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Relatório da Comissão sobre a Mensuração de Desempenho Econômico e Progresso Social Professor Joseph E. STIGLITZ, Presidente da Comissão, Columbia University. Professor Amartya SEN, Conselheiro da Comissão, Harvard University. Professor Jean-Paul FITOUSSI, Coordenador da Comissão, IEP. www.stiglitz-sen-fitoussi.fr

Mensuração de Desempenho Econômico e Progresso Social STIGLITZ e SEN

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meio ambiente

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  • Relatrio da Comisso sobre a

    Mensurao de Desempenho

    Econmico e Progresso Social

    Professor Joseph E. STIGLITZ, Presidente da Comisso, Columbia University.

    Professor Amartya SEN, Conselheiro da Comisso, Harvard University.

    Professor Jean-Paul FITOUSSI, Coordenador da Comisso, IEP.

    www.stiglitz-sen-fitoussi.fr

  • 2012. SESI - Departamento Regional do ParanQualquer parte desta obra poder ser reproduzida, desde que citada a fonte.

    SESI. Departamento Regional do Paran. Curitiba : SESI/PR, 2012. Relatrio da Comisso sobre a Medida de Desempenho Econmico e Pro gresso Social. SESI.Departamento Regional do Paran. Curitiba : SESI/PR, 2012. Traduo de: Rapport de la Commission sur la mesure des performances conomiques et du progrs social. STIGLITZ, Joseph E. SEN, Amartya FITOUSSI, Jean-Paul. (2009). SESI. Departamento Regional do Paran. Curitiba: SESI/PR, 2012. 450 p; 21x28cm.

    ISBN 978 85 61425 55 5 1. Desenvolvimento. 2. Economia. 3. Progresso.

    I. SESI. Departamento Regional do Paran. II. Ttulo.

    Relatrio da Comisso sobre a Mensurao de Desempenho Econmico e Progresso Social

    FEDERAO DAS INDSTRIAS DO ESTADO DO PARAN FIEPPresidente: Edson Luiz Campagnolo

    SESI Departamento Regional do ParanDiretor Superintendente SESI-PR: Jos Antnio Fares

    SENAI Departamento Regional do ParanDiretor Regional SENAI-PR: Marco Antnio Areias Secco

    IEL Ncleo Regional do ParanSuperintendente IEL-PR: Jos Antnio Fares

    Comunicao Institucional Gestor de Comunicao Institucional: Luiz Henrique (Ike) Weber

    Projeto de Traduo do Rapport de la Commission sur la mesure des performances conomiques et du progrs social

    IdealizaoCarlos Artur Kruger Passos

    Equipe TcnicaMarilia de Souza

    Sidarta Ruthes de LimaFernanda Pereira Lopes

    TraduoAgla Marcon

    RevisoDcio Estevo do Nascimento

    Maria Elizabeth Lunardi

    Projeto Grfico e DiagramaoAntnio Carlos Cargnin Luiz

  • 3Relatrio da Comisso sobre a medida de desempenho econmico e progresso social

    As graves crises financeiras internacionais atravessadas nos ltimos tempos colocam em xeque algumas das principais economias do planeta e estimulam uma reflexo sobre o modelo de desenvolvimento adotado pela maioria dos pases. Percebemos que, por mais importante que sejam o crescimento econmico e o acmulo de riquezas pelas naes, elas no podem se sobrepor ao bem-estar das pessoas.

    Nesse contexto, expressamos um agradecimento pblico ao Governo da Repblica da Frana, que conduziu os trabalhos da Comisso sobre a Mensurao de Desempenho Econmico e Progresso Social, cujo trabalho empreendido foi o de promover uma reflexo sobre as frmulas para medir o grau de desenvolvimento de um pas, que levem em conta justamente a qualidade vida dos cidados.

    Este trabalho reuniu renomados especialistas, sendo dois deles Prmios Nobel de Economia, Professor Joseph Stiglitz e Professor Amartya Sen e tambm o Professor Jean-Paul Fitoussi como coordenador desta comisso, alm de mobilizar mais de 30 outros prestigiosos membros e relatores de importantes universidades e institutos de pesquisa econmico-social.

    Indicadores econmicos e sociais como o Produto Interno Bruto (PIB) e o ndice de Desenvolvimento Humano (IDH), os mais utilizados atualmente, so importantes ferramentas para a elaborao de polticas pblicas para o desenvolvimento e impactam na definio das estratgias dos empresrios. Aprimor-los , sem dvidas, uma medida que trar avanos no planejamento das aes dos setores pblico e privado.

    com o objetivo de fomentar esse debate que ns, do Sistema Federao das Indstrias do Estado do Paran, trazemos a pblico uma verso traduzida do Relatrio Stiglitz/Sen/Fitoussi, elaborado pela Comisso sobre a Mensurao de Desempenho Econmico e Progresso Social.

    O Sistema Fiep tem plena conscincia de seu papel para o desenvolvimento do Paran e do Brasil. Acreditamos que nosso crescimento passa, obrigatoriamente por melhorias significativas em dois aspectos: a educao e o desenvolvimento regional.

    Temos buscado fazer a nossa parte. No que tange a educao, o Sistema Fiep, especialmente pela ao do Sesi e do Senai, atua fortemente para a formao de cidados e trabalhadores preparados e qualificados.

    A medida do desenvolvimento

  • 4 Anlise dos Sistemas de Medida e Propostas

    Em termos de desenvolvimento regional, temos como prioridade levar o crescimento a todas as regies do Paran, principalmente quelas com baixos ndices de desenvolvimento. Para isso, alm de incentivar e dar apoio gerao de novos negcios, trabalhamos na articulao por melhores condies para o setor produtivo do Estado, no que se refere a questes de infraestrutura e logstica, entre outras.

    Dentro deste espirito de ao, no temos dvidas de que com a traduo deste importante documento, estaremos colaborando com esta reflexo ao facilitar o acesso ao debate sobre a mensurao das atividades produtivas alinhadas a qualidade de vida das populaes e do desenvolvimento sustentvel.

    A medida do desenvolvimento

    Edson Campagnolo

    Presidente da Federao das Indstrias do Estado do Paran

  • Relatrio da Comisso sobre a

    Mensurao de Desempenho

    Econmico e Progresso Social

    Professor Joseph E. STIGLITZ, Presidente da Comisso, Columbia University.

    Professor Amartya SEN, Conselheiro da Comisso, Harvard University.

    Professor Jean-Paul FITOUSSI, Coordenador da Comisso, IEP.

    www.stiglitz-sen-fitoussi.fr

  • 6 Anlise dos Sistemas de Medida e Propostas

    Bina AGARWAL Institute of Economic Growth, University of Delhi

    Kenneth J. ARROW Stanford University

    Anthony B. ATKINSON Warden of Nuffield College

    Franois BOURGUIGNON Paris School of Economics

    Jean-Philippe COTIS INSEE

    Angus S. DEATON Princeton University

    Kemal DERVIS UNPD

    Marc FLEURBAEY Universit Paris 5

    Nancy FOLBRE University of Massachussets

    Jean GADREY Universit Lille

    Enrico GIOVANNINI OECD

    Roger GUESNERIE Collge de France

    James J. HECKMAN Chicago University

    Geoffrey HEAL Columbia University

    Claude HENRY Sciences-Po/Columbia University

    Daniel KAHNEMAN Princeton University

    Alan B. KRUEGER Princeton University

    Andrew J. OSWALD University of Warwick

    Robert D. PUTNAM Harvard University

    Nick STERN London School of Economics

    Cass SUNSTEIN University of Chicago

    Philippe WEIL Sciences Po

    Outros membros

  • 7Relatrio da Comisso sobre a medida de desempenho econmico e progresso social

    Outros membros

    RelatoresJean-Etienne CHAPRON INSEE

    Relator GeralDidier BLANCHET INSEE

    Jacques LE CACHEUX OFCE

    Marco MIRA DERCOLE OCDE

    Pierre-Alain PIONNIER INSEE

    Laurence RIOUX INSEE/CREST

    Paul SCHREYER OCDE

    Xavier TIMBEAU OFCE

    Vincent MARCUS INSEE

  • 8 Anlise dos Sistemas de Medida e Propostas

    SNTESE E RECOMENDAES 9

    I. EXPOSIO GERAL DO CONTEDO DO RELATRIO

    Captulo 1: Questes clssicas relativas ao PIB 28

    Captulo 2: Qualidade de vida 58

    Captulo 3: Desenvolvimento sustentvel e meio ambiente 89

    II. ANLISE DOS SISTEMAS DE MENSURAO E PROPOSTAS

    Captulo 1: Questes clssicas relativas ao PIB 124

    Captulo 2: Qualidade de vida 209

    Captulo 3: Desenvolvimento sustentvel e meio ambiente 341

    Sumrio

  • 9Relatrio da Comisso sobre a medida de desempenho econmico e progresso social

    Sntese e recomendaes

    Por que este relatrio?

    1. Em fevereiro de 2008, o Sr. Nicolas Sarkozy, Presidente da Repblica Francesa, insatisfeito com o estado atual das informaes estatsticas sobre a economia e a sociedade, pediu aos Srs. Joseph Stiglitz (Presidente da Comisso), Amar-tya Sen (Conselheiro) e Jean- Paul Fitoussi (Coordenador) para criar uma comisso, que tomou o nome de Comisso para a Medida do Desempenho Econmico e Progresso Social (CMPEPS). Esta Comisso foi incumbida de determinar os limites do PIB enquanto indicador do desempenho econmi-co e do progresso social, reexaminar os problemas relativos sua mensurao, identificar as informaes complementares que poderiam ser necessrias para chegar aos indicadores de progresso social mais pertinentes, avaliar a exequibi-lidade de novos instrumentos de medida e discutir a apresentao adequada das informaes estatsticas.

    2. Os indicadores estatsticos so realmente importantes para a concepo e ava-liao das polticas que visam a assegurar o progresso das sociedades, assim como avaliar o funcionamento dos mercados e influenci-lo. O papel deles tem aumentado de maneira significativa no decorrer dos ltimos vinte anos como resultado da elevao do nvel de educao da populao, da crescen-te complexidade das economias modernas e da ampla difuso da tecnologia da informao. No mbito da sociedade da informao, o acesso aos dados, principalmente estatsticos, tornou-se bem mais fcil. Um nmero crescente de pessoas acessa estatsticas a fim de ficar mais bem informadas e tomar deci-ses. Para atender a essa crescente demanda por informaes, a prpria oferta de estatsticas tem aumentado consideravelmente e hoje abrange novas reas e novos fenmenos.

    3. Aquilo que se mede tem incidncia sobre aquilo que se faz; ora, se as medidas forem defeituosas, as decises podem ser inadequadas. A escolha entre aumen-tar o PIB e proteger o meio ambiente pode se revelar uma falsa escolha no mo-mento em que a degradao do meio ambiente for levada em conta, de maneira apropriada, em nossas mensuraes dos desempenhos econmicos. Da mesma forma, selecionamos frequentemente as boas polticas a serem adotadas com base em seu efeito positivo sobre o crescimento da economia; ora, se nossas mensuraes de desempenho forem distorcidas, pode ocorrer o mesmo com as definies de poltica econmica que extrairmos delas.

  • 10 Anlise dos Sistemas de Medida e Propostas

    Sntese e Recomendaes

    4. Muitas vezes parece existir uma distncia acentuada entre, de um lado, as me-didas habituais de grandes variveis socioeconmicas, como o crescimento, a infl ao, o desemprego, etc., e, do outro lado, as percepes amplamente di-fundidas dessas realidades. As medidas usuais podem, por exemplo, levar ao entendimento de que a infl ao mnima ou o crescimento mais forte do que sentem os indivduos; esta distncia to signifi cativa e to generalizada que no pode ser explicada unicamente com base na iluso monetria ou na psicologia humana. Em certos pases, esse fenmeno tem minado a confi ana nas estatsticas ofi ciais (na Frana e na Gr-Bretanha, por exemplo, somente um tero dos cidados confi a nos dados ofi ciais, e esses pases no so excees) e tem uma incidncia manifesta sobre as modalidades do debate pblico sobre o estado da economia e as polticas a serem adotadas.

    5. Essa distncia entre a mensurao estatstica das realidades socioeconmicas e a percepo dessas mesmas realidades pelos cidados pode ser explicada de vrias maneiras:

    possvel que os conceitos estatsticos sejam apropriados, mas que o pro-cesso de mensurao seja imperfeito.

    Existe, alm disso, um debate sobre a escolha dos conceitos pertinentes e o uso apropriado dos diferentes conceitos.

    Na presena de mudanas de grande amplitude em matria de desigualdade (e em geral na distribuio de renda), o produto interno bruto (PIB) ou qualquer outro agregado calculado per capita pode no fornecer uma avaliao apropriada da situao na qual a maior parte das pessoas se encontra. Se as desigualdades se aprofundam em relao ao crescimento mdio do PIB per capita, muitas pessoas podem se encontrar em situao pior, apesar da renda mdia ter aumentado.

    possvel que as estatsticas habitualmente utilizadas no expliquem cer-tos fenmenos que tm um impacto cada vez maior sobre o bem-estar dos cidados. Se, por exemplo, os engarrafamentos do trnsito podem fazer cres-cer o PIB em razo do aumento do consumo de gasolina, evidente que eles no tm o mesmo efeito sobre a qualidade de vida. Alm disso, se os cidados esto preocupados com a qualidade do ar e a poluio do ar aumentar, as me-didas estatsticas que o ignorarem fornecero uma avaliao inadequada da

  • 11Relatrio da Comisso sobre a medida de desempenho econmico e progresso social

    evoluo do bem-estar das populaes. possvel, igualmente, que a tendn-cia a medir mudanas progressivas no seja capaz de considerar os riscos de deteriorao sbita do meio ambiente, como no caso da mudana climtica.

    Finalmente, a maneira pela qual as estatsticas so tornadas pblicas ou utilizadas pode dar uma viso distorcida das tendncias econmicas. Assim, coloca-se geralmente a nfase no PIB, quando noes como aquela de produ-to nacional lquido (que leva em conta os efeitos da depreciao do capital) ou aquela da renda real das famlias (centrada sobre os rendimentos efetivos das famlias dentro da economia) podem ser mais pertinentes. Ora, pode ha-ver entre esses valores diferenas acentuadas. O PIB no , portanto, errneo em si, mas utilizado de forma errnea. Temos, assim, necessidade de compre-ender melhor o uso apropriado de cada instrumento de mensurao.

    6. Na verdade, a adequao dos instrumentos atuais de mensurao do desempe-nho econmico, principalmente daqueles que se baseiam unicamente no PIB, tem sido problemtica h muito tempo. Essas preocupaes so ainda mais acentuadas no que diz respeito pertinncia desses dados enquanto ferramen-tas de medida do bem-estar da sociedade. O fato de privilegiarem o aumento do nmero de bens de consumo inertes (medido, por exemplo, pelo PNB ou pelo PIB, que foram objeto de um nmero considervel de estudos do progresso econmico) s poderia, em ltima anlise, se justificar se que pode pelo que esses bens trazem vida dos seres humanos, sobre a qual eles podem influir direta ou indiretamente. Por outro lado, estabeleceu-se de longa data que o PIB era uma ferramenta inadequada para avaliar o bem-estar ao longo do tempo, em particular em suas dimenses econmica, ambiental e social, aspectos que so frequentemente designados pelo termo sustentabilidade.

    Qual a importncia deste relatrio?

    7. Entre o momento em que a Comisso iniciou seus trabalhos e aquele do tr-mino de seu relatrio, o contexto econmico mudou radicalmente. Atraves-samos atualmente uma das piores crises financeiras, econmicas e sociais do ps-guerra. As reformas dos instrumentos de mensurao recomendadas pela Comisso seriam desejveis mesmo na ausncia desta crise. Entretanto, certos membros da Comisso pensam que esta ltima lhes confere maior urgncia. Avaliam que uma das razes pelas quais esta crise pegou numerosas pessoas de

    Sntese e recomendaes

  • 12 Anlise dos Sistemas de Medida e Propostas

    Sntese e Recomendaes

    surpresa que nosso sistema de mensurao falhou e/ou que os agentes dos mercados e os responsveis pblicos no estavam ligados a bons indicadores estatsticos. A seus olhos, nem a contabilidade privada nem a contabilidade pblica foram capazes de desempenhar um papel de alerta precoce: no pu-deram nos advertir a tempo de que os desempenhos aparentemente brilhantes da economia mundial, em termos de crescimento entre 2004 e 2007 poderiam estar sendo obtidos em detrimento do crescimento futuro. claro, igualmente, que esses desempenhos foram em parte uma miragem, lucros baseados em preos cuja alta era devida a uma bolha especulativa. Sem dvida seria ir longe demais esperar que, se tivssemo-nos provido de um melhor sistema estatsti-co, os governos teriam podido tomar, sufi cientemente cedo, medidas a fi m de evitar, ou ao menos atenuar, as turbulncias atuais. possvel, todavia, que se tivssemos sido mais conscientes dos limites de mensuraes clssicas como o PIB, a euforia ligada ao desempenho econmico dos anos que precederam a crise teria sido menor e que ferramentas de medies integrando avaliaes da sustentabilidade (endividamento privado crescente, por exemplo) nos teriam dado uma viso mais prudente desses desempenhos. Dito isso, muitos pases carecem de um conjunto completo e atualizado de contas de patrimnio balanos da economia capazes de fornecer um quadro global do ativo e do passivo dos grandes agentes econmicos.

    8. Estamos igualmente diante da iminncia de uma crise ambiental, particularmen-te em razo do aquecimento planetrio. Os preos de mercado so falseados pelo fato de que nenhum imposto cobrado pelas emisses de carbono, e as medies clssicas da renda nacional no levam em conta o custo dessas emisses. claro que mensuraes do desempenho econmico que viessem a considerassem esses custos ambientais seriam sensivelmente diferentes das medies habituais.

    9. Se os pontos de vista expressos nos dois pargrafos precedentes no forem ne-cessariamente partilhados por todos os membros da Comisso, todavia estes ltimos esto unanimemente convencidos de que a crise atual nos traz uma lio muito importante: aqueles que se esforam para orientar nossas econo-mias e nossas sociedades esto na mesma situao que aquela de pilotos que buscam manter um curso sem ter uma bssola confi vel. As decises que eles tomam (e que ns tambm tomamos a ttulo individual) dependem daquilo que medimos, da qualidade de nossas medidas e da maior ou menor compre-

  • 13Relatrio da Comisso sobre a medida de desempenho econmico e progresso social

    enso delas. Quando os instrumentos de medida nos quais se baseia a ao so mal concebidos ou mal compreendidos, ficamos quase cegos. Sob vrios aspec-tos, necessitamos de melhores. Tendo a pesquisa, felizmente, possibilitado, h alguns anos, seu aperfeioamento, , portanto, hora de integrar alguns desses avanos a nossos sistemas de medida. Existe, igualmente, um consenso entre os membros da Comisso quanto ideia de que melhores instrumentos de medi-da podero nos possibilitar dirigir melhor nossas economias, tanto atravs das crises quanto para sair delas. Um bom nmero dos indicadores preconizados pelo relatrio poderia servir para esse fim.

    10. Nosso relatrio trata dos sistemas de mensurao e no, das polticas; por esse motivo no discute a melhor maneira para nossas sociedades de progredir gra-as a aes coletivas vinculadas a diversos objetivos. Mas porque aquilo que se mede define aquilo que se procura coletivamente (e vice-versa), este relatrio e sua aplicao so capazes de ter um impacto significativo sobre a maneira pela qual nossas sociedades se percebem e, por consequncia, sobre a concepo, a implementao e a avaliao das polticas.

    11. A Comisso notabiliza os progressos importantes realizados h anos em mat-ria de medida dos dados estatsticos e insta a que se persevere a fim de aperfei-oar as bases de dados estatsticos de que dispomos e os indicadores elaborados a partir deles. Nosso relatrio prope instrumentos de medida diferentes ou complementares em diversos campos; esperamos que venha a ter influncia so-bre a ao futura em matria de poltica estatstica, tanto nos pases desenvolvi-dos quanto nos pases em desenvolvimento, assim como sobre os trabalhos das organizaes internacionais que desempenham um papel essencial no aperfei-oamento de normas estatsticas em escala global.

    Quem so os autores do relatrio?

    12. Este relatrio foi redigido por economistas e por especialistas em cincias so-ciais. Os membros da Comisso representam um amplo leque de especializa-es que vai da contabilidade nacional economia da mudana climtica. Di-rigiram trabalhos de pesquisa sobre o capital social, a felicidade, o bem-estar e a sade mental. Esto convencidos de que importante lanar pontes entre co-munidades entre produtores e usurios de informaes estatsticas, qualquer que seja a disciplina deles cujo distanciamento foi crescente no decorrer dos

    Sntese e recomendaes

  • 14 Anlise dos Sistemas de Medida e Propostas

    Sntese e Recomendaes

    ltimos anos. Consideram sua contribuio como sendo complementar quela de autores de relatrios sobre assuntos anlogos, mas elaborados a partir de uma perspectiva diferente, por exemplo, por pesquisadores em cincias duras no que se refere mudana climtica ou por psiclogos no que diz respeito sade mental. Embora o ncleo do relatrio seja antes de tudo tcnico, os re-sumos de cada um dos captulos foram redigidos recorrendo-se, na medida do possvel, a uma linguagem acessvel.

    A quem se destina o relatrio?

    13. A Comisso espera que seu relatrio encontre uma ampla audincia em quatro ca-tegorias de pblico diferentes; alis, ele foi redigido nessa perspectiva. Ele se desti-na, primeiramente, aos responsveis polticos. Nesta poca de crises em que ne-cessrio um discurso poltico novo para determinar em que sentido devero evoluir nossas sociedades, ele preconiza deslocar o centro de gravidade de nosso aparelho estatstico de um sistema de mensurao que privilegia a produo para um sistema orientado para a mensurao do bem-estar das geraes atuais e vindouras, com a fi nalidade de culminar em medidas mais pertinentes do progresso social.

    14. Em segundo lugar, o relatrio se destina aos tomadores de deciso que desejam ter uma viso melhor dos indicadores disponveis ou teis a serem construdos, a fi m de conceber, aplicar e avaliar as polticas destinadas a aumentar o bem-es-tar e a favorecer o progresso social. Ele lembra, ao mesmo tempo, a riqueza dos dados existentes e suas lacunas, mas igualmente o fato de que as informaes quantitativas confi veis no nascem por gerao espontnea e que h, portanto, espao para proceder a investimentos importantes para o aperfeioamento de estatsticas e indicadores, capazes de fornecer aos tomadores de deciso as in-formaes de que necessitam para agir.

    15. Em terceiro lugar, este relatrio foi redigido para a comunidade acadmica, para os profi ssionais da estatstica e para aqueles que fazem amplo uso de es-tatsticas. Ele lhes lembra da difi culdade que pode estar ligada produo de dados confi veis e as numerosas hipteses que subjazem a toda e qualquer srie estatstica. Esperamos que os universitrios se mostrem mais prudentes quanto confi ana que depositam em certas estatsticas e que os especialistas dos ser-vios nacionais de estatstica a encontrem sugestes teis para as reas s quais solues novas podero ser particularmente bem-vindas.

  • 15Relatrio da Comisso sobre a medida de desempenho econmico e progresso social

    16. Finalmente, nosso relatrio foi redigido para organizaes da sociedade civil ao mesmo tempo usurias e produtoras de estatsticas e, mais amplamente, para o grande pblico, seja de pases ricos ou pobres, seja de pessoas ricas ou pobres no interior de cada sociedade. Esperamos que, graas melhor compreenso dos dados e indicadores estatsticos de que dispomos, de seus pontos fortes e de suas limitaes, seja-lhes possvel avaliar melhor os problemas que suas socieda-des enfrentam. Esperamos igualmente que esse relatrio seja til imprensa e s mdias, s quais incumbe a responsabilidade de possibilitar aos cidados apre-ender melhor o que se passa no seio na sociedade em que vivem. A informao um bem pblico: quanto mais estivermos informados sobre o que se produz em nossa sociedade, tanto melhores sero as condies de funcionamento de nossas democracias.

    Quais so as principais mensagens e recomendaes do relatrio?

    17. O relatrio estabelece uma distino entre avaliao do bem-estar presente e avaliao de sua sustentabilidade, isto , de sua capacidade para se manter no tempo. O bem-estar presente depende, ao mesmo tempo, dos recursos econ-micos, como as rendas, e de caractersticas no econmicas da vida das pessoas: o que elas fazem e o que elas podem fazer, a apreciao delas sobre sua prpria vida, seu meio ambiente natural. A sustentabilidade desses nveis de bem-estar depende da questo de saber se os estoques de capital importantes para nossa vida (capital natural, fsico, humano, social) sero ou no transmitidos s gera-es futuras.

    A fim de organizar seus trabalhos, a Comisso se dividiu em trs grupos, que se dedicaram respectivamente s questes clssicas de mensurao do PIB, qua-lidade de vida e sustentabilidade. As principais mensagens e recomendaes que resultam do relatrio so as seguintes:

    Rumo a melhores ferramentas de medida do desempenho em uma economia complexa

    18. Antes de ir para alm do PIB e empenhar-se na tarefa mais complexa, que a medida do bem-estar, convm perguntar a si mesmo em que as medidas existen-tes do desempenho econmico precisam ser aperfeioadas. Medir a produo, varivel que determina, entre outros, o nvel de emprego, essencial gesto da

    Sntese e recomendaes

  • 16 Anlise dos Sistemas de Medida e Propostas

    Sntese e Recomendaes

    atividade econmica. A primeira mensagem de nosso relatrio que chegou a hora de adaptar nosso sistema de medida da atividade econmica a fi m de melhor refl etir as mudanas estruturais que caracterizam a evoluo das econo-mias modernas. O volume crescente dos servios e a produo de bens cada vez mais complexos tornam, com efeito, mais difcil que antes medir o volume de produo e o desempenho econmico. Existe atualmente um grande nmero de produtos cuja qualidade complexa, multidimensional e sujeita a mudanas rpidas. Isso evidente para bens como carros, computadores, mquinas de la-var e assim por diante; no entanto, mais verdadeiro ainda para prestaes de servios, como os de sade ou de ensino, as tecnologias da informao e da co-municao, as atividades de pesquisa ou os servios fi nanceiros. Em certos pa-ses e certos setores, o crescimento da produo se prende mais melhoria qualitativa dos bens produzidos e consumidos do que quantidade deles. Dar conta da mudana qualitativa representa um desafi o formidvel, mas essen-cial para medir a renda e o consumo reais, fatores determinantes do bem-estar material das pessoas. Subestimar as melhorias qualitativas leva a superestimar a taxa de infl ao, portanto, a subestimar o rendimento real. O inverso verda-deiro se as melhorias qualitativas forem superestimadas.

    19. Os poderes pblicos desempenham um papel importante nas economias con-temporneas. Os servios que oferecem so ou de natureza coletiva, como a segurana, ou de natureza mais individual, como as prestaes de servio de sade ou o ensino. A relao entre setor pblico e setor privado na prestao de servios individuais muito varivel, tanto de um pas para o outro, quanto no tempo. Alm da contribuio dos servios coletivos aos padres de vida dos cidados, quase no h dvida de que estes ltimos percebem positivamente os servios individuais, principalmente o ensino, os servios mdicos, a moradia social ou ainda os equipamentos esportivos. Esses servios, que tendem a ser de grande amplitude e que tm aumentado consideravelmente desde a Segunda Guerra Mundial, permanecem, todavia, mal mensurados em numerosos casos. Tradicionalmente, as medidas se baseiam nas despesas empregadas para produ-zi-los (nmero de mdicos, por exemplo), mais que nos resultados reais produ-zidos (como o nmero de prestaes de servio de sade dispensados). ainda mais difcil, nesta rea, proceder aos ajustes necessrios para levar em conta mudanas qualitativas. Em razo de supor-se que a produo de servios segue a mesma evoluo que as despesas necessrias para produzi-los, a evoluo da

  • 17Relatrio da Comisso sobre a medida de desempenho econmico e progresso social

    produtividade na prestao desses servios ignorada. Resulta que, no caso de evoluo positiva (ou negativa) da produtividade do setor pblico, nossas me-didas subestimam (ou superestimam) o crescimento da economia e das rendas reais. Para dispor de uma medida satisfatria dos desempenhos econmicos e dos padres de vida, importa, portanto, empenhar-se no problema da medida do que produzido pelo setor pblico. (Em nosso sistema atual de mensurao que se baseia nas despesas, e do qual se sabe que, por esta razo, enviesado, a produo pblica representa aproximadamente 20 % do PIB, em um grande nmero de pases da OCDE, e o total das despesas pblicas mais de 40 %).

    20. Apesar de divergncias metodolgicas sobre a maneira de proceder s correes necessrias considerao da qualidade, ou quelas necessrias mensurao da produo pblica, existe um amplo consenso quanto necessidade de pro-ceder a esses ajustes, mesmo em relao aos princpios que deveriam prevalecer. As divergncias que permanecem so relativas aplicao prtica desses princ-pios. A Comisso tratou em seu relatrio, ao mesmo tempo, desses princpios e das dificuldades ligadas sua aplicao.

    Da produo ao bem-estar

    21. Outra mensagem-chave, ao mesmo tempo em que tema unificador do relat-rio, que hora do nosso sistema estatstico dar mais nfase mensurao do bem-estar da populao do que da produo econmica, e que convm, alm disso, que essas mensuraes do bem-estar sejam realocadas em um contexto de sustentabilidade. Apesar das deficincias de nossas ferramentas de medida da produo, sabemos mais sobre a produo do que sobre o bem-estar. Deslocar a nfase no significa desautorizar as medidas do PIB e da produo. Resultan-tes de preocupaes com a produo comercial e o emprego, elas continuam a trazer respostas a numerosas questes importantes, como aquela da gesto da atividade econmica. Importa, entretanto, pr nfase no bem-estar, pois existe um distanciamento crescente entre as informaes veiculadas pelos dados agre-gados do PIB e aquelas que importam verdadeiramente para o bem-estar dos indivduos. preciso, em outras palavras, empenhar-se em elaborar um sistema estatstico que complete as medidas da atividade comercial com dados relati-vos ao bem-estar das pessoas e medidas da sustentabilidade. Tal sistema dever necessariamente ser de natureza plural, pois no existe medida nica que possa resumir um fenmeno to complexo quanto o bem-estar dos membros de uma

    Sntese e recomendaes

  • 18 Anlise dos Sistemas de Medida e Propostas

    Sntese e Recomendaes

    sociedade; nosso sistema de mensurao dever, portanto, comportar toda uma srie de indicadores diferentes. A questo de agregar diferentes dimenses do sistema (por exemplo, como adicionar uma mensurao da sade e uma mensu-rao do consumo de bens usuais), ainda que seja importante, est subordinada ao estabelecimento de um sistema estatstico sufi cientemente amplo para levar em conta o maior nmero possvel de dimenses pertinentes. Esse sistema no dever unicamente mensurar os nveis mdios de bem-estar no seio de uma dada comunidade e sua evoluo no tempo, mas ainda dar conta da diversidade das experincias pessoais e das relaes entre as diferentes dimenses da vida das pessoas. Em razo de existirem vrias dimenses do bem-estar, til comear pela medida do bem-estar material ou dos padres de vida.

    Recomendao n1: Na esfera da avaliao do bem-estar material, referir-se pre-ferencialmente renda e ao consumo do que produo.

    22. O PIB constitui o instrumento de medida da atividade econmica mais ampla-mente utilizado. Seu clculo regido por normas internacionais e um impor-tante trabalho de refl exo foi empenhado na defi nio de suas bases estatsticas e conceituais. Nos pargrafos anteriores, destacamos certas reas importantes para as quais era necessrio aperfeioar os mtodos de clculo. Os profi ssio-nais da estatstica e os economistas sabem muitssimo bem que o PIB mede essencialmente a produo comercial (expressa em unidades monetrias) e que, como tal, tem sua utilidade. No entanto, ele foi muitas vezes usado como se fosse uma mensurao de bem-estar econmico. A confuso entre essas duas noes traz o risco de resultar em indicaes enganosas quanto ao nvel de satisfao da populao e de provocar decises polticas inadequadas. Os padres de vida materiais esto mais estreitamente associados medida da renda nacional real e quelas da renda real e do consumo real das famlias: a produo pode cres-cer enquanto que os rendimentos decrescem, ou vice versa, considerando-se a depreciao, os fl uxos de rendimentos destinados e provenientes do exterior, as diferenas entre os preos dos bens produzidos e os dos bens consumidos.

    Recomendao n2: Colocar a nfase na perspectiva das famlias.

    23. Se interessante acompanhar a evoluo do desempenho das economias no seu conjunto, o clculo da renda e do consumo das famlias, por sua vez, per-mite acompanhar melhor a evoluo do padro de vida dos cidados. Os da-

  • 19Relatrio da Comisso sobre a medida de desempenho econmico e progresso social

    dos disponveis da contabilidade nacional mostram, com efeito, que, em vrios pases da OCDE, o crescimento da renda real das famlias foi muito diferente daquele do PIB real por habitante, e geralmente mais lento. A perspectiva das famlias supe levar em conta as transferncias entre setores, tais como os im-postos recolhidos pelo Estado, as prestaes sociais que ele paga, os juros sobre as tomadas de emprstimo das famlias pagos aos estabelecimentos financeiros. Para serem exaustivos, os rendimentos e o consumo das famlias devem incluir igualmente os servios em espcie prestados pelo Estado, tais como os servios subsidiados, especialmente de sade e educao. Dever tambm ser realizado um esforo importante para conciliar as fontes estatsticas, tendo por finali-dade compreender por que certos dados, como a renda das famlias, evoluem diferentemente conforme as fontes estatsticas utilizadas.

    Recomendao n3: Levar em considerao o patrimnio juntamente com a ren-da e o consumo.

    24. Se a renda e o consumo so essenciais para a avaliao dos padres de vida, s podem, em ltima anlise, servir de ferramenta de apreciao juntamente com as informaes sobre o patrimnio. Uma famlia que gasta sua riqueza em bens de consumo aumenta seu bem-estar atual, mas em detrimento de seu bem-estar futuro. As consequncias desse comportamento so rastreadas no balano dessa famlia; o mesmo acontece para os outros agentes econmicos e para a economia em sua totalidade. Para elaborar balanos, preciso poder dispor de demonstraes quantificadas completas do ativo e do passivo. A ideia de balanos para pases no nova em si, mas esses balanos s esto disponveis para um pequeno nmero de pases, e convm possibilitar sua generalizao. As medidas da riqueza so essenciais para perceber a sustentabilidade. O que se transfere para o futuro deve necessariamente ser expresso em termos de esto-ques, quer se trate de capital fsico, natural, humano ou social. A avaliao apro-priada desses estoques desempenha um papel crucial, mesmo que seja muitas vezes problemtica. igualmente desejvel submeter os balanos a testes de resistncia (stress tests) segundo diferentes hipteses de valorizao onde no existam preos de mercado ou quando esses preos estiverem sujeitos a flutu-aes errticas ou a bolhas especulativas. Certos indicadores no monetrios, mais diretos, podero ser preferveis quando a avaliao monetria for muito incerta ou de difcil deduo.

    Sntese e recomendaes

  • 20 Anlise dos Sistemas de Medida e Propostas

    Sntese e Recomendaes

    Recomendao n4: Atribuir maior importncia distribuio da renda, do con-sumo e das riquezas.

    25. A renda mdia, o consumo mdio e a riqueza mdia so dados estatsticos im-portantes, mas insufi cientes para apreender de forma exaustiva os padres de vida. Assim, um aumento da renda mdia pode ser desigualmente distribudo entre as categorias de pessoas, certas famlias benefi ciando-se dele menos que outros. O clculo das mdias da renda, do consumo e das riquezas deve, por-tanto, ser acompanhado de indicadores que refl itam sua distribuio. A noo de consumo mediano (de renda mediana, de riqueza mediana) fornece uma melhor ferramenta de mensurao representativa da situao do indivduo ou da famlia do que a de consumo mdio, de renda mdia ou de riqueza m-dia. Importa tambm, por numerosas razes, saber o que se passa na base da escala da distribuio da renda e da riqueza (tal como mostram as estatsticas da pobreza), ou ainda no alto desta escala. O ideal que essas informaes no devam estar isoladas, mas relacionadas entre elas, por exemplo, para saber como so subdivididas as famlias em relao s diferentes dimenses do padro de vida material: rendimento, consumo e riquezas. Uma famlia de baixa renda que possua riqueza superior mdia no , no fundo, necessariamente mais desfavorecida que uma famlia de renda mdia que no possua nenhuma rique-za. (Voltaremos a tratar sobre a necessidade de dispor de informaes sobre a distribuio combinada dessas dimenses do bem-estar material das pesso-as nas recomendaes a seguir, relativas medida da qualidade de vida).

    Recomendao n5: Estender os indicadores de renda para as atividades no co-merciais.

    26. O modo de funcionamento das famlias e da sociedade tem mudado profun-damente. Assim, numerosos servios que eram antigamente prestados por ou-tros membros da famlia so hoje comprados no mercado. Isso se traduz na contabilidade nacional por um aumento da renda e pode dar erroneamente a impresso de um aumento do padro de vida, quando, na verdade, o forne-cimento de servios antigamente no comerciais cabe agora ao mercado. Por outro lado, numerosos servios que as famlias produzem para elas mesmas no so levados em conta nos indicadores ofi ciais de renda e de produo, embora constituam um aspecto importante da atividade econmica. Se esta excluso dos indicadores ofi ciais decorre mais de questes sobre a confi abilidade dos da-

  • 21Relatrio da Comisso sobre a medida de desempenho econmico e progresso social

    dos que de dificuldades conceituais, foram realizados progressos nesse campo; convm, todavia, dedicar a isso trabalhos mais numerosos e mais sistemticos, comeando principalmente por informaes sobre o uso do tempo das pessoas que sejam passveis de comparao no tempo (de um ano para o outro) e no espao (de um pas para o outro). As atividades domsticas deveriam ser objeto, periodicamente e da forma mais exaustiva possvel, de contas satlites em rela-o quelas da contabilidade nacional bsica. Nos pases em desenvolvimen-to, a produo de bens pelas famlias (alimentao ou moradia, por exemplo) desempenha um papel importante: convm levar em conta a produo desses bens pelas famlias para avaliar seus padres de consumo nesses pases.

    27. No momento em que nos concentrarmos nas atividades no comerciais, a ques-to dos lazeres no poder ser evitada. Consumir a mesma cesta de bens e ser-vios, mas trabalhando 1.500 horas no ano em vez de 2.000 horas, implica um padro de vida mais alto. Ainda que a valorizao dos lazeres levante mltiplas dificuldades, necessrio levar em conta sua importncia quantitativa para po-der estabelecer comparaes de padres de vida no tempo e no espao.

    O bem-estar multidimensional

    28. Para entender o conceito de bem-estar, necessrio recorrer a uma definio multidimensional. A partir dos trabalhos de pesquisa existentes e do estudo de numerosas iniciativas concretas tomadas no mundo, a Comisso identificou as principais dimenses que convm considerar. Em princpio, pelo menos essas dimenses devero ser apreendidas simultaneamente:

    i. as condies de vida materiais (rendimento, consumo e riqueza) ;

    ii. a sade;

    iii. a educao;

    iv. as atividades pessoais, entre elas o trabalho;

    v. a participao na vida poltica e na governana;

    vi. os laos e relaes sociais;

    vii. o meio ambiente (situao presente e futura);

    viii. a insegurana, tanto econmica quanto fsica.

    Sntese e recomendaes

  • 22 Anlise dos Sistemas de Medida e Propostas

    Sntese e Recomendaes

    Todas essas dimenses modelam o bem-estar de cada um; entretanto, muitas delas so ignoradas pelas ferramentas tradicionais de medio dos rendimentos.

    Ambas as dimenses do bem-estar, a objetiva e a subjetiva, so importantes.

    Recomendao n6: A qualidade de vida depende das condies objetivas em que se encontram as pessoas e de suas capacidades dinmicas. Seria conveniente me-lhorar as mensuraes numricas da sade, da educao, das atividades pessoais e das condies ambientais. Alm disso, dever ser feito um esforo particular na concepo e na aplicao de ferramentas slidas e confi veis de mensurao das relaes sociais, da participao na vida poltica e da insegurana, conjunto de ele-mentos que pode se constituir em um bom prognstico da satisfao que as pessoas extraem de suas vidas.

    29. As informaes que possibilitam avaliar a qualidade de vida vo alm das de-claraes e das percepes das pessoas; incluem, igualmente, a medida de seus funcionamentos (o emprego de suas capacidades) e de suas liberdades. O que importa realmente, de fato, so as capacidades de que as pessoas dispem, isto , o conjunto das possibilidades que se oferecem a elas e a liberdade que tm de escolher, nesse conjunto, o tipo de vida ao qual atribuem valor. A escolha dos funcionamentos e das capacidades pertinentes para medir a qualidade de vida mais um juzo de valor do que um exerccio tcnico. Todavia, mesmo se a lista correta desses aspectos se baseia inevitavelmente em juzos de valor, existe um consenso sobre o fato de que a qualidade de vida depende da sade e da educao, das condies de vida quotidiana (entre as quais o direito a um emprego e a uma moradia decentes), da participao no processo poltico, dos ambientes social e natural das pessoas e dos fatores que defi nem sua segurana pessoal e econmica. A medida de todos esses elementos necessita de dados tanto objetivos quanto subjetivos. Nessas reas, a difi culdade consiste em me-lhorar o que j foi realizado, em identifi car as lacunas que as informaes dis-ponveis apresentam e em destinar meios estatsticos s reas (como a utilizao do tempo) nas quais os indicadores disponveis permanecem insufi cientes.

    Recomendao n7: Os indicadores de qualidade de vida devero, em todas as dimenses que abrangem, fornecer uma avaliao exaustiva e global das desigual-dades.

  • 23Relatrio da Comisso sobre a medida de desempenho econmico e progresso social

    30. As desigualdades de condies de vida constituem parte integrante de toda e qualquer avaliao da qualidade de vida, de sua comparabilidade entre pases e de sua evoluo no tempo. A maior parte das dimenses da qualidade de vida necessita de medies distintas das desigualdades, sem deixar de levar em con-ta, como j vimos no pargrafo 25, os laos e correlaes entre estas dimenses. As desigualdades de qualidade de vida devero ser avaliadas entre pessoas, ca-tegorias socioeconmicas, sexos e geraes, dando uma ateno particular s desigualdades de origem mais recente, como aquelas ligadas imigrao.

    Recomendao n8: Devero ser concebidas enquetes para avaliar as ligaes entre os diferentes aspectos da qualidade de vida de cada um, e as informaes obtidas devero ser utilizadas por ocasio da definio de polticas em diferentes reas.

    31. essencial compreender como as evolues em uma rea da qualidade de vida afetam as outras reas e como as evolues dessas diferentes reas esto ligadas aos rendimentos. A importncia desse ponto provm do fato de que as conse-quncias do acmulo de desvantagens sobre a qualidade de vida ultrapassam amplamente a soma de seus efeitos separados. O desenvolvimento de mensu-raes desses efeitos acumulados impe coletar informaes sobre a distri-buio combinada dos aspectos essenciais da qualidade de vida junto a toda a populao de um pas, por meio de enquetes especficas. Poderiam igualmente ser realizados progressos nesse sentido integrando-se ao conjunto das enquetes existentes perguntas-tipo que permitam classificar as pessoas interrogadas em funo de um conjunto limitado de caractersticas. No contexto da concepo de polticas em reas especficas, seus efeitos sobre os indicadores relativos s diferentes dimenses da qualidade de vida devero ser considerados conjunta-mente a fim de processar interaes entre essas dimenses e apreender melhor as necessidades das pessoas desfavorecidas em vrias reas.

    Recomendao n9: Os institutos de estatsticas deveriam fornecer as informaes necessrias para agregar as diferentes dimenses da qualidade de vida, permitin-do, assim, a construo de diferentes ndices.

    32. Ainda que a estimativa da qualidade de vida exija uma pluralidade de indicado-res, manifesta-se uma demanda urgente em favor do aperfeioamento de uma medida sinttica nica. Diferentes mensuraes desse tipo so possveis, em funo das questes tratadas e da abordagem adotada. Algumas dessas men-

    Sntese e recomendaes

  • 24 Anlise dos Sistemas de Medida e Propostas

    Sntese e Recomendaes

    suraes j so utilizadas, como por exemplo, a do nvel mdio de satisfao de vida em um pas, ou ainda existem ndices compostos agrupando mdias em diferentes reas objetivas, como o ndice de Desenvolvimento Humano. Outras mensuraes poderiam ser empregadas se as autoridades estatsticas na-cionais fi zessem os investimentos necessrios para coletar os dados necessrios a seu clculo. Trata-se, principalmente, de medies da proporo do tempo no decorrer do qual o sentimento expresso dominante negativo, de medies baseadas na contagem das ocorrncias e na avaliao da gravidade de diferentes aspectos objetivos da vida das pessoas, e de medidas (em rendimento equiva-lente) baseadas nos estados e preferncias de cada um.

    33. A Comisso estima que, alm desses indicadores objetivos, seria conveniente proceder a medidas subjetivas da qualidade de vida.

    Recomendao n10: As medidas do bem-estar, tanto objetivo quanto subjetivo, fornecem informaes essenciais sobre a qualidade de vida. Os institutos de esta-tstica deveriam integrar s suas enquetes perguntas que visassem a conhecer a avaliao que cada um faz de sua vida, de suas experincias e prioridades.

    34. A pesquisa mostrou que era possvel coletar dados signifi cativos e confi veis sobre o bem-estar subjetivo, tanto quanto sobre o bem-estar objetivo. O bem-estar subjetivo compreende diferentes aspectos (avaliao cognitiva da vida, felicidade, satisfao, emoes positivas como a alegria ou o orgulho, emoes negativas como o sofrimento ou a inquietao): cada um desses aspectos deve-ria ser objeto de uma medio distinta a fi m de extrair uma apreciao global da vida das pessoas. Os indicadores quantitativos desses aspectos subjetivos ofere-cem a possibilidade de chegar no apenas a uma boa medida da qualidade de vida em si, mas igualmente a uma melhor compreenso de seus determinantes, indo para alm dos rendimentos e das condies materiais das pessoas. Apesar da persistncia de vrias questes no resolvidas, essas medidas subjetivas for-necem informaes importantes sobre a qualidade de vida. Por esse motivo, os tipos de perguntas que se revelaram pertinentes no mbito de enquetes no ofi ciais de menor escala deveriam ser integrados s enquetes de maior escala dirigidas pelos servios estatsticos ofi ciais.

    Por uma abordagem pragmtica da medida de sustentabilidade

  • 25Relatrio da Comisso sobre a medida de desempenho econmico e progresso social

    35. As questes de mensurao e de avaliao da sustentabilidade tm estado no centro das preocupaes da Comisso. A sustentabilidade coloca a questo de saber se o padro atual de bem-estar poder ser, seno aumentado, pelo menos mantido, para as geraes futuras. Por natureza, a sustentabilidade diz respeito ao futuro, e sua avaliao implica um bom nmero de hipteses e escolhas nor-mativas. A questo ainda mais difcil porque certos aspectos, pelo menos da sustentabilidade ambiental (de mudana climtica, em particular), so afetados pelas interaes entre os modelos socioeconmicos e ambientais adotados pe-los diferentes pases. A questo , portanto, muito complexa, mais que aquelas, j penosas, da mensurao do bem-estar atual ou do desempenho.

    Recomendao n11: A avaliao da sustentabilidade necessita de um conjunto de indicadores bem definido. Como trao distintivo, os componentes deste painel devero poder ser interpretados como variaes de certos stocks subjacentes. Um ndice monetrio de sustentabilidade tem seu lugar em tal painel; todavia, no estado atual dos conhecimentos, ele deveria mirar principalmente, nos aspectos eco-nmicos da sustentabilidade.

    36. A avaliao da sustentabilidade complementar da questo do bem-estar atual ou do desempenho econmico e deve, portanto, ser examinada separadamente. Esta recomendao pode parecer trivial; entretanto, este ponto merece ser des-tacado, pois certas abordagens atuais no adotam esse princpio, o que resulta em mensagens geradoras de confuso. Tal o caso, por exemplo, quando se tenta combinar bem-estar atual e sustentabilidade em um s indicador. Para empregar uma analogia, quando se dirige um carro, um contador que agregasse em um s valor a velocidade atual do veculo e o nvel de combustvel restante no ajudaria em nada o motorista. Essas duas informaes so essenciais e de-vem ser mostradas em partes distintas, nitidamente visveis, no painel.

    37. Para medir a sustentabilidade, devemos, pelo menos, poder dispor de indica-dores que nos informem sobre as mudanas ocorridas nas quantidades dos dife-rentes fatores importantes para o bem-estar futuro. Em outros termos, a susten-tabilidade exige a preservao ou o aumento simultneos de vrios stocks: as quantidades e qualidades, no somente dos recursos naturais, mas tambm do capital humano, social e fsico.

    38. A abordagem da sustentabilidade em termos de stocks pode ser enunciada

    Sntese e recomendaes

  • 26 Anlise dos Sistemas de Medida e Propostas

    Sntese e Recomendaes

    em duas verses diferentes. A primeira considera separadamente as variaes de cadastock e avalia se ele aumenta ou diminui, tendo em vista, especial-mente, fazer o necessrio para mant-lo acima de um certo limiar considerado como crtico. A segunda verso converte todos esses ativos em um equivalente monetrio, admitindo, portanto, implicitamente, que uma substituio entre os diferentes tipos de capital possvel, de sorte que, por exemplo, uma baixa do capital natural poderia ser compensada por uma alta sufi ciente do capital f-sico (por meio de uma ponderao adequada). Tal abordagem potencialmen-te fecunda, mas ela comporta tambm vrias limitaes, sendo a principal a falta, em numerosos casos, de mercados nos quais poderia se basear a avaliao dos ativos. Mesmo quando existem valores de mercado, nada garante que eles refl itam corretamente a importncia dos diferentes ativos que importam para o bem-estar futuro. A abordagem monetria necessita recorrer a imputaes e a modelos, o que levanta difi culdades em termos de informaes. Todas essas razes incitam a comear por uma abordagem mais modesta, a saber, colocar o foco da agregao monetria sobre elementos para os quais existam tcnicas de avaliao racionais, como o capital fsico, o capital humano e certos recursos naturais. Fazendo isso, dever ser possvel avaliar o componente econmi-co da sustentabilidade, isto , avaliar se os pases consomem ou no uma parte excessiva de sua riqueza econmica.

    Indicadores fsicos das presses ambientais

    Recomendao n12: Os aspectos ambientais da sustentabilidade merecem um acompanhamento em separado que se baseie em uma bateria de indicadores f-sicos selecionados com cuidado. necessrio, em particular, que um deles indique claramente em que medida ns nos estamos aproximando de nveis perigosos de danos ao meio ambiente (em razo, por exemplo, da mudana climtica ou do esgotamento dos recursos da pesca).

    39. Pelas razes expostas acima, muitas vezes difcil atribuir ao meio ambiente natural um valor monetrio; conjuntos distintos de indicadores fsicos sero, portanto, necessrios para acompanhar sua evoluo. Isso vale, especialmente, nos casos de danos irreversveis e/ou descontnuos ao meio ambiente. Por essa razo, os membros da Comisso estimam, em particular, que necessrio poder dispor de um indicador claro dos aumentos da concentrao de gases de efeito estufa na atmosfera, prximos dos nveis perigosos de mudana climtica (ou

  • ainda nveis de emisses capazes de resultar, no futuro, em tais concentraes). A mudana climtica (devida ao aumento da concentrao de gs de efeito estu-fa na atmosfera) igualmente particular no fato de que constitui um problema verdadeiramente planetrio que no pode ser medido no mbito das fronteiras nacionais. Indicadores fsicos deste tipo s podero ser definidos com a ajuda da comunidade cientfica. Felizmente um bom nmero de trabalhos j tem sido empreendido nessa rea.

    E de agora em diante?

    40. A Comisso estima que, longe de encerrar o debate, seu relatrio s faz abri-lo. Ele remete a questes que devero ser tratadas no mbito de trabalhos de pes-quisa mais vastos. Outras entidades no nvel nacional e no internacional deve-ro debater recomendaes deste relatrio, identificar seus limites e determinar como podero contribuir da melhor forma para as aes aqui pretendidas, cada uma em sua prpria rea.

    41. A Comisso estima que um debate de fundo sobre as questes levantadas por seu relatrio e suas recomendaes propiciar uma oportunidade importante para abordar os valores da sociedade aos quais atribumos preo e para determi-nar em que medida agimos realmente em favor daquilo que importa.

    42. Em nvel nacional, ser conveniente instalar mesas-redondas que associem di-ferentes partes interessadas, a fim de definir quais os indicadores que permiti-ro a todos ter uma mesma viso das modalidades do progresso social e de sua sustentabilidade no tempo, assim como estabelecer sua ordem de importncia.

    43. A Comisso espera que seu relatrio no somente suscite este amplo debate, mas ainda que ele favorea a pesquisa sobre o aperfeioamento de melhores instrumentos de medida, que nos permitiro avaliar melhor o desempenho econmico e o progresso social.

    Sntese e recomendaes

  • I. Exposio Geral do

    Contedo do RelatrioCaptulo 1: Questes Clssicas Relativas ao PIB

  • 30 Anlise dos Sistemas de Medida e Propostas

    Captulo 1

    Questes clssicas relativas ao PIB

    Exposio Geral do Contedo do Relatrio

    1.Introduo

    1. O produto interno bruto ou PIB constitui o instrumento de medida da atividade econmica mais amplamente utilizado. Seu clculo regido por normas internacio-nais, e todo um trabalho de refl exo se concentrou em defi nir suas bases estatsticas e conceituais. Todavia, o PIB mede essencialmente a produo comercial, ainda que seja muitas vezes tratado como se fosse uma medida do bem-estar econmico. A con-fuso entre essas duas noes traz os riscos de chegar a indicaes enganosas quanto ao nvel de conforto da populao e de induzir decises polticas inadequadas.

    2. Uma das razes pelas quais as medidas monetrias do desempenho econmico e dos nveis de vida vieram a desempenhar um papel to importante em nossas sociedades reside no fato de que a avaliao monetria dos bens e servios possi-bilita somar facilmente quantidades de natureza muito diferente. Se conhecermos os preos do suco de ma e os preos dos leitores de DVD, podemos somar os valores e estabelecer demonstraes da produo e do consumo expressos em um s e mesmo nmero. Entretanto, os preos de mercado so mais que um simples instrumento contbil. A teoria econmica nos diz que, quando os mercados fun-cionam de maneira satisfatria, a relao entre um preo de mercado e outro refl ete a apreciao relativa dos dois produtos por aqueles que os compram. Por outro lado, o PIB engloba a totalidade dos bens fi nais da economia, sejam eles consumi-dos pelas famlias, pelas empresas ou pelo Estado. Avali-los por meio de seus pre-os pareceria, portanto, ser um bom meio de explicar, sob a forma de um nmero nico, o grau de bem-estar de uma sociedade em um momento dado. Alm disso, fi xar os preos em um determinado nvel, observando como evoluem no tempo as quantidades de bens e servios que constituem o PIB, pode parecer racional para estabelecer o estado da evoluo dos nveis de vida de uma sociedade em termos reais.

    3. Na realidade, as coisas so mais complexas. Em primeiro lugar, certos bens ou ser-vios podem no ter preo (por exemplo, se um seguro de sade for oferecido gra-tuitamente pelo Estado ou ainda no caso dos cuidados dispensados s crianas por seus pais), o que coloca o problema do modo de avaliao desses servios. Depois, mesmo quando existem preos de mercado, esses ltimos podem diferir da avaliao subjacente feita pela sociedade. Especialmente, quando o consumo ou a produo de certos produtos diz respeito ao conjunto da sociedade, o preo pago pelos indivduos em troca desses produtos diferente do valor deles aos olhos da sociedade. Os danos ao meio ambiente causados pelas atividades de produo ou de consumo e no refl e-tidos pelos preos de mercado oferecem um exemplo bem conhecido disso.

    1Evidence and references in support of the claims presented in this Summary are presented in a companion technical report.

    1

  • 31Relatrio da Comisso sobre a medida de desempenho econmico e progresso social

    Introduo

    4. A isso se soma outro problema. Se pode ser fcil raciocinar em termos de pre-os e de quantidades, algo bem diferente definir e medir como esses ltimos mudam na prtica. Ora, com o passar do tempo, um bom nmero de produtos muda, ou desaparecem totalmente ou caractersticas novas lhes so acrescentadas. A mudana qualitativa pode ser muito rpida em reas como a das tecnologias da informao e da comunicao. Existem tambm produtos cuja qualidade com-plexa, multidimensional e difcil de medir, como os tratamentos mdicos, os servi-os ligados ao ensino, as atividades de pesquisa ou os servios financeiros. A isso se somam dificuldades de coleta de dados em uma poca em que uma parte crescente das vendas se opera na Internet, em leiles ou ainda em lojas de desconto. Resul-ta disso que dar conta de maneira apropriada da mudana qualitativa representa para os estatsticos um desafio formidvel, principalmente porque este aspecto essencial para a mensurao da renda real e do consumo real, dados que consti-tuem elementos-chave do bem-estar da populao. Subestimar os melhoramentos qualitativos equivale a superestimar a taxa de inflao, portanto, a subestimar os rendimentos reais. Em meados dos anos 1990, por exemplo, um relatrio desti-nado medida da inflao nos Estados Unidos (o relatrio da Comisso Boskin) estimou que a considerao insuficiente dos melhoramentos qualitativos trazidos aos bens e servios tinha resultado em superestimar a inflao em 0,6% ao ano. Em consequncia, vrias mudanas foram feitas no ndice de preos ao consumidor utilizado nos Estados Unidos.

    5. Na Europa, o debate invertido: reprova-se nas estatsticas oficiais de preos de subestimar a inflao. Isso provm, em parte, de que a percepo da inflao pelo pblico difere das mdias nacionais, como atesta o ndice dos preos ao consumi-dor, assim como da impresso que os estatsticos focam demais nas melhorias qua-litativas trazidas aos produtos e, por esse fato, chegam a uma viso otimista demais dos rendimentos reais dos indivduos.

    6. Para que os preos de mercado reflitam a apreciao dos bens e servios pelos consumidores, preciso tambm que estes ltimos sejam livres para escolher e disponham das informaes necessrias. No necessrio usar muito a imagina-o para afirmar que isso no sempre o caso. O exemplo que a complexidade dos produtos financeiros oferece mostra que a ignorncia dos consumidores impede os preos de mercado de desempenhar seu papel de portadores de sinais econmicos adequados. Outro exemplo tpico o dos pacotes de servios propostos pelas compa-nhias de telecomunicao, cuja complexidade e evoluo permanente tornam difcil garantir a transparncia dos sinais oferecidos pelos preos e de compar-los entre eles.

  • 32 Anlise dos Sistemas de Medida e Propostas

    Captulo 1

    Questes clssicas relativas ao PIB

    Exposio Geral do Contedo do Relatrio

    7. Por todos esses motivos, os sinais constitudos pelos preos devem ser interpre-tados com prudncia no mbito de comparaes no tempo e no espao. Sob vrios aspectos, eles no oferecem meio til de acmulo de quantidades. Isso no signifi ca que o recurso aos preos de mercado para elaborar medidas de desempenho eco-nmico seja em si inadequado, mas que convm ter prudncia, particularmente em relao ao instrumento de medida invocado com mais frequncia, que o PIB.

    8. O presente captulo expem cinco meios de atenuar certas lacunas do PIB en-quanto indicador dos padres de vida. Em primeiro lugar, dar nfase a indicadores da contabilidade nacional bem estabelecidos diferentes do PIB. Em segundo lugar, melhorar a medio emprica das principais atividades de produo, particular-mente a oferta de servios de sade e ensino. Em terceiro lugar, destacar a perspec-tiva das famlias, particularmente pertinente para o que diz respeito apreenso dos nveis de vida. Em quarto lugar, acrescentar informaes sobre a repartio da renda, do consumo e da riqueza aos dados relativos evoluo mdia desses elementos. Finalmente, estender o nmero de parmetros medidos. Uma grande parte da atividade econmica, particularmente, opera-se fora dos mercados e, mui-tas vezes, no se refl ete nas contabilidades nacionais existentes. Ora, quando no h mercado, no h preos de mercado, e a avaliao dessas atividades deve ser feita por meio de estimativas (ou imputaes). Embora essas ltimas tenham um sen-tido, elas apresentam tambm inconvenientes, aspectos que vamos examinar antes de passar s outras propostas.

    2 As imputaes: exaustividade e/ou inteligibilidade?

    9. A razo de ser das imputaes deve-se a dois fatores interligados. O primeiro a necessidade de levar tudo em considerao. Existem atividades produtivas e fl uxos de rendimentos relativos a elas (no monetrios, regra geral) que ocorrem fora dos mercados e dentre os quais alguns foram incorporados ao PIB. O tipo de imputao mais importante consiste em atribuir um valor de consumo aos servios de que se benefi ciam as famlias proprietrias, pelo fato de que elas vivem debai-xo de seu prprio teto. No h nem transao comercial nem pagamento, mas a contabilidade nacional trata essa situao como se os interessados pagassem a eles mesmos um aluguel. Admite-se, de forma geral, que se duas pessoas recebem o mesmo rendimento monetrio, uma sendo proprietria de sua moradia e a outra sendo locatria, essas duas pessoas no se situam no mesmo padro de conforto; de onde a estimativa, tendo em vista comparar melhor os rendimentos, seja no tempo, seja de um pas para outro. Isso nos leva a segunda razo de ser das imputaes, isto , o princpio da invarincia: o valor dos principais agregados contbeis no deve

    2.As imputaes: exaustividade e/ou inteligibilidade?

  • 33Relatrio da Comisso sobre a medida de desempenho econmico e progresso social

    depender das disposies institucionais em vigor em um pas. Para exemplificar, se servios mdicos exatamente semelhantes forem oferecidos em um caso pelo setor pblico e em outro pelo setor privado, as medidas de conjunto da produo no devem ser afetadas pela passagem de um para outro desses quadros institucio-nais. A adoo do princpio da invarincia oferece como principal vantagem que se pode operar melhor comparaes no tempo e de um pas para outro. Resulta, por exemplo, que as mensuraes da renda disponvel ajustada das famlias (ver mais abaixo) compreendem uma imputao a ttulo de servios dispensados diretamen-te aos particulares pelos poderes pblicos.

    10. As imputaes podem ser mais ou menos importantes em funo do pas e do agregado de contabilidade nacional considerado. Na Frana e na Finlndia, por exemplo, as principais imputaes se elevam a cerca de um tero da renda dispo-nvel ajustada das famlias, enquanto que elas mal ultrapassam 20% nos Estados Unidos. Na falta de imputaes, os padres de vida dos lares franceses e finlandeses seriam, portanto, subestimados em relao aos Estados Unidos.

    11. Sendo assim, as imputaes apresentam inconvenientes, primeiramente em termos de qualidade dos dados: os valores imputados so, em geral, menos confi-veis que os valores observados. Alm disso, as imputaes incidem sobre a inteligi-bilidade das contabilidades nacionais. Elas no so todas percebidas pelos cidados como equivalentes a rendas, de onde uma disparidade possvel entre a evoluo das rendas percebidas e aquela das rendas medidas. Este problema se torna mais difcil ainda se ampliarmos a extenso das atividades econmicas para a incluir outros servios no comerciais. As estimativas do trabalho domstico que encontraremos mais abaixo correspondem a cerca de 30% do PIB tal como ele medido habitual-mente, a que se acrescentam ainda 80% mais ou menos se avaliarmos igualmente os lazeres. No desejvel que dados que se apoiem em suposies incidam de forma to importante sobre agregados de conjunto.

    12. Nenhum meio permite resolver facilmente esse dilema entre exaustividade e inteligibilidade, se no for colocando os dois tipos de informao disposio dos usurios e mantendo uma distino entre contas essenciais e contas satlites. Se, por exemplo, um conjunto exaustivo de contas sobre as atividades domsticas pode no ter seu lugar no interior dos agregados de contabilidade nacional, em contra-partida, uma conta satlite que oferea uma avaliao completa das diversas formas de produo domstica constituiria uma melhora significativa.

    As imputaes: exaustividade e/ou inteligibilidade?

  • 34 Anlise dos Sistemas de Medida e Propostas

    Captulo 1

    Questes clssicas relativas ao PIB

    Exposio Geral do Contedo do Relatrio

    3 O que se pode fazer no mbito do sistema de mensurao existente?

    3.1 Focar em agregados de contabilidade nacional diferentes do PIB

    13. Um primeiro passo que permitiria atenuar certas insufi cincias criticadas no PIB, enquanto ferramenta de medida dos padres de vida, consiste em focar agre-gados de contabilidade nacional diferentes do PIB, por exemplo, considerando a depreciao a fi m de raciocinar preferencialmente em termos de medidas lquidas da atividade econmica em vez de brutas.

    14. As medidas brutas no levam em considerao a depreciao dos bens de equi-pamento. Quando uma grande parte da produo deve ser posta de lado a fi m de garantir a renovao das mquinas e de outros bens de equipamento, as possibili-dades de consumo da sociedade so menores do que se tivssemos podido consti-tuir provises menos elevadas. Se os economistas se apoiam at hoje mais no PIB do que no Produto Interno Lquido (PIL), em parte porque a depreciao dif-cil de estimar. Quando a estrutura da produo permanece a mesma, o PIB e o PIL evoluem em relao estreita. Entretanto, no decorrer dos ltimos anos, a estrutura da produo mudou. Os bens que so da rea das tecnologias da informao tive-ram sua importncia aumentada enquanto bens de equipamento; ora, os compu-tadores e os soft wares tm uma expectativa de vida menor que as siderrgicas. Por esse fato, a diferena entre o PIB e o PIL pode ser levada a aumentar e, portanto, o PIL crescer, em volume, menos rapidamente que o PIB. Para exemplifi car, o PIB real aumentou em cerca de 3% ao ano nos Estados Unidos, entre 1985 e 2007. No decorrer desse mesmo perodo, a depreciao aumentou em 4,4%. Resulta da que o produto nacional lquido real aumentou mais lentamente que o PIB.

    15. Um fator mais preocupante para certos pases que as medidas usuais da de-preciao no levaram em considerao a degradao qualitativa do meio ambiente natural. Foram empreendidas diversas tentativas para ampliar a extenso da depre-ciao, a fi m de levar em conta essa degradao (ou dos melhoramentos trazidos ao meio ambiente, se for o caso), mas sem grande sucesso, sendo a principal difi -culdade a confi abilidade da medida das mudanas ocorridas na qualidade do meio ambiente e sua avaliao monetria.

    16. O caso do esgotamento dos recursos naturais um pouco diferente, j que exis-te, pelo menos, um preo de mercado, mesmo se este ltimo no refl etir os danos ao meio ambiente imputveis ao uso do recurso considerado. Esse esgotamento poderia ser levado em considerao excluindo-se do valor da produo de setores, como as minas ou a explorao madeireira, o valor dos recursos naturais retirados

    3.O que se pode fazer no mbito do sistema de mensurao existente?

  • 35Relatrio da Comisso sobre a medida de desempenho econmico e progresso social

    previamente. A produo desses setores se comporia ento unicamente de ativida-des de extrao ou de explorao madeireira, de onde uma baixa correspondente do PIB. Outra possibilidade consistiria em levar em considerao o esgotamento do recurso nas medidas de depreciao. Neste caso, o PIB permaneceria sem mo-dificao, mas o PIL ficaria menor.

    17. Em um contexto de globalizao, pode haver grandes diferenas entre os rendi-mentos dos habitantes de um pas e as medidas da produo nacional, sendo os pri-meiros, com toda evidncia, mais adequados para medir o bem-estar da populao. Teremos a oportunidade de mostrar que o setor das famlias deve ser particularmen-te considerado em nossas anlises, e que, para as famlias, muito mais apropriado compreender as coisas em termos de rendimentos do que em termos de medidas da produo. Uma parte dos rendimentos gerados pelas atividades dos estrangeiros resi-dentes no pas enviada para o exterior, enquanto que certos estrangeiros residentes no pas recebem rendimentos do exterior. Esses fluxos so levados em considerao pela noo de rendimento disponvel nacional lquido, agregado que j se encontra nos sistemas de contabilidade nacional. O grfico 1.1, abaixo, mostra a baixa dos rendimentos da Irlanda em relao ao PIB do pas, traduzindo o fato de que uma parte crescente dos lucros repatriada pelos investidores estrangeiros. Esses lucros esto includos no PIB, mas no aumentam o poder de compra dos irlandeses. Para um pas pobre em desenvolvimento, ouvir dizer que seu PIB aumentou apresenta pouco interesse: o que este pas quer saber se o padro de vida de seus habitantes aumentou. As medidas da renda nacional so mais adequadas neste caso que o PIB.

    Grfico 1.1 Renda nacional disponvel lquida em porcentagem do Produto In-terno Bruto

    Fonte: Contas nacionais anuais da OCDE.

    O que se pode fazer no mbito do sistema de mensurao existente?

  • 36 Anlise dos Sistemas de Medida e Propostas

    Captulo 1

    Questes clssicas relativas ao PIB

    Exposio Geral do Contedo do Relatrio

    Grfi co 1.2 PIB e rendimento disponvel na Noruega

    Fonte: Contas nacionais anuais da OCDE.

    18. Por outro lado, a evoluo dos preos das importaes muito diferente da-quela dos preos das exportaes, e essas mudanas nos preos relativos devem ser levadas em considerao na avaliao dos padres de vida. O grfi co abaixo ilustra a divergncia entre o rendimento real e a produo na Noruega, pas da OCDE rico em petrleo, cujo rendimento real cresceu mais rpido que o PIB em perodo de alta dos preos do petrleo. Em numerosos pases em desenvolvimento, nos quais os preos das exportaes tiveram tendncia a cair em relao queles das importaes, ocorrer o inverso.

    3.2 Medir melhor os servios em geral

    19. Nas economias contemporneas, os servios representam at dois teros da produo total e do emprego total; ora, mais difcil medir seus preos e seus volu-mes do que os dos bens. Os servios de venda no varejo constituem um caso tpico. Em princpio, numerosos aspectos deveriam ser levados em considerao para me-dir os servios oferecidos: o volume dos bens vendidos, mas tambm a qualidade do servio (acessibilidade da loja, nvel geral das prestaes de servio oferecidas pelo pessoal, escolha e apresentao dos produtos e assim por diante). A prpria defi nio desses servios difcil, mais ainda sua medio. Regra geral, os servios

    O que se pode fazer no mbito do sistema de mensurao existente?

  • 37Relatrio da Comisso sobre a medida de desempenho econmico e progresso social

    de estatsticas se servem dos dados sobre o volume das vendas como indicadores do volume dos servios comerciais, mtodo que deixa de lado a maior parte das mudanas qualitativas ocorridas nos servios comerciais oferecidos. O que ver-dadeiro para o comrcio no varejo vale igualmente para muitas outras atividades de servios, inclusive servios muitas vezes dispensados pelos poderes pblicos, como a sade ou o ensino. Ser importante empenhar-se melhor em dar conta do volume e da qualidade dos servios nas economias modernas.

    3.3 Medir melhor, particularmente, os servios prestados pelos poderes p-blicos

    20. Os poderes pblicos desempenham um papel importante nas economias con-temporneas. Os servios que oferecem so, grosso modo, de dois tipos: servios de natureza coletiva , como a segurana, e servios de natureza individual, como as prestaes de servio de sade ou ensino. Isso no significa que os poderes pbli-cos sejam os nicos a oferecer esses servios e, realmente, as partes respectivas do se-tor pblico e do setor privado na oferta de servios individuais variam amplamente de um pas para o outro. Se podemos debater a questo de saber em que medida os servios coletivos contribuem para o padro de vida da populao, em contrapar-tida no h nenhuma dvida de que os cidados atribuem um valor positivo aos servios individuais, em particular o ensino, a sade, os equipamentos esportivos pblicos. Esses servios ocupam, em geral, um lugar importante na economia, mas no so bem medidos. Tradicionalmente, para os servios no comerciais dispen-sados pelos poderes pblicos, as medidas se baseiam nos insumos utilizados para produzir esses servios mais do que no que efetivamente produzido. Essa maneira de proceder tem por consequncia direta que a evoluo da produtividade nos ser-vios oferecidos pelos poderes pblicos ignorada, a produo sendo suposta evo-luir no mesmo ritmo que os insumos. Da resulta que, se a produtividade aumenta no setor pblico, nossas medidas vo subestimar o crescimento.

    21. Em numerosos pases, foram empreendidos trabalhos a fim de aperfeioar, para esses servios dispensados pelos poderes pblicos, avaliaes da produo que no se baseiam nos insumos. Em suma, a tarefa gigantesca. Tomemos um exemplo: em matria de sade pblica, as despesas por habitante so mais altas nos Estados Unidos que na maior parte dos pases da Europa; entretanto, vista dos indicado-res usuais, os resultados so piores. Isso quer dizer que os norte-americanos se bene-ficiam menos das prestaes de servios de sade, que seu sistema de sade pblica mais caro e/ou menos eficaz, ou ainda que os resultados dependem tambm de

    O que se pode fazer no mbito do sistema de mensurao existente?

  • 38 Anlise dos Sistemas de Medida e Propostas

    Captulo 1

    Questes clssicas relativas ao PIB

    Exposio Geral do Contedo do Relatrio

    outros fatores, diferentes daqueles das despesas de sade, especfi cos da sociedade norte-americana ? A evoluo das despesas de sade deve poder ser avaliada entre impacto em termos de preo e impacto em termos de resultados. Dito isso, quais volumes buscamos medir? tentador medi-las tendo em vista o estado de sade da populao, s que o vnculo entre este ltimo e as despesas de sade pblica , en-tretanto, tnue: as despesas se referem aos meios concedidos aos estabelecimentos que dispensam servios de sade, enquanto que o estado de sade da populao funo de fatores mltiplos, e o mesmo acontece com o ensino. O modo de vida, por exemplo, afeta o estado de sade; igualmente, o tempo que os pais passam jun-to a seus fi lhos, afeta as notas desses ltimos nos exames. Atribuindo-se somente aos estabelecimentos hospitalares ou escolares, e s verbas que lhes so destinadas, o mrito das mudanas em matria de sade ou de ensino, desprezam-se todos es-ses fatores e distorce-se a perspectiva.

    22. O objetivo buscado consiste em medir, de maneira mais precisa, o crescimento em volume dos servios pblicos. Vrios pases da Europa, da mesma forma que a Austrlia e a Nova Zelndia, elaboraram mtodos de medida dos principais servi-os dispensados pelos poderes pblicos em funo dos resultados. Uma das gran-des difi culdades consiste, l tambm, em dar conta das mudanas qualitativas. Na falta de um bom instrumento de medida da qualidade (ou, o que d no mesmo, na falta de uma boa estimativa dos ganhos de produtividade), impossvel estabelecer se as medidas usuais baseadas nos insumos subestimam o crescimento ou o supe-restimam. Recorrendo a medidas quantitativas indiferenciadas (nmero total de estudantes ou de pacientes, por exemplo), corre-se o risco de deixar de lado a evo-luo da composio e a qualidade dos resultados. preciso, entretanto, comear por algum lugar e, dada a importncia dos montantes em jogo, a questo no pode ser ignorada. Assim, por exemplo, o crescimento mdio anual da economia brit-nica entre 1995 e 2003 foi de 2,75 % quando o medimos em termos de outputs, por exemplo, enquanto que mantidos os mtodos convencionais, esta taxa de 3% (Atkinson 2005). Efeitos anlogos poderiam ser observados no caso da Frana. Na Dinamarca, ao contrrio, um estudo mostrou que a produo dos servios de sade cresceu mais depressa que a produo medida com base nos insumos (ver o Grfi co 1.3).

    O que se pode fazer no mbito do sistema de mensurao existente?

  • 39Relatrio da Comisso sobre a medida de desempenho econmico e progresso social

    Grfico 1.3 Evoluo em volume dos servios de sade na Dinamarca

    Fonte: Deveci, Heurln, Srensen (2008), "Non-Market Health Care Service in Denmark Em-pirical Studies of A, B and C Methods; comunicao reunio, na Eslovnia, da Associao Internacional de Pesquisas sobre os Rendimentos e a Riqueza.

    23. Para que as medidas baseadas no output sejam confiveis, importa que se ba-seiem em observaes suficientemente pormenorizadas para evitar toda e qualquer confuso entre evoluo efetiva em volume e efeitos de composio. Pode-se bus-car saber quantas pessoas cursam o ensino superior e limitar-se a contar o nme-ro de alunos. Se as despesas por estudante aumentam, poderamos concluir que o custo unitrio dos servios de ensino aumentou. Ora, isso pode nos induzir a erro se o aumento dos custos se deve ao fato de que os cursos foram dispensados a grupos mais reduzidos ou ainda se h mais pessoas que empreendem estudos de engenharia, mais caros. O erro de medida ocorre porque o nmero de estudantes em si uma medida muito indiferenciada para ser significativa, de sorte que ne-cessrio dispor de um quadro mais pormenorizado. Seria til, por exemplo, tratar diferentemente uma hora de aula ministrada a um aluno de um Curso de Enge-nharia em concluso de estudos e uma hora de aula ministrada a um estudante de primeiro ano da Faculdade de Letras, o que permitiria dar conta das diferenas de qualidade e de composio. O mesmo raciocnio vale igualmente em matria de sade: os tratamentos aplicados a doenas diferentes devem ser considerados como servios mdicos diferentes. Constata-se que os sistemas de sade de certos pases fornecem realmente os dados administrativos requeridos para obter essas informaes pormenorizadas. Conclumos da que, apesar da amplitude da tarefa,

    O que se pode fazer no mbito do sistema de mensurao existente?

  • 40 Anlise dos Sistemas de Medida e Propostas

    Captulo 1

    Questes clssicas relativas ao PIB

    Exposio Geral do Contedo do Relatrio

    essencial medir melhor os servios individuais oferecidos pelos poderes pblicos se quisermos poder avaliar melhor os padres de vida. A explorao de novas fon-tes de dados administrativos constitui um dos meios de progredir nessa direo. Para serem ideais, as informaes deveriam igualmente dar conta da qualidade dos servios, por exemplo, as modalidades de hospitalizao dos pacientes ou o tempo que lhes concedido pelo pessoal mdico, apesar de que esse tipo de dados possa ser difcil de coletar. Nesse caso, poder ser necessrio recorrer a novas fontes de dados primrios, tais como as enquetes.

    24. A melhora das medidas do volume daquilo que produzido no dispensa a necessidade de melhorar as medidas do volume dos insumos (e de public-las). somente se uns e outros so bem levados em conta na produo de servios que ser possvel estimar a evoluo da produtividade e proceder a comparaes desta ltima de um pas para outro.

    3.4 Considerar o conceito de despesas defensivas

    25. As despesas necessrias para manter os nveis de consumo ou o funcionamento da sociedade podem ser consideradas como uma espcie de insumo intermedirio: no h benefcio direto e, neste sentido, elas no resultam em um bem ou servio fi nal. Em seu artigo de 1973, que serve de fundamento, por exemplo, Nordhaus e Tobin qualifi cam como defensivas as atividades que com toda a evidncia, no so diretamente em si fonte de utilidade, mas so, de maneira lamentvel, aportes necessrios a atividades capazes de ter uma utilidade. Em particular, eles ajustam os rendimentos na baixa a ttulo de despesas devidas urbanizao e comple-xidade dos modos de vida modernos. Bom nmero dessas despesas defensivas cabe ao Estado, outras ao setor privado. Para exemplifi car, as despesas destinadas s prises podem ser consideradas como despesas defensivas realizadas pelos poderes pblicos, enquanto que as despesas de deslocamento entre o domiclio e o local de trabalho so despesas defensivas realizadas pelos particulares. Vrios autores pro-puseram que essas despesas sejam tratadas como produtos intermedirios em vez de produtos fi nais. Resulta da que elas no deveriam fazer parte do PIB.

    26. Ao mesmo tempo, numerosas difi culdades surgem assim que se trata de iden-tifi car quais despesas so defensivas e quais despesas no o so. A criao de um novo parque, por exemplo, constitui uma despesa defensiva diante dos aborreci-mentos da vida urbana ou um servio no defensivo da rea dos lazeres? O que se pode fazer para ir mais longe? Existem vrias possibilidades:

    O que se pode fazer no mbito do sistema de mensurao existente?

  • 41Relatrio da Comisso sobre a medida de desempenho econmico e progresso social

    Primeiramente, focar mais no consumo das famlias que no consumo final total. A primeira dessas noes , sob muitos aspectos, mais significativa. Alm disso, as despesas de consumo coletivo feitas pelos poderes pblicos (prises, despesas mili-tares, conserto dos danos causados pelos derramamentos de leos nas guas e assim por diante) se acham automaticamente excludas.

    Em segundo lugar, utilizar um conceito amplo de ativos. No raro que despesas de-fensivas compreendam elementos de investimento e bens de equipamento. Nesses casos, elas deveriam ser tratadas em grande parte como so as despesas de manu-teno contnua, no caso da produo clssica. As despesas de sade, por exemplo, poderiam ser consideradas como um investimento em capital humano em vez de como um consumo final. Se existe uma medida da qualidade do meio ambiente considerada como um capital, as despesas feitas para melhor-la ou mant-la pode-riam, elas tambm, ser consideradas como um investimento. Inversamente, os efei-tos da atividade econmica que causam dano a este elemento do ativo poderiam ser considerados no mbito de um sistema ampliado de medida da depreciao ou do esgotamento dos recursos, de tal sorte que a medida lquida dos rendimentos ou da produo seja, em consequncia, reduzida. Vimos acima que so as medidas lquidas, ao invs das medidas brutas, que deveriam ser nossas referncias em ma-tria de padres de vida.

    Em terceiro lugar, ampliar o campo da produo das famlias. Certas despesas de-fensivas no podem de forma razovel ser tratadas como investimentos. Tome-mos o caso dos trajetos entre domiclio e local de trabalho: as famlias produzem servios de transporte destinando seu tempo (despesa de trabalho) e seu dinheiro (passagens de transporte coletivo) para este fim. Desconsiderando a compra pelo consumidor de uma passagem de trem, que conta como consumo final, nenhum desses fluxos entra nas medidas da produo e dos rendimentos. Poderamos reme-diar isso levando em considerao a produo de servios de transporte pelas fam-lias, que seria considerada como um fornecimento no retribudo de insumos in-termedirios s empresas, assim subsidiadas pelos lares privados. Ainda que essa maneira de proceder nada mude no PIB total, ela faria aparecer uma contribuio produo mais importante da parte das famlias e menor da parte das empresas.

    27. O principal obstculo a essa abordagem reside em sua aplicao. Como determinar precisamente a extenso das despesas defensivas? Que valor atribuir a esses novos ativos e aos fluxos em espcie? A isso se acrescenta naturalmente o fato de que essa ampliao da noo de ativos e das medies da produo est associada a mais imputaes.

    O que se pode fazer no mbito do sistema de mensurao existente?

  • 42 Anlise dos Sistemas de Medida e Propostas

    Captulo 1

    Questes clssicas relativas ao PIB

    Exposio Geral do Contedo do Relatrio

    3.5 Considerar conjuntamente a renda, a riqueza e o consumo

    28. Se os fl uxos de rendimentos constituem um meio importante de apreciar os padres de vida, so, em ltima anlise, o consumo e as possibilidades de consumir no tempo que importam. A dimenso temporal conduz noo de riqueza. Uma famlia com poucos rendimentos, mas dotada de riqueza acima da mdia, est em melhor situao que uma outra famlia com poucos rendimentos mas sem riqueza. A existncia de um patrimnio tambm uma das razes que explicam por que rendimentos e consumos no esto necessariamente em igualdade; para um dado rendimento, o consumo pode ser aumentado com diminuio do patrimnio ou se endividando, ou reduzido por meio de poupana e aumento do patrimnio. A riqueza , portanto, um indicador importante da sustentabilidade do consumo.

    29. O mesmo ocorre para o conjunto da economia. Para estabelecer o balano de uma economia, preciso poder dispor de demonstraes numricas completas de seu ativo (capital fsico mais, segundo toda probabilidade, capital humano, natural e social) e de seu passivo (o que devido aos outros pases). Para saber o que se produz nesta economia, preciso poder estabelecer as mudanas ocorridas em sua riqueza. Em certos casos, poder ser mais fcil levar em considerao a evoluo desta ltima do que estimar seu valor total. Essas mudanas se traduzem por inves-timentos brutos (em capital fsico, natural, humano e social) dos quais devem ser deduzidos a depreciao e o esgotamento desses mesmos recursos.

    30. Mesmo se for, em princpio, possvel extrair dos demonstrativos da contabili-dade nacional informaes sobre certos aspectos essenciais da riqueza das famlias, essas informaes so muitas vezes incompletas. Alm disso, certos elementos do ativo no so reconhecidos como tais na contabilidade clssica, o capital humano em primeiro lugar. Estudos destinados estimativa monetria dos estoques de ca-pital humano estabeleceram que este ltimo representava de longe a maior parte (80%, e mesmo mais) da riqueza total. Sob vrios aspectos, a mensurao sistem-tica do estoque de capital humano apresenta interesse. Ela faz parte integrante de um sistema ampliado de mensurao da produo das famlias (ver abaixo), contri-buindo para a elaborao de indicadores de sustentabilidade.

    31. A estimativa do valor dos estoques coloca, todavia, um problema de fundo. Quando existem mercados para bens, os preos pelos quais estes ltimos so com-prados e vendidos servem para avaliar o conjunto do estoque. Entretanto, pode no haver mercado para certos ativos ou ainda no haver transaes nos merca-dos, como foi o caso recentemente para certos haveres fi nanceiros, o que coloca a questo de seu modo de avaliao. Mesmo quando existem preos de mercado, as

    O que se pode fazer no mbito do sistema de mensurao existente?

  • 43Relatrio da Comisso sobre a medida de desempenho econmico e progresso social

    transaes no correspondem seno a uma pequena parte do estoque existente, e sua volatilidade pode ser tal que ela ponha de novo em discusso a possibilidade de interpretar os balanos. Posto isto, as informaes bsicas sobre o ativo e o passivo so essenciais para poder avaliar o estado de sade econmico dos diferentes seto-res e os riscos financeiros aos quais eles se acham expostos.

    4 Salientar a perspectiva das famlias

    32. A renda pode ser calculada para as famlias e para toda a economia. Uma parte da renda dos cidados retirada sob a forma de impostos e no est, portanto, dis-ponvel. Mas o Estado retira este dinheiro com um objetivo: fornecer bens e ser-vios pblicos, investir nas infraestruturas, por exemplo, e transferir rendimentos a outras pessoas (que, em princpio, tm mais necessidade deles). Um mtodo de clculo da renda das famlias correntemente empregado acrescenta e subtrai essas transferncias. Do indicador resultante espera-se uma avaliao da renda disponvel das famlias. Entretanto, a renda disponvel s leva em conta transferncias monet-rias entre as famlias e o Estado, e no, servios em espcie fornecidos pelo Estado.

    4.1 Corrigir a avaliao da renda das famlias para levar em conta servios em espcie fornecidos pelo Estado

    33. J mencionamos mais acima o princpio de invariabilidade, segundo o qual a transferncia de uma atividade do setor pblico para o setor privado, ou inversamen-te, no deveria modificar nossa medida do desempenho, salvo se essa transferncia afetar a qualidade ou a acessibilidade dessa atividade. a que o mtodo de clculo da renda que se baseia unicamente no mercado encontra seus limites, e que um indicador que corrige diferenas resultantes de aspectos institucionais pode ser aperfeioado para garantir as comparaes no tempo e entre os pases. A renda dis-ponvel ajustada um indicador da contabilidade nacional que leva parcialmente em considerao o princpio da invariabilidade, pelo menos no que diz respeito s transferncias sociais em espcie realizadas pelo Estado.