

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Foto _27Augusto Abelaira.

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tro plano se levantava contra as ditaduras e as desigualdades económicas, empreendendo num e noutro domínios um percurso de irrestrita e espinhosa liberdade”. E, mais adian-te: “...dotado de uma singular agilidade e vocação para o di-álogo, Abelaira esquematizou pensamentos fulcrais em “A Palavra é de Oiro” e “O Nariz de Cleópatra”, sátiras bri-lhantes que ainda não conheceram no palco a difusão que merecem.” Termina Urbano Tavares Rodrigues: “...Abelaira diz hoje, como poucos escritores, a crise de um tempo, o da palavra escrita, embora naturalmente desse tempo vá já es-correndo a linfa sagrada de que outro jovem século, outro manancial há-de nascer.”

São muitos os livros já escritos por Abelaira. Já me referi a alguns. No entanto, outros são igualmente importantes de que destacamos “Sem Tecto nem Ruínas”, “Triunfo da Mor-te”, “O Único Animal Que” e “Deste Modo ou Daquele” que foi o último livro, publicado em 1990.

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Sem dúvida que Ançã é, por excelência, a terra das festas. Começando pela Festa em Honra de S. Sebastião, que habi-tualmente se realiza no mês de Janeiro, segue-se a Festa em Honra de S. Bento na Terça-Feira seguinte ao Domingo de Páscoa, logo seguida da Festa de Aniversário dos Irmãos de S. Bento na Segunda-Feira de Pascoela. A Festa do Corpo de Deus, eminentemente religiosa, realiza-se habitualmente em Junho. Neste mesmo mês o Grupo Típico de Ançã cos-tuma festejar o seu Aniversário, por alturas de S. João, efec-tuando um pequeno Festival Folclórico e as tradicionais Marchas Joaninas pelas Ruas de Ançã. Em Julho, tem lugar a maior Festa de Ançã - a Festa de S. Tomé - que se realiza sempre no dia 25. Mas não fica por aqui. Em Agosto, é altura da realização do Grande Festival de Folclore de Grupo Típi-co de Ançã sempre no segundo Domingo daquele mês. Em Setembro, uma outra Festa tem lugar em Honra do Senhor da Fonte.

Não irei descrever todas estas festas de Ançã mas, tão so-mente, tentarei historiar as mais importantes.

Festa de S. Bento

A Festa em Honra de S. Bento possui duas vertentes que importa destacar. A primeira respeita à festa religiosa em si e ao pagamento das promessas pelos devotos. Aqui, importa referir que S. Bento é um Santo muito querido das gentes de Ançã e não só. Sempre que o sofrimento de alguém é uma realidade, é costume pedir-se a S. Bento a graça para a cura Foto _28 (pag. 84)

Imagem de S. Sebastião.

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dos seus males. É assim que, no dia da Festa, muitos devotos vêm pagar as suas promessas umas vezes em dinheiro, ou-tras em valores (ovos, galinhas e, até ouro) e noutras com partes do Corpo Humano em cera que, para o efeito, se ven-de junto à Capela.

A outra vertente diz respeito à Feira mais antiga do Baixo Mondego e das Gândaras (só precedida pela de Pereira em 1664) e que era realizada precisamente no dia da Festa em Honra de S. Bento, face ao grande número de visitantes que vinham até Ançã.

A Feira de Ançã tem Alvará Régio passado em 29 de Julho de 1671 por D. Afonso VI de acordo com a petição formulada pelo Juiz, Vereadores e Procurador do Concelho da Vila.

É do seguinte teor o Alvará Régio que cria a Feira de Ançã:

“Eu Príncipe, etc., faço saber aos que este alvará uirem que o juis e uereadores e Procurador do Conselho da Vila de ançam me enuiaram dizer per sua petiçam que na dita vila ha hua hermida do Patriarcha S. Bento onde concorre muita gente a segunda oitaua da Pas-choa dia em que se fas a festa ao mesmo santo e para maior solenidade dela, me pedião lhe concedesse pu-dessem faser hua feira e uisto o que alegão e constou para informaçam que se ouva pelo Prouedor da Comar-ca da Cidade de Coimbra e seo parecer hei por bem e me pras de lhe dar licença por que na dita vila no sítio da dita hermida se faça todos osannos hua feira de todo o género de mercadorias na segunda e terça oi-taua de Paschoa de flores e mando ao dito Prouedor da Comarca e mais justiças officiais e pesoas a quem o conhecimento disto pertencer lhe cumprão e guar-dem este aluara como nele se conthem e ualera posto

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seo efeito haia de durar mais de hu anno sem embargo da ordenação Livro 2° título 4° em contrario e pagarão o nouo direito devendoo na forma das minhas ordens. Antº Marques a fes em Lisboa a uinte e nove de Julho de seis centos e setenta e hu António Rodrigues de Figueiredo a fes escrever.”

Festa de S. Tomé

É, sem dúvida, a maior Festa de Ançã e arredores. Sempre realizada no dia 25 de Julho de cada ano, a Festa começa verdadeiramente na véspera quando o Juiz da Festa vai bus-car as Bandeiras (da Festa e do Anjo) a casa dos seus fiéis depositários - a família Veloso Cortesão - como manda a tradição.

É assim que, pela tardinha do dia 24, acompanhado da Filarmónica local o Juiz e os, seus convidados se deslo-

Foto _29Capela de S. Bento.

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cam para “levantarem” as Bandeiras. É oferecido um bebe-rete a todos os que participam na cerimónia e ao som da Banda e do repenicar dos sinos, em uníssono com o estra-lejar dos primeiros foguetes, forma-se o cortejo até à casa do Juiz onde este oferece a todos quantos assistem à chegada das Bandeiras, uma piqueta, composta de pêras, bolachas, vinho tinto e branco e jeropiga, para as senhoras. As Bandei-ras são expostas numa janela da sua casa, engalanada para o efeito, e alumiada com candeias de azeite. Aí ficam duran-te toda a noite até ao dia seguinte.

No dia da Festa, logo pela manhã, a Banda vai a casa do Juiz onde se forma um cortejo de cavalhadas não sem antes ter sido oferecido a piqueta aos presentes para se formar o cortejo que levará as Bandeiras até à Capela onde se realiza-rá a Festa. O Juiz da Festa e o Anjo (normalmente de pro-messa), montados em cavalos cobertos por uma côta de ma-lha, abrem o cortejo logo seguidos da Banda e de muitos outros cavaleiros. Depois de percorrer as principais Ruas da Vila, dirige-se para a Capela onde dá as três tradicionais vol-tas quedando-se, frente à Capela, onde será feita a Benção do Gado pelo Pároco da Freguesia.

Terminada a cerimónia, o Juiz da Festa entregará a Ban-deira da Festa ao Prior que a depositará junto ao Altar da Capela onde permanecerá até ao fim da tarde à espera que um novo Juiz apareça e, ao pegar na Bandeira, assuma o compromisso de fazer a Festa no ano seguinte. Entretanto, bastará prender um simples lenço ao pau da Bandeira para que se respeite o compromisso e mais ninguém lhe pegue.

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À tarde, organizam-se então as cavalhadas que partirão da casa do Juiz, percorrendo as principais ruas da Vila, diri-gindo-se para a Capela. Nelas se integrarão não só os cava-leiros mas também alguns carros alegóricos decorados com motivos vários mas quase sempre relacionados com a vida dos Ançanenses e muitas vezes com críticas à vida local, numa irreverência salutar. Chegado à Capela, o cortejo dá as três voltas de tradição, parando o Juiz frente a ela, à espe-ra que o novo Juiz apareça com a Bandeira. Se tal não acon-tecer dará mais três voltas repetindo-se tantas vezes até que

Foto _30 (pag. 88)Imagem figurativa das cavalhadas de S. Tomé.

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um novo Juiz pegue na Bandeira que lhe será entregue pelo Prior. Então, o Velho Juiz desmonta do seu cavalo e, para este, monta o Juiz novo. Dão-se vivas aos dois Juizes após o que darão mais três voltas à Capela e rumarão para casa do novo Juiz. Aí chegados, será servida uma piqueta em tudo semelhante às outras e expostas de imediato as Bandeiras numa janela.

No dia seguinte, à tardinha, acompanhados mais uma vez pela Filarmónica local, rumarão, apeados, até à casa dos “fi-éis depositários” das Bandeiras onde as entregarão para que fiquem guardadas até ao ano seguinte.

Claro que estes festejos duram sempre quatro, cinco e, por vezes, seis dias com noitadas no Terreiro do Paço até às tantas da madrugada. Por que se trata de uma Festa que re-quer muito trabalho e despesa, nos últimos anos tem sido assim as Associações de Ançã alternadamente são encarre-gadas pelo Juiz de organizar todo o programa lúdico, reme-tendo para o Juiz da Festa apenas a parte religiosa, com par-ticipando este nalgumas despesas complementares. Esta é uma maneira de também conseguir alguns fundos para a vida das Associações.

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Festa do Galo

No Domingo Gordo as crianças da escola faziam a sua “Festa do Galo”. Consistia a festa num cortejo que desfilava pelas ruas de Ançã, normalmente depois do almoço em que as crianças iam vestidas com trajes regionais. Abria o corte-jo o aluno mais pequeno que puxava um carro que transpor-tava um galo que tinha sido comprado por subscrição dos alunos.

Seguiam-se as raparigas. Ia à frente uma que levava à ca-beça uma cesta de verga muito bem ornamentada. A cesta formava uma espécie de gaiola onde era metido o galo que as alunas tinham comprado, também por subscrição entre elas. Cada um dos grupos fazia questão de mostrar o maior e mais belo galo. Destinatários já tinham: Os Professores.

Em tempos mais remotos os cortejos eram separados e faziam mesmo questão de não se encontrarem. Porém, nos últimos tempos em que se realizou a Festa o cortejo era já em conjunto.

Durante o percurso havia recitais feitos pelas crianças, de que são exemplo os seguintes versos:

Não haverá quem console Nesta tão triste sorteEsta noite se escreveuA minha sentença de morte

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Já que estou em meu juízoTestamento quero fazer Para os meus bens deixarA quem melhor me parecer

Deixo a voz da garganta Aos galos meus companheiros Para que cantem de noite Em cima dos seus poleirosDeixo as penas do pescoço De várias cores pintadas Às meninas desta terra Para andarem enfeitadas

Deixo as unhas dos pés Para as mulheres viúvasSe arranharem de noite Quando morderem as pulgas

Em nome da benta hora Acudam todos e venham ver O que fez um pobre galo Pouco antes de morrer

Em tudo quanto vos disse Tomai sentido e atento Que eu princípio agora A fazer meu testamento

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FESTAS E ROMARIAS

Deixo mais a minha crista Vermelhinha e tão bela Ao gato mais lambaruso Que pode ficar com ela

Deixo as penas e o rabo Por serem as mais brilhantes Para as meninas solteiras Darem aos seus amantesO bico que me ia esquecendo Deixo ao galo mais fraco Para que quando armar bulhas Fazer mais um buracoO fígado e a moelaÉ minha vontade inteira Que os coma logo assados Quem for minha cozinheira

Deixo o miolo das tripas E toda a demais demasia À mulher mais rabugenta Que houver na freguesia

o papo que toda a vida Me serviu de celeiro Deixo-o ao homem honrado Para a bolsa do dinheiro

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Dos mais galos que morram Peço a todos em geral Que não façam testamento Que este por todos vale7

Quando o cortejo chegava a casa dos Professores os galos eram-lhes entregues e os Professores ofereciam às crianças figos passados e jeropiga.

7 Alguns dos versos cedidos por José Malva Relva

Foto _31Ilustração de um galo.

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AS ASSOCIAÇÕES

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Filarmónica

A Associação mais antiga de Ançã foi fundada por escritura de 24 de Setembro de 1879.Trata-se da Phylarmónica Ançanense que, até aos nossos dias, tem pautado a sua actividade com muito bri-lhantismo.

É do seguinte teor a escritura da referida Associação:

“Saibam quantos este público instrumento de escripturé de Sociedade virem que sendo o Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos setenta e nove, ao: vinte e quatro dias do mês de Setembro, do dito anno neste Vila de Ançã, e em moradas do illustríssimo Francisco António das Neves Velloso, aqui estavam presen-tes os sócios benfeitore os illustrissimos José de Gouveia de Lucena Beltrão, solteiro, da Quinta da Loureira, Manuel José Corrêa Martha, casado, Francisco António das Neves Velloso, casado, José Fernandes Camazão, casado, os sócios múzicos: António Maria Lopes...” e, no seu Cap. I: “Da So-ciedade - Artigo primeiro - A Sociedade denomina-se Phi-larmónica Ançanense - O seu fim é o recreio, instrução e mutuo auxílio dos associados...”. Custou esta escritura a módica quantia de 5$130! 8

8 Cinco mil cento e trinta réis

Foto _32 (pag. 96)Festival de Folclore.

Foto _33Logotipo da Phylarmónica Ançanense.

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De então para cá, a Filarmónica tem desenvolvido um tra-balho meritório destacando-se nos últimos tempos a criação de uma escola de música onde muitos jovens, de ambos os sexos, aprendem esta arte passando a integrar os quadros da Filarmónica, que apresenta cerca de 50 elementos.

É justo referir alguns músicos já desaparecidos do reino dos vivos que deram o seu contributo no ensino e na regên-cia da Filarmónica. Em primeiro lugar Artur Salguinho, pa-raplégico, que passou os últimos anos da sua vida a ensinar música e a compor músicas e canções de cariz popular, que se destinavam aos vários “ranchos” que todos os anos se for-mavam para dançar em pavilhões, ou para as Marchas dos Santos Populares que, na sua quadra, percorriam as ruas de Ançã.

Depois, o Ti Guilherme que, enquanto pode, foi o Mestre da Banda mostrando sempre boa vontade e espírito de sacri-fício. Actualmente, a Phylarmónica Ançanense respira saú-de com excelentes executantes que são um garante de um futuro próspero.

Um pouco da História desta Banda passa também por se saber como se iniciou a sua actividade e um pouco do seu percurso. Assim sendo, poderemos começar pela compra dos primeiros instrumentos. Foram comprados no Porto, na casa Custódio Cardoso Pereira, no dia 11 de Janeiro de 1880. Compraram-se, nessa altura, 29 instrumentos que custaram a módica quantia de 350$400. Contudo, acrescen-tando alguns acessórios como bandoleiras, estantes, palhe-tas, etc., gastouse a pequena “fortuna” de 336$295, tendo em

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AS ASSOCIAÇÕES

consideração que obtiveram um desconto de 10%, o que equivaleu a 36$595.

O primeiro Regente da Banda foi o Mestre Zacharias, que ganhava mensalmente 13$500, tendo passado a ganhar 15$000 em 1880.

A primeira actuação foi na Festa de Sª. Marinha em Julho de 1880, onde a Banda foi ganhar 13$000, seguida da Festa de S. Tomé, no mesmo ano, onde ganhou 18$000.

Contudo, a Filarmónica não começou a sua actividade com fardamentos. Os tecidos para os fardamentos foram comprados em Coimbra, na Loja de Fazendas Brancas e Mo-das, de António Maria Cardoso, sita na Rua da Calçada 42-44, no dia 23 de Agosto de 1882 e, segundo tudo indica, te-riam as cores de verde e azul. Tudo leva a crer que o alfaiate obreiro do primeiro fardamento terá sido o Sr. António Si-mões que recebeu, pela sua confecção, a quantia de 45$590,

Foto _34Primeira foto da Phylarmónica Ançanense.

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no dia 5 de Outubro de 1882. Os bonés, com “liras finas”, foram comprados em Lisboa no dia 12 de Novembro de 1882, na loja de Francisco António Jorge Bello, na Praça de D. Pe-dro, 103. Compraram-se 28 “Quépis” importando, cada um, em 1$600. Foram trazidos para Ançã de Americano, que co-brou pelo “carreto” $050.

Um outro dado importante é saber-se que foram manda-das fazer 26 fardas tendo, cada uma, importado em 6$725, importância essa que foi suportada pelos componentes.

Outros Mestres teve a Banda. Depois do Mestre Zacha-rias, foi a vez do Mestre Nobre tomar conta da Banda em 1883, recebendo um vencimento fixo de 13$500 tendo direito a mais 10% sobre os cachets. No entanto, pouco tem-po se manteve no cargo que, no mesmo ano, foi ocupado pelo Mestre Abel, nas mesmas condições do antecessor.

Esta é um pouco da história, mais recuada, da Sociedade Filarmónica Ançanense que foi considerada instituição de Utilidade Pública por despacho do Senhor Primeiro Mi-nistro de 26 de Fevereiro de 1998 e publicado no Diário da República de 18 de Março de 1998.

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AS ASSOCIAÇÕES

Grupo Típico de Ançã

O Grupo Típico de Ançã foi fundado em 28 de Maio de 1978, com o firme propósito de reviver e preservar os cos-tumes, tradições, danças e cantares da histórica Vila de Ançã. É membro da Federação do Folclore Português desde 1984 e tem procurado que as suas danças sejam, tanto quan-to possível, fiéis da vida das gentes de Ançã dos finais do Século passado e princípios do presente.

Foto _35Entrada do Grupo Típico de Ançã em Festival.

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O Grupo Típico de Ançã é constituído por 50 elementos divididos em três actividades: 35 dançarinós, 5 cantores e 10 musicos.

Várias foram as recolhas feitas pelo Típico de Ançã. As-sim, é de destacar a “penhora da azeitona”, a “escamisada”, o “trabalho do arroz” e ainda alguns costumes antigos como o “ir buscar a sesta” e o “Serrar da Velha”. Algumas recons-tituições de festas de cariz popular foram repostas na sua gênese primitiva, de que poderemos destacar a “Festa de S. Tomé”, que se encontrava totalmente desvirtuada, o “Cantar dos Reis”, o “Amentar das Almas” e ainda as “Mar-chas Joaninas” que se tinham perdido no tempo.

O Património do Grupo Típico de Ançã é constituído pelo Museu Etnográfico, instalado numa casa setecentista que foi adquirida pelo Grupo e depois reconstruída com o apoio de alguns subsídios e de muitos Ançanenses que quiseram, com a sua ajuda económica ou de trabalho, colo-cá-la de pé. Encontrase recheado de todo um património recolhido e preservado, para ser mostrado aos muitos visi-tantes que o procuram.

No 1.º andar foi reconstruída a casa típica de Ançã do Sec. XVIII e o rés do chão foi aproveitado para expõr todo o espó-lio do Grupo Típico oferecido nas suas muitas deslocaçães, tanto no País, como no estrangeiro. Poderão ver-se ainda alguns trajes e outros objectos pessoais, assim como alfaias agrícolas usadas há muitos anos atrás.

A sobrevivência do Grupo Típico deve-se à carolice de todos os seus elementos, que nada recebem e ainda com-

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AS ASSOCIAÇÕES

pram os trajes, ao muito trabalho que desenvolve, à realiza-ção de dois festivais anuais com fins lucrativos e ainda aos subsídios que, tanto a Câmara Municipal de Cantanhede, como a Junta de Freguesia de Ançã, lhes concedem anual-mente.

Nas danças predominam as modas de roda, viras e verde gaio que, normalmente, eram cantados nas Romarias de S. Tomé e de S. Bento, nos soalheiros no Largo da Igreja ou ainda no Largo da Histórica Fonte. Igualmente foram reco-lhidos cantares de trabalho: Nas vindimas, nas escamisadas, na ceifa do arroz, nas cavas da vinha, etc., de que se podem destacar: “Bate o Chinelo”, “Vassourinha”, “O Garoto do Boné”, “Se fores ao S. João’, “Ciranda” e, de Romaria: O “Es-talado”.

A predominância das músicas e danças que interpreta, abrangem toda a zona envolvente de Ançã com forte inci-dência no Baixo Mondego.

Foto _36Grupo Típico de Ançã.

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O Grupo Típico de Ançâ apresenta instrumentos tradi-cionais, de que poderemos destacar os instrumentos de cor-da, como cavaquinhos, toeira, braguesa e viola, secundados por concertina, bombo e ferrinhos.

Os trajes apresentados pelo Grupo Típico de Ançã são constituídos pelos trajes de Noivos, Lavradeira Rica, Meios Senhores, Romeiros de S. Tomé, Romeiros do Senhor da Ser-ra, Negociante de Gado, Ver a Deus, Domingueiros, Almo-creve, Vindimadores, Moleiros, Trabalho do Campo e da Eira, Trabalho do Arroz, Feirantes e Ir à Fonte ao Domingo.

Ançã Futebol Clube

O representante do Desporto-Rei em Ançã é o Ançã Fu-tebol Clube. Fundado em 1 de Maio de 1941, com o nome de Sporting Clube Ançanense, viu o seu campo de futebol inau-

Foto _37Equipa da época 2008/2009

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gurado no dia 4 de Maio de 1941, o mesmo que ainda hoje possui, o Campo de S. Sebastião.

Mais tarde mudou o nome para Ançã Futebol Clube de-signação que ainda hoje mantém, muito embora, na gíria futebolística, seja conhecido pelo “Ferry-Aço”, nome granje-ado pela sua forte vontade de vencer e pela tenacidade que sempre colocou quando joga.

Inicialmente, disputou alguns torneios com outras equi-pas das redondezas, até que se federou nos anos 60, come-çando a disputar os campeonatos distritais tendo mesmo permanecido na 3ª Divisão Nacional durante quatro anos.

Presentemente, disputa a Divisão de Honra da Associa-ção de Futebol de Coimbra e dispõe de um plantel constitu-ído basicamente por jovens de Ançã, que nada ganham, mas que suam a camisola que vestem, obtendo resultados que lhes permite não sofrer sobressaltos na tabela classificativa.

Avança

A Associação para o Desenvolvimento e Promoção da qualidade de Vida do Meio Rural de Ançã, fundada a 14 de Janeiro de 1998 com sede em Ançã tem actualmente cerca de 120 associados, e que como o próprio nome indica, pre-tende através de vários vectores contribuir para o desenvol-vimento e promoção da Vila de Ançã.

Para cumprir os desígnios a que se propôs, esta associa-ção tem levado a cabo várias actividades de entre as quais destacamos a Feira do Bolo de Ançã, que já vai na sua nona

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edição, os cursos extra-escolares para adultos, a manuten-ção de uma Reserva de Asininos, que visa proteger mais este guardião das nossas ricas tradições, e naturalmente a prova de BTT.

Um dos vectores em que pretendemos continuar a apos-tar é o desporto e em particular o ciclismo, quer na sua ver-tente de estrada quer no BTT.

Tem sido nesta perspectiva que ao longo de toda a sua existência a AVANÇA, os seus órgãos sociais, os seus sócios e amigos, tem trabalhado e continuarão a trabalhar com es-pírito empreendedor e altruísta em todas as suas áreas de influência tentando sempre oferecer o melhor possível aos seus associados e restante população, ajudando assim ao de-senvolvimento da Vila de Ançã.

Foto _38Equipa BTT da época 2008/2009

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O Casamento

Quando dois jovens pretendiam namorar, começavam por se encontrar normalmente a caminho da Fonte, nalgum bailarico ou mesmo no trabalho de campo que faziam jun-tos. “Conversavam” então sim, a caminho da Fonte, geral-mente ao fim da tarde. Ela, de caneco ou cântaro à cabeça e ele, de mãos nos bolsos, trocavam as primeiras palavras de amor mantendo uma certa distância (por vezes mais de dois metros) que, à medida que o tempo decorria e o namoro se radicava, ia encurtando sem, contudo, se aproximarem de-masiado para que as pessoas não julgassem mal a seu respei-to. Só decorridos muitos meses, e às vezes anos, é que se aproximava o rapaz da casa da sua “conversada”, para namo-rarem à porta. Muito próximo do casamento, então sim, o rapaz tinha autorização para ir a casa da noiva e aí namorar, mas sempre sob os olhares “protectores” da mãe da noiva.

Dias antes da data do casamento, começava a azáfama de fazer o arroz doce e os bolos (de cornos e finos pois cada um tinha o seu destino). Aos Padrinhos era dado, a cada um, um bolo fino, uma travessa de arroz doce e uma galinha assada com o respectivo arroz assado no forno. Aos demais convi-dados era dado a cada um, mesmo que fossem vários da mesma casa, um prato de arroz doce e um bolo de cornos. Ao Padre que iria celebrar o casamento era dado um bolo fino, uma travessa de arroz doce e uma galinha caseira assada.

Foto _39 (pag. 108)Namoro na Fonte.

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Chegado o dia do casamento, e depois da cerimónia reli-giosa onde iam todos os convidados, à saída da Igreja os noi-vos eram “bombardeados” com pétalas de flores e trigo sem joio - que simbolizava a pureza da noiva.

Chegados a casa da noiva onde habitualmente se realizava a Boda, procedia-se ao arremesso das amêndoas através de uma ou mais janelas. Começava então a noiva a desempe-nhar essa tarefa que terminava nos Pais e Padrinhos. Todos eles se muniam de sacadas de muitos quilos de amêndoas de açúcar que faziam o regalo das muitas dezenas de pessoas, jovens e adultos, que se acotovelavam e gritavam “p’ráqui, p’ráqui!” a fim de apanharem a maior quantidade possível no chão ou no ar, pouco importava, para levar para casa. Para as crianças, então, constituía uma festa o facto de poderem apanhar uma “bolsada“ de amêndoas porque quem mais apanhava seria o campeão. Por outro lado, também se ava-liava a riqueza de um casamento pela quantidade de amên-doas que se deitava constituindo, tal facto, por vezes, um autêntico campeonato entre famílias.

Servia-se depois o almoço que normalmente era consti-tuído por uma canja de galinha caseira, e mais sete, oito ou nove pratos, na sua quase totalidade de carne, reservando-se para o prato de peixe uns filetes de pescada com arroz. Co-zido à Portuguesa, Chanfana, terminando no leitão, tudo muito bem regado com vinho tinto, do bom, eram alguns dos pratos característicos da Boda que terminava com a so-bremesa de arroz doce, Bolo de Ançã e fruta da época.

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TRADIÇÕES

À noite, voltavam os noivos, familiares e convidados a reunirem-se no mesmo local, para mais uma refeição já não tão completa como a do almoço mas, mesmo assim, com-posta pela sopa e mais dois ou três pratos. Findo o jantar, cada um dos noivos ia para casa dos seus Pais para se encon-trarem, de novo e só, à hora do almoço com os convidados e demais família para nova refeição composta de sopa e mais dois ou três pratos de carne. Terminado o almoço então os noivos juntavam-se pela primeira vez para viverem a sua vida a dois.

Curioso é verificar que, mesmo naqueles mais ousados e que se sabia terem tido já os seus devaneios, todo o ritual do casamento era cumprido à risca.

A dEscamisada

Ançã, terra agrícola por excelência, desde sempre teve no cultivo do milho uma das suas principais actividades, em paralelo com a do cultivo do arroz. Qualquer destes cereais era objecto do trabalho da eira. No entanto o milho, pela sua especificidade, requeria outros trabalhos onde a mão de obra feminina estava presente em maior número. Referimo-nos, como não podia deixar de ser, às escamisadas que se faziam nas eiras e que consistiam na retirada da “camisa” às espigas. Juntavam-se grandes ranchos de raparigas e rapazes, à noite ao serão e, ao som de uma viola ou de uma “gaita de beiços”, cantavam ao desafio umas vezes, ou em conjunto, outras. Quando aparecia uma espiga de grãos vermelhos, quem a

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achava, se fosse rapariga, tinha que dar um beijo a todos os rapazes sendo, o inverso, também verdade.

As Malhadas

Depois da escamisada as espigas eram espalhadas na eira, ao sol, para secarem. Quando isto acontecia, procedia-se, então, à malhada. Chamava-se malhada ao acta de bater com o malho (objecto de madeira muito rudimentar com-posto de um cabo com cerca de dois metros a que se dava o nome de mangual que, por sua vez, articulava por meio de uma correia ou duas entrelaçadas num outro pau, mais pe-queno e mais grosso a que se chamava o piltro e que, esse sim, batia fortemente nas espigas para delas se separarem os grãos) em tarefa que habitualmente era praticada por ho-mens.

Foto _40Descamisada do milho.

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TRADIÇÕES

Um parêntesis apenas para referir que, no caso do arroz, a malhada era feita com a planta do arroz inteira tal qual era trazida do campo. Havia que ter aqui um certo cuidado que consistia em colocar as espigas, todas viradas para o meio para se poder concentrar a batida dos malhos.

Para se proceder às malhadas eram necessários sempre quatro, cinco ou seis homens (por vezes até mais!) que, mu-nidos do seu malho e colocados frente a frente, batiam alter-nadamente de um e do outro lado sobre as espigas. Todo este ritual era acompanhado de palavras ritmadas, para que as pancadas fossem devidamente compassadas e não houvesse atropelos.

Quer as espigas de milho quer a palha do arroz eram, de vez em quando, mexidas para que ficassem ao de cimo as espigas que ainda tinham grão e se prosseguisse a actividade com a maior eficácia.

Finda a malhada, retirava-se a palha, no caso do arroz e os “carolos” no caso do milho, ficando a nu os grãos do cereal que permaneciam espalhados na eira durante mais alguns dias, para secar convenientemente. Depois de devidamente secos, eram limpos com o auxílio de uma “tarara” que, fa-zendo vento por acção de umas pás que rodavam accionadas por uma manivela, retirava as sujidades mais leves do cereal, limpando-o para depois ser armazenado.

Para o arroz, o trabalho não acabava aqui. Havia ainda uma outra tarefa que era normalmente efectuada em edifí-cios próprios. Referimo-nos ao descasque do arroz. O cereal ensacado era transportado em carros de bois para o descas-

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que e, então aí, com mós especialmente preparadas para o efeito, procedia-se à retirada da casca do grão ficando, então sim, pronto para ser cozinhado nas nossas casas.

A Penhora da Azeitona

Ançã foi, noutros tempos, rica em azeitona bastando para o confirmar o facto de ter a laborar, simultaneamente, qua-tro lagares de azeite.

A apanha da azeitona efectua-se normalmente no Inver-no, muitas vezes com o chão coberto de geada o que dificul-ta consideravelmente a tarefa. Contudo, sempre o povo foi alegre e enquanto os homens varejavam a azeitona em cima das oliveiras, com o auxílio de varas, as mulheres apanha-vam as “cabras” (azeitonas que iam cair fora dos panais de linhagem que eram colocados debaixo das oliveiras) e tinham

Foto _41Malho, utensilio usado para a descasca dos cereais.

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TRADIÇÕES

sempre algumas cantigas ou uma desgarrada para cantar. Algumas cantigas eram mesmo só cantadas em determina-dos momentos, como é o caso da “vassourinha” que só era cantada quando o trabalho acabava.

Entretanto, se durante o trabalho passava um caçador, o carteiro ou outra pessoa por perto, fazia-se a penhora dessas pessoas. Para isso, ia normalmente a rapariga mais jeitosa e mais descarada, munida de um ramo de oliveira com azeito-ná, e, dirigir-se ao passante, dizendo-lhe algumas quadras de que são exemplo:

Aqui vai esta penhora Com toda a consideração Mas não se adiante muito Pode prender o coração

ou ainda:

Aqui vai esta penhoraQue da minha mão se oferece Ela não é como eu quero Porque o senhor mais merece

ou outra ainda:

Aqui vai esta penhora É muito à minha maneira É modesta como euFoi o que deu a oliveira

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Foto _42Ramo que poderia ser usado na penhora.

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TRADIÇÕES

O penhorado agradecia, muitas vezes em verso e dava al-gum dinheiro com o qual, no final da safra, os trabalhadores compravam um presente ao patrão. Alguns exemplos de res-postas dadas pelos penhorados:

Eu aceito esta penhora Que tem graça de sobejo Um abraço não é nada Para o meu grande desejo

ou ainda:

Eu aceito esta penhoraE com o maior prazerUm coração que está preso Já não se pode prender

Quando acabava a colheita da azeitona, os homens fala-vam a músicos e formava-se então um cortejo que ia até à casa do patrão. Era aberto pela rapariga mais engraçada, com traje de arraial que iria penhorar o patrão. A chegada do cortejo era assinalado com o lançamento de alguns foguetes sendo então penhorado o patrão e oferecido o presente que os trabalhadores lhe compraram com o dinheiro das penho-ras e que consistia de café, açúcar e chá, embrulhados em cartuchos de papel, cónicos, que se dispunham numa ban-deja, forrada com uma toalha de renda enfeitada com rami-nhos de oliveira e biscoitos de argolas, amêndoas e azeitonas a granel. A oferta era feita em verso ao que o patrão respon-dia também em verso. Depois de abraçar a ofertante e as

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acompanhantes, convidava todo o rancho a entrar para a sua casa onde era servido um jantar composto de sopa de “cozi-nha” e batatas com bacalhau. À mesa apenas se sentavam os trabalhadores, sendo então a vez dos patrões (marido e espo-sa) servirem os seus súbditos. Escusado será dizer que todo o repasto era acompanhado com vinho tinto e branco, servi-do em picheiras de barro. No final, havia baile que era aber-to pelo patrão que dançava com uma das raparigas do ran-cho de trabalhadoras. O baile prolongava-se até altas horas e os foguetes estralejavam no ar como manifestação de alegria e do dever cumprido na colheita da azeitona.

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JOGOS TRADICIONAIS

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JOGOS TRADICIONAIS

Especialmente os “miúdos” da Escola dedicavam-se, nos tempos livres, a fazer alguns jogos sendo alguns mais prati-cados pelas raparigas e outros, porque requeriam mais força, pelos rapazes.

Jogo do Pião

O pião, era um brinquedo feito de madeira muito dura (os melhores eram os feitos em buxo), que se jogava com o auxí-lio de uma baraça. Esta, era muitas vezes feita pelos próprios rapazes onde, com o auxílio de um carro de linhas onde se pregavam 4 preguinhos em volta de um dos buracos, se tecia um fio de linha relativamente grossa que saía pelo orifício contrário do carrinho. Era rematado depois de ter o compri-mento que se considerava necessário.

Esta baraça, enrolava-se em volta do pião, a partir do bico e até ao bojo mais largo. Depois, segurava-se na mão com o bico voltado para cima e arremessava-se ao chão com força, fazendo-o girar. Podia depois agarrar-se, enquanto girava, colocando a mão aberta, de palma virada para cima e os dedos indicador e médio alargados, fechando-os rapidamente logo que o bico do pião ficasse muito próximo da ligação dos de-dos, fazendo-o saltar para a palma da mão.

Mas o jogo do pião consistia no seguinte: Traçava-se no chão uma circunferência para dentro da qual todos os joga-dores teriam que lançar os piões mas de maneira que batesse dentro dela mas saísse para fora sem o auxílio de mais nada que não fosse a força e o efeito dado pelo jogador. Aquele que Foto _43 (pag. 120)

Ilustração infantil do jogo da bilharda.

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não saísse ficava prisioneiro suportando o efeito dos golpes desferidos pelos piões dos outros jogadores até que, obrigado por essas pancadas, acabava por sair do círculo.

O Fito ou Malha

O jogo do Fito ou da Malha era outro dos jogos praticados pelos rapazes. Para o realizar eram necessários dois fitos (bocados de madeira com cerca de 20 cm de altura e redon-dos) que eram colocados a uma distância combinada pelos jogadores e as malhas que, inicialmente, eram feitas de pe-dra lascada e arredondada e mais tarde de ferro. Tratava-se de um jogo que poderia ser praticado por dois ou mais joga-dores sendo, neste caso, jogado por parceiros. Cada jogador tinha uma malha que arremessava de um para o outro fito com o intuito de o derrubar. Quando isto acontecia, marca-va dois pontos mas, se tal não acontecesse, marcava um pon-to quem conseguisse colocar a sua malha mais perto do fito.

O jogo acabava quando um jogador ou uma equipe totali-zasse 24 pontos.

O Lencinho

Era jogado tanto pelas raparigas, como pelos rapazes. Colocavam-se todos os jogadores, de mãos dadas, fazendo uma roda e, por fora dela, corria um outro que levava um lenço na mão dizendo repetidamente “aqui vai o lenço, aqui fica o lenço”. Depois de dar duas ou três voltas, deixava atrás

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JOGOS TRADICIONAIS

de um dos que fazia parte da roda, a seus pés, o lenço sem que ele ou ela desconfiasse procurando dar uma volta com-pleta até chegar junto desse companheiro. Se o conseguisse, batia-lhe nas costas e tomava-lhe o lugar, indo a “vítima” dar as voltas e deixar o lenço atrás de outro sem que ele desse por isso.

Uma outra situação poderia ocorrer. O companheiro, atrás de quem tinham posto o lenço, descobria a sua presença. Então, apanhava o lenço e procurava, a todo o custo, apa-nhar quem lá o pôs. Se tal acontecesse, retomava o seu lugar e o jogador teria de encontrar outra vítima. Se não o apanhasse, o seu lugar era preenchido pelo primeiro e ele, de posse do lenço, procurava deixá-lo sem que dessem por isso.

A Macaca ou Aeroplano

Trata-se de um jogo que se praticava nas escolas essen-cialmente por raparigas. Consistia em riscar no chão ou na calçada, com o auxílio de algumas ervas, oito rectângulos que faziam lembrar um papagaio. Depois com uma “pedis-ca” ou caco, cada jogadora ia arremessando a pedisca para cada um dos rectângulos começando pelo que ficava mais próximo. Depois, ao “pé cochinho’, ia saltitando por todas as casas só podendo colocar os dois pés nas duas casas que fi-cavam lado a lado e voltando em sentido contrário levantava a pedisca, saltando por cima da casa que a continha. Se, por ventura, pisasse o risco ou a pedisca ficasse em cima do ris-co, perdia. Finda esta parte do jogo, repetia-se a mesma ope-

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ração de lançamento da pedisca mas, desta vez, esta não era retirada com a mão mas sim empurrada pelo pé fazendo-a percorrer todas as casas até que saísse a última. Este “circui-to” era feito também ao “pé cochinho”. Se colocasse ambos os pés no chão, se a pedisca ficasse em cima de algum risco - queimado - ou ainda se fosse tocada mais do que uma vez, perdia e dava a vez a outra companheira retomando o jogo, logo que ela perdesse, no local onde tinha perdido.

A Zoa ou Bilharda

Era um jogo praticado essencialmente por rapazes. Tra-çava-se no chão um círculo para cada um dos jogadores. Cada um ficava no centro munido de um pau, normalmente de oliveira com cerca de 60 cm de comprimento. Um dos jogadores, lançava ao jogador da sua direita que distava cerca de 3/4 metros um outro pau afiado nas pontas com cerca de 15 cm - a zoa - para que este lhe batesse com o pau que segu-rava na mão. Procurava-se que, com esta pancada, a zoa fos-se parar o mais longe possível tendo, o que arremessou a zoa, que a ir buscar o mais rapidamente possível. Enquanto isto acontecia, os outros companheiros iam à roda do que tinha lançado a zoa e, com o auxílio do pau, esburacar o mais pos-sível transportando a terra para a sua roda. Andava à roda este arremesso da zoa e ganhava aquele que no final tivesse mais terra na sua roda trazida da dos companheiros.

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JOGOS TRADICIONAIS

Pau de Sebo

O pau de sebo era um jogo tradicional que normalmente se praticava durante as festas, fazendo mesmo parte dos pro-gramas das mesmas. Tratava-se de um pau, em geral de eu-calipto descascado que, depois de muito bem ensebado, era espetado no chão. Na ponta, normalmente colocava-se um bacalhau, batatas, alhos, etc., que seria ganho por quem con-seguisse subir e chegar até ele.

Jogo das Cântaras de Barro

Jogo que, normalmente, era feito por rapazes. Coloca-vam-se três cântaras de barro penduradas numa corda onde previamente se colocava dentro duma, cinza ou areia, de ou-tra, água e da outra, um prémio que seria um casal de pom-bas. Os concorrentes, a quem eram vendados os olhos, de-pois de serem forçados a dar duas ou três voltas sobre si mesmo, munidos de um varapau, procuravam acertar na cântara que tinha o prémio. O que acontecia era, perante o gáudio dos presentes, acertarem noutra que lhes dava um banho de cinza ou de água.

Corrida das Rosquilhas

Neste jogo só participavam os rapazes. Consistia no se-guinte: Compravam-se, no padeiro, umas rosquilhas feitas de pão onde o buraco não fosse além de 3 ou 4 cm, que se

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penduravam numa corda que atravessava uma estrada, de preferência feita de calçada irregular para aumentar a difi-culdade dos concorrentes. Depois, cada participante devia munir-se de uma bicicleta que, lançada de trás, passava por baixo das rosquilhas. O participante, levava na mão um pau fininho (que poderia ser de oliveira) e tentava enfiá-lo na rosquilha. Cada concorrente fazia algumas passagens a combinar e ganhava aquele que mais rosquilhas conseguisse acertar.

A Estaca

Jogo que era feito só por rapazes. Contava este jogo com a participação de alguns rapazes que teriam de se munir com um pau (estaca), normalmente de oliveira, com cerca de 60 a 70 cm de comprimento e bem afiado numa das pontas. O jogo consistia no seguinte: Um jogador espetava a estaca no chão de maneira que ficasse bem fixa. O jogador que se se-guia, tentava, com a sua estaca, não só derrubar a do compa-nheiro que estava espetada como também, ao fazê-lo, que a sua ficasse espetada (condição fundamental). Se o conse-guisse, batendo com a sua estaca na do companheiro, tenta-va jogá-la o mais longe possível e, enquanto o dono a ia bus-car, espetava a sua estaca no chão tantas vezes, quantas lhe fosse possível, marcando assim, tantos pontos quantas as ve-zes que a conseguisse espetar no chão. Se não a conseguisse derrubar, outro companheiro que se seguia, tentaria o mes-mo e assim sucessivamente até que, quando um o conse-

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JOGOS TRADICIONAIS

guisse, repetia-se o mesmo ritual de pontuação, podendo derrubar uma, duas ou mesmo todas as que estivessem es-petadas.

No final ganhava quem mais pontos tivesse conseguido.

A Moeda ou Botão

Também um jogo que era praticado essencialmente por rapazes. Consistia no arremesso, de encontro a uma parede ou a uma cantaria, de uma moeda ou um botão com a fina-lidade de esta ficar o mais longe possível. Os outros compa-nheiros, na sua vez, iam fazendo o mesmo de maneira que a sua moeda ficasse o mais perto possível da de um ou mais companheiros que já tinham feito o lançamento. Se a distân-cia entre a moeda que arremessou e as que estavam no chão fosse igualou inferior a um palmo, ganhava um botão ao dono da ou das moedas que tivessem distância inferior a um palmo, ficando estes com a moeda “na mão”. Continuava a jogar até que a distância fosse superior e, quando perdia, continuava o arremesso os que tinham a moeda “na mão”.

1,2,3, Macaquinho do Chinês

Colocavam-se todos em fila (rapazes ou raparigas) junto a um risco que se fazia no chão. Um deslocava-se alguns me-tros para a frente e, junto a uma parede, punha-se de costas para os companheiros e dizia:

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Um, dois, três Macaquinho do Chinês

Enquanto ele dizia isto, os outros davam alguns passos em frente. Logo que acabava de dizer a lenga-lenga, virava-se rapidamente para tentar descobrir ainda alguém a mexer-se. Se isso acontecia, era penalizado voltando para o ponto de partida. Repetia-se tantas vezes quantas as necessárias até que um conseguisse atingir o companheiro da frente, to-mando o seu lugar e recomeçando o jogo.

O Rapa

O rapa era um jogo que era habitualmente feito por rapa-zes e que decorria da seguinte maneira: Havia um rapa (es-pécie de pião que, em vez de ser redondo tinha 4 faces, e cada uma delas com as letras R, P, T e D - rapa, põe, tira e deixa) que tinha uma espécie de coroa que se fazia rolar entre os dedos para o pôr em movimento.

Depois de cada jogador fazer a sua aposta, um deles fazia-o rolar e a face que ficava virada para cima ditava a sorte do jogador do rapa. Se a face era o R ficava com tudo; se a face era um P colocava na “mesa” o mesmo valor que tinha apos-tado; se a face era o T o jogador tirava apenas o que lá tinha posto e se a face fosse o D deixava tudo na mesma. Cada jo-gador apenas jogava uma vez, rodando por todos os jogado-res.

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JOGOS TRADICIONAIS

A Sardinha

Um jogo a dois que tanto era jogado por rapazes, como por raparigas. Um dos jogadores estendia os braços virando as palmas da mão para cima, enquanto o outro se colocava em frente com as palmas da mão sobre as do adversário. Nesta posição, aquele que tinha as mãos por baixo procura-va, com a maior rapidez possível, bater nas costas da mão do adversário que, como é evidente, procurava não ser atingido. Quando tal acontecia, perdia e invertiam-se as posições.

O Capado

O Capado era um jogo que tanto era praticado por rapa-zes como por raparigas.

Desenhava-se, com o auxílio de umas ervas, na soleira de uma porta ou noutra pedra qualquer, um quadrado e, segui-damente, traçavam-se as diagonais e as medianas. Cada jo-gador arranjava três pedras. De preferência, as dum jogador seriam, por exemplo, brancas e, as do outro jogador, por exemplo, acastanhadas (bocados de telha) para se diferença-rem. O jogador que começava a jogar, colocava uma pedra no centro do quadrado e na qual não podia mais mexer até que o jogo acabasse. As outras pedras, iam sendo dispostas, uma a uma, alternadamente por um e por outro jogador, mas sempre impedindo’ que o seu adversário conseguisse preencher uma linha em qualquer dos sentidos com as suas três pedras. Para evitar isso, era permitido saltar uma, duas

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ou mais casas. Quando o objectivo do jogo fosse alcançado, (uma linha preenchida) o jogo terminava. O jogador que ti-vesse perdido, colocava a sua primeira pedra no meio.

A Pedrinha

Trata-se de um jogo que, geralmente, era praticado por raparigas. Cada jogador arranjava cinco pedrinhas, normal-mente redondas para facilitar o jogo e do tamanho de berlin-des. Começava um jogador por atirar todas as pedrinhas ao ar, procurando que ficassem suficientemente alargadas umas das outras. Escolhia uma que atirava ao ar e, sem a deixar cair, agarrava uma pedra de cada vez até que todas fossem agarradas mas sempre sem tocar nas restantes. Esta operação era repetida sucessivamente procurando o jogador agarrar depois duas a duas, uma mais três e depois de fica-rem todas na mão atiravam-se todas ao ar deixando cair 4. Atirava-se uma ao ar e apanhavam-se duas. Novamente se atirava uma ao ar e as que estavam na mão eram trocadas pelas do chão, acabando por apanhá-las todas.

Finda esta primeira fase, jogavam-se todas as pedrinhas ao ar e depois de escolher uma, fazia uma “ponte” com a mão esquerda (ou direita se fosse canhoto) com os dedos médio e polegar para, ao mesmo tempo que lançava a pedrinha esco-lhida ao ar, fazer passar, primeiro, uma pedrinha de cada vez por dentro da “ponte”, depois duas a duas. Depois de nova-mente espalhadas no chão, perguntava ao companheiro: Qual quitas? Ao que o outro, apontando com o dedo, esco-

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JOGOS TRADICIONAIS

lhia a que estivesse em posição mais difícil e essa seria a úl-tima a ser passada entre os dedos indicador e médio depois das out;as três terem passado como anteriormente. Todas estas manobras deviam ser conseguidas sem tocar nas ou-tras e aí, a escolha da primeira pedrinha era importante.

Para terminar o jogo, atiravam-se todas as 5 pedrinhas ao ar, que teriam que ser agarradas na “concha” feita com as costas das mãos, sem deixar cair nenhuma, fazendo-se, de seguida, a manobra inversa.

AS LENGA-LENGAS

Corda Queimada

Trata-se de um jogo que era normalmente feito por rapa-rigas. Colocavam-se todos os jogadores de mãos dadas sen-do as das pontas as comadres e, à medida que iam dizendo a lenga-lenga,

Corda queimada Quem te queimou Foi uma velhaQue por aqui passou

No tempo da eira Fazia poeira Salta lagarto P’ró meio da eira

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ia uma das pontas passando por entre o primeiro e o se-gundo, por entre o segundo e o terceiro até que passava pelo último. Depois de todos entrelaçados, uma das comadres perguntava à outra:

- “Comadre, empresta-me a corda?”Ao que a outra respondia: - “Não, porque está cheia de nós.”Respondia a primeira: - “Então vamos desmanchá-la.”Dito isto, puxavam cada ponta para seu lado até a corda

partir acabando por ganhar a que mais elementos tivesse do seu lado.

Minha Mãe, dá Licença?

Também um jogo feito por raparigas. Colocavam-se to-das as raparigas em fila e, em frente delas, uma outra rapari-ga que era a Mãe.

Depois, uma da fila perguntava à Mãe:- Minha Mãe dá licença? Quantos passos?Então a Mãe dizia:- 2, 3 ou 4 os que quisesse mas dados de uma determinada

maneira:À bailarina - dados a rodopiarÀ gigante - o maior possívelÀ bebé - muito pequeninosÀ tesoura - abrindo e fechando as pernas em cada passo

À caranguejo - dados para trás

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JOGOS TRADICIONAIS

Assim, um pouco discricionariamente porque ganhava quem primeiro chegasse junto da Mãe, tomava o seu lugar para o jogo seguinte.

Bom Barqueiro ou Falua

Jogavam este jogo tanto os rapazes, como as raparigas. Consistia o jogo na presença de dois barqueiros (dois jogado-res) que estavam afastados, mas de mãos dadas e que tinham combinado entre si o nome que cada um tinha adoptado (por ex. nomes de flores ou de frutos). Os outros jogadores faziam fila indiana, ao mesmo tempo que iam dizendo a lenga-lenga:

Que linda faluaQue lá vem, lá vemÉ uma faluaQue vem de Belém

Vou pedir ao senhor barqueiro Se me deixa passarTenho filhos pequeninos Não os posso sustentar

Ao que os barqueiros respondiam: Passarás, passarásMas algum deixarásSe não for o da frente Há-de ser o de trás

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Então, baixavam os braços e prendiam o último da fila. Em segredo, perguntavam-lhe qual dos nomes (dos barquei-ros) escolhia mas sempre sem que os outros ouvissem nem a pergunta nem a resposta. O “prisioneiro’ escolhia um, indo encaminhar-se para trás do escolhido. Assim continuava a fila até ao último. Das duas filas que se formavam, depois, cada uma puxava para seu lado vencendo quem mais força tivesse.

As Escondidas

Jogo praticado nas escolas tanto por rapazes como por raparigas. Consistia no seguinte: Um dos jogadores ficava “a dormir”, de olhos fechados e virado para a parede, contando em voz alta até 30, por exemplo batendo sempre com uma pedra no chão ou numa parede, segundo a seguinte lenga-lenga:

Tena, cambenaCigarra em bico de pésVai 1, 2, 3, etc. até 30À ronda, à rondaQuem quiser que se esconda. Lá vou eu.

Enquanto se fazia a contagem, os outros jogadores iam esconder-se. Finalizada a contagem, o jogador ia à procura

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JOGOS TRADICIONAIS

dos companheiros que se tinham ido esconder. Dois cená-rios podia ter o jogo:

1 - Descobrir um a um os que estavam escondidos e, logo que o fazia, batia três vezes com uma pedrinha no local onde esteve de olhos fechados.

2 - Os jogadores que se escondiam procuravam alcançar o local de partida “casa” sem serem apanhados por aquele que os procurava.

Sempre que a “casa” era alcançada, o jogador ficava livre, depois de se apoderar da pedrinha e bater com ela três vezes no chão ou na parede. Quem não o conseguisse ou fosse agarrado, teria que, no jogo seguinte, ficar “a dormir”.

Prega, Prega Frei Simão

É uma lenga lenga que se recitava tanto por rapazes, como por raparigas:

Prega, prega Frei SimãoCom seu barrete na mão Uma espada de cortiça Para matar a carriça

A carriça deu um berro Toda a gente se assustou Só uma velha ficou Embrulhada num sapato P’ra limpar o rabo ao gato

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Ou de outra forma:

... Embrulhada num sapatoO sapato estava rotoFoi levá-lo ao sapateiroO sapateiro não o quis Deu-lhe c’o ele no nariz

Cebulico Pico Pico

Era um jogo que normalmente precedia o jogo das escon-didas: Cada um dos intervenientes colocava uma mão com as costas viradas para cima ficando umas ao lado das outras fazendo uma roda. Um dos intervenientes então ia beliscan-do nas costas das mãos de cada um ao mesmo tempo que ia recitando a seguinte cantilena:

Cebulico, pico, pico Meu compadre Camazão Foi ao rio duma vez Que te cabe a tua vez.

ou

Salta a pulga na balançaO piolho na tripeçaPara a vaca chocalheira Come ovos sem manteiga Para a filha do JuizQue é bonita sem nariz Atrás do muro da Dona Inês Está borracha, vinho e pês Vai lá tu que é tua vez

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JOGOS TRADICIONAIS

Ou ainda:

Sola sapataRei e RainhaVai ao mar buscar sardinha Os cavalos a correrAs meninas a aprender Qual será a mais bonita Que s’irá esconder.

Aquele em cuja mão acabasse a lenga-lenga, ia esconder-se dando, de imediato, nomes de flores ou de animais aos outros. Perguntava, então um do grupo ao que estava escondido apontando para um dos outros:

Real Senhor!Em que cavalo quer vir?No melhor que lá estiver.Então quer vir na (por ex. rosa, cravo, malmequer ou orquídea?)

Se a resposta dada pelo que estava escondido acertasse num dos companheiros, o que tinha sido indicado teria de ir buscar o outro às cavalitas. Não acertando, porque tinha es-colhido a sua própria flor, dizia-se:

- Então vem pelo teu pé!

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Ançã - Memória de um Povo

Saricutim Saricutão

Trata-se de um jogo normalmente praticado por rapazes. Consistia no seguinte: Um dos rapazes montava às cavalitas de outro que se mantinha de olhos vendados ou de cabeça escondida entre as mãos. O “cavaleiro” perguntava ao que estava a aguentar com ele em cima:

- Saricutim, saricutãoQuantos dedos tenho na mão?Ao que o de baixo respondia: Por exemplo 2Enquanto fazia a pergunta, mostrava aos companheiros o

número de dedos de uma só mão, bem à vista e então duas coisas podiam acontecer:

Ou adivinhava e invertiam-se os papéis, ou não adivinha-va e o companheiro dizia:

- Se dissesses 3,Não perdias nem ganhavas.Saricutim, saricutão,Quantos dedos tenho na mão?

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BRINQUEDOS TRADICIONAIS

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BRINQUEDOS TRADICIONAIS

Hoje, os brinquedos tradicionais praticamente desapare-ceram dando lugar a outros bem diferentes, feitos com ou-tros materiais onde o plástico é rei e senhor.

Antigamente os brinquedos eram feitos essencialmente de madeira, cortiça, lata e, muitas vezes, de carrasca de pinheiro bravo. Os próprios piões, muitas vezes, eram feitos de raiz de oliveira por ser mais fácil de trabalhar enquanto verde. Va-mos referir alguns dos brinquedos que se usavam em Ançã começando pelo...

O Arco

Tratava-se de um arco de pipo, pequeno, com cerca de 30 a 40 cm de diâmetro. Mais requintadamente e já adquirido por quem já tinha algumas posses, arranjava-se um arco de ferro, feito no ferreiro.

Possuir este arco implicava ter uma “gancheta” que era constituída por um arame forte onde uma das pontas era dobrado em U sendo a outra extremidade mais comprida para se poder agarrar podendo ter, nalguns casos, um cabo de madei-ra. Dando um pequeno balanço ao arco, enfiava-se a “gancheta” que servia para o empurrar ao mesmo tempo que o guiava para onde o queríamos levar.

Gaitas e Nunus

Para além dos assobios de madeira, faziam-se gaitas a partir de canas, paus de loureiro rachados com um pedaci-

Foto _44 pag. 140)Pião de madeira ou “mona”.

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nho de folha de loureiro no meio que, soprando de determi-nada maneira, dava um som, à cana que, ainda verde, se ia escavando até que a película membranosa do seu interior ficasse à vista. Quando tal acontecia, tocava-se como quem canta, obtendo-se um som roufenho.

A Fisga ou Tiras

Com um galho de oliveira em forma de V e o auxílio de dois elásticos que, normalmente eram obtidos a partir de câmaras de ar de bicicletas, construía-se uma fisga. Cada uma das tiras de borracha era presa a uma extremidade do galho com um bocado de cordão. Nas outras extremidades das tiras prendia-se um bocado de cabe dai que servia para aí serem colocadas as pedras que seriam arremessadas.

Depois segurava-se a fisga na mão esquerda e, com a di-reita, esticavam-se as borrachas já com a pedra introduzida no apoio de cabe daI. Fazia-se pontaria e lá ia a pedra direita ao pássaro que era ou não atingido consoante a perícia do atirador.

O Estoque

Cortava-se um pau de sabugueiro que normalmente se encontrava com facilidade junto às valas. Aproveitando ape-nas um bocado entre nós, retirava-se o seu miolo ficando um orifício cilíndrico. Seguidamente procurava-se um pau que tivesse o tamanho do do sabugueiro e mais uns 10 em. To-

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BRINQUEDOS TRADICIONAIS

mando por medida o tamanho do do sabugueiro, desbasta-va-se o outro de tal forma que pudesse entrar com facilidade dentro do orifício ficando o restante para servir de cabo.

Estava o estoque feito. Com o auxílio de bolas de papel humedecido que eram introduzidas no interior do orifício, empurrava-se de encontro ao peito. O ar comprimido den-tro da câmara impelia a bola ou bucha arremessando-a a grande distância com um estalido característico.

A Carreta

A carreta era usada exclusivitmente por rapazes que mui-tas vezes eram os seus próprios construtores.

Duas modalidades de carretas havia: Uma, a mais sofisti-cada, era normalmente feita com a ajuda dos pais pois era feita de madeira. A outra, mais modesta, era feita pelos pró-prios.

Comecemos por esta. Arranjavam-se duas pinhas de pi-nheiro manso, ainda verdes. Com o auxílio de um canivete fazia-se um orifício no local de inserção ao pinheiro e intro-duzia-se um pau que serviria de eixo de um rodado em que as pinhas eram as rodas. Depois, uma cana relativamente grossa era cortada em forquilha que iria enfiar no eixo do “rodado” e estava a carreta feita. Colocada a cana ao ombro, e a forquilha na outra ponta no eixo, era só correr.

A carreta de madeira era mais sofisticada. Fazia-se uma roda de madeira e nela um orifício central por onde ia passar um eixo também de madeira. Arranjava-se um pau de vas-

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Ançã - Memória de um Povo

soura onde, na parte mais larga, se pregavam duas tabui-nhas, uma de cada lado, de modo que saísse para fora do pau um bocado maior que metade da roda que já tinhamos feito. Em cada um dos extremos das tabuinhas fazia-se um furo semelhante ao que tínhamos feito na roda. Colocando a roda no meio das tabuinhas e fazendo coincidir os orifícios, enfia-va-se o eixo. Estava a carreta feita. No entanto, algumas ti-nham ainda um “guiador” que era feito com uma tabuinha com cerca de 20 em pregada mais ou menos a meio do pau que servia para ali colocar as mãos.

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LENDAS DE ANÇÃ

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LENDAS DE ANÇÃ

Lenda da Fundação de Ançã

Diz a lenda que num dia de Verão, com sol escaldante, chegaram a Ançã oito monges enviados pelo Patriarca do Ocidente S. Bento. Fatigados da marcha acamparam à som-bra de uma árvore, na mesma colina onde hoje se encontra erguida a Capela de S. Bento. Aí comeram o pão endurecido e o queijo cabreiro dos alforges. Depois de agradecerem a Deus a refeiçãq que acabavam de tomar, olharam em redor e admiraram a pequena ribeira que a seus pés corria, a fresca vegetação que os circundava e, ao sul, a mancha azulada da Serra da Lousã.

Foi então que, por cima deles, passou um bando de corvos voando para Norte e que, a determinada altura, mergulha-ram numa abertura da floresta. Os Monges então não tive-ram dúvidas de que tal seria um sinal do Senhor, mostran-do-lhes o local exacto da nascente e as terras excelentes para a formação do povoado.

Os Monges abateram as árvores, ergueram cabanas e as-sim surgiu Ançã.

Lenda da Construção da Capela de S. Bento

Consta que um dia uma mulher ao deslocar-se à zona onde hoje existe a Capela, para trazer um pouco de “caeira”, (calcário um pouco arenoso com que se regularizava o chão das casas térreas) teve a visão de uma imagem de S. Bento que lhe apareceu quando se preparava para abandonar o lo-

Foto _45 (pag. 146)Imagem de S. Bento.

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cal. Atónita, correu para a Vila contando o sucedido. Orga-nizou-se então uma procissão, tendo sido colocada na Igreja Matriz uma imagem do Santo.

No dia seguinte, apavorados, os fiéis verificaram que a imagem do Santo tinha desaparecido. Procurada por toda a parte, foi encontrada na furna onde primeiramente tinha aparecido. Organizou-se então uma outra procissão para trazer de volta a imagem para a Igreja Matriz que, de noite, regressou inexplicavelmente ao mesmo local. Foi então que concluíram que o Santo queria mesmo ficar naquela colina, tendo sido erguido então a Capela que ainda hoje tem o seu nome.

S. Bento Milagreiro

S. Bento é o Santo que, em Ançã, mais devotos tem ainda hoje. Quando se pretende alguma graça, pede-se a S. Bento e, desde que o pedido seja feito com devoção, a graça é con-cedida. É comum, ainda hoje, rezarem-se novenas a S. Bento para pedir algo que só mesmo a intervenção Divina pode conceder. Desde a cura para alguns males até ao arranjar um noivo, sem esquecer a eliminação dos “cravos” ou verrugas, tudo se pode pedir a S. Bento.

Para isso, os interessados devem dirigir-se à Capela de S. Bento e, depois de rezarem ao Santo e lhe pedirem a graça, darem três voltas à Capela sem rir nem falar. Passado algum tempo a graça é concedida. Mas se tal não se verificar, terá de prender o Santo. Para isso, prende-se a ponta de uma li-

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nha ou cordel a uma das colunas da Capela, em volta da qual se dão três voltas com a linha, atando-a à primeira ponta e fazendo-se, de seguida, o pedido. O Santo ficará preso até que alguém o desprenda, sendo quase certo que a graça é concedida.

S. Bento livra Ançã da Peste

No Sec.XVI, uma grande epidemia devastou muitos ani-mais em toda a região centro. O povo de Ançã, muito devoto a S. Bento, pediu a sua intercessão para poupar os seus ani-mais da peste. S. Bento escutou o seu povo devoto e os ani-mais foram poupados.

Os ançanenses, reconhecidos, ergueram então a Capela de que é orago, conforme se pode ler na inscrição existente sobre a porta principal:

ESTA S(AN)TA CASA SE FEZ DEESMOLAS NO ANNO DE 1599NO QUAL AVENDO A PESTE GERALEM TODO ESTE REINO HE DURADONELE POR MVITO TEMPO NESTA VILLAPOR INTENSÃO DO GLORIOSO/S. BENTO NÃO DVROV MAIS Q(UE) VINTE DIAS

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Relíquia do Pão e Queijo

Esta lenda parece ter tido origem em tempos muito remo-tos, quando da festa do aniversário de S. Bento. Então os Senhores Padres, porque as cerimónias se prolongavam até muito tarde, levavam uma pequena merenda constituída por pão e queijo que repartiam pelas crianças que, esfomea-das, assistiam às cerimónias. Terá sido este facto que deu aso

Foto _46Reliquias de pão e queijo.

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a que, depois das cerimónias, se distribuísse a todos os pre-sentes, e não só às crianças, o pão e queijo.

Esta dádiva tomou então o valor de relíquia e, como tal, é guardada por muitos fiéis com a particularidade de se con-servar durante anos sem que apanhe bolor. Ainda nos nos-sos dias os “Irmãos de S. Bento”, depois de pagarem a sua quota e as suas promessas, se as tiverem, levam para casa as famosas relíquias do Pão e Queijo.

Lenda do Marquês de Cascais

O Marquês de Cascais foi desterrado para Ançã, por D. Pedro lI, aqui tendo vivido os últimos anos da sua vida.

Conta a lenda que, sentindo muitas saudades de Lisboa e, simultaneamente, procurando saber do andamento dos seus negócios na capital, um dia resolveu deslocar-se a Lisboa na sua carruagem, desrespeitando as ordens do Rei. Para tal, mandou cobrir o chão da carruagem com terra de Ançã e levou mais alguma para a capital tendo, logo à chegada, mandado espalhá-la pelas diversas salas do, seu palácio.

D. Pedro, ao ter conhecimento que o Marquês abandona-ra o local do desterro, interrogou-o ao que o Marquês res-pondeu: - “Desde o meu desterro não deixei de calcar e pôr o pé na terra do degredo”.9

9 Alberto Pimentel in “Sangue Azul” pag.99

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BIBLIOGRAFIA

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boa 1889 ROCHA (António dos Santos) - Museu Municipal da Figueira

da Foz, Fig. da Foz 1905TOMBOS DE ANÇÃ de D. Carlota Joaquina - 6 volumes

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Índice

Índice

Prefácio 3Nota de abertura 5A origem de ançã 7Os forais de ançã 13Donatários da vila de ançá 19Composição do concelho de ançã 23

Extinção do concelho de ançã 26

Invasões francesas 27As fontes de ançã 31Monumentos de ançã 34

Igreja matriz 37As imagens 41Cruzeiros e alminhas 42As capelas 44O pelourinho 46Casas brazonadas 47

Actividades económicas 49A pedra de ançã 53Os moinhos 61O artesanato 65Os bolos de ançã 71Homens ilustres 75

Jaime cortesão 77Augusto abelaira 80

Festas e romarias 83Festa de s. Bento 85Festa de s. Tomé 87

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Ançã - Memória de um Povo

Festa do galo 91

As associações 95Filarmónica 97Grupo típico de ançã 101Ançã futebol clube 104Avança 105

Tradições 107O casamento 109A descamisada 111As malhadas 112A penhora da azeitona 114

Jogos tradicionais 119Jogo do pião 121O fito ou malha 122O lencinho 122A macaca ou aeroplano 123A zoa ou bilharda 124Pau de sebo 125Jogo das cântaras de barro 125Corrida das rosquilhas 125A estaca 126A moeda ou botão 1271,2,3, Macaquinho do chinês 127O rapa 128A sardinha 129O capado 129 A pedrinha 130As lenga-lengas 131

Brinquedos tradicionais 139O arco 141Gaitas e nunus 141

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Índice

A fisga ou tiras 142O estoque 142A carreta 143

Lendas de ançã 145Lenda da fundação de ançã 147Lenda da construção da capela de s. Bento 147S. Bento milagreiro 148S. Bento livra ançã da peste 149Relíquia do pão e queijo 150Lenda do marquês de cascais 151

Bibliografia 153Índice remissivo 158

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Índice RemissivoAAlminhas 44, 45ançanenses 69, 151Antiana 11artesãos 69, 71Augusto Abelaira 82azeitona 54, 104, 116, 119, 120

BBolos de Ançã 71, 75

CCalvário 47Cantanhede 31, 35, 45, 53, 59, 105, 155canteiros 59, 71Capela 39, 40, 41, 42, 44, 46, 47, 49, 50, 59, 88, 90, 91, 92, 149,

150, 151Cascais 23, 24, 47, 48, 49, 153Castros 49, 50Coimbra 3, 5, 11, 12, 17, 18, 20, 28, 32, 41, 53, 57, 59, 60, 75, 79,

88, 101, 107, 155Concelho 17, 23, 27, 28, 35, 48, 53, 88Conde 12, 23Cruzeiro 44, 45

DD. Carlota 24, 156D. Fernando 12, 17, 23, 155D. Manuel 18, 19, 20, 65

EExpectação 43

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Índice Remissivo

FFonte 35, 36, 44, 46, 49, 87, 105, 106, 111

IIgreja 24, 32, 39, 40, 43, 44, 45, 49, 59, 60, 105, 112, 150, 155Imperador 60Invasões 31

JJaime Cortesão 79

Mmoinho 11, 35, 65, 66

PPedra de Ançã 41, 57, 60, 61, 62, 155Pelourinho 24, 44, 48Phylarmónica 24, 99, 100Portunhos 17, 27, 32, 36, 59, 155

SS. Bento 12, 43, 47, 87, 88, 105, 149, 150, 151, 152, 153S. Sebastião 46, 87, 107

TTentúgal 17

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