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ENCYCLOPEDIA DA BÍBLIA CULTURA CRISTÃ VOLUME Ji M-P Organizador Geral MERRILL C. TENNEY

Merril.N

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ENCYCLOPEDIADA BÍBLIAC UL T UR A C R I S T Ã

V O L U M E J iM-P

Organizador GeralMERRILL C. TENNEY

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nciclowdia daBíbliaE M C I N C O V O L U M E S

Organizador Geral MERRILL C. TENNEY

Organizador Associado STEVEN BARABAS

V O L U M E Q U A T R O » M—P

€6DITORR CULTURA CRISTfí

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NAÃ(mn). 1. Filho de Calebe, filho de Jefoné, da tribo de Judá(LCr 4.15). 2. (an:, conforto). Chefe, em Judá, irmão da esposa de Hodias ( lC r 4.19). Apesar da grafia diferente em hebraico, ambos são chamados de Naã nas versões em Português.

NAALAL (V?ni); BJ N a a l o l em Josué 19.15. Naalol em Juizes 1.30. Uma cidade designada para a tribo de Zebulom (Js 19.15) e dada aos levitas (21.35), mas da qual Zebulom foi incapaz de expulsar os habitantes cananeus que viviam entre eles e se tomaram sujeitos a trabalhos for­çados (Jz 1.30). A localização é incerta. Simons (CTT , pág. 182) prefere Tell el-Beida ao sul de Naalal; Albright (“Contributions to the Historical Geography of Palestine”, AASOR, 2-3 [1923], 26), sugere Tell en-Nahl, situada a norte do rio Quisom, próximo à extremidade sul da planície de Aco, perto do moderno assentamento de Naalal (veja J. Simons, Geographical and Topographical Texts o f the Old Testament. Leiden [1959], Map Number II a).

P. A. V e r h o e f

NAALIEL p t t ’?rn, vale da torrente de Deus). Um lugar de parada que os israelitas utilizaram durante sua jornada de Amom para Jericó (Nm 21.19). O sítio arqueológico é desconhecido. Como é mencionado um vale de torrente, pode ser um dos afluentes de Arnom.

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428 NAALOL / NAAMÁ

NAALOL. Forma usada pela BJ para N a a l a l ,

em Josué 19.15.

N A A M Ã (í|M3; LXX veja abaixo; significa agradabilidade). 1. Neto de Benjamim por meio de Belá, que entrou no Egito com Jacó (Gn 46.21; LXX Noeiiav; Nm 26.40 [LXX Nm 26.44] e 1 Cr8.4,7, LXX N oo|ia), e o ancestral eponímico dos naamanitas (Nm 26.40).

2. Comandante do exército do re i de Arã, usado por Yahweh para disciplinar o desobediente Reino do Norte. Foi curado da lepra por Eliseu (2Rs5). A história demonstra a atitude espiritual que Yahweh espera daqueles que ele usa para corrigir seu povo teticrático.

Naamã aparece tanto como nome próprio em textos administrativos do Ras Shamra, quanto como um epíteto de personagens reais, a saber, Krt, e ‘Aqht, e Adónis (J. Gray, I and II Kings [1970], 504). Em 2 Reis 5 é um nome próprio (LXX N atp av , LXX Luciana N eenav).

Antes da conversão de Naamã, o rei dos ara- meus, provavelmente Ben-Hadade II (Jos., Ant. XVIII. xv. 5), atribuiu as vitórias de Naamã a seu gênio militar (v. 1). A frase “em alto favor” é traduzida literalmente como “ele teve o rosto le­vantado”, referindo-se ao gesto do rei, de estender seu cetro na direção do suplicante inclinado até o chão ante ele e levantar sua face (ex. Et 8.3s.). Quando o rei se referiu a ele como “meu servo” (v.6) quis indicar que era um oficial do alto escalão, possivelmente, mas não necessariamente, ligado a ele por serviços feudais. De qualquer modo, Naamã era um “grande homem... e de muito con­ceito” (lR s 5.1); ou seja, “herói da guerra”. Além do mais, apesar do fato de sua criada ter dito que o profeta em S amaria poderia curá-lo da lepra (v. 4), o rei não se importou com o profeta, mas de acordo com o antigo conceito do rei como canal de bênçãos divinas, ele enviou o pedido diretamente ao rei de Israel, que por sua vee também ignorou o profeta.

Também sem saber qu t Yahweh o estava usan­do (v. 1) Naamã era um homem orgulhoso como mostram estas observações: (1) ele veio à casa de Eliseu esperando ser recebido com toda pompa compatível com sua posição (v. 9); (2) “a ter co­migo” (v. 11) é uma posição enfática significando “a uma pessoa como eu”; (3) “certamente” (ARC, BJ; NVI, “eu estava certo de que ele sairia”) uma tradução do infinitivo absoluto hebraico “sairia” também enfatiza o fato de que Naamã considerava dever de Efiseu ir até ele, por lhe ser socialmente

inferior; e (4) sua recusa em executar o plano diferente do que ele idealizara (w . 11 e 12).

Yahweh usou muitos agentes para efetuar a conversão de Naamã, de um homem orgulhoso e auto-suficiente, em um homem crente (v. 15), humilde (v. 18) (cp. “seu servo”), e reverente (v. 18), qualidades que Yahweh E s p e r a de todos os homens, incluindo daqueles que ele emprega para disciplinar seu povo. Primeiro Yahweh o afligiu com lepra. Lepra aqui não é a mesma moderna doença de Hansen (cp. R. G. Cochrane, M. D., “Biblical Leprosy,” The Star [Carville, Louisiana, s.d.]). De qualquer modo, não era daquele tipo que segregava da sociedade. J. Gray conclui, “a doença de Naamã deve ter sido o que Heródoto chamou de leukê sendo distinta de leprê ” . Somente Deus podia curar esta doença (v.7). Em segundo lugar, Yahweh usou seus servos crentes de posição so­cial bastante inferior (a menina escrava israelita [v.2] e o próprio servo de Naamã [v. 13]). Por fim, usou o homem de Deus, que reconheceu que sua posição de autoridade era submissa a de Deus (v. 10), reconheceu a necessidade da fé, como de uma criança, na Palavra de Deus (vv. 11-14), e mostrou-se agradecido pelo fato de a salvação de Deus ser uma dádiva gratuita (vv.15-16).

A cura de Naamã foi mencionada pelo Senhor Jesus como um exemplo da bondade de Deus para com as pessoas de outras nações (Lc 4.27).

BIBLIOGRAFIA. J. Gray, I andII Kings (1970), 452-458.B. K. W a l t k e

N AAM A (nay], para as formas na LXX veja abai­xo), significa agradável, prazeroso, doMp.

1. Da descendência de Caim, filha de Lameque e Zilá e irmã de Tubalcaim (Gn 4.22, LXX No- ep a , LXX Luciana Noep.|j.a). É a única filha da linhagem de Caim ou Abel, cujo nome é fornecido (Gn 4.17-5.32).

2. Esposa amonita de Salomão e mãe de Ro- boão. O casamento ilegal de Salomão comNaamá e a adoção dos altos, colunas, Aserá (poste-ídolo) e prostitutos cultuais causou a desafeição de Judá para com Yahweh (lR s 14.21, LXX Maa%ot|a, LXX Alexandrina Maa|ioc, LXX Luciana N aav a , 2Cr 12.13, LXX Noop.a, LXX Luciana Nccoqia; também lRs 14.31, mas omitido na LXX Vaticano, LXX Luciana, etc.).

3. Cidade nas planícies da herança de Judá e no mesmo grupo de Laquis, Eglom e Maquedá. Provavelmente não é a moderna N a’neh, a c. 10 km ao sul de Lyda (NBD, 858), mas sim Khirbet Fared,

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NAAMANI / NAASSOM 429

próxima a 'Araq \ a ‘aman. Zofar era um naama- tita, forma adjetnada de Naamá. mas não se sabe com certeza se esta é a mesma Naamá de Jó 2 .11.

B. K. W a l t k e

NAAMANI (■**;, compassivo). Um dos israelitas que voltaram do exílio com Zorobabel (Ne 7.7).O nome é omitido em Esdras 2.2. Em 1 Esdras 5.8 a KJV traz "Enenius"; a ASV, "Eneneus" e a RSV, "Bigvai"

NAAMANITA r a m , o naamita). Descendente de Naamâ (Nm 26.40).

NAAMATITA rrr.z:. um habitante em Naamã). Lm morador de Na'am eh, que pode ser Djebel- el-NVameh, no noroeste da Arábia. Zofar, um dos amigos de Jó, é chamado de naamatita (Jó 2.11; 11.1; 20.1; 42.9).

NAARA (mm, ■pin; menina). Naarate (Js 16.7); Naarã ( lC r 7.28). 1. Uma das duas esposas de Asur, um homem de Judá, que lhe deu quatro filhos (lC r 4.5,6).

2. Uma cidade listada como marca da fronteira de Efraim (Js 16.7), mas provavelmente dentro dela, pois 1 Crônicas 7.28 a menciona como per­tencente a Efraim. Encontra-se listada logo antes de Jericó, na descrição da fronteira, indicando proximidade desta. Tell el-Gisr, logo abaixo das fontes, ‘“ Ain Duq” e ‘“ Ain Nu ‘eimeh” no sopé dos montes de Judá, a pequena distância a noroeste de Jericó, é o local mais provável. Essas fontes se enquadram como sendo as “águas de Jericó”, a leste da fronteira (Js 16.1). Uma nota de Josefo (.Ant. XVII. xiii. 1) diz que, após reconstruir Jericó, Arquelau “desviou metade da água com a qual a vila de Neara costumava ser regada”, assim localizando N eara (Naara) próxima a Jericó e associada com um bom suprimento de água. N. Glueck, porém, prefere Khirbet el-‘Ayash que é mais próxima, a c. 8 km de Jericó. Eusébio também menciona uma cidade, Noorate.

BIBLIOGRAFIA. N. Glueck, AASOR, XXV-XXVIII (1939), 412, 413; J. Simons, G TT( 1959), 163, 167.

L. J. W o o d

NAARA. Forma alternativa de N a a r a .

NAARAI. 1. (’-is:) Filho de Ezbai, um dos trinta homens valentes de Davi ( lC r 11.37). Na passa­gem paralela ele é chamado de Paarai, o arbita (2Sm 23.35). 2. (’"in:). Um dos trinta valentes de Davi; o escudeiro de loabe (2Sm 23.37‘ lC r 11.39). Ele era da cidade de Beerote.

NAAS serpente, acadiano nuhíu, magnifi­cência). 1. Rei amonita cujas cruéis exigências para fazer um tratado com os homens sitiados de Jabes-Gileade, sob a condição de que lhes vazaro olho direito e assim trazer desgraça sobre Israel, levaram Saul a se firmar como rei de Israel, pela maneira como liderou Israel contra Naás e o ven­ceu (ISm 11.1-11; 12.12). Esse Naás mais tarde negociou de forma justa com Davi (2Sm 10.2; lC r 19.1), presumivelmente não porque Saul fosse seu inimigo comum, mas por causa de sua atitude em relação aos moabitas (2Sm 8.2). Dois dos filhos de Naás, Hanum (2Sm 10.1) e Sobi (17.27), pare­cem ter reinado em seu lugar. Alguns estudiosos favorecem a idéia de que o Naás do tempo de Davi era descendente daquele mencionado em 1 Samuel11.1,2, por causa do período de tempo entre o início do reinado de Saul e a rebelião de Absalão (2Sm 17.25-27). Esse período de cerca de quarenta anos, entretanto, não é muito longo.

2. Segundo Samuel 17.25 faz referência a “Abgail, filha de Naás, e irmã de Zeruia.” Ambas as mulheres são chamadas irmãs de Davi. Talvez a melhor explicação seria que Naás era o primeiro marido da mãe de Davi, o pai das duas filhas; Abgail, mãe de Amasa e Zeruia, mãe de Joabe, e que essas mulheres fossem meio-irmãs de Davi e enteadas de Jessé ( lC r 19.1,2).

P. A. V e r h o e f

NAASON. Forma BJ de N a a s s o m .

NAASSOM CrE?m, Nccaaacòv, BJ trazN A A S S O N ,

significado incerto). Filho de Aminadabe da tribo de Judá.

Naassom liderou a tribo de Judá quando eles acamparam no deserto (Nm 2.3; 7.12-17). Visto que essa tribo liderou toda a nação enquanto viajavam, Naassom era um homem importante (10.14).

A irmã de Naassom, Eliseba, se casou com Arão (Ex 6.23). A linhagem de Naassom incluía Salmom, Boaz, Obede, Jessé e Davi (Rt 4.20ss.;1 Cr 2. lOss.). Sendo da tribo de Judá e um dos pro-

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430 NAATE / NABATEUS

genitores de Davi, Naassom era conseqüentemente um ancestral de Nosso Senhor. Seu nome aparece nas genealogias de Mateus 1 e Lucas 3.

R. L. A l d e n

NAATE (nm). 1. Chefe de clã de Edom (Gn 36.13*17; lC r 1.37).

2. Um levita coatita; neto de Elcana, pai de Samuel ( lC r 6.26; talvez chamado Toá no verso 34, e Toú em 1 Sm 1.1).

3. Um levita que no tempo do rei Ezequias foi superintendente do Templo (2Cr 31.13).

S. B a r a b a s

NAATOS (N áaO oç). Um dos filhos de Addi, que despediu sua mulher estrangeira no tempo de Esdras (lE d 9.31). Pode ser uma forma variante de Adna, que se encontra na passagem paralela de Esdras 10.30.

NABAL (72], insensato, néscio). Umhomem rico, descendente de Calebe, que vivi# em Maom, a c. 13 km ao sul de Hebrom (ISm 25.2ss.). Ele possuía três mil carneiros e mil cabras , as quais apascentava nas vizinhanças do Carmelo (atual Kurmul, ao norte de Maom). Ele é descrito como “duro e maligno” (v. 3). Davi, fugindo de Saul, havia estado nas proximidades na época geralmente festiva da tosquia das ovelhas, foi ter com Nabal. Davi vinha dando proteção ao rebanho dele contra os saqueadores beduínos (w .15,16) e então enviou dez homens para saudá-lo, lembrá-lo dos serviços que lhe prestara e pedir um presente como recompensa. Nabal mostrou seu péssimo caráter, uso apenas ao negar o que Davi com razão lhe pedia, como também ao insultá-lo. Davi foi um nômade, fugitivo de seu senhor tal como muitos outros na época. Im ediatamente Davi preparou 400 homens para retaliação. Porém, a mulher de Nabal, Abigail, descrita como uma mulher “sensata e formosa” (v. 3), foi rapidamente ter com Davi para tentar conciliar a situação. Ela levou um grande presente em alimentos, dos quais Davi e seus homens necessitavam, e fez um pedido humilde de desculpas pela conduta de seu marido pedindo a Davi para não executar a represália planejada. Davi concordou. Quando Abigail mais tarde contou a seu marido que havia escapado por pouco, “se amorteceu nele o coração” (v. 37) e dez dias depois ele morreu. Davi então tomou a Abigail como uma de suas esposas.

BIBLIOGRAFIA. The Books o f Samuel, KD (1868), 238-247; E. G. Kráeling, Bible Atlas (1956), 187.

L. J. Wood

NABARIAS (Nocpocpíocç). Um dos que se levan­tou com Esdras, quando este leu as Escrituras ao povo (lE sd 9.44).

NABATA (NáòapaO). Um lugar mencionado em1 Macabeus 9.37. Jônatas e Simão Macabeus exe­cutaram vingança pela morte de seu irmão João, pelos “filhos de Iambri”, uma tribo nabatéia; eles armaram uma emboscada sobre uma procissão de casamento. Anoiva esj^va sendo trazida de Nabata para*Medeba. Essa cidade transjordânica talvez seja a antiga Nebo, mencionada como Nádaba em Josefo Ant. XIII. i. 4. Outros a identificam com a moderna Kirbet et-Teim, ao sul de Medeba.

P. A. V e r h o e f

NABATEUS (N apaToâoi). Os nabateus (povo poderoso que ocupava a região noroeste da Arábia e Transjordânia no período do NT) não são mencionados diretamente no AT nem no NT. Jean StaT^y demonstrou que o Nebaiote bíblico (Gn 25.13; lC r 1.29) e o Nabaiate das crônicas assírias não podem ser identificados com os nabateus (BA 18 [1955], págs. 85s.). Entretanto, fontes extra-bíblicas e evidências arqueológicas indicam que durante o período intertestamentário e especialmente no primeiro século da era cristã, os nabateus representavam um poderio político considerável no Oriente Médio. Os nabateus ge­ralmente são associados com as magníficas ruínas de Petra, a sudeste do Mar Morto, mas em certas épocas seu domínio político estendia-se para além do Neguebe, até Damasco. Sua origem parecs ter sido dentre as tribos árabes que habitavam o sul da Arábia.

O território dos nabateus se localizava no antigo Edom, e eles controlavam algumas das ricas rotas de comércio que ligavam as maiores áreas do Crescente Fértil. A primeira referência histórica feita a eles aparece ligada à sua recusa em reconhecer a autoridade de Antígono, o sucessor de Alexandre, o Grande nessa área. As tentativas de subjugar os nabateus foram infrutíferas.

O período clássico, ou Idade de Ouro dos na- bateus, foram o 1- séc. a.C. e o Ia j^c. d.C. Nesse período eles ocuparam amplamente as terras antes ocupadas pelos edomitas e moabitas e cultivaram

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NABATEUS 431

Estátua de Atargatis, principal divindade dos nabateus (Museu de Amom). © Lev

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432 NABATEUS

Detalhe do Siq, entrada da cidade de Petra, usando-se uma perua Kombi como escala. © Lev

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P

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NABI / NABONIDO 433

Palma, em uma campanha efetuada entre 105 e 106d.C., anexou aNabatéia ao império romano. Bostra se tomou a capital da no\ a província chamada Arábia. Este foi o começo da Era de Bostra. usada com freqüência na datação de inscrições dessa área nos séculos posteriores.

As maiores ruínas dos nabateus são encontradas em Petra, ao sul do Mar Morto. Neste vale rodeado por montanhas praticamente intransponíveis ficam as ruínas que ilustram o tipo ímpar de arquitetura desenvolvida pelos nabateus. As estruturas foram talhadas em rocha dura e revelam considerável habilidade de engenharia. O frontispício nabateu típico consiste de uma fila de pilares (talhados in situ) abrigando esculturas entre pilares, que apóiam uma viga decorada com um friso. Acima deste há uma seção triangular raiada, sustentando uma estrutura abobadada cujo meio é semelhante a uma uma invertida. O domo pendente pode ter sido inventado pelos nabateus (Safwan K. Tell, Annual o fthe DepartmentofAntiqidties ofJordan [4 (1969), págs. 35-37 [Árabe]). Eles tinham um método ímpar de trabalhar as pedras — linhas cortadas diagonalmente cruzando a face da pedra ou da rocha. A maior parte das estruturas serradas nas rochas em Petra parece ser de mausoléus ligados ao culto aos mortos. Outro importante sítio arqueológico nabateu está localizado em Jebel et-Tannur (escavado por Nelson Glueck em 1937), a sudeste do Mar Morto, onde uma série de santuários com numerosas figuras talhadas e desenhos foram descobertos — talvez os mais significativos sejam as estátuas de Zeus-Hadade e da deusa Atargatis.

Os nabateus deram uma contribuição singular para a cerâmica palestina. A “cerâmica nabatéia” era muito fina e lisa — quase como porcelana. As formas eram lindamente simétricas, freqüen­temente com decorações delicadas em marrom escuro ou preto, sobre a cerâmica vermelha. O material é tão característico que a presença de um pequeno fragmento em um sítio arqueológico sugere fortemente ocupação nabatéia.

Antes da descoberta dos Rolos do Mar Morto, que incluem alguns papiros em nabateu, o único remanescente literário no idioma nabateu eram algumas inscrições e graffiti (desenhos ruprestes) no Sinai e Transjordânia, especialmente em Petra. O idioma deste povo era uma espécie de aramaico com forte influência árabe. O Papiro Nabateu, da­tado do séc. I9 d.C., forneceu dados para o estudo do dialeto e do aramaico. A escrita desenvolvida pelos nabateus se assemelha ao hebraico da época, mas as letras eram estranhamente alongadas na

vertical — uma prática que permite um espaça­mento pequeno entre elas.

A deidade nabatéia principal era a deusa Dushara (forma helenizada de Dushares), sim­bolizada por um bloco de pedra ou obelisco. Em Tanur o deus principal era Hadade, o deus sírio da tempestade, equivalente ao deus grego Zeus. Atargatis, equivalente do grego Artemis, parece ter sido um tipo de deusa da fertilidade. Evidências de práticas religiosas dos nabateus podem ser vistas nos “lugares altos” (santuários ao ar livre para os deuses), tais como aqueles do Lugar Alto de Conway e o Grande Lugar Alto de Robinson em Petra, com caminhos de procissões, altares, e piscinas ou lavatórios. Lugares para os rituais de sacrifícios de animais são também encontrados, e.g., acima de Ed Deir em Petra.

A medida que a pesquisa arqueológica prosse­gue, especialmente no Neguebe e Transjordânia, mais informações podem ser esperadas a respeito dos nabateus, que em muitos aspectos eram um dos povos mais impressionantes e vigorosos do mundo mediterrâneo oriental durante o período romano.

B . V a n E l d e r e n

NABI (’ara) . Membro da tribo deNaftali,um dos doze enviados para espiar a terra de Canaã (Nm 13.14).

NABONIDO (Forma latina do grego Na(3oi> váiSoç, também Heródoto [i. 74], AafSuviTCOç; acadiano N abü-N a‘id [“o deus Nabü deve ser reverenciado”]). O último rei da Babilônia caldéia, 556-539 a.C.

1. Fontes. Uma Crônica Babilónica de 84 linhas (BM 35382), três esteias de Arã e uma versão de relato acusatório sobre seu reinado por Ciro são as fontes históricas diretas. Elas podem ser suplementadas por numerosos documentos contemporâneos sobre economia e negócios, e pelos relatos posteriores dos historiadores gregos, Heródoto e Berossos (preservados em Jos. ApionI. 20-21 e Euseb. Prep. Evang. ix. 41). O Livro de Daniel descreve a queda da Babilônia, no qual Jos. Ant. X. xi. 2 se baseou.

2. Família. Nabonido era filho único de nabu- balatfu-iqbi, um “sábio príncipe e governador” em Arã e de Adda-guppi’, uma influente devota dos deuses Sin, Ningal, Nusgu e Sardaruna, que mor­reu em 547 a.C. com a idade de 104 anos e teve um funeral de chefe de estado e luto público. Ambos

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434 NABONIDO

- 1: •* i ■ ,j - ■ -*Petra (Umm el-Bivara). "A Rocha" de Edom, vista do norte. Era um baluarte nabateu. © Lev

o solo intensivamente. Além disto, anexaram o Neguebe e Sinai ao seu reino. Nesse período eles desenvolveram uma civilização brilhante com uma criatividade dinâmica e velocidade que dificilmen­te encontra paralelo na história. O subito fim dos nabateus chegou com a conquista pelos romanos no início do T? séc.

Josefo e umas poucas inscrições fornecem al­guma informação acerca de alguns reis nabateus. O primeiro rei mencionado nas fontes é o rei AretasI, que reinou durante o 2E séc. a.C. no tempo da revolta dos Macabeus. Cerca de 100 a.C. AretasII reinou sobre os nabateus e expandiu o territó­rio de seu reino às custas do enfraquecido poder selêucida na Palestina. Aretas II foi sucedido por seu filho Obadas I, que recuperou grande parte de Moabe e Gileade das mãos do líder asmoneu da Palestina, Alexandre Janeu, a quem venceu em batalha por volta de 90 a.C. Sob Aretas III os nabateus se tomaram uma nação poderosa e independente na Transjordânia e resistiu à domi­nação romana no século e meio que se seguiu, a despeito das tentativas dos romanos e herodianos de subjugá-los. Nesse período, o maior dentre os reis deles foi Aretas IV Filodemos, que reinou de9 a.C. até 40 d.C. Apesar de auxiliar os romanos a subjugar os judeus após a morte de Herodes o Grande, Aretas inicialmente tinha boas relações

com Herodes Antipas, filho de Herodes o Grande e tetrarca da Peréia e Galiléia, que se casou com a filha de Aretas. Cerca de 27 d.C. Herodes Antipas divorciou-se dela em favor de Herodias, a mulher de seu irmão. Isso gerou dois conflitos compli­cados na vida de Herodes. O primeiro foi com João Batista, que abertamente o denunciou por sua atividade marital (Mt 14.3-5; Mc 6.17-20; Lc3.19,20). Posteriormente Herodias se vingou, por ocasião da promessa impensada de Herodes à filha dela (Mt 14.6-1% Mc 6.21-29). O outro conflito foi com Aretas IV, o pai de sua primeira mulher. Em 36 d.C., Aretas venceu Herodes em uma batalha e reconquistou grande parte do território para o norte, possivelmente chegando a Damasco. Uma tentativa pelos romanos de vingar Herodes por um ataque sobre Aretas resultou na morte do Imperador Tibério.

Na época da fuga de Paulo, de Damasco, em seguida à sua conversão (At 9.23-25), um gover­nador preposto do rei Aretas guardava a cidade (2Co 11.32ss.). A natureza exata do controle de Damasco pelos nabateus não é conhecida, mas isso indica algum tipo de controle militar ou policial da cidade. Os sucessores de Aretas VI incluíram Malicos II (40-70 d.C.) e Rabel II, o último rei dos nabateus, que morreu em 106 d.C. Durante o reinado de Trajano, o legado da Síria, A. Comélio

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NABONIDO 435

eram provavelmente de sangue real e Nabonido pode ter sido aparentado com Nabucodonosor através de casamento, de forma que seu filho e co-regente bèl-sar-usur (Belsazar) poderia alegar ser descendente daquele ilustre monarca fâeja Dn 5.11,18). Ele fez de sua filha, bêl-shalti-nannar, sumo sacerdotisa da deusa da lua Sin em Ur.

3. Reino. Se for identificado com apessoa de mesmo nome citada num contrato do oitavo ano de Nabucodonosor, ele foi um oficial superior da cidade da Babilônia e pode ter sido o Labinetus que agiu como interm ediário babilónico com Sienesis da Cilicia, entre Aliates da Lídia e Astía- ges, o medo, em 585 a.C. (veja Nabucodonosor). Nabucodonosor foi sucedido durante um período de conflitos familiares, no qual seu filho Evil- Merodaque (dois anos) e seu genro Neriglissar (por quatro anos) foram sucedidos por outro filho, Labashi-Marduque, que foi reconhecido como rei apenas por dois meses, maio-junho 556 a.C., numa parte da Babilônia; Nabonido foi apoiado por outras cidades para ser aceito como único rei nos fins de junho. Dois anos mais tarde ele confiou o reino da Babilônia a seu filho Belsazar, a quem tinha nomeado co-regoute (BM 91125). Ele se mudou para Arã onde as obras de restauração do templo da deusa-lua Sin., Ehulhul tinha começado depois da sua ruína pelos medos, como lhe fora indicado num sonho. Dali ele se mudou para o sul para atacar Adummu (Edom) e o xeque de Teima" no noroeste da Arábia, que foi morto. Ali Nabo­nido se instalou com suas tropas sírio-palestinas e babilónicas e ganhou controle de uma área ao sul de Dedã e Yathrib (Medina). Várias teorias têm sido formuladas para explicar os dez anos que ele passou nessa área. Tem sido considerado como um ato de insanidade mental (Dn 4), ou um movimento econômico astuto para controlar as valiosas rotas de especiarias do sul da Arábia em direção ao norte, para a Babilônia e para o Egito. Tabuletas comerciais mostram que o rei se manteve em contato com a capital, Babilônia, e é claro que mesmo uma breve estadia não teria sido possível sem as relações de paz que ele alegava ter com os árabes. E possível que o movimento tenha sido ligado à terrível fome que se espalhou na Babilônia e que foi atribuída por Nabonido à impiedade do povo. Os preços ali aumentaram em cinqüenta por cento durante a década entre 560 e 550, enquanto em Teima1 as chuvas nunca falta­ram. E improvável que o exílio voluntário tenha sido devido ao desejo de evitar contato próximo com o poder crescente, visto que Astíages só foi

capturado por Ciro em 549 a.C. Segundo a esteia de Arã, houve uma mudança na atitude dos reis do Egito (Amasis II) e dos medos (nesta época Ciro). Os árabes e outros reis são mencionados como tendo rompido as boas relações. No décimo sétimo dia de Teshrit em 545, Nabonide retomou à Babilônia onde executou obras em vários san­tuários, incluindo o deus sol Shamash em Sippar. A fraqueza do estado era evidente tanto em sua economia quanto na defesa. Os medos invadiram a zona ao leste do Rio Tigre e os elamitas, partes do sul da Babilônia. Em 547 ele trouxe os deuses das cidades principais para a Babilônia, numa ten­tativa de salvá-los do avanço dos inimigos, agora ajudados pelo desertor Gobryas, de Gutium. Os persas entraram na Babilônia em 539. Acidade foi invadida pelo uso de um estratagema e sem luta, no dia 12 de outubro. Naquela noite Belsazar foi morto (Dn 5.30). Nabonido, que havia fugido para Borsipa, voltou à cidade e foi feito prisioneiro. Segundo uma tradição, ele morreu no exílio em Carmania (Jos. Apion 1.20). Dezessete dias depois, o próprio Ciro entrou a cidade e se apoderou do trono. O poder político da Babilônia agora passava de mãos semíticas para persas.

4. Religião. Tem sido usual ver Nabonido como um reform ador religioso que alm ejava substituir Marduque e fazer da adoração à deusa- lua Sin, a principal na Babilônia. Sob este ponto de vista, ele teria sido impedido pelo grupo dos sacerdotes da nação, que o teria forçado ao exílio na Arábia, onde pôde praticar tal adoração sem ser incom odado. Contra isto tem os suas ins­crições mostrando que, embora se interessasse pelos santuários de Sin por razões de família, ele demonstrou sua piedade costumeira restaurando os templos de outras deidades, incluindo Mardu­que na Babilônia e Shamash em Sippar. O devido respeito é mostrado também as outras deidades em inscrições de suas construções. Sua atividade de obras de restauração levou-o a ser designado um “arqueólogo real”, mas seu interesse no passado, exemplificado pela cópia de textos anteriores en­contrados no curso do trabalho de restauração es­pecialmente em Ur, apenas segue a antiga tradição babilónica. A versão relata como Ciro com certeza tencionava tom ar Nabonido em vilão, acusando-o de injustiça, falta de respeito pela propriedade, e o fracasso em observar os rituais do Festival do Ano Novo. Isto pode ter sido uma tentativa posterior de justificar o conquistador persa aos olhos dos dominados. Avaliação dos dois pontos de vista aguardam descoberta de mais textos.

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436 NABOPOLASSAR

0 nome de Nabonido aparece no grande zigurato de Ur (concepção artística).

5. A o r a ç ã o d e N a b o n id o . Um texto aramaico de Qumrã, datado da segunda metade dol 2 séc. a.C., relata a oração desse rei quando foi atacado por severas doenças de pele por sete anos, enquanto vivia em Teima1. Depois de confessar seu pecado, um judeu diz ao rei para adorar o Deus Altíssimo. Esta tem sido comparada com a versão da loucura deNabucodonosor (Dn 4.23-33). Visto que Heródoto chamou ambos, Nabucodonosor e Nabonido pelo mesmo nome (Labynetus), ar­gumenta-se que a oração em Daniel pode ser do próprio Nabonido.

BIBLIOGRAFIA. S. Smith, Babylonian Historical Texts Relating to the Capture and Downfall o f Babylon (1924), 27-123; R. P. Dougherty, Nabonidus and Belsha­zzar (1929); J. Lewy, “The late Assyro-Babylonian Cult o f the Moon and Its Culmination at the Time o f Nabo­nidus,” HUCA XIX (1946), 405-489; A. L. Oppenheim, “Nabonidus,” AN ET (1950), 308-314; J. T. Milik, “Prière de Nabonide et autres écnts d ’um cycle de Daniel,” RB 62 (1956), 407ss.; C. J. Gadd, “The Harran inscriptions o f Nabonidus,” Anatolian Studies VIII (1958), 35-92.

D. J. W is e m a n

NABOPOLASSAR (Nabu protege o filho !). Na- bopolassar, rei da Babilônia (626-605 a.C.) foi o primeiro rei da Dinastia dos Caldeus e pai de Nabucodonosor II. Ele era originalmente um chefe caldeu belicoso do sul da Babilônia, mas, com a

morte do rei Assurbanipal da Assíria em 626 a.C., Nabopolassar se tomou rei da Babilônia e rapida­mente tomou Nippur e Uruque do sin-sar-isikun da Assíria. Em poucos anos ele conseguiu controle de toda a Babilônia e fez aliança importante com Ciaxares, rei da Média.

Em 615 a.C. ele falhou em tomar Assur, mas quando ela caiu em 614 a.C. sob os medos ele participou dos despojos. Para consolidar um tra­tado feito entre Nabopolassar e Ciaxares, rei da Média, este último deu sua filha Amitis em casa­mento ao filho de Nabopolassar, Nabucodonosor. Após este tratado com Ciaxares, não havia mais medo das tribos das montanhas e Nabopolassar pôde compelir os antigos vassalos, da Assíria até a Palestina e Cilicia, a pagarem-lhe tributo. Seu exército era bem treinado nos métodos assírios de luta e finalmente, em 612 a.C., ele e seus aliados tomaram Nínive. Esta conquista significou que o império assírio foi dividido e a parte do sul caiu sob o domínio de Nabopolassar. Em 609 a.C. Harã, o último baluarte assírio, caiu em poder dos babilônios.

Em 606 a.C. ele tomou o alto Eufrates, onde o domínio egípcio de Carquemis consistia numa ameaça para toda a parte ocidental de seu império recém conquistado. Faraó Neco II do Egito tinha invadido a Palestina e Síria, a fim de obter sua parte do ex-império assírio e foi Nabucodonosor, o príncipe coroado, agindo em nome de seu pai enfermo, que conseguiu conquistar Carquemis e

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NABOTE 437

As ruínas da Babilônia ainda hoje são visíveis. Nabopolassar tornou-se rei da Babilônia em 626 a.C. © M.P.S.

expulsar o exército egípcio de volta para casa, em 605 a.C. O rei Nabopolassar tinha voltado para a Babilônia na primavera do mesmo ano e morreu ali no dia 15 de agosto de 605 a.C.

Nabopolassar se apresentava como um homem piedoso, que tinha subido de origem humilde até o reinado, mas que fazia referência com grande orgulho à sua vitória sobre a Assíria. Ele come­çou várias construções na Babilônia e em outros lugares, que foram concluídas por seu filho Na- bucodonosor. Elas incluíam melhorias no sistema de irrigação ao redor da Babilônia, bem como embelezamento da cidade em si.

Embora Nabopolassar não seja mencionado na Bíblia, Josias, rei de Judá, pode ter sido amigo dele (como Ezequias tinha sido aliado dos babilônios), pois Josias perdeu a vida em Megido, numa vã tentativa de impedir o Faraó Neco II de ajudar os assírios.

BIBLIOGRAFIA. D. J. Wiseman, Chronicles o f the Chaldean Kings (1956), 5-21; G. Roux, Ancient lraq (1964), 312-314.

L. L. W a l k e r

NABOTE (nn], Noc|3ot>Ôaí; um broto ou fruta). Dono de uma vinha cobiçada pelo rei Acabe, visto que ficava perto do seu palácio de verão, em Jezre-

el (lR s 21.1-29), provavelmente no lado oriental da cidade (2Rs 9.25,26). Acabe ofereceu aNabote dinheiro ou outra vinha ainda melhor em troca da sua. Nabote recusou, com o argumento válido de que era sua herança paterna. Heranças pertenciam às famílias e não a indivíduos, e Nabote estaria prejudicando seus descendentes ao vende-la, além de estar desobedecendo a lei de Deus (Lv 25.23­28; Nm 36.7-9). Acabe não forçou o assunto, mas sua mulher, Jezabel sim. Ela mostrou seu caráter impiedoso e cruel montando um esquema “legal” pelo qual tiraria a vida de Nabote e aparentemente também a vida de seus filhos (2Rs 9.26). Ela deu ordens aos oficiais jezreelitas (Dt 16.18) para subornarem testemunhas falsas e perpetrarem a sentença de morte contra Nabote, com base em que ele teria blasfemado contra Deus e contra o rei. As ordens de Jezabel foram cumpridas, demons­trando a força do seu controle sobre a nação. Isso deu a Acabe acesso à vinha, mas quando ele foi tomar posse dela, Elias o encontrou e pronunciou a sentença de Deus contra ele bem como contra toda sua casa. Quando Acabe se arrependeu, houve suspensão temporária da sentença (lR s 2 1.27-29) até sua morte em Ramote-Gileade. Os cães então lamberam seu sangue quando foi lavado de sua carruagem junto ao açude de Samaria (22.38). O cumprimento da sentença se completou quando Jeú feriu a Jorão, o segundo filho de Acabe (2Rs

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438 NABUCODONOSOR

9.24), causando a morte de Jezabel, em Jezreel (9.33), e depois da execução dos outros filhos de Acabe em Samaria (10.1-11).

BIBLIOGRAFIA. C. F. Keil, The Books o f the Kings, KD (1872), 269-273; E. G. Kraeling, Bible Atlas (1956), 279,280; F. I. Andersen, “Socio-Juridical Background of the Naboth Incident,” JBL, LXXXV (March, 1966), 46-57.

L. J. W o o d

NABUCODONOSOR ("iXNramí, possivelmente aramaico ou forma [dissimulada] do acadiano Nabü-kudurri-usür “[o deus] Nabu tem protegido minha herança.” Dái o grego Na|3ouxo5ovoaóp. O acadiano é estreitamentlitransliterado pelo he­braico is/x-roin] como NEBUCHADREZZAR). Rei da Babilônia, 605-562 a.C.

1. Fontes. Além de 2 Reis 23.25, Jeremias 22, 32— 40; 2Crônicas 36, Daniel e Esdras, uma crônica babilónica (BM 21946) resume os even­tos de seus primeiros onze anos de reinado. Fora disto, duas breves inscrições históricas, textos em construções e cer«ia de 800 contratos são as únicas fontes externas contemporâneas deste remado.

2. Família. Nabucodonosor era o filho mais velho de Nabopolasar, o fundador da dinastia caldéia ou neobabilônica da Babilônia. Ele se casou com Nitocris, cuja filha pode ter se casado com um filho de Nabonido, que posteriormente o sucedeu no trono. Ele também se casou com Amitis (Amuhia), filha de Astíages, rei dos medos, possivelmente como parte da ratificação de uma aliança política. Ele teve pelo menos três filhos, amêl-marduk, (Evil-Merodaque) que o sucedeu imediatamente, marduk-him-usin e mardiik-Sum- lisir. Seu irmão era Nabu-5uma-liSir.

3. História. O príncipe coroado Nabucodo­nosor liderou pessoalmente o exército babilónico no lugar de seu velho pai, nas montanhas a nor­deste, em 607 a.C., e novamente, dois anos mais tarde, quando os babilônios se vingaram de suas derrotas pelos egípcios em Kimuhu, através da captura de Carquemis, após sangrenta luta corpo a corpo na cidade, no final da primavera de 605 a.C. Ele perseguiu os fugitivos até Hamate, de forma que “nenhum homem escapou para sua própria nação”. “Naquele tempo” ele registrou, “ele con­quistou toda a área de Hatti” (i.e. Siro-Palestina), e penetrou na fronteira egípcia para impedir mais invasões daquela origem (2Rs 24.7; Jos. Ant. X.

6.1,2). Neste tempo, provavelmente Daniel e seus companheiros foram levados caiivos. A única evidência de que os babilônios entraram em Judá neste ano encontra-se em Daniel 1.1, que pode igualmente ser interpretado como se referindo aos eventos do ano seguinte. Nabucodonosor se estabeleceu em Ribla ou Cades, onde soube da morte de seu pai no dia 8 de Ab (15/16 de agosto de 605 a.C.). Acompanhado de poucos amigos, ele cruzou o deserto durante 23 dias para tomar posse do trono da Babilônia no dia primeiro de Elul (5/7 de setembro 605) e foi reconhecido como rei por toda a terra. Sua posição era forte o suficiente para encerrar sua campanha na Síria quase ime­diatamente e permanecer no campo até fevereiro do ano seguinte. Foi provavelmente durante esta campanha, na qual ele diz ter recebido tributo de “todos os reis de Hatti”, que Jeoaquim de Judá se submeteu a ele e começou uma vassalagem que duraria três anos (2Rs 24.1). Ascalom, que se recu­sou a se render aos babilônios, foi deposto e usado como aviso a Jeremias, com relação à rebelião (Jr 47.5-7). No ano seguinte, Nabucodonosor sitiou uma cidade incógnita na Síria e administrou alguns eventos em casa, que parecem ter envolvido seu irmão caçula, Nabu-5uma-li5ir.

Em 601 a.C. os babilônios se bateram em ba­talha aberta com os egípcios liderados por NecoII. Visto que Nabucodonosor tinha de passar o ano seguinte re-equipando seu exército, deve-se presum ir que o seu prestígio caiu o suficiente nessa ocasião para Jeoaquim se sentir seguro para se revoltar, a despeito dos avisos do profeta (Jr 27.4-11; 2Rs 23.33-35). Porém, uma vez mais o exército babilônio encontrava-se em marcha, numa campanha iniciada em dezembro de 599, para cobrar o tributo anual das cidades-Estado sírias e para fazer uma incursão contra as inquietas tribos árabes que eram controladas pela remoção de suas deidades. Repercussões dessa expedição contra Quedar e o leste do Jordão são encontradas em Jeremias 48; 49.28-33. O caminho estava agora aberto para represálias à rebelde Judá (2Cr 36.6). Nabucodonosor Skcreveu na crônica que “em seu sétimo ano, no mês de Kislev?jp rei da Babilônia reuniu suas tropas e marchou para a terra de Hatti. Ele acampou contra a cidade de Judá (Jerusalém) e no segundo dia do mês de Adar capturou a cidade e o rei. Estabeleceu então um rei de sua própria escolha, recebeu o pesado tributo da cidade e enviou os cativos para B abilônia” . Este texto fornece a data exata da captura de Jerusalém e do começo do exílio como 16 de março de 597 a.C. A captora de Joaquim, filho e sucessor de Jeoaquim,

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NABUCODONOSOR 439

Ruínas da Babilônia, 6- séc. a.C., entre os palácios da Antiguidade.

é confirmada por tabuletas de ração da Babilônia, que citam seu nome junto com judeus e outros da Palestina, datadas de vários anos de seu reinado Í596-569 a.C.). A substituição de Joaquim por um babilônio nomeado Matanias-Zedequias concorda com a história de 2 Reis 24.10-17 e a remoção dos vasos do Templo em 2Cr 36.7; Ed 6.5). Os exi­lados foram levados em abril de 597; ou seja “na primavera daquele ano” (2Cr 36.10), no começo do oitavo ano do reinado de Nabucodonosor (2Rs 24.12). No ano seguinte, os babilônios foram outra vez à região Siro-Palestina e reprimiram a revolta instigada por Elão (Jr 49.34).

Em 589 Zedequias se rebelou mais uma vez, confiando na promessa de ajuda dos egípcios. Judá foi todo arrasado, Laís saqueada e Tiro sitiada por treze anos (por volta de 587-574 a.C.; Ez 29.18). Em 587 Jerusalém caiu e o Templo foi demolido. Outros deportados foram levados para a Babilônia. Mesmo assim, a resistência foi forte o suficiente para exigir mais operações contra os árabes e o remanescente de Judá em 582, e houve mais uma

deportação (Jr 52.30). Fontes históricas estão fal­tando para o último ano do reinado de Nabucodo­nosor embora um texto fragmentário implica numa invasão pelo Egito em 568 a.C. (como Jr 43.8-13; Ez 29.19). Como Heródoto chama Nabucodonosor e Nabonide pelo mesmo nome de Labinetus, não está claro qual dos dois atuou como mediador entre os lídios e os medos, no rio Halis. E possível que fosse o próprio Nabucodonosor, pois ele tinha se casado com a filha de Astíages e os medos ainda não estavam em condições de dominar o oeste. A ausência de textos contemporâneos significa que não há referência direta à sua morte em agosto- setembro de 562 a.C. Esta pode ter sido precedida de licantropia, a loucura que durou sete meses (ou “tempos” Dn 4.23-33). Nada até agora conhecido do retiro de Nabonido para Teima’ apóia a idéia de que esse episódio seja um relato confuso dos eventos do final de seu reinado.

4. R e lig ião . Em suas inscrições, Nabucodono­sor invoca o panteão babilónico principal e recorda

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440 NABUCODONOSOR

Vista da Babilônia de Nabucodonosor, restaurada, de acordo com E. Unger. Note-se as muralhas pesadamente fortificadas. A cidade tinha oito portões e mais de quinze templos.

sua devoção aos deuses Marduque, Nabu, Shamash, Sin, Gula e Adade, dentre outros. Nos santuários principais ele supria oferendas regulares de carne, peixe, grãos e bebida. Tal como seu predecessor, ele alegava ter tido uma imagem de sua figura real ereta “na planície de Dura”, como um memorial de seu poder e responsabilidades (cp. Dn 3.1)

5. C o n stru ção . N abucodonosor não se gabava à toa de ser um planejador e construtor

de cidades (Dn 4.30). Ele aumentou a Babilônia pela construção de novos alojamentos e palácios para uso próprio. Dentro da fortaleza, reconstruiu a sagrada Via da Procissão, decorada com 120 leões e que conduzia ao portão de Ishtar, que por sua vez era adornado com azulejos esmaltados representando 575 dragões e touros, a c . 1,6 Km dos templos de Esagila de Marduque, e Ezida de Nabu. Estes ficavam aos pés do zigurate ou tem- plo-torre da Babilônia chamado Etemenanki, “a

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NABUCODONOSOR 441

0 portão Istar da Babilônia, mostrando animais em alto relevo, em muralhas de tijolos.

Casa que é a fundação dos céus e terra”. A base, construída de tijolos de barro queimado sobre um núcleo também de tijolos, media cerca de 119 metros quadrados, com sete andares, tendo no topo um pequeno templo com altura estimada de 90 metros. Próximo ao portão de Istar ele construiu o templo de Ninmah (reconstruído recentemen­te). A tradição também atribui a ele os “lardins Suspensos”, que diz terem sido criados sobre terrãÇos dando para o palácio, para recordar a sua esposa sua nativa Média (Jos. Apion 1. 19;

Jos. Antiq. X. 11.1). A vasta cidade recebeu uma ■^rte de paredes duplas para defesa cobrindo c. 27 quilômetros, e além disso resguardada a sudoeste por um imenso lago artificial. A cidade era suprida por canais que traziam água do rio Tigre, enquanto o rio Eufrates a cruzava sob pontes. Todas estas atividades de construção, que se estendiam para outras cidades do norte e sul, eram marcadas por tijolos inscritos e gravados. Embora a sobrevivên­cia destes edifícios, pelo menos até o tempo de Xerxes, tenha feito muito para assegurar a fama

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442 NAÇAO / NAÇOES

Tabuleta babilónica relatando a invasão de Judá por Nabucodonosor, o cerco e a queda de Jerusalém.

posterior de Nabucodonosor, é notável que ele próprio tenha provavelmente assumido o nome real de predecessores ilustres, que tinham com sucesso libertado a Babilônia do domínio da As­síria e do Elã (1124-1103 a.C.). Dois usurpadores posteriores, Nabucodonosor III (Nidintu-Bel) no tempo de Dario I governou de outubro a dezembro de 522 e Nabucodonosor IV (Araka), de agosto a outubro de 521 a.C.

BIBLIOGRAFIA. S. H. Langdon. Die neu-babylo­nischen Konisgsinschriften (1912), 18-45; D. J. Wise­man, Chronicles ofChaldaean Kings (626-556 a.C.) in the British Museum (1956), 18, 37; 64-75; A. Malamat, “A N ew Record o f Nebuchadrezzar’s Palestinian Cam­paigns,” IEJ, VI (1956), 246-256.

D. J. W is e m a n

NAÇAO. 1. O termo usado para designar os dois períodos históricos distintos da independência política do antigo Israel e o estabelecimento da autoridade governamental: Primeira Nação (Rei Saul — Rei Jeoaquim) 1075-597 a.C.; Segunda Nação (retom o sob Zorobabel até a queda de Jerusalém) 537 a.C.-70 d.C.

2. A tradução de dois termos gregos no NT, para TioXueía (E f 2.12, “comunidade”); “cidadania” seria mais preciso. Em Atos 22.28 o mesmo termo é traduzido como “cidadania” pela RSV, mas como “liberdade” pela KJV. Para traduzir 7toXíxeu(ia, em Filipenses 3:20, a ARA diz “pátria”, enquanto

a ARC diz “cidade” e a NVI diz “cidadania” BJ (KJV. “conversation”, conversação). Este termo, diferente do precedente, é mais precisamente “na­ção”; é, entretanto, um hapax legomenon.

A exegese apropriada e a explicação destas expressões no N T têm sido assunto de longo debate histórico. A maioria dos comentaristas aplica o conceito hebraico ao uso no NT, enquan­to poucos expositores afirmam que os termos recebem significados novos e precisos com base no mero uso no NT. Mais recentemente, uma noção de intenção escatológica entrou no debate. Com o renovado interesse no impactQ social do Evangelho, o termo sem dúvida será estudado mais extensivamente. O ponto central em todos os usos das palavras gregas é o aspecto comunal da Igreja cristã. O cristão é redimido para servir seu Senhor na entidade corporativa da Igreja, a qual é a nação do cristão.

W. W hite Jr .

NAÇOES. Os termos similares encontrados na Bí­blia em português, tais como “gentios”, “ ímpios”, “nações”, “pagãos” e “povo” podem ser mais eficientemente tratados juntos num artigo mais extenso. O termo, que geralmente é a tradução mais precisa do plural de várias palavras hebraicas e gregas, é “nações” (cerca de 500 vezes em toda a Escritura). O termo “povo” (q.v.) é empregado com freqüência no singular e refere-se à nação ou povo de Israel.

A Bíblia, como história de salvação, declara repetidas vezes que Deus escolheu Israel “para que lhe fosses o seu povo próprio, de todos os povos que há sobre a terra” (Dt 7.6). Israel deveria ser uma nação santa, separada e consagrada como sacerdotes para todos os outros povos (Ex 19.5,6), que também eram objeto do propósito redentivo, de Deus. Em Gênesis 10, logo no começo da B í­blia, são mencionadas setenta nações ou grupos étnicos. O último livro prediz que no fim dos tempos uma grande multidão, de todas as nações e de todas as tribos e povos e línguas, se apresentará diante do trono de Deus (Ap 7.9), comprados pelo sangue do Cordeiro (5.9). O interesse nas nações vizinhas é uma indicação da importância da his­tória na Bíblia como um veículo de revelação. A proeminência de seus dados históricos precisos é ímpar na literatura sacra.

I. Terminologia.A. No ATB. No NT

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NAÇÕES 443

II. Listas bíblicas de naçõesA. A Tabela das Nações

1. Introdução2. Problemas3. Conteúdo

a. laféb. Camc. Sem

B. Listas de nações não israelitasC. Os judeus da Diáspora

III. As atitudes judaicas em relação às naçõesA. Os pactos com Abraão e MoisésB. O Código LevíticoC. As reações pós-exílicas

IV. A missão cristã

I . T e r m in o l o g ia

A. No AT. Três palavras hebraicas têm sido traduzidas como ‘'nação” na Bíblia. A mais fre­qüente é ’u e seu plural lTU, “povo”, “nação”, “a população total de um território” (KB, pág. 174). Nos documentos de Mari era uma palavra acadiana emprestada da ga 'u semita ocidental, onde significava “gangue” ou “grupos”, ex., de trabalhadores. Este uso básico é visto na ocorrên­cia de ’i; em Joel 1.6, para enxames ou “nações” de gafanhotos invadindo a terra de Judá. No uso, este termo enfatiza aspectos sociais e políticos impessoais, mais do que ligações de parentesco. Freqüentemente o paralelo de “reino”, é tido como filad o , a instituição da nacionalidade, a multidão e as massas da humanidade. Por associação, veio a significar especificamente os gentios, os ímpios, em contraste com Israel e ludá. Quando ,’U foi aplicado aos israelitas, após terem se tom ado uma nação organizada com suas leis e governo, no monte Sinai, houve envolvimento em deso­bediência a Deus e apostasia; assim, ficaram semelhantes aos gentios idólatras (ex., Dt 32.28; Jz 2.20; Is 1.4). Freqüentemente a LXX traduz ’U como B0VOÇ, a palavra comum em grego para nação ou estrangeiros.

A palavra hebraica os aparece dezessete ve­zes na Bíblia como “nação” e 1835 vezes como “povo” . O significado original desse termo enfa­tiza ligações familiares estreitas, especialmente do lado do pai. O ugarítico ‘m significava “clã”, enquanto em hebraico Dl" flaria em uso, indo desde povo até indivíduo (Gn 32.7; 2Sm 15.30; 16.18; 2Rs 4.41), o povo de uma cidade (Rt 4.9) ou localidade (Ir 37.12), uma tribo (2Sm 19.40),

uma nação (Êx 9.15,27), toda a raça humana (Gn11.6; Is 42.5). Como E. A. Speiser argumenta, av sugere um grupo de “indivíduos”, de “pessoas” com laços de sangue, não uma organização arregi­mentada (“People” and “Nation” of Israel,” (JBL, LXXIX [1960], 157-163). A expressão incomum de Deuteronômio 32.21 üll N1?, literalmente um nâo-povo, nega a um grupo físico de seres huma­nos aquelas características morais e espirituais que justificam o nome de “povo” (cp. “Lo-Ammi”, Os1.9). O singular de ns? com um artigo definido, veio a ser aplicado, logo depois do Êxodo, tão exclusivamente a Israel como o povo escolhido de Yahweh, que OV e ’U se tomaram quase termos contrários, israelitas e não israelitas, como no hebraico rabínico. O termo da LXX equivalente para o singular de av é Xaóç e também É0vr|, ou Xocoí para o plural.

A frase bíblica f ix n Dy , “povo da terra”, nos tempos pré-exílicos significava cidadão (homem) qualificado, da terra ou localidade i'Gn 23.7-13), aqueles que coroavam reis (2Rs 11.12-20; 23.30), que eram obrigados a pagar tributo ao Egito (2Rs 23.35) e que possuiam escravos (Jr 34.8-10,19). Nos tempos pós-exílicos, o mesmo termo era apli­cado aos que voltaram da Babilônia para a então terra de ludá (Ed 4.4). O plural da palavra av é usado para indicar a heterogeneidade da população paganizada com a qual muitos dos judeus que voltaram tinham se misturado por casamento (Ed 10.2,11; Ne 10.30,31). Na literatura rabínica, este termo veio a significar especificamente aqueles que falhavam, por ignorância, em observar toda a lei tradicional em todos os seus detalhes, e aqueles a quem os rabinos consideravam imorais e sem religião. O começo de tal desprezo por parte dos fariseus pode ser visto em loão 7.49: “Quanto a esta plebe que nada sabe da lei, é maldita” (Veja M. H. Pope, “ ‘Am H a’arez,” IDB, I, 106s.),

A terceira palavra hebraica a ser traduzida como nação é {w)l. Segundo I. Mendelsohn este termo originalmente significava uma cidade que poderia abrigar mil soldados em tempos de guerra.

B. No NT. O grego êOvoç é traduzido como “nação” 64 vezes e “gentios” 93 vezes na K l V. A última é usada quando a referência é interpretada como sendo nações não judaicas (ex. Mt 20.19,25; At 4.27; 9.15). “Nações” é empregada quando a referência é a todas as nações incluindo os judeus (ex. Mt 24.9,14; 28.19; Mc 11. Í7; Ap 7.9). A pa­lavra yeveá “geração”, aparece em “uma geração pervertida e corrupta” (Fp 2.15) e yévoç, “raça” em “de origem siro-fenícia” (Mc 7.26) e em “na

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minha nação, quanto ao judaísmo, avantajava-me a muitos da minha idade” (G1 1.14).

II. L is t a s B íb l ic a s d e n a ç õ e s

Tanto o AT quanto o N T dem onstram um in teresse no tável em várias subdiv isões da raça humana. O AT especialmente oferece uma quantidade substancial de informação étnica. Ao estudarmos as diferentes listas de povos, temos de lembrar que estas vieram de diferentes épocas e podem ter sido compilaaas a partir de outras fontes pré-existentes. A evidência bíblica pode ser agora clarificada em grande parte pela comparação com a massa de informação disponível nas descobertas arqueológicas e literatura extra-bíblica.

A. A Tabela das Nações. 1. I n t r o d u ­ç ã o . Este nome é com freqüência dado a Gênesis10 e 1 Crônicas 1.5-23 com pequenas variações, que fornecem listas étnicas dos descendentes de Noé através de seus três filhos, Sem, Cam e Jafé. Aparentemente o registro é limitado às nações do mundo então conhecido, na metade do segundo milênio a.C., em especial os povos do Oriente Médio com os quais os israelitas poderiam en­trar em contato. Antigos documentos egípcios e mesopotâmicos revelam que os detalhes desta tabela não seriam alheios ao conhecimento de uma pessoa instruída na corte do Egito, cerca de 1500 a.C., como foi Moisés. Além do mais, o uso recorrente do termo hebraico nTjrn, “gerações” em Gênesis, sugere que o autor do livro tinha a seu dispor uma série de histórias ae origens das famílias, em alguns casos, possivelmente escritas ou possuídas pela pessoa ou pessoas cujos nomes tinham sido dados em ligação com este termo (R. K. Harrison, Introduction to the OT, pp.543- 551). Desta maneira o compilador da lista pode ter tido algum material dado a ele via patriarcas, escrito em Ur ou nas suas vizinhança por volta de 2000 a.C.

A data da com pilação da Tabela pode ser determinada mais precisamente pela presença ou ausência de alguns nomes. A ausência da Pérsia poderia ser extremamente difícil de explicar, se a lista tivesse sido compilada ou editada pelos sacerdotes do tempo de Esdras durante o regime persa. A preeminência de Sidom em Canaã e a omissão de Tiro (Gn 10.15,19) sugere um tempo antes de 1000 a.C., quando Hirão fez de Tiro a cidade principal da Fenícia. A ausência de Gebal (Biblos), como descendente ou cidade de Canaã, pode resultar do governo daquela cidade pelos hur-

rianos, mitanianos e hititas, na metade do segundo milênio a.C. Os arqueus, arvadeus e zemareus (10.17,18) viveram em cidades (Irqata, a ilha cidade de Arwada, e Sumur) um pouco ao norte de Trípoli, na costa do Líbano, que haviam sido transformadas em cidades proeminentes e portos e que foram todas tomadas por Tutmés III em suas campanhas antes de 1450 a.C. (para Arvade, igual à Ardata nos registros de Tutmés, veja P. K. Hitti, Lebanon in History [1957], págs. 79s.).

O fato de que Hete (10.15) representa a popu­lação mais ao norte na Canaã-Síria também aponta para a metade do segundo milênio, quando os hititas controlavam grande parte da área, desde a grande curva do rio Eufrates até a costa mediter­rânea. W. F. Albright observou que quase todos os nomes dos descendentes de Arã (10.23) e loctã (10.26-29) são arcaicos, não aparecendo nas inscri­ções do primeiro milênio a.C. da Assíria e sul da Arábia. Também muitos dos nomes pertencem aos tipos conhecidos como nomes pessoais somente no início do segundo milênio, embora possam ter continuado por muito tempo como nomes tribais (“The OT and Archeology,” OT Commentary, org. porAlleman and Flack [1948], pág. 139). Por outro lado, alguns dos nomes que não aparecem nos documentos escritos até o primeiro milênio a.C. (ex. Gomer, os cimerianos; Asquenaz, os citas; Madai, os medos) podem ter sido sujeitos a leves revisões em relação aos escritos após o escrito original do Livro de Gênesis (R. K. Harrison, op. cit. pág. 559).

Os povos e terras do mundo conhecido são di­vididos em três linhas principais; os descendentes de Sem na Mesopotâmia e Arábia, os descendentes de Cam na África e dentro da esfera da influência egípcia, e os descendentes de Jafé nas terras do norte e do Mediterrâneo. Incluso na lista estão algumas das cidades reais e centros importantes da época, dentro do Crescente Fértil na Mesopotâmia e Canaã. As três grandes áreas étnicas se encon­travam na terra prometida a Abraão (Y. Aharoni and M. Avi-Yonah, The Macmillan Bible Atlas [1968], Mapa # 15).

Os nomes em Gênesis 10 não são baseados em qualquer uma das várias características principais que distinguem um povo. Em vez disso, compa­rações desta lista com evidências extrabíblicas indicam que em alguns casos os descendentes são grupos raciais, em outros são entidades lingüísti­cas, »em outros unidades geográficas ou políticas por ocasião da redação. Gênesis 10.5,20,31 dizem o mesmo tanto ao declarar que os descendentes de lafé, Cam e Sem são “segundo suas famílias”

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(ninssra, “clãs” — uma distinção racial), “segun­do as suas línguas” (m * ? . “linguagens” — uma distinção lingüística), “em suas terras” (msnK— uma distinção geográfica), e “em suas nações” (□■i; — uma distinção política). Tal como T. C. Mitchel aponta, “características raciais não podem mudar, mas podem se tom ar tão misturadas ou dominadas através de casamentos mistos que se tomam indistinguíveis. A linguagem pode mudar completamente, de forma que a de um grupo subordinado pode ser substituída pela do grupo governante, em muitos casos de forma permanen­te. O habitat geográfico pode ser completamente mudado pela migração” (“Nações, Tabela das” NBD, pág. 867).

2. Problem as. O reconhecim ento desta múltipla base de distinção das nações permite ao leitor entender porque Canaã encontra-se listada como um filho de Cam e não de Sem, embora os cananeus de 2000 a.C. em diante falassem um dialeto semítico ocidental (do qual o próprio hebraico é uma subdivisão). As tribos camitas que conquistaram a Palestina talvez nos primórdios da Antiga Idade do Bronze (c. 3100 a.C.), talvez tenham sucumbido à influência dos vizinhos de linguagem semítica, independente de qual fosse sua língua original.

Outro problem a é a dupla aparição de três nomes na lista, a saber, Seba (Gn 10.7,28), Ha- vilá (10.7,29) e Ludim (10.13,22) tanto como descendentes de Cam quanto de Sem. Havilá e Seba (xxii- — grafia hebraica de Sabá, nome da nação sabeana ao sul da Arábia) eram distritos da Arábia. O nome semelhante de Seba (soo) foi dado talvez a uma colônia de sabeus na África, visto que Seba claramente é associada à Etiópia (Núbia) e Egito em Isaías 43.3. O mais provável é que os sabeus fossem originalmente camitas em origem racial, mas a mistura contínua com outros povos semíticos no sul da Arábia finalmente alterou suas características étnicas e tomou-os predominante­mente semíticos. Conseqüentemente, as relações de Gênesis 10.7 e 10.28,29 estariam corretas. Lud e Ludim ainda esperam ser identificados com cla­reza; eles podem ter sido os lídios da Anatólia, em cuja região os assírios (semitas) tinham colônias de negócios cerca de 1900 a.C. com oportunidades para casamentos mistos. Os egípcios (camitas) de tempos em tempos obtinham tropas mercenárias de Lídia (Ir 46.9; Ez 30.5). Ou, os lídios podem ter imigrado do norte da África numa época anterior de sua história, pois eles aparecem na planície de Sardes, na Ásia Menor ocidental, antes da metade

do segundo milênio a.C. Eles se espalharam em direção ao ocidente para o Rio Halis, onde se opuseram aos hititas e foram subjugados. Após o colapso do império hitita, os lídios reconquistaram sua independência e gradualmente se tomaram uma nação forte. Foram mencionados com freqü­ência nos registros assírios como Liiddu.

O nome Cuxe também envolve um problema intrincado. Gênesis 10.8-10 indica que Cuxe foi o pai ou ancestral de Ninrode, que estabeleceu um reino na região da Mesopotâmia. Porém, seu nome se tomou associado com a área conhecida atualmente como Sudão, acima do Rio Nilo, aci­ma do Egito. E também conhecida como Núbia e em algumas versões da Bíblia como Etiópia (SI 68.31; Is 11.11; 20.3-5; Ez 30.4,9; Na 3.9; etc.). Os egipcios chamaram o país de Cuxe, o que natu­ralmente concorda com uma localização africana. Por outro lado, a tribo Al Amran da Arábia chama a região de Zebid, no Iêmen, pelo nome de Cuxe. Houve também uma grande cidade na Babilônia chamada Quis, trono da primeira dinastia suméria após a menção do Dilúvio na lista de reis sumérios. Além do mais, a terra de Cuxe (Gn 2.13) é quase que certamente o país dos cassitas (cp. grafia kussü nos documentos Nuzu, e a forma grega clássica de Kossaios, como E. A. Speiser indicou, Genesis, Anchor Bible, págs. 20,66). Os cassitas invadiram das montanhas Zagros e dominaram a Babilôniac .1650 — c .1175 a.C.

Reunindo todos estes argumentos juntos, M. F. Unger (Archaeology and the OT, p .83) sugeriu que uma habitação muito primitiva dos cusitas camitas foi na terra de Sinar, o correspondente bíblico do SumerÇü) cuneiforme ou Sumer, onde Ninrode os teria levado à proeminência. Dali os cusitas podem ter estendido seu poderio através de mercadores ou exércitos até a região iemenita da Arábia, e então cruzado o estreito Mar Vermelho para invadir a área do Sudão e impor seu nome em todo aquele distrito. De maneira semelhante, mais tarde os filisteus se infiltraram na Palestina e imprimiram ali seu nome.

Os eventos de Gênesis 10.8-12 devem ter ocor­rido nos tempos pré-históricos. A tradução preferi­da do versículo 10 é de que da terra de Sinar “ele (Ninrode) foi para a terra de Assíria e construiu Nínive, etc”. Segundo a linguagem arqueológica, a única ocasião conhecida antes de Abraão, quando um povo não semita, da Mesopotâmia inferior, marchou para o norte para conquistar a região da futura Assíria e reconstruir as cidades, foi no período Ubaid (3800-3400 a.C.). O povo Ubaid foi um dos primeiros a ocupar o sul do Iraque, e

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446 NAÇÕES

LUDE ASSUR

MESEQUE MADAI

ARFAXADE

Mar GrandeELAO

PUTE

MIZRAIM

JAVÃ

DESCENDENTES DE NOÉ (Gn 10.1-32)

deles foi o único período do desenvolvimento pré- histórico que estendeu uma cultura unitária sobre toda a Mesopotâmia. Eles podem representar os ancestrais do povo sumério, cuja civilização veio a florescer plenamente no milênio seguinte.

3. Conteúdo. Adicionalmente à provável identificação sugerida na subseção anterior, outras correspondências interessantes entre os nomes deste capítulo e as formas que eles assumem nas inscrições antigas são discutidas aqui.

a. Jafé. A maioria dos grupos étnicM envol­vidos em Gênesis 10.2-4 era de origem indo-eu- ropéia. Gomer é identificado com o Gimirrya ou Gimirrai (cimérios = K iw iépioi), que pelo menos no 8- séc. a .C tinham invadido a Ásia Menor via Cáucaso sob a pressão dos citas e se assentado na Capadócia. Eles atacaram Urartu e também invadiram Tabal durante o reinado de Sargão II (722-705) da Assíria. Não se sabe ao certo se Magogue pode ser representado pela terra bárbara de Gagaia no extremo norte, mencionado na Carta Amama # 1 (1. 38), escrita por Amenotep III ao rei cassita Kadashman-Enlil I.

Madai foi sem dúvida o ancestral dos medos, que habitaram as terras altas semi-áridas a leste das montanhas Zagros. Eles eram principalmente nômades do sul da Rússia, de origem indo-irama- na, estreitamente relacionados aos persas posterio­res. Especializando-se em cavalaria e na arte de manusear c arco e flecha, os medos se tomaram

formidáveis inimigos dos assírios, qua Q gram muitas tentativas de subjugá-los nos 82 e 9S sécs. a.C. O rei Ciaxares (625-585) se uniu aos caldeus para derrubar a capital assíria, Nínive, em 612a.C. Astíages (585-550) expandiu o império medo ao seu maior tamanho, mas foi vencido pelo seu sobrinho, Ciro o Grande, da Pérsia. Depois disso, os medos se tomaram parceiros subordinados dos persas em difundir o império medo-persa.

lavã tem sido igualado aos jônios, uma das tribos gregas. O Peloponeso da Grécia foi o fim do movimento em direção sul, das tribos arqueanas, conhecidas como micenas, de língua indo-euro- péia. Eles começaram por destruir a civilização minóica em Creta por volta de 1400 a.C. Sua fa­mosa expedição contra Tróia, no noroeste da Ásia Menor por volta de 1200 a.C., foi cantada em seus épicos nacionais, na Ilíada e Odisséia de Homero. Expulsos pelos dórios provenientes das Balcãs logo após a guerra troiana, os jônios ocuparam a costa ocidental da Ásia Menor, as ilhas do Egeu, Ática (em volta de Atenas) e eventualmente Ro­des, Chipre e até partes da Síria. Um dialeto jônio modificado, o Ático, por fim se tom ou o padrão para a prosa grega clássica. As fabulosas vitórias atenienses sobre os invasores persas, com seus enormes exércitos e esquadras (490, 480 a.C.), conduziram à idade de ouro da literatura, arquite­tura e escultura deles. Suas guerras com Esparta, entretanto, devastaram as duas cidades-Estado, de forma que Filipe da M acedônia conseguiu

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NAÇÕES 447

A DIFUSÃO DAS NAÇÕES DEPOIS DO DILUVIOGênesis 10.1-32; 1 Crônicas 1.4-23

NOÉ (1)

SEM

IGomerAsquenazRifateTogarma

r ~Madai

CAM JAFE

JAFÉ (2-5)

TTJAVAElisáTársisQuitimDodanim

TubalI

MesequeM asoçue

CUXE

Tifas

jCAM (6-20)

M K RAJM PuteI

CANAÃ

SebaHaviláSabtáSabtecá

MNRGDERaamá

SebaDedã

LudimAnamimLeabimNaftuimPatrusimCasluim

Caftoriml

Filisteus

SidomHeteJebuseusAmorreusGirgaseusHeveusArqueusSineusArvadeusZ cm ar cusHamateus

IAssur

-------- 1SEM (21-31)____ !______

Elã ARFAXADB Lude ARÃ

Salá

IFIéber

IPelegue Joctã

UzHulGeterMás

AtmodáSelefeHazar-MavéJeráFladorãoUzalDiclaObalAbimaelSabáOfirHaviláJobabe

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subjugar toda a Grécia em 350 a.C. Seu filho Alexandre transportou a língua e a cultura gregas através do Oriente Médio, à medida que forjava um império e desta maneira preparava caminho para a Dispersão judaica, e posteriormente para a penetração do evangelho cristão.

Os descendentes de Tubal foram os tabali, que se estabeleceram no leste da Anatólia; a raça de Meseque eram os musquis a leste do rio Eufrates superior. Ambos guerrearam conta Tiglate-Pile- ser I em 1100 a.C. Estes dois povos entraram no Oriente Médio vujdos das estepes do norte. Os tabali lutaram contra Salmaneser III no 9 séc. a.C. A arqueologia tem confirmado que metalurgia e comércio de vasos de cobre e bronze eram as in­dústrias principais destas duas nações (Ez 27.13). Tiras tem sido comparada com o Turasha conhe­cido dos registros egípcios de Ramsés III como um dos Povos do Mar, sem dúvida o mesmo que o grego Tupavoi, ou tirrenos, uma raça pelásgica que no início habitou a região do Egeu e quem alguns estudiosos pensam serem os ancestrais dos etruscos na Itália.

Asquenaz, da linhagem de ■Gomer, pode ter sido igualado com Ascuz (cuneiforme Ashgiiza) ou os citas que, semelhantemente aos guimirrai, entraram no Oriente Médio vindo através da cadeia do Cáucasffl. O nome Rifate ainda não apareceu nas inscrições antigas. Togarma aparece nos textos hititas como Tegarama e Takaram e nos escritos assírios como Tilgarimu, onde são mencionados como habitantes do norte das montanhas Taums. Esta é a terra natal dos armênios, que traçam sua ancestralidade até Haik, o filho de Torgom; conseqüentemente eles podem ser descendentes de Togarma.

Os associados a ÜcWLflicluem Elisá, conhecido como Alasia, o nome cuneiforme para a ilha de Chipre (Carta Amama # 33-40); Társis, prova­velmente a palavra grega para T ap tsac joç na Espanha e/ou Sardenha (onde o nome tem sido encontrado em inscrições); Quitim, do nome grego K m ov, que é a moderna L am akana costa sudeste de Chipre; e Dodanim (1 Cr 1.7 ARC e BI; segundo ARA e NVT, deveria ser R odanim \ provavelmente se refere ao pavo da ilha de Rodes, embora seja possível que se refira aos dar danianos das vizi­nhanças de Tróia, no noroeste da Ásia Menor.

b. Cam. O problema de Cuxe já foi discutido. Seus descendentes listados em Gênesis 10.7 são os povos das praias do M ar Vermelho e parte sul da Arábia, procedentes em geral do lado africano e asiático e depois do interior, com a menção de

Dedã. Sabta tem sido identificado com Sabotá, a cidade principal da terra de Hadhramaut (Ha- zar-Mavé, v. 26) na costa sul da Arábia. Ramá é mencionada pelo geógrafo romano Strabo (xvi.4. 24) como os ramanitas no sudoeste da Arábia. Uma inscrição antiga mineana do sul da Arábia fala de uma caravana da cidade de R a‘a m a h la sn ) próximo a M a’in, no sudoeste da Arábia, que foi atacada por bandidos de Seba e Haulã. Sabtecá não foi identificada. Dedã foi uma tribo importante que controlava as rotas das caravanas entre o sul e norte da Arábia, centradas em tomo do oásis el- ’U l í a cerca de 80 quilômetros ao sul de Teima e 240 quilômetros ao norte de Medina.

Mizraim, outra cidade camita listada no v. 6, é o nome hebraico comum para Egito, significando “dois distritos”, uma provável referência às duas antigas terras do vale do Nilo, o Egito Superior e Inferior. Cerca de 3000 a.C. agricultores de origem africana, vivendo nos principados rivais do Egito Superior e Inferior, uniram-se em um único reino sob Nar-mer, o fundador da primeira dinastia. O Velho Reino, Dinastias III a IV (2700-2200) é conhecido como a idade da grande pirâmide e testemunhou o começo dos escritos religiosos (Textos da Pirâmide) e da literatura da sabedoria (provérbios de Ptah-hotep).

A curta passagem de Abraão e provavelmente a ascensão de losé ao poder como o vizir real (segundo uma interpretação de dados cronológicos de Êx 12.40 e lR s 6.1), datam do Reino Médio, dinastias XI-XII (c. 2050-1780). Por volta de 1850 a.C. Sesóstris III trouxe todo o Egito novamente sob a autoridade central dos príncipes locais, grandes proprietários de terras (W. C. Hayes, The Scepter o f Egypt [1953], pág. 196; cp. Gn 47.18-26) e fez campanha na Núbia e em Canaã, chegando ao norte até a Siquém (ANET , pág. 230"). Durante parte do segundo Período Intermediário (1780-1570) os hicsos, que eram principalmente cananeus com uma mistura de hurrianos, toma­ram o Egito Superior e Inferior e talvez tenham começado a opressão aos israelitas. O “novo rei” de Êxodo 1.8-12 pode ter sido um governador hicso, porque ele não reconheceu a fama de losé e admitiu que os israelitas eram mais numerosos do que seu povo. O Novo Reino, dinastias XVIII- XX (1570-1090), incluiu o tempo de Moisés e os relatos do livro de Gênesis. Foi o terceiro grande período da civilização egípcia. Governando de Tebes, os faraós da 18a dinastia conquistaram a Palestina e Síria até o Eufrates. A fim de construir as grandes bases militares no Delta, necessárias para dar apoio às campanhas, eles continuaram a

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escravizar os israelitas. A data mais antiga para o Êxodo em que Moisés teria tirado o povo do Egito seria no início do governo do faraó AmenhotepII, filho do poderoso Tutmés III (1504-1450). Ramsés II (1304-1234) na 19s dinastia restaurou o controle egípcio sobre as principais cidades na Palestina e lutou contra os hititas até uma parada no meio da Síria.

Em Gênesis 10.13, o Ludim associado com Mizraim já tem sido examinado. Os Anamim são desconhecidos, a menos que esteja correta a sugestão de Albright, de que eram o povo de Cirene, mencionado no texto cuneiforme do tem­po de Sargão II como A-na-mi (JPOS, I, [1921], 191 s.). O Leabim, não mencionado em outras partes de Gênese 10, é igualado por muitos aos líbios. K. A. Kitchen (NBD , pág. 865) argumenta suficientemente que os Naftuim eram um povo do delta do Nilo, ou do oásis a oeste do vale do Nilo. Esta identificação seria apropriada em conjunto com os Patrusim (10.14), que eram habitantes do Egito Superior. O nome é comprovado nas inscrições assírias como Paturisi. Os casluim não são conhecidos fora do AT.

Os felistim são naturalmente os filisteus. Essa raça de invasores de Caftor (Am 9.7) — de Creta ou das ilhas do mar Egeu — migrou para o leste do litoral mediterrâneo, ocupou a costa sul da Palestina e construiu cinco cidades-Estado pode­rosas (Asdode, Asquelom, Gaza, Gate, e Ecrom). Gênesis 21 e 26 registram os contatos entre Abraão e Isaque, e os governantes palestinos de Gerar, cha­mados Abimeleque no início do segundo milênio a.C. Visto que eles não eram guerreiros, podem ter sido associados a mercadores minóicos de Creta, a quem é atribuído o estabelecimento de colônias em vários locais ao longo da costa mediterrânea. No tempo do Êxodo os israelitas evitaram a rota costeira, conhecida então como o “caminho da terra dos filisteus” (Êx 13.17), por causa dos assenta­mentos filisteus provavelmente próximos a Gaza. Aparentemente eles não foram subjugados pela invasão de Josué (Js 13.2,3) e mais tarde causaram problemas aos israelitas durante o período dos Juizes. Outros bandos de filisteus vindos por terra e por mar, reunidos tentaram invadir o Egito e foram repelidos por Ramsés III em 1188 a.C. A razão então para classificá-los com Mizraim pode ser geográfica, visto que os filisteus tinham se estabele­cido ao longo da via costeira que dava para o Egito.

Pute (Gn 10.6) é mais provavelmente a região da Cirenaica, ao longo da costa mediterrânea da Líbia, chamada Puta nas inscrições de Dario I (K. A. Kitchen, NBD, pág. 1066), onde o povo

era de pele branca. Alguns estudiosos sugeriram, contudo, que Pute é outra soletração para Pwtn/t dos textos egípcios, onde a terra referida parece ser a da Somália, na África Oriental.

Alguns aspectos da história dos cananeus já foram discutidos antes, mas ainda falta olhar mais profundamente para as outras nações listadas com Canaã. Hete (v. 15) foi identificado acima, com os hititas de ç. 1450-1200 a.C., que governaram gran­de parte do oeste da Ásia, a partir de sua capital em Boghaz-koy, na Anatólia. Também é possível que se trate de um povo bem menor, não indo-europeu , tal como “os filhos de Hete” de Gênesis 23.10 residindo em Hebrom, o que seria demasiadamente antigo e muito ao sul para ser parte do reino hitita. E. A. Speiser (Genesis, Anchor Bible, pág. 69) liga Hete aos hurrianos, que eram parte proeminente da população da Palestina e Síria na metade do segundo milênio a.C. e ele afirma com segurança que os jebuseus (10.16) eram o elemento hurria- no administrativo em lerusalém durante a idade Amama (c. 1400 a.C.) e, podemos acrescentar, chegando até o tempo de Davi.

Os amorreus são conhecidos por terem falado um dialeto semítico ocidental. Sua classificação aqui como camitas, entretanto, parece decorrer de um ponto de vista geográfico ligado a Canaã, pois seus grandes reinos na Mesopotâmia haviam sido destruídos já nos tempos de Moisés. Os pri­meiros amorreus conhecidos, segundo os textos de Drehem do período de Ur III, são retratados como pastores envolvidos com o comércio ativo e bem organizado de rebanho com os sumérios. O termo sumério MAR.TU designava os semi- nômades da estepe norte da Síria. Os amorreus parecem ter sido nativos da região de Jebel Bishri, as montanhas próximas a Palmira (Tadmor). Antes de 2000 a.C. havia um contínuo movimento de tribos entre esta terra da Síria e a Suméria, via rota ao longo do Eufrates (G. Buccellati, The Amorites o f lhe UrIII Period [1966]).

Este poderoso grupo de tribos estabeleceu reinos no início do segundo milênio a.C. em todo o caminho de Cades, por sobre o Orontes na Síria, até as montanhas Zagros a leste do Rio Tigre. Eles controlavam a cidade de Mari no Eufrates c. 2000a.C. e por volta de 1800 a.C. governaram a Babilô­nia. Assimilaram rapidamente a cultura acadiana e fundaram a dinastia do famoso Hamurabi.

Aparentemente o influxo dos amorreus para a Transjordânia e Canaã data dos sécs. 21 e 20 a.C., mesma época da chegada de Abraão (Gn 14.13;15.16). Eles são mencionados em textos egípcios e figuram nas pinturas do túmulo de Beni-Hasan (c.

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1900 a.C.), como famílias de mercadores barbudos itinerantes trazendo seus pertences em mulas para o Egito a fim de obter alimento, usando vestimen­tas listradas, e carregando instrumentos musicais e armas. Eles provavelmente se adaptaram aos hicsos no controle mais recente da Palestina e do Egito. Os nomes hicsos, Hur e Jacó-Hur, soam como amorreus. Os israelitas liderados por Moi­sés destruíram os reinos dos amorreus de Siom e Ogue na Transjordãhia, e Josué encontrou-os ainda firmemente entrincheirados em partes de Canaã. Eles geralmente preferiam terreno montanhoso na Palestina.

Os girgaseus não são conhecidos como povo nas fontes extrabíblicas, mas os nomes pessoais Grgs, Grgsy e Grgsm aparecem freqüentemente nos textos sem vogais de Cartago e Ugarite. Este fato parece indicar que os girgaseus eram aparen­tados aos fenícios ou cananeus. A origem racial dos heveus é desconhecida, mas geograficamente eles se classificam sob o nome de Canaã. Segundo Juizes 3.3 eles se concentravam nas montanhas libanesas. Se “heveu” for uma grafia alternativa para “horeu” (envolvendo a mudança de uma consoante no meio do nome), então os heveus, bem como os horeus, podem talvez ser identi­ficados com os hurrianos conhecidos de muitas inscrições antigas. Provavelmente migrando das montanhas da Armênia, os hurrianos não semíticos se tomaram um poderio importante na região da Mesopotâmia superior, em meados do segundo milênio a.C. O povo comum do reino de Mitani parece ter sido os hurrianos, embora seus gover­nantes fossem indo-iranianos, a julgar pelos seus próprios nomes. As narrativas dos patriarcas de Gênesis refletem muitos costumes e leis praticadas pelos hurrianos, como revelam as tabuletas Nuzu. Isto não é de surpreender, quando se descobre que os hurrianos dominaram a área de Nuzu, Assíria e Mari a leste, até o Rio Orontes a oeste, incluindo Padã-Arã onde Labão vivia e seguia grande parte dos costumes deles. A invasão prim itiva dos hurrianos na Palestina, e sua importância ali, são notadas na designação egípcia, „eqüente durante a 18a dinastia de Canaã, como Huru. O governador de Jerusalém nas Cartas Amama tem um nome hurriano, ‘Abdu-Heba (ANET , pág. 487ss.), e o jebuseu Araúna (2Sm 24.16) tem um nome ou título hurriano. Devido à proeminência deles no Oriente Médio durante o segundo milênio a.C., seria de se esperar que os hurrianos aparecessem listados de alguma maneira nesta Tabela.

Os arqueus, arvadeus e zemareus foram des­critos acima. O nome dos sineus sobrevive em

Nahr as-Sinn e Sinn ad-darb, ao longo da costa do Líbano. Tiglate Pileser III (745-727) menciona esta cidade junto como outros vassalos tributários fenícios. Os hamateus residiam na grande cidade de Hamate-sobre-o-Orontes, o centro do reino amorreu no período Amama.

Embora os sumérios não estejam incluídos como povo em Gênesis 10, é feita alusão ao seu país em termos de “a terra de Sinar” (v. 10), como observado anteriormente. Todas as civilizações que se sucederam na Mesopotâmia são baseadas na cultura dos sumérios não semitas. Vindos talvez do mar para a área montanhosa, para o leste ou norte, eles se assentaram no vale do Tigre-Eufrates do Golfo Pérsico, até o local da atual Bagdá, séculos antes de 3000 a.C. A genialidade peculiar deles deu origem à primeira civilização do mundo. Eles inventaram a escrita, que primeiro aparece em Ereque, por volta de 3500-3200 sob a forma de selos cilíndricos e depois tabuletas pictográficas de pedra e argila. Eles também desenvolveram os princípios básicos de leis dos direitos de proprie­dade privada, o sistema numeral sexagesimal que é ainda usado na atualidade para medir o tempo e o círculo de 360 graus e grande literatura. A história dos sumérios como nação durou de 3000 a c. a 1900 a.C., dependendo da data em que a 3a dinastia de Ur teria caído sob o ataque elamita e amorreu. Esta pode ser a razão pela qual os sumé­rios não se encontram relacionados na Tabela das Nações. De qualquer maneira, a língua suméria continuou a ser usada até o terceiro século a.C. na religião, ciência, lei e negócios (da mesma forma que o latim foi no ocidente, depois da queda do império romano).

c. Sem. Sob esse título apenas poucos nomes podem ser identificados com razoável certeza . Elão foi o vizinho oriental e rival das nações da Mesopotâmia desde o alvorecer da história. G. L. Archer reconhece que a classificação de Elão como semita tem sido desafiada no campo lingüístico, visto que elamita ou susiano não era uma língua semita (nem era relacionada com o sumério, hur­riano, ou indo-europeu). A língua não é um indi­cador infalível de relações étnicas e, além disso, Sargão de Agade trouxe tropas de língua semita quando conquistou o Elão c. 2200 a.C. (SOTI, pág. 203). O agrupamento em Gênesis 10.22 sob Sem é principalmente matéria de considerações geográficas e políticas.

O nome de Assur permanece na nação dos as­sírios. Este povo forte de origem mista semítica e não semítica, viveu ao longo do rio Tigre superior.

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Lingüisticamente eles pertenciam ao ramo oriental semítico . Começaram a alcançar importância política logo após 2000 a.C. e, por volta de 1900, os mercadores assírios tinham estabelecido nove colônias comerciais naAnatólia, sendo que amais importante ficava em Kanesh. Shamshi-Adad I gradualmente estendeu seu reino (c. 1800 a.C.) e seus dois filhos governaram em Mari, até aquela cidade ser capturada pelo rei Hamurabi da Babilô­nia. Com a ascensão dos povos mitani e hurriano da região do Eufrates Superior, a influência da Assíria havia declinado no tempo de Moisés. Vá­rios governantes assírios recuperaram partes dos territórios antigos de tempos em tempos, mas o zénite de seu poderio não chegou até depois de 900a.C. Por cerca de 300 anos seus reis iriam marchar contra Israel e Judá, agindo como agentes do juízo de Deus contra seu povo pecador.

Seria natural que Arfaxade (TtfODiN), o pai de Héber, de cujo nome pode ter derivado o termo “he­breu”, tivesse um nome verdadeiramente semita. Porém, em vez disso, esse nome continua a desafiar a análise lingüística (veja Speiser, Anchor Bible, pág. 70). Várias teorias têm sido propostas, tais como a que liga o nome com o cuneiformeArraphu (Arrapachitis em grego), provavelmente a moderna Kirkuk. Isto não justifica de maneira apropriada as três últimas consoantes em hebraico. Outra solução é ver o final do nome -ksad, como uma corrupção de késed, kásdím, os “caldeus”, e assim se referindo à Babilônia (Suméria e Acádia), estra­nhamente ausente da lista inteira (GTT, págs. 9s.).

A cidade da Babilônia foi mencionada já em 2300 a.C. Depois da queda da capital suméria de Ur, c. 2000 a.C., a Babilônia cresceu, tomando-se um pequeno reino independente sob uma dinastia de amorreus fundada por Sumu-abu. Seu famoso sucessor, H am urabi, no séc. 18 estendeu seu domínio sobre toda a Suméria, Assíria e Mari, finalmente vencendo o reino elamita de Rim-Sin em Larsa. Sua lei tão famosa dá evidências de uma civilização avançada e bem organizada. Sua dinastia chegou ao fim com a invasão hitita (c. 1600a.C.), que abriu caminho para os cassitas monta­nheses dominarem todo o territorio da Babilônia pelos séculos seguintes (G. L. Archer, “Peoples o f Bible Times” Holy Bible, Family Heritage Org., World Pub. Co. [1968], pág. 30). Novamente, a inexistência dos babilônios como nação no tempo de Moisés pode justificar a falta de menção dos seus nomes comuns na Tabela das Nações.

Arã foi o progenitor dos arameus, as tribos de fala aramaica que giravam em tomo da região do Médio Eufrates , ocupando Harã já nos tempos

de Abraão (c. 2000 a.C.). O aramaico, uma língua semítica ocidental, era falada por Labão já no séc. 19 a.C. (Gn 31.47). As primeiras evidências extrabíblicas da língua aramaica consistem de algumas palavras aramaicas em textos ugaríticos do séc. 15 a.C. Inscrições da dinastia de Sargão de Agade (Acade) e da dinastia de Ur III (c. 2400­2000 a.C.) mencionam um assentamento chamado Aram (e/i) na região oriental do Tigre ao norte de Elão e ao leste-nordeste da Assíria. Isto pode ser considerado como um grupo proto-aramaico, que corresponderia à listagem de Arã com Elão e Assur (Gn 10.22; K. A. Kitchen, “Aram”, NBD, pág. 56). Doze tribos aramaicas aparentadas com Naor, irmãe de Abraão, são listadas em Gênesis22.20-24. O último a ser listado, Maaca, parece ser mencionado (c. 1830 a.C.) nos mais recentes textos de Execração Egípcios, como já estabelecido no norte da Transjordânia (B. Mazar, “Geshur and M aacah V S I, LXXX [1961], 21s.). Em conseqü­ência disso, os arameus gradualmente marcharam em direção oeste para o Mediterrâneo.

Eles não tinham capacidade para construir um império. Nos sécs. 12 e 11 a.C. a Síria tinha uma mistura de cidades-Estado aramaicas, que nunca se uniram por muito tempo em um reino maior. Carquemis, Harã, Pitru, (Petor, a terra natal de Ba- laão, o profeta) Arpade e Alepo eram tais estados aramaicos ao norte, enquanto ao sul delas ficavam Hamate, Zobá, e Damasco. Davi conquistou várias dessas pequenas nações durante seu reinado. Da­masco gozou de um breve período de importância sob regentes arameus tais como Ben-Hadade e Hazael, até que foi saqueada pelos assírios em 732a.C. A língua aramaica, entretanto, de estrutura mais simples e mais fácil de escrever, substituiu a cuneiforme dos assírios como a língua franca do Oriente Médio, a partir do 8Q séc. até a conquista por Alexandre, no final do 4- séc. a.C.

Uz (cp. Jó 1.1,15-17; Lm 4.21) era uma terra localizada em algum lugar do deserto sírio ou da Arábia do norte, ao sul de Damasco e norte de Edom. Hul e Geter são desconhecidos. Más também localizava-se no deserto sírio-árabe, no lado oriental, segundo os registros assírios (M as’a, M as’ai, ANET, págs. 283 s.)

A genealogia de Sem até Abraão é dada de m aneira mais completa em Gênesis 11.10-26. A respeito do problema do significado de Eber, como suposto epônimo ancestral do povo hebreu e as possíveis relações entre ele e Hdbiru (‘Apiru) veja, HEBREU (s) povo.

A referência à divisão da terra nos dias de Pelegue (Gn 10.25), quando as nações foram

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divididas (lit., “separadas”, 11133) na terra de depois do Dilúvio (v. 32), parece definitivamente referir-se à confusão das línguas que ocorreu na descrição detalhada da torre de Babel, em Gêne­sis 11.1-9. O nome de Joctã é desconhecido fora da Bíblia, bem como a maioria das tribos árabes associadas com seu nome. Hazar-Mavé, Seba, e Havilá foram discutidos antes. Para a localização de Ofir veja OFIR.

3. Listas de nações não israelitas.Existem 22 listas que nomeiam de dois a dez dos povos que ocuparam a Palestina antes da conquista e assentamento dos israelitas. A enumeração co­mum registra sete “nações” : amorreus, cananeus, heteus, perizeus, heveus, jebuseus, e girgaseus — nesta ordem aproximada de proeminência. Os dois primeiros com razoável certeza são termos gerais para os blocos étnicos bem conhecidos, e talvez também os hititas, se houvessem enclaves hititas na Palestina, e os heveus, se este nome representar os hurrianos. Os perizeus dificilmente podem ter sido uma nação grande visto, que não são citados em Gênesis 10. Ainda assim permaneceram como uma tribo distinta nas montanhas da Palestina até o tempo de Salomão (lR s 9.20,21). Eles podem ter sido de origem hurriana, porque um mensageiro hum ano do Rei mitaniano Tushratta tinha o nome de Pirizzi (Amarna Letters #27, 28).

Gênesis 15.19,20 relata o maior número de po­vos e tribos, limitando-os geograficamente entre o delta do Nilo e o Rio Eufrates. É também a primei­ra ou mais antigas das 22 listas. Os queneus eram uma tribo ou sub-tribo de Canaã, que parece ter se misturado por casamentos com os midianitas, porque o sogro de Moisés é chamado de queneu bem como midianita (cp. Jz 1.16 com N m 10.29). Alguns estudiosos consideram os queneus como viajantes que trabalhavam com cobre, por causa do hebraico pp que pode significar “ferreiro”. Os quenezeus, outra tribos obscura, podem ter sido parentes dos queneus. Eles também se fundiram com os edomitas, pois um chefe edomita era cha­mado Quenaz (Gn 36.11,15,42), talvez um nome derivado de seu governo sobre os quenezeus. Calebe (Nm 32.12) e Otniel (Js 15.17; Jz 1.13; lC r 4.13) eram aparentados de alguma maneira com esta tribo.

Os cadmoneus (’32np), “orientais” são sinô­nimos de m p ’33, “os povos do Oriente” com freqüência citados no AT (Gn 29.1; Nm 23.7; Jz6.3,33; lR s 4.30; Jó 1.3; etc."). Esse termo parece ser uma designação geral para as tribos nômades que freqüentavam as regiões leste e nordeste da

Palestina (Jr 49.28; Ez 25.4,10). O termo Qedem é igualmente usado como uma palavra empresta­da, na história egípcia de Sinuhe no séc. 20 a .t l {ANET, págs. 19-21), que mostra que era uma expressão comum em Canaã antes dos israelitas adotarem-na.

Os refains eram um povo formidável, compara­do em estatura com os anaquins (Dt 2.20,2 IARA; enaquins NVI; enacim BJ; gigantes ARC). Eles parecem ter feito da Transjordânia seu lar, onde se opuseram a Quedorlaomer e seus aliados (Gn 14.5), e onde seus descendentes foram encontrados no tempo de Moisés (Dt 2.11,20s.; 3.11; ate.); mas um vale a sudoeste de Jerusalém também era chamado pelo mesmo nome (Js 15.8). Alguns estudiosos supõem que os numerosos dólmenes da Palestina podem ter sido colocados nos seus lugares por gigantes refains. O outro uso da palavra □’KDi tanto em hebraico quanto em ugarítico e em inscrições de túmulos fenícios, como um termo para morto ou espírito do morto (“as sombras”, Jó 26.5; SI 88.10; Pv 2.18 BJ; Is 14.9; 26.14 ARA; 26.19 B J) parece não ter ligação com este povo, a menos que, como alguns comentaristas sugerem, os israelitas tenham aplicado o termo à raça pré- histórica como pessoas há muito tempo mortas.

Os cananeus (ex. Gn 12.6) ou os amorreus (ex. 15.16) podem representar toda a população da Palestina, visto que estes dois povos parecem ter sido a maioria dos habitantes da terra. Canaã freqüentement,« é usado como nome da terra, bem como um gentílico, mas não há nenhum termo ge­ográfico como “Amor” no AT. Como E. A. Spencer conclui, pode-se tomar como hipótese geral que “Canaã” teria começado como um nome geográfi­co, mas passou a ser usado com propósitos étnicos e lingüísticos (Is 19.18), enquanto “amorreu(s)” não teria nunca sido empregado com outro propó­sito além do seu uso étnico original (“Man, Ethnic Divisions of, ID B , III, 237).

Números 13.39 retrata um perfil da divisão ge­ográfica de muitos povos importantes da Palestina. “Os amalequitas habitavam na terra do Neguebe (Sul ARC); os heteus, os jebuseus e os amorreus habitam na montanha; os cananeus habitam ao pé do mar e pela ribeira do Jordão” (ARA). Uma referência muito interessante aos amorreus e hititas é encontrada em Ezequiel 16.3 onde se afirma de Jerusalém: “A tua origem e o teu nascimento pro­cedem da terra dos cananeus; teu pai era amorreu, e tua mãe, hetéia”, aparentemente fazendo referên­cia à origem pagã de seus fundadores.

A literatura do AT é abundante em referências descritivas e poéticas às nações com as quais

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Israel teve contato durante sua história (ex. SI 83; Jr 25.12-33; Ez 27). Em nenhum lugar se pode demonstrar que qualquer dos nomes dos povos, ou de seus governantes, ou dos eventos, ou costumes associados com eles tivesse algum erro histórico definido ou efetivo.

C. Os Judeus da Diáspora. Em Atos 2.9"-11 encontra-se a lista dos peregrinos judeus vindos de vários países para os quais tinham sido dispersos depois de Alexandre, o Grandes. Eles estavam em Jerusalém para a Festa Anual das Semanas ou Pentecostes. Os judeus estrangeiros ficaram surpresos de ouvirem os judeus galileus louvando a Deus, não na língua nativa deles, em aramaico, mas em suas línguas ou dialetos SiaXéKxm matemos. Eles próprios enumeraram os povos da Pérsia e Mesopotàmia até a Ásia Menor, e do norte da África — interrompidos apenas pela Judéia (v. 9) e “visitantes romanos, tanto judeus como prosélitos” (v. 10,11) — terminando com os habitantes das ilhas (“cretenses”) e regiões do deserto (“árabes”) como em Isaías 11.11; Jeremias 25.22-24. A maioria dos peregrinos por certo teria falado como segunda língua o dialeto grego comum (o Koiné), exceto aqueles das terras orientais (partos, medos, elamitas e residentes da Mesopotàmia) que estariam mais familiarizados com o aramaico. Veja D iá s p o r a .

III. A t it u d e s iu d a ic a s e m r e l a ç ã o à s n a ç õ e s

A. Os pactos com Abraão e Moisés.As atitudes dos israelitas com relação aos povos pagãos evoluíram, no curso de sua história, em tomo de dois fatos Drincipais na afirmação de sua fé. Para começar, Deus escolheu Abraão (Is 51.2) e fez com ele um pacto para o beneficio das nações. Em segundo lugar, a deidade de Israel, Yahweh, é o único Deus. Os israelitas tiveram dificuldades em encontrar equilíbrio entre estes dois extremos. A tensão os empurrava a um nacionalismo religioso e exclusivismo judaico. Não obstante, Deus havia dito a Abraão: “Em ti serão benditas todas as famí­lias da terra” (Gn 12.3). Esta promessa, quase com força de mandamento, foi repetida muitas vezes aos patriarcas (Gn 18.18; 22.18; 26.4; 28.14). Era a base para a relação pactuai estabelecida em escala nacional com os israelitas redimidos, enquanto eles se reuniram ao pé do monte Sinai. “Agora, pois, se diligentemente ouvirdes a minha voz, e guardardes a minha aliança, então sereis a minha propriedade peculiar dentre todos os povos: porque toda terra é minha; vós me sereis reino de

sacerdotes e nação santa” (Êx 19.5,6). Um “reino de sacerdotes” ... “dentre todos os povos” — desta forma Deus consagrou Israel para o serviço de testemunhar entre as nações e trazer seus vizinhos à adoração dele.

Repetidas vezes, por meio dos profetas, Deus trouxe à memória de Israel este seu propósito. No entanto, profetas como Jonas e o povo como um todo eram surdos às suas responsabilidades pactu­ais (Is 42.19). Contudo, Deus continuou a chamar. “Vós sois as minhas testemunhas, diz o Senhor, o meu servo a quem escolhi” (Is 43.10). Deus anunciou sua vinda para reunir todas as nações e línguas para que eles pudessem ver sua glória, e anunciou que ele iria enviar seu remanescente às nações que nunca tinham ouvido falar dele, a fim de declarar sua glória entre elas (Is 66.19).

B. O Código Levítico. Ao dar suas costas às nações circunvizinhas, os judeus piedosos po­diam sempre recorrer ao código de santidade que ordenava que fossem santos como santo é Yahweh e não se contaminassem com qualquer prática impura dos seus vizinhos idólatras (Lv 11.43-47). O povo de Canaã se tomou tão corrupto, que na guerra santa declarada pelo próprio Deus nenhum deles foi poupado. Israel, por seu lado, foi proi­bido de fazer qualquer aliança com os cananeus vizinhos, por causa do perigo da apostasia (Ex 34.11-16; D t 7.1-11).

C. As reações pós-exílicas . Por causa da desobediência à proibição de casamentos mis­tos com pessoas das outras nações, os israelitas ao retomarem da Babilônia foram severamente repreendidos por Esdras e Neemias (Ed 9; 10; Ne 13). Eles deveriam ser um povo separado, sem permitir que um “misto de gente” (Êx 12.38) se achegasse ao pátio do Templo. O desenvolvimento deste exclusivismo é surpreendentemente repre­sentado nos acontecimentos de Atos 21.27-22.22, quando Paulo quase foi morto pela multidão judia na área do Templo, ao suspeitarem que ele tivesse contaminado o lugar santo trazendo gentios para dentro do Templo.

Ainda assim Deus não abandonou seu plano universal de bênção e redenção de pessoas de todas as raças. Os profetas pós-exílicos continuaram a proclamar o desejo de Deus, de fazer das nações seu povo também. “Naquele dia muitas nações se ajuntarão ao Senhor, e serão o meu povo” (Zc 2.11); “Desde o nascente do sol até ao poente é grande entre as nações o meu nome; e em todo lugar lhe é queimado incenso e trazidas ofertas pu­

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ras; porque o meu nome é grande entre as nações, diz o Senhor dos Exércitos’' (Ml 1.11).

IV. A MISSÃO CRISTÃ

Isaias tinha profetizado a missão do Servo do Senhor em relação às nações quando cantou: “Eis aqui o meu servo, a quem sustenho; o meu escolhido, em quem a minha alma se compraz;... ele promulgará o direito para os gentios... Não desanimará nem se quebrará até que ponha na terra o direito; e as terras do mar aguardarão a sua doutrina” (Is 42.1-4). Deus achou que era pouco le­vantar as tribos de Jacó; ele iria também colocá-las como luz para as nações, para que a sua salvação pudesse alcançar os confins da terra (49.6).

Durante os primeiros dias de seu ministério público, Jesus Cristo ordenou a seus discípulos que não fossem rumo aos gentios, mas procu­rassem unicamente as ovelhas perdidas de Israel (Mt 10.5,6). Depois que os oficiais do povo judeu deixaram claro sua rejeição a ele como o Messias prometido, ele começou a preparar seus discípulos, por meio de parábolas, exemplos e declarações para o alcance maior predito por Isaías (cp. Mt 12.17-21). Na parábola da rede varredoura, peixes de todos os tipos foram recolhidos do mar, um símbolo de todas as nações (Mt 13.47-50). Ele se dispôs a ajudar a mulher cananéia, ou siro-fenícia, com base em sua fé persistente, muito embora enfatizasse sua política: “Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel” (Mt 15.21-28; Mc 7.24-30). Jesus claramente afirmou aos fari­seus em Jerusalém: “Ainda tenho outras ovelhas, não deste aprisco; a mim me convém conduzi-las; elas ouvirão a minha voz; então haverá um rebanho e um pastor” (Jo 10.16).

Em seu sermão no monte das Oliveiras, Cristo ensinou aos seus discípulos que o evangelho do reino seria pregado por todo o mundo para tes­temunho de todas as nações antes que chegasseo fim (Mt 24.14). Em sua parábola final, ele descreveu todas as nações reunidas perante o Filho do homem para julgamento. Naquele tempo ele irá separar umas das outras como um pastor separa os carneiros dos cabritos (Mt 25.31-33). Fica claro, pelo que segue nos vv. 34-46, que a base para o julgamento será a resposta individual ao seu Evangelho, revelado mediante serviço de compaixão para com o desafortunado, e não com base em relação étnica.

Depois de sua ressurreição, o Senhor comis­sionou seus discípulos em diversas ocasiões para irem fazer discípulos de todas as nações (Mt

28.19,20), para irem por todo o mundo e pregar o Evangelho a toda criatura (Mc 16.15), para pro­clamar em seu nome arrependimento para perdão dos pecados a todas as nações — a começar por Jerusalém (Lc 24.47). Aparecendo subitamente aos seus temerosos apóstolos na sala superior, na noite posterior à sua ressurreição, Jesus anunciou: “Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio” (Jo 20.21). Isto estava de acordo com sua oração sacerdotal, pedindo ao Pai que separasse os apóstolos, porque do mesmo modo que Deus havia enviado o Filho ao mundo, Jesus os estava enviando (Jo 17.17,18). Mas a Grande Comissão não poderia ser executada até que os discípulos fossem revestidos de poder do alto (Lc 24.49). Imediatamente antes de sua ascensão ele prometeu outra vez: “recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém, como em toda a Judéia e Samaria, e até aos confins da terra” (At 1.8).

Os apóstolos e os cristãos primitivos foram levados a seguir a ordem desse plano estratégico pelas circunstâncias e pela direção do Espírito Santo, tal como a história da difusão do Evangelho se desenrola no Livro de Atos. O exemplo do após­tolo Paulo foi básico para a missão subseqüente da Igreja — “primeiro do judeu e também do grego”, pois ele devia obrigação tanto a gregos e bárbaros como a judeus (Rm 1.13-16; cp. 15.15­21; 16.25,26). Suas palavras finais, aos líderes da comunidade judaica em Roma, claramente afirmam que a salvação de Deus foi enviada aos gentios e que eles iriam ouvir (At 28.25-28).

No dia escatológico, João tem uma visão de membros de todas as nações da terra, reunidos ao redor do trono de Deus em triunfo e louvor (Ap 5.9; 7.9). As nações serão curadas (22.2) e andarão na luz da glória de Deus e do Cordeiro, com os reis da terra trazendo a glória e honra das nações para a cidade santa, a nova Jerusalém (21.24,26).

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NACOM / NAFIS 455

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J. R ea

N A C O M i-pa:). Dono de uma eira perto da qual Uzá foi morto por estender sua mão para segurar a Arca do Senhor (2Sm 6.6; BJ Nacon). Na passagem paralela, em 1 Crônicas 13.9, se lê “Quidom” (Quidon BJ) em vez de “Nacom”. Mais tarde o lugar foi chamado de Perez-Uzá (brecha de Uzá).

N ACOR. Form a BJ de N aor em Josué 24.2, Lucas 3.34.

NADAB. Forma BJ de N a d a b e

NADABE (ü']; N aSáP; disposto, liberal). 1. O filho mais velho de Arão e Eliseba (Êx 6.23; Nm 3.2; 26.60; lC r 6.3; 24.1). Ele e seu irmão Abiú ti­veram permissão de acompanhar os setenta anciãos enquanto subiam o monte Sinai para assistirem a uma manifestação de Deus e comer e beber em sua presença (Êx 24.1,9-11). Esse grupo oficial repre­sentou Israel em íntima associação com Deus, de acordo com a nova aliança ratificada anteriormente no mesmo dia (24.3-8). Nadabe e seus irmãos Abiú, Eleazar e Itamar foram admitidos no ofício do sacerdócio junto com o pai deles Arão (Ex 28.1; Lv 8.1-36). Após muitos dias de consagração, no oitavo dia, quando o serviço oficial começou, Na­dabe e Abiú pecaram ao oferecerem “fogo estran­ho” perante o Senhor. Eles foram imediatamente mortos, consumidos pelo fogo que saiu de diante do Senhor (Lv 10.1,2; Nm 3.4). Para enfatizar a seriedade do pecado, Moisés proibiu a Arão e seus filhos vivos de observar as cerimônias de luto costumeiras por eles (Lv 10.6). Ambos morreram sem deixar descendência (Nm 3.4; lC r 24.2).

A natureza exata do pecado não é clara. As palavras de Moisés (Nm 3.3) levam a entender que o pecado deles foi proveniente da impureza de seus corações, incompatível com a santidade e glória de Deus. Aparentemente seus corações eram orgulhosos. O termo “fogo estranho” (n iT

wx) designando o que foi oferecido, sugere erro na natureza do fogo usado. Levítico 16.12 e Nú­meros 16.46 sugerem que o fogo das brasas do

altar devia ser usado na oferta do incenso. Nadabe e Abiú podem ter usado brasas de algum outro lugar. A ação deles é descrita como tendo sido colocado fogo nos incensários e jogado sobre ele0 incenso, quando ainda havia fogo no incensá­rio. Esse procedimento deveria ser usado no dia da Expiação (Lv 16.12,13), mas do contrário o incenso deveria ser oferecido sobre o altar de ouro (Êx 30.7,8). Além do mais, parece que eles ofereceram na hora errada. O incenso deveria ser oferecido de manhã e de tarde (Ex 30.7,8), mas parece que ofereceram numa hora imprópria. O incenso deveria ser oferecido de manhã e à tarde (Êx 30.7,8), porém a hora do ocorrido parece ter sido durante o dia, entre a atividade sacrificial registrada em Levítico 9 e o comer cerimonial de Levítico 10.12-20. Mais ainda, a injunção dos vv. 9,10 sugere que os irmãos estavam sob a influência de bebida forte na ocasião.

2. Judaíia , filho de Samai e pai de dois filhos, Selede e Apaim (lC r 2.28,30).

3. Benjamita, filho de Jeiel e Maaca, parente de Quis, pai de Saul, o primeiro rei de Israel (lC r 8.30-33; 9.35-39).

4. Rei de Israel, sucessor de seu pai Jeroboão1 em cerca de 910 a.C. (lR s 15.25-31). Seus dois anos de reinado (v. 25) foram na \ erdade somente parte de dois anos (cp. vv. 25,28,33). Diz-se que ele fez um cerco a Gibetom (v. 27), cidade perten­cente a Dã (Js 19.40-46) e destinada como cidade levítica (Js 21.23), que nessa época estava sob o poder dos filisteus (lR s 15.27; 16.15). É comu- mente identificada com a moderna Tell el-Melat, a cerca de 5 km a leste de ‘ Aqir (presumivelmente Ecrom) e 5 km a oeste de Gezer. Era considerada importante, embora comparativamente pequena, pois 26 anos mais tarde Onri, então general sob o rei Elá, a sitiou novamente (16.15-17). Sargão tam­bém a cercou, tendo mesmo pintado a cidade em painel no seu palácio em Khorsabad, chamando-a Gab-bu-tu-nu. Nadabe foi morto pelo seu sucessor Baasa, que exterminou toda a casa de Jeroboão, cumprindo assim a profecia de Aias (14.10,11)

BIBLIOGRAFIA. E. G. Kraeling, Bible Atlas (1956), 272, 273; J. Simons, G TT( 1959), 201, 337, 359, 510.

L. J. W ood

NAFATE-DOR. Veja D o r .

NAFIS (iP’3í). Um dos doze filhos de Ismael (Gn 25.15; lC r 1.31). Ele foi severamente vencido

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456 NAFOTE-DOR / NAFTALI

pelos israelitas na banda oriental do Jordão (lC r 5.19). Seus descendentes são citados em Esdras 2.50 como os “filhos dos nefuseus” (ARAe ARC) ou nefúsitas (BJ) ou “Nefusim” (NVI). A passa­gem paralela em Neemias 7.52 traz “Nefusesim” (A R A e ARC).

S. Barabas

NAFOTE-DOR. Forma alternativa paraNAFATE- D o r .

NAFTALI, nome de origem gentílica for­mado pela forma verbal ?nD “torcer” e “lutar” (Jó 5.13, et a lj i E o nome do sexto filho de Jacó com a serva de sua mulher Bila, que foi dada a Raquel, como presente de casamento com Jacó (Gn 29.29). Naftali foi o segundo filho de Jacó e Bila, seu ir­mão mais velho era Dã. Os dois irmãos geralmente são mencionados juntos em contextos do AT.

I. A pessoa de Naftali

II. A história da triboA. Na narrativa patriarcal e exílicaB. N a monarquia

III. Localização na Palestina

IV. Naftali no NT

I. A pessoa de Naftali. Na competição entre Raquel e Lia pela afeição de Jacó, cada uma delas ofereceu a ele sua serva como concubina. Os filhos concebidos eram como créditos e conforto para as esposas, embora nascidos das servas. O segundo que nasceu desta maneira a Bila, agradou a Raquel de maneira especial e por iggo os even­tos e etimologia de seu nome são descritos (Gn 30.7,8). Raquel se alegrou e com grande júbilo disse: “Com grandes lutas tenho competido com minha irmã e logrei prevalecer” por isso chamou a criança Naftali, que quer dizer “lutas” ., A vida e o caráter de Naftali não são dados nas Escriturase, devido ao distanciamento da tribo em relação ao centro da história israelita, após o assentamento na Palestina, algumas lendas se formaram em tomo do nome. O Targum aramaico, Pseudo-Jônatas registra as duas tradições, de que Naftali era um corredor veloz e que ele, com quatro de seus irmãos, foi escolhido por José para estar perante faraó. A tradição preservada nos comentários ra- bínicos e o testamento dos doze Patriarcas relata

que ele morreu com a idade de 132 anos. Apessoa deste patriarca é bastante apagada e não parece ter causado muita impressão na etimologia, nem na coletânea de fatos e tradições da nação. Na benção profética final de Jacó (Gn 49) somente uma curta frase é dirigida a Naftali. Ele é caracterizado, com sua tribo, como “Naftali é uma gazela solta; ele profere palavras formosas” (v. 21). As tradições rabínicas são divididas quanto à relação exata destes termos com os eventos finais. A primeira tradição é baseada numa alusão à “gazela solta” com o amadurecimento das plantações nas pla­nícies da Galiléia. A última tradição refere-se à destreza dos guerreiros de Naftali. Também existe divergência com respeito à segunda frase. A tradição inicial do Targum relaciona as “palavras formosas” com resposta à convocação de Débora para a guerra contra Sísera, enquanto a tradição posterior simplesmente a descreve como uma referência à habilidade de Naftali com as canções de vitória. Embora não esteja expresso de modo patente, estas quatro traduções do poema de Gê­nesis afetou a tradição posterior e os sentimentos com respeito a Naftali.

II. História da Tribo. Tal como a vida do patriarca, a narrativa sobre a tribo é menos conhe­cida do que a das outras tribos. A informação mais delineada encontra-se no Pentateuco e em Josué e Juizes. No primeiro recenseamento registrado em Números 1.43 e 2.30, os homens de Naftali totalizaram 53.400; no segundo recenseamento, em Números 26.48-50, o total foi de 45.000.

A. Na narrativa patriarca l e exílica.No Pentateuco, Naftali nunca foi separado da lista dos outros patriarcas e das outras tribos. Entretan­to, nas listas de organização das tribos, Naftali tem bem poucas pessoas cujos nomes são menciona­dos. Na ordem de marcha e acampamento durante o Êxodo, Naftali ficou na retaguarda enquanto acampava ao norte do Tabernáculo perto de Dã e Aser. N a visão profética de Moisés, na última exortação antes de sua morte, (Dt 33.23), Naftali recebe a terra ao redor do Lago de Quinerete e o território ao sul dele. No lançamento de sorte pela área dos cananeus, Naftali foi um dos últimos . A lista das cidades e municípios designados a ele é dada em Josué 19.32-39. N a tradição judaica, o estandarte de Naftali trazia a seguinte inscri­ção: “Jeová retom a para a multidão de Israel” . Todavia, eles não expulsaram os cananeus, mas viveram entre eles (Jz 1.33). Tradicionalmente isto tem sido entendido como uma das razões

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NAFTALI 457

Mar Mediterrâneo

pelas quais a tribo logo apostatou para adorar a Baal. Quando Baraque convocou as tribos para a batalha, em resposta às profecias da profetiza Dé­bora, Naftali foi o primeiro a vir até Quedes para lutar contra os exércitos dos cananeus liderados por Sísera. Sob a liderança de Gideão, novamente eles foram convocados para a batalha e lutaram contra os midianitas.

B. A/a m o n a r q u i a . N a época inicial da monarquia as maiores campanhas ocorriam ainda ao sul da Palestina e contra os filisteus da costa. N a maioria das estatísticas do reino nada fora do comum é dito sobre Naftali. No final do remado de Davi um certo Jerimote, filho de Azriel, governou a tribo (lC r 27.19). N a lista da administração de Salomão (1 Rs 4.7-19) Naftali é mencionada como tendo sido governada por um dos doze intendentes, um certo Aimaás, genro do rei. Pouco se pode acrescentar às crônicas da tribo.

III. Localização na Palestina. Os limites de Naftali são fornecidos em Josué 19.32-39. O problema é que o texto não lista um conjunto consecutivo de nomes de lugares em nenhuma ordem geográfica claramente definida. N esta e

em outra passagem, um grande número de cida­des é nomeado, todas elas numa área a oeste do Lago de Quinerete, junto à sua praia, ao norte de Quedes-Naftali acima e para o noroeste de Bahret el-Huleh. Um dos problemas é se a locação de Ramá era ao sul, próximo à Ramá moderna na parte superior do vale Shezor, ou mais longe ao norte perto da moderna Ramié, no Líbano. A fronteira ocidental é difícil de discernir. A tribo de Aser estava ao longo da costá^ mas Bete-Semes pertencia a N aftali. A fronteira do norte deve ter variado no tempo de Saul até a divisão da monarquia, mas certamente chegava até o norte de Tiro. Os limites exatos do reino de Salomão estão ainda em discussão. A terra de Naftali é uma série de planícies a oeste do Quinerete, através do qual fluem muitas correntezas. Para o norte ficam as montanhas que alcançam o leste em volta da praia norte do lago, no topo do qual fica Sefade, a “cidade edificada sobre um monte” que não podia ser escondida (Mt 5.14). Para o sul das colinas escarpadas e campos inclinados fica o monte triangular, Tabor. A abertura dos vales com freqüência permitia invasões vindas do norte e leste. E a tribo de Naftali foi a primeira a ser levada para o cativeiro (2Rs 15.29).

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458 NAFTUM / NAIOTE

IV. Naftali no NT. Visto que a área da Gali- léia, lar de Jesus e seus discípulos, fica na antiga Naftali, não é de admirar que suas tradições sejam fortes entre os judeus do período Intertestamen- tário e do NT, que viviam na extensão mais ao norte da monarquia. Durante os primeiros dias do m inistério público de Jesus, ele se retirou para a Galiléia, “a terra de Zebulom e a terra de Naftali” e ali cumpriu a profecia de Isaías 9.1 (Mt 4.13-16). A m enção de que era “além do Jordão” é importante, visto que o AT também reconhecia a vulnerabilidade e proximidade de Naftali aos gentios. A última menção é uma citação da tribo na lista dos grupos de servos de Deus selados com o selo de Apocalipse 7.6. Desta maneira, o fim da provisão da história por Deus tem a continuação da teocracia redimida. Este tema combina bem com a benção prometida através das doze tribos. Veja T r i b o s , L o c a l i z a ç ã o d a s .

BIBLIOGRAFIA. M. Noth, Das System der Z w ölf Stamme Israels (1930); C. U. Wolf, “Terminology oflsrael’s Tribal Organization” . JBL, LXV ( 1946), 45-49; Y Yadin, The Scroll o f the War o f the Sons o f Light (1962), 38-64.

W. WfflTE Jr .

MAFTUIM. □’nns:, um substantivo no plural, nome próprio de um povo de descendência egípcia mencionado como os filhos de □'nxn, “Egito” (Gn 10.13; lC r 1.11). O termo é de origem egípcia. Duas etimologias possíveis já foram propostas: (1)O gentílico formado a partir do nome da cidade egípcia de Nofe (Heb. Is 19.13 [ARC] et al.); (2) Um nome composto derivado da frase egípciap3- t3-m h w, consistindo do artigo definido mais um nome genérico para países tributários estrangeiros, mais a palavra para a direção “norte” ; desta forma, “o país do norte”, mais provavelmente o delta do Nilo. O hebraico indicaria então que o egípcio de­veria ser pronunciado na- / pa-toh-ím , que poderia ser traduzido como “aqueles do Delta”. Cp. W. Spiegelberg, “□TIJID] (G nX, 13)” Orientalistische Literatur-Zeitung, 9 (1906), 276-279.

W. W hite Jr .

NAGAI (Nayyaí). Um ancestral de Jesus (Lc 3.25).

NAIDOS (A. N áetSoç, B. N áaiS oc). Um dos judeus que se casaram com mulheres estrangeiras no tempo de Esdras (lE d 9.31), aparentemente corresponde ao Benaia de Esdras 10.30.

NAIM. Durante seu ministério na Galiléia, depois da cura do servo do centurião romano em Cafar- naum, Jesus viajou cerca de quarenta quilômetros em direção ao sul para a cidade de Naim (Lc 7.11­17). Ao se aproximar da cidade, ele cruzou com o funeral do filho de uma viúva, ao que parece pes­soa bem conhecida, visto que a procissão consistia de uma grande multidão da cidade. Comovido pelo estado desolado da viúva, Jesus restaurou milagrosamente a vida do rapaz, para espanto e gratidão de toda a cidade e circunvizinhanças. Lucas é o único evangelista que relata esse episó­dio. Este é um dos treze lugares onde Lucas usa o nome de Senhor íó K u p to ç , v. 13) para Jesus (uma designação vocativa), encontrado apenas uma vez em Mateus (21.3) e Marcos (11.3).

Cerca de dezesseis quilômetros ao sul e ligeira­mente a leste de Nazaré, próximo a Kefar Yeledim e Mahne Yisreael fica a aldeia moderna de Naim, identificada com a cidade do NT. A atual vila é um assentamento muçulmano. Fica aos pés de Jebel ed Dahi, na extremidade norte da planície de Esdrelom. Uma pequena capela erigida pelos franciscanos em 1880, supostamente sobre as fun­dações de um antigo santuário , marca o local de uma das cenas mais comoventes da vida de Jesus— a ressurreição do filho da viúva.

Josefo menciona a vila chamada Naim ( WarsIV. ix. 4, 5), que um revolucionário chamado Si- mão fortificou, na tentativa de usurpar o comando dos judeus, pouco após a morte de Galba em 69d.C. Esta entretanto, está localizada na Iduméia, ao sul de Masada, e obviamente não é a vila referida em Lucas 7.11.

B. V a n E l d e r e n

NAIOTE (n ’13, mi3 em 1 Samuel 20.1; outros manuscritos trazem m’3 ou rri], LXX B Luciana traz NamooB ; o significado domicílio é incerto). Lugar para o qual Davi fugiu de Saul e a residência de Samuel.

Naiote é encontrada apenas na narrativa de1 Samuel 19.18-20.1. E incerto se essa palavra é um nome próprio ou comum. Aparece sempre conjugada com Ramá e se diz estar em Ramá (vv. 19,22,23; 20.1). Alguns acham, portanto, que ela se referia ao domicílio de Samuel e ae sua escola de profetas (v. 20).

Quando Saul perseguiu Davi até esse lugar, depois de enviar três grupos de m ensageiros, “o mesmo Espírito de Deus veio sobre ele, que, caminhando, profetizava até chegar à casa dos profetas, em Ramá. Também ele despiu a sua

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NANAR / NANÉIA 459

A vila de Nairn com o Monte Tabor ao fundo. © M.P.S

túnica, e profetizou diante de Samuel, e, sem ela, esteve deitado em terra todo aquele dia e toda aquela noite...” (ISm 19.23ss.).

Ramá é bem conhecida como a moderna er­Ram, a cerca de treze quilômetros ao norte de Jerusalém. Naiote, entretanto, é desconhecida fora da Bíblia.

BIBLIOGRAFIA. Lange s Commentary, Samuel (1877), 252; S.R. Driver; Notes on the Hebrew Text o f the Books o f Samuel ( 1913), 158s.

R. L. A l d e n

NANAR. Nome pelo qual os sumérios adoravam a deusa-lua. Os acadianos chamam-na de Sin. A for­ma original do nome, Nar-nar significa “ luzeiro”. A deusa-lua era proeminente na Mesopotâmia.

NANÉIA (N a v a ía , significado desconhecido). “N anéia” foi o nome dado a uma deusa persa. Ela nâo é mencionada no AT nem no NT, mas o seu templo na cidade de Elimaida é mencionado nos Apócrifos (2Me 1.13). Outros nomes pelos quais ela era conhecida eram Anéia (Anate) e

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460 NÃO-MEU-POVO / NARDO

Nana, o último usado especialmente na B abi­lônia. Finalmente foi identificada com a deusa grega Afrodite.

O escritor de Segundo Macabeus forneceu o relato da morte de Antíoco, que ocorreu no templo devotado à adoração de Nanéia (2Mc 1.13-17). A descrição é complicada pela confusão dos even­tos históricos e mistura com mitologias, sendo im possível identificar sobre qual A ntíoco ele fala. Alguns sugerem que seja Antíoco III (morto em 187 a.C.) enquanto outros postulam que seja Antíoco VII (morto em 129 a.C.), mas até certo ponto Antíoco IV (Epifânio) estava também na mente do autor. Alguns detalhes são erroneamente extraídos de 1 Macabeus 6.1-4, onde relatada a tentativa fracassada de Antíoco IV em subtrair deste templo as riquezas de Alexandre o Grande . Independente de qual seja o Antíoco em questão em 2 Macabeus 1, uma história conflitante sobre sua morte é dada em 2 Macabeus 9.1ss.

O líder descrito em 2 M acabeus 1.13-17 chegou ao templo de Nanéia com o pretexto de desposá-la, esperando assim receber as riquezas do templo como dote. O estratagema foi des­coberto pelos sacerdotes da deusa o quais por sua vez montaram uma armadilha para Antíoco. Quando ele, juntamente com um pequeno número de homens, entrou na sala do tesouro, a porta foi fechada e trancada. Então, as vítimas foram apedrejadas até a morte através de um buraco no teto, e seus corpos foram desmembrados e suas cabeças foram jogadas para os que esperavam do lado de fora. Este destino é descrito pelo escritor de 2 Macabeus como sendo um ato da justiça de Deus contra este rei ímpio.

R. L. T h o m a s

NÃO-MEU-POVO (’os?!*). Um nome simbólico que Oséias, o profeta, deu para o seu terceiro filho. Esse era um sinal de que Deus logo julgaria Israel (Os 1.9). Veja Lo-Ami.

NAOR (u ra , talvez não deva ser ligado à raiz nhr, respirar fortemente, roncar; Na%cop). Nome de dois homens dentre os parentes de Abraão e talvez também um nome de lugar. BJ NACOR, em Josué 24.2; Lucas 3.34. 1. Filho de Serugue, da linhagem de Sem (Gn 11.10-25; lC r 1.26), pai de Tera, avô de Abraão, e como tal um ancestral de Jesus (Lc 3.34). Após o nascimento de Tera no seu vigésimo nono ano, Naor viveu cento e dezenove anos e teve outros filhos e filhas.

2. O segundo filho de Tera, irmão de Abraão e Harã (Gn 11.27-29; Js 24.2). Uma lista é dada dos doze filhos de Naor (Gn 22.20-24), oito por sua mulher Milca e filha de seu irmão Harã (Gn 11.29; 24.15,24,47), e quatro pela sua concubina Reumá. A discussão de que estes “filhos” de Naor devem representar os nomes das doze tribos aramaicas ou lugares, não necessariamente é deduzida do texto. A afirmação de que Betuel se tomou pai de Rebeca (24.23) é uma indicação melhor de que sejam nomes de pessoas.

Labão é chamado de “filho” de Naor (29.5), mas a palavra hebraica para “filho” tem também o significado de descendente; assim, de neto.

Na conclusão do pacto de Mispa, Labão clamou “O Deus de Abraão e o Deus de Naor, o Deus do pai deles, julgue entre nós” (31.53). Ao que parece Labão distinguia entre as deidades de Jacó e as suas (cp. w . 29 e 42). Essa distinção, entretanto, não se aplica ao Deus dos patriarcas, como foi feito por A. Alt, “Der Gott der Vãter”, BWANT, vol. III, No. 12 (1929).

3. Uma cidade mencionada em Gênesis 24.10. A referência pode ter sido a uma cidade chamada Naor, ou pode ser entendida como o nome pessoal de Naor (2), e ser traduzido como “a cidade onde vivia Naor”. Nahur é encontrada com freqüência nos textos Mari, como uma cidade ao norte da Mesopotâmia. Ela deve ter sido perto de Harã (Gn 27.43; 28.10; 29.4,5). Cp. J. Simons, Geographical and Topographical Texts o f the Old Testament, Leiden [1959], 219).

R A. V e r h o e f

NARDO ( tu ; vápSoç). Um ungüento aromático obtido de uma planta da índia, Nardostachys ja - tamansi. Este membro da família Valeriana tem raízes de fibras fragrantes. O The Royal Horticul­tural Society's Dictionary [ 1951 ] o chama de “o nardo dos antigos”.

E mencionado três vezes em Cântico dos Cân­ticos (1.12; 4.13,14) e no NT, em Marcos 14.3 e João 12.3, onde os escritores usam as palavras “nardo puro”.0 ungüento usado no nosso Senhor, por Maria, em João 12.3, sem dúvida veio da índia. Nardostachys cresce nas montanhas do Himalaia

A Bíblia se refere à dádiva de Maria em João 12.3 como sendo muito cara. Isto é porque tinha de ser importada da índia em jarros de alabastro especiais, cuidadosamente selados, para conservar o perfume. Somente quando alguns donos do lar recebiam convidados é que eles quebravam o selo do jarro, para oferecer a unção.

W. E. S h e w e l l - C o o p e r

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NARIZ CHATO / NASCIMENTO DA VIRGEM 461

NARIZ CHATO. A tr. da KJV para cnn é usada apenas em Levítico 21.18, para descrever uma das condições que tomavam um homem incapaz para o serviço sacerdotal. Embora a raiz não seja conhecida em qualquer lugar no hebraico (exceto talvez para cmn- em Is 11.15, veja Driver JTS 32 [1931] :251), cognatos em outras línguas semíticas, especialmente o árabe, sugerem algum significado como “ter um nariz ou lábio leporino ou cortado”. Dessa forma foi considerada no Talmude, veja M. Jastrow, A D ictionan■ o f the Taimudim (Nova York: Pardes, 1950), Vol. I, pág. 503. Possivel­mente referia-se à condição que freqüentemente acompanha o céu-da-boca fendido.

F. W. B i i s h .

NARIZ, NARINAS. Não é difícil perceber por que o nariz deve ser visto como o órgão da raiva no corpo humano. Jó, ao mencionar o poder de Deus e, particularmente a sua raiva, diz: “das suas narinas procede rumaça” (Jó 41.20). Davi utiliza a mesma figura de linguagem em 2 Samuel 22.9. A raiva é associada à idéia de calor. Quando uma pessoa fica com raiva, os músculos do seu corpo ficam tensos, prontos para agir em relação ao objeto que está causando esse sentimento. Os mo­vimentos do corpo tomam-se vigorosos e rápidos. Quando os músculos respiratórios estão tensos, provocam um resfolego. Como Jó diz: “Terrível é o fogoso respirar das suas ventas” (Jó 39.20). Quanto à utilização desses termos para descrever o sentimento de paixão, veja Jó 27.3.

Em hebraico há uma figura de linguagem, mais concreta, na frase “elevação do nariz”, para expressar o orgulho humano. Esta seria a tradução literal de parte do Salmo 10.4, que descreve um homem que acredita que não precisa de Deus. A pessoa soberba, orgulhosa, eleva a sua face para tomar-se um pouco mais alta do que aquelas que a rodeiam e as quais ela despreza.

Os hebreus não consideravam o sistema res­piratório além da sua entrada, as narinas. Por­tanto, o nariz, e não os pulmões, era considerado como o órgão que continha o sopro da vida (Gn 2.7; 7.22).

Um pendente no nariz era, freqüentemente, um sinal de submissão (exceto em Is 3.21), pois era algo que se utilizava para que o prisioneiro pudesse ser conduzido ( Veja Jó 41.2).

D. A. B l a ik l o c k

NASCENTE. Veja F o n t e ; Poço.

NASCIM ENTO (f?in, ato do nascimento', ye- veo ía , origem, natividade). A palavra nascimento é utilizada de três maneiras distintas na Bíblia. Pri­meiro: ocorre no sentido de nascimento natural ou físico, que automaticamente implica crescimento em um estado espiritualmente camal. Segundo: o nascimento virginal de Cristo, sobrenatural, relatado apenas uma vez na Bíblia. Por fim, todo o NT está repleto do tema do novo nascimento ou nascimento espiritual.

Sabe-se que o nascimento é uma experiência dolorosa. No entanto, é muito provável que seja muito mais doloroso do que foi originalmente (Gn 3.16). A queda espiritual do homem maculou tanto o seu corpo físico quanto a criação natural, pois, como escreveu Paulo, “sabemos que toda a criação, a um só tempo, geme e suporta angústias até agora” (Rm 8.22). Não é necessário acreditar que não houvesse dor no parto humano anterior à queda, uma vez que uma experiência sacrificial es­treitaria os laços entre mãe e filho. Mesmo quando mulheres dão à luz com tranqüilidade, com certeza ocorre uma dilatação do tecido do canal para pro­porcionar a passagem da cabeça do bebê e, uma vez que os tecidos possuem nervos, essa dilatação acarreta dor. Contudo, algumas mulheres com a pélvis bem formada e com a contração eficiente do ventre podem fazer um bom trabalho de parto, ainda que se trate do nascimento de seu primeiro filho. Aparentemente, era isso que ocorria com as antigas mulheres hebréias (Ex 1.19). Poderia ser postulado que a experiência de parto que essas mu­lheres tiveram aproxima-se da intenção original dc Criador para o nascimento. A Queda, não obstante, produziu muitas deformidades e deficiências no corpo, e entre essas podemos contar o desfavorável formato da pélvis, bebês com tamanho acima do normal e as contrações insuficientes do ventre; essas dificuldades acarretam nascimentos compli­cados e anormais. A experiência do parto difícil é tão universal que a expressão “trabalho” e “dores de parto” é usada algumas vezes na Bíblia para denotar os duros sofrimentos de gerar a criação espiritual (Is 53.11 e G1 4.19).

As várias referências ao “novo nascimento” no NT ilustram, com uma figura de linguagem bem apropriada, o fato de que até que o homem submeta sua vontade à Cristo, não terá alcançado o verda­deiro campo da vida espiritual com Deus.

D. A. B l a ik l o c ic

NASCIMENTO DA VIRGEM. Veja N a s c im e n t o

v ir g in a l .

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462 NASCIMENTO DE MARIA, EVANGELHO DO / NASCIMENTO VIRGINAL

NASCIMENTO DE MARIA, EVANGELHODO. Veja M a r i a , E v a n g e l h o d o n a s c i m e n t o d e .

NASCIMENTO VIRGINAL

I. Definição1. O fato2. Pressuposição

II. Importância1. Na Igreja Primitiva2. Nos tempos modernos

III. Fonte da doutrina1. Anterior aos credos2. Anterior aos Pais Apostólicos3. Na família

IV. Relatos do Evangelho1. Fatores lingüísticos2. Fatores literários3. Documentação

V. Silêflçio alegado1. Silêncio duvidoso2. Razões para silêncio

VI. Conclusão

I. Definição. Nascimento virginal, como considerado aqui, é um termo específico. Refere- se apenas a Jesus Cristo e a maneira pela qual ele entrou no mundo, como descrita em Mateus e Lucas, como crida pela Igreja Primitiva, e como foi sustentada nos credos através dos séculos. A pessoa e missão única de Cristo, bem como a maneira específica da sua encarnação, coloca este evento numa categoria isolada. A comparação com outros nascimentos milagrosos, descobertas de mitos de nascimento, ou mesmo experimentação científica e façanhas demétodos humanos de repro­dução não apoiariam e nem invalidariam este ato único e divino de encarnação. Este é o nascimento virginal no qual é reinvindicado que o Verbo se fez carne (Jo 1.14).

1 . O i'ato. Os relatos do Evangelho não são apresentados como mitos, lendas, artifícios didáticos, ou padrões “natalinos” para populari­zar o Cristianismo entre as massas ingênuas (cp. Boslooper, The Virgin Birth, 227-230). Eles pre­tendem declarar dados factualmente necessários para resolver um problema crucial nas mentes

dos crentes: Como pôde Jesus, um homem, ser o Filho de Deus e Salvador? As duas partes da explicação ocorrem nos dois Evangelhos que a Igreja Primitiva considerava os mais antigos. O relato foi aceito como real. As explicações não foram repetidas nas obras posteriores. Logo, ninguém era batizado na fé sem expressar fé no nascimento virginal de Cristo . N a literatura mais antiga, que reflete o confronto direto com contendores pagãos, judeus e heréticos, o fato do nascimento virginal é defendido como verdadeiro e como fundamental.

2. Pressu p o siçã o . Somente num certo contexto, evidentemente, esta posição poderia ser mantida. Tanto as Escrituras como os crentes aceitavam o sobrenatural. Deus não era nenhum mito. Ele era o soberano, o Ser transcendente que também era Criador. Deus, que no princípio fez o homem , podena ajustar-se a ele e comunicar-se com ele. Os primeiros cristãos não viram nenhum problema num Deus que age e fala e redime. No contexto bíblico de fé de uma Igreja regenerada e cheia do Espírito, o nascimento virginal de Cristo não era mais inimaginável do que as outras três maneiras pelas quais pessoas entraram no mundo (Adão, sem pai nem mãe; Eva, sem mãe; as outras pessoas, com pai e mãe). Deus era totalmente real. Seus atos e palavras eram fato e verdade. Os Gnós- ticos, os docedistas os pagãos e os judeus não con­vertidos nem sempre compartilharam este contexto de fé. Por isso, eles não compartilhavam da fé cristã numa real encarnação pelo nascimento virginal, mas a fé sobreviveu no Cristianismo ortodoxo.

II. Im portância. Não se discute se Deus não poderia ter enviado o Salvador de qualquer outro modo. Simplesmente se afirm a, com base na Escritura, que foi assim que ele fez. O nascimento virginal é consistente com os outros grandes fatos da redenção, de um modo que nenhuma outra explicação o é. A ortodoxia consistente exige o nascimento virginal. Como diz Briggs (Charles A. Briggs, “The Virgin Birth o f Our L o rd ’, AJT,XII.2 [Abril 1908], 201).

“Indubitavelmente a divindade de Cristo é a mais essencial doutrina, a encarnação é secundária a esta, e o nascimento virginal é de um terceiro grau de importância. Eu reconheço que um homem pode duvidar ou pode negar a terceira sem, em sua mente, negar a segunda, ou a primeira. Ainda assim, de um ponto de vista histórico e dogmático, ele seguramente terá colocado a si mesmo numa posição insustentável, a qual não pode manter. His­

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NASCIMENTO VIRGINAL 463

tórica e logicamente, a divindade e a encarnação de Cristo estão ligadas ao nascimento virginal, e nenhum homem pode ter êxito em sustentar qual­quer uma delas sem sustentar todas”.

1. Na Igreja Primitiva. Portanto, não é estranho que "não há nenhum fato, nenhuma dou­trina cristã que seja mais enfatizada pelos antigos escritores cristãos do que a do nascimento virginal de nosso Senhor” (Briggs, op. cit., 199). Eles a consideravam essencial, usavam-na na fórmula batismal e no credo mais antigo, e defendiam-na vigorosamente nos debates com os não crentes. Nenhuma voz de dúvida ou protesto é registrada na Igreja Primitiva.

2. Nos tem pos m odernos. Os fatos não mudaram, apenas o ambiente. A autoridade da Bíblia ainda está envolvida. Aqueles que aceitam a Bíblia como a Palavra de Deus completamente confiável não duvidam do nascimento virginal. O relato dos fatos ainda deve ser aceito ou rejeitado. E verdadeiro ou falso. Se a redenção não está baseada no tipo de encarnação que é relatado na Bíblia, o que se pode crer sobre ela? Como Lange declara sobre o nascimento virginal, “Sua negação despoja qualquer outra doutrina do Cristianismo de seu pleno valor. Nem a morte de Cristo, nem sua ressurreição, podem ser conhecidas em seu pleno significado, se o nascimento dele é mal entendido. Neste caso, há uma rachadura no sino, e seu puro, pleno e penetrante som se foi” (TheLife ofthe Lord Jesus Christ, 1,279). Ou, como dizM achen, “Que nunca seja esquecido que o nascimento virginal é uma parte integrante no testemunho do Novo Testamento sobre Cristo, e que este testemunho é mais forte quando se aceita como está” (The Virgin Birth o f Christ, 396).

III. Fonte da doutrina. É dito, freqüente­mente, que a doutrina do nascimento virginal vem do séc. 2-. Isto dificilmente pode ser verdadeiro.

1. A n te rio r aos credos. O nascimento virginal era tão explícito na antiga forma romana do Credo dos Apóstolos quanto na forma galicana dos sécs. 52 e 62. Tertulliano e Irineu usaram o credo; portanto, ele deve ter existido em meados do 2- séc. De fato, Kattenbusch o colocou por volta de 100AD. (Das Apostolische Symbolum,\\ [1900], 328) e Zahn supõe que a fórmula batismal alcançou essencialmente a forma que tem, a partir do antigo símbolo romano, em algum período entre 70 e 120 (Das Apostolische Syinbohim, 2te

Aufl. [1893], 47). Visto que nenhuma doutrina nova, estranha, ou discutível seria incorporada na fórmula batismal ou num credo tão breve e elementar, a doutrina deve ter sido antiga quando o credo foi estabelecido. Isto coloca a doutrina bem antes, no séc. I2.

2. A n terio r aos Pais A postólicos. OsPais Apostólicos, na primeira metade do 22 séc., são tão explícitos quanto os credos. Justino Martir defende o nascimento virginal detalhadamente contra as objeções judaicas e pagãs, e demons­tra familiaridade com sua menção em resumos cristológicos, do tipo que é usado no exorcismo (Machen. The Virgin Birth o f Christ, 5). Inácio, que morreu em 117 d.C., em debate com os docetistas que negavam o corpo real de Jesus, não só insistiu no nascimento de Jesus, mas também que foi um nascimento virginal (Esmima I, 1). Hamack diz que “Inácio reproduziu livremente um ‘querigma’ de Cristo, que parece, em princípios básicos, ser de um caráter absolutamente histórico e que continha, entre outras coisas, o Nascimento Virginal, Pôncio Pilatos, e o á TcéOavev” (“Apostolisches Symbo- lium”, em Herzog-Hauck, Realencyklopadie fu r protestantische Theologie undKirke, I [ 1896], 751).

O testem unho de cada um é inequívoco. Eles não estão lidando com uma doutrina nova. Nenhum protesto dentro da Igreja tem de ser respondido. Os únicos discordantes estão do lado de fora. Todos os crentes foram batizados nesta fé. A única exceção alegada e muito publicada à concordância universal dentro da Igreja está na declaração de Justino Mártir (Dialogo com Tri- fo ), quando Justino argumenta que alguns judeus aceitam a messianidade de Jesus sem aceitar sua preexistência e nascimento virginal. Isto foi uma má interpretação que dizia “nossa raça” em vez de “sua raça” e assim foi aplicada aos cristãos. Hamack expôs o erro. Machen explica e confirma seus resultados (op. cit., 15, 16). A situação está clara. O nascimento virginal já era um distintivo antigo e há muito estabelecido da Igreja Cristã, no início do 2S séc.

3. Na fam ília. O tempo e a maneira da primeira declaração pública sobre o nascimento virginal são matéria de conjectura. Não pode ser posterior aos Evangelhos que contêm o relato (Mateus e Lucas). Os fatos podem ter sido conhe­cidos antes, pelo menos por alguns. As mudanças de Nazaré para Belém, para o Egito, para Nazaré podem ter permitido que Maria e José mantives­sem o segredo de todos, menos daqueles mais

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íntimos, até o tempo próprio da justificação de Deus. Quando a fé em Cristo já tinha sido de­monstrada, a explicação resolveu um problema. Onde faltava tal fé, o relato teria sido objeto de injúria ,ou rejeitado, se feito prematuramente. Orr acha que os dois Evangelhos são a fonte de todo o conhecimento público sobre o nascimento de Cristo (The Virgin Birth o f Christ, 67). Cedo ou tarde os fatos tiveram de ser compartilhados por M aria e José. Não é razoável supor que os relatos seriam dados aos líderes da Igreja e espe­cialmente àqueles que estavam empenhados tm escrever o Evangelho?

IV. Relatos do Evangelho. O N T inteiro apresenta um Salvador divino-humano. Só Mateus e Lucas explicam os meios da Encarnação. A repetição é desnecessária. A consistência com a revelação é suficiente.

1. Fatores lingüísticos. Maria é chamada de virgem (jtoopGévoç) em Mateus 1.23 e em Lucas 1.27. O primeiro diz que é o cumprimento da pro­fecia de Isaías 7.14, no qual se diz que uma virgem (na7y, LXX, 7tap0évoç) conceberia e daria à luz um filho. No uso bíblico, estas palavras sempre podem, e freqüentemente devem, ser traduzidas com o significado de uma m ulher jovem não casada. A conotação de “pura” freqüentemente está associada pelo menos com o uso no NT. Tem sido demonstrado que ambas as palavras, às vezes, tem um significado extra-bíblico mais amplo . A evidência lingüística, então, tom a o nascimento virginal provável, mas necessita do apoio das declarações positivas no contexto para que se forme convicção.

2. Fatores literários. Toda a alegada ambi­güidade desaparece quando as passagens são lidas em sua íntegra. Especificamente, foi lisem que tivessem antes coabitado” que Maria “achou-se grávida pelo Espírito Santo” (Mt 1.18). A afirma­ção é repetida, José “não a conheceu, enquanto ela não deu à luz um filho” (Mt 1.25). Lucas não é menos específico. A resposta de Maria à procla­mação foi de espanto. Ela disse, “Como será isto, pois não tenho relação com homem algum?” (Lc 1.34). Aresposta com efeito, foi “Nenhum marido é necessário. Deus te fará conceber” (v. 35). Es­tas são as afirmações claras sobre o nascimento virginal. Elas não podem ser explicadas por meio de evidência textual. Elas só podem ser aceitas ou negadas. O relatório é modesto, mas claro. É história ou a mais corajosa ficção.

3. D ocu m en ta çã o . Os fatos formaram uma rede de predições e dados interligados que ampliaram o testem unho e tom aram absurdas as probabilidades, que em outras circunstâncias seriam comuns, de cumprimento casual das pro­fecias. E se Isabel ou Maria tivessem dado à luz a uma menina? E se qualquer outra coisa tivesse quebrado o padrão predito? A abundância de de­talhes garantiu a autenticidade dos relatos. Este nascimento não é apenas um evento no tempo; é o evento a partir do qual, como se por instinto, o tempo é calculado para frente e para traz. E um fato histórico repleto dos mistérios tanto do divino como do humano. E o meio pelo qual podemos nos apropriar da a maior auto-revelação de Deus em Jesus Cristo, Filho de Deus e Filho do homem. Se esta não for a verdadeira explicação, ninguém jamais saberá como veio o Redentor. Nenhuma outra explicação adequada foi dada.

V. S ilên cio a legad o . Foi alegado que o nascimento virginal não pode ser verdadeiro devido ao silêncio do restante do NT.

1. Silêncio duvidoso. Declaração explíci­ta realmente falta, exceto em Lucas 1, 2 e Mateus1, 2. Será que lá não há alusões, inferências e expressões que dificilmente poderiam ser compre­endidas à parte de tal convicção? Como Marcos considera que Jesus pudesse ser “o Filho de Deus” (Mc 1.1)? Por que Marcos cita a referência a Jesus como “o carpinteiro”, quando Mateus o chamou de “o filho do carpinteiro” (6.3; Mt 13.55)? Não foi isto para evitar um engano, considerando que Mateus tinha respondido a pergunta nos seus ca­pítulos de abertura? João enfatiza continuamente a glória e os atributos divinos de Jesus, mas não oferece explicação sobre seu nascimento. O “Ver­bo se fez carne” (Jo 1.14). Mas como? A ênfase de Paulo está na morte e ressurreição de Cristo, não em seu nascimento, conseqüentemente não no nascimento virginal. Como são explicados os modos estranhos de Paulo se referir à vinda de Cristo como “sendo enviado” (Rm 8.3), e que “a si mesmo se esvaziou” (Fp 2.7), “assumindo a forma de servo” (ibid), etc.? Será que ele sabia como aconteceu? Indubitavelmente ele sabia se Lucas, seu assistente, sabia. Irineu disse (Adv. Haer. iii. 1). “Lucas, companheiro de Paulo, escreveu num livro o Evangelho pregado por este ” . De qualquer m odo , a Igreja Primitiva não tinha dúvida sobre a intenção dos escritores da Escritura, ou da realida­de do nascimento virginal. Seu testemunho é tão claro que Briggs ousa afirmar (op. cit., 199) que

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NASCIMENTO, NOVO / NATÃ 465

“é, pois, uma perversão da história qualquer um dizer que ‘nascido de Maria, a virgem quer dizer qualquer coisa menos do que o registrado por São Lucas, ou aquilo por que Inácio, Justino, Irineu, Hipólito e Tertuliano batalharam".

2. Razões para silêncio. Pela natureza do caso, o relato do nascimento virginal não pre­cisa de constante repetição . Se a explicação está disponível e é conhecida, isso é suficiente. Isto é especialmente verdadeiro devido à natureza da pri­meira transmissão dos fatos do Evangelho. Foram relatados como boas novas (eixxyYé^tov, Mc 1.1) ou como proclamação (K ipuyna, ICo 2.4). Não foram relatos de comitê, que tenham evoluido de diálogos ou até mesmo da vida da Igreja. Foram tradição (raxpáSoatç, 2Ts 3.6) transmitida pelo testemunho apostólico. Este conteúdo dos Evan­gelhos não foi questionado,oral e escrito foi aceito. Esta tradição, em sua forma escrita pelo menos, incluía o nascimento virginal. Foi aceita e se tor­nou um pilar da fé, expressa na fórmula batismal e no credo mais antigo. Controvérsias teriam sido consideradas irreverentes, a não ser para conven­cer pagãos, hereges e judeus descrentes.

VI. C o n c lu s ã o . A fé da Igreja Primitiva incluía a convicção no nascimento virginal por­que era um ensino claro do NT. Rejeitá-lo teria sido equivalente a negar a Palavra de Deus e estar alinhado com os pagãos, hereges e judeus não crentes. O nascimento virginal não era uma pedra de tropeço. Era um pilar da sua fé e assim tem permanecido.

BIBLIOGRAFIA: J. Lange, The Life o f the Lord Jesus Christ (1872) I, 276-302; A. Edersheim, The Life and Times o f Jesus the Messiah (1886) I, 144-159; W. Ramsay, Was Christ Born at Bethlehem? (1898), 73-91; L. Sweet, The Birth andln fancy o f Jesus Christ (1906); J. Orr, The Virgin Birth o f Christ (1907); C. Briggs, “The Virgin Birth o f our Lord,” AJT, XII, 2 (1908), 189-201; F. Ramsay, The Virgin Birth (1926); J. Machen, The Virgin Birth o f Christ ( 1930); D. Edwards, The Virgin Birth in History a n d Faith (1943); D. Moody, “Isaiah 7:14 in the RSV”, Review and Expositor, 50 (1953), 61-68; “On the Virgin Birth o f Jesus Christ”, RE, 50 (1953), 453-462; “The Miraculous Conception” ,7?£, 51 (1954), 495-507; RE 52 (1955), 44-54, 310-324; T. Boslooper, The Virgin Birth (1962).

W. T. D a y t o n

NASCIM ENTO, NOVO. Veja R e g e n e r a ç ã o .

NASIAS. Forma BJ de N e z ia s .

NATÃ (in:, dádiva, presente; LXX NaGav; NT N aBán, ou NaBáv). Nome de várias pessoas no AT, incluindo um dos filhos de Davi, como tam­bém um profeta do tempo dele.

1.Filho de Davi (2Sm5.14; lC r3.5; 14.4).Este Natã era irmão mais velho de Salomão e um dos muitos filhos de Bate-Seba e Davi. Em Lucas 3.31a linhagem real davídica é traçada através desse filho. Esse Natã é também retratado como tendo parte nos eventos escatológicos de Israel (Zc 12.12).

2. Natã, o profeta. Ele figurou em três eventos importantes da vida de Davi. Em 2 Samuel e 1 Crônicas, Natã, o profeta da corte de Davi, foi apresentado como aquele que primeiro apoiou o rei no seu desejo de construir um templo ao Senhor (2Sm 7.1-3; lC r 17.1,2), mas então, após uma mensagem do Senhor à noite, o profeta fez saber a Davi a palavra divina, de que ele não devia fazer tal construção. Os motivos apresentados para esta rejeição foram os de que Deus não havia requerido ou pedido que lhe construísse tal santuário (2Sm 7.4-7; lC r 22.6-16) Além disso, o Senhor, que havia conduzido Davi até este ponto e lhe dado o reino, tinha seus próprios planos para estabelecer seu reino permanentemente através de sua descen­dência, que incluía Salomão, o qual teria então a responsabilidade de construir o edifício do Templo (2Sm 7.8-16; lC r 17.7-16).

Numa ocasião posterior, Natã confrontou o rei com seus pecados de adultério, assassinato e falsidade, cometidos contra Urias, o heteu, e sua mulher Bate-Seba, apresentando ao rei um caso fictício para seu julgamento: um homem rico se apropriara da única cordeirinha de um homem pobre para alimentar um visitante (2Sm 12.1-4). Quando Davi pronunciou seu veredicto de morte ao culpado, Natã lhe revelou o real significado de sua história, na qual o próprio rei figurava como culpado de ter se apropriado da mulher de outro homem e de sua vida. Portanto, o Senhor iria trazer castigo sobre ele (2Sm 12.5-9). Os versos 9 a 12, longe de serem trabalho de reflexão posterior de um escritor sobre a vida de Davi, (como sugerem alguns estudiosos; veja IB, 2Sm 12.9), declaram os múltiplos castigos que poderiam se seguir aos seus pecados. O rei ficou sabendo que ele haveria de passar por experiências de assassinato e adul­tério (seguindo o exemplo de seus próprios atos) em sua farn íM sem dúvida se referindo às ações futuras de seus filhos Amnom e a fornicação que ele praticou (2Sm 13.21-29), e Absalão, em sua

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insurreição e adultério contra o próprio pai (2Sm16.20-23; 20.3). Um castigo adicional pelos pe­cados de Davi seria a morte do seu filho recém- nascido, que resultara de sua união adúltera com Bate-Seba (2Sm 12.10-23).

Quando Davi se arrependeu de seu pecado, Natã lhe assegurou o perdão de Deus (2Sm 12.13). O Salmo 51 registra o arrependimento de Davi e menciona Natã no título.

Novamente, quando Adonias tentou usurpar o trono, na época em que Davi já era velho e fraco, Natã juntamente com Bate-Seba relembraram ao rei sua promessa de dar o trono a Salomão e, se­guindo suas ordens, ajudou a proclamar Salomão como seu sucessor (1 Rs 1.1 -45).

Natã é também citado como tendo ajudado na organização da música para adoração no Templo (2Cr 29.25) e como tendo registrado os atos de Davi ( lC r 29.29) e Salomão (2Cr 9.29) no Livro de Natã, o profeta.

3. Natã de Zobá é o pai de Igal, um dos guer­reiros de Davi (2Sm 23.36), ou possivelmente o irmão de Joel ( lC r 11.38).

4. Natã, descendente de Judá, do clã de Jerame- el, filho de Atai e pai de Zabade (lC r 2.36).

5. Natã, um líder judeu da companhia que aju­dou Esdras no retorno a Jerusalém (Ed 8.16,17); que pode ter sido o mesmo que havia tomado uma esposa estrangeira (10.39).

6. O Natã de 1 Reis 4.5, pai dos oficiais da corte de Salomão, provavelmente o profeta Natã ou o filho de Davi.

BIBLIOGRAFIA. C. F. Keil, F. Delitzsch, The Books o f Sam uel (1956), 322ss. J. M. Myers, I Chromcles, Anchor Bible (1965), 124-127.

W. H. M are

NATAL, tradicionalmente, o aniversário do nasci­mento de Jesus Cristo. A maioria dos protestantes e dos católicos romanos observa este aniversário em 25 de dezembro. As Igrejas Ortodoxas Orientais e Arménias observam o nascimento de Cristo ou em 25 de dezembro ou em 6 de janeiro.

Nem o termo Natal (em inglês, Christmas, um derivativo de Cristo + Missa) nem a celebração do aniversário do nascimento de Cristo estão registra­dos na Bíblia. Os cristãos primitivos reuniam-se, sim, com regularidade, para comemorar a morte, a ressurreição e a promessa da volta de Cristo (IC o 11.20-34).

Não existe acordo, entre as autoridades, sobre a data precisa do nascimento de Cristo. Também

não existe acordo a respeito do tempo em que a celebração do Natal começou, de fato, a acontecer nas Igrejas. Clemente de Alexandria, por volta do final do 2o séc. d.C., menciona opiniões diversas dos antigos clérigos, sobre a data do nascimento de Cristo (Stromata, Bk. 1, cap. 21). Alguns acre­ditam que sua primitiva referência à comemoração do batismo de Jesus por João Batista, feita entre os basilidianos, a referência incluía uma observância conjunta em memória tanto do batismo de Cristo como do Seu nascimento, uma vez que os antigos clérigos no Oriente pareciam crer que o batismo e o nascimento de Cristo caiam nas mesmas datas do calendário. Já no final do 4o séc. , as Igrejas do Oriente haviam adotado programas especiais comemorando, conjuntamente, o nascimento de Cristo, a adoração dos Magos e o batismo de Cristo, realizado por João. Aparentemente, esses cultos foram a princípio celebrados em 6 de Janei­ro, porém mais tarde ficaram divididos entre 25 de Dezembro e 6 de Janeiro. Agostinho aponta para a tradição prevalecente entre as Igrejas ocidentais no 5o séc. , acerca do nascimento de Cristo e da observância do Natal. “Porque é crido que Ele tenha sido concebido no 25° dia de Março, dia no qual Ele também sofreu... Mas Ele nasceu, de acordo com a tradição, em 25 de Dezembro” (De Trinitate, L. IV, cap.5).

E provável que as diversas tradições da Igreja primitiva, acerca do tempo exato da concepção de Cristo, tenham levado às diferenças nas da­tas em que o Natal é celebrado no Oriente e no Ocidente. Em 336 d.C., entre Igrejas ocidentais, a observância do Natal no dia 25 de dezembro já estava bem difundida.

Hoje, na maior parte das Igrejas ocidentais, a observância do Natal enfatiza os eventos imediatos em tomo do nascimento de Cristo. Enquanto mui­tos cristãos procuram não ser dogmáticos quanto à data precisa do nascimento de Cristo, observa- se, tradicionalmente, o dia 25 de dezembro em memória de Sua vinda ao mundo.

Desde as mais antigas celebrações do Natal, muitos costumes foram acrescentados ao evento. Parece que, originalmente, uma cerimônia religio­sa especial marcava a ocasião. Gradativamente, muitas das práticas prevalecentes nas nações aonde o Cristianismo chegou, foram assimiladas e com­binadas com as cerimônias próprias do Natal. Essa assimilação representava, em geral, os esforços dos cristãos para transformar ou absorver práticas que, de outra maneira, seriam pagãs.

A Festa da Saturnália, dedicada a Saturno, na Roma Antiga, por exemplo, era celebrada durante

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NATÃ-MELEQUE / NATANAEL 467

Vista interior da igreja da Natividade, em Belém, local tradicional do nascimento de Jesus.

sete dias, do 17o ao 24° dia de Dezembro, e era mar­cada por um espírito de alegria, doação de presentes às crianças, e outras formas de entretenimento.

Gradativamente, os cristãos primitivos subs­tituíram a festa pagã pela celebração do Natal; mas muitas das suas tradições foram assimiladas e permanecem até ao dia de hoje, como parte da observância do Natal. Outras nações, tais como os escandinavos, alemães, franceses, ingleses e outros, também deixaram sua marca nesta come­moração. Alguns grupos se abstêm de celebrar o Natal, baseando-se no fato de que a introdução de práticas pagãs tem destruído o significado original da ocasião. Eles citam o uso de árvores de Natal e da “acha de Natal” (uma lenha trazida para dentro da casa), entre outras coisas, como exemplos de paganização do Natal. No entanto, muitos cristãos argumentam que essas práticas tião possuem mais conotação pagã e acreditam que a observância do Natal oferece uma oportunidade de adoração e de testemunho.

A ênfase bíblica, relacionada ao nascimento de Jesus Cristo, é evidenciada pela adoração e pelo louvor (Lucas 2.8-12); ofertas de dádivas a Deus (Mt 2.1-11) e expressões de paz e de boa vontade (Lc 2.13,14).

BIBLIOGRAFIA. Agostinho, D e Trinitate, IV, 5. The Nicene and Post-Nicene Fathers, III (1887), 74; Clemen­te de Alexandria, The Stromata, I, 21, The Ante-Nicene Fathers, II (1887), 333,334; L. Duchesne, Christian Worship: Its Origin and Evolution, 4 ed. (1912), 257- 265A; K. Lake, “Christmas”, Encyclopedia o f Religion and Ethics, III (1924), 601-608.

G. L a m b e r t

NATÃ-MELEQUE (Ï7tt " \n ,presente do rei). Um oficial da corte do rei Josias, para cujos aposentos o rei levou os cavalos usados na adoração ao sol (2Rs 23.11).

NATANAEL. 1. (NaGcxva^A.) .Um discípulo de Jesus, segundo João 1.45-51; 21.2. Vivia em Caná da Galiléia (21.2) e ouviu falar de Jesus por Filipe, da cidade vizinha de Betsaida (1.45). No início ele ficou céptico acerca de Jesus, porque ouvira dizer que Jesus era de Nazaré e acreditava que o Messias deveria vir de Belém da Judéia (1.46; cp. 7.42). Mas seu preconceito foi vencido quando Jesus lhe declarou que o havia visto “debaixo da figueira” (1.48,50). Existe alguma controvérsia sobre o

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468 NATAN IAS / NATUREZa , NATURAL

significado desta afirmação. Pode ter sido apenas uma maneira de Jesus indicar seu conhecimento sobrenatural do caráter de Natanael (cp. 2.25). Ou Jesus pode ter conhecido os seus pensamentos: entre os rabis judeus, uma figueira era um lugar preferido de meditação, e possivelmente Natanael estava meditando sobre a hjaória, de Jacó, à qual Jesus aludira no versículo 51.

É difícil ir além de especular a razão pela qual o incidente causou tal impressão em Natanael, mas a intenção do autor pode ser mais fácil de discernir. Talvez João tenha visto uma correspondência entre o chamado de um novo Israel (isto é, os discípu­los de Jesus) e o chamado original do Israel no AT (cp. Os 9.10a). O propósito do ministério de João Batista era que Jesus “fosse manifestado a Israel” (Jo 1.31) e quando ele dirigiu seus próprios discípulos para Jesus (1.36), para serem o núcleo de uma comunidade, o resultado foi que Jesus manifestou sua glória a eles (2.11). Eles são o “Israel” referido; o coração do trecho 1.35-2.11 foi o ser chamado de “verdadeiro israelita”, que levou Natanael a reconhecer o “Rei de Israel” (1.47,49). Quando Jesus lhe prometeu “maiores coisas”, ele se referia à visão de Jacó (o primeiro a receber o nome de “Israel”) (Gn 28.12; Jo 1.50,51). Aqui o singular “você” se tom a plural, quando Jesus pro­mete a todos os seus “verdadeiros israelitas” uma visão de sua união com Deus. Apropriadamente, o cumprimento da promessa se inicia na cidade de Caná, terra natal de Natanael (2.1-11).

Natanael é mencionado apenas em João. Os esforços para identifica-lo com o apóstolo Barto­lomeu nunca foram além de conjecturas. Embora nomes compostos fossem usados algumas vezes (mesmo nomes semíticos compostos), não existe base para identificação deste dois indivíduos como sendo o mesmo.

2.Natanael (biQm,presente de Deus); Filho de Zuar, era príncipe, representante da tribo de Issa- car, na organização de Israel feita por Moisés, no deserto do Sinai (Nm 1.8; 2.5; 7.18,23; 10.15).

3. Filho de Jessé, um dos irmãos mais velhos de Davi ( lC r 2.14).

4.Um dos sacerdotes que tocavam a trombeta perante a Arca de Deus, quando a trouxeram da casa de Obede-Edom (lC r 15.24).

5 .0 pai de Semaías, levita e escrivão na orga­nização dos serviços e turnos dos sacerdotes, feita por Davi ( lC r 24.6).

6.Um dos filhos de Obede-Edom, porteiro na organização do serviço dos sacerdotes no Templo ( lC r 26.4).

7.Um dos príncipes enviados por Josafá, com a finalidade de ensinar nas cidades de Judá (2Cr 17.7).

8. Levita, um dos irmãos de Conanias, que contribuiu para os preparativos da grande Páscoa de Josias (2Cr 35.9; 1 Esd 1.9).

9.Um dos filhos de Pasur (Ed 10.22). Na época de Esdras, alguns dos filhos dos sacerdotes que haviam casado com mulheres estrangeiras, pro­meteram abandonar suas esposas. Natanael parece que foi incluído nesse grupo (cp. Ed 10. 44). Este é o Natanael de 1 Esdras 9.22, e pode ser o mesmo do item 10, a seguir.

10.Neemias 12.12-21 enumera os filhos dos sa­cerdotes que foram nomeados nos w . 1-7, os quais haviam vivido nos dias do sucessor de Josué, Joia- quim. Jedaías é mencionado no v. 7 e, novamente, no v. 21, em relação ao seu descendente Natanael. O contexto maior deste texto (Ne 11.1-12.26) é a listagem dos habitantes de Jemsalém.

11 .Um relato da dedicação dos muros e orga­nização dos serviços do templo é encontrado em Neemias 12.27-47. A coluna que marchou sobre o muro ao redor da cidade (Ne 12.31) incluía os filhos de certos príncipes, entre os quais se encon­trava Natanael (Ne 12.36). Ele tocava a trombeta. Talvez seja o mesmo do item 8, anterior.

J .R .M ichaes; W. B . W allis

NATANIAS. Forma de N e t a n ia s na BJ.

NATUREZA, NATURAL (n'7, yévsaiç. ouaiç, (jyoaiKÓç, \|/\)xtKÓç). Não existe qualquer ma­terialização ou personificação da natureza na Bíblia, como encontrado comumente na filosofia grega, nem em lugar nenhum a enunciação de uma cosmologia ampliada, pois, o AT e o N T falam em termos das causas finais e não secundárias, e compreende a criação principalm ente como um ambiente para a redenção. Nas Escrituras, o mais próximo à natureza que se pode chegar como entidade separada, funcionando automati­camente, é a declaração “foram acabados os céus e a terra e todo o seu exército” de Gênesis 2.1, com referência à totalidade da criação de Deus (a LXX traduz como ó KÓap.oç), a afirmação de Paulo em Romanos 1.26 com respeito à mudança do curso da “natureza” (<|n3cn,ç), e o apelo do apóstolo em 1 Coríntios 11.14: “Não vos ensina a própria natureza (r| ^vcnç cnVní)?”. A ênfase das Escrituras é no fato de que (a) Deus o Pai é Criador, Sustentador e Soberano Governador de tudo (Gn 1; 2; Is 44.24; Am 4.13); (b) Deus é onipresente em tudo que criou (SI 139.7-12); (c) Cristo o Filho também deve ser chamado de Criador, Sustenta­dor, e Soberano Governador (Jo 1.3; Cl 1.16,17;

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NAUM / NAUM, LIVRO DE 469

Hb 1.10-12); (d) a ordem e a beleza do universo refletem e proclamam a existência, sabedoria e poder de Deus (Jó 38.4-39.30; SI 8.1-4; 19.1-6; 104.1-32; 136.6-9; Pv 8.22-31; Rm 1.19,20); e (e) pode-se aprender sobre a generosidade e o cuidado de Deus com a natureza, ao considerar- se as provisões e o interesse de Deus para com o homem (Mt 6.25-34; Lc 12.22-31).

Das palavras que são freqüentemente traduzi­das como “natureza” e “natural”, (jrúatç denota (a) uma condição, um dom, ou posição herdada dos ancestrais de alguém, como no que se refere àqueles que “por natureza” são judeus (G1 2.15), pagãos (Rm 2.27), “filhos da ira” (E f 2.3), ou os ramos ‘‘naturais” e “selvagens” da oliveira (Rm11.21,24) (b) características inatas e disposições instintivas, como de falsos deuses (G14.8), homens (Rm 2.14; Tg 3.7b), ou mesmo Deus (2Pe 1.4); (c) a ordem estabelecida na natureza, como as relações sexuais (Rm 1.26b) e o decoro (IC o 11.14); e (d) uma criatura ou produto da natureza (Tg 3.7a). Em Deuteronômio 34.7 ri’7 tem a conotação de vigor, geralmente associada com a juventude e é proventénféUíT idéia de “frescor” ou “umidade” . O adjetivo (fmaiKÓç é empregado com referência aos instintos naturais do homem (Rm 1.26,27) e, em um sentido depreciativo, somente aos instintos naturais (2Pe 2.12). O substantivo yéveaiç deno­tando nascimento, é usado por Tiago como uma locução para a existência física (Tg 1.23; 3.6). E o adjetivo \i/u % tK Ó ç significa a vida do mundo natural e tudo que pertence a ele, sempre para ser contrastado com o mundo sobrenatural e aquele que pode ser caracterizado como pertencendo ao Espírito (ICo 2.14; 15.44-46; Tg 3.15; Jd 19). É neste último sentido teológico e ético que a palavra vem à sua expressão distintiva na Bíblia, identifi­cando o estado do homem como ele é em “Adão” e servindo como patamar para a completa redenção provida por Deus “em Cristo”. O advérbio yt|v- c ticú ç , tendo perdido seu sentido etimológico no período Koiné, é melhor traduzido como “genui­namente” ou “sinceramente” (Fp 2.20).

BIBLIOGRAFIA. E. Griffith-Jones, “Nature and Natural Phenomena,” HDCG (1908), II, 233-235, W.F. Am dt and F. W. Gingrich, A Greek-English Lexicon o fth eN ew Testament (1957); M. H. Cressey, “Nature”, NBD (1962), 869, 870.

R. N. L o n g e n e c k e r

NAUM (N acón). Um ancestral de Jesus na ge­nealogia de Lucas (Lc 3.25). Ele foi o nono antes de José, marido de Maria.

NAUM, LIVRO DE. O sétimo livro dos doze chamados Profetas M enores. Pertence àquela classe de profecias chamadas prophetiae contra gentes; ela prediz a queda e destruição de Nínive, a arrogante capital do poderoso império assírio.

1. Unidade. O consenso da opinião dos crí­ticos i onsidera somente 2.3-3.19 como original. Os críticos concordam que 1.2-10 é um acréscimo secundário, principalmente porque esta passagem é construída parcialmente como um salmo alfa­bético, e porque supostamente não se relaciona com o tema central do livro. Estes argumentos, entretanto, não são decisivos. Primeiro, é evidente que o acróstico está incompleto e que as letras de abertura dos versículos 2-10 estão desordenados: 1,10,3,5,12,9,6,13 e 11. “Somente pelas emendas mais radicais e reorganizações dos versos é que a teoria do acróstico pode ser sustentada” (Gleason L. Archer Jr A Survey o f the Old Testament Intro- dnctioni [1966], pág. 341). A teoria de Robert Pfeiffer, de que este tipo de poesia acróstica não teria se tomado popular até o 4S séc. a.C., pressu­põe uma data menos antiga para Lamentações 1 a 4 e os Salmos 34; 37; 111; 112; 119; 145. Não há qualquer razão pela qual um homem com tal habilidade poética como Naum não pudesse ter es­crito essa passagem. Segundo, a alegação da falta de referência a Nínive é, naturalmente, contradita pelo fato de que Nínive é mencionada no título e especialmente aludida no versículo 8. Esse trecho é, na verdade, uma introdução apropriada à profe­cia de Naum, enfatizando tanto a retribuição aos inimigos de Deus quanto a consolação daqueles que buscam refúgio nele.

Existe divergência de opinião quanto à passa­gem intermediária (1.11-2.2). Segundo alguns, essa passagem é parcialmente redigida e parcial­mente uma seção original da profecia de Naum. A objeção principal contra sua originalidade é a representação “artificialmente balanceada” de julgamento sobre o inimigo e promessa ao povo de Deus. Esses dois aspectos da profecia, contudo, se completam no sentido de causa e efeito.

2. Autoria. A segunda parte do título (1.1) atribui o livro a Naum de Elcos. Segundo alguns estudiosos essa parte do título foi acrescentada para preservar o nome do profeta (Smit, Goslinga), e para caracterizar o oráculo como “livro” . Não existe razão para duvidar da validade do título em ligação com a autoria de Naum. Nesta forma o nome Naum (hebraico Nahüm, significa “conso­lação”), não se encontra em qualquer outra parte

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470 NAUM, LIVRO DE

do AT, mas aparece em Lucas 3.25 e em ostraca. Não se sabe nada sobre o profeta afora do livro que traz o seu nome.

3. Data. Dois eventos principais definem a data aproximada desta profecia: a queda de Tebas, segundo Walter Maier (The Book o f Nahum: A Commentary [1959]), em 668/7 a.C. e a queda de Nínive em 612 a.C. O primeiro evento é men­cionado em 3.8-10 como um fato da história, e a queda de Nínive é prevista como uma ocorrência futura. Dentro destes limites uma ampla variação de datas tem sido defendida. A maioria dos estu­diosos críticos prefere uma data imediatamente após a queda de Nínive. Segundo Robert Pfeiffer “O poema foi sem dúvida escrito entre 625 e 612, e provavelmente entre 614 e 612”. A razão principal para esta opinião é a suposição de que a queda de Nínive é vista como iminente. Segundo J. M. P. Smith “a invasão da Assíria já tinha começado” . Esta iminência, contudo, é deduzida do texto. A evidência interna do livro em si aponta para uma data muito anterior. A descrição de Nínive pres­supõe uma cidade banhada em grandeza e poder, e isto não poderia ser aplicado com propriedade à cidade logo após a morte de Assurbanipal, apro­ximadamente em 626 a.C. Sabe-se que a Assíria tinha perdido sua autoridade sobre os territórios no ocidente durante o reinado de Josias, rei de Judá (639-609 a.C.). Quando Naum escreveu sua profecia, Judá ainda estava sujeita à tirania assí­ria (1.13) e espoliação (2.2, cp. 1.15). Durante o reinado de Josias, entretanto, não houve ocasião para o profeta representar o livramento e regozijo de Judá como resultado da queda de Nínive, pois naquele tempo Judá não estava mais sofrendo o domínio assírio (cp. 2Rs 23).

Duas outras datas têm sido defendidas, uma pouco antes de 626 a.C., em ligação com um ataque a N ínive liderado por Ciaxares, rei da Média, e outra data pouco antes, 652-648 a.C., com referência à rebelião babilónica liderada por Shamash-shum-ukin. Essas teorias baseiam-se na suposição de que a profecia de Naum teria base em eventos históricos. Nós, naturalmente, podemos garantir isso em traços gerais, mas ao mesmo tempo devemos reconhecer o caráter hipotético de uma conclusão baseada em tal suposição.

Este escritor prefere uma data imediatamente após a queda de Tebas. A referência a esse even­to como argumento contra a Assíria ganha em eficácia, sob a suposição de que foi pronunciada pouco depois de Tebas ser capturada e destruída por Assurbanipal. Talvez fosse seguro datar a

profecia antes de 654 a.C. porque naquele tempo Tebas começou a renascer das ruínas (cp. Maier, op. cit.).

Posições extremas têm sido adotadas por es­tudiosos que datam Naum post eventum (Sellin, Humbert), ou mesmo no período dos Macabeus (O. Happel).

4. Lugar de origem . Contrariando a tra­dução do Targum, que declara que Naum era da “casa de Cos”, estudiosos concordam que “Elcos” (heb. haelqõsT) é designação de sua cidade natal (cp. Mq 1.1). Existem, entretanto, quatro teorias diferentes com respeito à identificação desse lugar. (1) Uma tradição islâmica pouco provável, do séc. 16, refere-se à suposta sepultura de Naum em Alquish, perto de Mosul; (2) Jerônimo iden­tificou-a como ElKauze na Galiléia; (3) segundo outros, Cafamaum na realidade significa “A vila de Naum”; (4) a teoria favorecida pelos estudiosos mais conservadores identifica Elcos com Elcesei, que segundo Pseudo-Epefânio foi uma vila de Judá nas vizinhanças de Bet Gabre no território de Simeão. A evidência dos textos sugere que o autor vivia em algum lugar em Judá (1.15, Raven, Young, Archer, et al.).

5. Contexto. Durante a primeira metade do 7a séc. a.C., o cenário internacional foi dominado pela Assíria. Assurbanipal (669-626 a.C.), o filho de Esar-Hãddom (680-669 a.C.), ocupou posição importante nos negócios internacionais. Ele con­quistou o Egito no primeiro ano de seu reinado (669 a.C.), e repetiu a façanha em 663 ou 661 a.C. Alguns estudiosos aplicam a referência em Naum 3.8-10 a essa ocasião. Pouco se sabe da última parte do reinado de Assurbanipal. Seu país foi rodeado por inimigos poderosos: os citas ao norte, os medos a leste e os caldeus ao sul. O Egito havia previamente reconquistado sua independência (645 a.C.). Estava próxima a hora da queda da Assíria. Em 612 a.C. Nínive foi conquistada e destruída pelos medos e caldeus, e em 609 a.C. o poderoso império assírio foi varrido do mapa.

A situação interna de Judá foi determinada pelo longo reinado de Manassés (687?-641 a.C.). Sendo vassalo da Assíria (cp. as inscrições relevantes em Ancient Near Eastern Texts Relating to the Old Testament, págs. 291, 294, 295), ele introduziu em Judá o culto oficial dos assírios (cp. 2Rs 21.1­18; 23.8,9; 2Cr 33.3), junto com ioda uma gama de práticas ímpias. Mais tarde ele foi capturado (2Cr 33.11) e depois retomou a Jerusalém, onde se arrependeu de seus pecados e tentou desfazer

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NAVALHA / NAVIO, DONO DO 471

suas obras malignas (2Cr 33.10-13,15-17). Seu filho Amom (641-639 a.C.) também “fez o que era mau perante o Senhor” (2Rs 21.20). Durante o reinado de Josias (639-609 a.C.), entretanto, o cul­to abominável foi abolido, a suserania da Assíria chegou ao fim e a reforma se estendeu até mesmo ao território de Israel (2Rs 23.15ss.; 2Cr 34.6ss.).

6. Canonicidade e texto. Acanonicidade do livro nunca chegou a ser seriamente questiona­da. Ele ocupou a mesma posição tanto no cânon palestino quanto no alexandrino.

Afora pequenas dificuldades de tradução (cp. 1.10,12; 2.7,8), o texto de Naum encontra-se no todo bem preservado. O capítulo 1.15-2.13 cor­responde ao texto hebraico 2.1-14.

7. Conteúdo. Pode ser traçado como segue.a. O título (1.1) caracteriza a profecia como

uma sentença (massa ’) contra Nínive.b. Em uma declaração introdutória,(1.2-8),

Naum descreve o poder e a paciência de Deus, sua ira contra seus inimigos, e sua bondade para com aqueles que nele buscam se refugiar. Aresolução de Deus, de destruirNínive (v. 8), encontra-se implícita.

c. A predição da condenação de Nínive por causa de seus pecados é dada como consolo para Judá (1.9-15).

d. O capítulo 2.1-13 (Hb 2.2-14) descreve de ma­neira vívida como será feita a conquista de Nínive.

As precauções para defender a cidade contra o instrumento da condenação (2.1-5) serão em vão. A cidade será inundada (2.6), seu povo levado cativo (2.7,8), e seus tesouros saqueados (2.9). Medo aterrorizante prevalecerá (2.10) e Nínive, aquela cova de leões cheia de autoconfiança (2.11­13), será destruída.

e. No capítulo 3 a queda de Nínive é novamente anunciada e descrita em linguagem altamente poética. A cidade assassina (3.1) será capturada pelo instrumento do julgamento de Deus (3.2,3). Visto que a cidade agiu como uma meretriz, será tratada como tal (3.4-7). Ela não é nem um pouco melhor do que a poderosa e bem fortificada Tebas do Egito, que caiu em derrota sangrenta (3.8-10). A defesa de Nínive será em vão (3.11-14). As suas multidões de mercadores e líderes militares desertarão da cidade condenada (3.16,17). Seus habitantes serão espalhados para nunca mais se reunirem (3.18). Em meio a aplausos universais, Nínive desaparecerá para sempre (3.19).

8. Teologia. Críticos estudiosos injustamente diminuem o significado religioso da profecia de

Naum, alegando que o profeta estava “cheio de ódio pelos opressores estrangeiros” . A alusão às supostas atitudes chauvinistas de Naum e sua preocupação exclusiva com os pecados das nações estrangeiras é extremamente subjetiva. Sua profecia estava principalmente relacionada com o “consolo” do povo de Deus, que naquele tempo se encontrava subjugado pelos assírios. A aflição de Judá (1.12) pressupõe seus pecados, e seu livramento do jugo assírio (1.13) deve ser visto como um ato da misericórdia de Deus (2.2). O ponto principal, contudo, é que aquela profecia tem suas raízes na história anterior da revelação divina (cp. 1.2,3a com Êx 20.5; 34.7; Nm 14.18; 1.4 com SI 18.16; 104.7; 2.1 com Is 52.7; e 3.7 com Is 51.19). Na profecia de Naum, a história dos julgamentos de Deus em relação à Assíria (cp. Is 10.5-19; 14.24-27; 17.12-14; 18.4-6; 29.5ss.; 30.27-33; 31.5-9; 33; 37.6ss.; 21-35) chega ao seu clímax. Ao mesmo tempo, sua profecia se liga com a história de revelação subseqüente, na qual uma antítese entre a Assíria e Judá é aprofundada para representar os poderes do mundo como inimigo de Deus e de seu reino. Isso é evidente de maneira especial na descrição de Nínive como uma prostituta, cuja figura é novamente refletida nas visões do Apocalipse 17.1,2,15,18; 18.23. No anúncio do julgamento sobre este inimigo, o povo de Deus é “consolado” .

BIBLIOGRAFIA. O. Happel, D as Buch des Prophe­ten Nahum (1902); P. Haupt, “The Book of Nahum,” JBL (1907), 1-53,151-164; C. Goslinga,Naham 's Godsspra- ak tegen Ninevé (1923); P. Humbert, “Le Probléme du livre de Nahoum.” Revue d'Histoire et de Philosophie religieuses, XII (1932), lss.; A. Haldar, Studies in the BookofN ahum (1941);W .A . Maier, The Book o f Nahum — A Commentary (1959).

P. A. V e r h o e f

NAVALHA, ( iv r i ; m T D ) Instrumento cortante mui­to afiado, para cortar os cabelos e aparar a barba. E mencionado no AT, especialmente em relação ao voto do nazireu (Nm 6.5; 8.7; Jz 13.5; 16.17; ISm 1.11; Is 7.20; Ez 5.1). A palavra também é usada metaforicamente para indicar a língua fe­rina (SI 52.2). As navalhas eram feitas de metal e eram simples ou elaboradas. Muitos exemplares pertencentes à antigüidade ainda existem.

NAVIO, DONO DO. (vavKÀ.r|poi;). O termo é encontrado apenas em Atos 27.11. Significa um

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472 NAVIOS

Uma navalha egípcia de bronze com furos para prender a tiras. © U.M.R

dono ou mestre de um navio. Ele é diferenciado de “mestre” (KJV) ou “capitão” (RSV).

A narrativa indica que o centurião era o oficial de posição mais alta a bordo e tomara as decisões concludentes. E provável que este fosse um navio do governo. Sir William Ramsay escreve: “E, pois, um erro da Versão Autorizada e Revisada falar de um dono (vceÚKXripoç) deste barco alexandrino: o navio pertencia à frota de Alexandria no serviço imperial” (St. Paul the Traveller, 324). Ele traduz as duas expressões aqui: “o mestre da navegação

e o capitão” . Não obstante, a RSV e NEB mantém “dono do navio” para vocúiAripoç.

R. E a r l e

NAVIOS (n ’]«, ’X, n r s o ; t i X o í o v , - r t ^ o i á p i o v ,

v a v g , aK á(J )ri) .

A. Tempos do A ntigo Testam ento.Navios e navegação em geral são pouco encon­trados no Antigo Testamento, salvo nos contextos metafóricos e poéticos (ex.: SI 98.7; 107.23-29; Pv 23.34). O “cesto” na qual Moisés foi posto à deriva no Nilo (Ex 2.3-6) era provavelmente uma versão menor dos barcos de rios e pântanos, que eram construídos com faixas atadas de talos de papiro e eram de uso comum nas águas do Egito para caçar aves aquáticas, para pescar e para o transporte. Bem antes desta época, os egípcios haviam construído barcos poderosos para n a ^ gar em alto-mar, como está provado nos afrescos da expedição de Hatshepsut (na metade do séc. 15 a.C.) para iniciar contatos comerciais com a costa somali.

Os hebreus, geralmente nômades transforma­dos em agricultores, não eram ligados ao mar e possuíam pouca experiência em marinhagem. Eles tinham a desvantagem de um litoral sem cais, destituído de abrigos naturais para os na­vios, exceto onde a base setentrional do Carmelo providenciava um abrigo do siroco e do clima meridional, na baía rasa onde fica o atual porto de Haifa. Além do mais, em longos períodos da História os hebreus não tiveram o controle total da planície. Somente em uma referência críptica, em Juizes 5.17, um pouco de atividade náutica das tribos nordestinas de Aser e Dã é observada. A marinhagem dos hebreus era de segunda mão e fruto apenas de uma parceria de Salomão com os fenícios de Tiro e Sidom.

Os fenícios, por outro lado, étnica e lingüis- ticamente aparentados com os hebreus, eram os maiores marinheiros do Antigo Oriente Médio. No crepúsculo da História, eles haviam perambulado, como tribos semitas, pelas curvas do Crescente Fértil, e se encontraram presos pela presença das primeiras pessoas que ocupavam a orla estreita da faixa litorânea entre as montanhas do Líbano e o mar. Aceitando o desafio do meio ambiente, eles utilizaram a madeira da grande floresta atrás deles para conquistar o mar à sua frente, e tomaram-se os primeiroá cCnstrutores de navios do mundo medi­terrâneo. Essa engenharia marítima revolucionou a navegação e a construção de navios, pois os barcos

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NAVIOS 473

do Mediterrâneo oriental eram um pouco mais do que canoas grandes e barcaças. O caiaque da atual Aegean é pro\ avelmente o descendente linear dos barcos da Época de Homero, pelo qual Agamenon efetuou seu ataque marítimo em Tróia. O dhow (embarcação de um só mastro e vela latina do mar Vermelho e oceano Índico) dos países árabes é provavelmente do mesmo modelo, descendente de barcos do golfo Pérsico, o caminho aquático onde o homem primeiro aprendeu a marinhagem e construção de barcos.

A distinção entre uma embarcação marítima, para manobra rápida e fácil, e o navio mercante, mais lento, mais adequado para alto-mar e proje­tado para suportar carga pesada, uma característica de toda a história marítima antiga, remonta aos dias da construção de barcos pelos fenícios. Os “navios de Társis”, que encontram referência freqüente no Antigo Testamento, eram evidentemente um tipo muito bem-sucedido do navio mercante fenício projetado para o comércio de minério. A palavra ‘'Társis” (freqüentemente pensava-se referir-se ao Tartessos na Espanha, para onde as frotas iam para carregar minério de prata, da mesma forma que eles carregavam estanho de Comwall) é, de acordo com W. F. Albright, uma palavra do vocabulário da metalurgia e mineração. Será que a palavra quer dizer “barco de minério”? Significativamente, foi uma “frota de Társis” que navegou a partir do golfo de Aqaba, na parceria marítima entre Salomão e Tiro. As grandes obras de fundição de Salomão estavam ao norte da cabeça do golfo.

Foi também “ em um navio de Társis”, refu­giando-se na enseada estreita por trás do recife que ruma para o largo de Jope, que Jonas embarcou na tentativa desastrosa de escapar da sua desagradável viagem a Nínive. A lista completa da referência é encontrada nas páginas 1076, 1077 do léxico hebraico de Gesenius, e parece não haver dúvida de que o termo foi aplicado depois do modelo “na­vio indiano” e “clíper da China”, para descrever os navios resistentes o bastante para as viagens distantes e as cargas pesadas incluídas.

A frota de Salomão no golfo de Aqaba era com­posta de barcos fenícios manejados por equipes fenícias (lR s 9 e 10). Eles embarcavam para Ofir (provavelmente Arábia do Sul), para o minério de ouro, e possivelmente para a costa Malabar. A car­ga de “marfim, macacos e pavões”, que voltou com os navios mercantes (10.22), sugere viagens para a índia e Ceilão, fora do período da monção, e traços das antigas comunidades judaicas nesta costa dis­tante, podem indicar que a parceria hebreu-fenícia se estendeu para o estabelecimento de agentes

comerciais nas áreas alcançadas e atendidas pelo comércio. Para os propósitos deste artigo, o ponto relevante é a boa condição de navegabilidade dos navios que empreendiam esse trajeto dos barcos para navegar em alto-mar. A tentativa posterior de Josafá, de reativar o comércio do mar Vermelho, terminou em desastre considerável, aparentemente no próprio porto da frota mercante, Eziom-Geber (lR s 22.49). No reino dividido, a comunicação de Judá com os fenícios foi cortada por Israel, e o empreendimento de Josafá foi, provavelmente, levado à ruína pela inexperiência dos judeus em construir navios e em navegação.

B. A ntigos navios gregos. A distinção anterior, sobre navios de guerra e mercantes, que emergiu com a construção de barcos pelos fení­cios, foi também verificada nos navios do Egeu. O tipo mais antigo de navios gregos era o “pentekon­tor”, chamado assim por causa dos seus cinqüenta remadores, sentados vinte e cinco de cada lado. Estes eram os navios do início da pirataria e do comércio, navios rápidos, fáceis de manejar e bem ajustados para os riscos do comércio ilícito. Eles levaram os primeiros aventureiros gregos, como os posteriores intrusos ingleses na costa nordeste da América do Sul e Mar do Caribe para as áreas de comércio no M editerrâneo ocidental onde Cartago, a maior colônia da Fenícia, liderava as negociações e proibiu a invasão de seus domínios. O “pentekontor” pôde facilmente escapar das galés de Cartago.

Com o início da colonização grega e comércio conseqüente, surgiu o navio mercante pesado, um navio projetado para ficar constantemente no mar e enfrentar condições climáticas adversas. Para o navio de guerra, a eficácia e estratagema rápido e complicado tiveram prioridade sobre condições simples de navegar em alto-mar e capacidade de carga, na determinação d& construção e do dese­nho. O tipo mais comum de navio de guerra grego, do 6“ séc. em diante, foi o famoso “trirreme”, ou “três-remos”, assim chamado por causa das três barreiras de remos. Era leve, sem convés e estreito, medindo, na época do seu maior desenvolvimento, no 42 séc. a.C., cerca de 36m por 6m . A proa do trirreme terminava em um cadaste alto e curvo e era comumente provido de um esporão revestido de bronze. Em cada lado da proa estava pintado um olho, para espantar o mal.

Como o trirreme era remado é ainda uma ques­tão controversa. Existe uma descrição detalhada no clássico victoriano, The Voyage andShipwreck ofSt, Paul, de James Smith, que é uma verdadeira

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fonte de informação. Uma publicação mais recente (The Ancient Engineers, de L. Sprague De Camp) oferece um resumo útil das teorias controversas envolvidas na organização das barreiras dos remos em um “trirreme”. E provável que o termo “bar­reiras” seja equivocado e nenhuma teoria correta foi definida. Pinturas em moedas e vasos não oferecem solução . Os navios içados do lago Nemi e destruídos pelos alemães em 1943 eram barcaças domésticas, datados da Era de Calígula, e não oferecem nenhuma ajuda à questão. O diagrama na página 82 da última obra acima citada expõe as quatro principais possibilidades, conforme os estudiosos modernos as contemplam. Estavam relacionados somente a “trirreme”, e admitiu-se como parece ter sido o caso, que havia um remador para cada remo. Isto dificilmente pode ser aplica­do, porém, ao “quinquerreme”, ou “cinco remos”. Há um quinto arranjo, mencionado mas não repre­sentado graficamente pelo último autor citado, que assegura que, embora os remadores sentassem em fila, cada um tinha um remo de igual tamanho ao dos seus companheiros, para puxar.

O “trirreme”, no mínimo, era um navio médio de guerra, da história grega e fenícia. Sua tripu­lação era de cerca de duzentos homens, e a velo­cidade é estimada em quatro, cinco, ou sete nós . A proporção entre comprimento e largura era de seis ou sete por um. Os navios eram construídos de lariço, cipreste e pinheiro alvar, principalmente do último. Daí a tentativa desesperada durante a guerra peloponesiana entre Atenas e Esparta, que ocupou a última geração do 5- séc. a.C., para manter abertos os caminhos do mar no nordeste e assegurar o controle da linha costeira das penínsu­las Tracianas, das quais Atenas tirava sua madeira, vital para construir navios (trad. de History ofP l.5.7, por Theophrastus, Wimmer). Os britânicos tinham problemas semelhantes de acesso ao pi­nheiro báltico durante as guerras com Napoleão. A pilotagem era efetuada pelos remos de direção em cada lado da popa, um método que foi preservado até um período consideravelmente posterior. Em um baixo-relevo sobre a passagem da porta da torre inclinada de Pisa, construída no séc. 12, navios são representados com lemes de pá como os da tape­çaria de Bayeux, representando a invasão de Nor- mandia. Eles devem ter ficado em uso até depois da metade do séc. 13, pois os contratos para suprir Luís IX com navios estipularam que os contratan­tes eram obrigados a equipá-los com dois lemes. Isto é, claro, um sobressalente; porém, aprendemos de Joinville (1224-1317) que o navio do rei tinha lemes, tom o expresso no plural “gouvemaux”.

Galéra de guerra desenhada a partir de uma moeda de bronze de Ascalom (d.C. 72).

Couraçado de batalha e navio de comércio, fenício, copiado de uma representação do muro do palácio de Senaqueribe em Nínive (700 a.C.).

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O navio mercante era propulsionado por remos compridos e pesados ou velas. No início, possuía só um mastro que carregava uma vela quadrada feita de pêlo ou couro de animal, e, de acordo com os desenhos de moedas e decorações de vasos, um pequeno mastro dianteiro era às vezes acrescentado para alçar uma vela menor. De Camp (sup. cit.) discutiu a questão de navegar ao vento e citou a novela grega do 3“ séc. d.C., de Achilles Tatius. É a descrição de uma tempestade na qual o narrador naufraga durante uma viagem de Beirute a Alexandria, incluindo o que De Camp (pág. 123) corretamente descreveu como “um relato de um marinheiro de água doce sobre o esforço sem su­cesso de uma tripulação para evitar ser atirada para a costa lutando contra o vento”. Vale a pena citar a passagem toda, pois é apropriada ao problema enfrentado pelo piloto de Paulo, quando navegava rumn ao Ocidente, em um “tufao de vento chama­do Euroaquilhão”, e temeu os bancos de areia de Sirte mais ao sul, a este bordo : “no terceiro dia da nossa viagem, a calmaria perfeita que havíamos experimentado até este ponto foi repentinamente nublada por nuvens e a luz do dia desapareceu, um vento soprava saindo do mar em cheio para a frente do barco, e o timoneiro ordenou que a verga fosse virada. Os marujos correram para fazer isso e subiram meia-vela sobre a verga à viva força, pois a violência crescente das rajadas do vento obstruiu seus esforços; além disso , eles mantiveram o su­ficiente da abertura máxima, para fazer com que o vento os ajudasse a manobrar. Como resultado disso, o navio adernou, um costado ficou no ar e o convés, uma rampa íngreme, de modo que a maioria de nós pensava que ele adernaria quando a próxima ventania nos atingisse. Nós nos trans­ferimos, portanto, para parte do barco que estava mais acima da água, para aliviar aparte que estava embaixo no mar, e assim, tanto quanto possível, pelo nosso peso sobre a parte mais alta, para trazer todo o navio novamente ao nível; porém tudo foi em vão: aparte alta do convés, longe de ser empur­rada para baixo pela nossa presença, simplesmente levantou-nos ainda mais alto para fora da água. Por algum tempo, sem sucesso lutamos para equilibrar o barco, assim balanceado sobre as ondas; mas o vento de repente se deslocou para o outro lado e o barco quase afundou, e instantaneamente aquela parte do barco que estava embaixo nas ondas foi violentamente jogada para cima, e a parte que anteriormente estava bem no alto foi empurrada para baixo das águas. Então se levantou um gran­de lamento no barco, e todos trocaram de lugar, correndo, com gritos e choros, para a posição na

qual estavam antes; e a mesma coisa aconteceu uma terceira e quarta vez, mais ainda, muitas vezes, nós assim imitávamos o movimento do barco; e antes mesmo de terminar outra mudança, outra, contrária, era necessária” (Achilles Tatius, Leucippe and Clitophon, 3 .1).

C. Navios dos tem pos helenísticos e rom anos. A idade helenística sobrepujou todas as eras da antiga cultura mediterrânea em industrialização. A escravidão, e conseqüente oferta ilimitada de trabalho gratuito, puseram freio na invenção de aparelhos que poupam trabalho, mas havia grande conhecimento básico mecâni­co e engenharia competente, especialmente em Alexandria. Isto ficou evidente no mar, especial­mente pelo desenvolvimento de grandes barcos. Havia uma espécie de corrida naval entre os reis helenísticos do 3Ü séc. a.C. Referências a navios propulsionados por grandes rem os compridos de chumoo pesado, manejados por quarenta a cinqüenta homens cada um , são encontradas aqui e acolá. Há uma referência em Ateneu do lançamento de uma barcaça de c. 91m.

Para os interessados nos navios do Mediter­râneo do l 2 séc., existem uma ou duas fontes de informação que devem ser lembradas. Pinturas no muro de Herculano e Pompéia, as duas cidades na baía de Nápoles destruídas pela erupção do Vesú- vio em agosto de 79 d.C., retratam navios que são contemporâneos aos barcos de grãos de Alexan­dria, que trouxeram Paulo da Palestina para Roma. A impressão geral é a de um navio que em pouco difere da forma de vagem e da parte inferior dos desenhos de navios comuns dos próximos dezoito séculos; é certo que ambas as extremidades tinham formas semelhantes. O contorno superior das late­rais era quase reto ao longo da parte do meio, mas subia até certa altura a cada extremidade, às vezes terminando em ornamentos como um pescoço de ganso curvado para trás; conseqüentemente, faz jus ao termo “cheniskos” para a popa de um navio (chen, um ganso). No ornamento da popa do navio retratado no túmulo de Naevoleia Tyche em Pompéia, os “cheniskos” terminam em uma cabeça de Minerva, um emblema como a figura de proa posterior. Isis adornava a proa do barco de grãos de Alexandria discreto em detalhes por Luciano, que escreveu de modo volumoso na metade do 2- séc. Seu diálogo, The Ship , começa em Piraeus, para onde um navio de grãos de Alexandria foi levado pela tempestade. Estava no caminho para a Itália nos dias de Commodus. Três amigos — Lycinus, Samippus e Timolaus — estão conversando. Eles

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Um barco a vela de pesca, típico do Oriente Médio. © M.P.S.

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haviam perdido a pista de um quarto, Adimantus, que havia desaparecido, disse Lycinus. “Então fi­camos por um bom tempo no mastro olhando para cima e contando as camadas de peles de animais e admirando o marujo subindo por entre a enxárcia e então correndo com segurança ao longo da ponta da verga lá em cima, segurando-se nas cordas.”

Eles questionam o evasivo Adimantus, mas Samippus está satisfeito com o tamanho e sofisti­cação do grande navio. Ele coleta estatísticas. Ele as escreve às pressas: “Cento e vinte côvados de comprimento, disse o mestre do estaleiro, e bem mais do que um quarto em largura, e do convés ao fundo, onde é mais profundo, no cavername, vinte e nove. Então, que mastro mais alto, que verga carregar! Que estai do traquete para manter isto erguido! Com que graça se curva para cima o tombadilho da popa, com um pequeno ganso dourado embaixo! E correspondentem ente, na extremidade oposta, a proa se projeta bem para a frente, tendo nos dois lados figuras da deusa Isis, por cujo nome é chamado o barco. E as outras decorações, as pinturas e a gávea chamejante como fogo, âncoras nas suas dianteiras, barras do cabrestante, sarilhos e cabinas no estai do fraquete — tudo maravilhoso para mim. Pode-se pôr marinheiros e exército de soldados. Dizem que ele carregava milho o bastante para alimentar toda a Ática por um ano. E um pequeno ancião, um pequeno camarada se protegia do perigo apenas girando o leme enorme com uma barra pequena.” A regra pela qual se calculava a tonelagem era multiplicando o comprimento da quilha pela lar­gura maior, e o resultado pela metade da largura ou profundidade, e dividindo-se o total por 94. Falconer, deste jeito, calculou a medida do barco de Luciano em 1.938 toneladas. Seu comprimen­to, de acordo com Luciano, era de 120 côvados, que, a um pé e meio cada um, é igual a 180 pésou 54m; sua largura, um quarto, ou 45 pés, ou 13,7m e tomando o comprimento maior de 180 pés como multiplicador, a tonelagem é exatamente o que ele calcula: 180 x 45 x 22,5 dividido por 94 é igual a1.938 toneladas.

Timolaus teve uma conversa com o capitão, que descreveu a tempestade que os empurrou para Pi­raeus. A passagem, semelhante a outros contos de tempestade em Ovídio, Juvenal, entre outros, serve apenas para salientar a realidade e autenticidade da história majestosamente contada em Atos 27, que é riquíssima em detalhes ilustrativos.

D. As provas do naufrágio de Paulo.Atos 27 descreve uma história mais brilhante. O

barco de grãos no qual Paulo viajou era de tamanho considerável. Havia 276 pessoas a bordo. Josefo declara que ele viajou para Roma em um navio que carregava seiscentas pessoas a bordo. Ele escre­veu: “Eu cheguei a Roma depois de passar por um grande perigo no mar. Pois o nosso barco afundou no meio do mar Adriático, e os passageiros e tripulantes, cerca de seiscentas almas, tiveram de nadar toda aquela noite. Quase no início do dia, por meio da providência bondosa de Deus, vimos um navio de Cirene, e eu e alguns outros, cerca de oitenta ao todo, passamos pelos outros e fomos puxados para o barco” ( Fita 3). O navio de Paulo estava seguindo uma rota em direção norte sob o abrigo da costa da Ásia Menor, possivelmente por causa do tempo (Atos 27.9). E possível que Ramsey esteja correto na sua afirmação de que esta era a rota costumeira do Egito para Roma (St. Paul the Traveller and Roman Citizen, pág. 319). De acordo com Vegetius (De Re Mil 4, 39), o período da metade de setembro à metade de novembro era considerado uma época particularmente perigosa para a navegação. Sem dúvida, o calor do outono sobre o Saara, com o frio do continente na Europa central, provocou uma corrente forte de ar moven­do-se para o sul. O comandante usou este vento impetuoso para atingir rapidamente o sul de Cnido na ponta sudoeste da península da Ásia Menor, para chegar até a costa sul de Creta. Ele esperava navegar ao longo da barreira de 225km contra os ventos do nordeste e chegar a Bons Portos, meta­de do caminho ao longo da costa, sem perigo. A metade oriental da ilha é comparativamente baixa, sendo um quebra-vento eficaz.

Rejeitando avisos competentes de passar o inverno ali, e sem dúvida ansioso para entregar sua carga em Ostia, o comandante do barco avaliou o risco e viajou pelo restante da costa, que, repentina e espetacularmente, concentra-se em um maciço compacto de montanhas. Os ventos do nordeste, represados na costa desta massa elevada de região montanhosa, derramavam-se sobre os cumes e através dos desfiladeiros para baixo no mar, com o furor notório que ventos tão afunilados e canali­zados desenvolvem. Eles não conseguiram chegar ao porto “mais aconchegante” de Fenice, pretexto usado pelo comandante do navio para navegar, e foram forçados a fazer isto antes do vento. A ilha de Clauda, afastada da costa, deu-lhes cobertura, sensatamente utilizada para recuperar o bote do na­vio que, rebocado erradamente e inundado, estava atrapalhando a pilotagem e segurando o barco. A todo custo era necessário manter o curso para o oeste e evitar ser carregado pelas águas em direção

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sul, para a baía rasa de Sirte, a dentação oblonga na costa do Norte da África, que era um verdadeiro cemitério para navios antigos, um fato que promete muito para a arqueologia subaquática.

Eles foram provavelm ente ajudados neste propósito pela guinada do vento, quando o centro do ciclone se moveu e desenvolveu um caminho mais ao leste. Neste ponto, “eles tomaram provi­dências de cingir o navio”. Desentendimento e controvérsia considerável têm cercado esta frase, e alguns tentaram provar que as cordas designadas para atar e conter as madeiras foram calculadas pelo comprimento da popa à proa. Se tais “ajudas” foram utilizadas, não foi o “cingir” da passagem em disputa, porém cabos bem arrumados corridos da popa à proa, projetados para manter e fixar o mastro, cuja pressão e mover com alavanca con­tra as madeiras da quilha poderiam ter sido um grande problema nessa situação. O “cingir” era com certeza com cordas, talvez uma rede solta que poderia ser abaixada sobre a proa e passada por baixo da quilha. Estas seriam fortalecidas por cima dos costados pelo torcer dos cabos correndo nos ângulos à direita, na direção da quilha, até que tudo se tomasse uma rede esticada e firme para ajudar a forçar as madeiras . “Você não vê”, diz Horácio, escrevendo sobre as condições de trabalho no barco em uma ode metafórica (1.14), “que seu lado está sem remos, o mastro mutilado pelo ímpeto do vento sul e que sem cordas o casco dificilmente pode também suportar o mar ”? Este equipamento era provavelmente carregado para uma emergência deste tipo.

A “armação do navio”, lançada ao mar, era o conjunto de cabos, as velas possivelmente en­charcadas e pesadas. Talvez o mastro mais longo, do qual pendia a vela principal, um sobrepeso no alto do mastro, pudesse aumentar o balanço do barco, ou, se pudesse ser arriada, seria um tumulto no convés.

O navio no qual os naufragados continuaram de Malta a Puteoli navegava sob o sinal de Castor e Pollux, os irmãos gêmeos que eram padroeiros dos marinheiros. Pensava-se que a descarga elé­trica que os marinheiros do Mediterrâneo chamam de “fogo de São Elmo”, quando eles a vêem em volta do mastro, indicasse a presença dos gêmeos. Macaulay escreveu: “Salvo vem o barco para o porto, atravessando tempestade e vendaval, se os Grandes Irmãos Gêmeos assentam-se brilhando na vela. Veja também Horácio”. Odes 1.12.27-32.

Outos pormenores sodre navio e navegação mencionados na passagem clássica de Lucas são sondagens de profundeza, e a amarração de um

navio contra o mar e o vento por um sistema de ân­coras compensadoras, uma prática ainda seguida. O escritor viu um barco de vapor grego escorado e firmado deste jeito sob o abrigo de Sciros no Egeu, com o vento do nordeste soprando intensamente na costa norte da ilha.

E. Barcos da G alilé ia. Os barcos dos pescadores galileus eram espaçosos e resisten­tes, construídos para levar uma carga de peixe e também para resistir às rajadas de vento do lago. O lago fica no extremo superior do vale de fenda do Rift, aprofunda-se para o mar Morto abaixo do vale do Jordão e depois se toma raso ao i}ível do mar, descendo o Arabá para o golfo de Aqa­ba. Ventos violentos repentinos são contidos e canalizados por ele, ocasionando tempestades na Galiléia. Não é conhecida a forma pela qual os barcos eram construídos, mas eles podiam levar12 homens e um deles poderia dormir na popa da proa. Raramente uma carga pesada de peixe poderia atrapalhá-los-los.

E. M. B l a ik l o c k

NAZARÉ (NaÇapéx, NaÇapéG, são outras for­mas. O significado é incerto, mas talvez esteja rela­cionado ao hebraico nazir que significa separado, ou neser, que significa ramo. Cp. Mt 2.23). Cidade na Galiléia, residência de José, Maria e Jesus.

A cidade de Nazaré situa-se a cerca de meio caminho entre a extremidade sul da Galiléia e o Monte Carmelo. Por mais importante que ela possa ter sido no NT, esta cidade não é mencionada no AT, no Talmude ou pelo historiador Josefo. Tal fato chegou a gerar uma teoria extremista de que a cidade jamais teria existido, nem mesmo nos tempos do NT, mas teria sido imaginada como sendo a residência de Jesus. Existem razões para se imaginar que Nazaré era uma cidade insignificante nos dias de Jesus e era suplantada pela grande Séforis ao norte. A moderna Nazaré tem apenas uma fonte. Situada nas montanhas ao norte da planície de Esdrelom, ela oferece uma excelente vista dos antigos campos de batalha. Para o norte pode-se ver também o monte Hermom, e ao oeste o Mediterrâneo e do leste ao Basã.

Existe considerável discussão com respeito ao significado do nome e sua conexão com os nazi- reus do AT. Há uma óbvia semelhança de letras, porém a conexão entre esta cidade e aquela ordem religiosa desafia qualquer explicação clara. O pro­blema fica mais complicado quando se considera o nome de Nazareno. Seria este Nazireu?

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NAZARÉ 479

Jesus é chamado Nazareno (Mt 2.23), bem como seus discípulos (At 24.5). Mateus (2.23), aparentemente tinha Isaías 11.1 em mente: “Do tronco de Jessé sairá um rebento, e das suas raízes, um renovo (hebraico nêsér)”. Em outros lugares ele é Jesus de Nazaré (exceto em Mc 14.67 onde é “Jesus, o Nazareno”). Por mais que assim se traduza a palavra, Jesus não era um nazireu, de acordo com o sentido da palavra em Números 6. E interessante que até hoje a palavra para “cristãos”, tanto em árabe como hebraico, é basicamente esta m esm a.

Não há dúvida quanto ao fato de a Nazaré do NT ser hoje a moderna En-Nasira ou Nazaré. A fonte que nasce próximo à Igreja de São Gabriel é canalizada para o Poço de Maria numa praça pública. Sem dúvida Maria veio buscar água nesse poço para atender às necessidades de sua casa.

Lucas 1.26. declara que o anjo Gabriel foi enviado à virgem Maria em Nazaré. A despeito do fato dela ter dado à luz em Belém e mais tarde a família ter fugido para o Egito, seu lar era em Nazaré. Para este lugar eles retomaram, sem dúvida devido ao terror que ainda reinava na Judéia no remado de Arquelau (Mt 2.20-23). Os dois incidentes da infância de Jesus registrados por Lucas claramente afirmam que ele vivia com seus pais em Nazaré (Lc 2.39,51). A localização

da chamada Carpintaria de José, no Complexo da Igreja da Anunciação, tem pouca base pactuai . Aquela igreja é a maior das construções cristãs em todo Oriente Médio.

Ao completar trinta anos de idade e dar início ao seu ministério, nosso Senhor saiu de Nazaré na Galiléia para ser batizado por João. Um co­mentário interessante sobre Nazaré, proferido por Natanael, é registrado em João 1.46. Quando Filipe contou-lhe que havia encontrado Jesus de Nazaré, Natanael replicou: “De Nazaré pode sair alguma coisa boa?” Esta pergunta tem sido interpretada de muitas maneiras, mas a mais comum é que Nata­nael estava fazendo um comentário mordaz sobre a pequenez de Nazaré, quem sabe vendo-a como rival de sua própria pequena vila, Betsaida.

A razão dada por Mateus para Jesus deixar Nazaré e ir viver em Cafamaum, próximo ao mar da Galiléia, foi o de cumprir a profecia de Isaías 9.1s.(M t4.13-16).O utraboa razão era a chamada rejeição de Cristo em Nazaré, colocada claramente por Lucas: “Indo para Nazaré, onde fora criado, entrou, num sábado, na sinagoga, segundo o seu costume, e levantou-se para ler” (Lc 4.16-30). Jesus leu a profecia do livro de Isaías 61 .Is. e disse-lhes que ele era o cumprimento daquela pro­fecia. Depois continuou a ilustrar, usando a vida de Elias e Eliseu, como os profetas são rejeitados

Ptolemaida Corazim Selêucia

Cafam aum

C a n á • , (— Tiberíades

Séforis____ •_____NAZARÉ

Mar Meüuerraneo

Citópolis

Siquém

Efraim

Filadélfia

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480 NAZARÉ

Vista geral de Nazaré, conforme vista do leste. © M.P.S.

Vista geral de Nazaré. Os edifícios ao centro são parte da Igreja da Anunciação e dos mosteiros anexos a el3. te Consulado Geral de Israel

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NAZARÉ, DECRETO DE 481

por sua própria gente. Enfurecidos, os cidadãos o expulsaram da cidade e o levaram até o cimo do monte sobre o qual estava edificada, para de lá o jogarem, mas ele escapou da multidão.

Foram feitas duas identificações do monte. Existe o tradicional Monte da Precipitação ou Monte do Pulo (Jebel el-Qatza) ao sudoeste , e um rochedo mais próximo à cidade, perto de uma antiga sinagoga. Esta última é mais provável, uma vez que é mais próxima da cidade.

Alguns harmonizadores do Evangelho vêem uma segunda rej eição de Jesus em Nazaré no relato paralelo de Mateus (13.54-58) e Marcos (6.1-6a) como parte do segundo período de seu ministério na Galiléia. Novamente o povo se sentiu ofendido quando ele leu na sinagoga. Ele retrucou com o axioma: “Não há profeta sem honra, senão na sua terra, entre os seus parentes e na sua casa”. Então Marcos adiciona o pós-escrito que é outra boa razão para levar o ministério de Jesus para fora de Nazaré: “Não pôde fazer ali nenhum milagre, senão curar uns poucos enfermos, impondo-lhes as mãos. Admirou-se da incredulidade deles”. (Mc 6.4ss.).

As únicas outras referências a Nazaré são aquelas nas quais Jesus é citado como sendo “de Nazaré” (ex. M t21.11; 26.71; Mc 16.6; Lc 18.37; Jo 19.19; A t 3.6; 4.10; 22.8 et al.). Era costume designar a pessoa pela sua cidade de origem, parti­cularmente se tivesse um nome comum, ex. Judas Iscariotes, Saulo de Tarso, João de Damasco, ou Tomás de Kempis.

Helena, a mãe de Constantino, construiu o pri­meiro santuário em Nazaré, no 4e séc. d.C. Desde então outros edifícios religiosos têm sido erigidos e subseqüentemente destruídos. Na primeira do­minação muçulmana do Oriente Médio Nazaré sofreu muito. Ela foi retomada pelos Cruzados em 1099 e mais tarde feita sede do bispo de Bete- Seã (Citópolis). Saladino venceu os Cruzados nas proximidades de Hattin e Nazaré mudou de mãos de novo (1187). Frederico II tomou-a em 1229, mas ela foi perdida 34 anos mais tarde para o sultão mameluco Baybars. Os turcos tomaram controle dela em 1517 e em 1620 os franciscanos se tomaram guardiões dos lugares sagrados em toda a Terra Santa. Os ingleses capturaram Nazaré dos alemães e dos turcos em 1918. Trinta anos mais tarde os israelitas tomaram Nazaré sem luta, do árabe Fawzi Kawukji, e até hoje ela está sob o controle deles. Afora Jerusalém, Nazaré é que tem a maior população cristã em Israel, mais de 25.000 habitantes. Por ser tão densamente habitada, as escavações arqueológicas são impossíveis.

BIBLIO G RA FIA . G. F. M oore, “N azarene and N azareth” em The Beginnings o f Christianity, org. F. J.F. Jackson e K. Lake, I (1920), 426-435; E. Kraeling, Bible A tla s (9156), 358-361, 383s .; Encyclopaedia Britannica, IV (1968).

R. L. A l d e n

NAZARÉ, DECRETO DE. O Decreto de Nazaré, conservado no Gabinete de Médailles no Louvre, vindo originalmente da coleção do antiquário alemão Froehner, foi descoberto pelo historiador Michel Rostovtzeff em 1930, e publicado pela primeira vez por Abbé Cumont em 1932, embora pareça ter chegado à Alemanha, segundo o catálo­go Froehner, em 1878. Ele consiste de um número de linhas de grego irregular, que foram compostas em Nazaré, com toda probabilidade um pouco antes do ano 50 d.C.

O texto segue assim: “Ordenança de César. É do meu prazer que tumulos e tumbas permaneçam para sempre sem serem perturbados, para aqueles que os fizeram para o culto de seus ancestrais, ou

A Inscrição de Nazaré, também conhecida como Decreto Nazareno, uma ordem de

César, dada por volta de 50 d.C.; atualmente encontra-se no Museu Louvre, em Paris. © LM .P

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482 NAZARENO

filhos, ou membros de sua casa. Se, porém, algum homem possuir a informação de que outro os de­moliu, ou de alguma maneira retirou o morto, ou maliciosamente transferiu-os para outros lugares a fim de prejudicá-los, ou rompeu o selo ou outras pedras, contra este eu ordeno que seja instituído um julgamento, como respeito aos deuses, bem como em consideração ao culto dos mortais. Pois é muito maior obrigação enterrar os mortos. E absolutam ente proibido para qualquer pessoa perturbá-los. Em qualquer caso de contravenção, eu ordeno que o culpado receba a pena capital, sob acusação de violação de sepulturas”.

Se a data desta inscrição for um pouco antes da metade do 1- séc. e (a despeito de trinta anos de ativa controvérsia) esta data parece mais provável, o imperador que instituiu o decreto não pode ter sido outro senão Cláudio. Alguns pontos de con­firmação imediatamente aparecem. Cláudio era uma pessoa curiosa, um tipo de Tiago I romano, que ficaria muito mais feliz com seus livros do que com os negócios de estado. Historiadores antigos insistiam em chamá-lo de louco, mas quanto mais suas realizações são estudadas, mais clara fica a impressão de que era um homem de conhecimento e habilidade não desprezível. Ele fora provavel­mente vítima de alguma paralisia cerebral, cuja coordenação falha dava impressão de anormalida­de, tendo como resultado, durante a sua infância e juventude, o escárnio e a má compreensão, que prejudicaram sua personalidade. Está claro que, ansioso para executar as reformas religiosas de Augusto, ele tinha conhecimento profundo sobre a situação religiosa no mundo mediterrâneo, em que estava genuinamente interessaao.

Uma longa carta, por exemplo, sobreviveu, na qual Cláudio procura regular o vasto problema judaico de Alexandria. Essa carta foi encontrada entre os papiros de 1920, e parece conter a primeira referência secular aos missionários cristãos. Foi escrita em 41 d.C. e expressamente proibia os judeus alexandrinos “de trazer ou convidar outros judeus para virem da Síria pelo mar. Se eles não se abstivessem desta conduta”, Cláudio ameaça, “eu agirei contra eles por fomentarem uma desordem geral ao mundo” .

Observe a linguagem. E o mesmo estilo da Inscrição de Nazaré, e a linguagem de um homem que havia estudado o problema religioso dos judeus e achado irritante. Seria surpreendente se Cláudio, com estas preocupações, não fosse o primeiro romano fora da Palestina a ouvir falar dos cristãos.

Por um historiador secular romano, Suetônio, somos informados que havia algum problema em

Roma, que Cláudio tinha de resolver, “sobre um Cristo” ou “Crestos”, como um erro de grafia o co­locou. A situação pode, portanto, ser reconstruída. O primeiro pregador cristão deve ter começado em Roma, nos anos quarenta daquele século, com intensa oposição por parte dos rabinos da comunidade judaica. Cláudio, curioso acerca de religião, e interessado no problema judeu, ouviu o caso. Triunfantemente, os cristãos falaram do túmulo vazio. Os rabinos contestaram a história alegando o roubo do corpo.

Irritado com os dois partidos, Cláudio expulsou todos os judeus de Roma (At 18.2). Ele então fez inquirições na Palestina sobre a origem do culto, e ouviu novamente sobre o túmulo vazio. O governador local, a exemplo de Plínio, pediu orientações. C láudio ordenou-lhe que fizesse um decreto testando penalidades inflexíveis, em Nazaré, a cidade cujo nome aparecera em ligação com o caso. Se esta linha de raciocínio for correta, foi nas palavras de um imperador que o séc. 20 leu o primeiro comentário secular sobre a história da Páscoa, e testemunho legal do seu fato central.

B IB L IO G R A F IA . A. Momigliano, The Emperor Claudius and His Achievement. E. M. Blaiklock, The Archaeology o f the New Testament (1970).

E. M. B l a ik l o c k

NAZARENO (NaÇopi]vóç e NaÇcopcâoç, pro­vavelmente significava natural de Nazaré). Um termo exclusivo do NT, que identificava Jesus, tanto por designação própria como por outras pessoas, devido ao seu longo tempo de residência na cidade de Nazaré.

Mateus escreveu (2.23) “para que se cumprisse o que fora dito por intermédio dos profetas: Ele será chamado Nazareno”. O que se quis dizer com isso não se sabe ao certo, visto que Nazaré não se encontra mencionada no AT, e não há profecia es­pecífica que diga isto de maneira tão direta. Muitas linhas de interpretação têm sido colocadas. Tem sido sugerido que Mateus soube de uma profecia registrada no AT, que teria se perdido. Calvino disse que esta era uma referência à lei dos nazireus (Nm 6.1-21), mas parece que as palavras “nazireu” e “nazareno” derivaram-se de raízes diferentes. A maioria dos intérpretes acha que ele tinha em mente Isaías 11.1, em que o Messias foi mencio­nado como um “ramo” ou “broto” da raiz de Jessé (Heb. netser, “ramo” ou “broto”). Outros acham que Mateus quis dizer apenas que o Messias seria uma pessoa desprezada (Is 53) e não proeminente

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NAZARENOS, EVANGELHO DOS / NAZIREU, NAZI REATO 483

ou aceita. Os nazarenos eram desprezados pelos seus vizinhos no l 2 séc. (Jo 1.46). Outros têm en­tendido isto apenas como uma afirmação positiva que apontava para uma verdade negativa, a saber, que o Messias não seria chamado belemita, o lugar do qual era natural, a fim de evitar hostilidade. Ele, portanto, seria chamado de outra maneira, como de fato o foi, NazalPho.

O opróbrio ligado a Nazaré provavelmente provinha do modo pelo qual sua população se tor­nou mista, o que por sua vez resultou num dialeto grosseiro devido ao povo de origem estrangeira. Ao que parece, da história é possível concluir que este povo era dado a sedições e rebeliões, o que contribuiu para aumentar a censura centra eles.

Este nome, dado a Jesus no início como sim­ples designação de sua residência, foi ligado a ele através de todo seu ministério, e finalmente chegou a carregar implicações do desdém comu- mente associado com a localidade. Dentre o povo era dito que “Jesus de Nazaré” ia passando (Mc 10.47; Lc 24.19). Os Evangelhos registram que os espíritos imundos também o identificavam por este termo (Mc 1.24; Lc 4.34). Os anjos anunciaram a ressurreição fazendo referência a Jesus por este termo (Mc 16.6).

Foi nos últimos dias do ministério de Jesus que o termo foi aplicado a ele com desprezo e escárnio. Esse se tomou um meio utilizado pelos judeus para expressarem sua hostilidade contra Jesus e sua crescente animosidade em relação a ele. O guarda da casa do sumo sacerdote revelou esse tipo de re­jeição (Mt 26.71; Mc 14.67). O ódio dos inimigos de Jesus fez com que este termo o acompanhasse ao túmulo, e levou Pilatos a escreve-lo e a pregar na sua cruz (Jo 19.19).

O termo continuou além dos dias de Jesus na terra, como designação de seus seguidores. Uma comunidade cristã inteira foi chamada de “a seita dos Nazarenos” (At 24.5). De modo semelhante, os seguidores de Jesus continuaram, após sua ascensão, a se referirem a ele como “Jesus de Nazaré” (2.22; 3.6; 10.38).

H. L. D r u m w r ig h t Jr.

NAZAREN O S, EVANGELHO D O Si Umaforma aramaica divergente, mas não herética, do Evangelho canônico de Mateus, que circulou du­rante o 2a séc. na Síria, sendo usado por uma seita cristã judaica conhecida como os “Nazarenos”. Estudiosos modernos não o consideram como sendo o original hebraico ou aramaico de Mateus, embora muita confusão tenha resultado das alega­

ções de Jerônimo de ter traduzido este Evangelho tanto para o grego quanto para o latim. Jerônimo é a fonte principal de informação sobre ele. A confu­são surgiu porque pode-se entender que Jerônimo tinha estabelecido este como o original aramaico, do qual o texto grego canônico de Mateus foi tra­duzido. Ele também se referia ao documento sobre o qual trabalhava como “O Evangelho Segundo os Hebreus”, que é uma designação incorreta, porque aquela term inologia na verdade identifica um evangelho diferente. Jerônimo parece ter obtido este evangelho por meio de Apolinário, que o usou em seus comentários como se fosse o original de Mateus. D çjato as muitas citações de Jerônimo, do Evangelho dos Nazarenos, parecem ter vindo dos comentários de Apolinário. Estudiosos acreditam que a cópia que finalmente chegou às mãos de Jerônimo havia sido usada por Eusébio, que indi­cou em seus escritos que conhecia este Evangelho dos Nazarenos. Jerônimo também interpretou mal muitas citações que Orígenes fez do evangelho segundo os Hebreus, como se pertencessem ao evangelho dos Nazarenos.

Em comparação com o evangelho canônico de Mateus, a Esticometria de Nicéforo atribuiu 2.200 linhas ao Evangelho dos Nazarenos, cerca de 300 linhas a menos do que Mateus. Isto sugere que muito do que havia em Mateus fora deixado fora do Evangelho dos Nazarenos. Alguns estudiosos aceitam as Declarações de Oxyrhvncus como ex­tratos deste evangelho. Se isto for verdade, deve ter havido muito material que ficou fora de Mateus, pois, de dois breves fragmentos dos Dizeres, oito dos treze dizeres são diferentes de qualquer coisa dita no cânon de Mateus. Ele parece ter tido a nar­rativa do nascimento e infância de Cristo e ter sido uma tentativa de completar o relato do ministério de Jesus. Diversas variantes dos escritos atraíram interesse, como por exemplo, foi a viga do Templo que caiu na hora da crucificação e não o véu que se rasgou, a sugestão de Maria a seu filho para que ele fosse a João para ser batizado, etc. Alguns manuscritos do 5- séc., de Jerusalém, conhecidos como Manuscritos Sião preservam como leituras de margens muitas variantes deste evangelho. Também M. R. James colecionou as citações dos Patriarcas deste documento no Ápocryphal New Testament (1924), 33-36.

H. L. D r u m w r ig h t

NAZIREU, NAZIREATO (BJ) ( t h , reservado). Membro de uma classe- religiosa hebraica, espe­cialmente dedicada a Deus.

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484 NAZIREU, NAZIREATO

I. DefiniçãoA. OrigemB. Natureza votiva

1. Abstinência2. Dedicação

II. Características OriginaisA. Restrições Negativas

1. Dos mortos2. De vinho3. De cortar o cabelo

B. Propósito Positivo

III. História subseqüenteA. Nazireus excepcionaisB. O restante do ATC. Novo TestamentoD. Reconstrução crítica

I. D e f in iç ã o

A. Origem. A autorização para o nazireado aparece em Números 6.1-21 e foi divinamente revelada por meio de Moisés, um pouco antes da partida de Israel do Monte Sinai, em maio de 1445а.C. (Nm 10.11; cp. Êx 40.17).

B. Natureza votiva. O conceito de nazirea­do é o de um voto (q.v.), “voto especial, o voto de nazireu, a fim de consagrar-se para o Senhor” (Nmб.2). Se votos forem classificados como obrigações voluntárias, de dedicação ou de abstinência (J. B. Payne, T h eo lo g y o f th e O ld er T estam ent, 430), então a situação do nazireu se encaixa basicamente na última categoria.

1. A b s t i n ê n c ia . O significado original da raiz m (cognato de t h , v o to ) é provavelmente: “se abster do uso comum” (KB, 605). O substan­tivo ryzn, então designa aquele que é separado, podendo ser uma pessoa, como José, se p a ra d o , e portanto de alta posição (Gn 49.26; Dt 33.16; cp. rzn, d ia d e m a [como marca de] consagração), ou uma coisa, como uma vinha durante o ano sabático (Lv 25.5,11), “não cultivada, deixada sem podar” (KB, 604).

2. D e d ic a ç ã o . A vinha que é tratada com abstinência era também, em certo sentido, dedi­cada “ao Senhor” (Lv 25.4); de forma semelhante, embora os votos feitos pelo próprio nazireu fossem os de abstinência, os votos de uma outra pessoa, ex. de um dos pais em comprometer a pessoa à vida de nazireu, representava dedicação (cp. Jz 13.5).

A pessoa dedicada podia assim também falar de si própria como um “Nazireu de Deus” (16.17).

II. C a r a c t e r ís t ic a s o r ig in a is

O nazireu, como previsto no Pentateuco, era quem se separava por um período limitado de tempo, para uma vida como a do sumo sacerdote: “santo será ao Senhor” (Nm 6.8).

A. Restrições Alegativas. 1. D o s m o r ­to s . Ser nazireu significava evitar cerimoniais de contaminação, especialmente tocar os mortos (vv. 6,7; cp., para o sumo sacerdote, Lv21.1). Em casos de contato acidental com cadáver, havia instruções para se efetuar a purificação (Nm 6.9­12); mas a pessoa tinha de começar seu período de nazireado novamente: os dias anteriores ficavam “perdidos*£v. 12).

2. De v in h o . Era especificada também a abstinência de vinho ou outra id® bebida forte ou fermentada (KB 972). Isto não era simples­mente por causa dos problemas de embriaguez, no exercício do ministério (cp., para sacerdotes, Lv 10.9,10) porque uvas frescas, suco de uvas, vinagre e mesmo as sementes eram igualmente proibidas (Nm 6.3,4). As uvas provavelmente representavam como que um símbolo das tenta­ções da vida de Canaã; cp. voto dos recabitas q.v. (Jr 35.6,7).

3 . D e c o r ta r o c a b e lo . Cortar o cabelo era também proibido (Nm b.5) como um símbolo de força intacta; cp. TH, as “vinhas não podadas” (Lv 25.11). Quando o período especificado era cum­prido, o nazireu apresentava uma oferta queimada pelo pecado, oferta pacífica, oferta de manjares e as suas libações no santuário. Enquanto o sacerdo­te realizava o sacrifício, o nazireu tinha de cortar o cabelo da cabeça e por “sobre o fogo que está debaixo do sacrifício pacífico” (Nm 6.18). Termi­nado o procedimento, ele estava novamente livre, ex., para beber vinho (v. 20; cp. 1 Mac 3.49).

B. Propósito positivo. Da mesma maneira que os votos em geral consistiam de promessas feitas a Deus, com rreqüência sob a condição de ele dar alguma benção específica, assim o voto do nazireu, e o serviço para Deus que o voto ele acarretava, com freqüência parecia ser decorrente do recebimento de bênçãos especiais pedidas (ex., a oração de Ana pedindo um filho — 1 Sm 1.11). O sujeito do voto era responsável, primeiro, por

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NAZIREU, i'JAZIREATO 485

tomar-se disponível para o uso por Deus, e final­mente por apresentar os sacrifícios de adoração prescritos. Nazireus podiam ser mulheres (Nm t>.2) ou escravos, mas seus votos e serviço tinham então de ser santificados por seus maridos ou donos (cp. 30.6-8). O propósito de Deus em estabelecer o gru­po dos nazireus era levantar em Israel uma classe de líderes espirituais devotos, a quem ele por sua vez daria poderes especiais, encheria do Espírito Santo (Lc 1.15), e nesse aspecto semelhante à classe dos profetas (Am 2.11).

III. H is t ó r ia s u b s e q u e n t e

A. Nazireus excepcionais. Nos tempos posteriores a M oisés, à m edida que a lei dos nazireus era posta em prática, surgiram algumas exceções. Deus podia dirigir os pais para dedicar um filho como nazireu (Jz 13.5,7), ou eles pró­prios podiam fazer tal voto (ISm 1.11). O voto podia então ser permanente, por todos os dias de sua vida “será nazireu consagrado a Deus desde o ventre de sua mãe” (Jz 13.5). Os únicos casos deste tipo conhecidos são os de Sansão, Samuel e João Batista (Lc 1.15). Para cada os dois primei­ros, Deus especificou que lâmina jam ais deveria passar sobre sua cabeça. No caso de Sansão, quando ele foi traído pelos filisteus, a perda de seu cabelo representou a correspondente perda do poder dado por Deus (Jz 16.20,21). Quando este cresceu novamente e Sansão se voltou para Deus, ele experimentou uma recuperação final de suas forças (w . 22,28-30).

B. O restante do AT. Referências subse­qüentes aos nazireus são poucas. O profeta Amós (c. 760 a.C.) criticou Israel por perverter com vinho os nazireus, que Yahweh tinha levantado (Am 2.12). Jeremias lamentou os antigos {yryzn de Judá como “mais alvos do que a neve, mais branco do que o leite” (Lm 4.7), embora o termo possa indicarnobres (ASV, Th. Laetsch, Bib. Com. Jr. 397; mas cp. IB, V I.31).

C. Novo Testamento. Jesus era nazareno q.v. (Mt 2.23), mas não um nazireu, como era João Batista, com o qual ele contrastava (11.18,19). Em sua segunda viagem missionária (quando estava em Cencréia) Paulo cortou seu cabelo, pois “tinha um voto” [At 18.18), indicando o cumprimento de seu período de nazireado. Isto por sua vez explica sua ansiedade em voltar à Palestina, onde os outros rituais de cumprimento de seu voto poderiam en­tão ser realizados no Templo. Posteriormente ele

assumiu a pesada tarefa de purificação de outros quatro homens que tinham tais votos (21.23,24). Josefo mencionou um grande número de nazireus patrocinados por Herodes Agripa I (Ant. XIX. 6.1). Mais tarde a tradição hebraica estabeleceu um período mínimo para o nazireado, de trinta dias ('Mishná, Nazir).

D. Reconstrução crítica. O criticismo bíblico produz uma história dos nazireus que difere acentuadamente dos ensinos das próprias Escritu­ras, como apresentado acima. O erro fundamental das críticas negativas provém da reconstrução evolutiva do Pentateuco por Welhausen, q. v. Sua teoria classifica Números 6, com sua legislação do nazireado, como “P”, do Código Sacerdotal (ILOT, 61) e, conseqüentemente, do final da his­tória israelita (exílio e posterior) ao invés de ser do começo (assim também J. D. Douglas, NBD, 872).0 nazireado vitalício, como o de Sansão e Samuel, são tidos então como se essa fosse a norma inicial, enquanto os conceitos mosaicos de nazireu por um período limitado, do importante lugar dos sacrifícios múltiplos no cumprimento do voto, da abstinência de vinho e da contaminação ritual, ou mesmo a própria idéia dos nazireus como suieitos aos votos, são relegados à posição de acréscimos posteriores. Em vez disso, os nazireus são vistos como sagrados guerreiros “carismáticos” , apa recendo espontaneamente, sujeitos a êxtase, e algumas vezes indistinguíveis do tipo primitivo de profetas. Até o rude Absalão — repare no seu cabelo comprido (!) — pode ser considerado como um nazireu (G. B. Gray, JTS, I [1900], 206). As leis “posteriores” do Pentateuco são então consi­deradas como tendo deturpado, transformando-o em cumprimento de votos pervertido o nazireado, de de veres ritualísticos. Tal, entretanto, era marca apenas do farisaísmo do NT quando, como Josefo relatou: “E comum aqueles que foram afligidos por algum destempero ou com outras desordens, fazerem votos; e por trinta dias eles oferecem sa­crifícios, abstêm-se de vinho e de cortar o cabelo de suas cabeças” (War, II. 15. 1). Berenice, q.v. a irmã-esposa incestuosa de Herodes Agripa II (cp. At 25.13), pôde fazer esse tipo de voto (Jos., loc. cit.)í e podia ser feito meramente por causa de uma aposta (Mishná, Nazir, V. 5).

BIBLIOGRAFIA. Sobre as teorias associadas com críticas negativas: G. B. Gray, “The N azirite”, JTS,1 (1900), 201-211: W .£ ich rod i, Theology o fth e -O T (1961), 1.303-306; IDE, III. 526- 527.

J. B. P a y n e

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486 NÉA/NEBATE

NEÁ (rrnn). Cidade na fronteira de Zebulom (Js19.13). Sitio arqueológico desconhecido.

NEÁPOLIS (NeáJtoÀ.iç, Cidade Nova). Cidade na praia norte do Mar Egeu.

Pouco se sabe sobre a fundação de Neápo- lis, mas parece ter sido um a colônia de Tasos e ter servido como porto que dava acesso, aos habitantes das ilhas, ao continente. A melhor evidência localiza seu sitio arqueológico na atual cidade grega de Cavala. Filipos fica a cerca de dezesseis quilômetros para dentro do continente, numa planície separada do mar por uma cadeia de montanhas.

A cidade pertencia primeiro à Trácia, depois se tomou parte tanto da primeira como da segunda Confederação Ateniense, quando foi elogiada por sua lealdade. Finalmente ela caiu nos limites da província romana da Macedônia. Seu porto forneceu refúgio para a frota de Bmtos e Cássio, no tempo da Batalha de Filipos (42 a.C.).

Neápolis foi o primeiro ponto na Europa a ser alcançado por Paulo e seus companheiros quando chegaram a Trôade (At 16.11). Dali foi uma jor­nada fácil para Filipos. E possível que o apóstolo tenha passado pela cidade outra vez quando voltou

à Macedônia (20.1); e é quase certo que tenha embarcado em Neápolis, na sua viagem de volta a Trôade (20.6). Veja também M a c e d o n ia .

BIBLIOGRAFIA. ISBE Vol. 4 (1915), 2126. Pauly- Wissova, Real-Encyclopãdie der Classischen Altertu­mswissenschaft (1935), Vol. XVF, 2120-2112.

R. C. S t o n e

NEARIAS (m y :). 1. Descendente de Davi (lC r3.22,23).

2. Descendente de Simeão, que destruiu o último dos amalequitas no tempo de Ezequias (1 Cr 4.42).

NEBAI Jfcn). Um dos judeus que assinaram o acordo sob Esdras (Ne 10.19).

NEBAIOTE (m ’m, variante em Gn 25.13 rra:; LXX transcreve como NapocícoG, e fontes cunéi­formes posteriores trazem N a b a jâ t i lN ib a ’â ti). Nome do filho mais velho de Ismael e neto de Abraão e Agar (Gn 25.13; 28.9; 36.3). O nome é usado para seus descendentes, uma tribo semítica do deserto árabe oriental. As tribos são menciona­das nos anais de Tiglate-Pileser III (745-727 a.C.), no contexto de uma campanha contra os árabes do norte, seus aliados e os tributos registrados depois disso. Os nebaiotitas são mencionados também por Assurbanipal (668-633 a.C.) em seus anais de campanhas no Egito, Síria e Palestina. Tal como no registro bíblico, eles são mencionados no con­texto de Quedar (cp. A N E T 298-300). As últimas referências a eles são encontradas em 1 Crônicas 1.29 e Isaías 60.7. Tentativas de igualá-los aos nabateus foram amplamente rejeitadas com base em filologia.

BIBLIOGRAFIA. H. Rawlinson (V, R) pág. 1-10 (1880); P. Rost, Die Keiischrifttexte Tiglatpilesers III (1893) comm. ad loc.

W. W hite

NEBALATE (oV^). Uma cidade que dava para a planície de Sarom, fundada pelos benjamitas após o Exílio (Ne 11.34); provavelmente seja a atual Beit Nebala, poucos quilômetros a nordeste de Lida.

NEBATE (cn]). Pai de Jeroboão I (lR s 11,26ss.).

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NEBLINA/NECO 487

NEBLINA (tk , à %Vóç, ó |iíxX r|). N eblina é causada pelo vapor de água saturando o ar até este que fique pouco translúcido. N eblina ou nevoeiro não é comum na Palestina e Síria ao nível do mar, mas encontra-se quase todos os dias nos vales das montanhas, aparecendo à noite e sumindo ao sol da manhã (Sabedoria 2.4). Em Jó 36.27 é traduzida como “vapor”. “Neblina” talvez descreva a atmosfera quente, úmida do período pré-dilúvio (Gn 2.6). Mas a LXX tra­duz 7tr|YTÍ, “nascente” e Knox traduz “água da fonte” ; outras versões trazem “inundação”; pode significar também “fontes de água subterrânea”; o significado hebraico é obscuro. Em Atos 13.11, achly’s, (névoa) descreve cegueira incipiente e tem sido usada com este sentido desde o tempo de Homero. Falsos profetas são comparados a névoas por causa da confusão que trazem aos crentes imprudentes (2 Pe 2.17).

E. R u s s e l l

NEBO (133, nebô, chamar, anunciar, de onde temos o nome da deidade babilónica; como lo­calização geográfica, deriva de palavra árabe que denota elevação ou altura).

1. Nome de uma deidade babilónica na canção de escárnio de Isaías sobre a queda da Babilônia (Is 46.1). Nebo era o deus da sabedoria e escrita, e o deus de proteção dos governantes da Babilônia. Seu principal local de adoração era em Borsippa, a sudoeste da Babilônia. O culto continuou a pro­liferar até o período neobabilônico (612-538 a.C.). Originalmente parece ter sido identificado com a deidade da água. Na astronomia, era identificado com o planeta Mercúrio.

2. Cidade moabita próxima ao monte Nebo, requisitada pelos rubenitas e gaditas (Nm 32.3). Foi reconstruída pelos rubenitas (Nm 32.38; 33.47; cp. lC r 5.8). Mesa, o rei moabita, capturou-a e registrou sua vitória na Pedra Moabita; também foi mencionada em Isaías 15.2 e Jeremias 18.1,22. Eusébio identificou sua localização a c. de treze quilômetros ao sul de Hesbom.

3. Cidade em Judá, mencionada pouco depois de Betei e Ai (Ed 2.29; Ne 7.33), que foi iden­tificada como sendo Nuba, c. 24 quilômetros a sudoeste de Jerusalém.

4. Ancestral de alguns judeus que tinham se casado com mulheres estrangeiras. Esdras orde­nou-lhes que as mandassem embora (Ed 10.43).

5. Local tradicional da sepultura de Moisés. (veja M o n t e N e b o ).

F. B. H u e y J r

NEBUSAZBÃ ( p Tüin:). Oficial importante do exército da Babilônia, que estava dentre os que receberam ordens de cuidar da segurança de Jere­mias, depois que os babilônios tomaram Jerusalém (Jr 39.12; BJ “Nabuzardã”).

NEBUZARADÃ (T!K"in33 Ncibii tem descenden­tes). Oficial de Nabucodonosor encarregado de destruir Jerusalém após sua captura. Ele queimou e destruiu a cidade e o Templo, um mês após sua queda (2Rs 25.8,9), deportou os judeus para a Babilônia (2Rs 25.11; Jr 39.9; 52.15,30) e enviou os líderes rebeldes judeus para Nabucodonosor, em Ribla, para execução (2Rs 25.18-21; Jr 52.24-27). (BJ “Nabuzardá”).

NECO (nsi; IDl). “Faraó-Neco” (ARA, ARC), “faraó Neco” (NVI), “Faraó N ecao” (BJ), 2Rs 23.29,33,34,35; Jr 46.2. “N eco” (ARA, ARC, NVI), “Necao” (BJ), 2Cr 35.20,22 (ARA, NVI), 21; 36.4. O segundo rei (610-595 a.C.) da 26a dinastia do Egito — a dinastia Saite.

1. Vitórias na Ásia. Logo após suceder seu pai Psamético I, Neco iniciou sua tentativa de con­trolar a Síria-Palestina. Em 609 a.C., ele capturou Gaza e Asquelom (Jr 47.1,5; cp. Heródoto II. 159; alguns situam estas conquistas em um período posterior). Ele liderou seu exército, incluindo os mercenários gregos, rumo ao norte, com a finalidade de ajudar o rei assírio Assuruballit, que estava em disputa contra os babilônios (2Rs 23.29; 2Cr 35.20). Os babilônios, com os medos, já haviam capturado a capital da Assíria, Nínive, em 612 a.C. Neco enviou mensageiros ao rei Josias, assegurando que seu propósito era combater seus inimigos, os babilônios, e não Judá (2Cr 35.21). Josias, ao perceber que a independência de Judá estava ameaçada, tentou parar os egípcios no vale de Megido, porém foi derrotado e mortalmente ferido (2Rs 23.29; 2Cr 35.22-24). Neco continuou sua investida até tomar a Síria até Eufrates.

Quando Neco tomou ciência de que o povo de Judá havia coroado Jeoacaz, um filho de Josias que se opunha ao Egito, ele intimou Jeoacaz a comparecer em Ribla na Síria, o depôs e o levou cativo para o Egito, onde permaneceu pelo resto de seus dias (2Rs 23.30,33,34; 2Cr 36.1,3,4). Neco constituiu rei a Eliaquim, irmão de Jeoacaz, e mudou seu nome para Jeoaquim, para mostrar que este era um vassalo do Egito. Neco tributou Judá pesadamente, 100 talentos de prata (por volta

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488 NECODA

■•CarquêmiiAjudou o rei assírio contra os babilônios

fito Eufrates

itou o controle até o Eufrates

.Hamá*;

Derrota de Judá em Megido

MOVIMENTOS DE NECO

de US$ 90.600) e um talento de ouro (cerca de US $55.271) (2Rs 23.33,35; 2Cr 36.3).

2. Derrotado pelos babilônios. Em605, N abopolassar da Babilônia m andou seu filho Nabucodonosor contra a guarnição militar de Neco, em Carquemis, junto ao rio Eufrates, ao norte da Síria. Os babilônios derrotaram os egípcios em Carquemis (Jr 46.2), assim como em Hamate, e os expulsaram da Síria. A batalha de Carquemis marcou o cumprimento da profecia de Jeremias a respeito da derrota dos egípcios naquela localidade (Jr 46.3-12). Jeoaquim foi forçado a transferir a vassalagem e tributos de Neco para Na­bucodonosor (2Rs 24.1). Uma carta em aramaico, provavelmente originária de Asquelom, apela a Neco, solicitando-lhe ajuda contra os babilônios. Contudo, Neco foi incapaz de deter o avanço dos babilônios na Palestina.

Jeremias profetizara o julgamento que viria sobre o Egito e o Faraó Neco (2Rs 23.29; Jr 46.2), a quem chamou de “Espalhafatoso, porque deixou passar o tempo adequado” (Jr 46.17, ARA). Em 601, Nabucodonosor avançou contra o Egito, mas Neco, em uma batalha sangrenta, resistiu à agressão dos babilônios na fronteira egípcia. Esta batalha e o recuo do exército babilônio podem ter encorajado Jeoaquim a revoltar-se contra a Babilônia (2Rs

24.1). Neco, no entanto, não ousou aventurar-se em outras investidas militares na Ásia (2Rs 24.7).

3.Tentativas de apaziguamento. Heró- doto registra algumas tentativas de apaziguamento feitas por Neco, tais como um canal entre o Nilo e o Mar Vermelho (II. 158), que não foi finalizado, e o envio de uma armada tripulada por fenícios ao redor da África (IV. 42).

BIBLIOGRAFIA. J. Bright, “A New Letter in Ara­maic, Written to Pharaoh o f Egypt” , BA, XII (1949), 46-52: D. J. Wiseman, Chronicles o f Chaldean Kings (1956); D. N. Freedman, “The Babylonian Chronicle” , BA, XIX (1956), 50-60; J. Yoyotte, “h echao”, Diction- rtaire de la Bible, Supplement, VI (1960), cols. 363-393; A. H. Gardiner, Egypt o f the Pharaohs (1961).

J. A l e x a n d e r T h o m p s o n .

NECODA (xnp3). 1. Epônimo de uma família de Nethinim, que retomou para Jerusalém após o cativeiro na Babilônia (Ed 2.48; Ne 7.50; lEsd 5.31 KJV, ASV N o e b a ) .

2.Epônimo de uma família de exilados, que ao retomarem do exílio não puderam comprovar a descendência israelita (Ed 2.60; Ne 7.62; 1 Esd 5.37) (KJV N e c o d a n , ASV N e k o d a n ) .

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NECROMANCIA/ NEEMIAS 489

NECROMANCIA. Adivinhação pela invocação dos mortos. Veja A d iv in h a ç ã o .

NÉCTAR (nsi). Na RSV a palavra é traduzida por ‘'néctar" (Ct 4.11), ' ‘mel” (Pv 5.3), e “pingos do favo de mel” (Pv 24.13). Na ARA foi traduzida por “destilam mel”, “favos de mel” e “mel”, res­pectivamente. O néctar é o líquido mais doce das plantas, usado pelas abelhas para fazer mel.

NEDABIAS (-^T i) um dos filhos de Jeconias (1 Cr 3.18).

NEELAMITA (’n7rü- habitante de Nehelam). Um epíteto usado para referir-se a Semaías, um dos falsos profetas que se opôs a Jeremias, que o admo­estou (Jr 29.24,31,32). A RSV diz “de Nehelam” (NVI, “deN eelam ”; BJ, “de Naalam”), mas no AT não há nenhuma localidade com este nome. Pode ser que se refira a um nome de família. A KJV, mg. traduz “sonhador”, aparentemente porque a etimologia desta palavra sugere uma relação com o Heb.m^n, que significa “sonhar”.

S. B a r a b a s

NEEMIAS (rram, LXX NEEp.ia, provavelmente significa “Compaixão de Yah”).

Neemias, um patriota judeu e estadista persa, foi o homem alçado para salvar Israel da desinte­gração nacional. Ele percebeu claramente que o colapso nacional colocaria em risco a verdadeira religião. Ele era o mordomo do rei persa Arta- xerxes I (464-424 a.C.). Esta era uma posição de muita responsabilidade e influência, quem ocupasse esse cargo era considerado alto oficial da corte. Nesse período, o posto seria oferecido somente a um homem digno de toda a confiança, pois o pai de Artaxerxes havia sido assassinado e ele próprio conquistara o trono após uma revolu­ção palaciana.

Neemias era membro de uma família judia pro­eminente, visto que seu irmão era o porta-voz de uma delegação oficial a Susã (Ne 1.2) e esse irmão posteriormente tomou-se governador de Jerusalém (Ne 7.2). O fato de que seu nome, assim como o de seu pai (Hacalias, Ne 1.1; 10.1), continham o nome de Yah, pode muito bem ser uma indicação de que sua família era leal à fé judaica ortodoxa. Ele teve ciência das necessidades do seu povo no mês de quisleu (novembro-dezembro) em 444

a.C., por intermédio daqueles que foram enviados de Jerusalém a Susã, a residência de inverno do rei persa. E significativo que Neemias tenha pergun­tado primeiro pelas pessoas e depois pela cidade. A resposta obtida deixou-o muito abatido. Ele se identificou plenamente com seu povo e entregou- se ao jejum, oração e confissão. Somente quatro meses mais tarde, no mês de nisã (março-abril), quando o rei insistiu em saber a razão do seu abatimento, pôde aliviar o seu coração e pedir per­missão para ausentar-se e tornar-se governador de Jerusalém. Apermissão lhe foi concedida (Ne 2.6). Seu recurso de imediata oração, nessa circunstân­cia (Ne 2.4), demonstra a profunda devoção desse homem e dá à narrativa o toque de veracidade. A menção da presença da rainha (Ne 2.6), corrobora as suposições de historiadores seculares de que Artaxerxes não estava imune às intrigas do seu harém. A sugestão de que Neemias era um eunu­co, baseia-se somente na falha resultante de um descuido, bem compreensível, de algum copista dos manuscritos da LXX.

A decisão de Neemias revelou sua sabedoria e previdência, e suas ações foram marcadas por sua determinação e grande coragem. Seu pedido de cartas de salvo-conduto, além das cartas que lhe conferiam autoridade para obter o material necessário para o trabalho de reconstrução (Ne 2.7,8), foi, sem sombra de dúvida, resultante de seu conhecimento da situação das províncias, (sobre um caso paralelo, cp-Arsham que fez uma jornada similar para Susã, cerca de 410 a.C., S. Cowley, Elephantine Papyri, 26.) A ssim que chegou a Jerusalém fez uma inspeção noturna para certificar-se das condições reais dos muros da cidade. Só após essa inspeção revelou o propósito de sua missão e iniciou o recrutamento do pessoal que reconstruiria os muros. O povo respondeu prontamente à convocação e houve incrível ade­são à causa. Todos os segmentos da comunidade— sacerdotes, leigos, judeus de cidades e regiões remotas, e até mesmo mulheres (Ne 3.12) — se dedicaram ao trabalho de reconstrução. O relato sucinto da atividade de reconstrução, feito no capítulo 3, não fomece nenhama informação a respeito da proeza da organização que o trabalho deve ter envolvido e que sem dúvida deveu-se à habilidade de Neemias.

Quando os governadores das províncias adja­centes ficaram sabendo do propósito de Neemias, foram tomados por suspeitas e iniciaram uma política de oposição. O líder dessa oposição era, indubitavelmente, Sambalate, o governador de Samaria. (Este era Sambalate I, pois dois de seus

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490 NEEMIAS

MURO DE NEEMIAS To rre de Hananel

Torre de Meá

sucessores tinham o m esmo nome, BAXXVI [1965], pag. 109 ss. e pág. 120.) Ele teve o apoio do governador de Amom, Tobias, (no Tobiads, B. Mazar, IEJ, vol. 7J pág. 137 ss. e pág. 229 ss.) ei do governador de Dedan, Gesém (K. A. Kitchen, Ancient Orient and O T [ 1966], pág. 159 ss.). Essa oposição seguiu inequivocamente um padrão de comportamento humano bastante familiar. No primeiro ato de oposição, valeram-se da eficiente e quase invencível arma de ridicularizar (2.19). Ainda não foi inventada uma técnica para competir com a eficiência do uso habilidoso do escárnio, do ridículo e da zombaria. O grande perigo na atitude de desprezo desses homens foi a insinuação de que Neemias estava planejando alta traição. Ele enfrentou esse ataque com a declaração de que confiava na ajuda de Deus, garantindo-lhes natureza inofensiva, mas construtiva, daquele em­preendimento, além de lembrar-lhes que estavam se excedendo no uso de sua autoridade. Eles não tinham nenhuma associação com Jerusalém (Ne 2.20), nem direito a reivindicações em assuntos concernentes a essa cidade . Neemias era um ho­mem que não se abalava com zombarias tumultuo­sas. Quando o trabalho de reconstrução se iniciou, e estava em bom andamento, a oposição tomou

um rumo distinto. O meio era o mesmo — zom­baria e escárnio, porém mais intenso e motivado pela contrariedade e ira (Ne 4.1-3). A resposta de Neemias foi a oração e o perseverar no trabalho (Ne 4.4-6). Sua perspicácia pode ser observada no planejamento da obra, em que todo o muro fbi reconstruído até a metade de sua altura. (Esta parece ser a implicação óbvia de Ne 4.6,7).

Quando as ameaças verbais e o escárnio não surtiram mais efeito, os oponentes de Neemias planejaram usar a força (Ne 4.8). Mais uma vez Neemias recorreu à oração, mas ao mesmo tempo tomou medidas para fazer frente àquela ameaça. Seu lema poderia muito bem ter sido “Orar e Vigiar” (Ne 4.9). Desse momento em diante, a construção continuou em estado de guerra.

N em todos os problem as de N eem ias v i­nham de fora de Jerusalém. Os próprios judeus o confrontavam com questões que requeriam diplomacia e firmeza. Primeiro Judá ameaçou desertar, aparentemente devido ao excesso de trabalho, porém o derrotismo também teve a sua contribuição.

Uma crise interna ainda mais difícil surgiu da reclamação do povo, de que estavam sendo explorados pelos mais ricos (Ne 5.1-5). Neemias

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NEEMIAS, O LIVRO DE 491

chamou os ofensores e insistiu em uma compensa­ção imediata. Eles concordaram em abrir mão de suas hipotecas. Neemias demonstrou uma incrível compreensão da natureza humana, quando insistiu que todas as promessas deveriam ser públicas e devidamente confirmadas por juramento (Ne 5.12). Assim, ninguém poderia contradizer a sua própria conduta altruísta e irrepreensível.

Houve duas novas tentativas, por parte de Sambalate e seus amigos, de solapar o trabalho de reconstrução. A primeira foi a de atrair Neemias para fora de Jerusalém (Ne 6.2). Ele recusou , alegando a pressão do trabalho que estava exe­cutando. Eles então o acusaram abertamente de traição (Ne 6.6). É expressamente mencionado que Gesém compartilhava desse ponto de vista. Como detinha o controle das grandes rotas de comércio ao sul, ele poderia espalhar esse rumor até o pa­lácio do rei. Neemias não deixou de perceber as implicações desse movimento (Ne 6.9).

Após os muros terem sido erguidos o suficiente para fins de defesa, foram tomadas as devidas providências para a reabilitação dos judeus. O primeiro passo seria a familiarização com as bases espirituais da nacionalidade judaica, as leis de Moisés. Foram organizadas sessões prolongadas de leitura , e a autoridade das leis para suas vidas foi reconhecida. O culto no Templo foi restaurado e foram tomadas as medidas para que pudessem dar prosseguimento a essa atividade espiritual. A tarefa final de Neemias foi a restauração da pureza nacional (Ne 13.1-27). Esta era uma situação que exigia determinação inflexível. Neemias possuía uma vontade de ferro e não tolerava comprome­timentos.

Para Neemias o sucesso no mundo secular não significava derrota espiritual. A vida na sociedade real não afetou seu desejo por comunhão divina. O temor a Deus em seu coração era tão grande, que o medo de homens foi banido completamente de sua vida. Em um tempo de apostasia, o estudo do caráter de Neemias é particularmente relevante.

BIBLIOGRAFIA. J. S. Wright, The D ate o f Ezra's Coming to Jerusalem (1958); J. M. Myers, Ezra and Nehemiah (1965); H. H. Rowley, The Servant o f the L ord( 1965), pág. 137 ss.

W. J. MARTIN.

NEEMIAS, O LIVRO DE. No original hebraico da Bíblia, os livros de Esdras e Neemias formavam um único livro. Para informações gerais sobre a introdução veja E s d r a s , O L iv r o d e .

I. Panorama. Neemias era mordomo do rei Artaxerxes I, um cargo muito importante. Parece que já houvera uma interrupção brusca no trabalho de reconstrução dos muros de Jerusalém, devido a ordens expressas por esse rei (Esdras 4.21,22). Os judeus ficaram muito angustiados com esse fato. Neemias foi indicado para ser o governador e acabou por reconstruir a nação . Os novos muros da cidade criaram condições para que as pessoas procurassem essa capital para fixarem residência.

II. Problem as especiais. O único proble­ma sério é a presença de Esdras nesse livro. De acordo com o livro, Esdras veio a Jerusalém no sétimo ano do reinado de Artaxerxes I (Esdras 7.7)i.e., 458, e Neemias no vigésimo ano do reinado desse mesmo rei (Ne 2.1) i.e., 445. Estes dois homens estão relacionados com a leitura da lei de Moisés e o subseqüente juramento efetuado após essa leitura (Ne 8.1,9; 9.6; 10.1), além das procissões em cima do muro para dedicá-lo ao Senhor (Ne 12.31-36).

Essa ordem de eventos tem sido refutada ulti­mamente, e duas alternativas foram propostas para a vinda de Esdras, i.e., o sétimo ano do reinado de Artaxerxes II (398) ou, por emenda ao texto, no 372 ano de Artaxerxes I (428).

Antes de manipular uma pretensa seqüência histórica, o estudioso precisa dem onstrar que esta seqüência é impossível, ou improvável, da maneira como se apresenta. Somente depois des­sas constatações, ele pode prosseguir com suas reconstruções, como for mais plausível.

Há três passagens que são citadas para com­provar que Esdras deve ter ido para Jerusalém depois de Neemias.

1. Esdras 10.1 menciona uma grande congrega­ção em Jerusalém, enquanto na época de Neemias a população dessa cidade era escassa (Ne 7.4). O contexto mostra que a grande congregação de Esdras foi trazida de fora da cidade (Esdras 10.1-7) sem mencionar muitas casas em Jerusalém.

2. Esdras 9.9, na KJV, agradece pelo muro. Na RSV, há uma tradução metafórica — “proteção” -e a palavra “muro” aparece na margem. Esdras 4.12, datada do reinado de Artaxerxes I, mostra que um muro estava sendo construído antes da chegada de Neemias a Jerusalém, apesar deste ter sido destruído novamente (Ne 1.3).

3. Esdras 10.6 menciona Joanã (Jônatas) como sendo contemporâneo de Esdras. Ele é descrito nesse texto como o filho de Eliasibe. Eliasibe era o sumo sacerdote na época de Neemias (Ne 3.1). Até o momento não encontramos nenhum pro­

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blema de incongruência. Contudo, em Neemias 12.10,11, Jônatas aparece como o neto de Eliasibe e os papiros de Elefantina mencionam esse neto como sendo o sumo sacerdote em 408. Portanto, argumenta-se que Esdras tenha vindo para Jeru­salém muito depois de àleemias.

Há, no enianto, algumas suposições que não foram comprovadas. Joanã, do livro de Esdras, não foi descrito como sumo sacerdote, nem pode ser identificado com sendo o neto de Eliasibe. Joanã e Jônatas eram nomes comuns, e Eliasibe pode ter tido um filho que nâo era sumo sacerdote e um neto, com esse mesmo nome, que se tomou sumo sacerdote, assim como um tio e sobrinho podem ter o mesmo nome.

Um argumento contra a identificação de Joanã, do livro de Esdras, como sendo o sumo sacerdote é que este último, o sumo sacerdote, matou seu próprio irmão no Templo (Josefo, Ant. XI. vii. 1). Este incidente certamente ocorreu antes de 398 e, se Esdras já tivesse chegado nessa época, ele não arriscaria a sua reputação ao aceitar a hospitalidade acolhedora de tal homem.

4. Considera-se que caso Esdras tivesse tratado do caso dos casamentos mistos, Neemias não o teria feito novamente logo a seguir em (Ne 13). Na realidade, a reforma de Esdras data de 457 e a de Neemias de 433. Levando-se em consideração o fato de que outros abusos se insinuaram logo após a aliança solene feita em Neemias 10, não causaria nenhuma surpresa que o casamento mis­to também voltasse a ser praticado. Além disso, alguns judeus podem não ter sido descobertos na época de Esdras, por estarem em território pagão, como sugere Neemias 13.23,24. Caso estivessem em território judeu, as crianças deveriam ser bilín­gües. Neemias os repreendeu em uma das visitas que fizeram a Jerusalém.

5.Caso Esdras tivesse sido comissionado a ensinar a lei (Ed 7.14,25,26), ele certamente não teria esperado 13 anos para fazer a leitura da lei para o povo. Portanto, alguns estudiosos preferem associar Neemias 8, o relato da leitura da lei feita por Esdras, com o final do livro atual de Esdras, como I Esdras o faz, e retirá-lo do período de Ne­emias. Não se sabe quanto tempo Esdras ficou em Jerusalém quando foi para lá a primeira vez. Ele teria retomado para a Pérsia para fazer o relatório dos acontecimentos para o rei. A sua missão era averiguar a situação e indicar magistrados para fazer cumprir a lei. Depois de ter lidado com o abuso de casamentos mistos, ele pode não ter tido oportunidade, antes de retomar para a Pérsia, de reunir o povo para instruí-lo sobre toda a lei.

Não há, portanto, nenhuma necessidade de reescrever a história, assim como não há nenhum bom argumento contra o datar a ida de Esdras para Jerusalém no ano de 398. Se o cronista não escreveu o livro após o ano 300, como se supõe, ele não poderia ter confundido a ordem de chegada de Esdras e Neemias, pois haveria muitas pessoas cujos pais viram Esdras e que teriam contado histórias sobre esse homem, mas ninguém cujos pais tivessem visto Neemias.

A data alternativa de 428 vai ao encontro dos requisitos bíblicos de que esses dois homens fo­ram contemporâneos e remove as objeções 1,2 e4, acima. Desde que essas objeções não são-bem fundamentadas, não há necessidade de se fazer alterações no texto, no que se refere à data.

III. Conteúdo e esboço.Notícias de desastres em Jerusalém levam Ne­

emias, o mordomo do rei, a orar (Ne 1.1-11).O rei dá permissão para que ele vá a Jerusalém

reconstruir a cidade e seus muros, e o envia a Jerusalém como governador (Ne 2.1-11).

Ele examina o trabalho e sofre oposição dos oficiais da região. (Ne 2.12-20).

A lista dos constmtores e suas áreas de trabalho (Ne 3.1-32).

Tentativas, feitas por pagãos, de interromper o trabalho, por meio do sarcasmo e ameaças com armas (Ne 4.1-23).

Problemas advindos do fato de que os pobres hipotecaram a si próprios e suas propriedades para os ricos (Ne 5.1-9).

Neemias é acusado de ter-se declarado rei (Ne6.1-14).

O completar da obra de restauração do muro em 52 dias. Deveria haver material no local, após a tentativa fracassada de Esdras (Ed 4.12; Ne6.15-7.4).

Registro dos exilados que retomaram, seme­lhante àquele ocorrido em Esdras 2. Neemias consulta esse registro antes de planejar o repovo­amento da cidade (Ne 7.5-73).

Esdras e os levitas lêem e ensinam a lei de Moisés (Ne 8.1-18).

A oração de arrependimento, seguida do jura­mento (Ne 9.1-10.39).

O registro dos habitantes de Jerusalém e de suas vizinhanças (Ne 11.1-36).

Lista dos sacerdotes e levitas desde o período do retomo até o fim do império persa (Ne 12.1 -26).

O ritual de dedicação dos muros e a orga­nização para o culto constante e regular (Ne 12.27-13.3).

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NEFEGUE/NEFUSEU 493

As outras reformas feitas por Neemias após retomar de sua visita à Pérsia (Ne 13.4-31).

BIBLIOGRAFLA Para pesquisas primárias veja, sobre Esdras, livro de; J. Stafford Wright, The Date o f Ezra's Coming to Jerusalem (1947, 1958); H. H. Ro­wley, “The Chronological Order o f Ezra e Nehemiah”, incluído em The Servant o f the Lord (1952); "Nehemiah's M ission and its Background”, incluído em The Men o f God (1963).

J. S. W r ig h t

NEFEGUE (JD3, broto) 1. Levita filho de Isar e irmão de Cora (Èx 6.21).

2.UmdosfilhosdeDavi(2Sm5.15; lCr3.7; 14.6).

NEFILINS (□’!733). Esta palavra é encontrada na Bíblia Heb., somente nos textos de Gênesis 6.4 e Números 13.33. Foi traduzida como “gigantes”, de acordo com o texto da LXX. Revisões moder­nas da Bíblia transliteraram a palavra hebraica. A derivação etimológica da palavra, da raiz *7D3, não fornece solução satisfatória.

Há indícios no AT de que a palavra “Nefilin” implicava uma estatura física avantaj ada. Números 13.32 diz que os nefilins eram de “grande estatura” e associa sua ascendência a Anaque. Deuteronô- mio 2.21 compara outro povo pré-israelita, os refains, com os anaquins, no que diz respeito à estatura física.

A segunda indicação, tênue porém, de que nefilim implica grande estatura física, é a possibi­lidade de que palavras similares a refaim, usadas em 2 Samuel 21.16,18,20,22; 1 Crônicas 20.6,8 ( N 3 i , “ S i ) possam estar relacionadas a refaim, e conseqüentemente implicam grande estatura física de alguns gigantes filisteus.

Outros indícios podem ser encontrados em estudos de antropologia física de povos do M e­diterrâneo.

Os indícios de um porte físico e de proezas impressionantes seriam consistentes com o que se diz dos nefilins em Gênesis 6.4, apesar de haver pontos obscuros neste texto.

A idéia de que os nefilins se originaram do relacionamento entre anjos e mortais não se ajusta a outras indicações bíblicas. Os anjos não têm função sexual (Lc 20.34,35). Esta interpretação só é possível se as Escrituras forem colocadas no mesmo patamar da mitologia grega, em que o politeísmo antropomórfico toma possível a união entre deuses e homens.

Os nefilins podem ser considerados contem­porâneos dos casamentos de Gênesis 6.4, ou o produto desses casamentos.

Se os nefilins foram simplesmente contempo­râneos, e não tiverem nenhuma conexão genética com os casamentos do versículo 4, a menção deles apenas nos dá alguma informação adicional sobre as condições existentes na época em que aqueles casamentos ocorreram.

A natureza desses casamentos se tom a mais relevante, se os nefilins forem considerados como resultantes desses casamentos. A escolha está entre casamentos corretos e aqueles que são de algum modo estigmatizados. Leroy Bimey (“An Exegetical Study of Genesis 6.1-4”, ETSB, vol. XIII, Parte I, págs. 43-52) argumenta que Nefilins podem ser identificados com os “filhos de Deus” e assim conclui “que ‘as filhas dos homens’ eram as mulheres em geral, ‘os filhos de Deus’ eram dirigentes poderosos e famosos, como fica demons­trado pelo tratamento que lhes é dispensado no v.4, e o pecado cometido foi a poligamia. O versículo 4 não se refere ao produto dos casamentos poligâ- micos, mas àqueles que os perpetraram” (pág. 52).

J. O. Buswell (Systematic Theologv, I, 364, 365) conclui, “ ...não há nada de dem oníaco ou mitológico nesta passagem. Moisés está só apontando para o fato de que os homens de an­tigamente, os homens de renome, eram frutos de casamentos humanos comuns”. Em um mundo politeísta, em que uniões mitológicas de deuses e homens eram narradas, é muito significativo que Moisés tenha rejeitado as especulações mitológi­cas, fantasiosas e degradantes de sua época. Veja A n a q u e ; G ig a n t e s .

BIBLIOGRAFIA. W. J. Beecher, “Nephilim”, HDB III, 512b (1900); T. K. Cheyne, “N ephilim ”, EB, cols. 3391-3393 (1914); “Rephaim”, NDB (1962); H. F. Beck, “Nephilim ”, IDB (1962), Vol. III, pág. 536; “Giant” , N BD ; J. O. Buswell, A Systematic Theology o f the Christian Religion, 2 ed., (1968).

W. B. W a l l is

NEFTOA (mn3i). Nome de lugar, usado somente na expressão as “águas deNeftoa” (Js 15.9; 18.15). Deve ser identificada, provavelmente, com a ci­dade modema de Lifta, cerca de 4,8 quilômetros a noroeste de Jerusalém, embora outros lugares também tenham sido sugeridos..

NEFUSEU (□’□’3]). Epônimo de um a família de servos do Templo, que retom ou do exílio na

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494 NEGAR/NEGUEBE

Babilônia, talvez relacionava aos nefuseus isma- elitas (Ed2.50; lEsd 5.31), chamada de Nefussim em Neemias 7.52.

NEGAR ( o t d , que quer dizer enganar, mentir [Gn 18.15; Lv 6.3] Via, que significa reter, re­cusar [lR s 20.7; Pv 30.7] KJV; à pvéo|iai, que significa dizer não, rejeitar, repudiar [Mt 10.33; At 3.13 ]; & 7iapvéo[j.at; esta palavra composta tem o mesmo significado de á pvéonat [Lc 9.23; Jo 13.38]). A palavra “negar” é uma combinação de significados mais profundos, como pode ser visto em suas várias formas em hebraico e grego, das quais é traduzida.

Primeiro, há o conceito de negar por meio de mentira. Sara negou que tenha rido, ou seja, mentiu, em Gênesis 18.15. Em Provérbios 30.9 o escritor está preocupado com não vir a negar a Deus, por mentir soore seu conhecimento de Deus. Pedro negou o Senhor mentindo acerca de seu envolvimento com Jesus (Mt 26.70,72).

Em segundo lugar existe a idéia de negação ao reter algum a coisa de alguém . O escritor pede duas coisas em Provérbios e pede que não lhe sejam negadas/retidas antes que morra. Esta mesma idéia é vista em Gênesis 30.2 onde Jacó expressa sua raiva contra Raquel quando esta lhe cobra a concepção como se fosse culpa dele a falha de não ter filhos. A atitude de negar-se a si mesmo (Mt 16.24; Mc 8.34) se enquadraria nesta categoria também. N a retenção ou negação do interesse próprio e ambição pessoal é que se dá reconhecimento a Jesus Cristo.

Terceiro, há a negação pela rejeição ou repúdio de alguém ou alguma coisa. Muitos judeus de Je­rusalém rejeitaram Jesus como Messias (At 3.13). Josué estabeleceu um monumento como memória para que o povo não repudiasse ou rejeitasse a Deus, que os havia guiado até a Terra Prometida (Js 24.26). Jó estava preocupado em não colocar sua confiança ou segurança no ouro, a fim de não rejeitar a Deus (Jó 31.28).

G . G ia c u m a k is J r .

NEGINOTE. Veja M ú s i c a , I n s t r u m e n t o s M u s i ­

c a i s ; S a l m o s , L i v r o d e .

NEGÓCIOS. Veja O c u p a ç õ e s , N e g ó c i o s e P r o ­

f i s s õ e s ; I n t e r c â m b i o d e M e r c a d o r i a s , C o m é r c io

e N e g ó c i o s .

NEGUEBE (na, parece que o significado desta palavra é terra seca, mas quando usada na Bíblia, denota “sul”) (e.g. Gn 12.9;24.62;Nm 13.17 etc.).

1. Descrição. E uma das regiões da Pales­tina, ao sul da Judéia, onde chove pouco e com poucos cursos subterrâneos de água. A fronteira natural do Neguebe ao Norte é a planície de Ber- seba, mas na Bíblia parte das montanhas ao sul do Hebrom também é incluída nessa região. A oeste o limite é marcado pelas dunas costeiras, e a leste por Arabá. Essa região se estende em direção ao deserto de Parã, ao deserto de Zim e ao deserto de Sur. A delimitação da região ao sul é o rio do Egi­to. A maior parte dessa região é acidentada, com cadeias de montanhas que se estendem do sudeste ao noroeste. E irrigada por rios que correm em desfiladeiros estreitos na região leste, e na oeste, por rios largos e rasos. Por este motivo, nenhuma rota de comércio importante podia atravessar, na direção norte-sul, a região do Neguebe.

2. Estradas e auto-estradas. Guerras e contatos comerciais entre a Palestina e o Egito eram realizados por meio da via man's. As pessoas do norte e nordeste da Palestina utilizavam o ‘Ca­minho Real’, que se estende ao longo do planalto da Transjordânia. Somente as rotas que vinham do Hebrom, ou do sul da Judéia, é que conduziam à região montanhosa do Neguebe. Era uma região isolada, que marcava o limite geográfico ao sul da região da Judéia. Nenhum exército, especialmente os compostos de carruagens, poderia alcançar Hebrom ou Jerusalém por essa região. Há duas estradas importantes mencionadas na Bíblia: a) a estrada que ligava Cades-Baméia à região ao sul de Arabá. Este era, provavelmente, o caminho dos amorreus na região montanhosa (Dt 1.19); b) a estrada que desce de Arade para a parte sul das montanhas de Sodoma. Este é o caminho de Edom (2Rs 3.20). Nâo há registro, mas é bem provável que existisse uma terceira estrada, que ligava Gaza, Gerar, Berseba, Horma e Arade.

3. Econom ia. No período bíblico, a im­portância econômica do Neguebe era limitada. A criação de ovelhas e bodes, especialmente na região norte e central do Neguebe, era um dos itens mais importantes da economia daquela região (ISm 25.2ss; lC r 4.38-41; 2Cr 26.10). Parece que a criação de jumentos e camelos, para o uso em caravanas, também era uma atividade dessa região. O fato de maior importância foi a abertura da rota de comércio, no período do reino, para o sul da

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NEGUEBE 495

Arábia, o leste da África e o oceano Índico. A visita da rainha de Sabá e o subseqüente envio da frota de Társis (lR s 10.22ss.), trouxeram prata, ouro, pedras preciosas e especiarias. \ Judéia manteve o controle dessa rota durante o reinado de Josafá e Uzias (Azarias; (lR s 22.29; 2Rs 14.22). Foram encontradas evidências do comércio com o sul da Arábia, nas escavações de Tell Huleifeh. Havia minas de cobre nas montanhas a noroeste do golfo de Elate. A exploração dessas minas foi atribuída ao rei Salomão, porém há evidências de que essa atividade já existia há c. de dois séculos antes de seu reinado. A extração de betume do Mar Morto data do período clássico, apesar de haver evidên­cias da utilização desse material na Palestina, no período bíblico.

4. População. Os primeiros povoadores do Neguebe se fixaram na parte central e norte dessa região no período pré-histórico. Contudo, a fixação permanente não ocorreu antes do período calcolítico. Naquele período, as povoações eram construídas ao longo do vale, onde havia grandes rios temporários, especialmente na região de Ber- seba. Não há quase nenhum vestígio arqueológico referente aos primórdios da Idade do Bronze, mas, no meio da Antiga Idade do Bronze houve um grande aumento de povoados na parte central do Neguebe, nas regiões montanhosas. Não foi encon­trado nenhum povoado datado de outros períodos da Idade do Bronze; todavia, a região do Neguebe foi mencionada na lista de Tutmés III.

Foi no meio da Idade do Bronze que Abraão viveu em Gerar e habitou entre Cades e Sur (Gn 12.9; 13.1-3; 20.1), assim como fizeram Isaque (Gn 24.62; 26.15) e Jacó (Gn 37.1; 46.5). Após a conquista, o Neguebe tomou-se parte da Judéia. Primeiro foi cedido aos simeonitas, para posterior­mente unir-se à Judéia (Js 19.1-9; lC r 4.28-33). No início do período do reino unido, esta região ficou conhecida como Neguebe da Judéia (ISm 27.10; 2Sm 24.7).

Há evidências arqueológicas que apontam para uma expansão israelita, no início do reino, na re­gião central do Neguebe. Fortes foram construídos ao longo das rotas comerciais. Vestígios dessas construções foram encontrados ao longo da estrada que se estendia de Arade e Horma até Cades-Bar- néia. Na primeira metade do séc. 10 a.C., surgiram alguns povoados próximos de alguns desses fortes. A expansão do comércio israelita na direção do golfo de Elate e a fortificação de uma parte de Eziom-Geber (2Rs 9.26) são atribuídas a esse pe­ríodo. Esse porto era o ponto chave para o comér­

cio com a Arábia do Sul (1 Rs 10.11,22). No quinto ano do reinado de Roboão (924 a.C.), Sisaque fez sua campanha contra a Judéia (lR s 14.25-28; 2Cr12.1-12). Na longa lista de nomes topográficos, no templo de Amon em Camaque, 85 pertencem ao norte. Parece que Sisaque penetrou naquele território até Eziom -Geber. A destruição dos fortes e pequenos povoados é atribuída a Sisaque.

O Neguebe retomou para as mãos dos israelitas nos dias de Josafá (lR s 22.49,50; 2Cr 20.35-37), um fato bem comprovado por achados arqueológi­cos. No norte do Neguebe, a leste de Berseba, no­vos fortes e povoados foram construídos no 9“ e 81-’ sécs.; algumas dessas construções possivelmente foram feitas por Josafá (2Cr 17.12). A divisão ad­ministrativa da Judéia, como enumerada em Josué 15, é atualmente atribuída a Josafá. De acordo com essa listagem, 30 cidades pertenciam ao distrito do Neguebe, porém todas elas ficavam ao norte da linha formada por Berseba, Horma e Arade, com exceção da cidade de Aroer. O distrito do N e­guebe ocupa uma área de 576 metros quadrados, do mesmo tamanho dos seis distritos da Judéia, que estão localizados na sua parte montanhosa.

Essa situação continuou a mesma nos dias de Uzias, filho de Amazias, que conquistou Edom e construiu parte do porto de Elate (2Rs 14.22; 2Cr26.2). A essa expansão seguiu-se a construção de novos fortes e povoados ao longo das importantes rotas de comércio. O enorme forte em Tell Qudei- rat, identificado com Cades-Baméia, é atribuído a esse período. Durante as campanhas dos assírios nos dias de Acaz, a região do Neguebe foi gradual­mente perdida para outros povos. Eziom-Geber foi conquistada pelos edomitas (2Rs 16.6; 2Cr 20.17) e nunca mais foi conquistada pela Judéia.

Parece que não houve fixação permanente de povoados durante os séculos subseqüentes. Os primeiros vestígios de que a atividade humana havia sido retomada naquela região datam do início do 3S séc. a.C. Foram encontrados potes de cerâmica e moedas de Nessana, Obote e Elusa na região central do Neguebe. Esses achados são atribuídos aos nabateanos, um povo descendente dos árabes, que constituíam um povo que, no século seguinte, vivia em caravanas nas antigas terras de Edom e no Neguebe. No final do l e séc. a.C. e início do 1E séc. d.C., os pontos de parada das caravanas e alguns dos novos povoados cres­ceram e tomaram-se pequenas cidades. A terceira fase dos povoados nabateanos data do final do l 2 séc. e da primeira metade do 2“ séc. d.C. O início da agricultura dos nabateanos deve ser atribuído a esse período. Na metade do 2- séc ., as cidades e

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496 NEIEL / NEÓFITO

Terreno montanhoso, típico da região noroeste do Neguebe. © Near East Institute o f A rchaeology

povoados nabateanos foram abandonados, porém outros povoadores retomaram e repovoaram esses locais, no final do período romano.

BIBLIOGRAFIA. F. M. Abel, Géographie de la Palestine, I-II (1933-1938); M. Avi-Yonah, The Holy Landfi'om the Persian to the Arab Conquests (536 B.C. to A.D. 648). A Historical Geography (1966); A. N^gev, Cities o f the D esert (1966); Y. Aharoni, The Land o f the BiMe (1967).

A. N e g e v

NEIEL. Uma cidade fronteiriça em Aser, que fica próxima de Zebulom (Js 19.27). Pode ser a

moderna Khirbet Ya’nin, na borda leste da planície de Aco.

NEMUEL. 1. Filho de Simeão; chefe dos nemue- litas (Nm 26.12; lC r 4.24); é chamado de Jemuel em Gênesis 46.10 e Êxodo 6.15.

2. Rubenita (Nm 26.9). Era irmão de Datã e Abirão.

NEÓFITO (vEÓifnrcoç, plantado re^ntemente}.- Esta palavra aparece somente em 1 Timóteo 3.6 e significa alguém que foi introduzido recente­mente na fé — alguém que se tomou cristão há

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NEQUEBE/ NERO 497

pouco tempo. N a sua instrução para Timóteo, Paulo escreve que, se qualquer homem aspira ao episcopado, não deve ser um recém-convertido ao Cristianismo “para não suceder que se ensoberbeça e incorra na condenação do diabo”.

S. B a r a b a s

NEQUEBE (3Mn, túnel). Refere-se a uma cidade (de acordo com aKJV) ou, o que é mais provável, a parte de uma localidade chamada Adami-Nequebe (Js 19.33).

NER ("D ; LXX Nf|p). Benjamita, filho de Abiel (IS m 14.51), era capitão das forças de Saul (ISm 26.5).

N er é m encionado em 1 Samuel 14.50,51; 26.5,14; 2 Samuel 2.8,12; 3.23,25,28,37; 1 Reis 2.5,32; 1 Crônicas 26.28 na frase “Abner, filho de Ner”. Em 1 Crônicas 8.33; 9.36,39 outro Ner, provavelmente um ancestral mais remoto de Saul, é mencionado.

O primeiro livro de Crônicas 8.33 indica que N er é um ancestral de Saul e Quis. Todavia, 1 Samuel 9.1 menciona Quis como sendo o filho de Abiel. Um possível ajuste para essa incongruência seria admitir que houve uma lacuna nessa gene­alogia de 1 Samuel 9.1 e considerar Quis como filho de Ner e neto de Abiel. Abner, filho de Quis, é, portanto, o irmão de Quis e tio de Saul. Esta suposição, no entanto, entra em contradição com1 Samuel 14.50, que diz que Ner é tio de Saul. Um ajuste alternativo seria colocar o Ner mencionado em 1 Crônicas 8.33 mais atrás na linha de descen­dência ( lC r 9.36,39) e assumir que as gerações que sobrevieram (ISm 9.1) são passadas por alto em 1 Crônicas 9.39. Abiel, portanto, seria pai de Quis eN er, tio de Saul (1 Sm 14.50). Abner, filho de Ner, é primo de Saul.

Cheyne (EB, col. 20) propõe que se siga a su­gestão de Josefo (Antiq. VI. vi. 6) e que se traduza “filhos de”, em vez de “filho de”, em 1 Samuel 14.51. Josefo diz: “Para o comandante do seu [de Saul] exército ele tinha Abner, o filho de seu tio; esse tio chamava-se Ner, e N er e Quis, o pai de Saul, eram irmãos e filhos de Abiel” .

Cheyne também sugere uma emenda correspon­dente para o texto de 1 Crônicas 8.33 = 9.39: “E Ner gerou a Abner, e Quis gerou a Saul” (loc. cit.).

BIBLIOGRAFIA. T. K. Cheyne, “Abner”, EB, cols. 20,21 (1914); T. K. Cheyne, “Ner”, EB, col. 3394(1914); Loeb Classical Library, Josephus, Vol. V (1934); E. R.

Dalglish, “Ner” IDB (1962), Vol. III, 536, 537; M. A. McLeod, “Abner”, 4, NBD (1962).

W. B. W a l l is

NERGAL Cà-n). Elemento que se refere à divin­dade (Theophoric), encontrado no nome pessoal de Nergal-Sarezer (Jr 39.3,13). Ele era o deus da pestilência, da doença e de várias calamidades, que poderiam ser aplacadas por meio de encan­tamentos. Ele era adorado com seu companheiro Ereshkigal no centro de culto de Cuta, a noroeste da Babilônia. Em vários outros locais (Larsa, Isin, Assur) havia templos que eram dedicados a esse deus. Nergal era adorado pelos homens oriundos de Cuta, após terem sido estabelecidos em Samaria pelos assírios (2Rs 17.30).

L. L. W a l k e r

NERGAL-SAREZER (ixícib? 311 proteja o rei'). Nome de um oficial superior que estava com o exército babilônio em Jerusalém em 587 a.C. (Jr39.3,13). Quando uma brecha foi aberta nas defe­sas da cidade, ele, com outros príncipes, ocupou a Porta do Meio (Jr 39.3). Acompanhado de outros oficiais, ele mandou que retirassem Jeremias da prisão e o entregassem a Gedalias (Jr 39.14).

Algumas vezes ele é identificado como Ne- riglissar que, de acordo com Berosus, era genro de Nabucodonosor. N eriglissar (559-556) era filho de um cidadão comum e sua campanha na Cilicia é descrita em um fragmento da Crônica da Babilônia.

L. L. W a l k e r

NERI (Nripí). Um ancestral de Jesus (Lc 3.27).

NERIAS (n ’■)], Jeová é luz). Um homem de Judá, cujos filhos, Baruque e Seraías, serviram o profeta Jeremias (Jr 32.12,16; 36.4,8 etc.; Baruque 1.1 KJV, ASV N e r i a s ; RSV N e r a i a h ) .

NERO (Népcov). Nero Cláudio César foi o quinto imperador de Roma, de 54 a 68 d.C. Ele era filho do primeiro casamento de Julia Agrippina com Cnaeus Domitius Ahenobarbus, que era cônsul em 32 d.C. Agrippina era filha de Germânico. Nero nasceu em 37 d.C.

No seu terceiro casamento, em 49 d.C., Agri­ppina tomou-se esposa de seu tio, o imperador

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498 NERO

Cláudio. Tinha 34 anos e ele 59, quando se casa­ram. Essa diferença de idade teve influência nos planos inescrupulosos de Agrippina, pois Cláudio, um homem inteligente e capaz, era incauto, tanto em relação às mulheres como quanto aos homens livres e ambiciosos que o rodeavam. Sofreu, desde a infância, de alguma forma de paralisia cerebral, um fato que justifica muitas das suas característi­cas pessoais, algumas bem estranhas, que foram enumeradas com prazer por autoridades da antigui­dade. Para observadores seus contemporâneos, sua expectativa de vida não parecia ser muito longa, daí a presteza de Agrippina para a conspiração.

Com a ajuda de um homem livre chamado Palias, o tutor de seu filho filósofo Sêneca, e de Burrus o poderoso comandante da guarda preto- riana, Agrippina promoveu o seu filho Nero na vida palaciana do imperador. Cláudio teve um filho com sua esposa Messalina, que caíra no seu desagrado. O nome desse filho era Britannicus, quatro anos mais moço do que Nero. A primeira atitude de Agrippina foi declarar Nero, apesar de sua pouca idade, o guardião de Britannicus. Quando Cláudio morreu, em 54 d.C., provavel­mente envenenado, Agrippina, com os mesmos aliados, conseguiu com que o jovem N ero o sucedesse. No seu discurso inaugural, sem som­bra de dúvida escrito por Sêneca, ele prometeu governar de acordo com os princípios de Augusto, que encobrira a autocracia sob o manto do regi­me republicano e constitucional. Nos primeiros cinco anos do seu principado, Nero satisfez-se em deixar que Sêneca e Burrus, homens capazes, administrassem o império. Os cinco anos de Nero— o “quinquennium Neronis” — tomaram-se uma legenda, em todas as províncias, da boa ordem e de uma administração saudável. Na própria capital, e este foi o tema da história de Tacitus, centrada em Roma, cuja narrativa é uma descrição vívida da época, havia no entanto um fermentar diabólico de assassinatos e intrigas. Agrippina, que pensou estar agindo como co-regente junto ao seu jovem filho, foi rapidamente desiludida. Marcus Salvius Otho, que viria a ser imperador por um breve período, em 69 d.C. (“o ano dos quatro impera­dores”), encorajou Nero a se libertar do domínio despótico de sua mãe. Agrippina retorquiu colo­cando Britannicus em evidência. O desventurado príncipe foi prontamente envenenado (55 d.C.) e Agrippina retirou-se de cena. Poppaea, a esposa de Otho, com olhos postos em Nero, tramou, com sucesso, a eliminação tanto de Octavia, a esposa de Nero, quanto de Agrippina. A mãe de Nero foi assassinada em 59 d.C.

O Imperador Nero. © H. P

Nesse ínterim, havia homens capazes nas pro­víncias, certamente indicados por Sêneca e Burrus, tais como Galba na Espanha e Vespasiano na Síria. Ambos foram destinados a ocupar a posição impe­rial, na época dos quatros imperadores. Vespasiano sobreviveu e fundou a dinastia Flaviana. Na Breta­nha, Suetonius Paulinus suprimiu violenta revolta, e Corbulo fez um excelente trabalho de defesa na fronteira instável de Parthian, o longo e insolúvel problema da defesa de Roma.

Nero, nesse meio tempo, estava recobrando seu equilíbrio. A sua mãe dominadora estava morta. Burrus, o eficiente prefeito da guarda, morreu em 62 d.C., aparentemente, de morte natural. Sêneca, há muito tempo desanimado pelo papel comprometedor para o qual havia sido convocado, retirou-se quando seu único companheiro perma­nente foi assim removido. Octavia divorciou-se e foi prontamente assassinada. Poppae casou-se com Nero, deu-lhe uma filha em 63 d.C., que teve vida breve. Nero, que se considerava um artista, e realmente pode ter tido algum talento, dedicava seu tempo para a poesia, canto, apresentou-se até em palcos públicos, e o esporte. Ele procurava substituir os jogos de gladiadores pela corrida e competições atléticas gregas, um projeto em que não teve sucesso.

Estando mortos ou depostos aqueles que de algum modo o tinham refreado, o que havia de pior

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NERO 499

no jovem imperador emergiu. Ofonious Tigellinus, o novo prefeito da guarda pretoriana, exerceu uma influência maléfica sobre Nero, que já possuía o seu próprio quinhão de vaidade, crueldade e amor ao poder. Nenhum dos seus predecessores, ele dizia, percebeu o que poderia fazer (Suetonius, Nero, 37). Como Cláudio, começou a rodear-se de hom ens livres, gananciosos e arrogantes. Houve uma depreciação deliberada, e séria, da moeda após as guerras dispendiosas da Bretanha e Armênia. A tão odiada lei de traição (.maiestas) foi reativada e utilizada para dizimar escalões do senado e aristocracia.

Em julho de 64 d.C. houve um incêndio em um bairro pobre, próximo à Porta de Capena, que aca­bou por destruir metade de Roma. Esta foi a prova da medida do crescente desespero e impopularidade de Nero. Ele achou necessário descobrir bodes ex­piatórios, pois circulava um rumor muito perigoso, de que o próprio Nero havia incendiado a capital, devido ao seu espírito de vandalismo desenfreado, só para abrir espaço para seus planos megalomaní­acos de construção. Ele aproveitou a oportunidade fornecida pela destruição, para começar o plane­jam ento e construção da sua tão afamada Casa Dourada. Os bodes expiatórios, no entanto, foram os cristãos, que se apartaram daquela sociedade cuja estrutura estava intimamente ligada ao paganismo. Esse afastamento acarretara a animosidade da turba romana. Foi quando vigorosa perseguição à igreja cristã se iniciou. Não se sabe se a condenação dos cristãos, simplesmente por se declarem discípu­los de Cristo, era uma lei escrita daquela época, ou se foi escrita em algum momento dos cinco anos restantes do governo de Nero, mas pode-se afirmar que foi durante o principado de Nero que a extinção da igreja se tom ou medida política oficial. Esse estado de coisas permaneceu, sendo esporadicamente reavivado, por quase três séculos.

Roma entendeu corretam ente o presságio. Grandes e pequenos eram ameaçados por tal pes­soa em posição imperial. Uma grande conspiração foi tramada por Caius Calpumius Piso em 65 d.C. Foi um golpe mal planejado, que acabou sendo denunciado e suprimido. Sêneca e Lucanus, o poeta, estavam entre aqueles do alto escalão do governo, que morreram quando Nero utilizou medidas apavorantes para eliminar a dissidência e oposição. Nero, agora paranóico por suas sus­peitas, atacou novamente em 66 d.C., após a morte de Poppea, resultado da crueldade dele. Nessa segunda onda de ataques, homens do calibre de Caius Petronius, Paetus Thrasea, o estóico, e Barea Soranus pereceram.

Foi em 66 d.C. que a violenta revolta judaica estourou. Ao mandar Mucianus para a Síria, como governador, Nero liberou Vespasiano daquela função e o enviou para suprim ir essa grande rebelião. Qualquer prestígio que Nero pudesse ter alcançado no tempo em que a Armênia foi estabelecida como reino, um reino que apaiava os choques na fronteira nordeste, foi anulado pela terrível ameaça na Palestina. Nero demonstrou sua irresponsabilidade crescente, ao partir para uma viagem prolongada pela Grécia, deixando Roma sob o controle de Helius, um liberto por Nero,em 67 d.C. Sua bufonaria alcançou novas alturas, quando competiu, claro que vitoriosamente, nos jogos gregos. Simultaneamente, Nero ordenou que o seu general da região leste, Corbulo, homem muito eficiente e capaz, assim como dois outros governadores da Germânia, que eram muito po­pulares, cometessem suicídio.

Esse desatino foi decisivo. Na primavera de 68d.C., um dos governadores da Gália, Caius Julius Vindex, insurgiu-se contra Nero, ao mesmo tempo em que Servius Sulpicius Galba, na Espanha, e Clodius Macer, na África também se rebelavam contra o tirano. A revolta de Vindex foi debelada por Verginius Rufus, o governador da Germânia. Contudo, a guarda pretoriana de Roma apoiou Galba e Nero suicidou-se em 9 de junho de 68 d.C. O significado de suas últimas palavras — “Qualis artifex pereo” (Que artista morre em m im!) — tem sido motivo de muita especulação.

Não há a menor dúvida de que Nero era um homem perverso e instável. Há mais de 40 anos, Arthur Weigall, mais conhecido como egiptó- logo do que historiador clássico, escreveu uma defesa popular desse imperador (Nero, Emperor o f Rome [1930]), mas de acordo com a opinião dos especialistas, e aqui há um certo consenso, Nero foi considerado um vilão. Tinha ancestrais corruptos, especialmente do lado patemo, uma mãe má, Agrippina, e viveu experiências de per­versidade e repressão na sua infância e juventude. Foi envolvido pela tentação do poder absoluto, em um ambiente em que vivia cercado por homem livres, que eram bajuladores e astutos. Todos esses elementos seriam um desafio para a força e integridade ate mesmo de pessoa estável e de bom caráter. Além da sua perversidade, havia um elemento de instabilidade mental na constituição de Nero. A sua devoção às artes era real, mas, acompanhada da tendência ao exibicionismo e autoglorificação, como a que ele demonstrava, não era normal. O ciúme doentio em relação a qualquer pessoa eminente, quer seja quanto à posição, quer

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500 NETAIM / NETINEUS

por competência na guerra, na paz, na literatura, ou em outro campo de atividade humana, em queo valor de uma pessoa fosse ressaltado, tudo era passível de perseguição, repressão ou morte. Roma ficou chocada pela auto-exposição, nada digna, do jovem imperador ante os gregos. E quando observamos que soldados, nobres, proletariado, filósofos, artistas e outros segmentos da sociedade uniram-se contra Nero, não resta a menor dúvida de que era universalmente detestado. O curioso mito de que Nero retom aria, no qual Weigall baseia o seu veredicto de uma popularidade lamen­tável, foi uma invenção grega. O veredicto oficial, citado por Tacitus (Ann. 15.67) é conclusivo: “Eu comecei a odiá-lo, quando, após matar a sua mãe e esposa, você se tomou um jóquei, um charlatão e um incendiário”.

BIBLIOGRAFIA. Fontes antigas, que estão dispo­níveis em muitas traduções de qualidade, são: Tacitus, Armais (livros 13 a 16); Suetonius, “Nero” , em seuLives o f the Caesars; e Dio Cassius (livros 6 1 a 63).

O livro que melhor retrata esse período, nos tempos atuais, foi escrito por B. W. Henderson, The Life and Principate o f the Emperor Nero (1903).

E. M. B l a ik l o c k

NETAIM (□’Btu,plantações). Um lugar, provavel­mente na região da baixada de Judá, onde alguns oleiros reais moravam (lC r 4.23).

NETANIAS (n ’]D] presente de Jeová). 1. Pai de Ismael, assassino de Gedalias, que fora declarado governador por Nabucodonosor (KJV). Ele é mencionado em 2 Reis 25.23,25, e em uma série de vv. em Jeremias 40 e 41, como sendo o pai de Ismael. Jeremias 41.1 adiciona algumas informações: “ ...Ismael, filho de Netanias, filho de Elisama, de família real, e dez homens, capi­tães do rei, com ele, a Gedalias...” Os ciúmes da realeza exilada, em relação àquele que foi leal a Jeremias, parece fornecer o motivo para o crime, assim como sua subserviência ao tão odiado conquistador.

2.Um dos cantores chefes nos dias de Davi (lC r 25.2,12).

3.Um levita, a quem Josafá enviou para ensinar nas cidades de Judá (2Cr 17.8).

4.Pai de Jeudi, a quem os príncipes de Judá enviaram para Baruque, o amanuense de Jeremias (Jr 36.14).

W . B. W a l l is

NETINEUS (üTn3, aqueles que foram entregues). A ARA traduz “servos do templo”. São mencio­nados em 1 Crônicas 9.2 (cp. Ne 11.3); Esdras 2.43,58,70; 7.7,24; 8.17,20; Neemias 3.26,31; 7.46,60,73; 10.28; 11.3,21.

A LXX normalmente translitera a palavra; em1 Crônicas 9.2 é traduzida como i£ Se5op.évoi. Josefo (Antiq. XI, 5, 1) os chama de ispóSon^ot, “escravos do templo”.

Esdras 8.20 nos fornece um indício mais preciso a respeito da origem desses servidores do templo. O fato de que Davi deve tê-los designado para ajudar os levitas está de acordo com o relato da organização dos serviços dos levitas ( lC r 23 e 24), na preparação do templo. A palavra hebraica para referir-se aos servos do templo significa “aqueles que foram dados”. Os levitas, dentre o povo de Israel, foram dados, na sua totalidade, ao Senhor (Nm 8.16), e, também, foram dados a Arão e seus filhos, como presentes (Nm 8.19). A palavra traduzida por “presente” é o particípio passivo do verbo, e significa “aqueles que foram dados”, cuja forma e significado é semelhante à palavra usada para designar os servos do templo. Davi parece que seguiu esse padrão, ao designar outro grupo para auxiliar os levitas. Primeiro Crô­nicas 9.2 expressa uma seqüência: “os israelitas, os sacerdotes, os levitas e os servos do templo”. Neemias 11.3 fornece a mesma seqüência: “Israel, os sacerdotes, os levitas, os servidores do templo e os filhos dos servos de Salomão”. A escolha de um grupo hereditário, os descendentes dos servos de Salomão, sugere um paralelismo natural com aquele grupo que se originou em Davi.

Pressupõe-se que os servidores do templo não fossem levitas. Oehler (Old Testament Theology, pág. 376) supõe, seguindo a idéia proposta por Aben Ezra, que os gibeonitas foram, originaria­mente, os servidores do templo (Js 9.27).

Após a depleção dos gibeonitas por Saul (2Sm 21.1), foram dados por Davi servos dos templos adicionais para serviço especial. Talvez fossem escravos conquistados nas guerras.

O fato de que os servidores do templo não são mencionados no, assim chamado, documento P, é uma evidência de peso na refutação da teoria de que esse documento pertence ao período pós-exí- lio. Como o documento P deixaria de mencionar os servidores do templo? “E impossível explicar como um grupo sacerdotal e profissional, que manufaturou uma lei espúria de Moisés, com a finalidade de justificar e impor a sua reivindicaçã de que possuía uma autoridade especial, poderia ter-se esquecido de mencionar as sanções mo­

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NETOFA (NETOFAR) / NEUM 501

saicas para cada um desses itens. Com relação a esse assunto, não se pode explicar como J e E e D poderiam ter deixado de mencionar os itens (1), (3) [os netineus], e (4), se foram escritos em um período posterior ao do remado de Salomão (970-931 a.C.), quando, sob o seu comando, os cantores do templo, os servidores do templo e os instrumentos de música estavam intimamente comprometidos com os cultos no Templo. É, portanto, difícil considerar esse surpreendente si­lêncio, a respeito de assuntos de especial interesse sacerdotal, exceto considerando que o documento P foi realmente composto anterior ao de período em Salomão” (Archer, A Survey o f O. T. Introduc­tion, págs. 152, 153).

Os netineus são mencionados nos livros de Esdras e Neemias, quase que na sua totalidade. Esdras 2.43ss. enumera os chefes das famílias dos netineus que retomaram com Zorobabel: Os netineus e os filhos dos servos de Salomão totaliza­vam 392. Os netineus habitavam em suas próprias cidades (Ed 2.70). Sob o comando de Esdras um contingente de servidores do Templo retomou (Ed7.7) e foi isento de impostos (Ed 7.24). Esdras 8 faz um relato da reunião do povo, quando se preparavam para retomar. Foram incluídos 220 netineus (Ed 8.20).

Os netineus são mencionados na organização para a reconstrução dos muros, feita por Neemias. Eles, que habitavam em Ofel, foram responsáveis pela reconstrução de uma parte do muro (Ne3.26). O trabalho de reparo efetuado por Malquias chegou até a casa dos netineus (Ne 3.31). Batten (ICC, Ezra-Nehemiah, pág. 87ss.), acredita que o versículo 31 deve ter sido escrito antes do livro de Crônicas e, portanto, atesta a existência de netineus em um período anterior àquela época. Eles não podem ser dispensados, como se fizes­sem parte de uma reconstrução não histórica feita pelo cronista.

Os netineus (Ne 10.28) estão incluídos entre os que fizeram juramento de devotarem suas vidas a Deus. Eles também foram mencionados no relato de Neemias, que fala de sua tentativa de povoar Jerusalém com judeus puros, de acordo com a lista daqueles que retomaram da Babilônia (Ne11.3,21).

BIBLIOGRAFIA. G. F. Oehler, Theology o f the Old Testament (1884); J. Taylor, ‘'N ethinim ” HDB III (1900), 519, 520; L. W. Batten, ICC, The Books o f Ezra and Nehemiah (1913), pág. 87ss.; I, Benzinger, “Nethinim”, IB (1914), cols. 3397-3400; T. K. Cheyne, “Solom on’s Servants, Children o f ’, IB (1914), col.

4690; C. Van Orelli, “Levites”, The New Schaff-11erzog Encyclopedia o f Religious Knowledge, VI, 466-468; J. S. Wright, “Nethinim”, The New Bible D ictionaiy (1962), 878, 879; G. L. Archer, A Survey o f O ld Testament Introduction (1964).

W . B . W a l l is

NETOFA (NETOFAR) (HDD3; Apócrifa, Nexépaç. NexcoyáÇ, gotejante). Cidade de Judá, a sudeste de Belém.

As pessoas de Netofa e Belém eram descen­dentes do patriarca Judá, através de Perez, Hezrom (lC r 2.4,5), Calebe (Quelubai, v. 9) e Salma (lC r2. 51,54). A cidade de Netofa não participa da narrativa bíblica, mas um bom número de ho­mens do AT é originário dela. Dois deles estavam entre os 37 valentes de Davi (2Sm 23.28,29; lC r11.30); dois entre os 12 comandantes do exército responsáveis pelos tumos de serviço para cada mês (1 Cr 27.13,15); um era o avô de um líder levita, do período pré-exílio, em Jerusalém (9.16); um era o comandante que, com outros indivíduos dessa mesma cidade, apoiou Gedalias em 586 a.C. (2Rs 25.23; Jr 40.8); 56 retomaram para a Palestina com Zorobabel em 537 (Ed 2.22; Netofa, 1 Esd 5.18; cp. Ne 7.26); e um número de cantores levitas de m ü n , as aldeias sem muros (KB, 325; cp. lCr 9.16), dos netofatitas, que participaram da dedica­ção dos muros de Jerusalém em 444 a.C.

A localização precisa de Netofa continua in­certa, mas sabe-se que era perto de Belém (lC r 2.54). Porém, como foi mencionada entre Belém e Anatote na listagem daqueles que voltaram da Babilônia, em Esdras 2.22 e Neemias 7.26, alguns estudiosos identificaram Netofa com a fortifica­ção de Ramat Rahel, ao sul de Jerusalém (cp. J. Simons, Geographical and Topographical Texts o f the OT, 339); contudo, esta comunidade só se desenvolveu após a época de Davi, e as listas em Esdras e Neemias não parecem muito acuradas em relação à ordem geográfica. A localização mais provável seria Khirbet Bedd Faluh, a c. 4,8 quilômetros de Jemsalém, a sudeste, onde o nome bíblico é ainda preservado em um riacho — Ain em -Natuf— próximo desse local (de acordo com Simons, loc. cit.).

J. B. P a y n e

NEUM(anm). Um dos 12 chefes da comunidade judaica que retomou do exílio com Zorobabel (Ne7.7). "No texto paralelo, de Esdras 2.2, esse nome aparece como Reum.

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502 NEÚSTA / NEZIBE

NEÚSTA (KStí>n:). Filha de Elnatã; esposa de Jeoaquim e mãe de Joaquim (2Rs 24.8). Nabu- codonosor a deportou, com Joaquim e outros cidadãos proeminentes, para a Babilônia em 597 a.C. (2Rs 24.12,15).

NEUSTÃ (p a r a , a de bronze). A serpente de bronze, mosaica.

A origem de Neustã é descrita em Números 21.4-9, apesar de não ter então um nome espe­cífico. Naquele outono de 1407 a.C., o último ano de Israel no deserto, à medida que a nação se encaminhava para o sul do Mar Morto, na região norte de Edom, (cp. Y. Aharoni e M. Avi-Yonah, The Macmillan Bible Atlas, mapa 52) o povo, desencorajado, “falou contra Deus e contra M oi­sés: Por que nos fizestes subir do Egito, para que morramos neste deserto, onde não há pão nem água?” (Nm 21.5). Em conseqüência dessa atitude, Deus enviou entre eles D’SHtf serpentes de fogo, i.e., serpentes com veneno abrasador (BDB , 977; cp. KB, 932); essas serpentes foram a causa de muitas mortes (Nm 21.6).

Quando Israel se arrependeu, Moisés inter­cedeu junto ao S e n h o r (Yahweh), que o instruiu para que fizesse a 'liw, a serpente ardente (veja S e r a f im ) , de cobre ou bronze. O nome, serpente ardente, provavelmente é devido ao seu brilho à luz do sol (KD, Pentateuch, III: 139). De qualquer modo, a serpente foi elevada em uma haste; e qual­quer pessoa que fosse mordida por uma serpente, “se olhava para a de bronze, sarava” (Nm 21.9). Neustã, para seus contemporâneos, simbolizava olhar para Deus em busca de salvação; e com relação ao futuro, tipificou Cristo sendo levantado na cruz, “para que todo que nele crê tenha a vida eterna” (Jo 3.15; cp. Lc 23.42,43).

Contudo, com o passar do tempo, Israel perdeu de vista o simbolismo e a função de Neustã; e por volta do 82 séc. a.C. queimavam incenso para ela, como se fosse ela mesma uma divindade (2Rs18.4). Parte da campanha de Ezequias contra os lugares altos e seus objetos de idolatria iniciou- se no primeiro ano do seu reinado (2Cr 29.1) na primavera de 725 (veja Chronology of the OT, IX. C. 6; BS, 126 [1969], 40-52), quando esse rei fez essa serpente em pedaços (2Rs 18.4). O nome Neustã foi usado para designar esse objeto, provavelmente para depreciá-lo: não era ©ro, a “serpente”, mas simplesmente rwro, uma coisa de bronze (na terminação -ãn, cp. J. Montgomery, JAOS, 58 [1938], 131). Neustã, portanto, é um exemplo de como um objeto originariam ente

bom, com a finalidade ritualística de redenção, pode ter seu uso pervertido e tomar-se prejudicial à verdadeira fé, aquela que salva.

BIBLIOGRAFIA. Sobre teorias de crítica nega­tiva que se relacionam : H. H. Rowley, “Zadok and Nehushtan” , JBL, 58 (1939), 132-141.

J. B. P a y n e

NEVE (jftw; Em bora freqüentem entemencionada como um símbolo de refrescamento ou pureza na Bíblia (ex.: Êx 4.6; Is 1.18), a neve aparece no registro verdadeiro apenas uma vez: a breve referência em 2 Samuel 23.20, no encontro de Benaia com o leão. A menção nesse contexto presumivelmente indica que o acontecimento foi excepcional, não apenas pela proeza da luta, mas também pelo clima, pois embora não nevasse regularmente no invemo, nas colinas da Judéia, a toca do leão seria no vale do Jordão, onde a neve é desconhecida. G. Adam Smith (1966) comenta sobre a façanha de Benaia: “a fera tinha se perdido no Jordão e foi apanhada por uma tempestade de neve. Onde mais leões e neve poderiam aparecer juntos?” (pág. 63).

Neve, pois, não é desconhecida na Judéia: Jerusalém tem uma temperatura em janeiro de 8°C, com variação em tomo de -10° C. Mas as duas áreas onde a precipitação de neve é forte e regular são: (1) nas montanhas do Líbano ao nor­te, onde o monte Hermom alcança c.2770m., há partículas de neve o ano todo. Foi a vista distante dessa neve, na vala quente da Galiléia, que tanto estimulou a imaginação Bíblica; (2) nas monta­nhas do Edom, a leste do Jordão, onde a altitude sobe para mais de 1.500m (Amã, no Jordão, tem uma temperatura moderada de 4°C em janeiro e uma variação diária de -14° a -13° C naquele mês). Para muitos israelitas, portanto, a neve era mais conhecida como uma paisagem distante do que como realidade.

J. H. P a t e r s o n

NEZIA (n ’S :, leal). Chefe da família dos servido­res do templo, os netinins. Neziá retomou do exílio na Babilônia (Ed 2.54; Ne 7.56; lEsd 5.32).

N EZIBE ( T ^ ) . C idade na baixada de Judá, mencionada com Queila e Maressa (Js 15.43); identificada como a cidade modema de Khirbet Beit ísesib, a leste de Lachish.

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NIBAZ/ NICODEMOS 503

NIBAZ (ira:). Um ídolo dos sírios aveus, que eles adoravam com Tartaque, e que introduziram em Samaria (2Rs 17.31). Os aveus foram trazidos a Samaria por Sargão após 722 a.C. Montgomery (ICC Commentary on K ings, págs. 474-479) explica que esta palavra é idêntica a rnra, “altar”. Contudo, a pronúncia foi alterada por assimila­ção. Poderia significar naquela época um altar deificado. J. Gray (“Nibhaz”, The Interpreter 's Dictionaryi o f the Bible, III, 546) observa que a deificação do altar assemelha-se à deificação da casa de Deus, como atestam os papiros aramaicos de Elefantina.

A tradição judaica, de acordo com Montgomery (op. cit., pág. 474) tentou fornecer uma etimologia abusiva. Partindo do pressuposto de que a raiz da palavra significava “latir como um cão”, inferiu-se que o ídolo assemelhava-se a um cão.

W . B. W a l l is

NIBSÃ (i&Tm). Cidade no deserto de Judá, men­cionada entre Secaca e Cidade do Sal; identificada com Khirbet el-Maqari em el-Buqe’ah, a sudoeste de Jericó.

NICANOR (Ntmvcop, cujo significado é conquis­tador). 1. General sírio do período de selêucida, da história intertestamentária.

Seus serviços sob as ordens de An- tíoco. Aparentemente, tudo que se sabe sobre Nicanor é encontrado nos livros 1 e 2 de Maca- beus. Ele e descrito como um homem valoroso, além de ser amigo pessoal de Antíoco Epífanes. Nicanor, no período de 166-165 a. C., com dois outros generais, foi designado pelo regente de Antíoco, Lísias, para destruir Judá e Jerusalém (IM ac 3.32-42). Esses três homens tomaram suas posições perto de Emaús, a poucos quilômetros de Jerusalém, mas foram derrotados por Judas M acabeus e seu exército (IM ac 4.3-14). Essa terrível derrota forçou os generais sírios e seus exércitos a fugirem para as cidades próximas da Filístia (IM ac 4.15).

S e u s s e rv iç o s so b as o rd e n s de Dem étrio. Após um intervalo, durante o qual Antíoco Epífanes veio a morrer, o jovem Antíoco V e Lísias, seu tutor, foram assassinados e Demé­trio I tomou-se rei. O nome de Nicanor aparece novamente no livro de 1 Macabeus. Dessa vez é enviado por Demétrio em uma missão similar à pri­

meira, em que deveria destruir Judas e suas forças (162-161 a.C.). Em segundo Macabeus 14.12, ele tomou-se governador da Judéia antes de partir para essa missão. Ele é descrito como um dos generais mais ilustres de Demétrio e como um homem que tinha ódio mortal por Israel (IM ac 7.26,27).

Sua prim eira tentativa de vencer Judas foi atraí-lo para uma reunião, tentando intimidá-lo pela violência; entretanto, o plano falhou quando Judas descobriu a tempo e conseguiu escapar (7.27-30). Duas batalhas se sucederam, a primeira em Cafarsalama, quando Judas teve uma vitória decisiva, e a segunda nas proximidades de Adasa e Bete-Horon, quando Nicanor foi um dos primeiros mortos. Depois de mutilar seu corpo, os judeus o expuseram em Jerusalém (7.42 — 2Mac 15.33).

O reg istro de 2 M acabeus. Diversos detalhes de 2 Macabeus diferem radicalmente de 1 Macabeus. (Veja, especialmente, 2Mac 14.12-30). Por exemplo, a conferência de Judas com Nicanor é descrita como pacífica em 2Mac 14.22, e há o relato de uma amizade íntima enire N icanor e Judas, que parece se estender por certo período de tempo (2Mac 14.24). Os estudiosos preferem a narração de 1 M acabeus, pois a consideram mais confiável.

2. Um dos sete homens escolhidos pela Igre­ja Primitiva para servir às mesas, deixando os apóstolos livres para desempenhar outras funções (At 6.5).

BIBLIOGRAFIA. R. H Charles (org.), The A po­crypha and Pseudepigrapha in English, I (1913); R. H. Pfeiffer, History o f New Testament Times (1949).

W. G e r ig

NICOD EM OS (NiKÓSrpoç, vencedor sobre as pessoas), um fariseu e posteriormente um discípulo de Jesus (Jo 19.38-42). Apesar desse ser um nome comum entre os judeus do 1- séc., este é o único homem, com esse nome, que é mencionado no NT (Jo 3.1). Certo Nicodemos ben Gorion, irmão do historiador Josefo, membro muito próspero do Sinédrio no l e séc. foi identificado, por alguns estudiosos, com esse homem que veio se encontrar com Jesus à noite. Nicodemos ben Gorion perdeu a sua riqueza e posição posteriormente, e muitos atribuem esse retrocesso na sua situação de vida ao fato de ter-se tomado cristão. Essa identificação, contudo, é muito improvável.

Nicodemos era um legislador dos judeus e, portanto, fazia parte dos setenta anciãos, um grupo

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504 NICODEMOS, O EVANGELHO DE / NICOLAÍTAS

conhecido como Sinédrio, que era a corporação religiosa mais poderosa dos judeus. Ele foi des­crito, também, como “o” (este artigo está presente na versão em grego) mestre de Israel. Isto não quer dizer que fosse um mestre superior a todos os outros mestres, mas simplesmente que era um mestre bem conhecido e muito reconhecido, e que tinha lugar reservado no Sinédrio. Esse homem, assim se supõe, devia realmente conhecer o AT muito bem. Como mesxre “de Israel”, tinha a responsabilidade da instrução religiosa do povo de Deus. O fato de que Nicodemos era um fariseu está diretamente relacionado à conversa que Jesus teve com ele, pois o seu teor seria inconcebível, caso Jesus estivesse conversando com um saduceu ou herodiano. Nicodemos era especialmente inte­ressante para o escritor do quarto Evangelho, pois permite a exposição dos ensinamentos de Jesus. Somente a primeira parte da conversa entre Jesus e Nicodemos é relatada na forma de diálogo (Jo3.2-10). Qualquer outro comentário que pudesse ter sido feito por Nicodemos foi deixado de lado, pois o tópico da conversa, introduzido por aquele homem, e sobre o qual Jesus teceu suas conside­rações, era de suma importância.

Como fariseu, toda a esperança de Nicodemos repousava na sua linhagem, um descendente direto de Abraão. Os fariseus eram conhecidos por sua reivindicação de serem semente de Abraão. Foi essa herança dos ensinamentos farisaicos, aquela que postulava a importância da herança racial na religião, que Jesus contestou ao introduzir o conceito da necessidade do novo nascimento. Nicodemos pareceu não compreender o que aquele conceito — nascer de novo — significava. Isto se deve ao fato de que a palavra "de novo” em grego tinha outros significados. Naquela instân­cia, foi especialmente importante o sentido “de cima”, que, portanto, equivale a “de Deus”. Esse encontro com Nicodemos apresenta um importante ensinamento, cuja essência é a necessidade de ser gerado espiritualmente, para o homem que possui a vida de Deus. Isto opõe-se ao ensinamento dos fariseus, que enfatizava a geração natural por intermédio de Abraão.

Muitos observaram a progressão do relaciona­mento de Nicodemos com Jesus. Este relaciona­mento se iniciou “à noite”, o que, para a maioria dos intérpretes, sugere que ele estava hesitante e temeroso de ser visto na companhia de Jesus, pois esse encontro sigiloso preservava a sua reputação e o fazia sentir-se protegido. Em um período pos­terior, Nicodemos defendeu, embora timidamente, Jesus diante do Sinédrio, ao dizer “Acaso a nossa

lei julga um homem, sem primeiro ouvi-lo e saber o que ele fez?” (Jo 7.51). Este simples comentário mereceu um revide insultoso: “Dar-se-á o caso de que também tu és da Galiléia? Examina e verás que da Galiléia não se levanta profeta” (Jo 7.52). Por ocasião do enterro de Jesus, ele apresenta-se abertamente, diante de todos, levando especiarias para ungir o corpo e ajudar no sepultamento (Jo 19.39-42). Isto é tudo que sabemos desse homem nas Escrituras.

H . L . D r u m w r i g h t J r .

NICODEMOS, O EVANGELHO DE. O evan­gelho da paixão consiste de duas partes: Os Atos de Pilatos e A Descida de Cristo ao Mundo Inferior. Até o séc. 13 esses manuscritos não eram conheci­dos pelo nome de ‘O Evangelho de Nicodemos’. O documento, contudo, não foi escrito antes do 4- séc. Alguns textos, produzidos em época pos­terior, foram anexados em alguns manuscritos, como a carta de Pilatos ao imperador Tibério; o relatório oficial de Pilatos; e outros textos supostamente produzidos por Pilatos. A primeira parte é fortemente baseada nos quatro Evangelhos canônicos e no suposto relatório do julgamento e crucificação de Jesus, feito por Pilatos. A segunda parte confirma a crença dos cristãos primitivos de que Jesus “foi e pregou aos espíritos em prisão” (IPe 3.19). Uma leitura desse documento serve para demonstrar como os relatos dos Evangelhos canônicos são incrivelmente superiores.

BIBLIOGRAFIA. M. R. James, TheApociyphal New Testament (1924), 94-165; E. Hennecke, New Testament Apociypha, Vol. I (1963), 444-484.

S. B m a b a s

NICOLAÍTAS (N iK O /.cm n ç , - a í ) . Termo uti­lizado no livro de Apocalipse (Ap 2.6,15), que descreve membros de congregações cuja doutrina o Senhor odeia. Ireneu disse que eram seguidores de Nicolau da Antioquia, um prosélito que abando­nara a verdadeira doutrina cristã, pois fora um dos sete homens escolhidos para servir a congregação de Jerusalém (At 6.5). Disse, também, que davam- se a excessos, sem restrições (Against Heresies I;26.3). Hipólito confirma esta informação, quando observa que Nicolau mostrava-se indiferente quan­to àquilo que o homem comia e à maneira como vivia (Refutation o f Heresies 7 .24). No registro denominado The Apostolic Contitutions (6.8), eles foram descritos como “sem pudor nas impurezas”.

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NICOLAU 505

Contudo, Clemente de Alexandria defendeuNico- lau, ao insistir que seus seguidores o interpretaram erroneamente, pois os nicolaítas, como se fossem bodes, entregaram-se aos prazeres de uma vida despudorada, em que eram complacentes com seus próprios erros (The Miscellianes 2.20).

Na carta à igreja de Pérgamo, os nicolaítas são intimamente associados àquelas pessoas que seguiam os ensinamentos de Balaão. Esse pode ser só um jogo de palavras. “Nicolaítas” pode ser uma palavra derivada de duas palavras gregas— nikan, que significa “conquistar”, e laos, que significa “pessoas” . Do mesmo modo, Balaão pode ser uma palavra derivada de duas palavras do hebraico — bela, que significa “conquistar”, e ha 'am, que significa “pessoas”. Nicolau e Balaão seriam, respectivamente, a forma grega e hebraica do mesmo nome, que descreve um mestre perni­cioso, cuja influência sotire as pessoas leva-as em cativeiro à heresia.

Há o registro de uma história de sedução em que os israelitas acabaram por se unir, de forma imoral e idólatra, às mulheres moabitas (Nm 25.1 - 5). Caso esta situação não tivesse sido reprimida, Israel teria sido destruída como nação. Números 31.16 atribuiu o sucesso dessa sedução do povo de Deus à influência maligna do profeta Balaão, que aconselhou Balaque, rei de Moabe, a utilizar- se dessa estratégia. Balaão, portanto, tomou-se o símbolo de um homem maligno na história hebraica, pois conduziu o povo de Deus para a imoralidade e o pecado.

A carta à igreja de Pérgamo culpa os nicolaítas especificamente por armarem ciladas para que as pessoas comessem carne oferecida aos ídolos e praticassem a prostituição. O decreto do concílio de Jerusalém (At 15.28,29) determinou as duas condições necessárias para que os gentios fos­sem admitidos na comunidade cristã: deveriam abster-se das coisas sacrificadas a ídolos, e da fornicação. Estas foram as ordens que os nico­laítas violaram.

Eram pessoas que usavam a liberdade cristã para dar ocasião à came, um perigo para o qual Paulo alerta os cristãos (G15.13). A sociedade pagã, na qual os cristãos viviam, incitava as pessoas a terem tal conduta, pois o comer came sacrificada aos ídolos era comum. Relações sexuais extracon­jugais eram totalmente aceitas naquela sociedade. Os nicolaítas tentaram harmonizar-se com o modo de vida pagão do mundo greco-romano, que os cercava. As pessoas mais susceptíveis a esses ensinamentos eram, sem dúvida, as provenientes das classes altas, pois tiveram de abdicar de mais

coisas em conseqüência da separação da cultura à qual pertenciam antes da sua conversão.

Pode ser que a cultura dos nicolaítas fosse dualista. Eles provavelmente argumentavam que o corpo humano era mau de qualquer modo e só o espírito era bom. Um cristão, portanto, poderia fazer o que quisesse com o seu corpo, porque isto não faria muita diferença. O espírito, por sua vez, era o recipiente da graça, o que significava que a graça e o perdão eram garantidos, independente do que o homem fizesse. Os nicolaítas estavam sempre prontos a fazer concessões para o mundo. Foram considerados como os mais perigosos pelo autor de Apocalipse, pois o resultado de seus ensinamentos seria o Cristianismo que se confor­mava com o mundo, em vez do Cristianismo que transformava o mundo. Eusébio indicou que essa seita não teve vida longa e que provavelmente o único conhecimento sobre seus ensinamentos são aquelas poucas referências feitas no livro de Apocalipse.

H. L. D r ijm w r ig h t Jr.

NICOLAU ( N i k ó A.ocoç, conquistador das p e s­soas), prosélito da Antioquia, foi um dos sete ho­mens escolhidos para servir a igreja de Jerusalém (At 6.5). A designação prosélito significava que era um gentio que havia se convertido ao judaís­mo e subseqüentemente ao Cristianismo. Por seu nome ser grego, como 0 dos outros seis homens escolhidos para distribuir a comida no comparti­lhar praticado pela igreja de Jerusalém, supõe-se que outros tam bém fossem prosélitos. Parece mais provável que todos fossem gentios, mas que a designação “prosélito” aplicava-se somente a Nicolau, indicando que seria o único a converter- se do judaísmo ao Cristianismo, ao passo que os outros seis vieram diretamente do paganismo, ou pelo menos nunca foram convertidos ao judaísmo. Isto, é óbvio, traz à baila todo o questionamento sobre a circuncisão e sua importância na Igreja Primitiva. Devido à importância dada às práticas judaicas, até mesmo na Igreja Primitiva, presume- se freqüentemente que todos os sete homens eram prosélitos ou judeus que usavam nomes gregos.

Nicolau foi considerado, pelos Pais da igreja, o fundador da seita herética conhecida como ‘os nicolaítas’ (Ap 2.6,15). Ireneu o exime dessa responsabilidade, ao indicar que foi uma compre­ensão errônea de seus ensinamentos que produzira os nicolaítas. Nicolau, de acordo com Ireneu, en­sinara que a “came teria de ser abusada”. Queria dizer com esta expressão que 0 corpo deveria ser

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506 NICÓPOLIS/ NILO

esbofeteado para ser mantido sob controle. Os nicolaítas mudaram os seus ensinamentos, dizendo que a carne poderia ser tratada de qualquer manei­ra, porque era insignificante e sem nenhum interes­se. Portanto, um homem poderia viver da maneira que quisesse, o que resultou em imoralidade sem limites. Com base nesse ensinamento, os nicolaítas praticaram todo tipo de perversidade.

H. L. D r u m w r ig h t J r .

NICÓPOLIS ( N i k ó j i o í U ç , cidade da vitória). Cidade selecionada por Augusto e construída para ser sua capital de F.piro. Ele acampara nesse lugar antes da batalha de Actium, em 31 a.C. A cidade foi construída em um promontório do golfo de Ambraciam, para celebrar a sua vitoria decisiva sobre Marco Antônio. Situava-se na costa oeste da Grécia, no golfo de Arta. Como colônia ro­mana, a cidade tinha alguma reputação devido aos jogos de Actium, também introduzidos ali por Augusto.

Apesar de haver outras cidades com esse mes­mo nome, Nicópolis, é provável que esta fosse a que o apóstolo Paulo planejou usar como base para evangelizar Epiro (Tt 3.12). Outras locali zações teriam poucas condições de sustentar as intenções de Paulo, ou seja, ele pretendia passar o inverno todo na cidade. Havia comércio e pesca na cidade de Nicópolis. Foi destruída posteriormente pelos godos e, apesar de ter sido reconstruída por Justiniano, foi subseqüentemente suplantada por Preveza em um sítio arqueológico mais ao sul. Nicópolis tem extensas ruínas, mas ainda não foram escavadas por arqueólogos.

J. M. H o u s t o n

NIGER (Níyep, do latim, negro). O sobrenome de Simeão, um dos profetas e mestres na igreja de Antioquia(At 13.1). Ele pode ser o mesmo homem denominado Simeão Cireneu (Mc 15.21). Não se sabe nada mais sobre ele.

NILO. O Rio Nilo é um dos maiores rios do mundoe, em relação à extensão do curso de água princi­pal, o mais longo. Percorre 7.488 quilômetros da sua nascente na África equatorial até o seu delta no Mar Mediterrâneo. Nasce em uma região de montanhas, lagos e chuvas sazonais, e atravessa áreas pantanosas e tropicais, para finalmente abrir caminho através das regiões rochosas do deserto, onde suas águas são a única fonte, que sustenta a

existência de seres vivos. Foi na parte final da sua extensão que o Nilo fomentou, no Egito, uma das mais antigas e mais longas civilizações, da qual a cultura Ocidental descende em linha direta.

Nome. Para os egípcios antigos o Nilo era conhecido como Hapi, que era também o nome do deus-rio. Era também denominado itrw, que significa “rio”, que deu origem aos termos "iN\ ~nN’, que os hebreus usaram para indicar o rio Nilo na Bíblia Hebraica. A origem e significado do nome derradeiro Nilo são desconhecidos (Gr. NeiAoç; Lat. Nilus).

Nascentes. Pode-se dizer que o curso de água do Nilo Branco começa no lago Vitória, apesar de sua nascente ser mapeada até mais ao sul. No lago Vitória há somente uma saída, que dá origem ao Nilo Vitória, que existe a nordeste, nas cataratas do Ripon.

Curso e afluentes. O rio passa pelo lago Kioga, que é pouco profundo, precipita-se nas ca­taratas de Murchinson, e penetra no lago Alberto, de onde emerge logo após como Bahr el Jebel que significa “o rio das montanhas”. Ao sul do lago No há grandes pântanos, onde massas flutuantes de uma vegetação denominada sudd costumavam bloquear o curso da água em algumas ocasiões, um fator que fatalmente dissuadia os primeiros exploradores do rio a continuar a sua exploração. No lago No, o rio Bahr el Jebel encontra-se com o rio Bahr el Ghazal, o “rio das gazelas”. A partir da união desses dois rios, este passa a ser denominado Nilo Branco. Em Cartum o Nilo Branco une-se ao Nilo Azul, o qual fornece a maior parte do fluxo anual resultante da junção desses dois rios, e cujo volume durante a cheia é duas vezes maior do que o do Nilo Branco. O Nilo Azul carregava muito do depósito aluvial, responsável pela criação e reno­vação do solo do antigo E gito . Um pouco ao norte de Cartum encontra-se a sexta catarata, a primeira dessas barreiras naturais, que foram numeradas à medida que eram descobertas, na direção norte- sul. Abaixo da sexta catarata encontra-se a ruína de Meroe, a capital do império Meroíta, de 300a.C. a 350 d.C. Desse local até Assuã, encontra- se a Núbia, onde houve uma cooperação mundial nas explorações arqueológicas, cuja finalidade era salvaguardar o maior número de material, por ocasião da construção da barragem Alta. O último afluente do Nilo, o Atbara, junta-se a ele vindo do leste. Daí em diante o Nilo continua até o Mediterrâneo, cerca de 2.400 quilômetros,

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NILO 507

sem receber as águas de nenhum outro afluente. Entre a terceira e quarta cataratas encontram-se as ruínas de Napata, o centro da dinastia etíope (25a) do Egito. A partir da terceira catarata, na direção norte, os egípcios mantinham um bom número de fortes e vilarejos. Ao norte, próximo de Assuã, há a famosa represa de Assuã e alguns quilômetros ao sul encontra-se a famosa barragem Sadd el Aali, também conhecida como “Barragem Alta”. Entre Assuã e o Mediterrâneo, a água é controlada por uma série de barragens. Na antiguidade havia sete estuários no delta do Nilo, porém nos dias de hoje há somente dois, o Roseta, a oeste, e o Damietta, a leste.

O Nilo no Egito A ntigo. Na Antigui­dade, Hecateus declarou, o que posteriormente Heródoto repetiu, que o Nilo nos presenteou com o Egito. O rio esculpiu o vale e cobriu o seu solo com depósito aluvial, o qual deu ao Egito o seu nome antigo, Kemet, ou seja, “a terra negra”, que contrastava com a vermelhidão do deserto. Seria impossível exagerar a importância desse rio para o Egito. O Nilo influencia quase todas as facetas da vida egípcia, além de favorecer a cultura egípcia com muitos dos seus aspectos característicos. Na Antiguidade, o reconhecimento dessa dependência do rio resultou na deificação do curso de água na figura do deus Hapi, representado por um homem bem corpulento com peitos pendentes, que susten­tavam ofertas daquilo que o rio produzia. Além de prover as muitas necessidades e propiciar alguns dos prazeres da vida, o Nilo, por meio de sua cos­tumeira inundação anual, era a base do calendário da agricultura. A coincidência do nascer helíaco da estrela do Cão, Sírio (Siro), e o início da inundação deram origem à unidade cronológica de 1460 anos, denominada de o ciclo de Siro.

O Nilo e a Bíblia. Muitas das referências bíblicas ao Nilo são encontradas no Pentateuco, particularmente na narrativa da história de José, e no relato de Êxodo, mas há também diversas refe­rências nos textos proféticos. A primeira vez que o rio foi mencionado foi no relato do sonho de Faraó (Gn 41.1 -4,17-21). Faraó estava em pe às margens do Nilo e viu o gado gordo subindo do rio, seguido pelas vacas magras, que devoraram as primeiras. Quando posteriormente os egípcios temeram os israelitas, que residiam ali, foi ordenado que toda a criança do sexo masculino fosse jogada no rio (Ex 1.22). Joquebede, a mãe de Moisés, salvou o seu filho ao colocá-lo em um cesto de junco à prova de água, ocultando-o no carriçal à beira do rio

Jerusalém

Pelúsio

BAIXO, EGITO

PENINSULA DO SINAI

Heracléópolis

Dendera

Hieracônpolis

ALTO l EGITO

Elefantine •Siene (Assuã)Primeira catarata

>egunda catarata

NUBIAPUNT

JTerccira catarata

Querma

Quarta catarata

Quinta catarati

MarVermelho

Rio Nilo

Mar Grande

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508 NILO

Cenas do Rio Nilo, no Cairo. A cim a : Local próximo de onde se acredita que a filha do faraó encontrou Moisés no cesto de junco. Abaixo: O Templo de Luxor, próximo a Tebas. ã Har

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NINFA/ NÍNIVE 509

(Êx 2.3), onde a filha do faraó descobriu a criança quando veio banhar-se no rio (Êx 2.5). Quando o Senhor comissionou Moisés, um dos sinais que Ele deu para confirmar a sua escolha foi tomar as águas do rio em sangue (Êx 4.9). Foi no rio que Moisés confrontou o rei com o ultimato em referência ao êxodo (Êx 7.15;8.20).A primeira praga (as águas transformaram-se em sangue), foi direcionada contra o rio e o deus-rio Hapi (cp. Êx 7.17-24; 17.5; SI 78.44). A.praga seguinte (a das râs) estava também associada ao rio (Êx 8.3,5)9,11). Os livros históricos têm pouca relação com a geografia física do Egito. Diz-se que Senaqueribe, rei da Assíria, gabou-se, “e u .. .com a planta dos meus pés sequei todos os rios do Egito” (2Rs 19.24). Na profecia de Amós há referências ao Nilo, suas enchentes e vazantes (Am 8.8; 9.5). Isaías menciona o Nilo com muita freqüência. Há o comentário sobre as moscas “no extremo dos rios do Egito” (Is 7.18) que iriam ser um dos males sobre Jerusalém. A profecia de Isaías contra o Egito (Is 19) declara que o rio do Egito exalará mau cheiro e suas águas secarão (Is 19.6); a vegetação ao longo do rio será destruída (Is 19. 6,7) e os pescadores lamentarão (Is 19.8). A profecia contra Tiro (Is 23) menciona os mercadores fenícios que recebiam a renda da “ceifa do Nilo” (Is 23.3) e é dito que Tiro “percorre livremente como o Nilo a tua terra” (Is 23 .10). Em uma profecia em relação ao Egito, Jeremias refe­riu-se às enchentes do Nilo (Jr 46.7,8). Ezequiel 29 profetiza contra o faraó do Egito e o descreve de maneira fantasiosa, dizendo que esse governante é tirado do Nilo. Faraó é descrito como um enorme crocodilo que se deita “no meio dos seus rios” (Ez29.3), e que clama “o meu rio é meu, e eu o fiz para mim mesmo” (cp. Ez 29. 9). Os peixes desses rios são mencionados nos vv. 4,5 e novamente há uma profecia de destruição. Naquele momento da profecia, Deus declarou também que Ele estava contra o faraó e os rios do Egito, e que tomaria toda a terra uma desolação (Ez 29.10). Zacarias, ao falar do retomo de Israel para a Palestina, vindo do Egito e da Assíria, advertiu que “todas profun­dezas do Nilo se secarão” (Zc 10.11). Os escritores bíblicos tinham consciência da importância do Nilo para o Egito e praticamente identificavam o país com o seu rio.

BIBLIOGRAFIA. H. E. Hurst e Phillips, The Nile Basirt, 5 vols. (1931-1938); E. Ludwig, The Nile (1936); H. E. Hurst, The Nile (1952); A Moorehead, The White Nile (1960); A. Moorehead, The Blue Nile (1962); B. Brander, The Nile (1966).

C. E. D e v r ie s

NINFA (Núiiijia). Um cristão colossense em cuja casa os cristãos se reuniam, e para quem Paulo m anda lem branças (Cl 4.15). N ão é possível precisar se o nome refere-se a um homem ou uma mulher. Tratando-se de homem, a grafia deve ser Ninfas (BJ), tratando-se de mulher, a grafia deve ser Ninfa (ARA, ARC e NVI). Nada mais é co­nhecido sobre essa pessoa.

S. B a r a b a s

NINHO (ip). No Antigo Testamento há repetidas referências às aves e aos ninhos, e algumas vezes a palavra ninho é usada de maneira figurada, para se referir ao lar dos seres humanos (Jó 29.18; Jr22.23). A construção notável e a inacessibilidade dos ninhos causavam admiração nas pessoas da Antiguidade, assim como nas de hoje em dia. No Novo Testamento, a única menção aos ninhos foi feita por Jesus, quando ele comparou a sua própria condição — não ter onde reclinar a cabeça — com o fato de que as raposas têm seus covis e as aves do céu, ninhos (Mt 8.20; Lc 9.58).

S. B a r a b a s

NÍNIVE (mm, LXX Nivem); homens de Nínive, ninivitas; Nivevvcai, Mateus 12.41;Lucas 11.30­32). Capital da Assíria, na Antiguidade.

1. Localização. As ruínas de Nínive encon­tram-se a c.800m a leste do rio Tigre e, hoje em dia, foram incorporadas aos subúrbios da cidade moderna de Mosul, no Iraque. As ruínas são do­minadas por duas cidadelas, que serviam como fortalezas, a maior, Quyunjiq (“muitas ovelhas”) a noroeste separada da outra, Nebi Yunus (“profeta Jonas”), a sudoeste, pelo rio Khosr.

2. Nome. A palavra hebraica n in ew ê h é uma transliteração fiel da palavra assíria n inua , o nome da deusa Istar, que foi escrito com um ideograma (ou pictograma), cujo sinal cuneiforme era um peixe dentro de um cercado. Não há nenhuma relação com a palavra hebraica m m , que significa “peixe”, mas pode ser originária de uma palavra hurriana. O grego N in o s é assim denominado por assimilação ao nome do herói.

3. História. As escavações arqueológicas mostram que o local havia sido ocupado desde a época pré-histórica (cerca de 4500 a.C.), por todo o Hassuna-Samarra-Halaf-N, pertencentes à cultura Ubaid. Gêneses 10.11 descreve-a como

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510 NÍNIVE

Ruínas da cidade antiga de Nínive, que fora outrora a capital da Assíria. Estas ruínas localizam-se próximo às margens do rio Tigre, defronte da cidade moderna de Mosul, no Iraque. Acima: Vista da região através

das muralhas. © O.I.U.C. Abaixo: À distância, montes de terra que cobrem o sítio da cidade antiga, ã M.PS.

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NÍNIVE 511

uma cidade do norte, que foi tundada por Ninrode ou Assur, sob a influência da Babilônia.

Nos primórdios da época acadiana, a cidade floresceu e tomou-se conhecida devido a Sargão, seus filhos M anishtusu (cerca de 2300 a. C.), que restaurou o templo de Istar (Inanna) naquela cidade e Narã-Sin. Gudea de Lagash fez cam­panhas nessa região durante o século seguinte. Parece ter estado em constante ocupação, como um centro de culto e de comércio, por um rei as­sírio independente, Sansi-Adade I, (cerca de 1800a.C.). Este rei também restaurou o templo de Istar (Emashmash), como fez Hamurabi da Babilônia. Estátuas desse templo foram enviadas pelo rei mitânio, que naquela época dominava essa região, ao faraó egípcio. Sob o forte domínio dos reis da Assíria Média, Salmanezer I e Tukulti-Ninurta I, a cidade cresceu e foi fortificada ainda mais. A partir desse período, com Assur e Calá, Nínive tomou-se um dos principais centros da administração real. Logo, Tiglate-Pileser I (cerca de 1114-1076), Assumasirpal II (883-859) e Sargão II (722-705) construíram palácios nessa localidade. O tributo de suas guerras, incluindo os arrecadados por Menaém em 744 a.C. (2Rs 15.20) e os despojos de Samaria (Is 8.4), foram trazidos para essa cidade em procissões de vitória.

Senaqueribe (705-681) dedicou-se à reedifi- cação de Nínive, para equipará-la à capital rival Dür-Sharrukin (Corsabade), que foi construída por seu pai Sargão II. Do lado de fora do seu imenso palácio, com seus 3000 m2 de muralhas esculpidas, representando suas vitórias, inclusive o cerco de Laquis e o tributo pago por Judá, ele reconstruiu as muralhas da cidade. Procurando prover um novo fornecimento de água, abriu c. 48 km de canais, para trazer água do rio Gomei em Bavian e construiu um aqueduto em Jerwan. Construiu tam bém um açude em A jeila, para controlar as enchentes do rio Khosr. As muralhas da cidade tinham 15 pórticos principais (cinco dos quais foram escavados) e cada um deles era guardado por um touro colossal esculpido em pedra. Tanto no interior quanto do lado de fora das muralhas, com desenhos em alto-relevo, Se­naqueribe construiu parques, um jardim botânico e um zoológico. Trouxe para essa cidade o tributo imposto a Ezequias de Judá (2Rs 18.15). Este fato também foi registrado em uma inscrição no seu prisma, que foi encontrado nessa localidade em 1830 (veja S e n a q u e r ib e ) . Senaqueribe retomou para essa cidade após a campanha Palestina de 701 a.C. Em 681, foi assassinado no templo de Nisroque (Ninurta?), que deveria estar localizado

dentro das muralhas da cidade. Esar-Hadom, seu filho mais jovem e sucessor, recapturou Nínive dos rebeldes em 680 e construiu ali, para si próprio, um palácio, apesar de passar muito tempo na sua outra residência em Calá. Seu irmão gêmeo, As- surbanipal (669 a cerca de 627 a.C.), retornou e habitava principalmente em Nínive, onde passara os seus dias de escola como príncipe coroado. Com os anos de declínio do velho rei e a deca­dência econômica, sob o comando dos seus filhos, Ashur-etil-ilâni e Sin-shar-ishkun, os vassalos da Assíria levantaram-se em revolta. Judá tomou as primeiras providências para ganhar a sua inde­pendência novamente, enquanto os medos, com a ajuda dos babilônios, saquearam Assur e Calá em 614 a.C. Dois anos mais tarde, com o reforço dos Ummanmanda (Cítia, eitos?), e sob o comando dessas forças combinadas, a cidade de Nínive foi sitiada por três meses (?) e, de acordo com as crônicas babilónicas, abriram uma brecha nas defesas da cidade, durante uma enchente em que as águas do rio Tigre e Khosr subiram mais do que era habitual (Na 2.6-8), e a cidade foi saqueada, como previsto pelos profetas Naum e Sofonias. Sin-shar-ishkun (Sardanapalus) pereceu em seu palácio em chamas, apesar de Assur-uballit e sua corte terem conseguido escapar para Harã, onde ficaram até 609 a.C. Nínive, em ruínas, foi aban­donada (Na 2.10,13), e tomou-se um local onde as ovelhas pastavam (Sf 2.13-15). Xenofonte e os homens sob seu comando, quando em retirada, não reconheceram a cidade, ao passarem por ela em 401 a.C.

Na época da sua maior prosperidade, como descrito por Jonas, Nínive estava cercada por uma muralha, com cerca de 12,5 quilômetros de extensão. Essa “grande cidade” ocupava uma vasta área, capaz de abrigar 120 mil habitantes (Jn 1.2;3.2). A evidência para esta afirmação provém de Calá (Ninrode), onde 69.754 pessoas viviam em uma cidade cuja área tinha a metade do tamanho de Nínive. E provável que todo o distrito administra­do por Nínive naquela época englobasse uma vasta área que incluía as cidades de Sinjar-Calah-Dür- Sharrukln. Portanto, era necessária uma jornada de “três dias” para atravessá-la e “um dia de caminho” para alcançar o centro da cidade, partindo de seus subúrbios mais distantes (Jn 3.3,4). Em hebraico, o que não acontece com o acadiano, a escrita não faz distinção entre a metrópole propriamente dita ([al\ Ninua) e a sua região (ninua[ki]). Ainda não há evidências contemporâneas do profeta Jonas ou do arrependimento dos ninivitas (Jn 3.4,5), elogiado por Jesus Cristo (Mt 12.41; Lc 11.30).

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512 NINRA/ NINRIM

4. Escavações. Os primeiros exploradores, atraídos pela associação do m osteiro de Nebi Yunus, anunciaram a “cidade de Jonas” e as tra­dições locais, mas foi somente com o trabalho de John Cartwright (séc. 17), que Nínive passa a ser identificada com a cidade da Antiguidade. QuandoC. J. Rich publicou o seu esquema das ruínas em 1820, o interesse por essa localidade aumentou, encorajando o francês V. E. Botta a fazer as primei­ras sondagens, que, no entanto, foram abortadas. Este pesquisador abandonou o sítio arqueológico, pensando que as ruínas mais ao norte, as de Korsa- bad, correspondiam às da cidade bíblica de Nínive. A. H. Layard e H. Rassam (1845-1854), logo em seguida chegaram àquele sítio arqueológico . A imediata descoberta das inscrições em baixo relevo, em escrita cuneiforme, e subseqüente pu­blicação despertou muito interesse na Inglaterra e o Museu Britânico assumiu o controle do trabalho deles. George Smith foi enviado para acompanhar o trabalho daqueles pesquisadores (1872-1876), porém a sua missão principal seria descobrir outras inscrições que trouxessem o relato babilônio do dilúvio. Ele teve sucesso nessa missão. Outros trabalhos foram realizados, porém de forma espo­rádica, por E. A. W. Budge (1882-1891) e L. W. King (1903-1905). Ambos descobriram textos que complementaram os anteriores, achados no palácio de Assurbanipal e no templo de Nabu (o deus da escrita e da ciência), os quais foram publicados logo a seguir pelo Museu Britânico. Em 1927, R. Campbell Thompson retomou o trabalho, dessa vez de forma sistemática, e concluiu a escavação do templo de Istar e do palácio de AssumasirpalII em Quyunjig. M. E. L. Mallowan, em 1931 e 1932, aproveitou a oportunidade para fazer uma investigação em solo virgem, cujo resultado foi a primeira estratificação dos níveis de ocupação pré-histórica. A partir de 1966, o Departamento de Antiguidades do Iraque reabriu o palácio de Senaqueribe e fez escavações adicionais daquela área, inclusive dos portões de Nergal e Shamash. O trabalho de duplicação da estrada, próximo a Nebi Yunus, resultou na descoberta de estátuas egipcias que foram trazidas por Assurbanipal, após a captura de Mênfis e depois de suas duas outras campanhas no Egito.

5. A bib lioteca real. Durante as esca­vações, já descritas, mais de 16 mil tabletes ou fragmentos, que continham aproximadamente dez mil textos, foram recuperados de (daí a designação de “coleção Koyunjik” para esses achados arqueo­lógicos). Essas inscrições foram coletadas por Sar-

gão e seus sucessores. Contudo, eram resultantes do trabalho de Assurbanipal, que se jactava de ser um dos poucos monarcas letrados da Antiguidade. A maioria dos textos eram originais, coletados na Babilônia ou copiados por escribas habilidosos, em Nínive. Nesses textos são utilizados muitos gê­neros literários distintos, entre os quais os conhe­cidos épicos que descrevem a criação e o dilúvio (Gilgamés) e versões que contêm os dois episódios (Atrahasis). Lendas, rituais, literatura religiosa de todos os tipos — inclusive hinoSj orações e listas de templos e deuses — cartas, os mais variados tipos de textos históricos, assim como documentos lexicográficos e bilíngües, os quais foram muito úteis na compreensão posterior dos textos acadia- nos e sumérios. Um número suficiente de cópias de alguns desses textos está disponível, permitindo uma comparação detalhada com as práticas dos escribas de todo o Oriente Próximo.

BIBLIOGRAFIA. A. H. Layard, Nineveh and its Remains (1849); Discoveries in the Ruins o f Nineveh and Babylon (1853); G. Smith, Assyrian Discoveries ( 1875 ); R. C. Thompson and R. W. Hutchinson, A Century o f Exploration at Nineveh (1929); R. C. Thompson, “The Buildings on Quyunjip, the larger mound o f Nineveh”, Iraq. I (1934), 95-104; R. C. Thompson and R. W. Hutchinson, “The site o f the palace o f Ashumasirpal at Nineveh”, Liverpool Annals o f Archaeology and Anthro­pology 18 (1931), 79; “The British Museum Excavations on the Temple o f Jshtar at Nineveh”, Liverpool Annals A .A A 9 (1932), 55-116; R. C. Thompson and M. E. L. Mallowan, The British Museum Excavations a t Nineveh (1931, 1932); Liverpool Annals A.A.20 (1933), 71-120; A. Parrot, Nineveh and the Old Testament (1955).

D. J. W is e m a n

NINRA. Veja B e t e - N i n r a .

NINRIM (D’l a], bacias de águas claras, KB, 619). Uma localidade em Moabe.

Isaías e Jerem ias profetizaram “porque as águas deNinrim desaparecem” (Is 15.6; Jr 48.34). Caso esta profecia estivesse realmente traçando a “rota de fuga” dos moabitas, “para Edom”, na direção sudoeste (J. Simons, Geographical and Topographical Texts o f the OT, 436), seguindo o curso de água a partir de Horonaim (Is 15. 5-7) e depois ao sul, através do riacho de chorões (= A fronteira Edonita, Zerede; NIC, AT, Isa, 1:459), então Ninrim seria Seil en Numeirah, ou o jorro do oásis, próximo à costa leste do Mar Morto, a

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NINRODE / NIPUR 513

meio caminho entre El Lisan e ponta sul deste mar. A área atual da terra fértil, servida pelo Wadi Ninrim, que se junta ao Jordão c. 13 quilômetros ao norte do Mar Morto, servindo como marca do limite norte das planícies de Moabe, parece mais provável ser identificado com o m n: (jTD) do AT, q.v. (Nm 32.3,36); cp. N. Glueck, “Explorations in E Pal., II, IV” A4SOR XV (1934-1935), 7, 8; XXV-XXVIH (1945-1948), 366, 367.

J. B. Payne

NINRODE (n a : ; m a ] , LXX Ne(3pcüS). Filho de Cuxe, um guerreiro e caçador primitivo, que tundou um remado na Babilônia, o qual posterior­mente se estendeu até a Assíria (Gn 10.6-8).

1. O nome. A etimologia do nome Ninrode é desconhecida, porém houve muitas tentativas para explicar a sua origem baseada em fontes tanto semíticas quanto não-semíticas. Foi sugerido que talvez fosse um jogo com a palavra m rd, que significa “rebelar”, porém esta é somente uma hipótese. Sabe-se, tam bém, que há um nome acadiano, Namratu(m), que poderia explicar a sua origem. Como era filho de Cuxe (lC r 1.10), conseqüentemente era aparentado com o Cuxe de Gêneses 10.6, um hamita. Portanto, é possível que a origem do nome seja não-semítica. Muitas das possibilidades de identificação desse homem são fornecidas a seguir.

2. Pessoa. Ninrode, de acordo com a des­crição, é o primeiro gibbôr, ou seja, um guerreiro habilidoso (Gn 10.8,9), e “um poderoso caçador” (gibbôr sayld), uma atividade intimamente rela­cionada à primeira. A expressão “valente caçador diante do Senhor” pode ser uma maneira de dizer que era “um caçador renomado”, ou simplesmente “ ...na terra”.

3. Reinado. O seu reinado compreendia as grandes cidades de Babel, Ereque, Acade e Calné, na terra de Sinar. Estas cidades abrangem o antigo reinado de Acade no norte da Babilônia. Saiu desse território e foi para a Assíria, onde construiu N í­nive, Rebote-Ir (possivelmente uma aescrição de Nínive), Calá e Resém, i.e., localizadas no interior da Assíria, que foi chamada de “aterra de Ninrode” por Miquéias (Mq 5.6). Achados arqueológicos que fundamentam a presença de sulistas nessa região, no período pré-histórico e sumério, foram encontrados nos níveis mais baixos desses sítios. Veja A s s í r i a .

4. Identificação. As seguintes hipóteses podem ser incluídas: a) A hipótese de que Nin­rode reflete as sagas dos deuses, identifica-o com Acade, o deus da guerra e da caça, Ninurta (a forma Nimurta não foi localizada). Contudo, este qualificativo não foi encontrado junto ao seu título lugal.marada, que significa “rei de Marad, ou grande força”. Ele poderia ser Marduk (sumério amar. ud[u]), o deus da batalha, um grande herói, mas parece que esse deus não tinha um papel muito relevante no panteão, até o séc. 14 a.C. E.A. Speiser vê em Ninrode o protótipo de Ninus, aquele que é considerado o fundador de Nínive. b) Como era um cuxe (núbio/etíope), foi identificado com o faraó egípcio Amenotepe III, que governou de 1411-1375 (von Rad). Isto im plicaria uma mudança de fatos e idéias, pois esse faraó nunca alcançou o rio Tigre, c) A hipótese de que Ninrode fosse Gilgamés baseia-se somente no fato de que este rei-herói épico de Ereque (cerca de 2700 a.C.) marchou rumo ao norte, além de ser um exímio caçador. A citação “valente caçador diante de Deus” (Gn 10.9) aponta para essa possibilidade, pois o Gilgamés Épico foi amplamente citado na Antiguidade, na região do Oriente Próximo. O nome Ninrode é freqüentemente mencionado em nomes de localidades \veja C alá), por exemplo, em Birs Ninrode. Amenção deste nome nos primei­ros textos islâmicos pode ter sua origem no AT. As dissimilaridades dos nomes, no entanto, fazem com que esta hipótese pareça improvável, d) A hipótese de que Tukulti-Ninurta I da Assíria (cerca de 1246­1206 a.C.) foi o primeiro rei assírio da Babilônia, contradiz a informação fornecida em Gêneses10.10, que diz que Ninrode é originário do sul. e) Sargão I de Agade cerca de 2300 a.C., empreendeu um trabalho de construção em Nínive e Assur, que ficou renomado na literatura simbólica daquela época. Esta hipótese implicaria que Ninrode tivesse algum parentesco com Kassi, das colinas orientais (= Cuxe), mas não há evidências que a comprovem.

BIBLIOGRAFIA. E. A. Speiser, “In Search o f N i­mrod’ , Eretz Israel 5 (1958), 32-36.

D. J. WlSEMAN

NINSI (’©»]). Avô de Jeú (2Rs 9.2,14). Contudo, algumas vezes Jeú é denominado como “o filho de Ninsi” (lR s 19.16; 2Rs 9.20; 2Cr22.7).

NIPUR. Uma cidade da antiga Mesopotâmia, a cerca de 160 quilômetros ao sul de Bagdá ou 80

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514 NINRODE

Ruínas de Birs Ninrode (Calá), talvez uma das cidades do reino de Ninrode. © U.M.R

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NINRODE 515

Remanescentes das escavações em Quis, possivelmente outra cidade sob o domínio de Ninrode. © M.PS.

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516 NISÃ / NOADIAS

quilômetros a sudoeste da Babilônia. Foi fundada pelo povo de “Ubaid”, cerca de 4.000 a.C. Apesar dessa cidade não ter nenhum poder político, foi, indiscutivelmente um centro religioso e cultural do início do terceiro milênio até os dias de Hamurabi. Não há material datado do período que se estende doséc. 17 atéo 14.No tempo de Hamurabi, Nipur concedera para a Babilônia a regalia de tomar-se um centro religioso e cultural. Contudo, essa cidade continuou a ser importante até a época do império da Pártia.

Nipur era o local onde se cultuava o deus Enlil, cujo renome na Antiguidade garantiu a continui­dade dos cuidados dos reis babilônios para essa cidade. No séc. 7°a.C., Assurbanipal, o rei assírio, restaurou o templo de Enlil. Em Nipur se encontra­va a “academia” mais importante dos sumérios, em cuja literatura tanto Nipur como suas divindades— Enlil, sua esposa Ninlil e seu filho Ninurta — , desempenharam um papel bastante proeminente. Nas escavações arqueológicas foram encontradas cerca de 30 a 40 mil placas em Nipur, e cerca de quatro mil são inscrições de textos sumérios.

As escavações em Nipur foram conduzidas por expedições americanas em 1890, 1893-1896, 1899-1900,1948 e a cada ano alternado até 1958. Essas escavações revelaram parte de Ekur, “A Casa da Montanha”, o templo de Enlil e o mais importante santuário sumério, assim como o tem­plo da consorte de Enlil, Ninlil. Foram também encontrados um grande templo dedicado à deusa Inanna e um pequeno templo dedicado a uma divindade desconhecida. A região da cidade onde se encontravam as casas dos escribas também foi descoberta.

BIBLIOGRAFIA. H. W. Hiíprecht, The Excavations inAssyria a n d Babylonia (1904), 289-577; C. S. Fisher, Excavations a tN ippur (1907); V.C. Crawford, “Nippur the Holy City” Archaeology 12 (1959), 74-83.

L. L. W a i .k e r

NISÃ. O primeiro do mês do calendário judaico. Veja C a l e n d á r i o .

NISROQUE ( pc:). Uma divindade assíria, que era cultuada em Nínive. Senaqueribe, o rei assírio, ao retomar depois da derrota perto de Jerusalém, foi assassinado por seus dois filhos Adrameleque e Sa- rezer, enquanto prestava culto na casa de Nisroque, o seu deus (Is 37.36-38). Parece que Senaqueribe foi “esmagado com estátuas de divindadss, cuja

finalidade era a de proteger” (ANET2, pág. 288), assim como “o feriram à espada” (2Rs 19.37).

O nome Nisroque é completamente desconhe­cido nas fontes de material referentes à religião da Mesopotâmia, portanto assume-se que seja uma corruptela. Esse problema da alteração textual também aparece nas variantes das versões gregas. Apesar das muitas sugestões engenhosas que já fo­ram apresentadas para solucionar essa dificuldade, a origem do termo continua incerta.

L. L . W a l k e r

NOA (nrm, descansar). 1. Um local mencionado em Juizes 20.43, cujo nome não é explicitado, mas que possivelmente teria alguma conexão com o significado 2.

2. Um clã benjamita ( lC r 8.2; BJ, Noaá).

NOA (MULHER). Noa era uma das filhas de Zelofeade, da tribo de Manassés (Nm 26.33). Noa, com suas irmãs, levantou a questão sobre a herança, pois seu pai havia perecido no deserto sem deixar filhos como herdeiros (Nm 27.1-11). Noa e suas irmãs ganharam o direito de herança, desde que se casassem com membros da tribo de Manassés, para que a terra não fosse transferida para outra tribo (Nm 36.1-12; cp. também com Js 17.3-6).

S . J. S c h u l t z

NOADIAS (m S íl J , encontrando-se com Yah). 1 . Fi­lho deBinui, um levita mencionado em Esdras 8.33.O nome significa “encontrando-se com Jeová”, ou “Jeová encontrou-se comigo com hora marcada”. Noadias é um dos quatro homens (dois sacerdotes e dois levitas), que foram designados como guar­diões do tesouro que Esdras trouxe do exílio. E importante notar que o tesouro público era mantido no templo, como era costume no Oriente Médio.

2. Uma profetisa, aliada de Tobias e Sambalate, da época da reconstrução do muro de Jerusalém (Ne 6.14). Batten aponta a diferença de significado entre TM e a LXX. Por um lado, há a imprecação dirigida à profetisa, Noadias, e aos outros profetas que estavam tentando amedrontar Neemias. Por outro lado, seria um aviso definitivo, no interesse de Noadias e dos profetas que estavam advertindo Neemias.

BIBLIOGRAFIA. L. Batten, ICC, TheBooks ofEzra a n d Nehemiah (1913).

W . B. W a l l i s

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NÔ-AMOM / NODABE 517

N Ô-A M O M . Veja T e b a s .

NOBA (m3). 1. Líder manasseíta (Nm 32.42) que conquistou Quenate e suas aldeias, e chamou-lhe Noba. Números 32.33 fala da distribuição, feita por Moisés, dos territórios de Seom e de Ogue para Rúben, Gade e Manassés. Provavelmente Noba era manasseíta e Quenate-Noba localiza-se nesse território.

2. Juizes 8.11 refere-se a Noba como uma rota de caravanas, a leste de Sucote, na região de Jogbeá. Carcor é mencionada (Jz 8 .10) como uma cidade mais a leste. Ali Zeba e Salmuna, os reis de Midiã, acampavam os seus exércitos. Gideão dirigiu-se para o leste, para além de Noba e Jogbeá, ao longo da rota das caravanas, e derrotou aquele exército e capturou os dois reis. A localização de Carcor é desconhecida.

S. Cohen (The Interpreter's D ictionary o f The Bible, vol. III, 6) chama a atenção para o nome antigo de Noba (Quenate), que aparece em 1 Crônicas 2.23. Ele acha que essa região localiza-se na cidade moderna de “Qanawat em el-Hauran, a nordeste de es- Suweideh, uma cidade dos drusos”. Cohen (obra citada II, 929) acha que Jogbeá corresponde a Khirbet el-Ajbeihat, c. 11,2 quilômetros a noroeste de Amã. Esse local também é conhecido como el-Jubeihat (The Macmillan B i­ble Atlas, índice e pág. 54). A localização geral de Noba é conhecida, mas nenhum sítio arqueológico exato foi proposto.

W. B. W a l l is

NOBE (2], próspera?). Cidade a nordeste de Jerusalém.

N obe era um a cidade de sacerdotes (ISm 22.19), próxima da capital de Saul, Gibeá, para onde o Tabernáculo foi transferido após a des­truição de Siló (14.2,3; cp. Jr 7.14; Mc 2.26). Na época em que Davi fugia de Saul, cerca de 1015a.C., o sumo sacerdote Aimeleque deu-lhe, na cidade de Nobe, os pães da proposição e a espada de Golias (1 Sm 21.1-9). Em represália a este fato, Saul matou 85 dos sacerdotes e “também a Nobe, cidade dos sacerdotes, passou a fio de espada” (ISm 22.11-19). Três séculos após esse episódio, Nobe foi descrita como um ponto de parada dos assírios — que chegavam do nordeste — e de onde poderiam agitar “o punho ao monte da filha de Sião” (Is 10.32; cp. Jerusalém, II, C). Isto sugere que Nobe pode ser identificada com Ras Umm et-Tal, ou o monte Scopus, na parte norte das

encostas das Oliveiras (J. Simons, Geographical and Topographical Texts o f the OT, 70, 319).

Essa localização de Nobe é confirmada pelo texto de 2 Samuel 15, que descreve Davi chegando ao cimo, “onde se costuma adorar a Deus” (2Sm 15.32), e pela passagem de Neemias 11.31,32, que enumera Nobe como uma cidade benjamita, localizada entre Anatote e Ananias (q.v.). (Be­thany; ibid., 390).

J. B . P a y n e

NOBRE (nmn, t i» , a’Ti, t j j ; s-uyevfiç, [3aaí?a-KOÇ, K pátU JTO Ç).

nTnn é a palavra mais comumente usada para designar “nobre” no AT. E estritamente um subs­tantivo, que só ocorre na forma plural. Engloba as idéias de nascimento livre e liberdade, e é espe­cialmente usado no hebraico bíblico mais recente (Ne 2.16; 4.14,19; 5.7; 6.17; 7.5 e 13.17).

T1N como adjetivo do hebraico significa “m a­jestoso”, “glorioso”, “magnificente”, logo, o sig­nificado de “nobre”. Como substantivo refere-se aos nobres, chefes ou servos do Senhor, e enfatiza a majestade daqueles que são mencionados por esse nome (2Cr 23.20; Ne 3.5; 10.29; et al.). significa “nobre” no sentido de ser “disposto”, “generoso”, e “pronto para servir as pessoas” (Nm 21.18; ISm 2.8 et al.). 7’:: é derivado da raiz que significa “ser conspícuo” e refere-se ao líder ou nobre como “um que está à frente; um nobre” (Jó29.10). Outras palavras usadas no AT são Vtu» “seus grandes” (Jn 3.7); 1333, “o mais honrado” (Gn 34.19); ip ’, “o grande e afamado” (Ed 4.10); e n’a m í , “ os mais nobres ” (Et 1.3; 6.9).

No NT, três palavras são usadas para significar “nobre”. A palavra sijysvTÍç refere-se a nobreza no sentido de “ser bem nascido” ou “de raça nobre”. É usada em Lucas 19.12 e 1 Coríntios 1.26. Foi utilizada para referir-se ao povo de Beréia em Atos17.11. Neste contexto, provavelmente, refere-se mais à nobreza de alma e espírito do que de nas­cimento. A palavra paaíXiKOç significa “pertencer ao rei”, portanto é o mesmo que dizer “oficial” (Jo 4.46,49 et al.). E KpáDiuToç é utilizada duas vezes para dirigir-se aos governantes, transmitindo a idéia de força suprema, logo “excelentíssimo” (At 24.2; 26.25).

W. G e r ig

NODÂBEE (mi])-. O nome de uma tribo árabe mencionada, com Jetur e Nafis, em 1 Crônicas 5.19. Eram aliados dos hagarenos. Essas tribos

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518 N O D E /NOÉ

foram derrotadas e depostas por Rúben, Gade, e Manassés. O período não foi especificado, mas em1 Crônicas 5.10 os hagarenos aparecem novamen­te, como oponentes de Saul.

Curtis (ICC, Chrçnicles, pág. 120) relata que os hagarenos são m encionados em inscrições assírias, com os nabateus, e localizavam-se no nordeste da Arábia. Outras fontes da antiguidade corroboram esta afirmação. É bem provável que A ^ r , a mãe de Ismael, tenha alguma conexão tom os hagarenos.

Parece q u e a localização geral das tribos de Israel na Transjordânia, as anotações extrabíblicas, e o agrupamento de Jetur, Nafis e Nodabe com os h a g a re n Q S são fatores que estariam associados para identificar Nodabe como uma tribo árabe. Esse nome só é citado nesse local da Bíblia, e não se sabe nada mais a respeito desse assunto.

W . B. W a l l is

NODE (71]). Localidade ao oriente do Éden, para onde Caim retirou-se após matar o seu irmão Abel (Gn 4.16). Nât> é possível dizer exatamente a qual região se refere.

NOÉ (ru; LXX Nffie). Apesar de não termos certe­za sobre a etimologia do nome, o seu significado é associado com a idéia de “repouso”, “conforto” ou “consolar” (Gn 5.29). A LXX utiliza o nome Nõe, que é A forma utilizada no NT. Veja. D in s f lí t

Noé é mencionado pela primeira vez em Gêne- siTS.28,29, como filho de Lameque e o último dos dez patriarcas antediluvianos enumerados em Gê­nesis. Em Gênesis 6-9, Noé é o herói da narrativa do dilúvio, pois ele e sua família sobrevivem.

Noé tinha 500 anos quando o seu primeiro filho nasceu. O dilúvio iniciou-se 100 anos mais tarde, porém Noé já sabia sobre este julgamento, qu* resultaria em grande cataclisma, 120 anos antes de sua ocorrência (lP e 3.20). Em obediência às instruções de Deus, construiu uma arca e avisou os homens, seus contemporâneos, que o julgamento divino era iminente.

Quando houve o dilúvio4 somente Noé, sua esposa, seus três filhos e suas respectivas esposas foram salvos, pois estavam na arca. O dilúvio, que se estendeu por toda a área que a raça humana havia ocupadQ, provavelmente o globo inteiro, destruiu completamente o restante da raça hu­mana (Gn 7.7; lPe 3.20). Aproximadamente um ano após o início do dilúvio (Gn 7.11; 8.13), Noé

recebeu a ordem de deixar a arca. Em resposta ao sacrifício de Noé, Deus assegurou que a terra nunca mais seria destruída dessa maneira e que as mudanças sazonais continuariam a existir regular­mente (Gn 8.20-22).

Noé tomou-se o pai de toda a raça humana. De acordo com os capítulos 10 e 11 de Gênesis, os descendentes de Sem, Cam e Jafé, dispersaram-se sobre uma vasta área terrestre. Não híLregistro nas Escrituras de outros descendentes de Noé, nasci­dos após o dilúvio. A aliança de Deus era com Noé e seus filhos. Canaã, um filho de Cam, foi alvo de uma maldição específica, possivelmente porque tratou seu avô de maneira desrespeitosa.

De acordo com as referências encontradas nas Escrituras, o caráter de Noé pode resultar em um estudo muito interessante. Havia uma maldição que pairava sobre os homens e com a qual o nome de Noé está asscítiado (Gn 5.28,29). Por gerações o homem esperara por uma semente ou descendência por intermédio da qual pudesse ser consolado da maldição divina (Gn 3.16,17). Nem o nascimento de Caim (Gn 4.1), nem o nascimento de Sete (Gn4.25,26) forneceram essa possibilidade. Quando Noé nasceu, nascia também uma nova esperança de alcançar-se algum alívio ou consolo no sofri­mento, resultante daquela maldição.

Noé foi considerado um “homem justo e ínte­gro entre os seus contemporâneos” (Gn 6.9). Este padrão de vida resultou de seu relacionamento íntimo com Deus, que o autor de Gênesis descre­veu como “andar com Deus” (Gn 6.9) e o autor de Hebreus como “herdeiro da justiça” (Hb 11.7). Dessa forma, o modo de vida de Noé contrastava com o padrão de vida usual da sua geração, que era descrito como tão corrupto e continuamente mau, que Deus arrependeu-se de ter criado o homem. Noé foi o único homem que “achou graça diante de Deus” (Gn 6.8).

Noé foi favorecido por Deus, ao ser avisado do iminente julgam ento sobre a corrupta raça humana. Sua responsabilidade era construir a arca e servir de mensageiro da justiça (2Pe 2.5). Conquanto Noé exercesse uma fé obediente ao submeter-se às instruções de Deus, o restante da raça humana, exceto a própria família de Noé, ignorou os avisos e em conseqüência pereceu no dilúvio. Não só o padrão moral da humanidade é mencionado (Gn 6.1-5,11-13), mas Jesus em Seus ensinamentos retrata as condições que precipita­ram esse julgamento divino sobre a raça humana (Mt 24.37-39; Lc 17.26,27).

A primeira preocupação de Noé, após deixar a arca, foi trazer uma oferta ou sacrifício ao Deus

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NOÉ 519

Monte Ararate^

Esboço original da arca, feita pelo artista Alfred Lee. Abaixo: Monte Ararate: fotografia tirada de um desenho (data e artista desconhecidos), que se encontra no livro N oarfaA rk: Fact or Fable?, escrito por

Cummings © 1972 Creation Science Research Center. Reprodução utilizada com permissão.

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520 NOÉ, O LIVRO DE / NOEMI

que o sustentou durante esse terrível julgamento. A medida que Noé prestava culto a Deus, foi-lhe garantido que a bênção divina estava reservada para ele e os seus filhos e que aquele julgamento não seria repetido. Noé e seus filhos foram comis­sionados a tomar a encher a terra e a subjugar todas as criaturas e a vegetação. Essa aliança foi iniciada divinamente e tinha abrangência universal. Apli­cava-se a toda criatura viva e deveria durar para sempre. Foi selada por Deus com o sinal visível do arco-íris (Gn 9.9-17; cp. também com Is 54.9). ParaNoé e sua semente houve a confirmação divi­na de que nunca mais toda a came seria destruída com um dilúvio.

Há poucos registros sobre Noé e os seus 350 anos de vida pós-dilúvio. Morreu com a idade de 950 anos. Após o dilúvio, Noé ocupou-se com a lavoura e atividades agrícolas. No decurso do tempo ele cultivou a vinha e foi surpreendido com o pecado da embriaguez, quando bebeu o vinho. Não fica claro no registro das Escrituras, se esse comportamento de ceder à tentação da embriaguez, pelo justo Noé, deveu-se à idade ou à imprudência. Sabendo desse comportamento im­próprio, Cam informou seus irmãos, que respeito­samente cuidaram de seu pai. Parece bem provável que Canaã, o filho mais moço de Cam, teve um comportamento mais desrespeitoso. Quando Noé tomou conhecimento dos fatos, anunciou a sua maldição sobre Canaã, dizendo que seria servo de seus irmãos. Alguns estudiosos interpretam essa maldição como uma fala profética de Noé, em que predisse que os descendentes de Canaã seriam servos de seus irmãos, provavelmente em conseqüência dessas características desfavoráveis de seus descendentes.

BIBLIOGRAFIA. H. C. Leupold, Genesis (1942), 247-354; C. F. Pfeiffer, The BookofGenesis (1958), 28-34.

S. J. ScHULTZ

NOÉ, O LIVRO DE. Um texto judaico antigo sobre Noé, que chegou ao nosso conhecimento por intermédio do livro dos Jubileus (veja 10.13;21.10). Hoj e, acredita-se que provavelmente estej a subjacente em algumas partes do Livro de Enoque (1 Enoque).

R. H. Charles (veja a Bibliografia) acredita que as seguintes partes de 1 Enoque pertençam ao Livro de Noé: os capítulos 6-11; 54-55.2; 60; 65-69.25; 106,107. J. E. H. Thompson demonstra algumas discordâncias em relação a esse enfoque {veja a Bibliografia). As considerações de Char­

les sobre o Livro de Noé podem ser relatadas da seguinte maneira: os capítulos 83-90 de 1 Enoque pressupõem a existência dos capítulos 6-36, dos quais o Livro de Noé parece contribuir com uma parte. Visto que os capítulos 83-90 podem ser datados de um período não posterior a 161 a.C., a data mais tardia para a composição do Livro de Noé é, portanto, 161 a.C.

Os ensinamentos gerais de 1 Enoque apontam para um autor que era um dos Chasids, ou dos que posteriormente seriam os fariseus. O autor do livro se encaixa bem na designação Chasidic, porém é impossível chegar a outras conclusões, além dessa. Este livro é importante, pois compõe parte de 1 Enoque, que fornece informações valiosas sobre a teologia judaica do período referente ao pré-cristianismo.

Não há manuscritos que contenham o Livro de Noé isoladamente. Há muitos manuscritos de1 Enoque, alguns dos quais em fragmentos, e a maioria deles é de uma época muito posterior. Além disto, há vss grega, latina e etiópe.

BIBLIOGRAFIA. R. H. Charles, APO T , II (1913), 163-281; J. E. H. Thompson, “Apocalyptic Literature”, ISBE, 1(1929), esp. 165, 166.

H. G. A n d e r s e n

NOEM I (’as:, LXX Ncde|j,ív, significando meu deleite ou algo parecido). Sogra de Rute.

Noemi é um dos principais personagens no Livro de Rute — no início, pelo menos, a nar­rativa gira em tomo dela. Noemi e seu marido, Elimeleque de Belém, tinham dois filhos, Malom e Quiliom (Rt 1.1-3). Quando Noemi ficou viúva, seus filhos se casaram com mulheres moabitas, a saber, Orfa e Rute (v.4). Dez anos depois seus dois filhos morreram; então Noemi e suas duas noras deixaram Moabe para irem para a terra natal de Elimeleque, em Judá, ao ouvirem que havia ali­mento ali (vv. 5-7). Aparentemente, no caminho Noemi sugeriu às duas moças que voltassem para a segurança de suas próprias famílias, em vez de ficarem com ela. Orfa aceitou o conselho da sogra, mas Rute respondeu com as famosas palavras: “Aonde quer que fores, irei eu e, onde quer que pousares, ali pousarei eu; o teu povo é o meu povo, o teu Deus é o meu Deus”, (w . 16-17).

Quando ambas chegaram a Belém, Noemi pediu a todos que não mais lhe chamassem “mi­nha doçura” mas “chamai-me Mara [amargura], porque grande amargura me tem dado o Todo-Po- deroso” (v.20). Noemi aconselhou a sua nora que

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NOFA/NÔM ADES 521

fosse trabalhar para um parente próximo, Boaz, e buscar seu favor. Noemi arrumou as coisas de maneira tal que, quando ela vendesse a herança, Rute fosse incluída na transação (4.5). Visto que o parente mais próximo não concordou com o negócio, Boaz comprou as duas partes, a terra e a Rute. O fato de que Rute gerou Obede, avô do Rei Davi, fez de Noemi sogra de uma ancestral de Jesus, o Messias (4 .17 ;cp .M t 1.5). Veja R u t e ,

LrVRO DE.

BIBLIOGRAFIA. Cp. Comentários sobre o livro de Rute.

R. L. A l d e n

NOFA (nDD). Cidade de Moabe mencionada so­mente uma vez, em Números 21.30. Na RSV “fire spread” encontra-se a expressão (“fogo se espal­hou'’), o texto foi evidentemente adulterado.

NOGA ("}], esplendor). Um dos filhos de Davi, nascido em Jerusalém (lC r 3.7; 14.6). Em uma listagem em que os nomes dos filhos de Davi são enumerados, em 2 Samuel 5.14,15, este nome está faltando.

NOITE (nT7, noite', lon, trevas; niM, crepúsculo', mi?, o anoitecer, vúÇ, noite). No princípio, através da palavra criadora de Deus, a luz foi separada das trevas e a sucessão de dias e noites se iniciou (Gn1.3-5). Este significado temporal para a palavra noite é o mais comum em toda a Bíblia. No AT, a noite era dividida em três “vigílias”, para a guarda noturna por soldados e pastores. A primeira vigília se estendia do pôr-do-sol às 22 horas (Lm 2.19); a segunda, das 22 horas às 2 da manhã (Jz 7.19); e a terceira, ou vigília da manhã, das 2 horas da manhã até o nascer do sol (Ex 14.24; 1 Sm 11.11). No NT, a noite é dividida em quatro vigílias, de acordo com o costume romano (Mt 14.25; Mc6.48; 13.35; Lc 12.38).

Além desse uso natural, o termo noite é vasta­mente usado nas Escrituras, para referir-se àquilo que é espiritualmente ruim e contrário à luz do amor e justiça de Deus.

1. F. usada como símbolo da escuridão da mente dos homens, da ignorância e confusão dos cora­ções dos homens, quando Deus é deixado de fora de suas vidas (Mq 3.6; Jo 11.10). Judas, quando se afastou do amor de Jesus para trai-lo, saiu “e era noite” (Jo 13.30).

2. Os cristãos são lembrados de, que saíram das trevas e que agora são filhos da luz e do dia, e não pertencem mais à noite (lTs 5.4-8).

3. A presente era maligna, na qual o pecado e Satanás reinam, é o período noturno do mundo, que será destroçado, pelo retomo de Cristo (lTs 5.2; 2Pe 3.10). Esta é a esperança e consolo do cristão (Rm 13.12) e a descrição mais eloqüente da era gloriosa que virá (Ap 21.25; 22.5).

4. O julgamento de Deus também é descrito como noite, quando a luz da sua presença é retirada da terra e a ira de Deus volta-se contra o pecado (Is 15.1; 21.11,12).

5. Noite é também tempo de dor, tristeza e sofri­mento para o indivíduo (Jó 7.4; SI 30.5), porém “a alegria vem pela manhã” (SI 30.5). Até mesmo em tais ocasiões, não estamos afastados dos cuidados de Deus (SI 139.11,12) e pela sua misericórdia Ele nos dá “canções de louvor durante a noite” (Jo 35.10; SI 42.8).

P. C. J o h n s o n

NOIVA. Veja Casamento.

NOIVA (DE CRISTO) (in>|J.<t>T|, ywf], 7iocp0évoç). Termo usado no NT para se referir à Igreja em sentido metafórico, tendo Cristo como esposo (2Co 11.2; Ap 19.7; 21.2,9; 22.17). No AT, Israel é citada algumas vezes como sendo a esposa de Yahweh (Is 54.6; Ez 16.8; Os 2.19,20). A figura é usada para mostrar o quanto Deus valoriza a relação entre ele e seu povo. A deslealdade, para ele, é adultério.

NOIVADO. Veja C a s a m e n t o .

NOIVO. Veja C a s a m e n t o

NOIVO, AM IGOS DO; AM IGOS DO NOIVO.Veja C a s a m e n t o

NÔM ADES. Nômades são grupos de pessoas que vagueiam e, freqüentemente em conseqüência das variações sazonais, mudam a área de residência dentro de uma região mais abrangente, a qual consideram seu território pátrio. Há basicamente três tipos de tribos nômades. O primeiro é carac­terizado pela caça e provisão de suas necessidades

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522 NÔMADES

Um grupo de "nômades" dos dias de hoje — beduínos acampados em um lugar onde se localizava a Nínive da Antiguidade. © M.RS.

básicas, com pouca preocupação em relação à produção de excedentes para o armazenamento, ou à divisão organizada do trabalho. O segundo grupo é formado basicamente de pastores e ca­racteriza-se por seguir um padrão organizado de pastagem, o qual é regido pelas estações do ano e a natureza do rebanho ou manada. Há uma divisão do trabalho entre os vários grupos, freqüentemente formados por famílias que possuem seu próprio rebanho e território. Esses indivíduos vivem de seu rebanho, usando o leite e os próprios animais— sua carne, peles, pêlos e crina — para comida e para manufatura de vestimentas, tendas, garrafas de água etc. O terceiro grupo é caracterizado por vínculos à agricultura. Ocupam uma área até que o plantio e a colheita sejam exauridos, e depois se mudam para uma nova região.

Alguns valores desses povos têm sua origem nas premências desse estilo de vida nômade. A necessidade de mobilidade resulta na redução dos bens e propriedade. A riqueza do grupo é baseada no tamanho de seus rebanhos ou manadas. A de­pendência mútua dos membros de uma tribo, assim como a consciência de sua descendência comum, resulta na solidariedade e, concomitantemente, em práticas como a vingança de sangue.

H avia m uitos grupos nôm ades no A ntigo Oriente Próximo, que são mencionados em docu­

mentos originários de Mari, Nuzi, Alalah, Ugarite e Tell el-Amama.

A maioria dos nômades hoje em dia possui camelos, assim como cavalos. O jum ento teve uma participação especial na narrativa bíblica, especialmente a que se refere aos patriarcas (Gn 22.3; 24.35; 30.43; 32.5). O jumento era sacri­ficado em Mari, onde muitos outros costumes semelhantes ao dos patriarcas são reproduzidos. Em Zacarias 9.9 há a descrição do rei montado em um jumento.

Independente de seu estilo de vida em Ur, quando Abraão iniciou suas viagens, adotou um estilo nômade de vida, que se prolongou na vida de Isaque e Jacó, até que os filhos de Israel fixaram- se no Egito. Apesar de Abraão ter camelos, seu rebanho era composto principalmente de ovelhas, bodes e jumentos. Ele mudava a sua tenda de um lugar para outro ÍGn 13.3,5,18; 20.1) e estabeleceu direitos de pastagem com Ló (Gn 13.8). A história de Isaque reflete um estilo de vida nômade, ou pelo menos seminômade, pois se fixou por um período e semeou a terra, e depois se mudou no­vamente (Gn 26.12). Do mesmo modo, o retomo de Jacó, da terra de Labão, é descrito quase como o movimento de uma tribo de nômades com suas várias tendas (Gn 31.33). Há paralelos entre a história secular e as histórias bíblicas sobre os

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NOME 523

descendentes da família de Jacó no Egito (cp. 42;46.34,47.4).como o grupo representado em uma pintura na tumba de Khnum-hotep III em Beni Hasan, datadas de cerca de 1890 a.C.

A profecia sobre o futuro de Ismael sugere um estilo devida nômade (Gn 16.11,12). Referências posteriores refletem essa condição nômade em sua vida (Gn 37.25). Os nomes das localidades e acampamentos ismaelitas sustentam a iden­tificação desses com os árabes (Gn 25.13-18). A menção de que, sob o comando de Davi, um ism aelita era responsável pelos camelos ( lC r27.30) é bastante relevante. Os ismaelitas tinham ligações com os edomitas, uns dos inimigos de Israel (SI 83.6).

No Egito, os israelitas viviam em uma área freqüentada por nômades e seminômades. Moisés refugiou-se em uma tribo nômade de pastores (Èx 2.15ss.) e apascentava ovelhas (Ex 3.1). Parece que os queneus e os midianitas eram nômades que habitavam em tendas (Jz 5.24; 6.4,5).

N a peregrinação do deserto, Israel tomou-se novamente um povo seminômade, que, com seu reoanho, movia-se de um oásis a outro (Nm 10.31; 3 3.1). O Tabernáculo era especiaimente adequado para um povo com essa tradição de vida nômade. Na conquista da Terra Prometida, há elementos que indicam um estilo de vida nômade utilizando jumentos (Js 15.18; Jz 10.4; 12.14).

O estilo nômade dos hebreus reflete-se na lín­gua hebraica, que refere-se à casa de um homem como “tenda (Jz 20.8; ISm 4.10; 2Sm 20.1; lR s 8 66; 12.16). Para expressar a idéia do despertar cedo e iniciar uma viagem é utilizado o verbo DD’v. Esse verbo literalmente significa “carregar o lombo (de animais de fardo)”. As figuras de linguagem de alguns textos são reflexos do atar com cordas e fincar estacas (SI 78.55; Ct 1.5,8; Is 33.20; 40. 22; Jr 10.20). Os salmos são especial­mente ricos em figuras de linguagem originárias do estilo nômade de vida (SI 23; 44.11; 49.14; 78.52,72; 79.13; 80; 95.7; 100.3). Esse pano de fundo da vida nômade freqüentemente é usado nas figuras de linguagem utilizadas nos apelos proféticos (Is 40.11; Jr 50.6; Ez 34.6,11; Zc 13.7). Os profetas usam figuras de linguagem desse estilo de vida para fazer comparações com as funções dos líderes do povo (Jr 23.4; 25.34; Ez 34.2,5,8; Zc 10.2; 11.3,5,8,15).

BIBLIOGRAFIA. J. Flight, “The Nomadic Idea and the Ideal in the Old Testament”, JBL XLII (1923), 15 8ss.; R. deVaux, Ancient Israel (1961 3-15.

L. L. W a l k e r

NOM E. A primeira e mais importante experiência pela qual passava um recém-nascido hebreu era o recebimento de um nome. Tal como Deus ao com­pletar sua obra de criação deu nomes aos “céus”, “terra”, “dia”, “noite”, “mar” e criaturas (Gn 1.3­10) e a cada estrela (Is 40.26), da mesma forma ele deu ao homem, a criatura que fez à sua imagem, o privilégio de dar nomes a cada animal (Gn 2.20) e a cada um de seus filhos (Gn 4.1,2,26).

A. Terminologia1. Em hebraico bíblico2. No grego da LXX3. No grego do NT

B. Nome no AT1. Nomeação

a. De uma pessoab. De um lugar

2. A mudança de um nome3. O significado de um nome

a. Nome e personalidadeb. Nome e autoridadec. Nome e reputaçãod. O nome de Yahweh

1) A revelação de Yahweh2) O ser de Deus3) A doutrina de Deus4) O desenvolvimento teológico

C. Nome nos apócrifos e pseudepígrafos

D. Nome no NT1. Nome e a personalidade2. Nome e a autoridade3. Nome e a reputação4. O nome de Cristo

a. Fé no nomeb. Batismo no nomec. Oração no nomed. Milagres no nomee. Perseguição no nomef. Proclamação no nome

A. Term inologia.A palavra “nome” ocorre no AT como tradução

de de>, 770 vezes no singular e 84 vezes no plural. A LXX traz õvo|ia, que aparece em mais de mil versículos, dos quais aproximadamente 100 estão nos apócrifos, enquanto cerca de 200 exemplos desta palavra grega são usados como nome no NT. Existem algumas palavras que se relacionam e serão discutidas abaixo, mas os fatos estatísticos para esse conceito são realmente impressionantes e indicam a importância do “nome” na Bíblia.

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524 NOME

1. Em hebraico b íb lico . N a realidade existem dois sinônim os para “nom e” em he­braico e acadiano (1) □C’, que aparece onze vezes no aramaico de Daniel 2.20,26; 4.8,19; Esdras5.1-14 e 6-12; como sum, é cognato do acadiano Sumu, “nom e” . (2) 131, “ lem brança”, “nom e” ou “memorial” aparece 23 vezes e é cognato do acadiano zikãru, “nomear”, ou “m encionar” e zikru, “nome”.

O segundo termo é o menos freqüente destes dois. A etimologia da raiz hebraica zkr ainda per­manece sem solução, embora muito esforço tenha sido feito para solucionar o problema. Gesenius, na primeira edição do seu Thesaurus, representou o principal consenso até então, ligando zkr “lem­brar, recordar” com o substantivo zãkãr, “macho”, visto que pensava-se que o sexo masculino era aquele pelo qual a memória dos pais e ancestrais era preservada. Gesenius mudou sua opinião em edições posteriores de seu léxico e argumentou que a idéia da raiz era a de furar ou perfurar, e daí teria vindo o substantivo como membrum virile. A memória seria, nesta teoria, uma penetração ou fixação na mente. Esta e todas as outras teorias falharam devido à falta de evidência positiva. Por exemplo, não há evidência para sugerir que este substantivo semita tenha alguma vez portado o sentido de perfurar.

O verbo zãkãr, “ lem brar” , aparece na raiz hiphil como uma fórmula estabelecida com o substantivo sêm, na qualidade de objeto direto, seis vezes (Êx 20.24; 24.21; 2Sm 18.18; SI 45.17; Is 26.13; 49.1). Em quatro outros casos ele aparece com a preposição be e o substantivo sêm, todos os quais levaram estudiosos como B. Jacob, J. Begrich e B. S. Childs a interpretar o hiphil desse verbo como um denominativo de zêjçer, “dar nome ao nome” um ato de pronunciamento mais do que de memória, como na extensão qal.

Para ver exemplos do substantivo zêker, veja Êxodo 17.14, “eu hei de riscar totalmente a me­mória de Amaleque de debaixo do céu” (também Dt 25.19); “este é meu nome (Sêm) eternamente, e assim serei lembrado (zêker, meu memorial) de geração em geração” (Êx 3.15). “A sua memória desaparecerá da terra, e pelas praças não terá nome” (Jó 18.17); cp. também Deuteronômio 32.26; Sal­mos 6.5; 9.6; 30.4; 34.16; 97.12; 102.12; 109.15; 112.6; 135.13; 145.1; Provérbio 10.7; Eclesiastes 9.5; Isaías 26.14; Oséias 12.5; etc. Estes textos incluem a idéia da menção venerável dos títulos e renome de Deus como extensões do seu nome.

A outra raiz, Sêm, é a palavra comum em he­braico para “nome”. Em 1872 Redslob (ZDMG.

751-756) argumentou que ela era derivada da raiz Smw, “ser alto” e, portanto, seu significado básico era de altura e então (1) um monumento (Gn 11.4; 2Sm 8.13; Is 55.13) ou mausoléu (Is 56.5), e (2) excelência ou majestade (SI 54.1). Entretanto, P. Lagarde (Buildung der Nomina, 160) e W. R. Smith (Kingship, 213) argumentaram em favor da raiz Arab. wSm, “marcar ou carimbar” e, portanto, a palavra Sêm originalmente significaria um “sinal” ou “memorial” . Qual raiz foi o sentido original da nossa raiz é incerto, mas o desenvolvimento da palavra engloba ambos os conjuntos de idéias em seu âmbito de significados.

As combinações de preposições com Sêm são instrutivas. A expressão idiomática “chamar o nome de alguém” (Eng. to call oves, chamar por/ sobre preposição ‘al) é encontrada dezoito vezes. Isaías 4.1 descreve um dia no futuro, numa Jerusa­lém despovoada, quando sete mulheres pedirão a um homem: “tão-somente queremos ser chamadas pelo teu nome” ou seja, a proteção do marido e sua propriedade são assinaladas pelo nome dele. Em 2 Samuel 12.28 aparece a referência de Davi dando seu nome à cidade conquistada. Em Amós 9.12 o nome de Deus é dado aos gentios, tal como é concedido a Israel (Is 63.19). O termo lêSêm ocorre 56 vezes (geralmente com referência ao nome de Yahweh) e bêsêm cerca de 130 vezes. Acompanhando essas figuras gramaticais, Bie- tenhard (TDNT, V, 252-253) notou as seguintes preposições: min partitivo e comparativo (três vezes), léman‘an, “em consideração a” (dezesseis vezes), ké, “como” (sete vezes) e ba‘ãbür “em consideração a, por amor de” (uma vez)

2. No grego da LXX. A LX X consistente- mente traduz o hebraico sêm e o aramaico sum pelo grego õvo|ia, “nome”. Esse termo grego também foi usado para traduzir outras palavras hebraicas como neker (Gn 21.23), sêmo.' (Gn 19.13; Nm 14.15; Dt 2.25; Is 66.19); sõ m a ‘ (Js 6.27; 9.9) e algumas vezes zêker (DT 25.19). Neste caso a LXX algumas vezes acrescenta õvo |ia antes de mencionar um nome de uma pessoa ou lugar, por motivos estilísticos, ex. Gênesis 21.31; lC r 2.1. Para o termo hebraico zêker, ela geralmente prefere os termos gregos |ivr||j.T|, nvruxóawov e |i veia, “memória” ou “lembrança”.

3. No grego do NT. O NT usou õvo|ia tanto quanto os hebreus usaram suas palavras para “nome”. Assim, um nome é uma “reputação” (Mc6.14. “o nome [õvo|xa] de Jesusjá se tomara notó­rio”; Fp 2.9; Ap 3.1); a “autoridade” e “poder” pelo

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qual alguém age (Mt 7.22; Mc 9.39; At 4.7: “Com que poder ou em nome de quem fizeste isto?); o “caráter” de seu possuidor (Mt 6.9: “Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome”; Jo 12.38); o “sistema total de doutrina divina”, o “conteúdo da revelação”, ou “verdade divina” (Jo 17.16 “Eu lhes fiz conhecer o teu nome,” Jo 17.26; Hb 2.12 citando SI 22.22); a “posição” ou “categoria” (de um profeta. Mt 10.41); e no plural “pessoas”, “povo” (At 1.15; Ap 3.4: “Tens ... contudo... umas poucas pessoas fóvóiiarajque não contaminaram as... suas vestiduras”; Ap 11.13; At 18.15).

As combinações preposicionais serão tratadas com mais detalhe abaixo, mas estas também mostram a mesma influência semítica, ao invés dos significados clássicos típicos. A forma dativa de õvo|j.a é encontrada com èv(quarenta vezes) e È7t'i (pelo menos quatorze vezes). Essas formas são usadas quase como uma fórmula para “pela autoridade de” ou “no poder de” Deus ou Jesus Cristo. O genitivo (três vezes) e o acusativo (quatro vezes) são encontrados com a preposição 5íoc; o primeiro designando os meios e o agente para os resultados descritos, enquanto o último tem o nome como o fundamento e uma base so­bre a qual repousa a ação. Pode parecer que eiç, junto com o acusativo, funcione freqüentemente como n v i, “com respeito a, pensando em”, “por amor de”, ou “para o beneficio ou por causa de”. Algumas das outras preposições são ê v e m (Mt 19.29; Lc 21.12); rcepí e o genitivo (At 8.12); Jtpoç e o acusativo (At 26.9); e m e p e o genitivo (At 5.41; Rm 1.5).

B. Nome no AT.O nome é essencial para o ser, a existência e

o caráter de Deus e do homem. Uma pessoa está centrada em um nome (1 Sm 25.25. Nabal era como seu nome — ele era um “louco”).

1. N o m e a ç ã o , a. De uma pessoa. Em geral a primeira experiência a que uma criança recém- nascida era submetida era a prática de dar nome. Somente mais tarde é que esse acontecimento pas­sou a ser praticado no oitavo dia, quando a criança era circuncidada. Isto acontecia nos tempos do NT (Lc 1.59; 2 .21},- mas o AT não dá qualquer evidência desse costume.

O hebraico tem uma expressão estabelecida ou fórmula equivalente a “dar um nome” ou “chamar o nome de alguém”. E o verbo qara’. “chamar, nomear” com o acusativo sêm (“nome™ algumas vezes precedido pelo sinal do objeto direto e pela

inseparável preposição lê, antes da pessoa, lugar ou coisa. Essa expressão para dar um nome deve ser distinguida da fórmula “apontar um nome” (sim Sêm lê, em Jz 8.31; 2Rs 17.34; Ne 9.7) que é usada no sentido de conferir um novo nome.

Para cerca de 2.400 indivíduos no AT são re­gistrados mais ou menos 1.400 nomes diferentes. Em 46 casos o AT menciona a parte que os pais tomavam ao dar nome a uma criança: em 28 ca­sos o nome foi dado à criança mãe (ex. Gn 4.25; 16.11; 19.37s.; 20.35; 30.6,8,11,13,18,20,24,29; ISm 1.20; etc.), mas o pai participou e deu nome à criança em dezoito passagens (Gn 5.3; 16.15; 17.19; 21.2; lC r 7.23; Jó 42.14; Is 6.3; Os 1.4,6,9 etc.). Poucos casos são registrados onde alguma outra pessoa, que não seja a mãe ou o pai, deu nome a uma criança: a filha de Faraó (Ex 2.10); as vizinhas de Noemi (Rt 4.17) e Natã o profeta de Salomão (2Sm 12.25).

Como ideal o nome era descritivo dos desejos dos pais, ou profético sobre a personalidade a ser manifesta por aquele assim nomeado. Esses tipos de nomes encontram-se particularmente em evi­dência quando os indivíduos são re-nomeados, e.g. Jacó passando a ser chamado Israel (Gn 35.10). Eles são parte integral do caráter de uma pessoa e de seu destino. Outros nomes são dados por razões incidentais, ou por uma circunstância particular no momento do nascimento. Raquel morreu durante o trabalho de parto e seu filho foi chamado Ben- Oni “filho da minha aflição” (Gn 35.18); enquanto Moisés, como um “residente estrangeiro”, um ger numa terra estranha, chamou seu filho de Gerson (Êx 2.22).

Com freqüência, o AT fornece nomes e depois faz comentários de tal maneira que haja jogo de palavras com eles. Isto geralmente toma a forma de um tipo de refrão, ou palavras de som seme­lhante ou idéias que transmitem uma intenção em particular. Muitos classificam estes nomes como etimologias folclóricas ou populares, mas não há necessidade de lançar mão desta explicação. O costume de usar e jogar com palavras sobre nomes era também praticado no antigo Egito; por exem­plo, o Papiro Westcar fornece o nome de cada um dos trigêmeos nascidos da mulher de um sacerdote. Estas três crianças são designadas para reinar no Egito e cada uma de fato assume o trono, segundo a história, dando início à Quinta Dinastia, mas o aspecto interessante, repetido em outros lugares, é que cada um recebeu seu nome à medida que ocorria o nascimento e uma declaração em forma de trocadilho em relação com o som ou idéia de tal nome. Os profetas hebreus são exemplos deste

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gosto por tais declarações e jogos de palavras: Miquéias 1.10-15; Jeremias 1.11,12; Oséias 1.4,5; etc. Tomando todos os nomes próprios de uma vez, há setenta e nove passagens onde um nome é dado acompanhado de uma explicação específica, comentário ou jogo de palavras (A. F. Key, JBL [1964], 57, 58).

Parece haver evidências da existência de patronímicos em Israel bem antes do que se sus­peitava anteriormente. Certamente na época de Cristo as crianças eram batizadas com nomes de seus ancestrais, geralmente um avô e assim por diante nas gerações sucessivas. Em Lucas 1.59-61 os parentes de Isabel demonstram surpresa pelo fato deles darem o nome de João ao filho, visto que “ninguém há na tua parentela que tenha este nome”. No 3a e 49 sécs. a.C. as inscrições fenícias e púnicas são cheias de exemplos desse tipo. Podem ser também citados os exemplos de: (1) Abiatar, Aimeleque, Abiatar (II), Aimeleque (II) (ISm 21.1; 22.9,22; 2Sm 8.17); (2) Maaca, a mãe de Absalão e posteriormente o nome da mulher de Roboão (2Sm 3.3; lRs 15.2); (3) Tamar, a irmã de Absalão e depois o nome da filha de Absalão (2Sm 13.1; 14.27); (4) Mefibosete, neto de Saul, filho de Jônatas, e mais tarde o filho de Saul com sua concubina Rispa (2Sm 21.7,8); e (5) Acazias (lR s 22.40; 2Rs 8.16-18,26).

b. De um lugar. Muitos nomes de lugares em Canaã são mais antigos do que a ocupação ou o contato dos israelitas com essa terra. A evidência principal desta afirmação provém dos Execration Texts, as cartas Tell El Amarna escritas pelos reis das cidades-Estados de Canaã para o Egito, a inscrição de Kamak sobre Tutmés III, as duas expedições militares de Amenhotep II e as listas de Seti I, Ramsés II e Memeptah. Só na lista de Tutmés III, que é a informação mais detalhada existente sobre a terra de Canaã, há evidência de uns cinqüenta nomes de lugares encontrados no AT, numa lista que chega a 119 nomes em duas cópias e 350 numa terceira.

O AT traça os nomes de alguns desses lugares de volta ao herói epônimo que colonizou aquela região ou que capturou o lugar (Gn 4.17; cap. 10; Nm 32.42; Dt 3.14; Js 19.47). Quando Joabe estava quase pronto para capturar a cidade de Rabá ele aconselhou a Davi que a capturasse, porque do contrário ele o faria e a cidade seria então chamada pelo seu nome (2Sm 12.28). Desta maneira, a proclamação do nome de alguém sobre um lugar significava propriedade dessa pessoa sobre tal cidade.

2. A m udança de nom e. Existe mais ou menos uma dúzia de exemplos de mudança de nome no AT. Cada um destes assinala a in­trodução de um novo relacionamento, uma nova qualidade de caráter, uma nova fase na vida, e talvez uma nova vocação. Da mesma forma que os monarcas do Oriente Médio adotavam um nome que expressava uma nova era ou política na época de sua inauguração, também Deus dava um novo nome aos seus homens e mulheres quando eles experimentavam novas facetas da promessa divina. Isto aconteceu com Abrão que passou a ser Abraão (Gn 17.5) e Sarai que passou a ser Sara (Gn 17.15); outros exemplos são: Jacó renomeado Israel (Gn 32.28; 35.10); Faraó mudou o nome de José para Zafenate-Panéia (Gn 41.45); Moisés mudou o nome de Oséias para Josué (Nm 13.16); o Faraó-Neco mudou o nome de Eliaquim para Jeoaquim (2Rs 23.34); Nabucodonosor mudou o nome de Matanias para Zedequias (2Rs 24.17); e o príncipe babilónico dos eunucos mudou os nomes de Daniel, Hananias, Misael e Azarias para Beltes- sazar, Sadraque, Mesaque e Abede-Nego respec­tivamente (Dn 1.7). Em cada caso está expressa uma mudança de posição; ou a exaltação da nova dignidade, ou redução a situação de dependência.

Isto nos faz lembrar do “nome novo” que será dado a Jerusalém na restauração futura (Is 62.2) e, segundo Isaías 65.15, do fato de que Deus chamará seus servos por “um outro nome” (LXX “nome novo”). Isto anuncia uma mudança correspondente em dignidade.

3. O s ig n ifica d o do nom e. Como já foi indicado acima em algumas das discussões relatadas, o nome é mais do que um título distin­tivo de Deus ou do homem. O povo de Israel era familiarizado com a questão do significado que podia estar ligado a um nome e, portanto, o uso por eles do conceito demonstra a ampla variação de significados.

a. Nome e personalidade. Parece que o termo hebraico que mais se aproxima do conceito oci­dental moderno de “personalidade”, ou seja, o quadro completo do comportamento organizado de um homem, é sêm, “nome”. Desta forma, o conteúdo inteiro do padrão de comportamento interno e externo de uma pessoa era resumido no seu nome. Assim, poderia ser dada honra ao nome de Deus (SI 5.11; 7.17). Saber o nome de uma pessoa era equivalente a conhecer sua essência, daí a fé dos “que conhecem o... nome” de Deus (SI 9.10; 91.14).

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Mudar o nome implicava mudança de caráter e missão, daí a dúzia ou mais de exemplos referidos acima. Amudança de nome indicara não apenas os laços estreitos que o nome tinha com a pessoa e sua personalidade, mas também o fato de que a pessoa era tão intimamente ligada com seu nome, que o “desfarás meu nome’" era equivalente a eliminar o homem ou o lugar (1 Sm 24.21; 2Rs 14.27; SI 83.4; Is 14.22; S f 1.4). A existência de uma pessoa em sua forma terrena era ligada ao seu nome. Quando o nome era destruído, era como se o homem rece­besse, para todos os intentos e propósitos, também um golpe de morte. Na verdade, em última análise, o que um homem pessui além de sua personalida­de? Ter estas coisas é ter o homem.

U m a visão m elhor deste vínculo está nas formas plurais das palavras hebraicas e gregas para “nome”, que na verdade são traduzidas por “pessoas” em Números 1.2,18,20; 3.40,43; 26.53 e Atos 1.15; 18.15; Ap 3.4; 11.13. É possível que este fosse parte do problema da tomada de censo por Davi em 2 Samuel 24. O ato de listar os nomes das pessoas era, com efeito, reunir tropas a fim de prestar serviço em missões militares que não haviam sido explicitamente ordenadas por Deus.

O nome, visto que era entendido como a própria pessoa, podia agir e falar. Com freqüência Israel, como representante do nome de Deus, lutou e agiu com a grandeza de sua força. O nome de Deus era mais do que mera aprovação para uma missão; era poder, força, coragem, e presença do próprio Deus. Desta forma Israel era vitorioso porque p nome agia e vencia (SI 44.5; Mq 4.5; 5.3). O nome de Deus pode sustentar, defender, esconder e dar conforto ao justo e a todos os que correm para ele (SI 20.1; Pv 18.10). Assim também era a questão de falar em nome Deus. Freqüentemente significava que uma pessoa agia como represen­tante de Deus, mas também significava que, se a pessoa se atrevia a falar em nome de Deus, era o mesmo que Deus, cujo nome estava sendo usado, tivesse na realidade falado ele mesmo (Dt 18.19; Jr 26.20; 44.16).

Até os nomes das cidades tinham uma perso­nalidade inerente a seus nomes. Jerusalém por exemplo, é chamada a “cidade fiel” (Is 1.26), “Cidade do Senhor” (Is 60.14), “Minha-Delícia” (Is 62.4) e a “Procurada” (Is 62.12): novos nomes para uma velha cidade, que dão um novo caráter e padrão de comportamento.

b. Nome e autoridade. Quando alguém dá um nome para uma pessoa, estabelece uma relação de domínio ou posse sobre ela. Já no Éden, Adão

demonstrou aquela parte da imago Dei que lhe prometia subjugar e governar toda a terra dando nome aos animais (Gn 2.19s.). Tal direito foi dado por Deus, que já havia não apenas feito o mundo, mas também dado nome a ele (Gn 1.5,8,10). O homem por sua vez chamou a sua esposa “varoa” (Gn 2.23). O salmista (SI 8) não conseguiu se con­ter ao refletir na magnificência do homem em sua capacidade de soberania sobre as obras das mãos de Deus. A excelência do nome de Deus (SI 8.1) é testemunhada em toda a terra, e mesmo assim ele colocou todas as coisas sob os pés do homem!

Seja lá o que for que o homem possua, ele dá nome, se foruma cidade conquistada (2Sm 12.28), sua terra (SI 49.11) ou suas esposas (Is 4.1). Até filhos são importantes para o nome de alguém, pois eles preservam a memória daquele nome (SI72.17). A instituição toda do casamento no levirato tinha esta finalidade: manter viva a família e o nome dela em Israel (Dt 25.5-10; Rt 4.5).

Da mesma forma Yahweh não apenas deu no­mes às estrelas (SI 147.4; Is 43 .1^m as também seu nome era invocado sobre a Arca (2Sm 6.2), o Templo (Jr 7.10), Jerusalém (Jr 25.29; Dn 9.18) e Israel (2Cr 7.14; Is 63.19). Deus também prometeu “colocar o seu nome” no lugar onde iria “fazer habitar o seu nome” (Dt 12.5,11"). Esta promessa foi feita a Israel antes da sua entrada em Canaã e era apenas uma continuação da antiga promessa de que “em todo lugar onde eu fizer celebrar a memória do meu nome, virei a ti, e te abençoarei” (Êx 20.24). Contrariamente à sugestão de G. von Rad (e toda a crítica moderna), de que a passagem de Deuteronômio 12 representa a questão chave da centralização do Templo de Jerusalém, essa passa­gem antecipadamente iguala o nome de Yahweh e “o lugar”, sem identificar esse lugar (fosse Jerusa­lém ou qualquer outro). A autoridade para adorar nesse lugar, que ainda estava por ser manifesto, deve ser encontrada na presença do nome.

Ligada ao conceito de autoridade está a idéia de proteção. O que Deus ou o homem possuem, devem proteger, e.g. IReis 8.43; 2Crônicas 7.14; Jerem ias 7.10,11,14,30; 14.9; 34.15; D aniel 9.18,19; Amós 9.12.

c. Nome e reputação. Nomes podem crescer, tomar-se grandes, ser maus e colher honra e lou­vor. Isto é simplesmente uma extensão da identi­dade entre a pessoa e seu nome. O nome vem para ter sua própria reputação, fama, renome e glória. Em Gênesis 6.4 a aristocracia (“filhos de Deus”) tomou mulheres e esses “valentes” (GibbõrTm) tiveram filhos que se tomaram “varões de reno-

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me”, ou seja “homens de um nome”. Novamente, em Gênesis 11.4a motivação dos construtores da torre era adquirir um nome para eles. Moisés iria mais tarde ser confrontado por 250 príncipes de Israel, que eram famosos “homens de renome”, equivalente a “homens de nome” (Nm 16.2). Os convidados e testemunhas do casamento de Rute com Boaz desejaram ao casal as bênçãos de Deus, ao orarem para que seus descendentes viessem a executar atos de coragem e fossem “afamados”, isto é, tivessem um “nome” em Belem (Rt 4.1 ls). Outros homens valorosos, que eram “homens famosos”, “homens de um nome”, são listados em1 Crônicas 5.24. Justamente por isso os homens “sem nomes” (béliiêm ) eram “inferiores” ou “sem reputação”, eram infames porque lhes faltava um (bom) nome (Jó 30.8). Deveras, “mais vale um bom nome do que as muitas riquezas” (Pv 22.1) e “melhor é a boa fama do que o ungüento precioso (Ec 7.1) pois “como ungüento derramado é o teu nome; por isso as donzelas te amam” (Ct 1.3). Até mesmo a maneira de alguém falar e agir com respeito a um nome, afeta a reputação e caráter daquele nome e por meio disso alguns têm trazido “má fama” sobre os outros <Dt 22.14,19).

d. O nome de Yahweh. Um grande tema te­ológico é encontrado no nome de Yahweh. Ele aparece com mais freqüência com as preposições hebraicas “para” e “em”. Alguém pode “invocar”, “falar em”, “profetizar em”, “abençoar”, “servir” e “esmagar seus inimigos em” e “andar em” o nome do Senhor.

1) Arevelação de Yahweh. Poucas passagens na Bíblia têm sido pivôs tão importantes para a nossa moderna compreensão do AT, como Êxodo 6.2,3. Mesmo então, a passagem foi crucial para Moisés e Israel, quando eles receberam um maior desenvol­vimento da teologia da promessa, dos patriarcas: Deus agora iria redimir seu povo da escravidão do Egito. A pergunta moderna é simplesmente assim colocada: teria Deus previamente retido seu nome Yahweh dos patriarcas, em favor de usar, como auto-desgnação, seu nome El Shaddai? Será que aqui ele declara que, deste momento em diante, far-se-á conhecido como Yahweh? A resposta apro­priada a esta questão está em negar aos patriarcas o conhecimento do significado do nome Yahweh', não em negar o conhecimento do nome. Os dois verbos “aparecer” e “fazer conhecido” são ambos reflexivos niphal, isto é, “Eu mostrei-me” e “Eu não me fiz conhecer”. A preposição hebraica antes de El Shaddai e a ausência de qualquer preposição

hebraica antes de Yahweh são cruciais. Atradução exigirá alguma preposição no segundo caso e nós consideramos as melhores traduções as que optem pela preposição que enfatize a força e o significado do segundo termo, como ocorre no primeiro caso. Esta preposição é o hebraico Beth Essentiae, que deve ser traduzida “como” e significa que “Deus apareceu a Abraão, a Isaque, e a Jacó no caráter de (com atributos de) El Shaddai, mas no caráter de meu nome Yahweh, eu não me fiz conhecido deles”. O nome tem função importante aqui: ele revela o caráter, qualidades, atributos, e a essência do nome. Veja D e u s , N o m e s d e .

A precisão desta interpretação pode ser confe­rida ao observar-se a pergunta feita por Moisés, quando Deus prometeu que ele iria ser com ele. Ele perguntou: suponhamos que o povo pergunte a respeito deste Deus que me enviou para liberta- los: “Qual é o seu nome? Que lhes direi?” (Êx3.13). Como Martin Buber e outros notaram, o interrogativo mãh, “o que?”, deve ser distinguido do mi, “quem”. O último pergunta apenas pelo título ou designação de um indivíduo, enquanto o primeiro, principalmente por estar associado com a palavra “nome”, pergunta sobre as qualidades de caráter, poder, e habilidades residentes no nome. O que o “Deus de nossos pais” tem para oferecer numa situação tão complexa e difícil como a nossa? Isto era o que impulsionava a antecipada questão do povo. Esta é precisamente a questão que Deus responde declarando seu nome como Yahweh, isto é, o Deus que estará em favor deles ali naquela situação.

2) O ser de Deus. Com freqüência o “nome” de Yahweh e o próprio Yahweh são usados em alternância (Dt 28.58; Jó 1.21; SI 18.49; 68.4; 74.18; 86.12; 92.1; Is 25.1; 26.8; 48.9; 56.6; Ez 20.44; Am 2.7; Ml 3.16). Algumas vezes o sêm Yahweh funciona quase como uma aparição de Yahweh. A passagem que dá mais certeza sobre esta conclusão é Êxodo 23.20,21 quando o anjo enviado por Deus na frente de Israel tem “o... nome [de Yahweh]’’ nele. Israel deveria tomar cuidado diante dele e ouvir sua voz, “porque não perdoará a vossa transgressão”. Em Isaías 30.27, o que é normalmente creditado a Yahweh é atribuído ao seu nome. “Eis que o nome do Senhor [Yahweh\ vem de longe, ardendo na sua ira, no meio de espessas nuvens; os seus lábios estão cheios de indignação, e sua língua é como fogo devorador”. O nome então, como o Anjo do Senhor ou a glória (kabod) do Senhor, é aquele que estará presente para eles e que deve ser temido e obedecido como

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se fosse o próprio Yahweh, se não for, na verdade, o próprio Yahweh.

Paralelo a isto existe o fato de que Yahweh coloca seu nome em lugares escolhidos e taber­náculos, ou tendas (sãkan ; ao invés do tipo de morada permanente [võsaè] nos céus, como já foi indicado por Frank Cross. Veja Êxodo 20.24; Deuteronômio 12.5; 14.24; 2 Samuel 7.13; 1 Reis 3.2; 8.17; 2 Reis 21.7; etc.

3) A doutrina de Deus. Algumas vezes o nome de Deus é usado para indicar todo o sistema da verdade divina e a doutrina revelada nas Escri­turas. O salmista parece ter tido esta intenção quando escreveu: “A meus irmãos declararei o teu nome” (SI 22.22) que oN T cita em Hebreus 2.12. O salmo messiânico refere-se à vida e doutrina do Prometido que havia de vir. Quando veio, ele disse: “Manifestei o teu nome aos homens que me deste” e “Eu lhes fiz conhecer o teu nome e ainda o farei conhecer” (Jo 17.6,26). Obviamente a proclamação do nome era a declaração da doutrina de Deus. Conseqüentemente, foi possível ao povo viver segundo os ensinamentos apontados e apro­vados por Deus “Porque todos os povos andam, cada um em nome do seu deus; mas, quanto a nós, andaremos em o nome do Senhor nosso Deus para todo o sempre” (Mq 4.5).

4) O desenvolvim ento teológico. Von Rad (Studies in D euteronom y , 37-44) considera o aparecimento de um “nome-teologia” como uma contribuição do movimento deuteronômico, que substitui a anterior “Teologia da Glória-do-Se- nhor" associada à Arca e ao fenômeno da nuvem e do fogo. Mas ele também tinha consciência de passagens como Êxodo 20.24 que aparecem antes (pág. 38). Em vez de confirmar a declaração de von Rad, de que as idéias evoluíram de um conceito mais grosseiro da presença material de Yahweh, para uma tendência mais sofisticada em direção da hipóstase, nós acreditamos que os conceitos da Arca, do anjo, da face, da glória e do nome de Deus têm a intenção de ser como uma representação e penhor da presença de Yahweh. Isto transfere a idéia do desenvolvimento de um conceito de identidade, para um conceito de representação. Assim, o nome vem a representar a presença do próprio Deus,e.g., no Templo, mas embora presente ali, ele não está contido no Templo (Vriezen, Outline, 248).

C. Nome nos apócrifos e pseudepí- grafos.

Os Apócrifos têm cerca de 100 versículos ilus­trando o uso de õvojia, que são quase idênticos

aos vistos no sêm hebraico. Os pseudepígrafos não ilustram nenhuma característica nova quando comparados com o AT. Sua referência mais fre­qüente é feita ao nome de Deus; de outra forma, ele não têm qualquer aspecto de interesse para os propósitos deste artigo (veja TDNT, V, 261-264, 266, 267).

D. Nome no NT.Muitas vezes, quando o NT dá exemplos de

“nome”, está na verdade citando o AT e conseqüen­temente a discussão acima seria verdadeira tam­bém para esta parte das Escrituras (Mt 6.9; 12.31; 23.39; Jo 17.6; At 2.21; Rm 15.9; Hb 2.12). Poucos exemplos distintos podem ser dados agora.

1 . N o m e e p e r s o n a l i d a d e . “N om e” aparece de novo no plural significando “pessoas” (At 1.15; Ap 3.4; 11.13). Ele denota também o caráter ou trabalho que alguém faz ou fará, e.g., o nome de João Batista (Lc 1.13,59-63) e o de Jesus, que significa “Salvador” porque “ele salvará seu povo dos pecados deles” (Mt 1.21). Jesus tem “um nome que está acima de todo o nome” e “ao nome de Jesus se dobrará todo joelho (Fp 2.9,10). Uma mudança de nome significa uma mudança correspondente de caráter, vocação, ou situação; ex. Simão é mudado para Pedro (Mt 16.17,18); Saulo recebe o nome de Paulo (At 13.9); e Tiago e João são chamados de Boanerges, isto é, “filhos do trovão”, homens caracterizados por um tempe­ramento bombástico (Mc 3.17).

2. N o m e e a u to r id a d e . O nome de Jesus é sua autoridade dada aos homens de maneira que eles possam fazer milagres, pregar ou orar ao Pai. Quando a pergunta é feita: “Com que poder ou em nome de quem fizestes isto?”, a resposta é sempre em termos da autoridade e do poder de Jesus (Mt 7.22; Mc 9.39; Lc 24.47; At 4.7; 16.18; 19.17). Esse nome tem autoridade e poder suficientes para justificar pecadores (At 10.43; ICo 6.11) e para perdoar seus pecados (lJo 2.12).

3 . N o m e e r e p u t a ç ã o . Este uso é raro no NT. As únicas referências são estas: Marcos6.14; Lucas 6.22; Apocalipse 3.1 e talvez Fili- penses 2.9.

4 . O n o m e d e C r is to , a. Fé no nome. Nos escritos de João, a expressão “crê no seu nome” aparece cinco vezes (Jo 1.12; 2.23; 3.18; 1Jo3.23;5.13). Em dois casos é usada em paralelismo es­treito com crer no Filho de Deus, Jesus (Jo 3.16

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530 NOMES PRÓPRIOS

com v. 18; lJo 5.10 com v. 13). O nome aqui é a pessoa dele e a fé nesse nome não é encantamento, porém aceitação ou “recebimento” de sua pessoa e missão messiânica e, por meio disso, a aquisição do direito de entrar numa nova relação com o Pai celeste (Jo 1.12).

b. Batismo no nome. Quatro vezes o batismo cristão é realizado no nome de Cristo (At 2.38; 8.16; 10.48; 19.5) e em dois casos apenas “bati­zados em Cristo” é registrado (Rm 6.3; G1 3.27). Em um caso é realizado no “nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mt 28.19). O batis­mo no nome, portanto, significa que o indivíduo, mediante a confissão de sua “fé no nome”, agora experimenta união real com Deus, isto é, seu nome, do qual o batismo é apenas o símbolo exterior. O nome comum das três pessoas da Trindade aponta diretamente para a unidade e plenitude da Divindade, como também para os ministérios dessas “pessoas” e comunhão entre elas, sendo todos esses aspectos abrangidos por tal assunto. São usadas três preposições: èr|, “em”, em Atos 10.48; èjtí, em Atos 2.38 e etç, em Atos 8.16; 19.5 e Mateus 28.19. Atos 2.38 liga arrependimento e batismo em um só pensamento e com isso enfatiza que o fundamento e as bases de ambos são “o nome de Jesus Cristo”. As outras duas preposições são o idioma (expressão idiomática) semita b é (igual a èr|) e lê (igual a eiç): o significado da primeira é “fazer algo no nome de alguém ou sob sua autoridade”, enquanto a última é uma tradução literal, para o grego, de lêsèm, significando “com respeito ou consideração ao nome”, num sentido último ou de causa. O batismo era então o começo do discipulado com Cristo.

c. Oração no nome. Jesus ensinou seus dis­cípulos a orar “Santificado seja o teu nome” (Mt6.9; cp. Is 29.23; Ez 36.23). Além disso, os crentes deveriam orar “em seu nome” (Jo 14.13s.; 15.16;16.23,26) o que simplesmente significa que eles tinham de invocar seu nome e desta forma reco­nhecer que Jesus era o Filho de Deus executando uma missão divina. Oração no nome de Jesus é oração em acordo com o caráter e a mente de Cristo. Assim como diz Tiago 5.16, a oração fer­vorosa operada pelo Espírito Santo é eficaz! Estas palavras não tinham a pretensão de ser usadas como fórmula mágica no final das orações, mas eram o reconhecimento da pessoa, do caráter e, especialmente, a autoridade, propósito e vontade encontrados naquele nome. A unidade do Pai e Filho naquele nome é encontrada em João 14.13s.

d. Milagres no nome. Quando os discípulos agiram no nome de Jesus, isto é, em seu poder e na sua autoridade, descobriram que os demônios e os espíritos maus se submetiam àquele nome (Mt 7.22; Lc 9.49; 10.17). Esse poder se estendia àqueles fora do círculo dos discípulos (Mc 9.38;16.17). Por este nome os homens são curados e fortalecidos (AT 3.6; 14.10). Em Atos 4.7 poder (5"úva|iiç) e nome (õvojia) são conceitos pa­ralelos, como no Salmo 54.1. Homens doentes são ungidos com óleo no nome do Senhor (Tg5.14). Este nome não deve ser usado como uma fórmula (“fórmula teúrgica” de C.onybeare), pois é apenas quando o indivíduo usa o nome junto com sua fé e confiança nele, é que Jesus mostra seu poder. Os exorcistas judeus usaram a fórmula correta, mas obtiveram o resultado oposto em Atos 19.13-16.

e. Perseguição no nome. Os crentes podem ser perseguidos e odiados “por (uTtep) amor do seu nome”, isto é, porque eles confessam Jesus Cristo como Senhor e Salvador deles (Mt 10.22; 19.29; 24.9; Mc 10.29; 13.13; Lc 6.22; 21.12,17; At 5.41; 9.16; 15.26). Marcos 10.29 também liga a causa do Evangelho com o nome, enquanto Atos 5.41 e 3João 7 fazem do nome um paralelo ao sofrer como cristão (cp. 1 Pe 4.14,16).

f. Proclamação no nome. O conteúdo e tema da mensagem pregada por Filipe (At 8.12), por Paulo (At 9.27; Rm 1.15J e todos os missionários (3Jo 7) era “o nome de Jesus Cristo”. A pregação baseada no nome (Lc 24.47), “para levar o meu nome” (At 9.15) e admoestar pelo nome (2Ts 3.6; ICo 1.10; 5.4) focalizaram todas pessoa, autoridade e mensagem de Cristo.

BIBLIOGRAFIA. J. Pedersen, “Name” Israel I-II (1926), 245-259; G. von Rad, Studies in Deuteronomy (1953), 37-44; J. A. M otyer, The Revelation o f the Divine Name (1956), 3-31; G. T. Manley, Book o f the Law (1957), 33, 34, 13 lss.; Th. C. Vriezen, An Outline o f OTTheolog)’ (_1958), 246-249; B. S. Childs, Memory and Tradition in Israel (1962), 9-30; A. F. Key, “The Giving o f ProperN am es in OT”, JBL (1964), 55-59; H. BieUnhard, “óvojicc”, 7Z W I(1967), 242, 283.

W. C. K a is e r J r

NOMES PRÓPRIOS. Os nomes próprios, ao contrário dos nomes comuns ou designativo, consistem de um elemento (palavra) ou mais e referem a três categorias principais: nomes de

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NOMES PRÓPRIOS 531

lugares, nomes de pessoas e nomes divinos. Este artigo tratará mais extensa apenas com as duas primeiras categorias.

A. A história da onomatologia bíblica1. Contribuintes importantes2. Onomatologia comparada

B. A estrutura dos nomes1. Nomes compostos2. Nomes simples

C. Nomes de pessoas1. Nomes Simples

a. Nomes da naturezab. Características físicasc. Circunstâncias de nascimentod. Miscelânea

2. Nomes Compostosa. Nomes Teofóricosb. Nomes de Parentesc. Nomes de Domínio

D. Nomes de lugares1. Nomes descritivos2. Nomes da natureza

E. Nomes de Deus

A. A história da onom atologia bíblica.Será da m aior im portância ver como este

assunto está apenas começando a ser revelado, na última parte do séc. 20, à medida que mate­riais epigráficos, descobertos pelos arqueólogos, colocam agora em nossas mãos uma riqueza de materiais comparativos, desconhecidos até mesmo daqueles que viveram nos séculos imediatamente anteriores à era cristã.

1 . C o n t r i b u i n t e s i m p o r t a n t e s . Nemas etimologias sem base científica de Platão e Aristóteles, nem os mais sistemáticos — mas não menos especulativos — jogos de palavras de Filo, fornecem base sólida para nossos estudos. Eles deram o tom durante uns quinze séculos, segundo o testemunho de várias onomásticas gregas, a Onomasticon latina de Jerônimo, e as produzidas pelos sírios. Os Estóicos, liderados por Zenão e Crisipo, desenvolveram uma completa doutrina de retórica, mas ainda incluíram a etimologia como o meio de revelar a verdade moral, religio­sa e metafísica das palavras. Com o advento da lexicografia científica, gramática e comparativos semitas, grandes contribuições ao tema começa­

ram a aparecer sob os nomes de M. Hiller (Ono- masticum Sacrum c. 1000 págs. [1706]); Simonis (iOnomasticum [1741]); W. Gesenius (Thesaurus [1829-1842]); E. Nestle (Die israelitischen Ei­gennamen [1876]); B. Gary (Studies in Hebrew Proper Names [1898]); M. von Grunwald (Die Eigennamen des A. T. in ihrer Bedeutung flir die Kenntnis des hebräischen Volksglaubens [1895]);G. Kerber (Die religionsgechichliche Beudeutung der hebräischen Eigennamenin des A. T. [1897]); Fr. Ulmers (Die semitischen Eigennamenin A. T. [1901]); Th. Nöledeke (“Names”, Encyclopedia Biblica [1902]); M. Lidzbarski (“Semitische Ko­senamen”, Ephemeris fü r semitiche Epigraphik,II [1908], 1-23) e M. Noth (Die israelitschen Personnamen im Rahmen der gemeinsemitischen Namengebung [1928]).

2. O n o m a t o l o g i a C o m p a r a d a . Em-boraestes estudos tenham dado grande visão da onomatologia hebraica, faltam-lhes alguns controles necessários, como comparações que pudessem ser feitas com outras línguas semíticas. Esta lacuna está agora sendo preenchida pelas seguintes publicações, Ugarítica: Roy Uyechi (A Study o f Ugaritic Alphabetic Personal Names, tese de doutorado não publicada [1961]); C. H. Gordon (Ugaritic Textbook [1965], 61-65; 508-522); F. Grõndahl (Die Personennamen der texte aus Uga- rit [1967]), Fenícia: N. Joseph Kikuchi; Amorreu: T. Bauer (Die Ostkanaanäern [1926]); Herbert B. Huffmon (Ämorite Personal Names in the Mari Texts [1965]); Assíria: Knut L. Tallquist (Assyrian Personal Names [1918]); Johann J. Stamm (Die akkadische Namengebung [1939]); Gelb, Ignace J. Purves, Pierre M. and MacRae, Allan A. (Nuzi Personal Names [1943]); Babilónica: H. Ranke (Early Babylonian Personal Names [1905]); K. L. Tallquist (Neubabylonisches Namenbuch [ 1905]); Egípcia: H. Ranke (Die ägyptische Personen­namen, I-II [1935s.]); Palmirene: W. Goldman (Die palmyrenischen Personeninamen [1935]); Sul Arábica: G. Ryckmans (les Noms propres sud-semitiques, I-III [1934, 1935]); Horeu: Feiler (“Hurritische Eigennamen im Alten testament," Zeitschrift fü r Assyriologie [1939]); Capadócia: Ferris J. Stephens (Personal names from Cunei­form Inscriptions o f Cappadocia [1928]); e Grega: Fritz Bechtel and A. Fick (Die griechischen Per­sonennamen [ 1894]). Acrescentam-se a estas listas os nomes judeus registrados no Papiro Elefantino aramaico do 5- séc. a.C.; as cartas de Laquis e o Óstraco samaritana.

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532 NOMES PRÓPRIOS

B. A estrutura dos nomes.A maioria dos estudiosos classifica os nomes

hebraicos segundo sua formação: (1) simples e(2) compostos.

1 . N o m e s C o m p o s to s . Os nomes compos­tos mais comuns do AT consistem de mais de um elemento, isto é, duas ou mais palavras indepen­dentes. A relação entre estas palavras pode ser: (1) dois substantivos funcionando como nominativo e genitivo, o chamado estado construto e (2) uma sentença completa. No construto com freqüência o primeiro elemento termina em “i”. Isto é geral­mente visto como um remanescente do velho caso de sistema de terminação, mas ocasionalmente indica a presença do sufixo da primeira pessoa do singular “meu”. Raramente pode aparecer uma preposição antes do substantivo no construto, exemplo, Bezaleel, “na sombra de Deus”.

iNomes-sentenças são comuns nas linguagens semíticas e na hebraica também. Os nomes dos filhos de Isaías (Sear-Jasube, [ARC] “Um-Res- to-Volverá” [ARA], Maer-Salal-Hás-Baz [ARC] “Rápido-Despojo-Presa-Segura” ou Apressando- se ao despojo, apressou-se à presa[ARA]) e dos filhos de Oséias (Lo-Ruama, “Desfavorecida”, Lo-Ami, “N ão-M eu-Povo”) vêem à mente. O nome Hefzibá, “Eu não tenho prazer nela” (2Rs21.1) também ilustra este costume.

2. N o m e s S im p le s . Estes nomes consistem de um elemento e pode ser por isto um adjetivo, um a abreviação de um nom e com posto com omissão o elemento divino em alguns casos, ou do substantivo do parentesco em outros casos, ou a terceira pessoa do singular de um verbo como Natã, “Ele deu” . Algumas vezes um elemento simplesmente é substituído por uma terminação no elemento remanescente e estas formas abreviadas e apocopadas então se tomam nomes simples.

C. Nomes de pessoas.Há cerca de 1.400 nomes representando 2.400

indivíduos no AT. Os hebreus eram um povo mo­nómio; cada criança recebia somente o nome dado no nascimento, sem um sobrenome ou nome do meio. Se fosse necessário fazer alguma distinção, o indivíduo podia ser identificado acrescentando-se o nome de seu pai, ou qualquer outrc iome an­cestral em ordem ascendente, conforme a ocasião assim o exigisse.

1. N o m e s S im p le s . Estes nomes são os mais difíceis, visto que há apenas um elemento

e é geralmente algum ser, objeto, descrição ou circunstância conhecida nesta form a críptica pelas pessoas contemporâneas, porém não tão facilmente por nós.

a. Nomes da natureza. Existem três grupos de nomes da natureza: (1) animal, (2) vegetal e (?) meteorológico. O primeiro grupo é representado por 22 nomes pré-exílicos sulinos, dos quais alguns são mais conhecidos como: Débora (abe­lha), Raquel (ovelha), Calebe (cachorro), Hulda (doninha), Acbor (rato), Safã (texugo da rocha), Jonas (pombo) e Tola (verme, bicho). Além desses exemplos de nomes de animais em hebraico, exis­tem mais onze nomes estrangeiros deste tipo no AT, incluindo: Zeebe (lobo), Eglá (bezerro), Orebe (corvo), Hamor (burro), Jael (cabrito montês), Naás (serpente), Efer (filhote de gazela), e Zípora (pássaro fêmea). Nomes de plantas, entretanto, são mais raros. Ilustrações deste tipo são Tamar (coqueiro), Hadassa (murta), Elom (carvalho), Zetã (oliveira), Rimom (romãzeira), e no NT e Apócrifos, Suzana (lírio).

Embora ninguém possa afirmar exatamente qual era a intenção em cada caso, é possível traçar um paralelo destes nomes com a pletora de nomes de animais e plantas de outras listas de nomes no Oriente Próximo, de grande antiguidade. Deve­se dizer que uma teoria, tão justificável quanto a teoria do totem, para a qual há algum apoio, é a idéia da ternura e do carinho como a razão para o uso destes nomes; isto pode ser particularmente verdadeiro onde os pequenos animais, embora impuros, são usados como nomes.

Alguns nomes meteorológicos são Baraque (relâmpago), Sansão (pequeno sol) e Nogá (sol nascente). Esta classe de nomes pode ser total­mente derivada de teoforias pagãs ou pequenas modificações destas.

b. Características físicas. Estes poucos nomes parecem se dividir facilmente em quatro catego­rias: (1) cor, (2) tamanho, (3) defeitos e (4) sexo. Alguns exemplos são: Labão e Libni (branco), Zoar (branco avermelhado), Haruz (amarelo), Edom (vermelho), Finéias (núbio cor de bronze), Haacatã (pequeno), Corá e Careá (carequinha), Heres (bobo), Iques (torto), Garebe (escabioso), Gideão (mutilado), Paséia (mancando) e Geber (macho).

c. Circunstâncias de nascimento. Com freqü­ência o nome indica alguma coisa a respeito do nascimento (1) a hora em que ocorreu, (2) o lugar,

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NOMES PRÓPRIOS 533

(3) a ordem e (4) os eventos envolvidos. Alguns exemplos são: Ageu e Hagite (festivo, isto é, nasceram durante as festas), Sabetai (Sabático; nasceu no sábado), Judite e Jeudi (judia ou judeu, provavelmente originário de Judá?), Cuxe (etíope), Bequer ou Bequor (primogênito), Yathom e Yatho- mah (sem pai. órfao), Azuba (abandonado, talvez pela mãe no nascimento?) e Tomé (gêmeo).

d. Miscelânea. Há poucos nomes simples adi­cionais, que se referem a qualidades da pessoa, tal como Nabal (sem juízo ou louco) e Noemi (talvez agradável), ou a vários objetos como Penina (corais), Rebeca (corda para amarrar ovelhas), Rispa (pavimento), Baquebuque (arremessador) e Acsa (tomozeleira). Outros nomes desta categoria são: particípios ativos ou passivos: Saul (pedido), Baruque (abençoado), Menaém (confortador); nomes terminando no diminutivo -on , -an, -om, ou -am . Naassom (pequena serpente), Sansão (pequeno sol); nomes terminando em -a i, ou - i para possessão ou estrangeirismo ou abreviação: Mordecai (devoto de Marduque), Onri; e aqueles terminando em -a : Gera (visita).

2. N om es Com p ostos. Esta classe de nomes excede de longe a primeira. Especialmente numerosos são os nomes teofóricos, isto é, nomes que explicitamente mencionam uma deidade.

a. Nomes Teofóricos. Geralmente esses nomes são sentenças formadas com o nome divino. El ou Yahweh. A sentença pode aparecer um predicado nominal indicando segurança e confiança: Joel (Yahweh é Deus), ou um predicado verbal, e.g., no pretérito perfeito expressando ações de graças: Jônatas (Yahweh nos deu). Visto que o sujeito pode vir no começo ou no final, exemplo, Natanael e Elnatã, com freqüência é difícil decidir qual é o sujeito e qual o predicado; isto é especialmente difícil quando a indicação do texto massorético pode ser uma pergunta sobre um nome em parti­cular. Alguns verbos estão no tempo imperfeito ou imperativo, e por meio disso expressa um augúrio ou desejo: Joaquim (que Yahweh estabeleça). Algumas autoridades afirmam reconhecer uma forma imperativa do verbo nestes nomes: Oséias (salve!), mas isso não é claro.

A maioria desses nomes compostos contém o elemento para Yahweh, no começo ou no fim do nome. Ele aparece como Jeo- ou Jo- na primeira posição e -ias ou -ia na segunda posição. G. B. Gray contou 156 nomes diferentes, para mais de 500 pessoas no AT com esse nome divino (HPN, 149). O Papiro Elefantino fornece evidências desta

freqüência elevada, com pelo menos 170 judeus tendo nome composto com Yahweh.

No segundo lugar, em termos da quantidade de ocorrências vêm os nomes compostos com El. O AT, segundo G. B. Gray, tem 135 nomes com­postos com El, dos quais 113 são nomes hebraicos pessoais ou tribais (HPN, 163-165).

Os significados encontrados nestes nomes teofóricos cobrem a variação quase completa do ser, pessoa e dons de Deus, e suas obras para o homem. T. Nõldeke, em seu monumental artigo sobre nomes na Encyclopedia Biblia, organizou estes significados de acordo com os seguintes grupos: a soberania de Deus: Ele é justo, reina, julga, é dono, e o Senhor; os dons de Deus: Ele dá, aumenta, abre a madre, e dá livremente; a graça de Deus: Ele abençoa, tem misericórdia, ama, ajuda, salva, é bom, confere benefícios, e está com o homem; a capacidade criadora de Deus: Ele faz, constrói, determina, estabelece, realiza; o conhecimento de Deus: ele lembra, conhece, pesa, e vê; a salvação de Deus: Ele liberta, conforta, sara, redime, preserva, conserva em segurança, e esconde; o poder de Deus: Ele segura firme, é forte, é um refúgio, e fortaleza; a imanência de Deus: Ele escuta, responde, fala, jura, promete; e o ser e atributos de Deus: Ele é grande, perfeito, supremo, glorioso, vive, é incomparável, habita, vem, passa, encontra, satisfaz, lança, troveja, levanta, é feliz, é luz, é fogo. Isso é apenas uma amostra das muitas raízes e idéias.

b. Nomes de parentes. Os nomes compostos indicando parentesco são Ab(i) igual a pai, Ah(i) igual a irmão, ‘Am(mi) igual a parente do sexo masculino, ben igual a filho, e bate igual a filha. Os mais importantes são os dois primeiros: o elemento Ab(i) aparece em 32 nomes, dos quais três são nomes estrangeiros, quatro são nomes de familía e os 24 remanescente representam 41 indivíduos (HPN, 26). Ah(i) aparece em 26 nomes, dos quais cinco são estrangeiros ou nomes de família, e 21 representam 33 israelitas (HPN, 37). Os outros nomes são ainda menos freqüentes e equivalem a cerca de doze exemplos cada. Exemplos destas formas são: -4òmde, Aiúde, yl/mnadabe, Benjamim, e Bate-Seba.

c. Nomes de domínio. Estes nomes incluem substantivos que designam a soberania da pessoa mencionada no nome e são, portanto, de grande va­lor para determinar o caráter religioso de Israel nos vários períodos da história. Eles englobam o nome de Meleque, igual a Rei; Adoni, igual a Senhor;

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534 NOMES PRÓPRIOS

e Baal, igual a dono, e.g., kbw ieleque, Adonivã, e Jerubaal. Estas formas são muitos freqüentes em outras linguas semitas, em especial a fenícia e a púnica, mas o AT tem quatorze exemplos de nomes de Meleque, e menos exemplos das duas outras formas: doze nomes de Baal, dos quais dois são um edomita e um fenício, e nove Adoni, dos quais dois são cananeus. A razão parece óbvia agora considerando a onomástica comparativa da Fenícia, Ugarite e Assíria: os nomes eram cana­neus quanto à origem e formação.

D. Nomes de lugares.A raridade de nomes que são sentenças trases e a

obscuridade de muitos nomes de lugares pré-israe- litas os tomam muito difíceis de explicar. Algumas destas ambigüidades agora estão sendo resolvidas pelas listas onomásticas do Egito, mas o problema permanece causando perplexidade, já que muitos lugares têm apenas um nome simples e os nomes com postos estão principalm ente no genitivo.

1. Nom es D escritivos. Freqüentemente um local recebeu seu nome devido a uma feição topográfica, para o que o hebraico tem um voca­bulário rico. Elas podem incluir as referências a: (1) altura: Ramá, Ramote, Rumate, Pisga, Geba, Gibeá ou Gibeom (colina), Siquém (ombro, ou espinhaço), e Sela (penhasco) (2) localidade: Sarom (planície), Mispa (torre de vigia), e Bitrom (ravina); (3) presença ou ausência de água: em nomes compostos com En (fonte), Beer (poço), Me (água), Giom ou Giá (fonte), Siom (seco) e Abel (campina); (4) cor e beleza do lugar: Líba­no (branco), Adumim (rubicundo ou vermelho), Cedrom (muito preto), Zalmom (fusco, obscuro), Jarcom (amarelo), Carmelo (terreno de jardim), Sapir ou Sefer (bonito), e Tirza (agradável); (5) condição do solo: Argobe (solo de terra rica), Arabá (deserto ou terra estéril), Bozcate (planalto de rochas vulcânicas), e Jabes ou Horebe (seco); e (6) tamanho, produtos ou indústrias do lugar: Zoar (pequeno), Rabá (grande), Bezer ou Bozra (lugar fortificado), Gate (lagar), Kir (muralha) e Hazor, Quiriate, ou Ir (cidade).

Nem todos os nomes precedentes são absolu­tamente certos, mas estes parecem ser o melhor significado documentado.

2. Nom es da Natureza. O trabalho de G.B. Gray sobre os nomes de animais permanece essencialmente sem mudança, desde o início deste século. Ele notou que, de cem nomes de animais, 33 eram nomes de lugares, 34 eram nomes de clãs

(somente 23 eram hebraicos) e 33 eram indivíduos (somente 23 eram hebraicos) e os demais eram estrangeiros. Cp. HPN, 97, a maioria dos nomes de animais veio do sul (pelo menos 47, dentre 67 nomes de cidades e nomes tribais) e 22 nomes de animais, tanto tribais como individuais, eram de origem estrangeira.

Alguns dos 33 nomes de cidades eram: Aijalom (veado adulto), Arade (jumento selvagem), Bete­Car (cordeiro), Eglom (bezerro), Efrom (gazela), En-Gedi (fonte do cabrito), Laís (leão), Zeboim (hiena), Pará (vaca), Hazar-Susa (cidade do cava­lo), IrNaás (cidade da serpente), Bete-Hogla(casa da perdiz), Zorá (vespão) e Saalbim (raposa).

Nomes de plantas, árvores e arbustos também são encontrados: Abel-Sitim (campina das acá­cias), Bete-Tapua (casa da macieira), Tamar ou Baal-Tamar (palmeira), Elá, Elote, Elim, ou Elom (carvalho ou terebinto), Rimom (romãzeira), Dilã (pepino), Escol, Abel-Queramim ou Bete-Haque- rém (videira) e Luz (amendoeira).

E. Nomes de Deus.Visto que este tópico será coberto com mais

detalhe a respeito de cada um dos nomes, será incluído aqui apenas como um lembrete de seu lugar nessa discussão e de várias questões da onomatologia.

Nomes compostos com Shaddai parecem ser limitados a três nomes em Números 1.5,6,12: Sedeur, Zurisadai e Amisadai. Em todo lugar o nome ocorre 39 vezes como nome divino dos quais 31 vezes ocorrem a Jó. Em outros seis casos é um atributo de El. A palavra ainda se recusa em conceder seu significado a despeito de numerosas sugestões valiosas.

O segundo item que chama atenção especial, considerando a onomatologia semítica compara­tiva, é a característica semita dos nomes divinos compostos. Já há vários séculos a pesquisa bíblica tem usado este nome divino duplo como um dos principais critérios na legítima disciplina da alta crítica. Entretanto, isto pode não ser correto consi­derando a sua presença abundante em documentos que mais certam ente são produções literárias unificadas, em pregando os nomes alternados como realce literário. Veja uma documentação parcial, K. A. Kitchen, Ancient Orient and the OT, 120-125.

BIBLIOGRAFIA. Veja acim a em “A história da onomatologia bíblica” . G. B. Gray, Studies in Hebrew Proper Names (1896); G. B. Gray, “N am e”, Dictionary o f íhe Bible, org. por J. Hastings G900), III, 478-485;

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NORA / NOVA JERUSALEM 535

G. B. Gray. “N am es” (Heb.), ERE. IX-X (1928), 155­162; S. Mandelkern, V. T. Concordantiae, org. por F. Margolinii e M. Gottsteinii (1962), 1347-1532.

W . C . K a is e r J r .

NO RA (H73, “ n o iv a” , antes do Casamento, “escolhida”, depois do casamento). As mesmas proibições quanto a incesto estipuladas no código levítico para as filhas também se aplicam às noras (Lv 18.15; 20.12). A nora, diferente do que se fazia com a concubina, era levada da casa de seus pais tão logo o preço da noiva, o pagamento de reembolso ao sogro pela manutenção dela, fosse pago (Gn 29.21-30). O termo grego iA>n<t>Ti, do NT, significa principalmente “noiva” (Ap 21.9, et al.) e em segundo lugar, “nora” (Mt 10.35).

W. W hite Jr .

NORDESTE, SUDESTE (Xcõpoç; A u|0. Estes termos referem-se aos problemáticos pontos car­deais, que aparecem, na RSV e ASV em inglês, (At 27.12). Os termos Xcòpoç e Aü)/, na realidade significam respectivamente “nordeste” e “sudeste” (ARA). Contudo, o porto ao sul de Creta, freqüen­temente identificado com o porto de Fenice (ou Fênix), refere-se a Loutro, um porto que se situa a leste, não a oeste. Uma solução foi aceitar a suposição de que se refere a outro porto, ao passo que outros sugerem que a tradução literal do grego— “olhava para os ventos” — significa olhar na direção em que os ventos sopram. Logo, olhar para a direção do vento noroeste seria o mesmo que olhar para o sudeste, e quando olhavam para a direção do vento sudoeste, estavam dirigindo o olhar para o nordeste.

W . G e r i<?

NORTE provavelmente originária da palavra 1SS, “esconder”. Logo, significa “aquilo que está escondido ou escuridão”; ou talvez seja originária do fenício, ’fflS, norte-, ou ainda da palavra nss, espreitar, portanto, um local para espreitar; Dita, semear ou espalhar, referindo-se ao vento do norte como o “espalhador” ; Boppôç, o norte).

IIDX é a primeira referência um dos pontos car­deais da bússola, e é freqüentemente usado com esse significado no AT. ( Veja em particular o livro de Josué e de Ezequiel 40-48). Os profetas utilizam esse termo para referir-se aos países que estão localizados a nordeste, ou até mesmo os situados a leste da Palestina. Há, geralmente, referências

aos inimigos do norte, que, em conseqüência do mar, a oeste, e do deserto da Arábia, a leste, foram forçados a entrar na Palestina pela região norte. Por essa razão, até a Babilônia, situada exatamente a leste da Palestina, foi mencionada como sendo ao Norte (Jr 1.14,15; 6.1,22, et al.). As muitas referências ao “rei do Norte” em Daniel 11 são provavelmente referências aos reis selêucidas da Síria, em contraposição ao “rei do Sul”, que se refere aos ptolemaicos do Egito. “O Norte”, em Ezequiel 38.6,15; 39.2, é uma referência ao futuro invasor da Palestina, que não pode ser identificado com precisão.

Para uma discussão de tn i» em Jó 37.9 e uma alteração que foi sugerida em relação àquela indi­cação, veja o artigo sobre A s t r o n o m ia na PEB.O termo Boppôç é utilizado duas vezes no NT e em ambos os casos significa “norte”, como o ponto cardeal geográfico (Lc 13.29; Ap 21.13).

* a t G e r ig

NOVA JERUSALÉM. É o centro supremo, onde os redimidos e glorificados de todos os tempos habitarão eternamente com Deus e seus anjos em perfeita bem-aventurança, depois que todos os adventos da ressurreição e do juízo tiverem acontecido, e após a criação de um novo céu e uma nova terra.

Esse lugar é chamado de “a nova Jerusalém” (Ap 3.12; Ap 21.2), “a cidade santa” (Ap 21.2), “sublime” (Ap 21.10 KJV), “celestial” (Hb 12.22), “lá de cima” (G1 4.26), e a “esposa do cordeiro (Ap 21.9). E a cidade que Abraão buscou (Hb11.10) e os crentes, nos dias de hoje, antegozam (Hb 13.14). “Celestial” enfatiza a sua origem e qualidade, que contrasta com a terrestre. "N ova” contrasta com a “velha” Jerusalém, porque este é o objetivo glorioso que essa cidade tipifica. “Santa” diz respeito ao seu caráter superior, que contrasta com a freqüentemente profana Jerusalém e a profana Babilônia (Ap 17.18). E a “esposa” onde os redimidos são os habitantes que formam corporalmente, como uma cidade, esse local. E a “mãe” dos crentes, porque eles vivem de acordo com a vida lá de cima, são governados por seus padrões e têm a sua cidadania nos céus (Fp 3.20). De maneira similar, Jerusalém, também chamada Judá, era a mãe dos israelitas, porque a vida e in­teresse deles eram todos voltados para essa cidade (Is 50.1; Ez 19.2; Os 2.2; 4.5).

A cidade não deve ser compreendida somente como um símbolo dos redimidos, porque pode ser vista como algo distinto deles (Ap 21.24-27;

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536 NOVA ORTODOXIA / NOVO HOMEM, O

22.2-5). Assim como o Rei (Cristo) e os redimi­dos possuem, literalmente, substância em corpos glorificados, a cidade também é, muito provavel­mente, uma realidade. Além disso, os novos céus e a nova terra são, evidentemente, tão reais quanto os velhos, e isto também seria verdadeiro para a nova Jerusalém. As descrições de tamanho e outros aspectos da cidade também sugerem isso.

A cidade, de acordo com Apocalipse 21, mede1.342 m de comprimento, largura e altura (pode- se arredondar para 1.500 m) Há debates entre os estudiosos a respeito de sua forma, pois discute- se se é um cubo ou uma pirâmide. Somente os redimidos, todos aqueles que são vitoriosos pela fé (IJo 5.4,5; Ap 21.7), estarão lá. Essa cidade é feita de pedras preciosas. As ruas são de ouro e, visto que Deus faz novas todas as coisas (Ap21.5), não faz sentido fazer a objeção de que o ouro é uma substância muito pobre para usar-se na pavimentação. Os nomes das 12 tribos nas portas e os dos 12 apóstolos na fundação representam respectivamente Israel e a igreja atual. Reis trazem glória e honra para a cidade (Ap 21.24), evidente­mente, no sentido de que eles render a Cristo glória que tiveram, ou então, que eles compartilharão da glória de Cristo, que se refletirá na individualidade e capacitação de cada um. Todas as condições na nova Jerusalém são supremas e definitivas.

O Antigo Testamento antecipa “os novos céus e nova terra” (Is 65.17; 66.22), mas não há refe­rência específica à “nova Jerusalém”. Há menção, no entanto, de uma Jerusalém gloriosa (Is 52.1; 54.11,12; 62.5,7). Os amilenistas equiparam estes textos com Apocalipse 21.22. Os pré-milenistas, usualmente, vêem uma Jerusalém glorificada no milênio, entre o segundo advento e o último estado de coisas, e apontam outras passagens além dessas para justificar o ponto de vista que defendem (Jr 31.40; 33.16; Mq 4.1-4; Zc 14).

Quando teremos o evento da nova Jerusalém? Alguns a localizam logo após o retomo de Cristo, de acordo com visão de que os mil anos (Ap 20) são um símbolo da época atual (amilenistas). Outros vêem este período como uma progressão até uma era de ouro, que alcançaremos antes do retomo de Cristo (pós-milenistas). A maioria dos pré-milenistas aceita a seguinte seqüência de even­tos: a segunda vinda de Cristo, o reinado de mil anos de Cristo na terra, o julgamento de Satanás, o julgamento do grande trono branco, novos céus e nova terra com a nova Jerusalém. Neste último grupo, alguns acreditam que a nova Jerusalém descrita em Apocalipse 21.9-22.5 é a cidade do milênio aqui na terra. Outros a consideram como

uma cidade suspensa, próxima da Jerusalém ter­restre, que servirá de morada, durante o milênio, para os santos ressuscitados, que já gozam do seu estado etemo, mas que terão acesso à terra para governarem com Cristo. Há outros que dizem que a nova Jerusalém concebida nesse texto corresponde exatamente à descrição feita em Apocalipse 21.1­8, após a criação dos novos céus e nova terra. Todas essas condições descritas apontam para as bem-aventuranças supremas e eternas. Veja J. D. Pentecost, Things to Come, para as argumentações que embasam todas essas visões.

BIBLIOGRAFIA. G. N. H. Peters, The Theocratic Kingdom, III (1952), 32ss.; J. D. Pentecost, Things to Come (1956); R. C. H. Lenski, Interpretation o f St. John's Revelation (1957); I. F. Walvoord, The Millennial Kingdom (1959); E. Sauer, Triumph o f the Crucified(1960); J. O. Buswell, Systematic Theology1 o f the CTjfis- tian Religion, II (1963), 434-538; J. F. Walvoord, The Revelation o j Jesus Christ ( 1966); W. Hendriksen, More Than Conquerors (1967); A. J. M cClain, The Greatness o f the Kingdom (1968), 442-515.

I. E . R o s s c u p

NOVA ORTODOXIA. Veja C r ít ic a B íb l ic a .

NOVA TERRA. Veja E s c a t o l o g ia .

NOVILHO (13; boi novo). Está em Isaías 34.7 e em muitos outros locais do AT. Em outras passa­gens, ela é traduzida como t o u r o ; g a d o .

NOVO HOMEM, O. (véoç ou Kaivòç áv0pa>- Ttoç). A frase, em termos gerais, refere-se ao ho­mem transformado pelo Espírito Santo mediante a fé em Jesus Cristo. Néoç indica a idéia relacionada ao contexto histórico; Kaivòç indica a condição de novidade perene. A distinção é obscurecida, porém, pelo fato de que em duas ou três referências à frase (E f 4.24 e Cl 3.10), as duas condições se inter relacionam.

“Novidade” é um predicado especial da or­dem das coisas no Evangelho. O “novo homem” associado a um a nova aliança (Jr 31.31; Mt 26.28mg.; Hb 8.8), contrastado com o velho, que se “tomou antiquado . . . envelhecido . . . e pres­tes a desaparecer” (Hb 8.13). Outras referências estão associadas a uma nova criação (2Co 5.17; G1 6.15), um novo nascimento (à vaYevvá cd,

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NOVO HOMEM, O 537

IPe 1.23; yew ri8f|vai à vmOev, Jo 3.3,7; “recém- nascidos”, à pxiyévurixoç, IPe 2.2). Paulo fala da novidade de vida e espírito em Romanos 6.4, em contraste com a “caducidade da letra” (Rm 7.6), a velha natureza (E f 4.22; Cl 3.9), identificada pela “velho fermento” da impiedade (iC o 5.7); “o trato passado” (Ef 4.22) — cp. “paixões que tínheis anteriormente na vossa ignorância” (IPeI.14); os “pecados de outrora” (2Pe 1.9). A nova natureza é parte da lutura renovação de todas as coisas em Cristo (futuro em Mt 19.28; At 3.21; Ap 21.4; mas em operação agora, Jo 3.18 ss.;II.24s.; lJo 2.8).

1. S ignificado no uso no NT. Em pri­meiro lugar, o termo se refere ao crente como uma pessoa que, ao se tomar um cristão (normalmente demonstrado no batismo, Rm 6), entra numa vida “em Cristo” tão radicalmente nova que deve se basear numa morte anterior com Cristo. “Novo” aqui é contrastado com a antiga forma de vida para a qual a pessoa nasce como ser humano. Ela é espiritual, como oposto da camalidade (Rm 8.4ss.); em contraste com anatureza (IC o 2.14s.); em contraste com a vida de acordo os padrões de comportamento prescritos (Rm 7.6).

Para Paulo e seus contemporâneos, esta idéia sobrepôs as reivindicações do Judaísmo, como uma religião fora de moda. Assim, a nova aliança substitui a outra antiga e decadente (Hb 8.13); os crentes são resgatados dela como uma “futil maneira de viver” (IPe 1.18). O cristão se levanta no novo relacionamento com Deus predito pelos profetas (e.g., Ez 36.24ss.) por meio dos eventos do Calvário e do Pentecostes, de modo que os po­deres da Nova Dispensação já estão em operação nele (IC o 10.11; Hb 6.5). '

Esta relegação da velha religião incorporada nas ordenanças judaicas aboliu a maior de todas as distinções raciais entre os homens: a posse da revelação divina por parte dos judeus (Rm 9.4; E f 2.11 ss.). Em seu lugar surge um novo tipo de humanidade, um a “terceira raça” na qual esta e, portanto, todas as velhas distinções raciais e culturais se tomam irrelevantes. Isso dá ao “novo homem” seu significado corporativo com uma unidade criativa e supra-racial, “em um corpo” (Ef 2.16; acó|j.a é ambíguo, talvez deliberadamente; cp. Cl 3.15 com a metáfora fortemente materialista de E f 4.29, em especial V.L. Xc, etc.).

A novidade do Evangelho se estende além da história, alcançando proporções cósmicas. O ho­mem regenerado é uma nova criatura (2Co 5.17; G1 6.15, Kcctvii tc tíaiç); ele pertence ao segundo

Adão (IC o 15.45); foi refeito à imagem do seu Criador (Cl 3.10).

2. S ig n ifica d o teo lógico. A frase em geral se refere ao assunto da regeneração (q.v.). A questão que surge é: o que de fato é “novo” no homem regenerado? As interpretações variam, desde um conceito sociniano de uma nova e perfeita lei moral, até o “Novo Ser” de Tillich na corrente existencial iniciada por Kierkegaard. O primeiro não é novo, mas uma intensificação do moralismo judaico; mas a idéia do “Novo Ser”, a participação em uma nova ordem de realidade na qual toda religião é irrelevante, colide com a continuidade expressada pelo “hom em ” em nossa frase, pois o homem é, por definição, homo religiosus. Esta idéia tenta se alinhar com Inácio (ad Eph 20.1) e igualar o “novo homem” com o próprio Jesus. No entanto, há uma distinção: o crente é um novo homem, nascido de novo, mas não é Jesus Cristo renascido. A teologia reformada, segundo Calvino, especificou justiça, santidade e verdadeiro conhecimento (ÈTtíyvcoatç), como os “novos” elementos do homem regenerado. A dificuldade surge ao tentarmos entender isso à luz das inconsistências demasiado óbvias dos cristãos. Possivelmente pode-se entender esses elementos com mais facilidade como um fato que progride através de círculos concêntricos de influência: (1) há um novo relacionamento com Deus, no qual o homem, com todos os seus pecados, entra sob a consideração favorável e o prazer de Deus. Tudo é instantaneamente novo porque é colocado sob uma nova luz. (2) Conseqüentemente, o Espírito de Deus implanta novos motivos de amor e fé, que substituem o velho domínio da auto-suficiência e estendem sua influência progressivamente sobre o antigo sistema de motivação. (3) O comportamen­to exterior sofre as modificações correspondentes, mudando em particular as atitudes e relaciona­mentos voltados para as outras pessoas. Assim, o homem regenerado continua sendo homem: inclusive, até a Parousia, homo peccator, seu ambiente, porém, e seus princípios interiores de vida são novos — ambos são, de fato, Jesus Cristo. “Jesus Cristo não trouxe nada que fosse novo; ele fez todas as coisas novas nele próprio”.

BIBLIOGRAFIA. T. Boston, Human Nature in its Fourfold State (1720, re-editado em 1964); E. F. Scott, Colossians a n d Ephesians (1930); J. Stewart, A Man in C hrist( 1935); A. H. H unter,InterpretingSt. P au l’s Gos­pel (1954); P. Tillich, “The Yoke o f Religion”, sermão publicado em TheShakingoftheFoundations (1957); B.

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538 NOVO MANDAMENTO / NOVO TESTAMENTO

Kenrick, The New Humanity (1958); R. Bultmann, “Man Between the Times”, artigo publicado em Existence and Faith (1961); Behm, artigo sobre Kcavòç, TDNT, vol. Ill (1965); J. R. Stott, Men Made New (1966); H. Darling, M an in Triumph, especialmente o capítulo 4 (1969).

J. P e c k

NOVO MANDAMENTO ( è v to X f |V K o a v r iv ) .

Este termo aparece pela primeira vez nas palavras atribuídas a Jesus, que foram proferidas na prega­ção feita no cenáculo, como relatado pelo quarto evangelista (Jo 13.34,35). Jesus, em uma aparente referência ao decálogo, disse: “Novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros... Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros.” O mandamento de amar a Deus e ao próximo não era novci, pois foi enfatizado no Pentateuco, nos livros dos profetas, especialmente em Oséias, e reafirmado por Jesus como sendo o resumo da Tora (Dt 6.5; Os 11.4; Mt 22.37; cp. Rm 13.9; G1 5.14; Tg 2.8).

Jesus não criou o conceito do relacionamento de Deus com o homem, como sendo um relacio­namento de amor. Contudo, Ele deu nova ênfase e colocou-o em uma perspectiva mais penetrante. As características enfatizadas no Antigo Testamento são em relação à obediência, enquanto no Novo Testamento a ênfase é o amor. No entanto, ele con­tinua sendo um mandamento, uma obrigação. E o chesed, ou o pacto de amor do Antigo Testamento, amalgamado ao termo grego agape, que emerge como uma palavra im portante para descrever uma característica do Cristianismo. Este termo denota um amor característico, que resulta de uma escolha. A novidade consiste na fonte e natureza desse amor; o critério supremo do relacionamento de uma pessoa com Deus (1 Jo 5.3; cp. Lc 10.27).

G. A. T u r n e r

NOVO NASCIMENTO. Veja R e g e n e r a ç ã o .

NOVO TESTAMENTO. Há 27 livros no N T

— os quatro Evangelhos, o livro de Atos dos Apóstolos, 21 epístolas e o livro de Apocalipse. (Para um relato de como estes livros específicos foram tratados como uma coleção especial veja O C â n o n d o N o v o T e s t a m e n t o .) O propósito deste artigo é apresentar um breve resumo da situação histórica que deu origem a esta coleção de livros, um breve exame do conteúdo, e uma discussão sobre a autoridade dos mesmos.

I. Pano de Fundo Histórico

II. ConteúdoA. Os Evangelhos

1. Mateus2. Marcos3. Lucas4. João

B. Atos dos ApóstolosC. As Epístolas de Paulo

1. Romanos2. As Epístolas aos Coríntios3. Gálatas4. Efésios5. Filipenses6. Colossenses7. As Epístolas aos Tessalonicenses8. As Epístolas Pastorais9. Filemom

D. Outras Epístolas do Novo Testamento1. Hebreus2. Tiago3. As Epístolas de Pedro4. As Epístolas de João5. Judas

E. O Livro de Apocalipse

III. A Autoridade do Novo Testamento

I. P a n o d e F u n d o H is t ó r ic o

Antes do início de qualquer estudo sobre a his­tória do NT, é preciso tecer algumas considerações sobre a sua relação com o AT. Há dois aspectos que devem ser abordados quando fazemos estas considerações: (1) A apreciação do AT encontrada no NT, e (2) o elo intrínseco, tanto teológico quanto histórico, existente entre o AT e o NT. Não pode haver dúvida de que a alta estima que o Senhor tinha pelo AT era a mesma que existia entre os judeus daquela época. Isto significava uma aceita­ção plena, no que dizia respeito à sua autoridade e inspiração. Com certeza estes pressupostos também foram aceitos pela Igreja Cristã Primitiva em Jeru­salém, cujos membros vieram do meio judeu. Este apreço pelo AT exerceu uma profunda influência no crescimento do NT, particularmente porque o AT assumiu importância, de imediato, como as únicas Escrituras, ou seja, a única fonte que a Igreja Primitiva possuía. Esta afirmação é corroborada pela freqüência com que os vários autores do NT citam o testemunho do AT e, usualmente, valem-se de citações, um meio que revela a maior conside­ração pela autoridade do AT. Fórmulas de citação

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NOVO TESTAMENTO 539

como "as Escrituras dizem", ou "Isto aconteceu para que se cumprissem as profecias", demons­tram o total relacionamento entre as Escrituras do AT e a mensagem cristã. Esta é a base sobre a qual toda a coleção do AT deve ser examinada.

A suposição de que a leitura das Escrituras nos cultos dos cristãos primitivos ocupava um lugar de destaque, como no judaísmo, é bastante razoável. Além disso, poderíamos afirmar que comentários, que dessem uma interpretação cristã aos textos do AT, seriam prontamente adicionados. Pode-se supor, também, que os textos que representavam cumprimento de profecias na vida de Jesus deviam receber atenção especial. Havia, paralelo a esta atividade de leitura das Escrituras, um profundo interesse pelos ensinamentos de Jesus, que, para os cristãos, possuíam a mesma autoridade dos pronunciamentos do AT. Os ensinamentos de Jesus possuíam a mesma autoridade da pessoa de Jesus. Foram esses ensinamentos que os discípulos foram exortados a ensinar às pessoas (Mt 28.20). Eles não poderiam ter executado essa ordenança, a não ser que os ensinamentos de Jesus estivessem bem guardados em suas mentes.

Além dessas atividades, havia a leitura, nas assembléias cristãs, de cartas apostólicas. Obser­va-se que esta prática era comum, por intermédio das referências de Paulo às suas próprias epísto­las sendo lidas para comunidades distintas (cp. Cl 4.16; lTs 5.27). Não se sabe quando a troca generalizada das epístolas de Paulo, e, conseqüen­temente, a leitura pública delas, se iniciaram. Con­tudo, é bem provável que essas epístolas tenham sido inventariadas logo após a morte de Paulo (cp. 2Pe 3.15,16). Aevidênciado uso das epístolas de Paulo logo nos primórdios do Cristianismo é baseada, principalmente, em alguns escritos suba- postólicos desse período, que parecem repetir as mensagens contidas naquelas epístolas. Contudo, não são todas as epístolas de Paulo que são citadas nesses escritos subapostólicos, mas há evidência suficiente para sugerir um inventário dessas epís­tolas, aceitas como autoridade cristã muito antes do início do 2B séc.

A transitoriedade das testemunhas oculares, especialmente quando as testemunhas apostóli­cas não mais estavam disponíveis para atestar a doutrina, resultou na necessidade premente de um registro, que tivesse autoridade para testificar a vida, ensinamentos e atividades de Jesus. Talvez este tenha sido um fator importante na produção escrita dos Evangelhos. Essa produção escrita pode ter ocorrido como um fenômeno indepen­dente, que ia ao encontro das necessidades das

comunidades. À medida que a igreja se expandiu, certamente a necessidade por uma literatura, cuja autoridade fosse reconhecida, particularmente no que diz respeito aos Evangelhos, tomou-se mais premente. Essa coletânea seria valiosa para a propagação do Evangelho nas regiões onde não havia testemunhas oculares da vida de Jesus. João 20.31 deixa muito clara a finalidade do quarto Evangelho, i.e., a evangelização, pois a descrição de todos os outros registros considerados como “Evangelho’" tem a finalidade de divulgar as boas-novas. E fácil perceber que esses textos logo assumiriam um caráter de autoridade. Somente no 2- séc., no entanto, foi que a evidência definitiva da autoridade e uso exclusivo dos Evangelhos, na igreja cristã ortodoxa, torna-se um fato. O uso desses manuscritos não é mais questionado a partir do período de Ireneu. Há evidências muito robus­tas de que, muito antes desse período, a atitude da igreja sancionara o uso desses textos. Esses quatro Evangelhos sobressaíram como os registros autên­ticos da vida e ensinamentos de Jesus. Parece que, com base nas evidências existentes, a autoridade conferida aos Evangelhos também foi, na mesma época, concedida ao livro de Atos dos Apóstolos. Este livro, que estava intimamente ligado ao Evan­gelho de Lucas no que diz respeito à tradição, foi acolhido da mesma forma que o Evangelho, do qual parece ser uma continuação (cp. o testemunho do Cânon Muratori, do 2U séc.).

Além das epístolas de Paulo, as quais foram coletadas pelo menos até a metade do 2^ séc., ou provavelmente em uma época muito anterior, em um grupo de 13 epístolas como se encontram no NT, as outras cartas foram sendo gradualmente incluídas. Há evidências consistentes que apontam para uma inclusão bem precoce das epístolas de 1 Pedro e 1 João, mas não se sabe ao certo quando as outras epístolas menores foram adicionadas. Algumas dessas epístolas mais curtas não são tão prontamente citadas quanto as longas e, portanto, não é de se surpreender que as citações delas sejam esparsas, se é que há alguma, entre os escritores dos primórdios da era cristã. Certamente por volta da metade do 3- séc., em muitas partes do Oriente essas cartas menores foram todas incluídas no NT, porém em outras localidades havia alguma hesitação quanto à canonicidade dessas epístolas. O mesmo aconteceu com o livro de Apocalipse, pois foi logo recebido como fonte de autoridade em algumas regiões, mas houve alguma cautela quanto à aceitação desse livro em outras áreas.

Quando finalmente os concílios da igreja (em Laodicéia e Cartago) confirmaram os limites do

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NT, estes já haviam sido delimitados pelo uso na maioria das igrejas ortodoxas. Quando a lista des­ses dois concílios é comparada, a única diferença que se observa é a exclusão do livro de Apocalipse no primeiro, e sua inclusão no segundo.

Considerando-se a coletânea dos livros cristãos do NT, pode-se dizer que possuem um significado histórico notável. Os Evangelhos são praticamente a única fonte de informação sobre o Jesus histó­rico. Várias correntes de crítica do NT levantam algumas dúvidas referentes à preservação, nos Evangelhos, de informações genuínas sobre o Jesus histórico (veja artigo sobre J e s u s C r is t o ) .

Visto que muito dessa especulação não é baseada em ^ id ên c ias históricas, os Evangelhos ainda podem ser tidos como uma fonte considerável de informação sobre o Jesus histórico, mesmo que seja impossível reconstruir uma biografia, no sentido que esta possui nos tempos modernos, tomando como base somente esses textos.

Outro problema, freqüentemente abordado, no uso dos Evangelhos como evidência históri­ca, é o valor histórico que se atribui ao quarto Evangelho. Essa discussão foge do escopo dests artigo, porém é certo que muito mais veracidade histórica pode ser atribuída a esse Evangelho, do que seus críticos gostariam de admitir. Nos anos recentes tem havido, de am modo geral, maior disposição para tratar o relato do Evangelho de João como história.

O livro de Atos e as epístolas de Paulo são as fontes principais de informações históricas sobre as igrejas primitivas, e as cartas menores complementam essas informações. O NT contém informação suficiente — apesar de haver muito mais que gostaríamos de saber quanto à forma de proceder das igrejas primitivas — que permite uma descrição adequada para o enunciar de seus princípios. Dois livros, 1 Pedro e Apocalipse, são evidências particularmente valiosas no que diz respeito à perseguição que a Igreja Primitiva teve de enfrentar. A epístola aos Hebreus, apesar de nos fornecer poucos dados históricos, mostra como as idéias hebraicas e helenísticas poderiam ter um efeito recíproco.

II. C o n t e ú d o

O objetivo principal deste artigo é fornecer um apanhado geral do conteúdo do NT, com a finalidade específica de mostrar a sua unidade essencial. A despeito do valor da abordagem ana­lítica, caso o NT deixasse de ser visto como um todo, muito do seu significado seria perdido. O NT

é, sem dúvida, uma coletânea dos mais variados tipos de livros, mas cada parte contribui para a unidade do todo.

A. Os E v a n g e lh o s. Os três prim eiros Evangelhos são conhecidos como sinópticos, porque possuem um esquem a comum no que diz respeito às suas principais características e também por diferirem do Evangelho de João. Esses quatro livros não são biografias de Jesus, apesar de conterem algum material biográfico. São essencialmente Evangelhos que anunciam as boas­novas. O padrão deles é único dentre a literatura contemporânea do mundo, pois têm um propósito singular e anunciam uma Pessoa ímpar. Apesar desse objetivo comum, cada um deles apresenta um ponto de vista particular, que será trazido à luz, quando forem considerados separadamente.

1. Mateus. De todos os Evangelhos, este é o mais judaico, como pode se perceber logo nos primeiros capítulos, que registram o nascimento de Jesus. A genealogia é traçada desde Abraão e orga­nizada em três grupos de 14 nomes, uma maneira tipicamente judaica do registro de seus ancestrais. Mateus claramente queria apresentar Cristo como um filho legítimo de Abraão. Há outros aspectos, que também embasam esta visão em relação a este Evangelho. No Sermão do Monte, Jesus declara que nada da lei jamais passará (Mt 5.18s.), o que seria um apelo veemente para o povo judeu, que tem grande veneração pelos livros da lei. Além disso, Jesus não deixa de mencionar a cadeira de Moisés (Mt 23.2s.), mas insta àqueles que o seguem a observar as injunções mosaicas, como expostas pelos escribas e fariseus. Esta não deixa de ser uma recomendação surpreendente, em vista da condenação, feita pelo Senhor, da hipocrisia desses mesmos escribas e fariseus. Mateus tem como objetivo explicitar que Jesus não entra em conflito com os líderes religiosos de sua época, no que diz respeito a qualquer apreciação da lei (cp. Mt 19.17s.; 23.23 como exortações para que os mandamentos sejam cumpridos). Mateus também inclui referências relacionadas aos assuntos do povo judeu, tais como os impostos do templo (Mt 17.24s.), o jejum e a guarda do sábado (Mt 5.23s.;6.16ss.; 24.20), a tradição dos anciãos (Mt 15.2^ os filactérios (Mt 23.5), a caiação dos sepulcros (Mt 23.27). Assim, ele mostra que Jesus andava em um meio tipicamente judeu. Uma declaração de Jesus, que esclarece essa abordagem, é aquela em que ele diz que foi enviado somente para as ovelhas perdidas da casa de Israel (Mt 15.24).

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Mateus apresenta Jesus nesse contexto tipicamente judaico e, portanto, o conteúdo geral desse Evan­gelho deve ser examinado em conformidade com este parâmetro.

É importante notar que esse Evangelho alterna extratos de narrativa e de discurso, um fato que não pode ser desconsiderado. Essa alternância demons­tra algo da intenção da mensagem contida neste livro. Registra um Cristo que age e fala. Ao mesmo tempo em que há alguma evidência de que Jesus é retratado como um rabino, há também algumas diferenças muito relevantes. Tudo que os rabinos ensinavam eram tópicos sobre, e baseados, na lei antiga, Jesus porém trouxe a sua própria exposição da verdade, uma fonte de autondaae. Ao mesmo tempo em que não negava o que Moisés dissera, Ele fornecia a sua própria interpretação (cp. com a afirmação “Porque vos digo que”), que pode ser especialmente observada no Sermão do Monte, para o qual Mateus dá um enorme destaque. Não há dúvida de que, dentre os Evangelhos sinópticos, o de Mateus é aquele que retrata Jesus mais clara­mente como um mestre. Contudo, esta abordagem não esgota, de maneira nenhuma, a caracterização de Jesus feita por Mateus.

Outra característica importante do tratamento que Mateus dá ao seu relato é a ênfase em relação ao tema do reino. A maior parte das parábolas é descrita especificamente como parábolas do reino. Jesus, sem dúvida, considera-se como rei. Essa visão está de acordo com a narrativa da infância de Jesus feita por Mateus, em que Jesus, recém-nascido, recebe homenagem dos magos, e de acordo com o relato da sua entrada em Je­rusalém com honras de realeza. O aspecto mais importante dessa abordagem real é a introdução do messianismo feita nesse Evangelho. Nas muitas ocasiões em que os textos do AT são mencionados para apoiar as ações de Jesus, o foco da atenção se volta para a grande ênfase do cumprimento, e íntima relação entre as previsões do passado e os eventos do presente. Mateus, ocasionalmente, dá um tratamento messiânico a alguns textos que os judeus não tratam desta maneira. Na apresentação de Mateus, Jesus não é um fenômeno isolado, mas o Messias que realizaria todas as promessas do passado.

Apesar dessa forte conotação judaica, este Evangelho não é exclusivamente voltado para o povo judeu. A nota final não poderia ser mais universalizadora. O Cristo ressurreto foi descrito como aquele que comissionou seus discípulos a ir e fazer discípulos em todas as nações, além de ensi­nar a guardar toaas as coisas que Ele lhes ordenou.

Apesar do ambiente judaico deste Evangelho, o en­sinamento de Jesus tem uma aplicação universal.

Um aspecto do Evangelho de Mateus, que é compartilhado pelos outros Evangelhos, é que grande parte do livro é dedicada à narrativa da paixão de Cristo. O registro das atividades e ensinamentos que precedem essas narrativas é essencial, mas o centro real de interesse é a paixão de Jesus, pois este foi o propósito para o qual Ele veio habitar entre nós.

2. M a r c o s . N a apresentação geral dos fatos principais, o Evangelho de Marcos se assemelha muito ao de Mateus. Ambos iniciam-se com a narrativa do ministério na Galiléia, delineando todos os eventos até a confissão de Pedro em Cesaréia de Felipe. A partir deste ponto da narra­tiva, ambos descrevem a resolução do Senhor de dirigir-se para Jerusalém. Contudo, Marcos tem os seus aspectos característicos. A sua preocupação principal é mostrar Jesus como um homem de ação. O seu registro retrata muitos fatos de forma bem vívida (por exemplo, Mc 2.4; 4.37,38; 6.39; 7.33; 8.23; 14.54). Ele usa palavras como ‘logo’ e ‘imediatamente’, para transmitir a impressão de rapidez de ação. Omite grande parte dos ensina­mentos e somente uma vez inclui um registro de uma fala prolongada de Jesus, i.e. Marcos 13. Este Evangelho difere do de Mateus, pois enfoca mais as ações do que as palavras de Jesus.

M arcos, freqüentem ente, inclui relatos em que Jesus se descreve como o Filho do Homem, o que é bastante compatível com a descrição de Jesus como perfeitam ente humano. Há muito debate quanto ao significado desse título, e não é fácil decidir o que realmente significava para as pessoas daquela época. Não há dúvidas no entanto, de que para o Senhor esse título tinha conotação messiânica. Jesus preferia essa maneira de referir- se a si próprio, porque o título Messias tomara-se confuso, devido às muitas concepções errôneas de seus contemporâneos, ou seja, as implicações que estavam no bojo desta palavra — Messias. Jesus não veio para liderar um golpe de Estado naquela nação. Ele viera, de acordo com a maneira como Marcos o apresenta, para procurar e salvar o perdido, dando a sua própria vida para resgatá- los (Mc 10.45).

Outra faceta, igualmente importante na apre­sentação de Jesus, é o uso do título Filho de Deus, o qual Marcos utiliza no início do seu livro. Apesar dessa afirmação estar sujeita a variações textuais, os estudos mais respeitados defendem o ponto de vista de que Marcos pretendia escrever um Evan­

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Pagina de abertura do Novo Testamento, o início do Evangelho dc Mateus, dos Evangelhos dc Lindisfarne, um manuscrito datado de 700 d.C. As anotações manuscritas estão em anglo-saxão. © B.M.

gelho a respeito de Jesus, o Filho de Deus (Mc 1.1). Não se pode dizer que este título seja característico deste Evangelho, porém a reivindicação de ser o Senhor toma-se mais evidente nos poderosos atos de Jesus. Eles são incríveis, se considerados como atos de um mero ser humano. Esses atos requerem um conceito de Jesus que está em conformidade com os poderes sobrenaturais. O relato de Marcos, em resumo, deixa o leitor com a impressão de que Jesus é uma pessoa ímpar, que é percebida de

imediato como completamente humana, mas que ainda assim possui poderes divinos.

3. Lu ca s. A ssim como o E vangelho de Mateus foi escrito basicamente para os judeus, o retrato de Jesus feito por Lucas seria um apelo para os gentios. Lucas endereça o seu livro para um indivíduo, Teófilo, que parece ter sido um gentio de considerável importância social. Apesar da dedicação do livro ser bastante específica, o

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que difere dos outros Evangelhos sinópticos, não resta a menor dú\ ida de que Lucas pretendia que seu Evangelho alcançasse uma audiência bem mais ampla. Teófilo foi mais do que o homem a quem o Evangelho foi dedicado. Provavelmente ele representava todos aqueles que desejavam saber mais sobre a vida de Jesus. Além disso, Lucas deixa explícita a sua intenção no prefácio, no qual afirma que pretende compilar a narração das coisas que aconteceram entre eles. Visto que Lucas reivindica ter-se esmerado em conseguir seus dados com testemunhas oculares e ministros da palavra, pode-se deduzir que tinha a intenção de fazer um relato histórico. Era para ser história com um propósito teológico, para que Teófilo, e outros como ele, pudessem conhecer detalhada­mente, e ter certeza, das coisas sobre as quais já haviam sido instruídos. O princípio de avaliação, em relação à contribuição específica do Evange­lho de Lucas, deve levar em conta esse propósito muito bem definido, principalmente no que diz respeito a um conhecimento mais completo da vida e obra de Jesus.

A história de Lucas é mais completa do que a história dos outros Evangelhos sinópticos. A sua narrativa sobre o nascimento é mais extensa. Em sua conclusão do Evangelho, ele faz referência à ascensão, o que os outros omitem. M uitos incidentes a respeito de Jesus, assim como uma quantidade considerável de seus ensinamentos, foram preservados somente neste Evangelho. O aspecto universal do ministério de Jesus é mais enfatizado no relato de Lucas. Pode-se ter uma idéia desta visão mais abrangente na narrativa do nascimento. A anunciação (Lc 2.10) feita pelo anjo Gabriel foi para todas as pessoas, não só para o povo judeu. No cântico de Simeão (Lc 2.32), é dito que Jesus é a luz para revelação aos gentios, assim como a glória de Israel. N a citação de Isaías, que se refere a João Batista, Lucas leva a citação mais adiante do que os outros dois Evangelhos sinópticos, ao concluir que toda carne verá a salvação de Deus (Lc 3.6). Na comissão final do Cristo ressurreto, Lucas, assim como Mateus, deixa claro que a intenção de Jesus era que seu Evangelho fosse pregado a todas as nações (Lc 24.47) e a continuação, no livro de Atos, mostra o início do cumprimento deste mandamento. Não bastasse isto, na própria narrativa do Evangelho Lucas mostra a preocupação de Jesus tanto com os samaritanos quanto com os judeus, o que ilustra o aspecto universal da sua mensagem.

Além disso, Lucas mostra o interesse especial que o Senhor tem pelas pessoas. Nas parábolas

de Jesus cujo registro encontram-se somente no Evangelho de Lucas, o centro de interesse, na maioria delas, são as pessoas e não as coisas. Lucas demonstra uma preocupação muito específica, o registro da compaixão de Jesus pelos excluídos da sociedade. A história bem característica de Za- queu, que recepcionou Jesus após restituir os bens para aqueles a quem houvera defraudado, ilustra muito bem esse aspecto. A parábola do publicano e do fariseu, que oravam no templo, mostra cla­ramente onde repousa a simpatia do Senhor. Há mais evidência, nesse Evangelho, do interesse de Jesus pela posição das mulheres na sociedade, do que nos outros. Este fato pode ser ilustrado não apenas pelo número de vezes que as mulheres são mencionadas nessa narrativa, como também pelas pessoas que aparecem nas parábolas. O mesmo pode ser dito em relação à preocupação de Jesus com as crianças, que é claramente apresentada neste Evangelho. E ainda muito significativo que o cântico de Maria mostre o faminto, e não o rico, como aquele que é beneficiado — “encheu de bens o faminto e despediu vazio o rico” (Lc 1.53). Lucas registra muitos episódios que demonstram o interesse do Senhor pelos pobres e excluídos.

A luz destes fatos, pode-se supor que o pro­pósito principal de Lucas era retratar Jesus como uma figura humanitária, que viera para inspirar uma abordagem similar nos homens. Contudo, esta seria uma visão parcial, pois Lucas, assim como Mateus e Marcos, dedicou atenção considerável à narrativa da paixão, cujo propósito parece ser o de mostrar que o Cristo que foi crucificado era o Cristo da compaixão infinita e da ternura humana. Lucas não obscurece a resolução de Jesus de, intrepidamente, ir para Jerusalém (Lc 9.51). No Evangelho de Lucas, o registro de algumas das palavras e atos mais graciosos do Senhor ocorre após essa resolução, porém aquele propósito não foi esquecido durante todo o trajeto. Jesus, pen­durado na cruz, soltou o seu comovente grito de desamparo, que não foi registrado por Lucas. A sua versão da paixão pode, sob alguns aspectos, ser descrita como menos trágica do que a dos ou­tros Evangelhos, o que não quer dizer que tivesse uma idéia menos precisa do significado redentor daquele episódio, o qual é claramente apresen­tado na continuação do livro de Lucas, Atos dos Apóstolos. Este Evangelho apresenta aquilo que pode ser chamado o registro m aistensível e hu­mano dos atos, ensinamentos e paixão de Jesus. Os três Evangelhos sinópticos apresentam muitos relatos paralelos. A descrição de Jesus, feita por Lucas, complementa a descrição feita pelos outros

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Evangelhos e sustenta a convicção da igreja cristã, de que os três Evangelhos são essenciais para um retrato mais completo acerca do Senhor.

4. J o ã o . A diferença marcante entre este Evangelho e os outros três causou problemas em relação à sua contribuição para um conhecimento melhor de Jesus. Por longo tempo no curso da história do cristianismo, a historicidade de João foi questionada. Essa discussão foge do escopo deste artigo, porém seria interessante lembrar que há uma crescente aceitação deste Evangelho, como portador de alguns elementos históricos. Uma afirmação antiga, feita por Clemente da Ale­xandria, enfoca esse problema, pois considerava que os outros Evangelhos apresentavam fatos corpóreos, ao passo que o Evangelho de João era mais espiritual. Não se deve supor que Clemente pensava que João fosse menos factual, pois ele compreendia que o objetivo de João era apresentar o significado espiritual dos fatos.

Muitas considerações apóiam esta conclusão. Quando João registra os milagres, ele os chama de sinais, o que revela a sua compreensão de que o propósito desses sinais era o de testificar sobre Jesus. A maioria dos milagres é usada como uma oportunidade para o registro de pensamentos que se baseiam neles. Logo, a passagem em que a multidão de cinco mil pessoas é alimentada con­duz a um discurso sobre o Pão (Jo 6); a cura do homem cego abre a discussão sobre a veracidade das reivindicações de Jesus (Jo 9); a ressurreição de Lázaro leva a afirmações sobre a ressurreição (Jo 11). A prim eira parte deste Evangelho foi muito apropriadamente chamada de o livro dos sinais. N essa parte, os discursos são distintos dos encontrados nos Evangelhos sinópticos. No Evangelho de João é freqüente o relato de Jesus dialogando com judeus, algumas vezes hostis, outras apresentando um questionamento sério, como no caso de Nicodemos. O incidente com a mulher samaritana demonstra a abrangência do apelo espiritual de Jesus.

N este Evangelho, a mensagem de Jesus é apresentada de forma mais abstrata do que nos Evangelhos sinópticos. Nota-se a ausência de parábolas, apesar de haver algum material desse tipo. Os ensinamentos estão repletos de alusões metafóricas, que se aproximam da forma usada nas parábolas. Há também duas alegorias — o Pastor e as ovelhas, e a videira. Os textos de ensinamentos em João, no entanto, em geral são apresentados sob uma perspectiva distinta. A notável asserção de Jesus — “Eu sou” — traz à tona essa diferença.

Esses ensinamentos, com afirmações desse tipo, são revelações feitas por Jesus, que dizem respeito àquilo que viera realizar. Algumas expressões— O Pão do céu, a Luz do mundo, o Caminho, a Verdade e a Vida — ilustram as asserções, feitas por Jesus, a respeito de si próprio.

João fornece para a humanidade o entendi­mento do ministério de Jesus na Judéia, o que não acontece nos Evangelhos sinópticos. A maior parte dos eventos neste Evangelho acontece em Jerusalém, o que serve de complementação para aquilo que não passa de uma sugestão indireta nos Evangelhos sinópticos. A descrição de Jesus é feita sob um ângulo distinto. Ele é apresentado como o Verbo eterno, sem que haja qualquer re­ferência aos fatos históricos do seu nascimento. João parece satisfazer-se com a simples afirmação de que o Verbo se fez carne. A medida que a narra­tiva se desenvolve, há um cuidado crescente com o fato de que a “hora” se aproxima. Esta “hora” refere-se à crucificação, que é, ao mesmo tempo, o momento da glorificação. A encarnação foi um prelúdio para o cumprimento de um propósito determinado.

Nos discursos de João 14-17 encontra-se a porção mais característica deste Evangelho. Dá-se atenção especial ao ministério do Espírito Santo, o Consolador (cp. Jo 14.16,17,26; 15.26; 16.7;16.13,14). Em todas essas passagens, ele é chama­do de Parcícleto, ou Consolador, que assiste, guia, ensina e repreende. Quando Jesus se depara com a iminência da cruz, os seus últimos ensinamentos para os discípulos são marcados por um tom de alegria serena, pois Ele sabe que o que acontecerá será para o benefício dos seus seguidores. A sua partida, na realidade, marcará o advento da vinda do Espírito, que o glorificará.

Os ensinamentos de Jesus a respeito de sua própria morte são mais específicos neste Evan­gelho do que nos outros. A afirmação de João Batista, de que Jesus era o Cordeiro de Deus (Jo 1.29), a asserção de que Jesus é o bom pastor que dá a sua vida pelas ovelhas (Jo 10.14ss.) e a comparação da morte de Jesus com o grão de trigo, que precisa morrer para produzir frutos (Jo 12.24) são indicações claras de que o significado da cruz não permitia conjecturas. O clamor feito na cruz— “Está consumado” (Jo 19.30) — demonstra o cumprimento de um ministério que havia sido previsto no passado, e que foi perfeitamente con­sumado na vida e morte de Jesus. João, e é preciso enfatizar este aspecto, apresenta um Evangelho cujo significado está somente implícito nos outros três, os sinópticos.

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B. Atos dos Apóstolos. Há uma relação óbvia entre os Evangelhos e o livro de Atos, não só porque é uma continuação do livro de Lucas, mas também porque os Evangelhos pressupõem essa continuidade. Além disso, um dos aspectos mais notáveis dos capítulos iniciais deste livro é a con­vicção evidente de que Jesus ainda age no meio do seu povo. A cura do coxo por Pedro e João (At 3) é efetuada em nome de Jesus. Há outros episódios neste livro em que se apela ao seu nome. Outro fator surpreendente é a dominância da operação do Espírito Santo. Este livro também é chamado, bem apropriadamente, de Atos do Espírito Santo. O início do trabalho de evangelização da igreja é marcado pela descida do Espírito Santo no dia de Pentecostes. Lucas mostra, com muito zelo, a parte indispensável que o Espírito Santo exerce em todas as fases de desenvolvimento da igreja. Isto se aplica tanto à missão em relação aos judeus, quanto à missão em relação aos gentios. Foi pelo Espírito que Bamabé e Paulo foram separados para o trabalho missionário, assim como foi pelo Espírito que o apóstolo dos gentios foi constante­mente dirigido, como na ocasião em que, na sua segunda viagem missionária, o Espírito o proibiu de entrar na Bitínia.

O plano de Atos corresponde aproximadamente à asserção feita em Atos 1.8, em que o Senhor ressurreto ordena a seus discípulos testemunhar em Jerusalém, Judéia, Samaria e até os confins da terra. A primeira parte do livro descreve o desenvolvimento da igreja nessas três áreas men­cionadas neste versículo, e a última parte relata o desenvolvim ento ulterior, que chegou até o centro do império romano. A história é sem dúvida seletiva, pois parte do objetivo deste livro era, cer­tamente, descrever a culminância do testemunho missionário de Paulo como a sua chegada a Roma. E importante notar, com relação a este aspecto, que Lucas é bastante cauteloso ao não julgar os vários oficiais romanos, a quem se refere em sua narrativa, como culpados da ofensa de hostilizar a igreja e Paulo. Ele considera que aquela hostili­dade é devida às intrigas dos judeus.

Esse livro preserva muitos sermões ou afirma­ções da mensagem cristã, cujo valor é inestimável, pois eles revelam os métodos e o conteúdo das pregações nos primórdios da igreja. Não há um sistema teológico estabelecido. A tarefa principal é o testemunho do significado e daquilo que foi conquistado com a morte e ressurreição de Jesus. Esta ênfase nas pregações dos primórdios da igreja ajuda a explicar a predominância, em todos os Evangelhos, da narrativa da paixão e ressurreição.

O Cristo dos Evangelhos é considerado o centro da proclamação das boas-novas. O livro de Atos não apóia nenhuma visão de Cristianismo que não coloque a cruz no âmago de sua mensagem. A Igreja Primitiva não foi construída sobre um novo código de ética, nem sobre os ensinamentos éticos de Jesus. Era, essencialmente, uma comunidade redimida, como o livro de Atos deixa bem claro.

Ao mesmo tempo, o livro fornece algumas informações proveitosas sobre a vida das comuni­dades primitivas. Contudo, os relatos sobre essas comunidades, que são apresentados neste livro, necessitam ser complementados com as epístolas de Paulo. Uma das maiores contribuições deste livro refere-se ao relato da reunião dos apóstolos, anciãos e membros da igreja em Jerusalém, para discutir a questão da circuncisão dos gentios, principalmente no que dizia respeito ao trabalho de Paulo. Esse encontro nos dá um vislumbre do pro­cedimento da Igreja Primitiva. Cria, também, um ponto de contato com as epístolas de Paulo, porque ele estava envolvido nessa importante questão.

Atos, portanto, faz a conexão entre os Evange­lhos e as epístolas. Pode-se deduzir muito sobre Paulo por intermédio das revelações que ele faz sobre si próprio nas suas cartas, porém é o livro de Atos que fornece o panorama sobre o qual as suas epístolas devem ser estudadas.

C. As Epístolas de Paulo. Para que se possa extrair ênfase maior de caaa uma destas epístolas, é necessário explicar que serão inclu­ídas nesta análise todas as cartas, cuja autoria é atribuída a Paulo (i.e. 13 epístolas). O autor deste artigo considera que não há fundamento para questionar-se a autoria de qualquer dessas epístolas. A epístola aos Hebreus será considerada separadamente. Apesar de que algumas mudanças de enfoque podem ser observadas na coletânea de cartas escritas por Paulo, há, no entanto, uma considerável unidade de perspectiva.

1. R o m a n o s . Esta é a mais teológica de todas as epístolas de Paulo. O tema predominante é a justiça e o método de obtê-la. O apóstolo explica que todos os homens, quer sejam gentios, quer judeus, possuem a mesma necessidade básica de justificação, da qual ninguém está isento. A justi­ficação só pode ser alcançada por meio da fé em Cristo, pois Deus o preparou para a propiciação dos pecados dos homens (Rm 3.26). A provisão de Deus está diretamente relacionada à morte de Cristo, descrita nos Evangelhos. Esta epístola prossegue com a ilustração do princípio da fé por

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intermédio da vida de Abraão. Como Abraão é anterior à lei, a justificação não poderia depender da obediência a essa lei. Muitos princípios da vida pela fé são expostos — e.g., graça não significa que o pecado pode abundar, a consciência de que a vitória sobre o conflito interior só é obtida através de Cristo, e que há na vida cristã uma necessidade imperativa de que o Espírito Santo habite em nosso ser. Romanos 1-8 forma um bloco de princípios rigorosam ente encadeados. Logo a seguir há uma discussão sobre o problema de Israel e seu relacionamento com os gentios, no contexto da igreja cristã. A conexão com a parte precedente da epístola não é imediatamente aparente, porém a preocupação essencial do tema judeus-gentios é a justiça. A questão real era: Como poderia um Deus que rejeitou Israel ser justo? Paulo sustenta que Israel será restaurado ao lugar que tem direi­to, mas não do modo concebido pela expectativa popular. Esse lugar som ente será restaurado graças à misericórdia e inescrutável sabedoria de Deus (Rm 11.33ss.). Exortações práticas, que demonstram o operar da justiça na vida exterior do crente, também estão na conclusão desta epístola. Esta é maneira como Paulo faz a conexão entre doutrina e prática.

2. A s E p ís to la s a o s C o r ín t io s . A rela­ção de Paulo com a igreja de Corinto era cheia de nuanças, e suas duas epístolas para esta igreja refletem uma série de dificuldades práticas que haviam surgido. Estas epístolas permitem uma compreensão muito valiosa do método utilizado por Paulo para lidar com aqueles problemas, além de fornecerem um padrão que provou ser indispensável na história subseqüente da igreja. A igreja de Corinto provavelmente era atípica para aquela época, mas a enunciação dos princípios tomou-se atemporal.

Na prim eira epístola, Paulo lida com uma variedade de temas. Ele dedica a maior parte daquela epístola para as facções que apareceram, e as quais ele deplora. Em seguida, ele condena o fechar de olhos sobre um caso de incesto, assim como os cristãos que apelam para cortes pagãs para resolver seus litígios. Na seqüência, ele discute sobre o casamento, a came oferecida aos ídolos, o comportamento das mulheres durante o culto, os dons espirituais e a ressurreição dos mortos. Não há uma linha de pensamento que alinhave esta epístola. O que agrupa esses comentários em um conjunto é a urgência da compreensão dos princípios cristãos, que devem determinar a abordagem de uma variedade de temas práticos,

os quais, em muitos casos, estavam contaminados pelos antecedentes pagãos dos membros da igreja. Esta carta contém pouca teologia, mas os princí­pios éticos estão em plena conformidade com a teologia apresentada na epístola de Romanos. O primoroso hino de amor, no capítulo 13, é baseado em um amor mais elevado do que o amor humano— o amor de Deus — que é apresentado de forma proeminente na epístola aos Romanos.

A segunda epístola apresenta muitos problemas para exegese. E a mais difícil de todas as epístolas de Paulo. A ocasião em que foi escrita está intima­mente ligada ao relacionamento pessoal de Paulo com os membros da igreja de Corinto. Problemas foram trazidos à instância superior e um grupo dentro da igreja opôs-se violentamente a Paulo. A epístola é uma resposta a um relatório escrito por Tito, no qual assegurara ao apóstolo que a condição da igreja não era tão séria como já fora anteriormente. O apóstolo achou ainda necessário criticar uma parte da igreja nos capítulos finais (2Co 10-13), nos quais ele defende veemente­mente sua própria posição. No entanto, as outras partes desta epístola transpiram um espírito de alívio. Paulo tem muito a dizer sobre a natureza do ministério cristão, em uma discussão que se tom ara básica para a igreja como um todo. Além disso, ele inclui a discussão sobre a necessidade, dessa igreja, de fazer coletas para ajudar os irmãos pobres da Judéia, o que ilustra a imensa preocu­pação social desse grande apóstolo.

3. Gá la ta s . Esta epístola tem uma importân­cia histórica muito especial, por esclarecer dúvidas quanto ao problema da circuncisão na Igreja Pri­mitiva. Judeus cristãos viam a circuncisão como parte essencial da salvação, o que implicava a necessidade de circuncisão dos gentios. Alguns defensores fervorosos desse ponto de vista ten­taram persuadir os gentios a aceitar essa linha de pensamento. A carta de Paulo tem a intenção de combater essa abordagem, o que ele faz em duas linhas somente. Primeiro, ele confirma a validade de seu apostolado, pois a facção dos judeus não estava aceitando a sua condição de apóstolo. A parte mais importante da refutação corresponde ao segmento dedicado às doutrinas, em que nega enfaticam ente que a subordinação à lei tenha qualquer relação com a justificação, a qual é unicamente uma questão de fé. Este argumento é similar àquele exposto na epístola aos Romanos. Em ambas, Paulo apela para a posição de Abraão, que tinha grande importância para a sua argumen­tação. Um aspecto interessante em Gálatas é o uso

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de alegorias, as quais não são muito usadas em seus outros textos (cp. G14.21 ss.). Nessa epístola, assim como em Romanos, há exortações práticas na parte final, cujos pontos culminantes são o apelo para os leitores mostrarem o fruto do Espírito (G15.22) e a determinação de Paulo de somente se gloriar na cruz (G1 6.14).

4. E fé s io s . Esta epístola — assim como as epístolas de Colossenses, Filipenses e Filemom— é conhecida como a epístola da prisão, pois, as­sim como nas outras, Paulo diz encontrar-se preso. Na primeira parte da epístola, Paulo detém-se no mistério do plano de Deus em relação aos homens e introduz uma exaltação de Cristo. Ele enfatiza que o Cristianismo é uma questão de fé e não de obras. Ele pondera que a morte de Cristo é a solu­ção da problemática judeus-gentios. A última parte da epístola é dedicada ao comportamento cristão e mais uma vez a íntima relação entre prática e doutrina é notavelmente sustentada.

5. Filipenses. Nesta epístola, o tom principal é a alegria do cristão. A passagem mais notável é aquela que se refere à cristologia (Fp 2.5ss.), em que Paulo disserta sobre o auto-esvaziamento de Cristo. A teologia é usada como base para uma exortação aos cristãos, para que estes tenham a mesma mente de Cristo. Esta carta revela a grande afeição que Paulo tem por seus leitores, e que é recíproca, pois estes têm uma grande admiração por ele também.

6. Co lo sse n ses. Há m uita similaridade entre Colossenses e Efésios, mas a primeira está vinculada a uma situação específica, pois Paulo discorre sobre heresias. Em sua resposta a estas heresias, ele enfatiza a proeminência de Cristo. Ele sustenta que a reconciliação com Cristo se estende a toda a criação, o que demonstra que a cosmovisão do apóstolo Paulo é totalmente cris- tocêntrica. A seção sobre ética está em estreito paralelo com Efésios.

7. A s Epísto las aos Tessalonicenses.Estas Üfb, quase certamente, as primeiras epístolas de Paulo. Em ambas, Paulo preocupa-se princi­palmente com a explanação sobre a escatologia. Havia problemas, pois discutia-se sobre o destino dos cristãos que já haviam morrido. Os membros daquela igreja ponderavam sobre o que aconteceria com eles na segunda vinda de Cristo. Havia outros que pensavam que a segunda vinda do Senhor era tão iminente, que até pararam de trabalhar.

A primeira epístola lida principalmente com o primeiro problema mencionado, e a segunda apela para que tivessem muita cautela com relação ao segundo assunto com o qual o apóstolo se ocupa nessas epístolas. Ambas são notáveis por seus ensinamentos práticos.

8. A s Ep ísto las Pastorais. Este grupo de epístolas é composto da primeira e segunda epístolas a Timóteo, assim como a epístola a Tito. Estas epístolas mostram a preocupação de Paulo com organização na igreja. Ele menciona as qua­lificações necessárias para os oficiais da igreja e aconselha sobre como lidar com os falsos mestres, que eram muito ativos nas igrejas de Éfeso e Creta. A segunda epístola a Timóteo é especialmente interessante, pois é a última epístola de Paulo.

9. Filem om . Apesar de breve, esta epístola é um extraordinário exem plo de tato cristão, pois Paulo está pedindo o perdão e reabilitação do escravo Onésimo, que fugira do seu senhor. Embora o apóstolo não condene explicitamente a escravidão, sua abordagem do assunto destina-se, em última análise, a destruí-la.

D. O utras e p ísto las do NT. 1. He­breus. O panorama desta epístola é o sistema sacerdotal do AT, e Cristo é retratado segundo esta ambientação. A ordem de Arão falhara porque os sacerdotes e ofertas eram imperfeitos. Como Cristo — sua pessoa e sua oferta — era perfeito., a antiga ordem deixa de ter relevância. Uma exposição dessa natureza seria extremamente interessante para os judeus, porém era também muito valiosa para os gentios, pois estes poderiam com preender a abordagem cristã do AT. Esta epístola fornece instruções valiosas sobre a linha de interpretação do AT, sob a perspectiva cristã. Os leitores pareciam ter chegado ao ponto da apostasia, e então o escritor apresenta aspectos da glória da posição cristã.

2. Tiago. Esta epístola, quase na sua totali dade, trata de assuntos práticos como tentação, oração, controle da língua e riqueza. É singular pela ausência de conteúdo doutrinário, que parece estar subentendido. A passagem mais conhecida é a que se refere à fé e obras (Tg 2.14ss.), a qual é freqüentemente citada por parecer confiitar com a epístola de Paulo. Esta suposição é errônea, pois Tiago advoga que a fé deve produzir obras, e Paulo, que a fé não deve depender das obras da lei (i.e. um sistema legal).

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Uma das folhas dos papiros de Michigan (Beatty-Michigan MS.), que contêm 0 início de Hebreus e o final de Romanos, na biblioteca da Universidade de Michigan. © U.M.L

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NOVO TESTAMENTO 549

3 . A s E p ís to la s d e P e d r o . A primeira delas foi escrita em tempo de perseguições e o seu propósito é encorajar os leitores. O fundamento deste encorajamento é o exemplo de Cristo, espe­cialmente o seu sofrimento. Há uma combinação do significado prático e teológico da cruz. Há também uma forte influência do AT, em particular as alusões ao livro de Êxodos. Esta epístola possui um valor especial para comunidades cristãs, de qualquer época, que estejam sofrendo.

Na segunda epístola, o cuidado principal é com a atividade de falsos mestres, cujas atitudes levam à deterioração moral. Pedro fornece um esboço do falso ensinamento e logo a seguir enfatiza o papel do Espírito Santo na produção da verdadeira profecia (2Pe 1.20,21). No final da epístola dá-se atenção especial ao problema da demora da segun­da vinda de Cristo, que era motivo de zombaria por parte de alguns. Há palavras solenes a respeito do Dia do Senhor.

4. A s E p í s t o la s d e J o ã o . Todas estas três epístolas detêm-se no tema da verdade, que reflete um pano de fundo de controvérsias e erros. Nas cartas 1 e 2 de João, parece certo que o erro era o docetismo, que fazia uma distinção entre o Cristo divino e o Jesus humano. Aresposta de João abrange dois temas — o relacionamento correto com Deus em Cristo e uma vida dominada pelo amor. Há muitas antíteses. Luz é contrastada com trevas, verdade com erro, vida de fé com mundo. O pecado é abordado sob um enfoque bem deli­neado; e o sacrifício de Jesus é apresentado como a arma eficaz para se lidar com qualquer pecado. A segunda epístola de João previne seus leitores contra os falsos mestres; e a terceira critica a igreja, pois esta se recusou a dar acolhida aos mensageiros de Deus.

5. J u d a s . Esta breve carta, advertindo contra os falsos mestres, do mesmo tipo dos que foram mencionados em 2 Pedro, é significativa pelo seu final, que exalta o amor e o poder de Deus.

E. O Livro de Apocalipse. Este livro sus­citou numerosas interpretações, sobre as quais há muita discussão. Todas elas reconhecem, no entan­to, que o tema geral é a vitória final de Cristo sobre o poder do mal. Quer o seu simbolismo deva ser interpretado historicamente, quer de maneira profé­tica, a mensagem de encorajamento para os crentes que estão passando por dificuldades continua inal­terada. E uma visão direcionada para as sete igrejas da Ásia, mas contém uma mensagem permanente

cujo foco é a consumação vitoriosa da era cristã. O Cordeiro imolado tomou-se o Cordeiro entro­nizado. Sem este livro, o NT estaria incompleto.

Esse breve apanhado de cada um dos livros m ostra uma grande variedade de facetas, mas elas formam uma unidade. Há uma só mensagem cristã, apesar dos diversos canais utilizados para sua transmissão.

III. A AUTORIDADE DO NT

A discussão sobre a autoridade religiosa do NT foge do escopo deste artigo. O que se almeja nesta breve explanação é o fornecimento de algumas das razões que justificam o porquê do NT ter-se toma­do uma fonte de autoridade na vida e ministério da igreja. Primeiramente, é preciso reconhecer que o NT é a única fonte autoritativa que pode demonstrar as bases históricas do Cristianismo. Há opiniões discordantes, provenientes das diversas escolas de criticismo, como por exemplo, quanto à autoridade desses livros para essa finalidade histórica. Quando a autenticidade de qualquer desses livros éicontestatfa, o seu valor como fonte histórica toma-se imediatamente suspeito. Toda­via, o Cristianismo ortodoxo nunca duvidou que o NT fosse um guia confiável do desenvolvimento histórico da igreja cristã.

No entanto, é no campo da doutrina e conduta que a sua autoridade repousa. O apóstolo Paulo chega a emitir ordenanças para seus leitores em suas cartas, e a autoridade da sua abordagem é reconhecida pela igreja cristã. A sua doutrina, conseqüentemente, está revestida de autoridade. O apóstolo, por saber que estava sendo dirigido pelo Espírito de Deus, pôde escrever com tama­nha autoridade. O tom das outras epístolas do NT é igualmente revestido de autoridade, e elas transmitem ordenanças a serem seguidas por seus leitores. Nos Evangelhos, no entanto, esse tom de autoridade dos escritores é menos conspícuo, talvez pelo caráter distinto desses textos. Enquanto nas epístolas os homens registram com autoridade sob a direção do Espírito Santo, nos Evangelhos ela provém diretamente da autoridade do próprio Jesus. O que Ele fala e faz, traz em seu bojo a sua própria autoridade, que não é menor do que a autoridade do próprio Deus. Ele fala e age em harmonia com o desejo do Pai.

A questão que se levanta é por que somente os livros do NT, dentre toda a literatura produzida pela Igreja Prim itiva, são considerados como autoritativos. A resposta está ligada ao estudo da canonicidade, discutida no artigo intitulado O

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550 NOVO, NOVIDADE

C â n o n d o N o v o T e s t a m e n t o . Todavia, deve-se tecer alguns comentários sobre a maneira como veio a ser atribuída autoridade para esses 27 livros, os quais constituem o NT. Como mencionado na seção inicial deste artigo, tanto o Senhor como os apóstolos aceitavam a autoridade do AT. Quando o AT em basava ou ilustrava um evento, uma nova dimensão, que não poderia ser ignorada, era acrescentada. Cristo e os apóstolos tinham a firme convicção de que as Escrituras do AT — as leis e os profetas — não poderiam ser revogadas.O AT era a Palavra de Deus e era, portanto, a voz de Deus. Homens foram conduzidos pelo Espírito Santo para escreverem os livros do AT. As suas ordenanças eram aceitas, sem questionamentos, como mandamentos de Deus. Será que o mesmo acontecia com o NT?

Pode-se assumir que a autoridade do AT seria transferida para oNT, logo que os ensinamentos de Jesus e dos apóstolos fossem reconhecidos como uma seqüência lógica dos ensinamentos do AT. É esta convicção essencial da continuidade entre a ordem antiga e a nova, que pavimentou o caminho para estender a autoridade para aqueles livros que apresentavam um testemunho dessa continuidade. Tendo isto em mente, fica fácil perceber como esse relato sobre o ministério e ensinamentos de Jesus tomaram-se autoritativo. Então, por que foram escolhidos quatro desses relatos?

E essencial notar que a autoridade de nenhum desses Evangelhos foi imposta de fora. Cada um deles possui uma autoridade inerente, reconhecida pelos primeiros destinatários. Reconhecia-se que os apóstolos, além de terem sido escolhidos pelo Senhor, tinham a direção do Espírito Santo, pois Jesus assim prometera (Jo 14.26). Portanto, as suas palavras estavam revestidas de uma autoridade especial. O apóstolo Paulo, em relação ao seu ministério apostólico, reivindicava reiteradamente ser um apóstolo da mesma estatura daqueles de Je­rusalém, e deve-se supor que a igreja cristã tenha, na sua totalidade, reconhecido a sua autoridade. As suas epístolas eram claramente consideradas dessa forma, quando 2Pedro 3.15,16 foi escrita.

O problem a principal está relacionado aos outros livros. Com exceção de 1 Pedro e 1 João, houve alguma demora para a aceitação indiscri­minada deles. Durante os primórdios da igreja, há pouca evidência quanto à atitude em relação às outras epístolas menores. Não são cartas tre- qüentemente citadas, e visto que todas as primeiras citações são citações patrísticas, é difícil saber o que esses autores pensavam dos livros que não citavam. Há evidências de que em alguns casos

havia dúvidas, mas não se sabe qual a base para tais dúvidas. O livro de Apocalipse era mais apreciado no Oriente do que no Ocidente, porém hesitações quanto à sua aceitação podem ter-se devido a dificuldade de interpretação. Quando finalmente todos os livros foram reconhecidos, não foi por meio de nenhum pronunciamento eclesiástico, mas por intermédio do apreço e uso feito por toda a igreja cristã. Os livros são reconhecidos como uma unidade autoritativa.

BIBLIOGRAFIA. A. Naim e, The Faith o f the N T (1920); H. N. Bate, A Guide to the Epistles o f St. Paul (1926); F. F. Bruce, Are the N T Documents Reliable? (1943); A. M. Hunter, The Unity o f the N T (1946); W. G. Scroggie,^ Guide to the Gospels (1948); F. V. Filson, The N T Against its Environment (1950); R. M. Grant, A n Introduction to N T Thought (1950); J. L. Price, Interpreting the N T (1961); M. C. Tenney, N T Survey, A Historical and Analytical Survey, 2 ed. (1961); W. C. van Unnik, The New Testament (1962); R. M. Grant, A Historical Introduction to the N T (1963); F. V. Filson, A N T History (1964); E. F. Harrison, N T Introduction(1964); B M. Metzger, The NT, its Background, Growth and Content (1965); P. Feine-J. Behm-W. G. Ktimmel, Introduction to th eA T(1966); G. W. Barker, W. L. Lane, J. R. Michols, The New Testament Speaks (1969); D. Guthrie, N T Introduction (1 vol., 1970); R. H. Gundry, A Survey o f the New Testament (1970).

D. G u t h r ie

NOVO, NOVIDADE ('i'7n; Kcavóç; véoç).

I. Os term os em hebraico. A palavra mais comum no Antigo Testamento para “novo” é tt'7n, significando “novo” no sentido de “recente” ou “fresco”, e ambos os significados têm a mesma conotação associada às palavras gregas, k c c iv ó ç

e véoç, ou seja, novidade qualitativa contrastada com novidade cronológica. Essa palavra é comu- mente usada na posição do atributo, i.e., do adjeti­vo, aparecendo, por exemplo, em expressões como as que seguem: um novo rei (Ex 1.8), uma nova oferta de manjares (Lv 23.16), uma nova casa (Dt20.5), uma nova esposa (recém-casado) (Dt 24.5), cordas novas (Jz 15.13), um carro novo (1 Sm 6.7), uma capa nova (lR s 11.29,30), um novo cântico (SI 33.3, et al.), um nome novo (Is 62.2), novos céus e nova terra (Is 65.17; 66.22), nova aliança (Jr 31.31), um coração novo e espírito novo (Ez 18.31; 36.26). Em relação à lista fornecida acima, a dificuldade de distinguir-se entre qualidade e tempo é aparente; pois, freqüentemente, quando

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NOVOS CÉUS (E NOVA TERRA) 551

nos referimos a algo como sendo de um tipo novo, é também novo na aparência. E digno de nota que as referências dos livros históricos do Antigo Testamento geralmente enfatizam o sentido tem ­poral, enquanto os livros literários, os poéticos e os proféticos, geralmente dão ênfase ao aspecto qualitativo. Essa palavra algumas vezes também é usada sem que um substantivo seja expresso, mas nesses casos o contexto fornece o objeto a que se refere (Lv26.10; Dt 32.17; 2Sm21.16; et al.). Essa palavra raramente é usada na função predicativa (Jó 29.20; Ec 1.10; Lm 3.23). Outras palavras no Antigo Testamento, usadas com menor freqüência, e que significam novo são: mri (Ed 6.3, madeira nova [KJV, NVf — Ed 6.4]); no(Jz 15.15, na KJV, uma nova queixada, com o significado de fresca; na .ARA lemos “queixada de jumento ainda fres­ca”); e i}N'~c (Nm 16.30, na KJV uma nova coisa no sentido de uma nova criação; na ARA lemos “criar alguma coisa inaudita”).

II. Os term os em grego. As duas pala­vras em grego são k c u v ó ç e véoç. A primeira é freqüentemente usada para enfatizar a novidade qualitativa, e a segunda para a novidade crono­lógica, no sentido de modernidade ou juventude. k cx iv ó ç é usada no Novo Testamento para referir- se àquelas entidades relacionadas ao Reino de Deus e ao tempo que virá, que será radicalmente distinto daquilo que caracteriza o tempo presente. Nèoç é uma palavra freqüentemente usada por Paulo em suas epístolas pastorais, para referir-se aos jovens membros, homens ou mulheres, da suas congregações (lT m 5.1,2,11,14; Tt 2.4,6; cp. IPe 5.5).

Esta distinção entre tccavóç e véoç, feita aci­ma, não é reconhecida por todos. Aqueles que a refutam, baseiam seus argumentos basicamente no aparente uso permutável destas duas palavras no Novo Testamento. Mateus 9.17 fala do vinho novo e usa a palavra véoç, enquanto Mateus 26.29, em um contexto distinto, refere-se ao vinho novo como k c u v ó ç . Efésios 4.24 manda que os cristãos se revistam do Kcavóç homem, enquanto em Colossenses 3.10 fala daquele que já se revestiu do véoç homem. O escritor de Hebreus refere-se à “nova aliança”, mas usa Kcavóç em 9.15 e véoç em 12.24. Além disso, os papiros parecem usar as duas palavras praticamente como sinônimos.

A explicação m?is comum, no que diz respei­to às passagens acima, para aqueles que, como Trench, ainda mantêm a distinção de significa­dos, é que embora possam parecer sinônimos, na realidade não são usadas como equivalentes. Por

meio do uso de duas palavras distintas, os escri­tores das Escrituras tentam fazer uma distinção, e esses estudiosos insistem em ressaltar, que não pode ser ignorada. Ayvacjíoç é outra palavra para “novo”, usada em Mateus 9.16 e Marcos 2.21. Este termo refere-se ao pano novo, com o significado de pano que ainda não foi lavado ou que ainda não encolheu. npÓCTijíatoç é usado em Hebreus 10.20, quando o texto se refere ao novo caminho que Cristo abriu para que pudéssemos entrar em local sagrado, o Santo dos Santos. A palavra em si mesma significa “recentemente imolado”, mas neste contexto refere-se ao caminho recentemente manifestado ou revelado.

BIBLIOGRAFIA. R. Trench, Synonyms o f the New Testament (1948), 219-225; W. A m dt e F. W. Gingrich, A Greek-English Lexicon o f the New Testament and Early Christian Literature (1957), 394, 395, 537; G. Kittel, Theological Dictionary o f the New Testament,III (1965), 447-454.

W. G e r ig

NOVOS CÉUS (E NOVA TERRA). Um termo técnico na linguagem escatológica da Bíblia, para definir e descrever o estado final e perfeito do universo criado.

A concepção de um universo recriado origina- se no relato bíblico da criação. “No princípio criou Deus os céus e aterra” (Gn 1.1). Aqui o significado da expressão “os céus e a terra” abrange o todo do universo criado (cp. Jo 1.2,3). A criação do universo deve ser definida como mais do que uma criação proveniente do nada (ex nihilo) e sendo consumada pelo mandamento divino. “Céus”, na visão do mundo primitivo, significava descrever tudo que está acima da terra — o céu com seus corpos celestiais — e, por isso, deveria ser distin­guido do céu que é o lugar da habitação de Deus, fora da realidade do universo criado. A promessa de uma recriação dos céus e da terra não surge por causa de alguma falta inerente ou mal no universo material, mas por causa do pecado do homem e da subseqüente maldição de Deus: “Maldita é a terra por tua causa” (Gn 3.17).

A idéia de um universo renovado e recriado está presente em essência em muitas passagens: Isaías 51.16; Mateus 19.28; 24.29-31,35; Marcos 13.24­27,31; Romanos 8.19-23; 2 Coríntios 5.17; He­breus 12.26-28. Há menção específica de “novos céus e nova terra” nestas passagens: Isaías 65.17; 66.22; 2 Pedro 3.13; Apocalipse 21.1. A Escritura acima sugere os seguintes pontos de interesse:

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552 NOZES

1. Deus é a fonte desse novo universo. “Pois eis que eu crio novos céus e nova terra” (Is 65.17; cp.66.22). A esperança para uma vida e sociedade hu­mana renovadas está enraizada em um novo mun­do que será purificado de forma radical por Deus.

2. Deus trará o novo universo à existência no final da história. Isto será produto de uma atividade puramente escatológica e estará direta­mente relacionado à degeneração na vida humana ética e religiosa (Mc 13.24-27; cp. Rm 8.19-23; 2 Pd 3.3-13), bem como cumprimento da tarefa evangelística da igreja (Mt 24.14). Será resultado de eventos catastróficos no universo criado, os quais são destinados não a destruir, mas a limpar e purificar (Mc 13.24-27; 2 Pd 3.3-13). Será re­alizado por uma renovação radical, mas não por uma nova criação ex nihilo. Até aqui, Jesus falou do método a ser usado como “regeneração” KJV (TtaÄAYYEveaia, Mt 19.28). Igualmente Pedro fala da “restauração (á JtoK arácytaaiç) de todas as coisas” (At 3.21), que será, de certa forma, seme­lhante à purificação do mundo com o dilúvio — o mundo será purificado pelo fogo (2Pe 3.6,7).

3. A revelação divina concernente aos novos céus e nova terra está intimamente relacionada ao tema da nova Jerusalém (Ap 21.2-22.5), que con­tém o tema de um novo Jardim do Éden (Ap 22.2).

A continuidade entre o universo presente e o novo universo está salientada na consideração do ensino rabínico, de que os novos céus e a nova terra foram criados no final da semana da criação de Gê­nesis 1 (cp. MidrashRabbah, Gênesis l,p ág . 12.)

BIBLIOGRAFIA: G. Vos, “Heavens, N ew (and Earth, New)”, ISBE, II (J929), 1353s.; Midrash Rab­bah, Genesis I, I. Epstein, org. (1939), 12; K. Schilder, Heaven, W h a tls lt? (1950), 69-71, 113-118; U. Simon, Heaven in the Christian Tradition (1958), 46-51, 221 - 227; J. C. DeYoung, Jerusalem in the New Testament(1960), 152ss.

J. C. D e y o u n g

NOZES (ras, nogueira; cn tn , noz de pistácia). Em Gênesis 43.11, há a descrição do presente que Israel enviou ao governador, sem saber que este era seu filho, José. Esse presente incluiu nozes, provavelmente noz de pistácia (Pistachia vera), comumente denominada batam em árabe. Essa árvore chega a ter nove metros de altura e possui folhas aveludadas que posteriormente tomam-se bem lisas. Cresce nas áreas rochosas da Palestina

e Síria. O núcleo comestível do caroço é pequeno, de cor amarelo-esverdeada, e seu paladar é doce. É freqüentemente consumido cru, mas pode ser frito, com a adição de sal e pimenta.

No entanto, pode-se argumentar que as nozes em Gênesis 43.11 eram amêndoas (Amygdalus communis), que possivelmente eram comuns na Palestina, mas não existiam no Egito daquele período. No deserto do Sinai, os “filhos” de Israel ornaram os candelabro de ouro com modelos de amêndoas. Isso significa que conheciam amên­doas no período em que estavam no Egito, e o Faraó pode ter dado instruções para que essas árvores fossem plantadas no Egito, após ver o delicioso presente que foi enviado a José. Até os dias de hoje, as gotas de cristais de rocha usadas em candelabros são denominadas “amêndoas” na Grã-Bretanha.

As nogueiras do jardim, descritas em Cântico dos Cânticos 6.11, são sem sombra de dúvida nozes (Juglans regia). Essas árvores chegam a ter a altura de 10,5 metros na Palestina. Essa árvore produz uma boa sombra e sua folhagem possui uma fra­grância suave. As nozes, claro, são muito saborosas.

Aaveleira de Gênesis 30.37, Corylus avellana, também produz nozes, mas a palavra hebraica luz poderia ser traduzida como “amendoeira”, como acontece na tradução da NVI. A cidade de Luz ob­viamente recebe esse nome em conseqüência da re­gião, que possuía muitas plantações de amendoeiras.

W. E. Shewell-Cooper

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NOZES DE PISTÁCIA OU PISTACHE / NÚMERO 553

NOZES DE PISTÁCIA OU PISTACHE (cr’383).Fruta de Pistácia Vera, uma árvore alta da Pales­tina (Gn 43.11, KJVNOZES). Suas sementes são comestíveis, é a comida predileta na Palestina, onde são comidas cruas ou transformadas em vários doces. As nozes de pistácia estavam entre as coisas “escolhidas'’ que Jacó fez seus filhos levarem para José, no Egito.

S. B a r a b a s

NU, NUDEZ (m s , d tj? , m y ; rr ra ; y^m-^óç, yuilvÓTi |ç, desnudo, exposto, nudez). A primeira vez que a palavra “nu” é usada na Bíblia, escla­rece seu significado em muitos outros contextos: “o homem e sua mulher, estavam nus e não se envergonhavam” (Gn 2.25). No estado original, a exposição do corpo não provocava tentação. O sentimento de vergonha é ilustrado graficamente no relato da bebedeira de Noé, e a reação de seus filhos à sua exposição subseqüente (Gn 9.20-23). Levítico 18 usa esse termo para descrever os graus de coabitação proibidos.

“N u” e “nudez” são usados figurativamente de muitas maneiras. “Nu” pode significar totalmente descoberto (Jo 21.7), destituído (Jó 22.6), ou vulnerabilidade (Gn 42.9). Jó usou a palavra para indicar a transitoriedade das possessões terrenas (Jó 1.21). A frase “os pontos fracos (ARC nudez) da terra” (Gn 42.9) indica exposição ou vulnerabi­lidade. O estado espiritual da igreja de Laodicéia é “miserável, pobre, cego e nu” (Ap 3.17); uma vívida caracterização de sua extrema necessidade.

D. L .B l a ir l o c k

NUM (D). A décima quarta letra do alfabeto he­braico. Em algumas versões bíblicas (NVI, CPAD entre outras) esta letra é colocada na décima quarta parte do Salmo 119, cujos versos desse trecho se iniciam com esta letra.

NUM (113, peixe). Pai de Josué e, portanto, um efraimita (Êx33.11;N m 11.28; 13.8,16; Dt 1.38; 32.44; Js 1.1; Jz 2.8; lR s 16.34; Ne 8.17 etc.). Nada mais é dito a respeito dele.

NUMÊNIO (Not)iJ,fjvioç). O filho de Antíoco (IM ac 12.16), que foi enviado a Roma, em uma missão especial, por Jônatas e Simão, o í Iasmoneu. Após essa vitória sobre os comandantes de Demé- trio na Galiléia, Jônatas enviou um embaixada a

Roma, composta de Numênio e Antípatro (fi lho de Jasão), “para confirmar e renovar a amizade recí­proca” (IM ac 12.1). Os romanos responderam de forma favorável e incitaram outros a fazer o mes­mo. Da mesma forma, os espartanos reagiram de forma positiva à carta de Jônatas (IM ac 12.5-23). Simão sucedeu a seu irmão Jônatas, após a captura e derrota deste em conseqüência de um subterfugio utilizado por Trifào. As vitórias e sucessos de Simão foram aplaudidos pelos romanos e espartanos. Em 140 a.C., um pouco antes dos judeus declararem que “Simão fosse o seu chefe e sumo sacerdote para sempre” (IM ac 14.41), Simão enviou Numênio em uma segunda missão a Roma, com um grande escudo de ouro “para confirmar a aliança com eles” (IM ac 14.24), os romanos. Numênio retomou de Roma com cartas para todos os reis e países vizinhos, declarando a soberania do povo judeu e a integridade de seu território. Uma cópia dessa carta está registrada nesse livro (IM ac 15.16-21). Josefo (Jos. Antiq XIII. v. 8) alude ao evento e em seu relato, uma versão um pouco distinta daquela carta, ele menciona Numênio, porém o episódio é datado de maneira errônea, na época de Hircano II (76-67 a.C.). O sucesso de Numênio nessas missões indica que era um diplomata capaz e que representara com êxito a causa judaica em Roma.

B . V a n E l d e r e n

NÚMERO. O conceito bíblico de “número”é o de quantidades distintas, que se manifesta pelo princípio da soma dos elementos de uma seqüên­cia, na ordem numérica do tempo, para mais ou menos. O nascimento e progresso da teorização matemática não estão aparentes nas revelações de pré-teorização da esfera bíblica.

I. O panorama dos números bíblicosA. A evidência de números no período

neolíticoB . Números sumériosC. Números egípciosD. Números acadianos, assírios e babilôniosE. Números ugaríticos e cananitasF. Números semíticos pós-helenistas

II. Números bíblicos do ATA. A forma dos números do ATB . Termos e operações matemáticasC. Enumerações

1. Enumerações comuns, idades2. Enumeração de números elevados,

censo

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554 NÚMERO

D. Números retóricos1. Usos idiomáticos, de prosa e refe­

rentes ao clímax2. Série poética de números, X e X +1

E. Números simbólicos e místicosF. Explicações numerológicas do AT

III. Números bíblicos do NTA. O estado-da-arte dos números e mate­

mática gregosB. Numerologia helenísticaC. Formas, termos e operações dos nú­

meros do NTD. EnumeraçõesE. Números retóricos, simbólicos e místicos

IV. A teologia bíblica dos números

I . O PANORAMA DOS NÚMEROS BÍBLICOS

A origem suprema do conceito de números deve, com base na visão cristã de mundo, ser traçada em relação à natureza inerente da criação das ordenanças de Deus. O conceito de número é, portanto, tão antigo quanto o homem, ou seja, a criatura “pensando os pensamentos de Deus de­pois Dele”. Os números são uma das modalidades básicas da ordem do mundo.

A. A evidência de núm eros no pe­ríodo neolítico. As pinturas nas cavernas e a arte glíptica do período paleolítico e mesolítico são evidências do senso de forma e relação dos homens. Há desenhos em que múltiplas formas geométricas simples estão agrupadas para produzir um desenho complexo, o que demonstra a estética da geometria. Contudo, em vários achados, no mundo todo, de peças neolíticas há grupos de buracos, pilares, pedras e blocos maciços, os quais foram encontrados em padrões de proporções ge­ométricas freqüentemente numa correspondência de um para um, 1:1. E preciso evitar a utilização de uma metodologia perigosa, porém é importante ressaltar que os conceitos de número e numeral foram encontrados em cada tribo e cultura que foi investigada, desde o surgimento da ciência denominada antropologia. Sem dúvida nenhuma, os primeiros números sumérios eram um e dois. Esta experiência foi relatada na história bíblica da criação de Eva, pois Adão reconheceu pela prim eira vez, aquilo que todo homem futuro reconheceria — a dualidade. Há evidências lingü­ísticas para este fato, pois em muitas linguagens “três” é equivalente a “muitos”. N a realidade, foi

constatado, com razoável margem de segurança, que nas três famílias das línguas mais antigas do Oriente Próximo, as aglutinantes, as semíticas e as indo-européias, os termos utilizados para representar “três” são Biologicamente, se não forem tam bém sem anticam ente, relacionados com os termos usados para significar “além” ou “muitos”, e. g. Eng. three > trans (três > trans). A grande inovação e avanço do período neolítico e daquele denominado proto-escrita foi a escrita (q.v.); contudo, em cada casos parece que a escrita foi precedida pelos números.

B. Números sumérios. À parte dos proto- elamitas e proto-danubianos, os sumérios das pla­nícies aluviais do sul do Iraque foram o primeiro povo letrado do mundo. Além da ocorrência dos seguintes tipos de estilos de escrituras, como lis­tagens, poesias, épicos, léxicos, dentre outros, há também achados de vários conceitos de números e operações nas placas cuneiformes dos sumérios. Não há dúvida de que os processos mentais que haviam demandado grandes períodos de esforço concentrado foram repentinamente divulgados com o estabelecimento do domínio da cultura suméria Quase todas as operações matematicas simples são encontradas em textos sumérios de economia, como: adição, subtração, multiplica­ção, divisão, extração simples de raiz, elevação à potência, além de saberem também lidar com certa quantidade de números fracionários. Há uma au­sência muito significativa de anotações de espaço e da noção do “zero”, cuja compreensão é muito difícil. O aspecto mais importante dos números sumérios é o seu caráter sexagesimal. Ou seja, a base não é 10, 102 = 100; 103 = 1.000 e assim por diante; porém 60, 602 = 3.600; 603 = 216.000. O sistema foi adaptado para frações, de tal forma que unidades fracionárias individuais possam ser ex­pressas em frações sexagesimais. Logo, o número1 pode representar 60, uma potência de 60, ou até mesmo 1/60" e 2 substitui 2x60 = 120, 2/60 etc. As frações comuns 1/2, 1/3, 1/4, 1/5 eram escritas conseqüentemente como 30/60, 20/60, 15/60, 12/60, como foi escrito na tabela de frações nos exemplos da página da ilustração. O legado desse sistema é interessante, pois era admiravelmente su­perior para pesos e medidas. Na realidade, alguns estudiosos supõem que esta seja a sua origem. A sua importância é digna de nota, pois quase todos os sistemas de metrologia posteriores, do Oriente Próximo e do Mediterrâneo, eram sexagesimais. Este sistema é mais adequado para a divisão do cír­culo e para efetuar cálculos no círculo, assim como

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os quadrantes astronômicos adaptam-se melhor aos graus, minutos e segundos do arco. Contudo, um desenvolvimento pleno de anotações de espaço com o zero não foi realizado. Na época em que o sistema sumério foi desenvolvido, produziram-se sinais cuneiformes para representar: 1/2, 1/3, 2/3,1, 10, 60, 10x60 = 600, 602, 10x602 = 36.000 e a maior unidade, 603. Este número vai muito além do escopo da maior unidade egípcia. O sistema sexagesimal foi extensivamente utilizado por duas protociências da civilização suméria, a astrologia e o culto calendárico. E certo que o sistema sexa­gesimal dos sumérios tomou-se conhecido e foi utilizado por outros povos da Antiguidade, como os heteus, os acadianos, e os gregos dentre outros. É possível também perceber uma vaga lembrança desse sistema nos livros da Bíblia hebraica.

C. Núm eros egípcios. Os historiadores gregos e muitos outros autores pressupuseram que a matemática originou-se no Egito. Contudo, a notável antiguidade dos documentos de economia cuneiformes, com suas operações aritméticas, que aparecem na metade do terceiro milênio a.C., ante­cedem os documentos e as inscrições mais antigas do Egito. O sistema numérico egípcio é estrita­mente decimal, e de modo distinto do cuneiforme, fomece uma relação direta de 1:1 dos símbolos de1 a 9, 10 a 90, 100 a 900 e 1.000 a 9.000 (figura 1). As operações de adição e subtração eram muito simples, porém a multiplicação era efetuada por um processo de dobrar a quantia. Logo, a operação 14x 14 poderia ser efetuada por meio da divisão do 14 pela metade e a utilização do cálculo de 7x14 mais 7x14, ou chegar à solução por intermedio da utilização do 10, em 10x14 mais 4x14. A divisão seria a realização da operação inversa. Frações complexas eram reduzidas a unidades de fração; portanto: 23/45 é reduzido para 1/5 + 1/5 + 1/9. Provavelmente em conseqüência de sua vasta experiência na manipulação de frações e invenção de tabelas elaboradas para a solução de problemas que envolviam frações, os egípcios chegaram a uma boa aproximação do “Jt”, a saber, 3.16. Eles também derivaram uma fórmula correta para o volume de uma pirâmide. Os frutos da matemática egípcia e sua utilização prática na agrimensura e construção foram transmitidos aos semitas da Sí- ria-Palestina, mas nenhum legado da teoria ou das soluções mais sofisticadas de problemas aparece nos vestígios das culturas do norte. Na época dos matemáticos egípcios, os escribas encarregados das enumerações reais, formalizaram a escrita de hieróglifos lineares epigráficos em forma cursiva,

em que havia um conjunto de símbolos encadea­dos. Os números e as operações associadas a eles eram tratados da mesma maneira. A crescente onda de conservadorismo e intransigência, que caracterizou o último milênio da era dos faraós no Egito, prejudicou o desenvolvimento de números e a compreensão de conceitos numéricos. Ainda não se sabe até que ponto a intuição influenciou as noções mecânicas dessa cultura egípcia, contudo, eles utilizaram o seu sistema rústico no registro de números tão altos quanto 1.422.000. Esta enume­ração foi afetada pela utilização de muitos sinais duplicados, os quais deveriam ser totalizados para serem lidos. A teoria geométrica do Egito, assim como a teoria jónica (ou iônica) primitiva, basea­va-se grandemente nas construções. Contudo, nem mesmo os rudimentos da álgebra foram abordados por esses sistemas numéricos.

D. N úm eros acadiano s, assírio s e babilônios. Parece que os acadianos e babilô­nios, culturas semitas do Oriente, que herdaram e refinaram a cultura não-semita da Mesopotâmia, conheciam o sistema sexagesimal sumério e o sis­tema decimal egípcio. Os assírios, situados no nor­te do vale do Tigre e do Eufrates, e os babilônios, no sul, eram homens de negócios e comerciantes dedicados. Foram escavados e estudados centenas de milhares de documentos econômicos, livros mestres de negócios e contratos. Eram também construtores hábeis e as dificuldades das planícies do Iraque forçavam a cooperação e o planejamento ordenado para a irrigação e defesa. As placas ma­temáticas babilônias, por sua exatidão, são alguns dos mais refinados traiados científicos existentes das civilizações antigas. E preciso ressaltar que os ulteriores escribas babilônios estavam a ponto de descobrirem as principais ferramentas matemáticas dos períodos posteriores, as “funções” e a álgebra. Nestes assuntos, estavam séculos à frente e eram indiscutivelmente supe riores aos seus contem­porâneos. A proximidade, geralmente desastrosa, entre a Mesopotânia e a Palestina permitiu que Israel tivesse acesso às descobertas matemáticas dos babilônios. Contudo, há somente uma leve evidência de que parte desse aprendizado teve aceitação geral nas 12 tribos. Os babilônios con­seguiam calcular a área do triângulo, quadrângulo, trapézio, assim como o volume de vários outros tipos de figuras. No último período da cultura babi­lônia, a dinastia selêucida, o conhecimento prático superou a solução de problemas mais difíceis e háo predomínio da astronomia nos textos. Os conteú­dos desses textos foram sintetizados e refinados, e

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tomaram-se conhecidos pelos gregos. Pensadores, como Tales, por exemplo, utilizaram esses resul­tados. A sua grande contribuição foi no campo da teoria dos números elementares, os quais, nesse período, ainda não haviam sido pesquisados. Os termos hebraicos para números cardinais e ordinais foram derivados da língua oriental semítica dos acadianos. Em geral, os textos matemáticos da Mesopotâmia podem ser divididos em dois grupos: os textos de problemas, que oferecem métodos e sugerem idéias para a solução de problemas específicos, além de fornecerem exemplos; os textos de tabelas, que apresentam tabelas de séries sucessivas de números, em conformidade com certas operações matemáticas. Há suposições de que os textos de problemas surgiram no período da primeira dinastia da Babilônia e que foram recopiados, com poucas alterações, dessa época em diante. Provavelmente, foi no período de paz, uma conquista de Hamurabi (1792-1750 a.C.), que os grandes avanços na álgebra e geometria foram alcançados. Na Babilônia, sob o poder dos reis Kassite, a astronomia e a astrologia foram as áreas de conhecimento em que mais se empenharam. Os textos de tabelas são provavelmente uma subcate­goria dos catálogos de ciência (ou listenwissens­chaft Sumério-babilônico), que reuniu uma vasta lista de léxicos. Foram encontradas placas do período do domínio kassite,em que frases e termos sumérios aparecem em colunas, e paralelos a estes, os termos e frases equivalentes em babilônio. Foi descoberta uma longa série desses paralelismos, que estavam registrados em mais de 20 placas. As séries de prognósticos astrológicos — EmümaAnu E nlil— também foram produzidas nessa época do domínio kassite. O mesmo método já era utilizado com os números. Há placas simples, em que uma coluna de números é acompanhada por outra, cujos números correlatos aos da primeira coluna aparecem lado a lado, e ainda outras colunas pa­ralelas a essas em que operações mais complexas são apresentadas, como na placa YBC 7354-70g (O. Neugebauer e A. Sachs [1945], pág. 17). O texto foi concebido no sistema sexagesimal, mas, no exemplo a seguir, segue o padrão de escrita numérico do sistema decimal modemo.

A B C D1/60 60/1 = 1 60/(lx2) = 30 60/2 = 302/60 60/2 = 30 60/(2x2) =15 60/2=303/60 60/3 = 20 60/(3x2) = 10 60/2 = 304/60 60/4= 15 60/(4x2) = 7,30 60/2 = 305/60 60/5 = 12 60/(5x2) = 6 60/2=306/60 60/6 - 10 60/(6x2) = 5 60/2=30

A co lu n a i enumera um conjunto de números na forma de trações sexagesimals, que represen­tam, nesse caso, taxas de juros sobre empréstimos; a coluna B fornece os números correlatos aos da primeira coluna; a coluna C apresenta a coluna B x 2; a coluna D registra o fator cuja constante é 2. Essa tabela ajudaria na manipulação de qualquer conjunto de números, para que a taxa de juros apropriada pudesse ser facilmente calculada por um negociante ou escriba. Tabelas como essa mostram uma série de números, como: a e a2, a, a2-b2, [a-b]1/! , e expressões similares.

Investigações recentes localizaram problemas do tipo fermat na matemática babilônia, inclusive fórmulas para o cálculo do comprimento e área de figuras, de tal forma que uma das seguintes fórmulas se aplique: ax2+bx = c, ax2-bx = c e duas equações derivadas bx-ax2 = c e bx = ax2. (E. M. Bruins, “Fermat Problems in Babylonian M athem atics”, JANU S LI 11, 3 [1966/2], págs. 194-211). Sob o domínio dos últimos governantes assírios e babilônios, as enumerações astronômicas novamente floresceram. Grandes progressos, em relação à precisão, foram alcançados nos registros da observação do surgimento helíaco das estrelas fixas, nas efemérides dos planetas e nos eclipses do sol e da lua. Quando Ciro da Pérsia conquistou a Babilônia, em 539 a.C., a tradição da matemática babilônia foi herdada pelo Irã. Após a conquista da Mesopotâmia pelos gregos, em 333 a.C., houve um último florescimento da observação astronômica, da álgebra simples e das tabelas dos ciclos lunares, planetários ou solares. O último vestígio dessa grande tradição matemática foi transmitido para a era selêucida e Arsacid, e desapareceu no período medieval. No entanto, dois outros aspectos dos números acadianos, assírios, babilônios eram im­portantes. Os termos cardinal e ordinal utilizados em relação aos números, provenientes da escrita cuneiforme semítica oriental, influenciaram os ter­mos utilizados no ugarítico e hebraico (pág. 455). Além disso, os escribas da Mesopotâmia estavam tão familiarizados com a utilização de números, que freqüentemente usavam sinais numéricos para substituir algumas palavras comuns nos textos cuneiformes, e.g. 15 = hamisser, em acadiano, que significa “correto” e MIN.ES, em sumeriano, que significa sexagesimal, representado por 2,30, = decimal 150 em acadiano hamsame. (cf. o livro do autor “An Assyrian Physician’s vade mecum", Clio Medica, 197ss. [1970]).

E. Números ugaríticos e cananitas.A cultura antiga de Ugarite, uma cidade costeira,

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O ,▼ D O1 1 10 60 600 3600

Antigo Sum ério, cerca de 3000 a.C.

t < t y <1 10 60 600

3600 36000 216,000(1 x3600) 10x 3600) (60x 3600)

Sum ério Clássico, cerca de 2000 a.C.______

ID9 £ 1 ) ^1 10 100 1,000 10 000 1 00,000

_________Egípcio (primórdios) 1800 a.C_________

I II IIIt I I I I I I I I I II I I I

m m ........................ n nu i i m i u i

7 8 9 10 20

Egípcio (primórdios) 1900 a.C.

2 3 4 5 6 7

8 9 10 20(posterior) 1400 a. C.

T Y í YTT TTTT

1 t i m r

wT T T

8 9 10 15 60 600

Acadiano e Assírio 1900-1300 a.C.

T H «

1 2 3 3600 150

Babilônios] 000 a.C.

1 2 3 9 1,2 400

UgaríticoMOO a. C. (numerais usualmente escritos da seguinte forma "um", "dois" etc.)

© 9 ? a o

10 h " 90

7 3 ^ 20 í 100

A , U 30 200

^ S 40 l X / 3 0 0

V 6 ^ 7 501

" V 400

1-----

------

----1

XI W 60CO O 70

Hebraico (sistema cananita simples nas mais antigas inscrições; posteriormente,

letras de manuscrito arredondadas __________ substituíram os números).___________

Este sistema é utilizado para anotações de espaços (capítulos) nos manuscritos do AT, mas todos os numerais na realidade são soletrados

(formulação idêntica ao do grego clássico)

/ 1 / / / / / / / / a

/ / 2 / / / / / / / / / *11/ — - 7 1 0

3

n u * ? 20

/ / / / / 5 -----T/ -1 100

/ / / / / / 6 f i 1,000

/ / / / / / / 7

Cananita (ou canaanesco) (1.000) (observe a similaridade aos números egípcios)

II I

I I

I I I 3

J I I I 4

I I I I I S

I I I I I I S

U I I I I 7

l l í

CO

IItf

I Hr

r/

Fenícios (900/800 a.C.)

! 9 ■ 10

“ 15

20

21

100

200

1,000

Exemplos de números sumários, egípcios, acadianos, assírios, babilônios, ugaríticos,

cananitas e semitas. © W hite

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que se localizava no local da cidade modema de Ras Shamra, na Síria, originou-se quase totalmente da Mesopotâmia. Como seus primos assírio-babi- lônios, os semitas do oeste de Ugarite utilizavam um sistema numérico de sinais, mas até hoje, pelo menos, há pouca evidência de que tivessem alcançado a compreensão dos conceitos gerais da matemática, álgebra e teoria dos números, que era conhecida ao longo dos rios Tigre e Eufrates. N os textos econôm icos de Ugarite, os sinais numéricos são sumério-acadiano, como tambem, na maioria dos casos, com relação aos nomes das mercadorias. Parece que o acadiano era a língua adotada para o comércio e finanças. N a complexa literatura poética ugarítica, que foi escrita nessa difícil língua semítica do oeste atualmente de­nominada “Ugarítico”, os números são escritos foneticamente. No entanto, nos livros mestres e na literatura não se encontram as sofisticações do sistema sexagesimal, do qual os babilônios ufanavam-se. Há a predominância de operações diretas do sistem a decimal. Há evidências de outros países do mundo antigo, que demonstram que trabalhadores, que não conseguiam fazer cálculos com os sinais cuneiformes, utilizavam riscos ou linhas verticais na correspondência de um para um, 1:1, com os objetos que desejavam controlar, ou contar. Em numerosos cacos de louça ou blocos de pedra, espalhados por toda a costa do Mediterrâneo, tais marcas para controlar ou contar foram encontradas. A possibilidade de ainda identificar-se algumas dessas marcas em alguns blocos ou pilastras cananitas é muito alta. Todos esses sistemas, no entanto, possuem uma simplicidade, que lhes é intrínseca. Nas inscrições fenícias esses grupos de sinais freqüentemente seguem os seguintes padrões: I = 1, II = 2, III = 3, I III = 4, II III = 5, III III = 6, I III III = 7, I I I I I I I I = 8, I I I I I I I I I = 9, e uma barra vertical, aproximadamente do mesmo comprimento, era utilizada para representar o 10. Há uma grande diversidade de representações para números acima de 19. O sinal que representava 20 era geralmente escrito com um sinal que se assemelha com o “N ” ou “H”, mas distinto dos sinais utilizados para as letras do “alfabeto”. Os números 30, 40, 50, 60, "70, 80, 90, e suas combinações com os números inteiros de 1 a 9 no local da unidade, eram todos escritos utilizando o sinal referente ao “20”. Por exemplo, 83 era escrito da seguinte maneira: IIIIII NNNN. E interessante notar que os escribas egíp­cios agrupavam seus sinais repetidos em grupos de quatro, enquanto os cananitas e fenícios agru­pavam seus números inteiros em três. O sinal para

a centena era um aleph modificado. A quantidade de centenas, por exemplo “uma”, era adicionada com um risco vertical à direita do sinal que repre­sentava a centena, dois riscos para duas centenas, e assim por diante. O sinal para o milhar não era claramente baseado em nenhum dos símbolos consonantais. Não se conhecem ocorrências de números de maior magnitude, mas com um pouco de imaginação podemos concluir que os números inteiros estavam à direita, representados por riscos verticais. A ampla abrangência da língua aramaica e de suas variantes na cultura semítica oriental possibilitou uma diversidade significativa de tipos de notações numéricas, que podem ser observadas nas mais variadas fontes aramaicas. Por exemplo, as da colônia militar de Elefantina possuem poucos sinais numéricos, exceto aqueles que são mais comuns e são encontrados em textos hebraicos posteriores. Contudo, o aramaico epigrafico con­tém um sistema similar ao do fenício. O sinal para representar 20 é obviamente um ‘aiyin. Os sinais para dois e três mil foram também encontrados; sua forma é de um tau e o número inteiro está indicado à direita. Provavelmente a manipulação das operações matemáticas era efetuada de acordo com a maneira egípcia, descrita acima.

F. Núm eros sem íticos pós helenis- tas. Há consideravelmente mais evidências dos sistemas numéricos utilizados pelos semitas após o domínio grego e o estabelecimento das colônias gregas no Egito, na Magna-Grécia e ao longo da costa do mar negro. Os sistemas sírio-palmirene e o nabateano, da Arábia do Sul, são de especial importância. Estes dois sistemas de numeração basearam-se na escrita hierática egípcia, porém um sinal para o 5 foi introduzido. A configuração é similar a alguns estilos de ‘ayin, que se asse­melha remotamente com a letra ‘Y ’. O uso desse sistema segue o padrão cananita e fenício, exceto em relação aos extras, que são colocados à direita do cinco, por exemplo, IY = 6, IIY = 7, IIIY = 8, e IIIIY = 9. O dez é parecido com o sinal hierá­tico egípcio, que representa o d ‘d(w), uma barra longa com um traço para baixo bem marcado e, freqüentemente, uma ondulação bem compacta. O símbolo para 100 é parecido com um “p” invertido. Símbolos para números de maior magnitude uti­lizam o sinal que representa o 100 e acrescentam os indicadores de números integrais à esquerda. A duplicação peculiar do sinal que representa o 20 mantém-se ate o número 70; o maior valor abaixo de 99 ainda não foi descoberto. Nenhum desses sinais consonantais, que são utilizados para

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representar números, assemelha-se à consoante inicial da forma escrita das palavras usadas para denotar esses números quando soletrados. Há pou­cas dúvidas de que esses símbolos são realmente sinais numéricos. Da mesma forma que o sistema de escrita fenício, que possui um silabário extenso, mas muito simplificado, o sistema de letras foi modificado posteriormente para servir, na cultura púnica, como um alfabeto fonético organizado, e foi subseqüentemente usado para indicar números, similares aos gregos. Todas as evidências apontam para os gregos como responsáveis pelo desenvolvi­mento desse sistema e de outros sistemas paralelos, os quais mais tarde foram aceitos pelos semitas. Como esse sistema, que foi aceito pelos semitas, era ilegível para os gregos e outros povos indo- europeus, ele funcionava como o dialeto argot entre os negociantes semitas e poderia ser um dos truques dos mercadores cartagineses parodiados por Plautus em suas primeiras comédias latinas.

II. N ú m e r o s b íb l ic o s d o AT

A. A form a dos números do AT. Nosmanuscritos disponíveis do AT, todos os números são escritos foneticamente, mas isto não quer dizer que não existisse um sistema numeral mais direto. Marcas de pedreiros e outras, que poderiam ser referentes a uma contagem simples, foram encon­tradas em escavações em Israel. As evidências mais antigas de inscrições epigráficas fornecem pouca informação com relação a números, nada tão geral ou tão bem distribuído como o aramaico ou inscri­ções semíticas posteriores. Os poucos números que aparecem em inscrições palestinas antigas— como no calendário de Gezer, na pedra Moabita, no Ós- traco de Samaria e nas inscrições de Ezequias en­contradas em Siloé — ou são números de pequena magnitude, de 1 a 3, e, portanto, não servem como evidencia, ou estão escritos foneticamente. Não há dúvida de que o sistema egípcio modificado, que era usado pelos semitas do restante da Ásia Menor e da região leste do Mediterrâneo, era também utilizado pelos judeus. O fato de que muitos dos números registrados nos mais antigos autógrafos do texto eram escritos nesse sistema e, posterior­mente, foram transliterados foneticamente, pode ser a razão dos muitos erros nos textos primiti­vos, principalmente em relação à transmissão de números. Há a reescrita de sinais exclusivamente numéricos em números alfabéticos, em que a or­dem consecutiva das letras do sistema de escrita não é igual à ordem consecutiva dos números inteiros. A dificuldade principal desse sistema é

que as operações associadas ao sistema numérico não podem ser definidas. Outra fonte de erros é encontrada na transmissão de sinais do sistema sexagesimal ou vigesimal para o sistema decimal. Nos manuscritos existentes do AT e de suas várias versões, os números foram escritos foneticamente. Os massoréticos assinalaram esses termos como se fossem substantivos ou adjetivos comuns e, conseqüentemente, eles alteraram completamen­te qualquer diferenciação de forma que poderia existir. Contudo, há muitos problemas em relação aos procedimentos referentes à base e operações utilizadas em algumas notações ugaríticas, as quais parecem seguir os hieróglifos heteus (cp. C.H. Gordon, Ugaritic Textbook [1965], par. 7.1,2).

B. Termos e operações matemáticas.Os termos referentes aos números em hebraico, como aqueles utilizados no AT, são os seguintes: 1 = Tnx, ehêd, cardinal cognato ao ugarítico ’hd, mas não ao acadiano istênum, ou ao egípcio w ’(yw). O termo também significa “um”, “singular”, “cada”,e, provavelmente, eram usados nos períodos mais antigos, em determinado número de fórmulas morfológicas, das quais existem somente poucos vestígios. Essa palavra aparece 960 vezes no AT e tem um significado teológico em muitas dessas passagens (Gn 1.9, et al.). O ordinal yWNl, rVsõwn, cuja variante é 1W’1 , rlysõwn, filologicamente cognato do acadiano rãsu/rãsu, o termo “início” é derivado da raiz Itfto, rõ‘s, que significa “ca­beça”, este ordinal aparece 180 vezes no AT e é traduzido de muitas maneiras nas diversas versões (Gn 25.25, et al.).

O numeral 2 = senayim, cardinal, usu­almente, significando dual em todas as línguas semitas. E cognato ao termo ugarítico t n m, ao acadiano sena/sina, e ao egípcio s n w (y), e há 768 ocorrências deste termo no AT. São relacionados aos termos usados para significar “repetição”, “sucessão” e outros termos afins. O ordinal seníy ocorre 157 vezes no AT. Freqüentemente é traduzido como “segundo(a)”, “a segunda série” (Gn 22.15 et al.).

O numeral 3 = WTO, sãlos, cujas variantes são unbw, sãlõws, s^losãh, cognato ao ugarítico t l t , o qual ocorre somente com o sufixo feminino -t, ao acadiano salãSum, e ao fenício, como trans­crito em latim, salus. Há 430 ocorrências no AT. O ordinal seliysiy, ocorre 105 vezes no AT. Uma variação do termo refere-se aparentemente a um oficial militar dos heteus (Ex 14.7, et al.).

O numeral 4 = sm x , ‘arbã‘a, cognato ao ugarítico r b ‘(t), ocorre somente no feminino. No

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entanto, todos os números ugaríticos de 2 a 10 são utilizados na forma feminina com substantivos de ambos os gêneros. O cognato acadiano erbü(m), refere-se ao fenício ’rb \ mas não ao egípcio. Há, aproximadamente, 250 ocorrências no AT (Gn 2.10, et al.). O ordinal ” 3 t, r^bãiyTy, cognato ao termo acadiano rebú ocorre menos de 75 vezes no AT (Gn 1.19, et al.).

O numeral 5 = tran, hãmês, é cognato ao termo ugarítico hms, e o termo acadiano hamSum, ocorre 340 vezes no AT. O ordinal ’W’an, hamisiy, cuja va­riante é ’Ifftn, Ifm isiy, cognato do termo acadiano hamsu, ocorre 42 vezes no AT.

O numeral 6 = mm, sês, é cognato ao termo ugarítico tt, e ao termo acadiano SiShim/SeSSum um cognato longínquo do termo grego sechs, do inglês six, e há 289 ocorrências desse termo no AT. O ordinal ■ w , sissiy, cognato do termo acadiano sessu, ocorre 23 vezes no AT (Gn 1.31 et al.).

O numeral 7 = SQW, seba’, cognato do termo ugarítico sb ‘, do acadiano sebí/m, e do fenício Siba\ ocorre 390 vezes no AT. O ordinal ’y’nw, sebTy‘Jy, ocorre 95 vezes no AT (Gn 2.2 et al. Por alguma razão aparece em bloco e faz referência, particularmente, ao sétimo dia de descanso).

O numeral 8 = niM', semonêh, cuja variante é n : w , s^mõwnêh, cognato do termo ugarítico tmn e do acadiano samãnúm, mais comumente samãnüm, ocorre 109 vezes no AT. O ordinal ’raw , semiymy, cujo termo cognato no acadiano é samãnum, ocorre somente 31 vezes e é freqüen­temente usado para referir-se ao instrumento de oito cordas (SI 61.1, et al.). Apesar de numerosas tentativas exegéticas para a compreensão desse termo sob um ponto de vista apocalíptico, o seu uso nos textos não sustenta tais interpretações.

O numeral 9 = vmn, têsa‘, cujo cognato em ugarítico é ts* e em acadiano tisúm, ocorre menos do que 30 vezes no AT. Aparece com mais freqü­ência na forma de “novecentos” (Gn 5.5 et al.). O ordinal y u n , ^sTy‘Ty, ocorre somente sete vezes no AT (Lv 25.22, et al.).

O numeral 10 = ‘êsêr, cujo cognato em ugarítico é ‘sr, em acadiano eSrum, e em fenício ‘sr, é encontrado também em siríaco, árabe, etíope e amárico, mas não em egípcio. Há um grande número de variantes. Não são muito óbvias as relações morfológicas internas, mas fica claro que o termo é freqüentemente usado em sentido inde­finido não quantitativo, por exemplo, “grupo” ou “porção”, nem sempre para designar um décimo ou dízimo. As variantes mais comuns são: ‘ãsãr, um verbo, cujo significado é “dizimar” ou “separar um décimo (Gn 28.22, et al.); ‘esãrãh, que significa

“grupo de dez”, “dez” (Gn 24.10, et al.), ‘ issãrõwn, a décima porção”, “a décima parte” (Ex 29.40, et al.); e o termo ‘esêrêt, “grupo de dez” (Ex 18.21, et al.). Tentativas de distinguir as várias fontes nos documentos das narrativas do Pentateuco, por intermédio do uso desses termos, não tiveram sucesso. No entanto, de acordo com os vários estratos cronológicos, esses termos representam alterações no uso da língua hebraica, ou seja, as mudanças diacrônicas. O termo e suas variantes são comuns no AT e há mais de 500 ocorrências. O ordinal ’T1OT, ‘eslyriy, freqüentemente repre­senta o décimo em uma série, mais usualmente em referência às datas (Gn 8.5 et al.). Portanto, é freqüentemente substituído por uma das variantes apresentadas acima.

N úm eros de 11 a 19 são form ados com a colocação da unidade em primeiro lugar e esta é seguida por mtzra, ‘êsereh. Quando esta forma aparece isoladamente, o “um” está subentendido; portanto significa 11. Há 144 ocorrências no AT (Gn 14.4, et al.). Tais formas são muito raras, exce­to para datas de anos da realeza. As línguas semitas não têm a forma do elf, zwölf, em alemão; do e lf tw aalf em holandês; do eleven, twelve no inglês. Essa necessidade foi suprida no iídiche por meio da utilização do termos do alemão, e lf tsvelf.

Os números 20, 30, 40, 50, 60, 70, 80 e 90 são formados por intermédio da duplicação do 10 para 20, e a forma plural de 3 a 9 para os números de 30 a 90. Não há ordinais separados para esses núme­ros. O termo utilizado para representar “ 100”, nsa, m e’äh é cognato do termo ugarítico mV, e do aca­diano m e’u, m e’atu. Estes termos, provavelmente, significavam “multidão”, “grandes grupos”. (Esta tem sido a explicação dada para as idades, muito fora do nosso padrão atual, atribuídas aos perso­nagens antediluvianos em Gênesis 5, et al.). Desde que o sistema acadiano-assírio-babilônio adotava o sistema sexagesimal dos sumérios, os números de 30 a 90, e seus múltiplos, não são derivados das mesmas fontes das que fundamentavam as outras línguas semitas. Para “ 100”, é usado o número inteiro em sua notação posicionai; e, em algumas ocasiões, o dual de m e'äh é usado para “200”. O termo ocorre 580 vezes no AT, freqüentemente em combinação com outro número (Gn 5.4, et al.).

As potências acima de 102são expressas por meio da combinação de termos, em que fps está sempre presente. O cognato de em ugarítico é 'lp, e aparece também em siríaco, árabe, o antigo árabe do sul, etíope e vários dialetos etíopes semíti­cos. Esses termos não são usados no acadiano, que utilizava llmii, ou no egípcio, que desenvolveu o

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termo h3. Este termo é idêntico em forma à palavra hebraica comum para "boi” ou “rebanho”, da qual provavelmente se origina. Nos contextos literários ou poéticos, esse termo altema-se com nnsira, misepãhãh, que significa clã, a maior subdivisão da tribo ou nação. Há também a possibilidade desse termo ser equivalente a “guild”, como usado em 1 Crônicas 2.55, et al. Números expressos em centenas aparecem mais de 500 vezes, ao passo que há mais de 400 ocorrências de números ex­pressos em milhares. A maior incidência desses termos dá-se nos livros de Números, 1 Crônicas e 2 Crônicas. O número é utilizado para expressar um censo (Nm 1.21, et al.). Números acima de milhares são indefinidos nas línguas semíticas, o que não acontece no acadiano nem no egípcio. No fenício, todos esses números são escritos no sistema de sinais, e não como palavras. Em con­textos poéticos e dramáticos do AT, ‘êlèp, é usado somente para expressar um grande número, cuja quantidade exata é indeterminada (Nm 10.36) e precisa ser entendido como um grupo ou subdi­visão da grande massa de cidadãos, e não mera­mente como a representação de um número exato. Unidades militares desse tipo são freqüentemente caracterizadas por termos derivados de números,e.g. o “centurião” romano, que raramente tinha exatamente 100 homens sob o seu comando. Na realidade, a forma n rà , ‘allüwp, refere-se a um oficial edonita (Gn 36.15-43, et al.). Esse termo é usado atualmente, nas forças de defesa de Israel, para designar o posto de coronel. Números maio­res são indicados por m m , rebãbãh, cognato do termo ugarítico r b b t , que significa simplesmente “uma grande multidão”, mas freqüentemente é compreendido como “dez mil” ou “dez milhares” (Lv 26.8, et al.). Parece que serve como a palavra “B” em contextos poéticos semelhantes, em que ‘êlêp é a palavra “A” (ISm 18.7, et a l) .

Embora o uso helenístico de números acrofô- nicos pareça ter estimulado outros povos da costa mediterrânea a utilizar seus sistemas alfabéticos como sinais numéricos, não há nenhuma evidência de que essa prática fosse comum entre os judeus da época do AT. A evidência mais antiga dessa prática foi encontrada em moedas pertencentes aos macabeus (cerca de 200 a.C.). O hebraico do AT é muito impreciso em relação às frações, que eram o suporte principal das operações matemáticas dos acadianos e dos egípcios. O hebraico geralmente utiliza a forma feminina dos ordinais para trações. A exceção mais notável é o termo ’xn, ha$Ty, deri­vada da forma verbal pxn, hãsãs, que significa “di­vidir ao meio”, um termo próprio do hebraico, que

não necessariamente implica mensuração (2Sm10.4, et al.). A fração 1/2 é freqüentemente hasiy, mesmo quando requer-se certo grau de precisão (Êx 25.10, et al.). A fração 1/3 énorm al (Nm 15.6, et al.), ao passo que a fração 2/3 é expressa como a'W '5}p iy senãiym, (Dt 21.17; 2Rs 2.9; Zc 13.8). Apesar de ser semanticamente similar à expressão acadiana, Sinepiãtum, sinepâtum, que significa “duas medidas”, e não “duas bocas”, de acordo com as etimologias folclóricas, !4 (ISm 9.8), 1/5 (Gn 47.24), 1/6 (Ez 46.14), 1/10 (Êx 16.36}, 2/10 (Lv 23.13), 3/10 (Lv 14.10) e 1/100 (Ne 1.11) são formadas de forma regular. As ffações que são pouco comuns, como 4/5 (Gn 47.24) e 9/10 (Ne11.1) são expressas da seguinte maneira: “quatro partes” e “nove partes”. Não há nenhuma evidên­cia de que conceitos matemáticos como potência, raízes ou infinidades fossem reconhecidos ou entendido. As operações simples de adição (Gn 5.3-31, et al.), de subtração (pressuposta a partir de Gn 18.28, et al.), de multiplicação (Lv 25.8, et al.) e de divisão (Nm 31.27, et al) mal são mencio­nadas. O único número transcendental citado é a razão “a”, que é considerada como três na narrativa de 1 Reis 7.23. Contudo, visto que a matemática praticada entre os artesãos daquela época era prática e aplicada, a ausência de conhecimento matemático evidenciado pelo AT não é muito sig­nificativa. Os termos e operações mencionados e utilizados aqui são todos precisos, mas não devem ser considerados exaustivo.

C. Enumerações. Sem sombra de dúvida, a maior freqüência de dados numéricos no AT são enumerações de idade ou censo. Estas duas áreas produzem alguns dos problemas textuais mais difíceis.

1. Enum erações com uns, idades. Asidades atribuídas aos personagens bíblicos no AT estão todas de acordo com nossa experiência comum, exceto as que se referem ao período anterior ao dilúvio (Gn 5-8). As idades forneci­das para a linhagem de Adão até Noé são todas muito longevas, e sua abrangência se estende de 365 anos, idade de Enoque, a 969 anos, idade de Metusalém. Muito tem sido escrito sobre essa série de idades. A opinião mais conservadora é a de que as condições do cosmos eram diferentes antes do dilúvio, de tal forma que a longevidade daquela epoca era plausível e comum. Dois fatos militam contra essa solução simples. I . A longevidade não tem parte específica na teologia bíblica da revela­ção nas Escrituras. 2. Outros documentos antigos,

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que descrevem vastamente a Antiguidade anterior ao diluvio incluem idades avançadas, como as encontradas na Bíblia, por exemplo, A Lista dos Reis Sumérios. Uma análise cuidadosa daquelas idades demonstra que são todas representadas por números de dois tipos: múltiplos de cinco (5«) ou múltiplos de cinco mais sete ou duas vezes sete (5n) - (7x2). Por exemplo, a idade de Sete, 912 = 5 x 181 + 7. Como todas as idades citadas no texto podem ser reduzidas dessa forma, o mesmo acontecendo com muitas outras idades e os totais cronológicos dos patriarcas, o esquema não pode ser acidental. A finalidade da carreira de Lameque é demonstrada e reforçada pela maneira como a sua idade é registrada: “Todos os dias de Lameque foram setecentos e setenta e sete anos; e morreu”. Infelizmente, nenhuma das principais versões em inglês traduz corretamente os (KJV, RSV, JPS) TM. A estrutura básica para os múltiplos de cinco em um sistema sexagesimal mais o sete perfeito, que é repetido em toda a narrativa da criação, é repetitivamente mantido no texto. Não bastasse isso, o padrão aparece persistentemente nos livros dos profetas, no Talmude, e no Midrash, onde os números 600.000; 60.000; 30.000; 12.000; 6.000; 3.000; 1.200; 600; 300 e 120 são habituais. (U. Cassuto, A Commentary on the Book o f Genesis, Eng. tr. [1961], 249-268). Numerosas tentativas para reinterpretar o termo “anos” utilizado na descrição das idades dos patriarcas foram infru­tíferas. O AT não usa o termo em nenhum outro sentido além daquele que se refere ao ano solar. O fato de encontrarem-se números sexagesimais elevados nos primeiros capítulos de Gênesis é a prova cabal da antiguidade do texto, ou tradição literária utilizada por Moisés.

2. Enum eração de núm eros eleva­dos, censo. O material que mais consistente- mente apresenta confusões, de manuscrito para m anuscrito e de versão para versão, no AT, é o registro de números elevados, referentes ao censo. Indubitavelmente, as dificuldades podem ser acompanhadas por interm édio das muitas mudanças no sistema de notações antes e durante a transmissão do texto. Algumas passagens que apresentam problemas dignos denota são: 1 Crô­nicas 19.18 registra “sete mil carros” enquanto em2 Samuel 10.18 temos “700 carros”; 1 Reis 4.26 menciona “40.000 cavalos” enquanto em 2 Crô­nicas 9.25 temos “4.000 cavalos”; nas versões em inglês AS V e KJV, no texto de 2 Reis 24.8 Joaquim tinha “dezoito anos” enquanto que em 2 Crônicas 36.9 ele tinha “oito anos” (ARA, 18anos nas duas

passagens). É importante notar que o número 2 e seus múltiplos são freqüentemente substituídos por1, 10 etc., ou por 3 e seus múltiplos. Em muitos casos tais problemas podem ser explicados por meio de uma análise cuidadosa, sem fazer uso de emendas especiais e inovadoras. Algumas das dificuldades, como as já citadas, podem ser vistas só como erros textuais, em uma ou outra família dos manuscritos (veja o importante estudo: J. W. Wenham, “Large Numbers in the Old Testament”, Tyndale Bulletin 18 [1967], 19-53).

D. Números retóricos. Como os números, na sua maiona, eram escritos e utilizados como palavras na literatura, todas as línguas semitas desenvolveram cânones do uso dos termos refe­rentes aos números.

1. Usos idiom áticos, de prosa e refe­rentes ao clímax. Todas as antigas listagens Sem. baseiam -se em um a série de núm eros, ligados ou não, para produzir uma progressão ou antecipação na narrativa. A forma padrão utilizada é l , 2 e 3 , 4 e 5 , 6 e então no 7 ocorre uma mudança ou esta passa a ser a marca do fim do episódio. (Epic o f Gilgamesh, XI, 11. 48-76; 140-145; 225-228). A ordem da lei da criação em Gênesis é revelada exatamente dessa maneira: Gênesis 2.2; 8.4; Êxodo 16.27, et al. (M. G. Kline, “Because It H adNot Rained”, WTJXX [maiol958], 146-157). O uso idiomático de números envolve a inclusão de um número em uma passagem literária, em que deve ser considerada a quantidade indefinida, e não necessariamente a quantidade expressa pelo número. Para algumas situações indeterminadas o AT utiliza o 3 (2Rs 9.32; Is 17.6; Am 4.8, et al.). O número 40 também é usado para quantias indeterminadas de números elevados, em que 40 anos significa o período de uma geração (Ex 16.35; Dt 34.7 et al.). Nesse sentido, é preciso reconhecer que as sociedades antigas não tinham predileção pelas estatísticas exatas e objetivas que marca o homem moderno. No persa, grego e outras lista­gens, números como 40 são freqüentemente utili­zados como sinônimo de “muitos”, “uma multidão razoável” e outras expressões similares.

2. Série poética de núm eros, X e X+ 1. A construção paralelística de números no acadiano, ugarítico, semítico noroeste e hebraico é bem conhecida. De acordo com os cânones do estilo poético de paralelismo, a mesma forma do substantivo não é repetida em ambas as linhas. Como praticamente não existem sinônimos para

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os numerais, o uso padrão tomou-se X na posição “A ” e o segundo número X + 1 na frase “B”. O AT contém as seguintes seqüências: X = 1 // X + I = 2 (Dt 32.30; Jz 5.30; lR s 6.10; Ed 10.13;Ne 13.20; Jó 33.14; SI 62.11; Jr 3.14). X = 2 / / X + 1 =3 (Dt 17.6; 2Rs 9.32; Jó 33.29; Is 17.6; Os 6.2; Am 4.8). X = 3 // X + 1 = 4 (Êx 20.5; 34.7; Nm 14.18; Dt 5.9; Pv 30.15,18,21,29; Am 1.3,6,9,11,13; 2.1). X = 4 // X + 1 = 5 (Is 17.6). X = 5 // X + 1 = 6 (2Rs13.19). X = 6 // X + 1 = 7 (Jó 5.19; Pv 6.16). X = 7 // X + 1 = 8 (Mq 5.5). X = 1.000 // X + 1 =10.000, que indica certo discernimento poético, mais do que matem ático, destes números (Dt 32.30; ISm 18.7; 21.11; 29.5; SI 91.7). Contudo, a seqüência é utilizada também na narrativa em prosa para indicar um número indeterminado, mas, treqüentemente, baixo (Jz 5.30, et al.). Em algumas ocasiões, o número “B ” é considerado um número acurado, como em Provérbios 30.18, em que a seqüência é 3 // 4, e os quatro aspectos são enumerados no contexto que segue.

E. Núm eros sim bólicos e m ísticos.Infelizmente, o uso freqüente de noções de simbo­lismos aplicados aos números bíblicos resulta em pouco menos do que uma predição. O resultado serve para reforçar a posição oposta, e radical, ou seja, da de que não há indicação no texto, do uso místico de números. Isto é igualmente falso. Não há dúvida de que há uma seqüência apropriada de números simbólicos, como o 7 que representa a ordem da criação, o 3, a ordem ritual, e o 1 a umicidade. Números elevados como 40, 80, 120, e 1.000 também são usados com uma significação própria. (Sobre opiniões contrárias nesta difícil questão, veja as duas pesquisas padrão: E. W. Bullinger, Number In Scripture [1913] e O. T. Allis, Bible Numerics [1961]).

F. Explicações num erológicas do AT.A maioria desses tipos de sistemas exegéticos baseia-se no pressuposto de que o sistema judaico ulterior, em que cada um dos números — de 1 a 9 e de 10 a 90 — foi substituído por uma letra do alfabeto hebraico, era uma prática corrente durante todo o período bíblico. Portanto, qualquer termo no TM pode ser decifrado por um código numéri­co. Por exemplo, o texto consonantal de Gênesis1.1 começa com br 'syt, o qual pode ser decifrado em termos numéricos como b = 2, r = 200, '= 1, s = 300, y = 10 e t = 400. A primeira palavra de Gênesis é igual ao total destes números, ou seja, 913, que pode ser interpretado misticamente. Esse tipo de absurdo mágico apareceu durante o período

helenista e foi aplicado a muitos textos antigos sob o título de “gematria” , um a corruptela da palavra semita “geometria.” (cp. o resumo deste método e seu desenvolvimento histórico em: J. J. Davis, Biblical Numerology [1968], 125-156). Esta exegese gnóstica está em contradição com os princípios bíblicos expostos em 2 Pedro 1.20, de “que nenhuma profecia da Escritura provém de particular elucidação”.

III. N ú m e r o s b íb l ic o s d o N T

O NT, como um todo, contém substancialmente menos material númerico do que o AT. N a maior parte são contas simples de multidões ou grupos, ou números mercantis tomados do mundo do comércio com o intuito de ilustração.

A. O estado-da-arte dos números e matemática gregos. Desde os primórdios dos filósofos jónicos, o mundo grego considerava os números tão valiosos quanto o estudo mais elevado e sustentável. As grandes percepções e intuições na matemática realizadas pelo mundo grego são da época de Platão e Aristóteles (cerca de 300 a.C.). O estado-da-arte da matemática grega pode ser comprovado nos trabalhos enumerados a seguir na B ib l io g r a f ia .

B. Num erologia helenística. As raízes da manipulação numerológica entre os gregos po­dem, certamente, ser datadas a partir de Pitágoras (cerca de 582-500 a.C.), cujos discípulos, perten­centes a uma ordem mística, desgastaram qualquer valor científico e objetivo que o trabalho do mestre pudesse ter. O nome de Pitágoras, assim como seus ensinamentos, submergiram sob um verdadeiro pântano de mágica e ritual. Após as conquistas de Alexandre (cerca de 322 a.C.) esses remanescen­tes fixaram-se nos estados semíticos do Oriente Próximo. Apesar de utilizarem freqüentemente o sistema de notação grego, o qual ainda não possuía um sistema operacional significativo, parece que os povos semíticos retiveram a sua própria aritmé­tica, muito simples, que servia para fins mercantis. O impacto de Plotino e do neoplatonismo incen­tivou essa tendência mística, de tal forma que a gematria foi amplamente praticada entre as várias escolas de pensamento helenístico. Não foi menos importante o gnosticismo, que acabou por influen­ciar a igreja do pós-Nicéia e da era medieval.

C. Formas, term os e operações dos números no NT. Os diversos números registra-

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dos no NT seguem o padrão semítico, e não o grego. Não são nunca indicados por sinais numéricos, mas são escritos por extenso, como palavras. Há duas razões para isto: 1. São citações ou alusões diretas à LXX, ou são algumas das variações dos TM. 2. São traduzidos do uso do aramaico, por Cristo e pelos apóstolos a qual seguia o padrão fenício-hebraico. Não há menção de operações matemáticas no NT, exceto em relação ao uso de verbos gregos comuns, como apt9|iéa), que significa “contar” (somente em Mt 10.30; Lc 12.7 e Ap 7.9), assim como alguns menos usados, como <f>r|<|)íÇa>, que significa “calcular”, “calcular com pedrinhas” (somente em Lc 14.28;Ap 13.18). Na sintaxe grega os números são tratados como substantivos e sujeitos à decli­nação gramatical de gênero, em que o masculino, o feminino e o neutro são claramente diferenciados, pois ocorre a concordância morfológica para os números 1, 2, 3. 4. Os números acima de 20 não são declinados e os mais elevados são tratados como plural de adjetivos comuns. Os seguintes numerais, e suas combinações, aparecem no NT:I, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 14, 15, 18, 20, 24, 25, 30, 38, 40, 42, 44, 46, 50, 60, 70, 75, 76, 80, 99, 100, 120, 153, 200, 300, 400, 500, 600,2.000,3.000,5.000,7.000,10.000; 12.000; 23.000; 50.000; 120.000; 144.000; 200.000; e o numeral figurativo 1000s X 1000s, o qual certamente não pode ser menor do que 1.000.000 (Ap 5.11). As duas unidades maiores são a palavra grega %íAtoi, que significa “mil”, freqüentemente utilizado para um período mais extenso ou época de tempo (ApII.3 , et al.), e no censo (Lc 14.31, et al.). A uni­dade numérica mais elevada é a representada pela palavra grega pvpíaç, um número elevado que representa uma quantidade indeterminada, definida na numeração de Arquimedes como “ 10.000”, que é seguido por quase todas as traduções do termo grego, tanto em textos bíblicos como clássicos.

D. Enumerações. A única dificuldade com as enumerações bíblicas acontece quando há diver­gências entre os manuscritos em grego e os TM, o que acontece em muitas passagens da defesa de

-Estêvão (At 6.8-7.60). Todas as outras enumera­ções doN T são citações diretas do AT (1 Co 10.8 que faz citação de Nm 25.1-18), ou estimativas de multidões, as quais podem ser consideradas implicitamente como acuradas. De modo geral as enumerações do AT, apesar de escritas em grego, seguem o sistema semítico.

E. Números retóricos, sim bólicos e m ísticos. O mesmo conjunto de números — 3,

5, 7, 12 — que possui um significado simbólico no AT, também é usado no NT. A razão para essa atitude é a atenção cuidadosa e escrupulosa que é dispensada no NT para cada aspecto do cumpri­mento messiânico em Cristo, e.g. os 12 apóstolos como uma reinstituição dos 12 filhos de Jacó, como cabeças das tribos de Israel. O único número puramente simbólico é “mil”, que é aplicado para duração do tempo nos textos de Apocalipse. O único número puramente místico, no sentido do misterioso, é o que serve de epíteto ao anticristo ou a seu agente, em Apocalipse 13.18. Ao longo dos séculos, as várias pessoas identificadas por esse número têm sido freqüentemente determinadas pela gematria e a permuta dos números resultan­tes. Essas especulações ao longo da história da humanidade apontam para Nero, como a escolha mais provável.

IV. A TEOLOGIA BÍBLICA DOS NÚMEROS

A revelação espiritual é um todo unificado, em que cada aspecto está em harmonia na estrutura e cada palavra é significativa. Os números também se enquadram nessa descrição. O monoteísmo transcendente de Jeová é revelado pelo 1, a noção de amor pelo 2, o “mistério da Trindade” pelo 3, e assim por diante. Como desempenham um papel básico nas Escrituras, os números da Bíblia preci­sam ser considerados com seriedade, e necessitam ser comparados texto a texto.

B IB L IO G R A FIA . L. L. C onan t, The N um ber C oncep t (1896); H. G. Z eu then , G esch ich te der M athem atik im Altertum und M ittelalter (1896); M. Cantor, Vorlesungen über Geschichte der Mathematik , vol. I (1900); F. X. Kugler, Sternkunst und Sterndienst in Babel, 2 vols. (1907-1935); G. Loria, Le scienze esatte n e ll’antica Grecia (1914); K. Sethe, Von Zahlen und Zahlworten bei den alten Ägypten (1916); L. E. D ickson, H istory o f the Theory o f Numbers, vol I. (1919); T. Heath, A H istory o f Greek M athematics,2 vols. (1921); F. Cajori, A H istory o f M athematics (1926); O. N eugebauer, D ie Grundlagen der ägyp­tischen B ruchrechnung (1926); org.. A. B. Chace, L. Bull, H. P. M anning and R. Archibald, The Rhind M athematical Papyrus, 2 vols. (1927-1929); F. Cajori, A History o f M athematical Notations, Vol I (1928); W. W. Struve, “M athem atischer Papyrus des Staatlichen M useums der Schönen Künste in M oskau”, Quellen und Studien zur Geschichte der M athematik (1930); O. Neugebauer, Mathematische Keilschrifttexte, 2 vols. (1935); A. Heller, Biblische Zahlensymbolik, (1936); V. Hopper, M edieval N um ber Svmbolism (1938); F.

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NÚMEROS, O LIVRO DE 565

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W h i t e J r

NÚMEROS, O LIVRO DE. O quarto livro escri­to por Moisés. Registra a história do povo hebreu durante a sua peregrinação no deserto, do Monte Sinai até as planícies de Moabe.

1. Título2. Pano de Fundo3. Composição4. Autoria5. Propósito6. Texto7. Problemas especiais

a. Números do censob. Avaliação bíblica do períodoc. Itinerário da peregrinação pelo deserto

8. Conteúdoa. Esboçob. No Monte Sinaic. lom ada do Monte Sinai a Cadesd. Fixação provisória no desertoe. Nas planícies de Moabe

9. Teologia

1. Título. O título em português assim como em inglês, é uma tradução literal da LXX ÀpiGjioi. Este título reflete o censo que foi descrito nos capí­tulos 4 e 26. Alguns estudiosos acreditam que este título tenha sido escolhido por alguém que tivesse um conhecimento superficial do livro, porque o censo parece ter muito pouco a ver com sua temáti­ca principal. Isso toma-se mais evidente, visto que o título hebraico "m na, que significa “no deserto” (baseado na quinta palavra ao primeiro versículo), parece muito mais apropriado. No entanto, os dois censos relacionam-se diretamente com os temas gerais do livro. O primeiro representa a organização de pessoas para a jornada iminente e a ocupação da terra que deveria acontecer logo a seguir. O segundo censo, e sua subseqüente reorganização, foi necessário, pois o povo não conseguiu obedecer a Deus em Cades-Barnéia, resultando na morte daquela geração no deserto, e a preparação da nova geração para finalmente possuir a terra.

2. Pano de Fundo. Como a data do êxodo é um assunto muito controverso, é difícil deter­minar o contexto preciso dos eventos registrados neste livro, na história da Antiguidade do Oriente Próximo. A data do êxodo geralmente oscila entre 1440 a.C. até cerca de 1260 a.C. A data mais antiga é preferida por conservadores, em conseqüência das diversas cronologias bíblicas, especialmente 1 Reis 6.1. Arqueólogos preferem a data posterior.

Este debate é importante em relação ao livro de Números, especialmente em conseqüência de um aspecto: a descrição em muitos capítulos do livro (Nm 20-25; 31) tratam do relacionamento de Israel com Edom e com os diversos reinos da Transjordânia. Um renomado arqueólogo, Nelson Glueck, fez explorações extensas nas áreas do Neguebe e da Transjordânia entre 1930 e 1940. Seus achados o convenceram de que durante muito tempo do segundo milênio a.C., provavelmente em conseqüência do clima, esta região não foi, de modo geral, habitada. Somente após 1300 a.C. houve a sua ocupação, ou seja, povos fixaram-se na área. Caso isto seja verdade, seria impossível que o êxodo tivesse ocorrido na época que corres­ponderia à data mais antiga.

Contudo, recentemente a validade dos acha­dos de Glueck foi contestada. Particularmente L. Harding apontou as bem preservadas tumbas do período hicso (1750-1550 a.C.) nas vizinhanças de Amã (a cidade bíblica de Rabá-Amon). Essas tumbas são um argumento contra uma ocupação puramente nômade. Além desta, outras descober-

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tas colocaram em xeque a confiabilidade de ob­servações somente de superfície, sem “escavação” arqueológica para complementá-la.

Independente da data que seja aceita para o êxodo, as condições políticas na Península do Sinai e do Arabá teriam favorecido os hebreus. Em 1440, durante o reinado de Iknaton, a influên­cia egípcia, além de suas fronteiras, estava em declínio. Em uma situação posterior, apesar de Ramsés II (1290-1225) e seu predecessor Seti I terem reafirmado o seu controle sobre a Palestina, parece que Ramsés não exerceu grande influência em Neguebe e Arabá. Isto é confirmado por dois fatos. Primeiro, Memeptá, o sucessor de Ramsés, teve de comandar um ataque nessas regiões, em 1225, para restabelecer o controle dessa área. Segundo, um templo egípcio, recentemente desco­berto em Arabá, parece ter sido destruído no início do reinado de Ramsés. Parece que essa situação perdurou durante o período da sua vida e esse templo só foi restaurado alguns anos após a sua morte. Em ambos os casos seriam confirmadas as narrativas bíblicas que indicam que os hebreus não foram perseguidos ou importunados por nenhum poder estrangeiro.

Artigos recentes sobre o papel dos midianitas, no final do segundo milênio, concluíram que as re­ferências bíblicas a este grupo são bem adequadas à época. Parece que este povo seria, na realidade, considerado como estrangeiro por qualquer outro. Era um povo nômade, que possuía pouco territó­rio, mas que controlava vastas áreas por meio de empreendimentos militares e comerciais.

3. Com posição. Há muito se reconhece que, pelo menos quanto à estrutura, esse livro é de natureza diversa dos outros livros do Pentateuco. Apesar do princípio de organização desse livro ser cronológico (o livro inicia-se no Monte Sinai e termina na Terra Prometida, e sua narrativa es­tende-se por 38 anos), muito desse material, que parece estar em ordem cronológica, é organizado por tópicos. Por exemplo, Êxodo termina com a construção do Tabernáculo, que se toma a habi­tação de Shekinah. Esse evento é recapitulado em Números 9.15-21, sugerindo o início da etapa seguinte da narrativa. Isto levanta um questiona­mento sobre os acontecimentos dos capítulos 1 -8: será que ocorreram antes ou depois da construção do Tabernáculo?

Esse exemplo, dentre outros que serão aborda­dos posteriormente na discussão, fez com que mui­tos eruditos acreditassem que o livro de Números não se tratasse de uma unidade literária. Isto quer

dizer que o material no livro não foi rigorosamente organizado de acordo com um princípio. Ou seja, o livro é uma coletânea de assuntos pertinentes ao período em que estiveram no deserto, como legislação, genealogia e registros da viagem, que foram inseridos em um a estrutura organizada cronologicamente, embora de forma não muito rigorosa. A presença de transições suaves entre um episódio e outro, em alguns casos, e a ausência em outros, favorecem esta conclusão.

A escola Wellhausen de crítica bíblica achou que a diversidade de m aterial encontrado em Números ajustava-se bem à sua hipótese docu­mentária. Baseando-se na evidência de dois nomes divinos, Yahweh (SENHOR) e Elohim (Deus), e na dificuldade de conciliar práticas registradas em Juizes e Samuel com as prescritas no Pentateuco, além da recusa de creditar a esse livro uma reve­lação especial, estudiosos do séc. 19 concluíram que o Pentateuco, na sua forma presente, pode ser datado como pertencente ao fim da história do AT, da época de Esdras, e não do tempo de Moisés. A alegação desses eruditos é de que quatro livros ou documentos independentes foram escritos no decurso da história de Israel, cada um deles com um conceito de Deus e religião um tanto mais evoluído do que o anterior. Esses documentos eram Jpara Jehovah (ou Judá, c. 850 a.C., [datas variam de estudioso para estudioso]), E para Elohim (ou Efraim, c. 750 a.C.), D para Deuteronômio (621a.C.), e P para “Priestly” — Sacerdotal em inglês— (444 a.C.). J e E foram combinados primeiro e depois D foi anexado. Por fim, P foi inserido na compilação JED, dando ao todo um aspecto decididamente legalista e sacerdotal.

Como mencionado acima, a aparente diver­sidade de Números parece uma evidência óbvia desta abordagem. O livro foi dividido da seguinte forma: JE, 10.29-12.15; 20.14-21; 21.12-32; 22.2­25.5. S incluiria o remanescente do conteúdo do livro, exceto 21.33-35, que foi designado como D (com base em seu paralelismo com Deuteronômio 3.1-3). J e E não poderiam ser separados no livro de Números porque o único critério, o pretenso uso de nomes divinos distintos, não se aplica. Os nomes são utilizados alternadamente. Na realida­de, aquelas passagens em que se esperaria que a palavra “Deus” fosse usada, de acordo com a teoria crítica, são exatamente aquelas em que o termo “Yahweh” é utilizado, e vice-versa.

As falácias e inconsistências inerentes no sistema JEDP são contestadas há muito tempo pelos conservadores e por aqueles pertencentes a outras abordagens teológicas. Contudo, uma reo-

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rientação dessa teoria foi resultante da recuperação de grande quantidade de informação a respeito do Oriente Próximo. Os seguintes aspectos são relevantes para o estudo do livro de Números.O método construtivo que a hipótese documentária adotou não era conhecido no Oriente Próximo da Antiguidade. Nenhum exemplo pode ser aduzido de dois livros completos (para não dizer quatro), que foram separados, em que a maior parte de seu conteúdo foi intercalado em um outro volume. Parece que uma literatura escrita desenvolveu-se como histórias ou grupos de tradições, que foram compilados para formar um conjunto. Freqüen­temente (por exemplo, o épico de Gilgamesh) as mesmas unidades de tradição podem ser combi­nadas de diversas maneiras para formar muitos conjuntos distintos. Porém a hipótese documen­tária percebeu o processo reverso, em que muitos conjuntos foram separados em unidades para formar um novo conjunto. Segundo, é evidente que esse tipo de restrição rígida de material (i.e., somente narrativa neste volume, só legislação naquele outro, e preocupações sacerdotais em um outro) é um critério artificial para distinguir fontes diferentes. Uma terceira falácia inerente, que se evidenciou, é a crença de Wellhausen de que o de­senvolvimento seria inevitavelmente progressivo. No entanto, Fuller possui uma compreensão de história que demonstra que o progresso do homem ocorre em grandes explosões de desenvolvimento, seguidas por um recrudescimento, que necessitaria de vários séculos para o lento restabelecimento daquilo que havia sido conquistado anteriormente, porém só por um breve período. Esta perspectiva corresponde bem à história de Israel. A revelação no Monte Sinai não pôde prevalecer na travessia do deserto, sem ser esquecida e/ou corrompida. Quarto, é bastante claro que a convicção de que o sacerdócio e assuntos a ele concernentes, em Israel, é de um período mais recente, é totalmente falsa. A precedência do sacerdote e do culto em todas as civilizações primitivas do Oriente Pró­ximo na Antiguidade impossibilita a contestação da reivindicação bíblica (como a que encontramos em Números) de que assuntos concernentes ao sacerdócio tinham grande importância desde a Antiguidade em Israel.

Já que o sistema JEDP não consegue explicar adequadamente a composição do livro de Núme­ros, é preciso questionar como ele chegou à sua forma atual. J. S. Wright propôs a seguinte teoria: Pressupondo-se que Moisés tenha escrito o Penta- teuco (veja a secção sobre “autoria”), é plausível assumir que os vários tipos de informação tenham

sido coletados das mais diversas maneiras. Muitos registros, como itinerário, podem ter sido anotados à medida do possível, i.e., quando tivessem tempo hábil para realizar essas anotações. Essas informa­ções, com as reminiscências pessoais de Moisés e suas observações, teriam sido guardadas com seus pertences pessoais. Os registros das revelações e assuntos legais podem ter sido entregues aos sa­cerdotes para promulgação. Outras informações, como genealogias, podem ter sido registradas por escribas ou outros auxiliares.

Perto do fim de sua vida, M oisés pode ter sentido que a quantidade de material relacionado ao Êxodo e à residência provisória no deserto, registrado e arquivado das mais distintas maneiras, deveria ser agrupado em uma só biblioteca, ou coleção de pergaminhos. Há a suposição de que Moisés, nessa época, já havia preparado um grupo de pergaminhos mais extensos que continham as narrativas básicas. O início desses pergaminhos é marcado por um a recapitulação da situação registrada no final do rolo precedente. Além disso, há muitos pergam inhos, bem extensos, sobre a legislação. Quando esses dois grupos de pergaminhos foram organizados, de acordo com a ordem cronológica, os registros mais curtos, referentes às revelações, leis e genealogias, foram colocados nos intervalos dos grupos maiores. Algumas vezes esses pergaminhos mais curtos eram colocados o mais próximo possível de sua posição cronológica, porém em outras ocasiões eram tratados mais topicamente.

Quando essas sugestões são aplicadas ao livro de Números, as seguintes considerações precisam ser feitas: os pergaminhos contendo as narrativas anteriores encerraram-se com o final do livro de Êxodo. Após a composição desse livro, foram agrupados todas as revelações e regulamentos que diziam respeito ao culto e às ordenanças dadas durante o período em que estiveram no Monte Sinai (muitos deles anteriores à construção do Tabernáculo). Essas ordenanças ocupam todo o livro de Levítico e estendem-se até o livro de Números 9.15. Porém, são interrompidas em dois locais, Números de 1-4 e 7, por registros mistu­rados, os quais deveriam ter ficado sob a guarda de sacerdotes.

Os pergaminhos com a nova narrativa iniciam- se em Números 9.15, com uma introdução extensa. Essa narrativa continua até o capítulo 14, onde se interrompe abruptamente. O capítulo 15 é compos­to de revelações e registros misturados, que tratam da observância do culto. O seu significado, nesse ponto da narrativa, não é totalmente claro (veja a

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secção sobre “conteúdo”). Wright sugere que os capítulos 16-19 estão agrupados porque tratam de assuntos referentes às prerrogativas sacerdotais. Os capítulos 20 e 21 parecem ser fragmentos de uma narrativa, que é complementada com um iti­nerário e citações de poemas épicos hebraicos, que foram perdidos. A história de Balaão (Nm 22-24), com seu epílogo mosaico, constitui retomo a uma narrativa bem detalhada. Logo a seguir, há uma coleção de textos variados, que se estendem até o capítulo 30, inclusive. Encontram-se registros do censo, revelações, relatos de revelações e de julgamentos. O capítulo 3 1 retoma a narrativa que havia sido interrompida no capítulo 25 e essa nar­rativa prolonga-se até o capítulo 32, versículo 32. O restante do livro é, novamente, uma coletânea de textos variados.

O reconhecimento da natureza literária desse livro, uma coletânea de textos, não invalida a sua unidade de perspectiva, de propósito ou teológica. É óbvio que todas as unidades de tradição têm o mesmo conceito de Deus e Seus propósitos na história do povo hebreu. Não há registros de textos que sejam diferentes em relação ao propósito ou compreensão, ou que tenham sido alterados para que se ajustassem a um ponto de vista. Ao contrário, a combinação desses textos diversos que, inquestionavelmente, obteve um bom resultado, só foi possível devido à sua notá­vel unidade interna.

4. Autoria. Tradicionalmente, a autoria do Pentateuco é atribuída a Moisés. Essa tradição re­monta aos tempos do NT, pois Jesus e os apóstolos atestam isso (em nenhum momento discutem este assunto). Vários eruditos questionam esta autoria. Um dos primeiros a contestar a autoria do Penta­teuco foi Jerônimo, responsável pela tradução co­nhecida por Vulgata latina, no 5- séc. d.C. Ele não questionou a origem do Pentateuco em Moisés, porém estava convencido de que os cinco livros foram consideravelmente revisados e que Esdras seria o responsável por sua revisão final.

Este último comentário repercutiu e foi assimi­lado pelos críticos liberais do séc. 19. No entanto, eles estavam convencidos de que Moisés não havia escrito o Pentateuco, inclusive questionavam sua participação direta na elaboração desses livros, exceção feita a uma pequena porção do material. Ao contrário, acreditavam que autores desconhe­cidos foram responsáveis pela elaboração de J eE, talvez o sacerdote Hilquias fosse responsável pela porção D, e Esdras pela S, assim como pela revisão final, em que teria acabado por inserir as

suas preocupações legalistas e sacerdotais, pecu­liares nos textos antigos.

A crítica do AT atual está dividida a respeito deste assunto. De um lado do espectro temos W.F. Albright que, apesar de negar a autoria mosaica como tal, afirma de maneira cada vez mais positiva que o material do Pentateuco deve ser considerado como tendo origem em Moisés. Por outro lado, temos Martin Noth, um erudito grego de uma época mais recente, que presume que as tradições relatadas no Pentateuco são resultantes do trabalho das 12 tribos, em Canaã, e nega que um homem chamado Moisés tenha liderado o povo hebreu ou tenha qualquer relação com suas tradições. Entre estes dois extremos, há uma infinidade de pontos de vista que os estudiosos defendem como verdadeiros.

Eruditos conservadores recusam-se a abando­nar o conceito tradicional. É claro que o sentido manifesto nas Escrituras embasa de todo esta opinião. A pesar de não haver um a afirmação cabal de que tenha sido Moisés o autor de todo o Pentateuco, há numerosas afirmações de que ele escreveu parte desses cinco livros (ve/oNm 33.2). Para confirmar esses dados, a arqueologia demons­trou, ao contrário da idéia de Wellhausen, que a escrita era bem conhecida naquela época. Mais re­velador é o fato de que o Pentateuco (após Gênesis, que é o prólogo), reivindica claramente que este seria o registro dos acontecimentos e revelações que ocorreram no período que se estende entre o Êxodo e a Conquista. Assim, se Moisés realmente registrou os itinerários e outras informações, quem mais, além dele mesmo, deveria ser considerado o responsável D o r escrever esses textos?

Por outro lado, a Bíblia não sacramenta, como matéria de fé, que Moisés tenha escrito todas as palavras do Pentateuco. Números fomece muitos exemplos instrutivos. Percebe-se que no livro de Números (assim como em Êxodo e Levítico) há a utilização da terceira pessoa para referir-se a Moi­sés, exceto em citações diretas. Este fato sugere que talvez Moisés não seja o autor direto do texto. O elogio feito a Moisés como o homem mais man­so sobre a face da terra (Nm 12.3), seria grosseiro se proferido pelos proprios lábios de Moisés (a não ser que se presuma que a passagem tenha sido dita­da por Deus a Moisés, porém não há indícios para essa suposição). A referência ao Livro das Guerras do Senhor (Nm 21.14s.) provavelmente indica o uso,pelo editor, de uma fonte um pouco posterior para que o local do acampamento fosse apontado com melhor precisão, para uma geração que já não estava familiarizada com a área exata. Mais uma

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vez, o texto, em Números 32.34-42 parece datar do período de assentamento, como uma nota de editor sobre o que as tribos transjordânicas fizeram com as terras que tinham sido prometidas a eles, conforme descrito no texto. (Nm 32.1-32). Esses pequenos detalhes não diminuem a integridade do Pentateuco, a não ser que se admita que os editores não eram necessariamente inspirados, o que seria uma conclusão injustificável. A autoria mosaica, como ensinada pela Bíblia, não implica que cada palavra tenha sido escrita pelo próprio Moisés.

5. P ro p ó sito . O propósito aparente da compilação do livro de Números é o registro do início da operação da aliança, ou seja, como esta influenciou a vida em Israel. Há o registro de modificações e ajustes na estrutura de estipulações feitas pela aliança. O que é mais importante, há o registro da reação de Israel a essas estipulações. Os temas sobre confiança e obediência são enfocados de maneira incisiva, demonstrando sua suprema relevância. Há muitas ilustrações de como a con­fiança e obediência estão intimamente ligadas às bênçãos e maldições de Deus.

6. Texto. Como todo o restante do Pentateuco, o texto de N úm eros parece ser notavelm ente estável. Há poucas e irrelevantes variações entre as versões samaritana e a LXX, porém, de acordo com os princípios da crítica textual, geralmente os TM são considerados melhores. A versão sama­ritana é marcadamente expansionista, pois inclui sempre que possível um paralelo com o livro de Deuteronômio. Da mesma forma, as variações encontradas na LXX são freqüentemente mais extensas do que os TM.

N os m anuscritos do M ar M orto (Qumrã), partes de um dos rolos do livro de Números (4Q Numb) exibem uma característica textual muito interessante. Esse texto parece estar a meio ca­minho entre a versão samaritana e a LXX. Segue, normalmente, a versão samaritana, exibindo ten­dências expansionistas bastante similares, e parece estar de acordo com as pequenas divergências que a versão samaritana exibe, quando comparada aos TM. Contudo, em casos em que os TM e a versão samaritana apresentam a mesma versão, sendo, no entanto, divergente da LXX, esse texto segue a versão da LXX. A opinião de Frank Cross é a de que esse tipo de texto era o texto palestino comum para aquele período, que se estende entre o 52 e 2- sécs. a.C., e que essas expansões são conseqüência das revisões contínuas feitas pelos rabinos. Por outro lado, os TM foram preservados, na Babi­

lônia, por um ambiente sacerdotal muito mais conservador, e somente foram re-introduzidos na Palestina nos 2- e Io sécs. a.C.

7. Problem as especiais, a. Números do censo. Há um consenso, que já perdura por muitos anos*-de que 600 mil homens capazes de sair à guerra (Nm 1.46; 26.51) é um indicador de que o total de membros da comunidade deve ser esti­mado entre dois e três milhões de pessoas. Apesar de não poder ser considerada uma impossibilidade a priori, essa interpretação literal é questionada em virtude de uma série de fatores. Os grandes exércitos desse período (e.g., do Egito e da Assí­ria) possuíam só dez mil homens. Na realidade, o exército de Josué parece que era composto de aproximadamente 40 mil homens apenas. Enquan­to a passagem de Josué 4.13 parece referir-se ao número de homens provenientes apenas das tribos de Rúben, Gade e a meia tribo de Manassés, os textos de Josué 8.3,11,12 parecem indicar que o total era mesmo de 40 mil homens. Caso todos os homens de guerra tenham subido com Josué, como está explicitamente registrado no texto, e só 35 mil desses homens foram utilizados no combate, então 555 mil homens ficaram como espectadores, o que é bastante improvável. A dificuldade de alimentar três milhões de pessoas no deserto do Sinai foi mencionada por estudiosos. Além disso, investiga­ções arqueológicas indicam que a população total de Canaã naquela época era inferior a três milhões. Este dado contribui para a dificuldade de compre­ensão do fato histórico de que os cananeus foram capazes de restringir a conquista dos hebreus às regiões montanhosas centrais.

Nenhum desses argumentos é incontestável (para uma defesa detalhada veja Whitelaw, ISBE,IV, 2166, 2167). Contudo, todas essas suposições são problemáticas e muitas alternativas foram propostas. R. K. Harrison sugere que números elevados possuíam um simbolismo desconhecido para nós. Outras sugestões abordam o significado da palavra (um mil). A palavra ’alluph (che­fe) utiliza as mesmas consoantes, e já se sugeriu que esse era o significado que o texto procurava indicar. Assim, por exemplo, em Números 1.39 a leitura deveria ser 60 chefes e 2.700 homens da tribo de Dã, e não 62.700 homens. Outra sugestão aponta para o significado da palavra ’eleph, que originalmente não significava “um m il” , mas, “uma tropa” ou “unidade militar”. De acordo com esse raciocínio, só posteriormente o número de homens em tais unidades passou a corresponder a mil. O exército consistia de 600 tropas de soldados.

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No entanto, cada uma dessas soluções traz em seu bojo inúmeros problemas. Portanto, não é possível reivindicar uma solução decisiva.

b. A avaliação bíblica do período. Frequente­mente tem sido alegado que a avaliação profética do período é distinta da encontrada no próprio Pentateuco. Os seguintes textos — Amós 5.25; Oséias 2.15; 9.10; 11.1-4; Jeremias 2.2,3; 31.2— são citados para demonstrar que os profetas encaravam esse período como uma época idílica, em que Israel vivia em constante comunhão com Deus. Para contrastar com essa idéia, dizem que os escritores de S, assim como todos aqueles influen­ciados por essa escola de pensamento, estavam tão impressionados pela dramática punição de Deus sobre o povo que estava no exílio, que chegaram a acreditar que Israel nunca servira a Deus fielmente. O resultado foi que essa interpretação foi incluída no Pentateuco.

Um estudo dos textos proféticos menciona­dos demonstra que o aparente contraste é muito exagerado. Não é mencionado que Israel em sua totalidade serviu a Deus sem falhas no período do deserto. O que ocorre é que esse período é considerado a partir do ponto de vista dos tempos de apostasia em que os profetas viviam. O ponto é que, pelo menos no deserto, Israel não serviu a outros deuses. O povo aceitava Deus, apesar de desobedecê-lo com bastante freqüência. Os profetas, em sua própria época, observaram que Israel não respondia mais às propostas de Deus. Há muitas referências que enfatizam a debilidade de Israel e o cuidado que Deus dispensava a esse povo. Os profetas expressam essa ansiedade por­que, apesar de todo esse cuidado, Israel ignorava completamente a Deus.

c. Itinerário da peregrinação pelo deserto. Tentativas de reconstruir a jornada no deserto foram, de modo geral, mal sucedidas. Há duas razões para isto. Em primeiro lugar, as localidades mencionadas não são cidades que possam ser fa­cilmente identificadas, pois seus nomes não foram preservados através dos séculos. Ao contrário, ha­via acampamentos espalhados pelo deserto, que são difíceis de ser reconhecidos e cujos nomes podem variar de grupo para grupo. Em segundo lugar, não há um consenso sobre esses dados bíblicos.

O capítulo 33 de Números sugere que essa jornada consistiu de quatro estágios. Do Egito ao Sinai (Nm 33.3-15); do Sinai a Eziom-Geber (Nm 33.16-35); de Eziom-Geber a Cades (Nm 33.36, com 37 anos de peregrinação nessa área? Cp. Nm

13.26; 20.1); de Cades aM oabe (33.36,37). Apesar dessa reconstrução corresponder muito bem àquela feita em Deuteronômio 1.46 e 2.1, há pelo menos três dificuldades com essa descrição. A primeira refere-se ao fato de que Números 33 não inclui nenhuma menção aos acampamentos durante os anos em que estiveram na região de Cades. Este silêncio levou os críticos radicais a negar qual­quer peregrinação nessa época. Argumentam que Números 20.1 retoma a narrativa alguns dias após o momento em que é abandonada em Números 14.45. Derrotados em sua tentativa de entrar na terra pela região sul, os hebreus simplesmente fi­caram dando voltas até chegarem à região leste.

A segunda dificuldade é o grande número de acampamentos entre o Sinai e Eziom-Geber, pois está implícito nos textos de Números 11.34 e 12.16, que houve somente duas paradas em uma rota mais direta para Cades. O terceiro fator é a ordem em Números 14.25, de sair de Cades “amanhã... pelo caminho do mar Vermelho”, um movimento que não reflete a interpretação dada acima para o texto do capítulo 33.

Em vista dessas dificuldades, a seguinte re­construção pode ser proposta: Talvez Ritma (Nm33.18,19) refira-se ao Wadi Abu Retemat, ao sul de Cades. Portanto, Ritma seria a localização do acampamento na epoca em que os espiões foram enviados (KD, III, 243). Caso essa informação esteja correta, os 17 lugares registrados em Nm 19-36 referem-se aos 37 anos de peregrinação. Isto significa que os hebreus iniciaram sua fixa­ção provisória em Cades (Nm 13.26; 33.36,37), peregrinaram em uma região ao sul e a leste dessa localidade quando se dirigiam para Eziom-Geber (33.20-35), finalizando essa jornada em Cades novamente (Nm 20.1; 33.36). Frustrados em sua tentativa de dirigir-se para o nordeste, atravessan­do Edom em direção ao Mar Vermelho, eles segui­ram novamente para o sul (Nm 21.4), entraram em Arabá, ao norte de Eziom-Geber, de onde partiram para Moabe. Essa reconstrução, que apresenta também algumas dificuldades, possui a virtude de conciliar a maioria dos dados bíblicos.

8 . C o n te ú d o , a. Esboço

I. No Monte Sinai (Nm 1.1— 9.14).A. Organização do acampamento

(Nm 1.1— 4.49).B. Regulamentos especiais (Nm 5.1— 6.27).C. Assuntos relacionados ao Tabernáculo

(Nm 7.1— 8.26).D. A celebração da Páscoa (Nm 9.1-14).

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II. Do Monte Sinai a Cades (Nm 9.15— 14.45).A. Princípios para montar e desmontar o

acampamento (Nm 9.15— 10.10).B. A partida (Nm 10.11-36).C. O pedido insistente por carne

(Nm 11.1-35).D. O descontentamento de Miriã e Arão

(Nm 12.1-16).E. Os espiões (Nm 13.1-33).F. Resposta (Nm 14.1-45).

III. Permanência no deserto (Nm 15.1— 21.35).A. Os mandamentos (Nm 15.1-41).B. As prerrogativas sacerdotais

(Nm 16.1— 18.32).1. Autoridade dos sacerdotes

(Nm 16.1-35).2. Preeminência dos sacerdotes

(Nm 17.1-18.7).3. Manutenção dos sacerdotes

(Nm 18.8-32).C. Ritual de purificação (Nm 19.1-22).D. Incidentes no deserto (Nm 20.1— 21.35).

IV. Nas planícies de Moabe (Nm 22.1— 36.13).A. Os acontecimentos principais

(Nm 22.1— 32.42).1. Balaão (Nm 22.1— 24.25).2. Apostasia em Peor (Nm 25.1-18)3. O segundo censo (Nm 26.1-65).4. A herança das filhas (Nm 27.1-11).5. Josué designado sucessor de Moisés

(Nm 27.12-23).6. Regulamentos a respeito das ofertas,

festas e votos ÍNm 28.1— 30.17).7. Ataque a Midiã (Nm 31.1-54).8. Fixação na Transjordânia

(Nm32.1-42).B. Apêndices (Nm 33.1— 36.13).

1. Itinerário (Nm 33.1-49).2. Ordenanças a respeito da Terra

Prometida (Nm 33.50— 36.13).a. Posse (Nm 33.50— 34.29)b. Cidades especiais (Nm 35.1-34).c. Herança (36.1-13).

b. No Monte Sinai. Os textos desta seção com­pletam nosso conhecimento em relação à estada dos hebreus, que se estendeu por 11 meses, no Monte Sinai. N ão é possível afirmar se esses eventos ocorreram entre o primeiro e o vigésimo dia do segundo mês do segundo ano (Nm 1.1;10.11), especialm ente porque os textos estão agrupados por tópico, e não cronologicamente {veja a. Esboço acima).

Têm havido questionamentos em relação ao acampamento, pois a forma quadrada é conside­rada como um desenho artificial criado por sacer­dotes que desconheciam os fatos reais. Estudos recentes, no entanto, a respeito dos acampamentos egípcios, do período de Ikhnaton e Ramsés II, indicam que os exércitos do Egito daquela época utilizavam o padrão de acampamento quadrado, ao passo que os assírios de um período posterior faziam uso do padrão esférico.

Os primeiros versículos do capítulo 5 repre­sentam um bom exemplo da transição entre um tópico e outro nas coletâneas de textos. Antes do início do capítulo 5 houve uma discussão sobre o acampamento. E nesse ponto, há uma explanação sobre os regulamentos que deveriam ser segui­dos nos casos de lepra, que acaba por introduzir paulatinam ente um a coletânea de ordenanças sobre os mais variados tópicos. Talvez esses regulamentos, similares a muitos outros no livro, tenham sido transmitidos por Deus, em resposta a situações específicas. Talvez essa organização seja em conseqüência da natureza aleatória dos textos, assim como pelo fato desses tópicos não terem sido abordados no escopo das legislações tratadas em Levítico.

O ju lgam ento por provação nos casos de infidelidade é particularmente interessante (Nm 5.11-31). Esse teste, um verdadeiro “detector de mentiras”, era uma velha prática no Oriente Próxi­mo, na Antiguidade, o que comprova a época bem remota do livro de Números. Esta prática pode parecer bárbara para as pessoas dos dias de hoje, porém um exame mais detalhado demonstra que, caso seja preservado o contexto em que ocorria na Antiguidade, a aplicação bíblica dessa ordenança era notavelmente restrita e humana.

Observe que o regulamento em relação às bênçãos sacerdotais (Nm 6.22-26) introduz uma porção que contém a narração e legislação referen­tes ao Tabernáculo. Isto indica o cuidado com que esse material foi organizado. Não é uma coletânea de textos ao acaso, mas há uma clara evidência da ordem e lógica que orientou essa organização.

c. Jornada do Monte Sinai a Cades. Pratica­mente todos os estudiosos fazem a relação entre a narrativa da coluna de nuvem e as trombetas (Nm 9.15-10.10) com a primeira parte do livro. Esta conexão é um pouco forçada, pois Números lO. l l ss comentam, indiscutivelmente, sobre a partida. Por outro lado, a parte da narrativa que se refere à coluna de nuvem e à trombeta não tem nenhuma relação com o acampamento, mas com

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a jornada. Esse texto, na sua generalidade, fornece uma transição da narrativa sobre o acampamento para uma introdução da jornada.

Essa parte do livro é notável por seu firme registro da descrença e desobediência do povo. Todos segmentos estão incluídos. O povo, em sua totalidade, pediu insistentemente para comer carne (Nm 11). Todo o povo recusou-se a entrar na Terra Prometida (e tentou entrar depois de isso lhes ter sido negado, Nm 14). Miriã e Arão foram pegos em desobediência (Nm 12), assim como os líderes das tribos (Mm 13). O capítulo14, com a narrativa da desobediência principal e seu castigo correspondente, representa o divisor de águas do livro.

d. Fixação Provisória no Deserto. O capítulo15, com suas diversas ordenanças e regulamen­tos, parece ser o anticlímax do drama e tragédia descrita no capítulo 14. Talvez uma combinação de razões explique a presença desses textos nesse ponto da narrativa. Prim eiro, talvez ao término da narrativa tenha sobrado espaço, no pergam inho, para inserções. Segundo, apesar da Terra Prometida ter sido negada para aquela geração, foi prometida para a geração seguinte. Esses regulamentos referentes à Terra Prometida serviram para selar aquela promessa. Terceiro, foi a inobservância desses regulamentos que trouxe Israel para aquele lugar lamentável. Não poderia acontecer novamente.

Os capítulos 16-18, apesar de parecerem bem diferentes dos capítulos anteriores, lidam com a vida do sacerdócio, seu significado e valor na na­ção hebraica. No entanto, ao contrário da sugestão de Wright, o capítulo 19, que contém prescrições para a purificação de pessoas consideradas impu­ras, em conseqüência de contacto com um morto, não parece ajustar-se ao tópico do sacerdócio. Talvez tenha sido incluído nesse ponto da narra­tiva porque há uma orientação para os sacerdotes logo no início.

O leitor de Números suipreende-se freqüente­mente ao constatar a pouca quantidade de infor­mação que este livro contém sobre os 37 anos de peregrinação pelo deserto. Mesmo que se admita que os capítulos 20 e 21 contém incidentes espar­sos que ocorreram ao longo desse período, pouco é revelado sobre os detalhes da peregrinação no deserto. Por outro lado, se todos os eventos regis­trados nesses capítulos aconteceram no último ano da jornada em direção a Moabe, como as Escrituras parecem indicar, pode-se dizer que não se sabe quase nada sobre esse período. Pode ser que a

velha geração, após cometer a última apostasia, já não fizesse mais parte das preocupações referentes ao estabelecimento da aliança.

e. Nas Planícies de Moabe. A envolvente histó­ria de Balaão (Nm 22.24) foi muito estudada pelo professor Albright. Ele sugere que os textos poéti­cos dessa narrativa remontam ao séc. 13, o que os toma diferente do restante desse relato, pois houve alterações na sua linguagem, que foi atualizada, correspondendo ao estilo de uma época posterior ao relato. Esse fato seria mais uma evidência da autenticidade deste livro.

Após a apostasia em Peor (capítulo 25), pra­ticamente todo o restante do livro relata a espera ansiosa pela conquista da Terra Prometida. Há um segundo censo militar. Uma variedade de dúvidas em relação à distribuição da terra e à herança é resolvida. Um novo comandante é escolhido. A última ameaça de um inimigo na retaguarda (os midianitas) é removida e a Terra Prometida é distribuída para duas tribos e meia. Ao contrário da geração anterior, cuja desobediência tomava-se mais acentuada à medida que se aproximava do seu destino, esse grupo possuía uma aura de fé e determinação, que abriria (como relatado por Josué) a porta da Terra Prometida para eles.

9. Teologia. Uma comparação de Números com textos da modema crítica histórica demonstra uma diferença crucial entre os dois. Ao passo que a história modema busca, em primeiro lugar, fazer um relato completo dos fatos, além de procurar explicar os acontecimentos sob o ponto de vista hu­mano, o livro de Números aborda uma visão distin­ta, pois busca transmitir a perspectiva da natureza do Criador e de Sua criação. Essa abordagem não significa que o livro de Números não registre de maneira acurada os fatos históricos, que relata. Na realidade, partindo do pressuposto de que Deus se revela na história, há razões de sobra para acreditar que os hebreus fariam todo o esforço possível para tratar os fatos históricos de maneira acurada, para que pudessem conhecer melhor a Deus. A diferen­ça é que Números não registra todos os eventos, mas somente aqueles que melhor transmitem a mensagem a ser ensinada. E uma história seletiva, cujo critério de seleção é a verdade teológica.

A teologia desse livro gira em tomo da solidi­ficação da aliança de Deus com o povo de Israel. A última metade de Êxodo, e praticamente todo o livro de Levítico, detalham todas as estipulações dessa aliança. Em retribuição à proteção e bênçãos divinas, além da nova terra, o povo concordou em

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Vista do Monte Sinai, onde aconteceram os eventos dos primeiros nove capítulos de Números. © M.P.S.

servir somente a Deus e sem idolatria. No entanto, quando a aliança foi posta em prática, percebe-se claramente a distância entre a realidade e a pro­fissão de fé. O princípio da aliança é a confiança. Contudo, fica claro que, para os israelitas, parti­cularmente a primeira geração, confiar era consi­derado quase uma impossibilidade. A iniqüidade extrema do homem é demonstrada claramente nesse livro, assim como em qualquer outro das Escrituras. O homem não tende para Deus e para a bondade. Ao contrário, apesar de toda a evidência da presença de Deus (o Tabernáculo) e de Seu po­der (os diversos livramentos), o homem continua orgulhoso, egoísta e medroso.

Para contrastar, a fidelidade de Deus é clara­mente descrita nesse livro. A aliança foi rompida repetidam ente, até que finalm ente houve um rompimento que impediu que Deus mantivesse Sua promessa. Deus teria razões de sobra para abandoná-los ou até mesmo destruí-los, como

ameaçara. Foi necessária fervente intercessão de Moisés em favor do povo, para que Deus desse continuidade à sua aliança. Deus não anulou a Sua aliança, apesar do povo, por suas atitudes, ter escolhido isso. O propósito de Deus, de fazer o bem para essa nação, e por intermédio dela para o mundo todo, não seria frustrado.

A ira de Deus, como descrita no capítulo 14, é considerada ofensiva por muitas pessoas e fre­qüentemente classificada de “subcristã”. Contudo, essa passagem descreve a natureza pessoal de Deus, além de expressar o dinamismo e natureza apaixonada da fé. A fé fria, sem entusiasmo, é uma abominação na Bíblia. Essa “explosão’" divina é mais compreensível e aceitável para o impetuoso temperamento mediterrâneo do que para os povos europeus do norte, cujo temperamento é mais impassível e refreado.

Outra verdade que esse livro nos ensina é sobre a santidade de Deus. Deus é indizivelmente santo.

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574 NUVEM

Esse comentário não tem nada a ver com infinito versus finito, mas é uma questão de pureza ética, como a lei toda demonstra. Há um abismo que separa Deus do homem, abismo esse que pode destruir todos aqueles que tentam ultrapassá-lo (e.g., Miriã, Corá). O impuro não pode existir na presença do puro. Uma miríade de lições bem objetivas é usada para ensinar aos hebreus essa verdade. As ordenanças que descrevem as míni­mas diferenças entre objetos puros e impuros, a proteção do Tabernáculo e seu serviço e a grande quantidade de legislações bem objetivas, são cuidados que demonstram que no reino espiritual e moral, há aquilo que corrompe e separa, assim como há aquilo que restaura e une. Deus, em Sua graça, providenciou e ainda providencia uma maneira de termos acesso à sua presença.

O estudo deste livro pode beneficiar muito os cristãos. Eles encontrarão corretivos para a excessiva informalidade com o Deus Todo-pode- roso. Perceberão com maior clareza a dimensão do abismo que a graça de Deus preencheu em Jesus Cristo. Tornar-se-ão mais sensíveis ao contraste entre suas grandes profissões de fé e sua pequena confiança. Regozijar-se-ão com a firmeza do propósito de Deus em abençoar aqueles que permitem, por menos que seja, que ele assim o faça. Serão fortalecidos para crer que Deus os livrará de situações que estão além do seu controle. Serão encorajados a se esforçarem para deixar as ilusões de uma existência “no deserto”, em troca do descanso que é a herança de todo cristão, se ele apenas possuir essa herança.

BIBLIOGRAFIA. G. B. Gray, A Criticai and Exe- getical Commentary on Numbers (1912); T. Whitelaw, ISBE, IV (1939), 2163-2170; W. R A lbright, “The Oracles o f Balaam”, JBL, LXIII (1944), 207-233; K D , 111(1949), 1-268; J. S. Wright, “The Composition o f the Pentateuch”, EQ, XXV (1953), 2-17; G. E. Mendenhall, “The Census Lists o f Numbers 1 and 26”, JBL, LXXVII (1958), 52-6b; INT, XIII (1959); E. J. Young, Irtroduc- tion to the Old Testament, ed. rev. (1960), 89-98; M. Haran, “Studies in the Accounts o f the Levitical Cities”, JBL, LXXX (1961), 45-54,156-165; M. Noth, Numbers: A Commentaty (1968); W. A. Summer, “Israel’s Encoun­ters with Edom, Moab, Ammon, Sibon and Og according to the Deuteronomist” , VetTest, XVIII (1968), 216-228;O. Eissfeldt, “Protektorat Der Midianiter tiber ihre Nach- bam im letzten Viertel des 2. Jahrtausends v. Chr.”, JBL, LXXXVII (1968), 383-393; G. W. Coats, Rebellion in the Wilderness (1968); R. K. Harrison, Introduction to the Old Testament (1970), 614-634.

J. N. O sw a l t

NUVEM [py, ”3]y, (somente em Jó 3.5), p s (ara- maico, somente em Dn 7.13), significando nuvem, neblina, vapor, ou nuvem de poeira; 2«, signifi­cando nuvem de chuva, prro-, significando nuvem fina, (HM, significando nuvem alta (somente em Pv 25.14), v£(|)é^T|, vé(f)Oç (somente em Hb 12.1) significando nuvem de qualquer tipo],

1. Clim a na Palestina. A meteorologia da Palestina é relativamente simples. O tempo é altamente previsível para todo dia em cada estação, e as estações são muito idênticas em seu padrão anual. Para o Oeste está o Mar Medi­terrâneo; para o Leste está o deserto. Os ventos predominantes vêm do Oeste e trazem nuvens. Se estiver trio o suficiente, ou se as montanhas forem altas o suficiente, as nuvens liberam sua água em forma de chuva ou, mais raramente, em forma de neve. Portanto, a costa e as montanhas altas, particularmente Gileade e Moabe, recebem a maior parte das chuvas, mas isto apenas no inverno. Pode-se observar nuvens durante todo o ano e mesmo que estas venham a prover sombra, não liberam chuva. Freqüentemente uma névoa é vista pela manhã, mas o calor progressivo do dia rapidamente a dissipa.

2. Term inologia Bíblica. Não somente existem várias palavras para “nuvem” em he­braico, mas há também, em algumas ocasiões, referência a vários tipos de nuvens e muitos pontos ilustrativos podem ser extraídos daí. A palavra hebraica mais comum é py e é usada de várias maneiras. Ocorre quatro vezes em Gênesis 9 (w . 13,14,16) como a nuvem na qual o arco- íris de Noé foi visto. E a palavra exclusiva para a coluna de nuvem que guiou os filhos de Israel através do deserto e nesta conexão aparece cerca de quarenta vezes de Êxodo até Deuteronômio. A mesma palavra descreve aquilo que obscureceu o topo do Monte Sinai quando Moisés recebeu a lei (Ex 19). A palavra também descreve nuvens de poeira ou fumaça como indicado em Êxodo 14.20 e 1 Reis 8.10s. e talvez também em N aumI.3. Em nenhuma dessas referências há menção de chuva.

Nuvens de chuva são em geral descritas pela segunda palavra mais comum Embora seja algumas vezes usada em paralelo com a primeira palavra, como em Êxodo 19.9, esta é a palavra associada com chuva. Salmo 77.17, EclesiastesII.3 e Isaías 5.6 ilustram o mesmo.

A terceira palavra hebraica mais comum para nuvem pnw está relacionada como um verbo que

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NUVEM, COLUNA DE / NUZI 575

significa “ser fino” e, portanto, refere-se a nuvens finas ou esparsas.

No NT a palavra para “nuvem” é ve<l>ÉX.T| (ex­ceto pela forma masculina que ocorre uma vez em Hb 12.1). A palavra descreve tanto nuvens de chuva (Lc 12.54; Jd 12) como também aquela que obscurece ou acompanha Cristo (Lc 21.27, etc.).

Em muitas ocasiões, em ambos os Testamentos, nuvens indicam a vinda de Deus ou cobertura. “Eis que o Senhor, cavalgando em uma nuvem ligeira...” (Is 19.1; cp. SI 144.3; 147.8). Nestas ocasiões, a palavra é ün. Em todo o episódio do Sinai, a presença de Deus ou sua liderança foi vista nanuvem (py, Êx 16.10; 19.16; 24.15,16,18; 34.5; 40.34-38; Nm 9.15-22, etc.). Na transfiguração de Jesus uma voz veio da nuvem (Mc 9.7) e na Ascensão Jesus foi elevado a uma nuvem (At 1.9). Além disto, os santos na terra serão arrebatados nas nuvens (1 Ts 4.17). Cristo retomará, conforme predisse, (Mt 24.30, etc.) nas nuvens (Ap 1.7).

Os escritores da Bíblia usavam as nuvens para ilustrar muitas coisas. Oséias ilustra a efemeri- dade (6.4), “o vosso amor é como a nuvem da manhã e como o orvalho da madrugada, que cedo passa” (cp. Jó 7.9 e 30.15). O Pregador ilustra a melancolia que vem com a velhice: “Lembra-te do teu criador nos dias da tua mocidade, antes... que tomem vir as nuvens depois do aguaceiro” (Ecl2.1s.). Isaías retrata rapidez e irreparabili- dade: “Quem são estes que vêm voando como nuvens?” (60.8); “Desfaço as tuas transgressões como a névoa, e os teus pecados como a nuvem” (44.22). Jó 38.37 e Hebreus 12.1 ilustram inume- rabilidade: “Quem pode numerar com sabedoria as nuvens?” ; “também nós, visto que temos a rodear-nos tão grande nuvem de testem unhas.. Muitas passagens retratam visitação divina: “está perto o dia, sim, está perto o dia do Senhor, dia nublado; será o tempo dos gentios” (Ez 30.3; cp. J12.1s. e S f 1.15).

Jó usa nuvens para ilustrar coisas de forma mais sábia do que qualquer outro livro da Bíblia. Não apenas os usos observados acima, mas também os seguintes são dignos de menção: Jó 20.6 ilustra altura enquanto outros versos (36.39; 37.16 e 38.34) ilustram a incapacidade humana de enten­der, compreender, ou se comparar com a criação de Deus. Justamente por isso as nuvens mostram o poder de Deus (Jó 26:9; 37:11 e 38:9).

BIBLIOGRAFIA. G. A. Smith, H istórica! Geo­graphy o f the H oly Land (1894), cap. III; D. Baly, The Geography o f the Bible (1957), cap. IV e V.

R. L. A l d e n

NUVEM, COLUNA DE. Veja C o l u n a d e F o g o

e N u v e m .

NUZI. Uma cidade ocupada pelos hurrianos no se­gundo milênio a.C. Este nome sempre aparece em escrita cuneiforme como NU-ZI. Não foi encon­trada em nenhuma outra forma além do genitivo.

A. Localização e im portância. As ru­ínas de Nuzi foram soterradas sob o cômoro de Yorghan Tepe, cerca de 15 quilômetros a oeste da cidade moderna de Kirkut, no nordeste da Mesopotâmia. Foi escavada em 1925-1931 pela “American School o f Oriental Research”, com a cooperação do Museu da Universidade de Har­vard. A importância de Nuzi para os estudiosos da Bíblia advém das quatro mil placas de argila encontradas nessa cidade, pois fornecem uma descrição mais completa da vida individual dos cidadãos locais, a qual pode ser transposta para qualquer outra cidade antiga do Oriente Próximo, excetuando-se Mari. Em Mari a maioria das placas trata da família real e suas atividades políticas, ao passo que em Nuzi foram encontrados registros da vida e atividades de centenas de cidadãos comuns. Ainda mais importante para o estudioso da Bíblia é o fato de que em muitos aspectos essas placas registram costumes que se assemelham àqueles descritos em Gênesis. Portanto, o material de Nuzi é importante para corroborar a precisão do livro de Gênesis, fornecendo uma melhor compreensão de seu significado. Esse artigo fornecerá muitas referências sobre aspectos da vida, que eram semelhantes na maior parte da região do Oriente Próximo daquela época. O enfoque, no entanto, será naqueles aspectos que podem facilitar a compreensão do livro de Gênesis.

B. Relação com Gênesis.

1. C o n e x ã o c o m H a rã . Harã, situada no norte da Mesopotâmia, é uma cidade importante na história bíblica. Foi nessa localidade que Abraão viveu por muitos anos antes de mudar-se para Canaã. Muitos dos seus familiares permaneceram em Harã. Rebeca foi trazida de Harã para casar-se com Isaque. Jacó retomou à casa de seu tio Labão em Harã e passou muitos anos nessa localidade.

Apesar de Harã localizar-se muito a leste de Nuzi, ambas faziam parte da região ocupada pelos hurrianos durante o segundo milênio a.C. Portanto, não é de surpreender que muitas das leis e costu­mes documentados em Nuzi entre 1500 e 1400 a.C.

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sejam evidenciados nas atividades dos patriarcas em um período um pouco anterior.

2. A im p o r t â n c ia d o s d o c u m e n t o s e s c r i to s . Houve uma época em que se acreditava que o Pentateuco não pudesse ter sido escrito por Moisés, pois pensava-se que a escrita ainda não havia sido inventada naquela época. Há hoje em dia evidências abundantes para refutar essa idéia. Contudo, é de particular interesse o fato de que em Nuzi, nesse período tão remoto, documentos escritos eram extremamente importantes, havendo profusão deles.

3. A d o ç ã o . Dezenas de placas de adoção foram encontradas em Nuzi. A lei israelita, tão minuciosa em muitos aspectos, não contém re­gulamentos para a adoção. Além disso, a história dos hebreus na Palestina após a conquista, como registrada no AT, não possui registro de tal prática. Contudo, em Nuzi era comum um homem, que não tivesse filhos, adotar alguém para dar continuidade ao seu nome e herdar a propriedade. Parece que esse hábito transparece na declaração de Abraão, antes do nascimento de Isaque, de que a não ser que o Senhor lhe desse um filho, o damasceno Eliézer seria seu herdeiro (Gn 15.2).

4. íd o l o s d o ia r . O episódio dos ídolos do lar (Gn 31.17-35) era muito intrigante até que os documentos de Nuzi foram descobertos. Quando Jacó decidiu abandonar seu tio Labão, Raquel furtou os ídolos do lar, de Labão. Ao retomar para casa, Labão ficou muito perturoado, não só porque suas filhas e genro haviam partido sem avisá-lo, ou por causa da grande quantidade de bens que haviam levado com eles, os quais Jacó havia acumulado durante sua moradia temporária em Harã, mas principalmente porque perdera seus ídolos do lar.

Jacó, com sua numerosa manada e rebanho, deveria ter um grande número de pastores e seria necessária uma força considerável para vencer a resistência que ele poderia oferecer. Labão perse­guiu Jacó por três dias. Levou consigo um bom número de homens para que pudesse amedrontar Jacó com sua aproximação. A perseguição a Jacó, portanto, foi uma empreitada muito custosa para Labão. Na Idade Média, estudiosos imaginavam a razão pela qual Labão teria gasto tanta energia e recursos por esses ídolos do lar. Sugeriu-se que esses ídolos deveriam ter sido feitos de ouro. Mes­mo que esta tivesse sido a razão dessa perseguição, o valor intrínseco dos ídolos não justificaria todas

as despesas da expedição de Labão, pois os ídolos eram muito pequenos. Isto fica claro quando Ra­quel consegue esconder os ídolos em sua tenda, na sela de um camelo sobre a qual se sentara. Apesar de procurar cuidadosamente por toda a tenda, seu pai não suspeitou da presença deles ali.

O mistério toma-se ainda maior quando se per­cebe que Jacó estava devastadoramente chocado com a idéia de que ele poderia ter turtado os ídolos do lar. Quando Labão não conseguiu encontrá-los, Jacó irou-se e altercou-se com Labão por suas suspeitas (Gn 31.36-42).

Antes da descoberta dos documentos de Nuzi, toda essa situação era bem obscura, e teria sido igualmente misteriosa na época do reino de Israel quando, de acordo com os críticos, a história fora escrita. As placas de Nuzi mostram que, de acordo com os costumes dos hurrianos daquela época primitiva, caso um homem quisesse designar seu genro como seu herdeiro principal, entregaria seus ídolos do lar para ele. Após a morte desse homem, o comparecimento diante dos juizes com os ídolos do lar do falecido seria considerado como prova desse propósito. Raquel estava tentando assegurar que toda a propriedade de Labão ficasse para seu marido. Jacó, portanto, estava correto em mostrar- se tão indignado ao ser acusado dessa tentativa de dissimular um embuste. Todo esse incidente toma-se compreensível à luz desses fatos e fica claro por que Labão, ainda cheio de suspeitas, deseja que seja colocada uma pedra de fronteira em Mispa e que Jacó jure que nunca ultrapassará aquela barreira com a finalidade de lhe causar da­nos (Gn 31.44-53, especialmente v. 5 2). As placas de Nuzi deixam claro que os motivos de Labão, ao expressar esse desejo, era o de que o restante de suas propriedades ficasse para seus próprios filhos. Queria certificar-se de que Jacó não tiraria os seus bens de seus filhos. É importante notar que posteriormente Jacó ordenou que qualquer deus estranho que fosse encontrado em mãos de seus homens deveria ser enterrado (Gn 35.2-4). Assim, em nenhum momento Jacó tentou fazer mau uso desses ídolos do lar.

5. I r m a n d a d e . Para o leitor modemo parece estranho que Abraão tenha dito que Sara era sua irmã, ao invés de dizer ao Faraó aquilo que era mais importante, que era sua esposa (Gn 12.11­20). Parece estranho que tenha repetido esse ato na terra de Abimeleque (Gn 20.1-18). Ainda mais estranho é o fato de que Isaque tenha seguido seu exemplo em outra ocasião (Gn 26.6-16). Foi sugerido que esses incidentes embaraçosos

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Arbela

Mar Grande

Babilônia

Jerusalém

Placa cuneiforme antiga, oriunda de Nuzi: listagem de nomes pessoais © O.l,U,C.

Uma das placas de Nuzi (1500-1400 a.C.), que descrevem uma venda de terra como se

fosse uma adoção. Outras placas mostram que o ambiente dos registros patriarcais ajusta-se ao

período anterior (2000-1500 a.C.) e não ao posterior (900-600 a.C.).

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Armadura de bronze do segundo milênio a.C., oriunda de Nuzi. © M useu do Iraque (Iraq M useum )

poderiam ser melhor compreendidos à luz de descobertas feitas em Nuzi, em que, de acordo com os documentos legais, a posição de “irman­dade” era considerada até como mais importante do que a de esposa. Parece que a esposa muitas vezes era beneficiada por um ato especial, em que era elevada a essa posição. Visto que este era o costume em uma região em que Abraão passou muitos anos de sua vida, não é improvável que tanto Abraão como Isaque sentissem que estariam garantindo uma posição mais importante e segura para suas esposas ao chamá-las de irmãs. Como Faraó e Abimeleque desconheciam esse costume, o resultado dessa atitude foi muito infeliz. Contudo, apesar do Faraó e Abimeleque terem acusado esses patriarcas de violação de um princípio, não há evidências nas Escrituras de que Abraão ou Isaque tenham se sentido culpados, ou de que Deus os tenha condenado por suas palavras. Deus puniu Faraó e Abimeleque pelo que haviam feito, mas, até onde o nosso entendimento alcança, Ele não repreendeu Abraão. Portanto, pode ser que este seja um caso de má-interpretação, e não de viola­ção de um princípio. Esses incidentes tomam-se mais plausíveis sob o ponto de vista expresso nos documentos de Nuzi. Nesse caso é difícil imaginar

que essa história tivesse sua origem na época do reino de Israel, pois esse costume era totalmente desconhecido naquele período.

6 . A g a r . Há uma situação similar em relação aos fatos que se referem a Agar e Ismael. Pode parecer estranho que Sara tenha pedido que Abraão engravidasse a sua serva Agar, para que criasse um filho para Sara (Gn 16.2). Novamente os documentos de Nuzi demonstram que esse acontecim ento estava em conform idade com os costumes da época, em Harã. Na sociedade dos hurrianos, onde um íilho era extremamente importante, era prática comum que, caso uma esposa não tivesse filhos, providenciasse uma escrava-mulher para o marido, com a finalidade de dar-lhe um filho.

Antes das descobertas de Nuzi foi possível esclarecer um pouco essa atitude, pois havia regu­lamentos um tanto similares a esse no código de Hamurabi, que foi descoberto em 1901. No entan­to, essa descoberta não esclareceu totalmente essa situação, pois, de acordo com o código (parágrafo 144), somente uma princesa poderia agir dessa forma, apesar de não ter o direito de requisitar os filhos da concubina para ela.

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7. A s s e r v a s d e L ia e R e b e c a . Atérecentemente, muitos críticos estudiosos concor­davam que as afirmações em Gênesis 29.24 e 29, em que Labão entrega uma serva, cujo nome nos é fornecido, para cada uma das suas filhas, era considerado uma inserção advinda dos documen­tos S, e que estava em desarmonia com o restante da história, que consideravam como pertencente a um documento anterior. As placas de Nuzi, no entanto, deixam claro que na época de Jacó era comum, naquela civilização, que o sogro, como parte do acordo matrimonial, desse à noiva uma serva, cujo nome era habitualmente especificado nesses documentos.

8 . O H a b ir u . As placas de Nuzi também são importantes em conseqüência da constante discus­são sobre a origem do termo ‘hebreu’. Gênesis 14.13 menciona “Abrão, o hebreu”, e em Gênesis 40.15 José conta aos egípcios que fora “roubado” “da terra dos hebreus”. Essas ocorrências tomam improvável a hipótese de que este termo signifi­casse simplesmente um descendente de Jacó, ou até mesmo um descendente de Abraão. Nuzi é uma das muitas fontes em que documentos antigos referem-se a um povo denominado de Ha-bi-ru, o qual parecia ser um povo errante, que não possuía terras e que algumas vezes submetia-se a uma servidão voluntária. Apesar do material de Nuzi conter certo número dessas referências, ele não é suficiente para resolver o problema, podendo, porém, formar um importante elo no estudo sobre a origem deste termo. Veja H a b i r u .

9. O u tr o s p o n t o s d e c o n ta t o . Como os contratos, testamentos, memorandos e outros tipos de material encontrados nos documentos de Nuzi fornecem uma descrição sobre as muitas fases da vida, eruditos apontam outras similaridades entre os costumes ou as leis de Nuzi e as que são apresentadas em Gênesis. Alguns desses costumes e leis representam características compartilhadas por outras civilizações do Antigo Oriente Próximo. Outros correspondem a costumes e leis de períodos posteriores da história bíblica. Este artigo procurou ater-se principalmente à discussão dos assuntos pertinentes à época dos patriarcas, os quais podem fornecer embasamento para a idéia de que a narrati­va de Gênesis é verdadeira, além de contribuir para a aceitação do fato de que tenha sido escrita em um período bem remoto, antes do desaparecimento dos costumes e leis dos hurrianos, em conseqü­ência da campanha dos conquistadores assírios.

BIBLIOGRAFIA. E. Chiera and E. A. Speiser, “A N ew Factor in the History o f the Ancient N eat EaST”, AASOR, VI (1926); E. Chiera, et al. American Schools o f Oriental Research, Joint Expedition with the Iraq M u­seum o f Nuzi, i-vi (1927-1939); E. Chiera, et al. Harvard Semitic Series, v, ix, (1929s.); R. F. S. Starr, Nuzi Report on the Excavations at Yorgham Tepe near Kirkuk, Iraq,i, ii (1937-1939); C. H. Gordon, “Biblical Customs and the Nuzi Tablets”, B. A. iii (1940), 1-12; I. J. Gelb, P. M. Purves and A. A. MacRae, Nuzi Personal Names (1943); F. R. Steele, Nuzi Real Estate Transactions (1943); M. Greenberg, The Hab/piru (1955), 65-70; E. A. Speiser, The Anchor Bible: Genesis (1964).

A. A. M a c r a e

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