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JJ é uma edição do Clube de Jornalistas >> n.º 72 Jan/Abr 2020 >> 2,50 Euros 20 20 ANÁLISE GRAVAÇÃO DE TELEFONEMAS DE CENSORES - QUESTÃO POLÍTICA NO MARCELISMO HISTÓRIAS DE JORNALISTAS CÂMARA OCULTA PARA DEFENDER A SAÚDE PÚBLICA MESA-REDONDA QUE JORNALISMO PRODUZIMOS ENTREVISTA FERNANDO CORREIA HOMENAGEM EDUARDO GAGEIRO SOMOS DA IDADE DO SÉCULO

MESA-REDONDA QUE JORNALISMO PRODUZIMOS ENTREVISTA … · 20jjé uma edição do clube de jornalistas>>n.º 72 jan/abr 2020>>2,50 euros 20 anÁlise gravaÇÃo de telefonemas de censores

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JJ é uma edição do Clube de Jornalistas >> n.º 72 Jan/Abr 2020 >> 2,50 Euros

2020

ANÁLISE GRAVAÇÃODE TELEFONEMASDE CENSORES - QUESTÃOPOLÍTICA NO MARCELISMOHISTÓRIAS DE JORNALISTASCÂMARA OCULTA PARADEFENDER A SAÚDEPÚBLICA

MESA-REDONDAQUE JORNALISMOPRODUZIMOS

ENTREVISTAFERNANDOCORREIA

HOMENAGEMEDUARDOGAGEIRO

SOMOSDA IDADEDO SÉCULO

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Iniciativa Gestão e Organização

PrémioAPIFARMA | clube de jornalistas

jornalismoem saúde O prémio que distingue trabalhos

jornalísticos na área da Saúde, com enfoque no Serviço Nacional de Saúde (SNS),na inovação em Saúde e no desenvolvimento económico e social na área.

4edição

Universitário RevelaçãoMARIA PIMENTEL VALENTE

Faculdade de Letras da Universidade do Porto“Muito riso, muito siso”

Vencedores

CATARINA GOMESJornalista Freelancer

“O que eles deixaramno manicómio”

Publicado no jornal Público.

ISABEL MEIRAAntena 2

“Voandosobre um ninho

de estigmas”

CATARINA MARQUESSIC

“No Coraçãodo Hospital”

Imagem de Humberto Candeias, Edição de Imagem de Rui Félix, Grafismo de Carla Gonçalves

e Luís Bispo, Produção de Cláudia Araújo, e Coordenação

de Luís Marçal.

JornalismoDigital

HELENA BENTOExpresso

“Ou durmoou morro”

Fotografia de Tiago Miranda, Vídeo de André Godinho, Som de José Quintino,

Edição Multimédia de João Duarte, Infografia de Carlos

Esteves, Web Design de João Melancia e de Tiago Santos,

Desenvolvimento Webde Maria Romero.

Imprensa Rádio Televisão

GrandePrémio

Jornalismoem saúde*

* Eleito pelo júri entre os vencedoresdas quatro categorias referenciadas.

PJSaude_Vencedores_A4 AF 2.indd 1 16/04/2020 14:16

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Iniciativa Gestão e Organização

PrémioAPIFARMA | clube de jornalistas

jornalismoem saúde O prémio que distingue trabalhos

jornalísticos na área da Saúde, com enfoque no Serviço Nacional de Saúde (SNS),na inovação em Saúde e no desenvolvimento económico e social na área.

4edição

Universitário RevelaçãoMARIA PIMENTEL VALENTE

Faculdade de Letras da Universidade do Porto“Muito riso, muito siso”

Vencedores

CATARINA GOMESJornalista Freelancer

“O que eles deixaramno manicómio”

Publicado no jornal Público.

ISABEL MEIRAAntena 2

“Voandosobre um ninho

de estigmas”

CATARINA MARQUESSIC

“No Coraçãodo Hospital”

Imagem de Humberto Candeias, Edição de Imagem de Rui Félix, Grafismo de Carla Gonçalves

e Luís Bispo, Produção de Cláudia Araújo, e Coordenação

de Luís Marçal.

JornalismoDigital

HELENA BENTOExpresso

“Ou durmoou morro”

Fotografia de Tiago Miranda, Vídeo de André Godinho, Som de José Quintino,

Edição Multimédia de João Duarte, Infografia de Carlos

Esteves, Web Design de João Melancia e de Tiago Santos,

Desenvolvimento Webde Maria Romero.

Imprensa Rádio Televisão

GrandePrémio

Jornalismoem saúde*

* Eleito pelo júri entre os vencedoresdas quatro categorias referenciadas.

PJSaude_Vencedores_A4 AF 2.indd 1 16/04/2020 14:16

Director

Direcção Editorial

Conselho Editorial

Grafismo

Secretária de Redacção

Propriedade

Tratamento deimagem

Impressão

Tiragem deste número

Redacção,Distribuição,

Venda eAssinaturas

Mário Zambujal

Eugénio AlvesPaulo Martins

Fernando CascaisFernando Correia Francisco MangasJosé Carlos de VasconcelosManuel PintoMário Mesquita

José Souto

Palmira Oliveira

CLUBE DE JORNALISTASA produção desta revista sóse tornou possível devido aosseguintes apoios:

SantanderCasa da ImprensaLisgráficaFundação Inatel

ImpressEstrada da Ribeirinha, nº 92Pavilhão DAlcolombal de Baixo2705-832 Terrugem

Lisgráfica, Impressão e ArtesGráficas, SACasal Sta. Leopoldina,2745 QUELUZ DE BAIXO

Dep. Legal: 146320/00ISSN: 0874 7741Preço: 2,49 Euros

2.000 ex.

Clube de JornalistasR. das Trinas, 1271200 LisboaTelef. - 213965774 e-mail:[email protected]

N.º 72 JAN/ABR 2020

SUMÁRIO

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA AOS SÓCIOSDO CLUBE DE JORNALISTAS

E AOS ASSOCIADOS DA CASA DA IMPRENSAPERIODICIDADE TRIMESTRAL

Site do CJ www.clubedejornalistas.pt

7

8

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26

28

34

42

54

66

EFEMÉRIDE20º ANIVERSÁRIO DA JJA JJ é da idade do século. Festejemos, porque em tempossombrios bem precisamos de uma injeção de otimismo.

MESA-REDONDAQUE JORNALISMO PRODUZIMOS?Cinco pessoas em, date sem filtro sobre a profissãoPor Paulo Martins

ENTREVISTAFERNANDO CORREIA "A MÁQUINA AGORA ESTÁ MONTADA PARAOS JORNALISTAS NÃO PRECISAREM DE IRAO LOCAL"Por Carla Cardoso e Patrícia Franco

EGOCOM ELES SEMPRE CONTÁMOS Três membros da equipa desde a fundaçãoPor Paulo Martins

HOMENAGEMEDUARDO GAGEIRO, REFERÊNCIA PARAGERAÇÕESO melhor da carreira do fotojornalista

EM DIRETO DO Nº 1EditorialEntrevista a Paquete de OliveiraPor Fernando CorreiaO jornalismo, os jornalistas e a formaçãoPor Fernando Cascais

ANÁLISEGRAVAÇÃO DE TELEFONEMAS DE CEN-SORES - UMA QUESTÃO POLÍTICA NOMARCELISMOEstudo sobre documentos sonoros únicos de registo daatividade censória durante a Ditadura. Os diálogosentre censores de Lisboa e do Porto no dia daRevolução. E uma "cunha" da PIDEPor Joaquim Cardoso Gomes

HISTÓRIAS DE JORNALISTASO MÉDICO FALADOR E A CÂMARA OCULTAO caso do uso de câmara oculta pela SIC para denun-ciar doping no futebol, em 1997, pôs à prova os limitesdo recurso a meios dissimulados quando está em causaa saúde pública. Por Gonçalo Pereira Rosa

JORNAL[60] Sites[64] Livros

PRÉMIOS GAZETAADIADOS

JJ|Jan/Abr 2020|3

Colaboram neste número

Daniel Rocha, Carla Rodrigues Cardoso, Carla Martins,Eduardo Gageiro, Fernando Cascais, Fernando Correia,

Francisco Levita, Gonçalo Pereira Rosa, Joaquim CardosoGomes, José Frade, Luís Taklim, Mário Rui Cardoso e

Patrícia Franco

A ortografia dos artigos publicadosnesta revista corresponde à opção

dos respetivos autores.

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Assinatura anual > 4 números: > 10 Euros

( I N C L U I P O R T E S D E C O R R E I O )

Nome...........................................................................................................................Número de Contribuinte.........................................................................................Morada........................................................................................................................Código postal............................Localidade..............................................................Contactos.................................../........................................./......................................Profissão (fac.).....................................................Idade (fac.)...................................Desejo assinar a JJ com início no nº ......................................................................Para o respectivo pagamento envio cheque nº.....................................................Banco...........................................................................................................................Data.............................. Assinatura.....................................................................

Clube de Jornalistas - R. das Trinas, 127 r/c - 1200 857 Lisboa

JJ – Jornalismo e JornalistasA única revista portuguesaeditada por jornalistasexclusivamente dedicada aojornalismo

Indispensável para estudantes,professores, investigadores etodos os que se interessam pelojornalismo em Portugal e nomundo

Pretende ter um acesso fácil e seguro à JJ?

Assine a nossa revista, recebendo em sua casa, regularmente, os quatro números que editamos por ano,num total de 256 páginas, por apenas 10 euros,bastando enviar-nos os elementos constantesdo cupão junto

Dossiês análises entrevistas notícias recensõescrónicas comentários memórias

Imprensa Rádio Televisão Jornalismo digitalFotojornalismo Cartoon

Ao longo de mais de quinze anos, a JJ tem-se afirmado, quernas salas de redacção quer nas universidades, como umaferramenta fundamental para todos os que pretendem estarinformados sobre a reflexão e o debate que, no país e noestrangeiro, se vão fazendo sobre o jornalismo e os jornalistas.

Uma edição doClube de Jornalistas

Rua das Trinas, 127 r/c 1200 857LisboaTelef. 213965774e-mail: [email protected]

4|Jan/Abr 2020|JJ

Assine a JJ

Site do CJ www.clubedejornalistas.pt

04_ASSINE.qxd 25-12-2014 13:46 Page 4

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A Lisgráfica imprime mais de 15 milhões de exemplares por semana de revistas, jornais,

listas telefónicas e boletins.A Lisgráfica é a maior indústria gráfica da Península Ibérica. Apenas na área de publicações, é responsável pela impressão de mais de 100 títulos diferentes. O que significa dizer que todos os dias a maioria dos portugueses tem contacto com os nossos produtos.

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Indispensável para estudantes,professores, investigadores etodos os que se interessam pelojornalismo em Portugal e nomundo

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Ao longo de mais de quinze anos, a JJ tem-se afirmado, quernas salas de redacção quer nas universidades, como umaferramenta fundamental para todos os que pretendem estarinformados sobre a reflexão e o debate que, no país e noestrangeiro, se vão fazendo sobre o jornalismo e os jornalistas.

Uma edição doClube de Jornalistas

Rua das Trinas, 127 r/c 1200 857LisboaTelef. 213965774e-mail: [email protected]

4|Jan/Abr 2020|JJ

Assine a JJ

Site do CJ www.clubedejornalistas.pt

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LGULBENKIAN.PT

Bolsasde InvestigaçãoJornalística

Vencedores da 2.ª edição — 2019/2020

António CaeiroCláudia Marques SantosIsabel LindimPaulo AnunciaçãoPaulo MouraPaulo PenaPedro CoelhoRaquel MoleiroRicardo Dias FelnerSofia da Palma RodriguesTiago CarrascoVânia Maia

Bolsas_Jornalismo_Imprensa_A4.indd 1 14/04/2020 17:27

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Vencedores da 2.ª edição — 2019/2020

António CaeiroCláudia Marques SantosIsabel LindimPaulo AnunciaçãoPaulo MouraPaulo PenaPedro CoelhoRaquel MoleiroRicardo Dias FelnerSofia da Palma RodriguesTiago CarrascoVânia Maia

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JJ|Jan/Abr 2020|7

A JJ festeja o 20.º aniversárioem tempos tão sombrios quebem precisamos de umainjeção de otimismo. Para aedição que assinala a data,sentámo-nos à mesa paradiscutir o papel doJornalismo, o que mudouem duas décadas e asperspetivas para o futuro.Entrevistámos o nossodiretor histórico, FernandoCorreia. Falámos com as trêspessoas que nosacompanham desde aprimeira hora.Homenageamos EduardoGageiro, referência maior dofotojornalismo nacional. Erecuperamos artigospublicados no númeroinaugural, de janeiro de2000: o editorial,compromisso perene, umaentrevista a Paquete deOliveira, que tão atual seafigura, e uma crónica deFernando Cascais.

20a

no

s FESTEJAREM TEMPOSSOMBRIOS

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8|Jan/Abr 2020|JJ

QUE JORNALISMOPRODUZIMOS?Mesa maioritariamente feminina, como hoje são as redações, para falarsobre Jornalismo. Conversa franca e sem filtros na Noticiaria, coworkda Casa da Imprensa. Com José Manuel Rosendo, no batente desde1993, Sofia Frazoa, que começou a carreira em 2000, ano de lançamentoda JJ, Margarida David Cardoso, então uma criança, e ElisabeteCaramelo, que há quase um quarto de século saiu do Jornalismo.

Paulo Martins (texto) José Frade (fotos)

Aprimeira questão é de resposta relativa-mente rápida: qual a principal mudançaque ocorreu no Jornalismo nos últimos20 anos?Margarida David Cardoso (MDC) –Tenho 24 anos, é difícil responder. Queingrato ser eu a começar! Trabalhei no

Público e a principal questão nas nossas conversas era sobre adistância entre jornalistas com 40 anos e com 20. Havia pou-cos com 30. Comecei a perceber que havia grande falta dememória. Com os despedimentos coletivos, os primeiros airem embora foram os mais velhos. Também consideras que a questão central é a falta de memó-ria? Uma vez que já não estás há algum tempo na profissão…Elisabete Caramelo (EC) – Estou há mais tempo a trabalharpara a comunicação do que como jornalista. Estou há 24 anosna comunicação; passei 16 no Jornalismo. Vejo estes 20 anosde fora. Para mim, há duas grandes mudanças. A gestão dosmeios ficou muito mais concentrada na mão de dois ou trêsgrupos económicos. A outra mudança é a feminização, aentrada de tantas mulheres para a profissão.Como se nota nesta mesa, em que estão em maioria.EC – Chego a ter salas de conferências de imprensa ou visitasguiadas em que são só mulheres. Mas essa tendência nãocorresponde à direção dos media. Na chefia intermédia, já hámulheres, mas nas direções não. Fiz as contas: não há umúnico jornal diário dirigido por uma mulher. José Manuel Rosendo (JMR) – No dia-a-dia, há assuntos quenão domino completamente – nomes, por exemplo, nocampo da música, que desconheço. A malta mais nova sabe.A questão geracional é importante também neste aspeto. OJornalismo antigamente era muito construído assim, a crescer

com a memória. Hoje, não. Assisti ao caso de uma pessoa quechegou da universidade e queria ser editora. “Tirei a licencia-tura, por que não?”EC – Porque há um caminho a fazer.JMR – Claro! Por outro lado, há a questão tecnológica, quetem efeitos na falta de tempo, que marca o Jornalismo, marcaa nossa sociedade.EC – É a questão da velocidade…JMR – Acelerámos o tempo. Hoje, não temos tempo paraouvir e para nos expressarmos, porque o outro não temtempo para ouvir. Isso mutila a informação que é precisofazer passar. E tem outra consequência: não há distância. Jáestive em sítios onde decorre uma conferência de imprensa esó oiço teclados. Como é possível?EC – Não podes fazer várias coisas ao mesmo tempo…JMR – Eu vejo pessoas a construírem a notícia à medida queestão a ouvir.Sem reflexão…JMR – Sem reflexão, sem distanciamento, sem esperar pelosdados todos. O mais importante até pode chegar no fim.Tudo isto está a ter influência na nossa forma de trabalhar. Jápara não falar nas redes sociais, com as quais queremos com-petir, o que é uma burrice completa. O jornalismo, nestemomento, está a ser posto à prova. Não sei se a malta se aper-cebe disso. Referes-te ao facto de muita gente fazer jornalismo sem serjornalista? Produzir e, inclusive, distribuir?JMR – Se fazem Jornalismo, não deviam. Temos umaComissão da Carteira e as coisas estão devidamente reguladas.É incontornável: podes fazer uma reportagem sem ser jorna-lista e distribuí-la online.EC – Há sites noticiosos que não são feitos por jornalistas.

MESA--REDONDA

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8|Jan/Abr 2020|JJ

QUE JORNALISMOPRODUZIMOS?Mesa maioritariamente feminina, como hoje são as redações, para falarsobre Jornalismo. Conversa franca e sem filtros na Noticiaria, coworkda Casa da Imprensa. Com José Manuel Rosendo, no batente desde1993, Sofia Frazoa, que começou a carreira em 2000, ano de lançamentoda JJ, Margarida David Cardoso, então uma criança, e ElisabeteCaramelo, que há quase um quarto de século saiu do Jornalismo.

Paulo Martins (texto) José Frade (fotos)

Aprimeira questão é de resposta relativa-mente rápida: qual a principal mudançaque ocorreu no Jornalismo nos últimos20 anos?Margarida David Cardoso (MDC) –Tenho 24 anos, é difícil responder. Queingrato ser eu a começar! Trabalhei no

Público e a principal questão nas nossas conversas era sobre adistância entre jornalistas com 40 anos e com 20. Havia pou-cos com 30. Comecei a perceber que havia grande falta dememória. Com os despedimentos coletivos, os primeiros airem embora foram os mais velhos. Também consideras que a questão central é a falta de memó-ria? Uma vez que já não estás há algum tempo na profissão…Elisabete Caramelo (EC) – Estou há mais tempo a trabalharpara a comunicação do que como jornalista. Estou há 24 anosna comunicação; passei 16 no Jornalismo. Vejo estes 20 anosde fora. Para mim, há duas grandes mudanças. A gestão dosmeios ficou muito mais concentrada na mão de dois ou trêsgrupos económicos. A outra mudança é a feminização, aentrada de tantas mulheres para a profissão.Como se nota nesta mesa, em que estão em maioria.EC – Chego a ter salas de conferências de imprensa ou visitasguiadas em que são só mulheres. Mas essa tendência nãocorresponde à direção dos media. Na chefia intermédia, já hámulheres, mas nas direções não. Fiz as contas: não há umúnico jornal diário dirigido por uma mulher. José Manuel Rosendo (JMR) – No dia-a-dia, há assuntos quenão domino completamente – nomes, por exemplo, nocampo da música, que desconheço. A malta mais nova sabe.A questão geracional é importante também neste aspeto. OJornalismo antigamente era muito construído assim, a crescer

com a memória. Hoje, não. Assisti ao caso de uma pessoa quechegou da universidade e queria ser editora. “Tirei a licencia-tura, por que não?”EC – Porque há um caminho a fazer.JMR – Claro! Por outro lado, há a questão tecnológica, quetem efeitos na falta de tempo, que marca o Jornalismo, marcaa nossa sociedade.EC – É a questão da velocidade…JMR – Acelerámos o tempo. Hoje, não temos tempo paraouvir e para nos expressarmos, porque o outro não temtempo para ouvir. Isso mutila a informação que é precisofazer passar. E tem outra consequência: não há distância. Jáestive em sítios onde decorre uma conferência de imprensa esó oiço teclados. Como é possível?EC – Não podes fazer várias coisas ao mesmo tempo…JMR – Eu vejo pessoas a construírem a notícia à medida queestão a ouvir.Sem reflexão…JMR – Sem reflexão, sem distanciamento, sem esperar pelosdados todos. O mais importante até pode chegar no fim.Tudo isto está a ter influência na nossa forma de trabalhar. Jápara não falar nas redes sociais, com as quais queremos com-petir, o que é uma burrice completa. O jornalismo, nestemomento, está a ser posto à prova. Não sei se a malta se aper-cebe disso. Referes-te ao facto de muita gente fazer jornalismo sem serjornalista? Produzir e, inclusive, distribuir?JMR – Se fazem Jornalismo, não deviam. Temos umaComissão da Carteira e as coisas estão devidamente reguladas.É incontornável: podes fazer uma reportagem sem ser jorna-lista e distribuí-la online.EC – Há sites noticiosos que não são feitos por jornalistas.

MESA--REDONDA

20anos

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JJ|Jan/Abr 2020|9

JMR – Esse é que é o problema. As pessoas não fazem a dis-tinção…EC – Portugal é, infelizmente, um país que não procura sabermais, em que as pessoas recebem passivamente a informação.Mas há uma elite que percebe a diferença. E também consta-to que, a determinada altura o Jornalismo, quis dirigir-se atodos. Hoje, há poucos órgãos de comunicação que dizem:“Nós somos orgulhosamente para a elite que nos compreen-de”. Ter apostado nisso era importante.Vamos ver o que pensa a Sofia, que está noutra posição.Sofia Frazoa (SF) – Eu comecei a estagiar em 2000, no publi-co.pt, e na altura achava que era uma desgraça, porque que-ria era trabalhar no papel e o online não era muito bem visto.Começaste a carreira no ano de lançamento da JJ?Interessante!SF – Na altura, até havia alguma relutância dos jornalistas dopapel em escreverem para o online. O que noto como gran-de diferença é precisamente isso: agora até já se escreve pri-meiro para o online. E as questões económicas… Dantes,havia dinheiro para fazermos reportagem, para sair; depois,comecei a perceber o que nos tinham dito na faculdade: “Hácrise! Não vão conseguir trabalho em Jornalismo!”. Os queconseguiram, constataram a realidade: “O Jornalismo que mevenderam e em que acreditei afinal está a morrer”. Nuncacheguei a fazer o Jornalismo que eu queria fazer quandotinha 7 anos. Por causa da questão da memória e porque nãonos foi permitido – isto acelerou muito – parar para pensar,ouvir, ir aos sítios. Tínhamos de fazer tudo. Senti uma desilu-são muito grande. Isto é um bocado dramático.O Jornalismo surpreendeu-te por não corresponder àsexpectativas?SF – Sim, porque depois começou a “descambar”. Nós escre-

vemos para tudo.Essa questão cada vez se coloca nos media. Há massificação,ninguém é especialista em nada e toda a gente acompanhatudo. EC – Quando entrei no Jornalismo, em 1985, na ANOP, tam-bém não havia especialistas. Ainda aprendi com o RobyAmorim. Lembro-me de começarmos depois, na rádio, ainventar a história dos especialistas. Nós fazíamos tudo!JMR – Percebo que as redações não tenham capacidade para terpessoas dedicadas a determinadas áreas em exclusivo, mas isso émuito importante. Recordo-me de um caso que teve a ver com oantigo presidente, Cavaco Silva. Numa roda de jornalistas, ques-tionaram-nos sobre as ações do BPN e respondeu: “O senhortambém podia ter comprado, como eu comprei”. Mais tarde, umcamarada da área disse-me: “O Cavaco enganou toda a gente,porque as ações não estavam em bolsa. Só comprava quem eraconvidado pelo BPN”. Pôde dizer aquilo perante jornalistas quenão percebiam nada do assunto.EC – Eu cobri durante dois anos a Câmara de Lisboa e sabiatudo. SF – Às vezes questionava-me, no meio de uma conferênciade Imprensa: “Tive de vir para aqui, mas não acompanheieste tema”. Para nós, isso é mau. E quanto mais souber, maisperguntas certas faço e mais esclareço o público.EC – Quando cheguei ao Jornalismo, ir para a rua não erauma vergonha; era uma bênção. Não íamos fazer de pé demicrofone; queríamos ir mesmo ao encontro da notícia. Oque vejo agora é que ir para a rua, às vezes, é encarado comouma chatice.MDC – Porque é parar o que estás a fazer e sabes que quan-do voltares tens de acabar uma série de coisas.EC – E porque às vezes vai a pessoa menos preparada. Como

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os outros não querem ir, vai o estagiário.MDC – Ainda ontem estava a ver a conferên-cia de Imprensa da diretora-geral da Saúde,imenso tempo a responder a questões que jáforam respondidas dias antes, porque, se ca-lhar, está ali um jornalista que chegou emcima da hora. Qual é o serviço público daqui-lo?. O principal problema é não haver jorna-listas suficientes para cobrir as várias áreas.Não é culpa do jornalista, nem do editor.JMR – A decadência da qualidade de infor-mação afasta as pessoas.MDC – É um ciclo vicioso. Há bocado falá-mos da rapidez. O jornalismo tornou-se maisrápido por causa da internet. A internet exi-giu-o ou o Jornalismo achou que tinha de res-ponder a isso? As pessoas querem realmenteter uma “última hora” a todo o momento?Estaremos a criar apetências de consumoque não existem?MDC – Eu tenho essa dúvida. Atirar umanotícia que diz “a ministra disse isto”, semqualquer tipo de contexto, sem relacionar como que aconteceu no dia anterior… As pessoasquerem isso? Acho que não. Discute-se se aspessoas querem ler um artigo com duas outrês páginas e quando vamos ver entre osmais lidos da semana estão lá esses artigos. Parece que hápudor de tentar perceber o que as pessoas estão à procura.SF – Na redação, havia muito aquela ideia de que os outros[órgãos] têm a matéria e nós ainda não. Nem que seja umalinha, temos de dar qualquer coisa sobre o assunto. Põe “ematualização” e logo se vê...EC – Tem a ver sobretudo com o facto de querermos ser todos

iguais. O mimetismo é tramado.Tem a ver com a sociedade de con-sumo – se não tenho um carroigual ao vizinho, sou um pobreta-nas. O Jornalismo não está fora dasociedade. Mas também destaconestes 20 anos o aparecimento deprojetos mais pequenos, masalternativos. E mais freelancers atrabalhar. Não são só coisas nega-tivas… O mimetismo tambémtem a ver com o facto de oJornalismo estar muito dominadopela ideia de entretenimento e devenda. O jornalista não tem de sepreocupar em vender jornais, masem fazer bem as noticias, investi-gar, escrever. Mas, hoje, qual é odiretor que não está preocupadocom a venda do seu jornal?Se há cada vez mais mimetismo,estamos a representar mesmo asociedade?JMS – Se calhar, não. O problemado mimetismo passa muito pelasredações reduzidas e pelo factode os jornalistas que lá trabalham

terem todas as mesmas fontes. Todos recebem informaçãodas mesmas agências de comunicação, todos ligam para osmesmos assessores. Não conseguimos sair disto, anda tudo àvolta das agendas institucionais. Até há pouco tempo – as coi-sas estão a mudar – considerava-me um privilegiado, porqueainda podia ir aqui e ali fazer coisas diferentes. As minhaspropostas, agora, “batem todas na trave”. E nem é por não

MESA--REDONDA Que jornal ismo produzimos?

20anos

JOSÉ MANUEL ROSENDOLicenciado e mestre emRelações Internacionais, éjornalista da Antena 1 desde1993. Cobriu conflitos bélicosno Afeganistão, Egipto, Iraque,Israel, Líbano, Líbia, TerritóriosPalestinianos, Paquistão,Ucrânia, Turquia e Síria. Éautor das obras “De Istambul aNassíria – Crónicas da guerrano Iraque” e “Primavera Árabe– Ascensão e queda daIrmandade Muçulmana noEgipto”. Conquistou o PrémioGazeta de Rádio em 2011, comum conjunto da reportagensrealizadas na Líbia, aquandoda queda do regime deKadhafi.

“O problema domimetismo passa muitopelas redações reduzidase pelo facto de osjornalistas que látrabalham terem todas asmesmas fontes. Todosrecebem informação dasmesmas agências decomunicação, todosligam para os mesmosassessores”

“Acredito que as pessoasvão voltar a valorizar oJornalismo. As redessociais são muitobonitas, mas haverá ummomento em que aspessoas vão perceber:“Ok, divirto-me com osamigos, escrevo umaslarachas, mas quandoquiser estar informado...”

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os outros não querem ir, vai o estagiário.MDC – Ainda ontem estava a ver a conferên-cia de Imprensa da diretora-geral da Saúde,imenso tempo a responder a questões que jáforam respondidas dias antes, porque, se ca-lhar, está ali um jornalista que chegou emcima da hora. Qual é o serviço público daqui-lo?. O principal problema é não haver jorna-listas suficientes para cobrir as várias áreas.Não é culpa do jornalista, nem do editor.JMR – A decadência da qualidade de infor-mação afasta as pessoas.MDC – É um ciclo vicioso. Há bocado falá-mos da rapidez. O jornalismo tornou-se maisrápido por causa da internet. A internet exi-giu-o ou o Jornalismo achou que tinha de res-ponder a isso? As pessoas querem realmenteter uma “última hora” a todo o momento?Estaremos a criar apetências de consumoque não existem?MDC – Eu tenho essa dúvida. Atirar umanotícia que diz “a ministra disse isto”, semqualquer tipo de contexto, sem relacionar como que aconteceu no dia anterior… As pessoasquerem isso? Acho que não. Discute-se se aspessoas querem ler um artigo com duas outrês páginas e quando vamos ver entre osmais lidos da semana estão lá esses artigos. Parece que hápudor de tentar perceber o que as pessoas estão à procura.SF – Na redação, havia muito aquela ideia de que os outros[órgãos] têm a matéria e nós ainda não. Nem que seja umalinha, temos de dar qualquer coisa sobre o assunto. Põe “ematualização” e logo se vê...EC – Tem a ver sobretudo com o facto de querermos ser todos

iguais. O mimetismo é tramado.Tem a ver com a sociedade de con-sumo – se não tenho um carroigual ao vizinho, sou um pobreta-nas. O Jornalismo não está fora dasociedade. Mas também destaconestes 20 anos o aparecimento deprojetos mais pequenos, masalternativos. E mais freelancers atrabalhar. Não são só coisas nega-tivas… O mimetismo tambémtem a ver com o facto de oJornalismo estar muito dominadopela ideia de entretenimento e devenda. O jornalista não tem de sepreocupar em vender jornais, masem fazer bem as noticias, investi-gar, escrever. Mas, hoje, qual é odiretor que não está preocupadocom a venda do seu jornal?Se há cada vez mais mimetismo,estamos a representar mesmo asociedade?JMS – Se calhar, não. O problemado mimetismo passa muito pelasredações reduzidas e pelo factode os jornalistas que lá trabalham

terem todas as mesmas fontes. Todos recebem informaçãodas mesmas agências de comunicação, todos ligam para osmesmos assessores. Não conseguimos sair disto, anda tudo àvolta das agendas institucionais. Até há pouco tempo – as coi-sas estão a mudar – considerava-me um privilegiado, porqueainda podia ir aqui e ali fazer coisas diferentes. As minhaspropostas, agora, “batem todas na trave”. E nem é por não

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JOSÉ MANUEL ROSENDOLicenciado e mestre emRelações Internacionais, éjornalista da Antena 1 desde1993. Cobriu conflitos bélicosno Afeganistão, Egipto, Iraque,Israel, Líbano, Líbia, TerritóriosPalestinianos, Paquistão,Ucrânia, Turquia e Síria. Éautor das obras “De Istambul aNassíria – Crónicas da guerrano Iraque” e “Primavera Árabe– Ascensão e queda daIrmandade Muçulmana noEgipto”. Conquistou o PrémioGazeta de Rádio em 2011, comum conjunto da reportagensrealizadas na Líbia, aquandoda queda do regime deKadhafi.

“O problema domimetismo passa muitopelas redações reduzidase pelo facto de osjornalistas que látrabalham terem todas asmesmas fontes. Todosrecebem informação dasmesmas agências decomunicação, todosligam para os mesmosassessores”

“Acredito que as pessoasvão voltar a valorizar oJornalismo. As redessociais são muitobonitas, mas haverá ummomento em que aspessoas vão perceber:“Ok, divirto-me com osamigos, escrevo umaslarachas, mas quandoquiser estar informado...”

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haver dinheiro, é porque a redação temmenos gente. Sofia, representamos a sociedade ou não?SF – É uma questão que se tem colocado;basta ver o que tem mais audiências e o queas pessoas compram mais. Nessa ótica, esta-mos a dar a sociedade o que ela quer, porquesenão as pessoas procuram alternativas. Osmeios com mais expressão e audiências são osque sabemos: CMTV, Correio da Manhã (CM).Se não déssemos aquilo e déssemos outracoisa, será que era consumida?EC – Uma provocação: acho que o CM nuncamudou muito o seu estilo.SF – Mas as pessoas consomem.EC –… Os jornalistas são diferentes, mas oformato não é muito diferente do velho CM.JMR – Não é mais sensacionalista? Podemexistir jornais populares, de leitura fácil. Masdaí a ser sensacionalista vai uma distância.EC – O CM sempre foi um bocadinho popu-lar e, às vezes, sensacionalista.MDC – Há uma diferença entre ser acessível e ser paternalis-ta, sensacionalista ou tratar as pessoas como burras.SF – Mas oiço as pessoas dizerem: “Queres saber o que acon-teceu? Liga a CMTV, que eles têm lá um repórter e dizem-tetudo”.EC – É esse o modelo.Sim, mas isso também significa que transforma tudo emnoticia. “Estamos lá!”EC – Não estou a comentar se é bom ou mau o conteúdo,estou a comentar o modelo. A ideia de que “estamos semprelá” – um pouco como o presidente da República – é bastantepopular. É uma ideia que as pessoas têm do Jornalismo.

SF – Mas a um velório ou umfuneral não vais com um microfo-ne. Há questões éticas envolvidas.JMR – Em qualquer acidente, sejaonde for, aparece o CM. Porquê?Porque têm uma rede. Pagammiseravelmente aos jornalistas,mas entregam-lhes uma câmara.E depois telefonam: “Aconteceuisto, vai para lá”. Se vai, tudo bem;se não vai, está o caldo entornado.A informação transmitida àsvezes vale zero, mas estão lá…SF – As pessoas, se quiserem, têmalternativas.Sabemos que um órgão de comu-nicação popular ou sensaciona-lista tem mais êxito comercial. Seos outros tentam ser iguais,quem ganha é sempre quem temesse modelo.

EC – Não são todos iguais. Quando vejo televisão, escolho aRTP ou a RTP 2. Sou fã do jornal da 2, porque só dura meiahora. Só tem as noticias que quero ver. JMR – E tem tempo para a entrevista.EC – Tem tempo para tudo.JMR – Na rádio e na televisão, há uma opção perigosa –tenho-me batido contra isso, mas sinto que um bocadinhosozinho: é o abraço que o entretenimento dá à informação.Os jornalistas, às vezes, deixam-se envolver. Há assuntos queentram, por exemplo, no telejornal que não deviam lá estar,pura e simplesmente. EC – Às tantas, parece que os jornalistas falam em circuitofechado. Em Belém, às vezes, tínhamos histórias muito engra-

ELISABETE CARAMELOLicenciada em ComunicaçãoSocial, foi jornalista durante 16anos. Após estágio na extintaagência ANOP, colaborou emjornais e revistas e natelevisão. Membro do núcleofundador da TSF, onde chegoua ser editora-chefe, abandonoua profissão em 1996, passandoa consultora para aComunicação Social dopresidente da República JorgeSampaio. Diretora deComunicação da FundaçãoCalouste Gulbenkian desde2016, é professora convidadado ISCTE e faz parte do júridos prémios Gazeta, atribuídospelo Clube de Jornalistas.

“Quando cheguei aoJornalismo, ir para a ruanão era uma vergonha;era uma bênção (…) Oque vejo agora é que irpara a rua, às vezes, éencarado como umachatice”

“O futuro passa muitopor trabalhar em equipa –não no interior dospróprios jornais, masentre jornalistas, que têmde começar a trocar maisexperiências entre eles,produzir em conjunto”

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çadas, de que informava um ou outro jornalista. “Há ali umasenhora com uma história de vida fantástica, que não temnada a ver com o presidente da República. Queriam lá saber...Se saía do by the book…. Mas isto é um aparte. Agora, se oJornalismo representa a sociedade? Não sei muito bem o queé a sociedade hoje.É suposto que os media nos ajudem a compreendê-la.EC – Estamos em tempos difíceis. Um dia, estava ler aNewsweek, ainda na sua velha edição em papel. Comecei a fo-lhear e aparecia o Bolsonaro, o Trump, o Erdogan, o Putin.Pensei…… Quando é que chega a página da democracia… (risos)EC – Era um artigo sobre cada um deles. Pensei: “O que é omundo hoje?”. Portanto, não sei se o jornalismo representa asociedade. Não sei o que é a sociedade.A nível nacional, abordamos as realidades de Lisboa, doPorto e pouco mais…MDC – É isso que ia dizer. Há um problema de pluralismopor uma questão geográfica. Estamos a trabalhar de Lisboa,um bocadinho do Porto – onde está o JN, o Público e outrosjornais têm redações mais pequenas, e estão as televisões.Depois, o CM tem essa opção de ir sempre lá. Mas será querepresenta os problemas das pessoas? Além dos acidentes edos homicídios, a realidade do interior do país não é propria-mente relatada pela Comunicação Social.Quando há, incêndios é…MDC – Exato. Se há um x número de notícias sobre a Guarda,fico sem saber se isso representa o que se passa, sendo as notí-cias só sobre crime ou acidentes. E o problema de as redaçõesterem pessoas da mesma idade é que a dada altura abordamos mesmos temas. Lembro-me de a certa altura, no Público,terem sido feitos numa semana vários artigos sobre crianças.Porque muitas pessoas da editoria de Sociedade tinham aca-bado de ser mães. As redações são pequenas e feitas por pes-soas. O Jornalismo, por muito imparcial que tente ser, é sem-pre parcial, porque comporta uma decisão editorial. Como éque se gere isto? Se um incêndio se vê da redação, recebe-seuma notificação de incêndio em Lisboa.EC – Levei muito na cabeça quando fui para o Porto trabalhar.Nessa altura, tive a noção do que era ser jornalista em Lisboa.MDC – Lembro-me perfeitamente da trip coletiva que foi ofecho do viaduto de Alcântara durante meses. Recebi imen-sas notificações a dizer que estava aberto.JMR – Às vezes, não nos distanciamos. A Antena 1 e a RTPtêm um produto bom, o “Portugal em Direto”, que podia sermuito melhor. E não é por muitas vezes descambar para ofaits divers – para o festival dos queijos. Essa componentepode lá estar, mas falta o resto. Perdemos uma série de corres-pondentes…EC – Falta tempo para ir à procura das coisas. O jornalismohoje está muito de agenda, porque as pessoas estão muitolimitadas e, também, porque a agenda é muito grande.JMR – Cobrem-se acontecimentos que se sabe que não fa-lham – o tal festival nunca falha. Se andares a investigar algomais completo, que não sabes quanto tempo vais demorar –

e até podes chegar ao fim e não teres nada – como fazes? Senão tens jornalistas na redação…EC – Vou lançar aqui uma grande provocação, um pouco con-tra o meu trabalho: há 20 anos, não havia muitas assessoriasde Imprensa. E não havia tantos jornalistas a fazerem assesso-ria. A agenda aumentou e os jornalistas são solicitados porimensas coisas – umas muito boas, outras só obrigatórias. Nãotêm tempo para fazer mais nada! Se as agendas dos media sãotão pesadas, isso também ocorre porque do outro lado estámuita gente disponível para ajudar os jornalistas.MDC – O trabalho de elaboração da agenda já não é feito.Nos jornais diários, quem está a editar, a fechar a ediçãoimpressa, a controlar o online, a ver o que está a “cair” naLusa e a corrigi textos ainda tem de ver o que vai pôr os jor-nalistas a fazer no dia seguinte. É uma total loucura! Claroque, depois, há erros e facilita-se o trabalho de quem entregauma ideia completamente feita de uma agência de comunica-ção. Se calhar, é tentador…Que perceção tens destas coisas, Sofia, tu que não estás dire-tamente numa redação?SF – Ando mais preocupada com as questões do SEO [SearchEngine Optimization, mecanismo de otimização de buscas nainternet], que também se colocam: como escrevo um texto quecontenha as palavras-chave que a empresa de SEO verificouserem as mais pesquisadas naquele site? Temos de perceber, sefoi mais procurado o tema do coronavírus, como podemosencontrar uma segunda palavra-chave que nos leve a sermosos primeiros na pesquisa. Vocês podem dizer-me: “será queisto é Jornalismo?”. Mas já nos são colocadas estas questões. Isso é jornalismo, mas não torna a abordagem muito “mecâ-nica”?SF – São ao parâmetros do Google. Se o título não tiver certascaracterísticas, a notícia já não aparece em primeiro lugar.Temos de otimizar o texto. Isso já tem de entrar na equaçãoquando escrevemos. Estava a pensar na questão da represen-tação da sociedade. Trabalhei no Rádio Clube, que foi assumi-damente uma rádio de palavra e não funcionou. Se alguémarriscar, até perder dinheiro, para dar algo diferente, será quepega? Talvez nem se experimente por causa disso.Passando a outro tema: é necessário pensarmos em apoio doEstado aos media ou recusamos em absoluto?SF – Apoio do Estado como? Temos órgãos que o Estado jáapoia.JMR – Sou o mais suspeito no meio disto… (risos)Não estou a falar de propriedade dos meios, mas de apoiofinanceiro.EC – Do apoio que o presidente da República chegou adefender, não é?JMR – Deixa-me, antes disso, lançar outro assunto, que mepreocupa terrivelmente: o Jornalismo a convite. Há umaépoca do ano em que temos várias reportagens sobre as fei-ras de calçado de Milão, porque os jornalistas vão a convite.SF – Mas surge a indicação: “O Público viajou…”JMR – Isso coloca várias questões. Primeiro, o jornalista estáocupado, não pode fazer outras tarefas; segundo, é muito

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çadas, de que informava um ou outro jornalista. “Há ali umasenhora com uma história de vida fantástica, que não temnada a ver com o presidente da República. Queriam lá saber...Se saía do by the book…. Mas isto é um aparte. Agora, se oJornalismo representa a sociedade? Não sei muito bem o queé a sociedade hoje.É suposto que os media nos ajudem a compreendê-la.EC – Estamos em tempos difíceis. Um dia, estava ler aNewsweek, ainda na sua velha edição em papel. Comecei a fo-lhear e aparecia o Bolsonaro, o Trump, o Erdogan, o Putin.Pensei…… Quando é que chega a página da democracia… (risos)EC – Era um artigo sobre cada um deles. Pensei: “O que é omundo hoje?”. Portanto, não sei se o jornalismo representa asociedade. Não sei o que é a sociedade.A nível nacional, abordamos as realidades de Lisboa, doPorto e pouco mais…MDC – É isso que ia dizer. Há um problema de pluralismopor uma questão geográfica. Estamos a trabalhar de Lisboa,um bocadinho do Porto – onde está o JN, o Público e outrosjornais têm redações mais pequenas, e estão as televisões.Depois, o CM tem essa opção de ir sempre lá. Mas será querepresenta os problemas das pessoas? Além dos acidentes edos homicídios, a realidade do interior do país não é propria-mente relatada pela Comunicação Social.Quando há, incêndios é…MDC – Exato. Se há um x número de notícias sobre a Guarda,fico sem saber se isso representa o que se passa, sendo as notí-cias só sobre crime ou acidentes. E o problema de as redaçõesterem pessoas da mesma idade é que a dada altura abordamos mesmos temas. Lembro-me de a certa altura, no Público,terem sido feitos numa semana vários artigos sobre crianças.Porque muitas pessoas da editoria de Sociedade tinham aca-bado de ser mães. As redações são pequenas e feitas por pes-soas. O Jornalismo, por muito imparcial que tente ser, é sem-pre parcial, porque comporta uma decisão editorial. Como éque se gere isto? Se um incêndio se vê da redação, recebe-seuma notificação de incêndio em Lisboa.EC – Levei muito na cabeça quando fui para o Porto trabalhar.Nessa altura, tive a noção do que era ser jornalista em Lisboa.MDC – Lembro-me perfeitamente da trip coletiva que foi ofecho do viaduto de Alcântara durante meses. Recebi imen-sas notificações a dizer que estava aberto.JMR – Às vezes, não nos distanciamos. A Antena 1 e a RTPtêm um produto bom, o “Portugal em Direto”, que podia sermuito melhor. E não é por muitas vezes descambar para ofaits divers – para o festival dos queijos. Essa componentepode lá estar, mas falta o resto. Perdemos uma série de corres-pondentes…EC – Falta tempo para ir à procura das coisas. O jornalismohoje está muito de agenda, porque as pessoas estão muitolimitadas e, também, porque a agenda é muito grande.JMR – Cobrem-se acontecimentos que se sabe que não fa-lham – o tal festival nunca falha. Se andares a investigar algomais completo, que não sabes quanto tempo vais demorar –

e até podes chegar ao fim e não teres nada – como fazes? Senão tens jornalistas na redação…EC – Vou lançar aqui uma grande provocação, um pouco con-tra o meu trabalho: há 20 anos, não havia muitas assessoriasde Imprensa. E não havia tantos jornalistas a fazerem assesso-ria. A agenda aumentou e os jornalistas são solicitados porimensas coisas – umas muito boas, outras só obrigatórias. Nãotêm tempo para fazer mais nada! Se as agendas dos media sãotão pesadas, isso também ocorre porque do outro lado estámuita gente disponível para ajudar os jornalistas.MDC – O trabalho de elaboração da agenda já não é feito.Nos jornais diários, quem está a editar, a fechar a ediçãoimpressa, a controlar o online, a ver o que está a “cair” naLusa e a corrigi textos ainda tem de ver o que vai pôr os jor-nalistas a fazer no dia seguinte. É uma total loucura! Claroque, depois, há erros e facilita-se o trabalho de quem entregauma ideia completamente feita de uma agência de comunica-ção. Se calhar, é tentador…Que perceção tens destas coisas, Sofia, tu que não estás dire-tamente numa redação?SF – Ando mais preocupada com as questões do SEO [SearchEngine Optimization, mecanismo de otimização de buscas nainternet], que também se colocam: como escrevo um texto quecontenha as palavras-chave que a empresa de SEO verificouserem as mais pesquisadas naquele site? Temos de perceber, sefoi mais procurado o tema do coronavírus, como podemosencontrar uma segunda palavra-chave que nos leve a sermosos primeiros na pesquisa. Vocês podem dizer-me: “será queisto é Jornalismo?”. Mas já nos são colocadas estas questões. Isso é jornalismo, mas não torna a abordagem muito “mecâ-nica”?SF – São ao parâmetros do Google. Se o título não tiver certascaracterísticas, a notícia já não aparece em primeiro lugar.Temos de otimizar o texto. Isso já tem de entrar na equaçãoquando escrevemos. Estava a pensar na questão da represen-tação da sociedade. Trabalhei no Rádio Clube, que foi assumi-damente uma rádio de palavra e não funcionou. Se alguémarriscar, até perder dinheiro, para dar algo diferente, será quepega? Talvez nem se experimente por causa disso.Passando a outro tema: é necessário pensarmos em apoio doEstado aos media ou recusamos em absoluto?SF – Apoio do Estado como? Temos órgãos que o Estado jáapoia.JMR – Sou o mais suspeito no meio disto… (risos)Não estou a falar de propriedade dos meios, mas de apoiofinanceiro.EC – Do apoio que o presidente da República chegou adefender, não é?JMR – Deixa-me, antes disso, lançar outro assunto, que mepreocupa terrivelmente: o Jornalismo a convite. Há umaépoca do ano em que temos várias reportagens sobre as fei-ras de calçado de Milão, porque os jornalistas vão a convite.SF – Mas surge a indicação: “O Público viajou…”JMR – Isso coloca várias questões. Primeiro, o jornalista estáocupado, não pode fazer outras tarefas; segundo, é muito

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difícil que não fique um pouco condicionado. O leitor ououvinte mais atento ficam de pé atrás. Mais: ocupa espaço noórgão de comunicação, que não é eventualmente ocupadopor outras noticias. E ainda há outro problema: os refugiados,por exemplo, não convidam jornalistas.MDC – Sim. E quem é que tomou a decisão de ir?JMR – O que estou a dizer é que há muitas situações em queninguém convida jornalistas.E mesmo quanto aos projetos em que são feitas reportagensem função do interesse declarado de um determinado núme-ro de leitores/ouvintes dispostos a patrocinar eu tenho muitasdúvidas. Porque não sei o que está por trás dessa intenção…Há modelos em que um conjunto de entidades contribuipara um “bolo” e não tem nenhuma influência na maneiracomo se gasta o dinheiro.EC – Isso não é jornalismo a convite.Sim, mas o Rosendo estava a referir-se a patrocínios indire-tos, digamos assim…SF – No Público, também fiz reportagens a convite. Mas, alémda referência, não nos obrigavam a nada. Era dito pelo meueditor: “Só escreves o que tens a escrever”.EC – Supostamente, deveria ser assim. O jornalista vai e decide.MDC – Mas a questão é anterior: quem decidiu ir? Se nãohouvesse aquele convite, ía-se na mesma, aquilo era matérianoticiável? SF – Na maior parte dos casos, era. Só que, às vezes, a ques-tão era diferente: de outra forma, não vamos financiar.JMR – Essa é a história do “não há alternativa”. Há semprealternativa!SF – Se queremos fazer determinada reportagem – nestecaso, estou mais a falar do [caderno] Fugas, de reportagensnum hotel ou de uma viagem – sabemos que de outra manei-ra não é possível. “Vais, mas não te sentes condicionada”.Claro que não é assim tão linear. Se noticiaríamos, mas é umaoportunidade de ir, a questão é se, não existindo convite, ainformação deixa de ser dada.EC – Sempre houve jornalistas a convite, nomeadamente dopresidente da República e do primeiro-ministro, em viagensoficiais. Debatemos muito a questão em Belém. Pensou-se emacabar com isso, mas os órgãos de comunicação não tinhammeios. Se o avião era fretado pelo Estado Português, seriaidiota o jornalista pagar…Mas o alojamento…EC – Não pagávamos alojamento, na altura. O convite era sópara a viagem; o resto assegurava o órgão de comunicação.Mas no tempo do presidente Soares era tudo pago. Depois éque começou a fazer-se assim, exatamente por causa dessaquestão: o jornalista não tem de se sentir obrigado.MDC – Pode ir e não escrever, não é?EC – Podia não escrever. Aliás, acontecia de tudo. Convites deempresas, também existem há muito anos. O editor é quedeve dizer ao jornalista que pode não haver notícia ou podenão ser a notícia que quem convida quer.O jornalista tem de se sentir confortável...JMR – A questão é que são sempre as grandes empresas a

convidar.EC – No futebol, os jornalistas vão muitas vezes a convite.SF – Mas imagina que não escreves nada, porque achas quenão se justifica. Depois, se calhar, não és mais convidada. Issoentra tudo em ponderação.EC – A mim, aconteceu-me isso: não fiz crónicas e nunca maisfui convidada. Em relação ao apoio do Estado, acho que nãodeve haver, a não ser no caso dos órgãos públicos. Deve haveroutra maneira de apoiar o jornalismo. A Fundação[Gulbenkian] criou as bolsas e estamos a pensar noutras fór-mulas, mas já é altura de os jornalistas começarem a preparar-se para explorar outras formas de fazer Jornalismo. Há exem-plos internacionais. Temos jornalistas portugueses a trabalha-rem em grupos. O Estado não devia ir além do apoio quepresta ao serviço público.Qual a tua opinião, Margarida?MDC – Não tenho uma resposta definida. Olho com algumadesconfiança e ceticismo para o apoio do Estado, da mesmaforma que olho com desconfiança e ceticismo para o apoio degrandes empresas, do grande capital. A haver – por se reco-nhecer que há uma crise numa importante estrutura nademocracia –, teria de ser regulado e igual para todos.Implicaria que o Estado também apoiasse um CM. Comoseria isso feito, não faço ideia! Na minha ótica, teria de serigual para todos e completamente transparente. Mas tambémnão acho que o futuro do Jornalismo seja um modelo apoia-do na publicidade e nos grupos económicos.Há modelos que garantem alguma transparência. Na Áustriao apoio é dado em função do número de jornalistas, incluin-do de correspondentes no estrangeiro. É um critério objetivo.MDC – A existir, teria de ser um modelo desse tipo.Em França, onde o Estado atribui subsídios há anos, começoua perceber-se que, com a concentração empresarial, o dinhei-ro ia parar aos grandes grupos. Estão a tentar mudar e umadas decisões foi determinar que os órgãos que não têm umcódigo deontológico próprio perdem acesso a subsídios.EC – Deste dois exemplos que não têm nada a ver comPortugal. É por isso que acho que em Portugal não deve haverapoio do Estado.JMR – Houve um fenómeno interessante, em Portugal, e nãosó: os jornais gratuitos. Na minha perspetiva, encerram umaquestão clara de concorrência desleal, que parece que nãoaborreceu ninguém.A prazo, esse fenómeno acabou por ter um efeito: “Se é deborla, não vale nada”.EC – É o que as pessoas, em geral, acham.É como a publicidade do supermercado.JMR – Não é bem assim! Repara: contra mim falo. Em 1998,fundámos o Jornal do Pinhal Novo, gratuito quando todos osoutros eram pagos. A Câmara de Palmela, no dia em que ojornal saía tinha uma carrinha à porta da redação para levaro jornal. Era uma espécie… Era O Independente lá de Palmela.Sendo gratuito, não era tão mau assim. (risos)JMR – Não me chocaria que o Estado apoiasse órgãos decomunicação, mas as regras têm de ser muito claras. Admito

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que não seja fácil encontrar uma grelha devalores e de condições. Mas não gostaria queos apoios do Estado fossem parar aos bolsosdos acionistas. Estou a falar de apoios parainvestimento na estrutura dos órgãos decomunicação – em jornalistas, em tecnolo-gias. Não podendo existir injeção direta dedinheiro, pode haver outro tipo de apoios,como o porte pago.Um dos países que mais apoia a Imprensachama-se Estados Unidos. Pela via fiscal.EC – Está bem, se for um apoio indireto…JMR – O Jornalismo não pode ser encaradocomo uma atividade normal e, ao mesmotempo, dizer-se que é um pilar fundamentalda Democracia.Ou seja, defender que o setor não pode pen-sar sobretudo no lucro e depois dizer “des-enrasquem-se!”.JMR – Há um pormenor que faz toda a dife-rença. Eu não sei como é que isto se resolve,se calhar não se resolve, porque são realidades diferentes.Mas falaste em França e eu gosto muito de saber que há emFrança diretores de jornais eleitos pela redação. Não é a admi-nistração que chega e impõe o diretor.EC – Em Inglaterra também.JMR – Isso faz toda a diferença!Em Espanha, vários órgãos têm acordos subscritos por acio-nistas e diretores. São os chamados estatutos de redação: nóstemos estes deveres e vocês têm estes deveres. Não podehaver intromissão dos acionistas em determinadas situaçõ-es, noutras pode.JMR – Estou convencido que hoje, em Portugal, o diretor émais um gestor do que um diretor de informação.SF – E que responde a administrações e não defende, pro-

priamente, os seus profissionais.Como alguém dizia: em vez deser o representante dos jornalis-tas na administração é um repre-sentante da administração naredação.MDC – Porque também lhe éimputada a responsabilidade devender aquele produto. ADireção Editorial é muitas vezesmais uma direção de Marketingou de vendas do que uma defen-sora do estatuto editorial.JMR – Eu conheço uma empresaem que já quiseram juntar oMarketing com a redação. Houvealguém com o atrevimento de teressa brilhante ideia!MDC – Ainda sobre o apoio doEstado: a existir, não deveria ali-mentar os problemas do sistema.

Por exemplo: já se falou várias vezes na possibilidade de bol-sas, de apoios pontuais... Muitos desses modelos vão conti-nuar a sustentar a precarização dos jornalistas, os clics, o cres-cimento sustentado no querer entrar primeiro e mais rápido.Teria de se arranjar um mecanismo não que resolvesse, maspelo menos que não alimentasse estes problemas.Ainda não te pronunciaste sobre isto, Sofia...SF – É muito complicado. Eu assisti a estas questões de dire-tores nomeados por grupos económicos e à pressão que nosera feita. Nunca trabalhei em redações de órgãos do Estado,não sei que tipo de pressões existe aí, mas acho que podia serestudado um modelo intermédio. Pressões como “não podescitar este jornal espanhol”, porque a empresa detém outrojornal espanhol condicionam qualquer trabalho. Mas sería-

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20anos

MARGARIDA DAVID CARDOSOO Jornal Universitário doPorto, cuja direção chegou aassumir, foi a sua porta deentrada na profissão.Licenciada em Ciências daComunicação, trabalhou entre2013 e 2016 na JornalismoPorto Net. Transferiu-se entãopara os quadros do jornalPúblico: inicialmente nainformação local, passou paraa área da sociedade. Areportagem “A noite do fim domundo”, sobre as cheias de1967, publicada na revista P2,valeu-lhe o prémio GazetaRevelação 2017. Trocou, em2019, o Público pelo Fumaça.

“O jornalismo tornou-semais rápido por causa dainternet. A internet exigiu--o ou o Jornalismo achouque tinha de respondera isso? As pessoasquerem realmente teruma ‘última hora’ a todoo momento?”

“O que aconteceria setodos os jornalistas queparecem concordar emrelação à falta de tempo,que entendem que omodelo devia serdiferente, tivessem algumpoder de decisão?”

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que não seja fácil encontrar uma grelha devalores e de condições. Mas não gostaria queos apoios do Estado fossem parar aos bolsosdos acionistas. Estou a falar de apoios parainvestimento na estrutura dos órgãos decomunicação – em jornalistas, em tecnolo-gias. Não podendo existir injeção direta dedinheiro, pode haver outro tipo de apoios,como o porte pago.Um dos países que mais apoia a Imprensachama-se Estados Unidos. Pela via fiscal.EC – Está bem, se for um apoio indireto…JMR – O Jornalismo não pode ser encaradocomo uma atividade normal e, ao mesmotempo, dizer-se que é um pilar fundamentalda Democracia.Ou seja, defender que o setor não pode pen-sar sobretudo no lucro e depois dizer “des-enrasquem-se!”.JMR – Há um pormenor que faz toda a dife-rença. Eu não sei como é que isto se resolve,se calhar não se resolve, porque são realidades diferentes.Mas falaste em França e eu gosto muito de saber que há emFrança diretores de jornais eleitos pela redação. Não é a admi-nistração que chega e impõe o diretor.EC – Em Inglaterra também.JMR – Isso faz toda a diferença!Em Espanha, vários órgãos têm acordos subscritos por acio-nistas e diretores. São os chamados estatutos de redação: nóstemos estes deveres e vocês têm estes deveres. Não podehaver intromissão dos acionistas em determinadas situaçõ-es, noutras pode.JMR – Estou convencido que hoje, em Portugal, o diretor émais um gestor do que um diretor de informação.SF – E que responde a administrações e não defende, pro-

priamente, os seus profissionais.Como alguém dizia: em vez deser o representante dos jornalis-tas na administração é um repre-sentante da administração naredação.MDC – Porque também lhe éimputada a responsabilidade devender aquele produto. ADireção Editorial é muitas vezesmais uma direção de Marketingou de vendas do que uma defen-sora do estatuto editorial.JMR – Eu conheço uma empresaem que já quiseram juntar oMarketing com a redação. Houvealguém com o atrevimento de teressa brilhante ideia!MDC – Ainda sobre o apoio doEstado: a existir, não deveria ali-mentar os problemas do sistema.

Por exemplo: já se falou várias vezes na possibilidade de bol-sas, de apoios pontuais... Muitos desses modelos vão conti-nuar a sustentar a precarização dos jornalistas, os clics, o cres-cimento sustentado no querer entrar primeiro e mais rápido.Teria de se arranjar um mecanismo não que resolvesse, maspelo menos que não alimentasse estes problemas.Ainda não te pronunciaste sobre isto, Sofia...SF – É muito complicado. Eu assisti a estas questões de dire-tores nomeados por grupos económicos e à pressão que nosera feita. Nunca trabalhei em redações de órgãos do Estado,não sei que tipo de pressões existe aí, mas acho que podia serestudado um modelo intermédio. Pressões como “não podescitar este jornal espanhol”, porque a empresa detém outrojornal espanhol condicionam qualquer trabalho. Mas sería-

MESA--REDONDA Que jornal ismo produzimos?

20anos

MARGARIDA DAVID CARDOSOO Jornal Universitário doPorto, cuja direção chegou aassumir, foi a sua porta deentrada na profissão.Licenciada em Ciências daComunicação, trabalhou entre2013 e 2016 na JornalismoPorto Net. Transferiu-se entãopara os quadros do jornalPúblico: inicialmente nainformação local, passou paraa área da sociedade. Areportagem “A noite do fim domundo”, sobre as cheias de1967, publicada na revista P2,valeu-lhe o prémio GazetaRevelação 2017. Trocou, em2019, o Público pelo Fumaça.

“O jornalismo tornou-semais rápido por causa dainternet. A internet exigiu--o ou o Jornalismo achouque tinha de respondera isso? As pessoasquerem realmente teruma ‘última hora’ a todoo momento?”

“O que aconteceria setodos os jornalistas queparecem concordar emrelação à falta de tempo,que entendem que omodelo devia serdiferente, tivessem algumpoder de decisão?”

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mos mais livres se houvesse essa participaçãodo Estado? Depois, há a precariedade.Sempre ganhei mal no Jornalismo. Diziam-nos que um jornalista sempre trabalhou 12horas. Mas com o ordenado mínimo – haviamuitos casos –, a trabalhar durante horas,sem tempo para pensar e com esta pressãotoda, é muito giro ser jornalista, mas enquan-to ser humano não se resiste. Há outras coisasna vida que é preciso ter e há contas parapagar. Não me parece que a este nível setenha melhorado nestes 20 anos.EC – Não, de todo. Eu ainda ganhei bem noJornalismo. Quando deixei de ser jornalista,fui ganhar pior. Tinha uma colaboração men-sal para uma revista, outra semanal para umatelevisão, além do trabalho na TSF. Ganhavamuito mais do que fui ganhar. Fiquei prejudi-cadíssima. Até porque no Estado metade doordenado são despesas de representação, quenão contam para a reforma.SF – Havia uma situação que eu achava inte-ressantíssima: contratar “estrelas”, que supos-tamente trariam muitas audiências, muitomais bem pagas do que nós, que estávamos ali diariamente, aimpedir que o barco afundasse. Havia despedimentos coleti-vos, mas de repente vinham estrelas ganhar balúrdios poruma hora por semana. Para que caminho é que vamos?Atravessamos uma fase difícil.JMR – O mundo do entretenimento é esse. As estrelas sãopagas e não há volta a dar. Desconfio que vai ser sempreassim. O nosso mundo é outro.SF – Mas como melhoramos o nosso? Estamos numa fase emque não vejo… Eu saí de redações e trabalho aqui, naNoticiaria.

EC – É um sitio simpático para setrabalhar.JMR – Isto pode ser só uma uto-pia, mas acredito que as pessoasvão voltar a valorizar o Jor-nalismo. As redes sociais sãomuito bonitas, mas haverá ummomento em que as pessoas vãoperceber: “Ok, divirto-me com osamigos, escrevo umas larachas,mas quando quiser estar infor-mado...”EC – Nesta crise, as pessoas estãoagarradas à televisão, à rádio, aosjornais… As pessoas valorizam oJornalismo.Deixem-me pegar numa questãoreferida pela Sofia. Em redaçõescom cada vez menos jornalistas ecorridas para transmitir perma-nentemente informação, hátempo para parar e refletir sobreo que estamos a fazer?SF – Nós não tínhamos…

Disseste que cada vez mais sentias que havia menostempo…SF – Em redação, senti isso. Agora, é um bocadinho diferen-te. Trabalho com a Deco. No início, respondia rapidamente.Depois, disseram-me: “Espera, isto não é diário, tens umasemana”. Uma semana? Maravilha! EC – Trabalhas para a revista ou para o site?SF – Para o site. Lembro-me de uma situação na rádio, notempo do Sócrates, a propósito do novo aeroporto, em quetínhamos um noticiário preparado, de meia hora, e de repen-te caiu tudo, porque tudo se alterou. Fui para a antena e os

SOFIA FRAZOADeu os primeiros passos nojornalismo em 1994, aos 16anos, na Área Oeste Rádio eno jornal Área Oeste. Em 2000,terminado o curso de Ciênciasda Comunicação, começou aestagiar no publico.pt, ondepermaneceu até 2010. Passoupelo Rádio Clube e colaborouna Notícias Magazine, IdadeMaior, Happy Woman, PsicologiaAtual, TV Mais e Progredir.Jornalista freelancer desde2010, trabalha sobretudo parameios digitais. É tambémformadora na área dacomunicação e dos estudos degénero.

“São ao parâmetros doGoogle. Se o título nãotiver certascaracterísticas, a notíciajá não aparece emprimeiro lugar. Temos deotimizar o texto. Isso játem de entrar na equaçãoquando escrevemos”

“Trabalhei no RádioClube, que foiassumidamente umarádio de palavra e nãofuncionou. Se alguémarriscar, até perderdinheiro, para dar algodiferente, será que pega?Talvez nem seexperimente por causadisso”

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meus colegas ligavam aos presidentes de Câmara, que entra-vam em direto. Eu era uma miúda – foi há uns 13 anos, tal-vez. De repente, sem rede, tivemos de mudar tudo. Correubem, mas sem tempo para pensar – “Senta-te e desenrasca-mo-nos”. Notei sempre essa pressão do “vá, já saiu no outrolado, nós também temos de dar, vai atrás”. Margarida, tu mudaste nesse registo. Saindo do Públicoparao Fumaça...MDC – Sim. No início do ano passado, uma das pessoas quetrabalhava a tempo inteiro saiu e fizeram-me o convite. Estivebastante tempo a pensar, porque por mais que reconheçadeterminados problemas no Público – como em qualquer jor-nal – sempre me senti num papel perfeitamente privilegiado.Tinha tempo para executar, estava a fazer o que queria, naárea que queria, e adorava a equipa. Mas percebi que tinhaoportunidade de fazer diferente. No Fumaça, somos seis pes-soas. É uma redação que, para além de nos darmos tempo eespaço para trabalhar, é gerida por nós. Não há um diretor;tudo funciona horizontalmente. Isso mudou completamentea maneira de trabalhar. O meu trabalho é editado, mas tenhoa responsabilidade de orientar um projeto editorial. Antes,era mandada, estava mais protegida. Agora, somos nós quetemos de garantir essa proteção e fundamentar bem as deci-sões. O nosso modelo é assente no tempo que nos damos, oque se reflete nas peças. É um projeto de nicho. Poderá resul-tar como nicho? Não sabemos. Para já, sim.Sentes mais pressão sobre o dia de amanhã do que sentias…MDC – Sinto, porque apesar de todos termos contratos detrabalho, percebemos que o modelo é “super-precário”. OFumaça tem data de fim, em que termina o financiamento enão sabemos o que acontece depois. Nesse sentido, sim. Masposso decidir que trabalho faço, com que qualidade queroque seja feito, de quanto tempo preciso. Sinto que tenho maispoder de decisão. Claro que estamos nas mãos de quem querque o Fumaça continue a existir. Neste momento, somosfinanciados com bolsas da Open Society Foundation e daFundação Gulbenkian. Abrimos agora uma campanha decrowdfunding e temos, paralelamente, uma comunidade depessoas que paga 20% das nossas despesas. O objetivo amédio-longo prazo é que o nosso Jornalismo seja financiadopor pessoas individuais.Tens, portanto, muito mais autonomia para pensares no quevais fazer, traçares o teu próprio percurso…MDC – Sim. Questionamos tudo até à exaustão. Sempreachei que o Jornalismo tem de assentar num modelo econó-mico junto com um modelo editorial, coerentes um com ooutro. A nossa ideia é essa. Para já, sempre que publicamosum grande trabalho, a que as pessoas reconhecem qualidade,os contributos aumentam, o que nos dá a possibilidade deconcorrer a outras bolsas. É o que estamos a tentar conjugar:a sustentabilidade é sempre apoiada no que produzimos.Quem apoia um projeto a que não reconhece qualidade?Elisabete, qual a tua perceção, estando de fora? Achas quehoje em dia as redações têm este tempo para ponderar asquestões?

EC – A comunicação é hoje muito complexa. Pelo enfraqueci-mento do Jornalismo, na Gulbenkian preocupei-me em refor-çar a comunicação direta com o público. Não precisamos deintermediários. Como vejo de fora? Não sou nada pessimista.O jornalismo está numa fase de mudança, talvez de há 10anos para cá, com o aparecimento de novas fórmulas – expe-riências de crowdfunding, outro géneros de trabalho emJornalismo. A rádio é que está muito parada. Como fui jorna-lista de rádio, sou muito crítica. Há esperança, mas oJornalismo não vai ser para toda a gente, como já foi. A ideiade que “preciso de ser informado, vou comprar o jornal ouligar a televisão”, se calhar já não funciona. A tendência, se osjornalistas souberem fazê-lo, pode ser criar projetos de boaqualidade.Projetos de nicho ou especializados, é isso?EC – Podem aparecer as duas coisas. De nicho, sempre houvee a tendência é haver mais, porque uma das soluções para oJornalismo é concorrer a fundos internacionais, fazer startups.Talvez seja um desejo meu, que o Jornalismo nunca desapa-reça, que seja realmente importante, visto pelas pessoas comoinformação de referência. A tendência é acharmos que os jor-nalistas têm obrigação de fazer tudo. Não têm. Mas isso é quelhes foi exigido: serem velozes, rápidos, estarem em cima detudo, saberem tudo…Serem ao mesmo tempo rigorosos e velozes é complicado…EC – Exatamente, mas é o que estamos a exigir. Um dia,alguém vai dizer que não podem ser tudo ao mesmo tempo.Então, vamos ser rigorosos e mais lentos. E aí talvez o públi-co agradeça. O New York Times e o Guardian fizeram nestesúltimos anos um caminho muito interessante, sobretudo noJornalismo Digital. Sou fã do Guardian, confesso…JMR – Temos uma portuguesa a trabalhar lá.EC – O Guardian percebeu o que as pessoas queriam, não sóem Inglaterra, mas no mundo. E continua a fazer bomJornalismo, mesmo de nicho, como os long reads. Criou váriostipos de Jornalismo. O futuro passa muito por trabalhar emequipa – não no interior dos próprios jornais, mas entre jor-nalistas, que têm de começar a trocar mais experiências entreeles, produzir em conjunto. Com a concentração, ficarammuito dispersos. Se a malta começar a cruzar, talvez surjamboas ideias.Também és otimista em relação ao futuro, Rosendo?JMR – Eu quero ser, mas acho que a única arma que podemosutilizar é a nossa credibilidade. Atualmente, na Antena 1,temos isso muito bem definido. Não nos interessa dar primei-ro. A lógica é: damos o mais rápido possível, mas quando anotícia estiver minimamente confirmada. Ontem [11 demarço], tínhamos a informação de que o Donald Trump iafazer uma declaração. Fontes que a France Press não identifi-cava diziam que provavelmente iria ser anunciada a suspen-são de voos com a Europa. Eu estava no noticiário. Ele come-çou a falar à 1 da manhã e à 1 e 4 saiu uma linha da Reuters,segundo a qual Trump anunciaria a interrupção dos vooscom a Europa. E eu: “dou, não dou?”. Estás no noticiário, tenssegundos para decidir. Esperámos. E ainda bem, porque o

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meus colegas ligavam aos presidentes de Câmara, que entra-vam em direto. Eu era uma miúda – foi há uns 13 anos, tal-vez. De repente, sem rede, tivemos de mudar tudo. Correubem, mas sem tempo para pensar – “Senta-te e desenrasca-mo-nos”. Notei sempre essa pressão do “vá, já saiu no outrolado, nós também temos de dar, vai atrás”. Margarida, tu mudaste nesse registo. Saindo do Públicoparao Fumaça...MDC – Sim. No início do ano passado, uma das pessoas quetrabalhava a tempo inteiro saiu e fizeram-me o convite. Estivebastante tempo a pensar, porque por mais que reconheçadeterminados problemas no Público – como em qualquer jor-nal – sempre me senti num papel perfeitamente privilegiado.Tinha tempo para executar, estava a fazer o que queria, naárea que queria, e adorava a equipa. Mas percebi que tinhaoportunidade de fazer diferente. No Fumaça, somos seis pes-soas. É uma redação que, para além de nos darmos tempo eespaço para trabalhar, é gerida por nós. Não há um diretor;tudo funciona horizontalmente. Isso mudou completamentea maneira de trabalhar. O meu trabalho é editado, mas tenhoa responsabilidade de orientar um projeto editorial. Antes,era mandada, estava mais protegida. Agora, somos nós quetemos de garantir essa proteção e fundamentar bem as deci-sões. O nosso modelo é assente no tempo que nos damos, oque se reflete nas peças. É um projeto de nicho. Poderá resul-tar como nicho? Não sabemos. Para já, sim.Sentes mais pressão sobre o dia de amanhã do que sentias…MDC – Sinto, porque apesar de todos termos contratos detrabalho, percebemos que o modelo é “super-precário”. OFumaça tem data de fim, em que termina o financiamento enão sabemos o que acontece depois. Nesse sentido, sim. Masposso decidir que trabalho faço, com que qualidade queroque seja feito, de quanto tempo preciso. Sinto que tenho maispoder de decisão. Claro que estamos nas mãos de quem querque o Fumaça continue a existir. Neste momento, somosfinanciados com bolsas da Open Society Foundation e daFundação Gulbenkian. Abrimos agora uma campanha decrowdfunding e temos, paralelamente, uma comunidade depessoas que paga 20% das nossas despesas. O objetivo amédio-longo prazo é que o nosso Jornalismo seja financiadopor pessoas individuais.Tens, portanto, muito mais autonomia para pensares no quevais fazer, traçares o teu próprio percurso…MDC – Sim. Questionamos tudo até à exaustão. Sempreachei que o Jornalismo tem de assentar num modelo econó-mico junto com um modelo editorial, coerentes um com ooutro. A nossa ideia é essa. Para já, sempre que publicamosum grande trabalho, a que as pessoas reconhecem qualidade,os contributos aumentam, o que nos dá a possibilidade deconcorrer a outras bolsas. É o que estamos a tentar conjugar:a sustentabilidade é sempre apoiada no que produzimos.Quem apoia um projeto a que não reconhece qualidade?Elisabete, qual a tua perceção, estando de fora? Achas quehoje em dia as redações têm este tempo para ponderar asquestões?

EC – A comunicação é hoje muito complexa. Pelo enfraqueci-mento do Jornalismo, na Gulbenkian preocupei-me em refor-çar a comunicação direta com o público. Não precisamos deintermediários. Como vejo de fora? Não sou nada pessimista.O jornalismo está numa fase de mudança, talvez de há 10anos para cá, com o aparecimento de novas fórmulas – expe-riências de crowdfunding, outro géneros de trabalho emJornalismo. A rádio é que está muito parada. Como fui jorna-lista de rádio, sou muito crítica. Há esperança, mas oJornalismo não vai ser para toda a gente, como já foi. A ideiade que “preciso de ser informado, vou comprar o jornal ouligar a televisão”, se calhar já não funciona. A tendência, se osjornalistas souberem fazê-lo, pode ser criar projetos de boaqualidade.Projetos de nicho ou especializados, é isso?EC – Podem aparecer as duas coisas. De nicho, sempre houvee a tendência é haver mais, porque uma das soluções para oJornalismo é concorrer a fundos internacionais, fazer startups.Talvez seja um desejo meu, que o Jornalismo nunca desapa-reça, que seja realmente importante, visto pelas pessoas comoinformação de referência. A tendência é acharmos que os jor-nalistas têm obrigação de fazer tudo. Não têm. Mas isso é quelhes foi exigido: serem velozes, rápidos, estarem em cima detudo, saberem tudo…Serem ao mesmo tempo rigorosos e velozes é complicado…EC – Exatamente, mas é o que estamos a exigir. Um dia,alguém vai dizer que não podem ser tudo ao mesmo tempo.Então, vamos ser rigorosos e mais lentos. E aí talvez o públi-co agradeça. O New York Times e o Guardian fizeram nestesúltimos anos um caminho muito interessante, sobretudo noJornalismo Digital. Sou fã do Guardian, confesso…JMR – Temos uma portuguesa a trabalhar lá.EC – O Guardian percebeu o que as pessoas queriam, não sóem Inglaterra, mas no mundo. E continua a fazer bomJornalismo, mesmo de nicho, como os long reads. Criou váriostipos de Jornalismo. O futuro passa muito por trabalhar emequipa – não no interior dos próprios jornais, mas entre jor-nalistas, que têm de começar a trocar mais experiências entreeles, produzir em conjunto. Com a concentração, ficarammuito dispersos. Se a malta começar a cruzar, talvez surjamboas ideias.Também és otimista em relação ao futuro, Rosendo?JMR – Eu quero ser, mas acho que a única arma que podemosutilizar é a nossa credibilidade. Atualmente, na Antena 1,temos isso muito bem definido. Não nos interessa dar primei-ro. A lógica é: damos o mais rápido possível, mas quando anotícia estiver minimamente confirmada. Ontem [11 demarço], tínhamos a informação de que o Donald Trump iafazer uma declaração. Fontes que a France Press não identifi-cava diziam que provavelmente iria ser anunciada a suspen-são de voos com a Europa. Eu estava no noticiário. Ele come-çou a falar à 1 da manhã e à 1 e 4 saiu uma linha da Reuters,segundo a qual Trump anunciaria a interrupção dos vooscom a Europa. E eu: “dou, não dou?”. Estás no noticiário, tenssegundos para decidir. Esperámos. E ainda bem, porque o

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Reino Unido ficou de fora. Isto é um pormenor. Se desse à 1,às 2 acrescentava a questão do Reino Unido e não vinha daínenhum mal ao Mundo, mas...EC – E podias citar a Reuters.JMR – Exato. É uma estratégia que adotámos. Mas tambémnos dispersamos, apesar de sermos poucos e de os recursosserem poucos. Dou exemplos: se o Público entrevista o primei-ro-ministro – ou outra figura – percebo que apresente umaversão vídeo. Tenho dificuldade em perceber isto na minhaempresa e ainda ninguém me conseguiu convencer: temostelevisão, temos rádio e andamos a fazer multimédia. Aspeças de multimédia que nós fazemos parecem uma televi-são mais fraquinha...EC – Mais pobrezinha…JMR – E é uma rádio com imagem…EC – Algo que não existe!JMR – Digo sempre: “Se esta é uma boa reportagem parafazer em televisão, porque não passa na televisão?”. Aquientra outro fator. Há voluntarismo da malta nova – isto não éuma crítica – que acha que pode fazer tudo, porque dominaas tecnologias.SF – Hoje em dia, usa-se muito o telemóvel, mesmo para leros textos. E o multimédia é mais apelativo do que abrir umaaplicação.EC – Ninguém ouve nada no telemóvel, Sofia. Por isso osvídeos na internet são legendados. SF – Mas há a tendência de ir ao telemóvel ver a reportagem.JMR – A questão é que se somos poucos, temos de estar maisfocados e melhorar o nosso produto premium. Mas não. Edepois há outra ilusão: pensar que o mesmo jornalista conse-gue gravar o áudio, o vídeo, tomar notas, tirar fotografias…Jornalista-MacGyver…JMR – Às vezes, vejo anúncios a pedirem jornalistas jovens,recém-licenciados, mas uma espécie de canivetes suíços, queresolvem os problemas todos. Há esta ilusão de que se conse-gue fazer tudo. Numa reportagem para a rádio, tenho de irbuscar o som quase ao sítio, mas se o faço estou a dar cabo daimagem. Focado na rádio, penso na cobertura de uma forma;se for para a TV, penso de outra.EC – São meios completamente diferentes!JMR – Vivemos enredados nesta indefinição.MDC – Há muitos anos, não é? Eu andava na faculdade e jáse falava desta questão do jornalista multimédia, que tem defazer tudo. Somos ensinados para isso. E depois percebemosque não funciona, mas se calhar alguns jornais já decidiramque não querem fazer, enquanto outros continuam.JMR – Não perdemos nada em conhecer as diferentes técni-cas e em dominá-las. Mas trabalhar o mesmo assunto, aomesmo tempo, para diferentes meios…EC – O jornalista não é um técnico!O problema é quando as tecnologias se sobrepõem a tudo.EC – Com certeza, são só um meio.Vamos terminar ouvindo a Sofia sobre o futuro.SF – Como sempre quis ser jornalista, tenho muita pena denão estar em redação, mas vi-me obrigada a sair, porque

daquela forma não queria trabalhar. Aos 41 anos, tenho umavida muito mais tranquila. Não tenho é a adrenalina, oambiente, os colegas. O meu futuro? Quem sabe se não possovoltar a uma redação para fazer o Jornalismo de que gosto:ouvir pessoas, contar estórias. Isso passou muito para segun-do plano. Lembro-me de uma reportagem giríssima que fizpara o Público sobre centros de noite, na Póvoa de Lanhoso.Foram horas: deslocações, tempo a desgravar, editar. Esse tra-balho já não é valorizado da mesma forma. Gostava que estestemas voltassem a ser acolhidos. Que houvesse tempo, di-nheiro e disponibilidade para abordar estes temas.Terminamos como começámos: a falar da agenda quealguém determina.SF – Podemos determinar de alguma forma, sugerir. Dentrode uma redação, se calhar é mais fácil, mas “bate na trave”muitas vezes – não há tempo, não há meios, etc.. EC – A sensação que tive quando fui jornalista é que eu domi-nava, controlava, tinha algum poder. Hoje, sinto que os jorna-listas não têm poder dentro das redações. É triste, para mim,que serei sempre uma jornalista – é o que aponto quando mepedem a profissão, apesar de já não ter carteira há anos. Osjornalistas não têm poder ou têm um poder enviesado, quenão é o poder do Jornalismo.MDC – Quantas vezes, em conversas sobre Jornalismo, ouvi-mos exatamente as mesmas coisas que acabámos de falaraqui, ditas por outros jornalistas? O que aconteceria se todosos que parecem concordar em relação à falta de tempo, queentendem que o modelo devia ser diferente, tivessem algumpoder de decisão? Diz-se que falta autocrítica, mas não: aautocrítica existe, mas os jornalistas não estão a decidir.EC – Tem de haver revolução. Por isso digo que os jornalistastêm mesmo de se juntar, não pode estar cada um para seulado.MDC – Isso é o apelo à luta armada…(gargalhada geral)Boa maneira de acabarmos. Correu muito bem! JJ

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18|Jan/Abr 2020|JJ

FERNANDO CORREIA, COFUNDADORE PRIMEIRO DIRETOR EDITORIAL DA JJ

“A MÁQUINA AGORAESTÁ MONTADAPARA OS JORNALISTASNÃO PRECISAREMDE IR AO LOCAL”São apenas 12 os jornalistas no ativo há mais tempo do que ele.Cofundador e diretor editorial da JJ até 2016, Fernando Correia tem77 anos e é autor de dezenas de livros e artigos sobre a realidadedos media e do Jornalismo. Em Portugal, poucos têm a sua visãotransversal dos meios de comunicação social. Esteve nas redações,onde entrou pela primeira vez em 1966, foi professor no EnsinoSuperior, mantém-se jurado dos Prémios Gazeta, membro doConselho de Opinião da RTP, escreve e participa em palestras.Nesta entrevista, revisita as promessas do Estatuto Editorial da JJ,faz o ponto da situação das duas primeiras décadas da publicação,e traça um retrato lúcido do panorama mediático atual, onde “não éo jornalista que tem preguiça de ir ao terreno, é a imposiçãodo funcionamento dos jornais que o exclui”.

Carla Rodrigues Cardoso e Patrícia Franco (texto) José Frade (fotos)

ENTREVISTA

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18|Jan/Abr 2020|JJ

FERNANDO CORREIA, COFUNDADORE PRIMEIRO DIRETOR EDITORIAL DA JJ

“A MÁQUINA AGORAESTÁ MONTADAPARA OS JORNALISTASNÃO PRECISAREMDE IR AO LOCAL”São apenas 12 os jornalistas no ativo há mais tempo do que ele.Cofundador e diretor editorial da JJ até 2016, Fernando Correia tem77 anos e é autor de dezenas de livros e artigos sobre a realidadedos media e do Jornalismo. Em Portugal, poucos têm a sua visãotransversal dos meios de comunicação social. Esteve nas redações,onde entrou pela primeira vez em 1966, foi professor no EnsinoSuperior, mantém-se jurado dos Prémios Gazeta, membro doConselho de Opinião da RTP, escreve e participa em palestras.Nesta entrevista, revisita as promessas do Estatuto Editorial da JJ,faz o ponto da situação das duas primeiras décadas da publicação,e traça um retrato lúcido do panorama mediático atual, onde “não éo jornalista que tem preguiça de ir ao terreno, é a imposiçãodo funcionamento dos jornais que o exclui”.

Carla Rodrigues Cardoso e Patrícia Franco (texto) José Frade (fotos)

ENTREVISTA

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AJJ faz 20 anos e é justo dizer que é “uma

filha que viu crescer”. Foi o diretor editorial

da revista desde o primeiro número até

2016. Conte-nos como tudo começou.

A ideia nasceu de conversas entre mim eo Eugénio Alves, que era e continua a serda direção do Clube dos Jornalistas.

Camaradas de profissão, e de outras lutas, eu e o Eugénio tí-nhamos preocupações comuns com os temas relacionadoscom a situação do Jornalismo e dos jornalistas. Surgiu entãoa ideia de o Clube ter uma revista, também para reforçar a suaprópria atividade, uma vez que já atribuíamos os PrémiosGazeta, que se tornariam os mais prestigiados do país. E umdia, depois de uma reunião na Rua das Trinas, o Eugéniodisse-me “Epá! Devíamos mesmo concretizar isto da revista!”.e eu respondi: “Vamos a isso! Já tenho um projeto feito”.

A JJ nasceu numa altura em que oJornalismo estava a atravessar uma fase parti-cularmente complicada. A seguir ao 25 deAbril, foram surgindo diários e semanários devárias tendências, da Direita à Esquerda, umaoferta de Imprensa que não tem nada a vercom o que acontece hoje. A mudança funda-mental deu-se nos anos 90, com as privatiza-ções, o renascimento ou nascimento de gran-des grupos económicos, também na comuni-cação social, e todos os constrangimentos queisso trouxe à atividade jornalística. A primaziaabsoluta do negócio, do lucro, das audiências,da publicidade, em prejuízo do Jornalismo,que se tem vindo a agravar.

Existiam assim várias circunstâncias quepropiciavam a existência de uma revista deJornalismo para jornalistas e, também, para aspessoas que se interessam pela comunicaçãosocial. A questão do pluralismo, isto é, da cres-cente falta dele, o aumento da procura doscursos de Jornalismo por parte dos jovens, aausência de debate púbico sobre estas eoutras questões, eram fatores que nos estimu-lavam a fazer uma revista que, abordando osproblemas do Jornalismo, o fizesse numaperspetiva de defesa dos interesses jornalísticos, portanto dopúblico, e não propriamente dos interesses do negócio. Odesaparecimento de uma imprensa plural não é só uma ques-tão económica, é também de cidadania e ideológica, porqueamputa o leque de opções das pessoas e a análise das questõ-es fica incompleta.Que balanço faz das primeiras duas décadas da revista?

O balanço é positivo por duas razões. A primeira é porquenão tem concorrência. Depois, porque é a única revista queaborda os problemas dos jornalistas numa perspetiva quenão é técnica, pedagógica, noticiosa ou académica, mas nofundo acaba por ter um bocadinho de tudo isso. Tem secçõescomo a dedicada aos sites, que é noticiosa na medida em quedá informação sobre sites de todo o mundo, mas ao mesmo

tempo é formativa, na medida em que explica e esclarece. A JJ é uma revista para guardar?

É indispensável para quem se interesse ou trabalhe na área,quer sobre a sua evolução nas últimas duas décadas, quersobre o passado. Eu sei de companheiros nossos, jornalistas eprofessores, que tomam nota por revista ou por tema, passan-do a JJ a ser um contínuo instrumento de trabalho. Temospublicado ao longo dos anos muitas dezenas de textos deanálise e crítica, muitas entrevistas com grandes profissionaisde várias gerações. Logo no nº 1, houve um ensaio do MárioMesquita, “Em louvor da Santa Objectividade”, que se tor-nou texto de leitura “obrigatória” nas universidades, e umaentrevista com Paquete de Oliveira, académico de referência,que viria a falecer uns anos depois. No Estatuto Editorial, a JJ afirma que pretende estimular “uma

maior preocupação e consciencialização dos jornalistas acerca

da prática da profissão”. Até agora,

conseguiu-o?

Uma das intenções principais eraessa, e continua a ser, mas há quereconhecer que o feedback não éfácil de encontrar. Temos profes-sores e investigadores que dizemque é interessante e útil. Algunsindicam aos alunos a leitura desteou daquele número em função dasua importância para o estudo dedeterminada matéria que está aser lecionada. Mas da parte demuitos jornalistas não se encontrafacilmente a mesma reação.Temos de ser realistas: a situaçãolaboral e profissional nas redaçõesnão é muito estimulante para areflexão e o estudo, o que nãoquer dizer que não haja exceções.Os profissionais estão fundamen-talmente interessados em fazerdepressa e bem o que lhes calhouna agenda, mas ao gosto de quemos supervisiona. A grande preo-cupação subjacente, e refiro-me

particularmente aos mais novos, muitos em regime precário,é a salvaguarda do posto de trabalho. Outro dos objetivos da JJ inscrito no Estatuto Editorial é o incen-

tivo ao debate, tendo em vista “um melhor conhecimento públi-

co e dignificação social da profissão e dos profissionais”, refe-

rindo a “importância do Jornalismo e da informação”. Os media

tradicionais ainda influenciam a formação dos mais jovens ou as

redes sociais substituíram-nos?

A perceção que tenho é que continuamos a estar numa fasemuito complicada em termos de uma informação jornalísticaverdadeiramente útil e enriquecedora, pluralista, indepen-dente, objetiva, esclarecedora. Umas vezes há mais, outrasmenos, mas a que mais se aproxima desses objetivos acaba porestar em crise. As pessoas cada vez leem menos jornais, tal

ENTREVISTA Fernando Correia

20anos

“O desaparecimento deuma imprensa plural nãoé só uma questãoeconómica, é tambémuma questão decidadania e ideológica,porque amputa o lequede opções das pessoas ea análise das questõesfica incompleta”

“[A JJ] é a única revistaque aborda os problemasdos jornalistas numaperspetiva que não étécnica, pedagógica,noticiosa ou académica,mas no fundo acaba porter um bocadinho de tudoisso”

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20|Jan/Abr 2020|JJ

AJJ faz 20 anos e é justo dizer que é “uma

filha que viu crescer”. Foi o diretor editorial

da revista desde o primeiro número até

2016. Conte-nos como tudo começou.

A ideia nasceu de conversas entre mim eo Eugénio Alves, que era e continua a serda direção do Clube dos Jornalistas.

Camaradas de profissão, e de outras lutas, eu e o Eugénio tí-nhamos preocupações comuns com os temas relacionadoscom a situação do Jornalismo e dos jornalistas. Surgiu entãoa ideia de o Clube ter uma revista, também para reforçar a suaprópria atividade, uma vez que já atribuíamos os PrémiosGazeta, que se tornariam os mais prestigiados do país. E umdia, depois de uma reunião na Rua das Trinas, o Eugéniodisse-me “Epá! Devíamos mesmo concretizar isto da revista!”.e eu respondi: “Vamos a isso! Já tenho um projeto feito”.

A JJ nasceu numa altura em que oJornalismo estava a atravessar uma fase parti-cularmente complicada. A seguir ao 25 deAbril, foram surgindo diários e semanários devárias tendências, da Direita à Esquerda, umaoferta de Imprensa que não tem nada a vercom o que acontece hoje. A mudança funda-mental deu-se nos anos 90, com as privatiza-ções, o renascimento ou nascimento de gran-des grupos económicos, também na comuni-cação social, e todos os constrangimentos queisso trouxe à atividade jornalística. A primaziaabsoluta do negócio, do lucro, das audiências,da publicidade, em prejuízo do Jornalismo,que se tem vindo a agravar.

Existiam assim várias circunstâncias quepropiciavam a existência de uma revista deJornalismo para jornalistas e, também, para aspessoas que se interessam pela comunicaçãosocial. A questão do pluralismo, isto é, da cres-cente falta dele, o aumento da procura doscursos de Jornalismo por parte dos jovens, aausência de debate púbico sobre estas eoutras questões, eram fatores que nos estimu-lavam a fazer uma revista que, abordando osproblemas do Jornalismo, o fizesse numaperspetiva de defesa dos interesses jornalísticos, portanto dopúblico, e não propriamente dos interesses do negócio. Odesaparecimento de uma imprensa plural não é só uma ques-tão económica, é também de cidadania e ideológica, porqueamputa o leque de opções das pessoas e a análise das questõ-es fica incompleta.Que balanço faz das primeiras duas décadas da revista?

O balanço é positivo por duas razões. A primeira é porquenão tem concorrência. Depois, porque é a única revista queaborda os problemas dos jornalistas numa perspetiva quenão é técnica, pedagógica, noticiosa ou académica, mas nofundo acaba por ter um bocadinho de tudo isso. Tem secçõescomo a dedicada aos sites, que é noticiosa na medida em quedá informação sobre sites de todo o mundo, mas ao mesmo

tempo é formativa, na medida em que explica e esclarece. A JJ é uma revista para guardar?

É indispensável para quem se interesse ou trabalhe na área,quer sobre a sua evolução nas últimas duas décadas, quersobre o passado. Eu sei de companheiros nossos, jornalistas eprofessores, que tomam nota por revista ou por tema, passan-do a JJ a ser um contínuo instrumento de trabalho. Temospublicado ao longo dos anos muitas dezenas de textos deanálise e crítica, muitas entrevistas com grandes profissionaisde várias gerações. Logo no nº 1, houve um ensaio do MárioMesquita, “Em louvor da Santa Objectividade”, que se tor-nou texto de leitura “obrigatória” nas universidades, e umaentrevista com Paquete de Oliveira, académico de referência,que viria a falecer uns anos depois. No Estatuto Editorial, a JJ afirma que pretende estimular “uma

maior preocupação e consciencialização dos jornalistas acerca

da prática da profissão”. Até agora,

conseguiu-o?

Uma das intenções principais eraessa, e continua a ser, mas há quereconhecer que o feedback não éfácil de encontrar. Temos profes-sores e investigadores que dizemque é interessante e útil. Algunsindicam aos alunos a leitura desteou daquele número em função dasua importância para o estudo dedeterminada matéria que está aser lecionada. Mas da parte demuitos jornalistas não se encontrafacilmente a mesma reação.Temos de ser realistas: a situaçãolaboral e profissional nas redaçõesnão é muito estimulante para areflexão e o estudo, o que nãoquer dizer que não haja exceções.Os profissionais estão fundamen-talmente interessados em fazerdepressa e bem o que lhes calhouna agenda, mas ao gosto de quemos supervisiona. A grande preo-cupação subjacente, e refiro-me

particularmente aos mais novos, muitos em regime precário,é a salvaguarda do posto de trabalho. Outro dos objetivos da JJ inscrito no Estatuto Editorial é o incen-

tivo ao debate, tendo em vista “um melhor conhecimento públi-

co e dignificação social da profissão e dos profissionais”, refe-

rindo a “importância do Jornalismo e da informação”. Os media

tradicionais ainda influenciam a formação dos mais jovens ou as

redes sociais substituíram-nos?

A perceção que tenho é que continuamos a estar numa fasemuito complicada em termos de uma informação jornalísticaverdadeiramente útil e enriquecedora, pluralista, indepen-dente, objetiva, esclarecedora. Umas vezes há mais, outrasmenos, mas a que mais se aproxima desses objetivos acaba porestar em crise. As pessoas cada vez leem menos jornais, tal

ENTREVISTA Fernando Correia

20anos

“O desaparecimento deuma imprensa plural nãoé só uma questãoeconómica, é tambémuma questão decidadania e ideológica,porque amputa o lequede opções das pessoas ea análise das questõesfica incompleta”

“[A JJ] é a única revistaque aborda os problemasdos jornalistas numaperspetiva que não étécnica, pedagógica,noticiosa ou académica,mas no fundo acaba porter um bocadinho de tudoisso”

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JJ|Jan/Abr 2020|21

como menos livros. Eu não diria que os jovenstrocaram os media tradicionais pelas redessociais. Bem me lembro do que os meus alu-nos liam – ou melhor, não liam, incluindo osde mestrado... Mas é evidente que a imagem,seja a televisão ou os videojogos, alguns tene-brosos nos conteúdos, e as redes sociais estãoclaramente a suplantar os jornais, com todasas desvantagens, e eu digo mesmo os perigos,que isso tem para o conhecimento da realida-de e para a consciência social das pessoas.

Não é que a Internet não seja extraordiná-ria pelas suas potencialidades, devidamenteaproveitadas por muitos académicos e jorna-listas. E abre um mundo para a investigação eo conhecimento de realidades antes de difícilacesso: podemos ir diretamente à Bibliotecado Congresso dos EUA, ler as últimas noticiasdo Le Monde, e por aí fora. Simultaneamente,é utilizada para usos pessoais ou de grupocontaminados pela superficialidade, pelodivertimento alienante, por todos os elemen-tos de distração e de distanciamento das reali-dades sociais, económicas e políticas que nosrodeiam e nos condicionam. As pessoas sãoestimuladas a passar ao lado disso, o que tornaa nossa época extremamente contraditória,porque se tecnicamente demos passos gigan-tescos, socialmente demos um passo... [hesita]quase diria que para trás. Não é por acaso que,por exemplo, certos fenómenos sociais e polí-ticos como o populismo, com característicasnada democráticas, por vezes mesmo fasci-zantes, resultam de uma série de fatores queem grande parte são alimentados e estimula-dos por “informação” via redes sociais. Achoque nos devemos preocupar principalmentecom a juventude, mas também com as pesso-as em geral, que são muito contaminadas poresta cultura da superficialidade, do diverti-mento, do entretenimento que as redes sociaispropiciam, mas que também outros meios muitas vezes acom-panham, por vontade própria ou arrastamento. Já que falamos na Internet, esse tal mar de informação, que per-

mite aceder aos mais diversos conteúdos, não poderá ter um

lado perverso para o Jornalismo, causando uma certa preguiça

em relação à investigação no terreno?

Sem dúvida. É interessante ver alguns aspetos que nada têma ver com o Jornalismo propriamente dito, mas que estãoligados à vivência de jornalistas e órgãos de comunicaçãosocial, e a forma como isso se reflete nas práticas jornalísticas.Vou dar um exemplo. Antes, os principais jornais tinham fro-tas de automóveis, e quando digo “antes”, estou a dizer noséculo passado [risos]. Quando iniciei a profissão, no DiárioPopular [em 1966], o jornal tinha uma meia dúzia de carri-

nhas. Para quê? Para levar osrepórteres e os fotojornalistas aolocal do acontecimento, fosse emXabregas ou no Minho. Os corres-pondentes locais enviavam noti-cias pelo telefone, mas para tra-balhos de maior fôlego tinha de seir aos sítios. Uma vez fui a Viseucom a Maria Armanda Falcão,que ficou célebre como VeraLagoa, e o José Antunes, um dosmelhores repórteres-fotográficosda sua geração. A Maria Armandaescreveu sobre as elites locais,aquilo a que hoje se chamaria a“sociedade”, ou “lifestyle”, e eu,neófito, fiz pequenas peças sobretemas do quotidiano, entrevisteialgumas figuras locais. Chefiava aequipa o Urbano Carrasco, repór-ter de grande qualidade e prestí-gio, com notáveis feitos na carrei-ra. Regressámos três dias depois epassámos outros tantos a escreverum suplemento. Cinco pessoas,contando com o motorista que sefartou de bulir, demorámos umasemana para fazer e publicar ummaterial que hoje se faria em doisdias... Mas não sei se melhor.Acrescente-se que as carrinhastambém serviam para levar osjornais a Santa Apolónia, aoscomboios que os transportavampara o resto do país. Era umacorrida desenfreada pelas ruasdo Bairro Alto e da Baixa parachegar a tempo. Nos cruzamen-tos, buzinavam para avisar ospolícias-sinaleiros para parar otrânsito, afrouxavam ligeiramen-

te e deitavam para o chão um exemplar do vespertino des-tinado ao sr. guarda [risos]. Isto é autêntico! E voltando àpreguiça, eu acho que não é bem o termo... Não é o jornalis-ta que tem preguiça de ir ao terreno, é a imposição do fun-cionamento dos jornais que o exclui.

Resumindo, a máquina agora está montada para os jorna-listas não precisarem de ir ao local. Aquilo que aprendemosnos manuais – procurar, investigar, falar com as pessoas… –hoje quem defenda isso pode ser acusado de ser da idade dapedra. A forma de a informação ser fabricada dispensa, oumelhor, obriga a que o jornalista fique sentado. Ainda ontemestive numa reunião onde um jornalista no ativo disse estacoisa espantosa: há órgãos onde os jornalistas têm de fazeruma notícia de 15 em 15 minutos, para alimentar os sites. Isto

“Os profissionaisestão fundamentalmenteinteressados em fazerdepressa e bemo que lhes calhou naagenda, mas ao gostode quem ossupervisiona”

“As redes sociais estãoclaramente a suplantaros jornais, com todasas desvantagens,e eu digo mesmo osperigos, que isso tempara o conhecimentoda realidade e paraa consciência socialdas pessoas”

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22|Jan/Abr 2020|JJ

parece uma caricatura, mas é verdade. Em grande parte, asnotícias estão postas ao serviço do negócio e não da valoriza-ção da informação e do respeito pelas pessoas, o interesse doleitor, ouvinte, telespetador. Há uma pressão para ser o pri-meiro, pela novidade, e a novidade é bem diferente do novo. E que consequências essa “pressão pela produção” acarreta

para o Jornalismo?

Torna humanamente impossível responder àquelas cincoperguntas consideradas básicas na notícia: Quem? Onde?Quando? Como? Porquê? Hoje em dia, estas questões sãopraticamente reduzidas ao “agora”, mesmo que a resposta àsoutras questões não seja ainda clara. O como e o porquê nãosão muitas vezes devidamente explicados e aprofundados.Tem de ser “agora”, porque a pressão da novidade contami-nou as populações, os consumidores – e a concorrência a talobriga. Antes, não usávamos esta palavra para leitores,ouvintes e telespetadores, mas hoje podemos falar de consu-midores, pessoas convencidas de que estão a ser informadas,quando se limitam a consumir rapidamente superficialida-des e às vezes mentiras, isto para não falar nas omissões jus-tificadas por critérios ditos editoriais. E uma verdade se nãofor contextualizada surge como uma mentira, uma coisa semsentido. “Porquê isto?” Tem de ser explicado... Ora, quandonão há tempo nem espaço ou vontade para explicar, acaba-mos mesmo por estar no mundo da superficialidade, da faltade aprofundamento e da sujeição ou da vulnerabilidade daspessoas ao engano ou mesmo à manipulação.A democracia é o único regime político que a maioria da popula-

ção portuguesa conhece e a memória de fazer “jornalismo” sem

liberdade de expressão está a desaparecer. O Fernando estava

preso a 25 de abril de 1974. De que crimes era acusado?

Nunca cheguei a perceber bem. Quer dizer, calculava o quefosse… Fui levado para Caxias na madrugada de 19 de abrilde 1974, mas dias depois deu-se a Revolução. Fiquei então asaber que não fui só eu nesse dia. Foram mais 30 ou 40, jorna-listas e outros intelectuais ligados ao PCP. Estive lá seis dias.Não houve propriamente um interrogatório, foi apenas um“registo de entrada”. Não cheguei a ser acusado disto oudaquilo, apenas de ser membro do partido.E como foi escrever para o Diário de Lisboa a reportagem sobre

o último dia passado na prisão?

Na cela, tinha direito a papel e lápis. Deu-se o 25 de Abril edepois a decisão dos militares do MFA [Movimento dasForças Armadas] no sentido de libertar os presos políticos. Efoi para lá mandado um destacamento da Marinha para noslibertar. Só que, entretanto, o Spínola, que na altura era o“general-patrão” da Revolução, disse que podiam ser liberta-dos os presos políticos, exceto os chamados “prisioneiros desangue”, isto é, os antifascistas que tinham participado ematentados. Entretanto, tinham chegado os militares, quetomaram conta daquilo e permitiram que houvesse uma reu-nião dos presos políticos. Rapidamente chegámos à conclu-são de que ou saímos todos ou não saía ninguém. A nossadecisão foi para o Conselho da Revolução e eles decidiramque saíam todos, o que começou a acontecer ao fim de uma

hora, na noite de 25 para 26. Neste tempo em que estive nacela à espera que viesse a decisão do Conselho da Revolução,pensei: “Epá, vou contar o que se passou aqui!”.

Quando saí, estavam à espera, entre a multidão, a minhamulher e os meus cunhados, que me disseram: “Vamos paracasa, festejar!”. E eu disse-lhes: “Alto! Primeiro vamos aoDiário de Lisboa entregar o texto!”. E lá fomos à redação, pertodo Parque Eduardo VII, onde o jornal tinha cinco ou seis jor-nalistas a fazerem trabalhos para o dia seguinte. Os jornais datarde faziam-se de manhã, mas havia coisas intemporais quese podiam fazer de véspera. Por isso eu sabia que à meia-noite estava lá gente. Quando cheguei, estava só o contínuo.Disse-lhe: “Ó Sr. Peixe, amanhã quando chegar o chefe deredação [Armando Pereira da Silva], diga-lhe que estive cá eque deixei isto para entregar”. E pronto, eles aproveitaram otexto e publicaram no dia 27, com o título “Depoimento dejornalista libertado hoje de Caxias” – a atualidade ali emgrande! [risos] Sob o ponto de vista emocional, para mim foiinesquecível e para os leitores terá sido interessante.É importante manter viva a memória daquilo que Portugal era

antes do 25 de Abril para evitar que se volte a repetir?

Acho que é fundamental.E os jornalistas têm trabalhado para isso?

Não necessariamente, porque quem manda na comunicaçãosocial não são os jornalistas, e para aqueles que mandam no

ENTREVISTA Fernando Correia

20anos

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22|Jan/Abr 2020|JJ

parece uma caricatura, mas é verdade. Em grande parte, asnotícias estão postas ao serviço do negócio e não da valoriza-ção da informação e do respeito pelas pessoas, o interesse doleitor, ouvinte, telespetador. Há uma pressão para ser o pri-meiro, pela novidade, e a novidade é bem diferente do novo. E que consequências essa “pressão pela produção” acarreta

para o Jornalismo?

Torna humanamente impossível responder àquelas cincoperguntas consideradas básicas na notícia: Quem? Onde?Quando? Como? Porquê? Hoje em dia, estas questões sãopraticamente reduzidas ao “agora”, mesmo que a resposta àsoutras questões não seja ainda clara. O como e o porquê nãosão muitas vezes devidamente explicados e aprofundados.Tem de ser “agora”, porque a pressão da novidade contami-nou as populações, os consumidores – e a concorrência a talobriga. Antes, não usávamos esta palavra para leitores,ouvintes e telespetadores, mas hoje podemos falar de consu-midores, pessoas convencidas de que estão a ser informadas,quando se limitam a consumir rapidamente superficialida-des e às vezes mentiras, isto para não falar nas omissões jus-tificadas por critérios ditos editoriais. E uma verdade se nãofor contextualizada surge como uma mentira, uma coisa semsentido. “Porquê isto?” Tem de ser explicado... Ora, quandonão há tempo nem espaço ou vontade para explicar, acaba-mos mesmo por estar no mundo da superficialidade, da faltade aprofundamento e da sujeição ou da vulnerabilidade daspessoas ao engano ou mesmo à manipulação.A democracia é o único regime político que a maioria da popula-

ção portuguesa conhece e a memória de fazer “jornalismo” sem

liberdade de expressão está a desaparecer. O Fernando estava

preso a 25 de abril de 1974. De que crimes era acusado?

Nunca cheguei a perceber bem. Quer dizer, calculava o quefosse… Fui levado para Caxias na madrugada de 19 de abrilde 1974, mas dias depois deu-se a Revolução. Fiquei então asaber que não fui só eu nesse dia. Foram mais 30 ou 40, jorna-listas e outros intelectuais ligados ao PCP. Estive lá seis dias.Não houve propriamente um interrogatório, foi apenas um“registo de entrada”. Não cheguei a ser acusado disto oudaquilo, apenas de ser membro do partido.E como foi escrever para o Diário de Lisboa a reportagem sobre

o último dia passado na prisão?

Na cela, tinha direito a papel e lápis. Deu-se o 25 de Abril edepois a decisão dos militares do MFA [Movimento dasForças Armadas] no sentido de libertar os presos políticos. Efoi para lá mandado um destacamento da Marinha para noslibertar. Só que, entretanto, o Spínola, que na altura era o“general-patrão” da Revolução, disse que podiam ser liberta-dos os presos políticos, exceto os chamados “prisioneiros desangue”, isto é, os antifascistas que tinham participado ematentados. Entretanto, tinham chegado os militares, quetomaram conta daquilo e permitiram que houvesse uma reu-nião dos presos políticos. Rapidamente chegámos à conclu-são de que ou saímos todos ou não saía ninguém. A nossadecisão foi para o Conselho da Revolução e eles decidiramque saíam todos, o que começou a acontecer ao fim de uma

hora, na noite de 25 para 26. Neste tempo em que estive nacela à espera que viesse a decisão do Conselho da Revolução,pensei: “Epá, vou contar o que se passou aqui!”.

Quando saí, estavam à espera, entre a multidão, a minhamulher e os meus cunhados, que me disseram: “Vamos paracasa, festejar!”. E eu disse-lhes: “Alto! Primeiro vamos aoDiário de Lisboa entregar o texto!”. E lá fomos à redação, pertodo Parque Eduardo VII, onde o jornal tinha cinco ou seis jor-nalistas a fazerem trabalhos para o dia seguinte. Os jornais datarde faziam-se de manhã, mas havia coisas intemporais quese podiam fazer de véspera. Por isso eu sabia que à meia-noite estava lá gente. Quando cheguei, estava só o contínuo.Disse-lhe: “Ó Sr. Peixe, amanhã quando chegar o chefe deredação [Armando Pereira da Silva], diga-lhe que estive cá eque deixei isto para entregar”. E pronto, eles aproveitaram otexto e publicaram no dia 27, com o título “Depoimento dejornalista libertado hoje de Caxias” – a atualidade ali emgrande! [risos] Sob o ponto de vista emocional, para mim foiinesquecível e para os leitores terá sido interessante.É importante manter viva a memória daquilo que Portugal era

antes do 25 de Abril para evitar que se volte a repetir?

Acho que é fundamental.E os jornalistas têm trabalhado para isso?

Não necessariamente, porque quem manda na comunicaçãosocial não são os jornalistas, e para aqueles que mandam no

ENTREVISTA Fernando Correia

20anos

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negócio, os grandes capitalistas e o poderfinanceiro, este é um assunto sobre o qual nãointeressa muito falar. Mas a verdade é quenuma perspetiva pedagógica, cívica, demo-crática, cultural, informativa, seria importantesaber o que era viver em ditadura e o que é oupode ser viver em verdadeira democracia.Ignorar isto leva, por exemplo, a que não secompreenda muitas vezes o que se passa hoje no mundo e oscaminhos que podem levar à ditadura tendem a ser subesti-mados, devido a uma falta de cultura democrática do povo.Claro que a questão hoje entre nós já não é tanto esta dicoto-mia democracia/ditadura, mas sim que democracia queremoster. A democracia, só por si, pode ser apenas um rótulo queesconde profundas desigualdades a todos os níveis, uns pou-cos com muito e muitos outros com quase nada. Gente quevive em palácios e outros debaixo das pontes. Propagandamascarada de informação... Sendo que, e citando Chomsky,“a propaganda está para uma democracia como o cacete estápara um estado totalitário”.A par do Jornalismo e da investigação sobre os media e o

Jornalismo, o ensino é uma das suas paixões. Tem saudades de

dar aulas com regularidade?

Tenho, tenho! E tenho uma experiência pessoal muito positi-va desses anos. Quando às vezes digo que hoje não era capaz

de dar aulas é porque, entretanto,os anos passam e a pessoa já nãoé a mesma, não tem a mesmapaciência [risos]. Saudades tenho,porque tirei daí experiências elições muito positivas através doconhecimento do que são osjovens, do que se pode e deve

ensinar, e também de quem são os pais dos jovens, as famí-lias, o ambiente cultural, cívico e informativo em que vivem.Eu comecei a dar aulas na sequência de ter feito o mestrado,não fui para a frente [com o doutoramento], porque acho quea vida académica é muito feita de trabalho em “roda presa”,leituras apressadas para depois fazer muitas citações e aseguir escrever um bom paper... E eu já há muito que nãotinha paciência para isso, sou septuagenário [risos]...

Devo dizer que ser professor a sério dá muito trabalho. Épreciso saber conhecer os alunos, de onde vêm e para ondeprojetam ir, conversar muito com eles, ler e depois recomen-dar o que lhes poderá ser útil, preparar aulas em função dacomposição das turmas, ler livros para saber o que podemosrecomendar ou não, ver os trabalhos e explicar-lhes porquedamos esta ou aquela nota, planear aulas que cativem e moti-vem, arranjar formas de dar as aulas no sentido de interessare não chatear... As pessoas não têm ideia do trabalho que dá.

“Há órgãos onde osjornalistas têm de fazeruma notícia de 15 em 15minutos, para alimentaros sites”

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Para mim, foi muito útil, foram cerca de dez anos muitoimportantes. Guardo boas memórias, pelo enriquecimentoque me proporcionou e com a esperança que tenha tido algu-ma utilidade para os alunos.No final das licenciaturas e nos mestrados, os estágios curricu-

lares vulgarizaram-se. Estes estágios são uma porta de entrada

para a profissão ou uma forma de alimentar as redações sem

custos para os proprietários das empresas?

Digamos que há uma cumplicidade implícita entre as univer-sidades e as empresas. Cada vez mais, as universidades estãoreféns do mercado de trabalho, e não estou a falar só doJornalismo. Uma universidade é considerada tanto melhor,internamente pelas administrações e externamente nos ran-kings, quanto mais alunos colocar no mercado de trabalho. Oreconhecimento vem através da empregabilidade. No caso doensino do Jornalismo, esse facto leva a que quer a nível dosprofessores quer de iniciativas se procurem figuras conhecidasque aparecem na televisão e funcionem, digamos, como cha-mariz. Muitas vezes não os mais indicados para falar aos alu-nos, porque quando falam fazem-no na perspetiva da elite jor-nalística que funciona nas redações como intermediação entreos interesses patronais e os interesses propriamente jornalísti-cos, mas dando primazia àqueles. Há investigações académi-cas recentes que sublinham a fragilização cres-cente dos jornalistas, sendo que 5 a 10% dosprofissionais, a chamada elite jornalística, sãoos mais preferidos para dar aulas em universi-dades, fazer palestras, etc. Os restantes 90%são, uns mais do que outros, pau para toda aobra, nos quais se incluem recém-licenciadosque fazem uns trabalhos por vezes mais publi-citários do que jornalísticos. Nos tais 5%, estãodiretores, chefes e subchefes de redação mui-tas vezes sem passado profissional que justifi-que o cargo, mas dão prestígio às instituiçõesacadémicas, atraem alunos, e são esses que asuniversidades procuram ter. Há aqui uma dis-torção que se traduz na tal cumplicidade, noquadro de uma lógica académica que não se afigura a maisconveniente. Há cerca de 20 anos que se fala da crise do Jornalismo, da redu-

ção de fronteiras entre informação e outros campos da comuni-

cação. Que consequências tem o enfraquecimento da credibili-

dade dos media para a democracia?

Uma coisa são jornais, rádios e televisões, outra são, hoje emdia, nas democracias, as redes sociais. Imperam o individua-lismo, o divertimento, a intriga, a propaganda... As redesestão muito dependentes dos cliques, há grupos organizadosque interferem, e o tipo de mensagem está dependente daprópria natureza de cada rede. E de certo modo as redesestão a navegar nas águas trazidas pela crise do Jornalismo edos jornalistas. Por caminhos e meios diversos, as redes estão,a prazo, provavelmente a ter o mesmo percurso de perda decredibilidade do Jornalismo. Não devemos misturar o papeldas redes sociais e a crise do Jornalismo, mas podemos admi-

tir que as duas crises, em tempos diferentes, estão a construiro mesmo objectivo, com as mesmas consequências: não cons-tituir, na base das suas potencialidades próprias, uma ajudaque seria preciosa às populações como instrumento de edu-cação, cultura e esclarecimento e não de distração, alienação,superficialidade. E que futuro perspetiva para o Jornalismo e para os jornalistas?

O futuro do Jornalismo está estreitamente ligado ao futuro dasociedade, porque o Jornalismo não é uma entidade autóno-ma e não depende da vontade dos jornalistas. Reflexo deuma determinada sociedade, não tem sentido dizer-se que oJornalismo poderá alguma vez mudar essa sociedade, porqueestá dependente de constrangimentos que vêm dela própria,que o criou e alimenta. Dito de outro modo, é uma ilusãopensar que o Jornalismo, por si próprio, pode melhorar-se ealterar-se. E se há uma realidade que está aqui subjacente é afragilização do Jornalismo e dos jornalistas do ponto de vistada sua intervenção nos conteúdos – os jornalistas não publi-cam o que querem, como querem. Esta fragilização progressi-va tem aumentado entre nós desde os anos 90. Os conselhosde redação perderam força e influência, ou desapareceram.Os provedores do leitor são uma raridade e os do ouvinte etelespetador só existem na RTP.

Falta autorregulação ao Jornalismo

português?

Sim, falta. Embora sem nenhumpoder vinculativo, a existênciados provedores como Mesquita,Paquete, Manuel Pinto, JoaquimFidalgo e outros era muito útil – epor isso desapareceram. O factode existirem no serviço público émuito bom! Aconselho vivamen-te a que acompanhem semanal-mente, ou revejam na RTP Play,quer o programa de televisão,quer o de rádio dos respetivosprovedores, Jorge Wemans e

João Paulo Guerra. São programas em que qualquer de nós,especialista ou não, aprende a perceber, por exemplo, osconstrangimentos, nomeadamente financeiros, que afetamos profissionais da RTP.No panorama que traça, que conselhos deixa a quem está a

estudar Jornalismo e quer ser jornalista?

Para quem está a estudar Jornalismo e quer ser jornalista, ocaminho tem pedras. É necessário que sejam alunos interes-sados e participativos, não excluam a crítica e a autocrítica, acapacidade própria de pensar e uma vontade de mudar omundo. Devem ler muito – há muita literatura científica espe-cializada – interessar-se pelas questões do conhecimento, dacultura, da consciência social, na perspetiva de que oJornalismo é bom quando é útil às pessoas, ou seja, as ajudaa pensar e a agir. E, nessa perspetiva, interessarem-se peloJornalismo, uma bela profissão, que poderá ajudar aquelesque querem construir uma sociedade diferente e melhor.

ENTREVISTA Fernando Correia

20anos

“Quando não há temponem espaço ou vontadepara explicar, acabamosmesmo por estar nomundo dasuperficialidade, da faltade aprofundamento e dasujeição ou davulnerabilidade daspessoas ao engano oumesmo à manipulação”

JJ

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24|Jan/Abr 2020|JJ

Para mim, foi muito útil, foram cerca de dez anos muitoimportantes. Guardo boas memórias, pelo enriquecimentoque me proporcionou e com a esperança que tenha tido algu-ma utilidade para os alunos.No final das licenciaturas e nos mestrados, os estágios curricu-

lares vulgarizaram-se. Estes estágios são uma porta de entrada

para a profissão ou uma forma de alimentar as redações sem

custos para os proprietários das empresas?

Digamos que há uma cumplicidade implícita entre as univer-sidades e as empresas. Cada vez mais, as universidades estãoreféns do mercado de trabalho, e não estou a falar só doJornalismo. Uma universidade é considerada tanto melhor,internamente pelas administrações e externamente nos ran-kings, quanto mais alunos colocar no mercado de trabalho. Oreconhecimento vem através da empregabilidade. No caso doensino do Jornalismo, esse facto leva a que quer a nível dosprofessores quer de iniciativas se procurem figuras conhecidasque aparecem na televisão e funcionem, digamos, como cha-mariz. Muitas vezes não os mais indicados para falar aos alu-nos, porque quando falam fazem-no na perspetiva da elite jor-nalística que funciona nas redações como intermediação entreos interesses patronais e os interesses propriamente jornalísti-cos, mas dando primazia àqueles. Há investigações académi-cas recentes que sublinham a fragilização cres-cente dos jornalistas, sendo que 5 a 10% dosprofissionais, a chamada elite jornalística, sãoos mais preferidos para dar aulas em universi-dades, fazer palestras, etc. Os restantes 90%são, uns mais do que outros, pau para toda aobra, nos quais se incluem recém-licenciadosque fazem uns trabalhos por vezes mais publi-citários do que jornalísticos. Nos tais 5%, estãodiretores, chefes e subchefes de redação mui-tas vezes sem passado profissional que justifi-que o cargo, mas dão prestígio às instituiçõesacadémicas, atraem alunos, e são esses que asuniversidades procuram ter. Há aqui uma dis-torção que se traduz na tal cumplicidade, noquadro de uma lógica académica que não se afigura a maisconveniente. Há cerca de 20 anos que se fala da crise do Jornalismo, da redu-

ção de fronteiras entre informação e outros campos da comuni-

cação. Que consequências tem o enfraquecimento da credibili-

dade dos media para a democracia?

Uma coisa são jornais, rádios e televisões, outra são, hoje emdia, nas democracias, as redes sociais. Imperam o individua-lismo, o divertimento, a intriga, a propaganda... As redesestão muito dependentes dos cliques, há grupos organizadosque interferem, e o tipo de mensagem está dependente daprópria natureza de cada rede. E de certo modo as redesestão a navegar nas águas trazidas pela crise do Jornalismo edos jornalistas. Por caminhos e meios diversos, as redes estão,a prazo, provavelmente a ter o mesmo percurso de perda decredibilidade do Jornalismo. Não devemos misturar o papeldas redes sociais e a crise do Jornalismo, mas podemos admi-

tir que as duas crises, em tempos diferentes, estão a construiro mesmo objectivo, com as mesmas consequências: não cons-tituir, na base das suas potencialidades próprias, uma ajudaque seria preciosa às populações como instrumento de edu-cação, cultura e esclarecimento e não de distração, alienação,superficialidade. E que futuro perspetiva para o Jornalismo e para os jornalistas?

O futuro do Jornalismo está estreitamente ligado ao futuro dasociedade, porque o Jornalismo não é uma entidade autóno-ma e não depende da vontade dos jornalistas. Reflexo deuma determinada sociedade, não tem sentido dizer-se que oJornalismo poderá alguma vez mudar essa sociedade, porqueestá dependente de constrangimentos que vêm dela própria,que o criou e alimenta. Dito de outro modo, é uma ilusãopensar que o Jornalismo, por si próprio, pode melhorar-se ealterar-se. E se há uma realidade que está aqui subjacente é afragilização do Jornalismo e dos jornalistas do ponto de vistada sua intervenção nos conteúdos – os jornalistas não publi-cam o que querem, como querem. Esta fragilização progressi-va tem aumentado entre nós desde os anos 90. Os conselhosde redação perderam força e influência, ou desapareceram.Os provedores do leitor são uma raridade e os do ouvinte etelespetador só existem na RTP.

Falta autorregulação ao Jornalismo

português?

Sim, falta. Embora sem nenhumpoder vinculativo, a existênciados provedores como Mesquita,Paquete, Manuel Pinto, JoaquimFidalgo e outros era muito útil – epor isso desapareceram. O factode existirem no serviço público émuito bom! Aconselho vivamen-te a que acompanhem semanal-mente, ou revejam na RTP Play,quer o programa de televisão,quer o de rádio dos respetivosprovedores, Jorge Wemans e

João Paulo Guerra. São programas em que qualquer de nós,especialista ou não, aprende a perceber, por exemplo, osconstrangimentos, nomeadamente financeiros, que afetamos profissionais da RTP.No panorama que traça, que conselhos deixa a quem está a

estudar Jornalismo e quer ser jornalista?

Para quem está a estudar Jornalismo e quer ser jornalista, ocaminho tem pedras. É necessário que sejam alunos interes-sados e participativos, não excluam a crítica e a autocrítica, acapacidade própria de pensar e uma vontade de mudar omundo. Devem ler muito – há muita literatura científica espe-cializada – interessar-se pelas questões do conhecimento, dacultura, da consciência social, na perspetiva de que oJornalismo é bom quando é útil às pessoas, ou seja, as ajudaa pensar e a agir. E, nessa perspetiva, interessarem-se peloJornalismo, uma bela profissão, que poderá ajudar aquelesque querem construir uma sociedade diferente e melhor.

ENTREVISTA Fernando Correia

20anos

“Quando não há temponem espaço ou vontadepara explicar, acabamosmesmo por estar nomundo dasuperficialidade, da faltade aprofundamento e dasujeição ou davulnerabilidade daspessoas ao engano oumesmo à manipulação”

JJ

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26|Jan/Abr 2020|JJ

COM ELESSEMPRECONTÁMOSO que têm em comum um jornalista de rádio,um gráfico e um fotojornalista? A condição de “resistentes”:são colaboradores da JJ desde o nº 1.

Paulo Martins

Eugénio Alves é o elo de ligação: foi elequem desafiou Mário Rui Cardoso, JoséSouto e José Frade a embarcarem naaventura da Jornalismo & Jornalistas,estava o século a mudar-se para XXI.Desde então, são fieis à “causa”, cadaum no seu campo de atuação: Souto é

gráfico (orgulha-se de manter a designação tradicional daprofissão), Frade repórter-fotográfico freelancer e Cardosojornalista de rádio, assegurando há duas décadas as pági-nas reservadas à abordagem do mundo digital.

O mais jovem do grupo (nasceu em 1970), Mário RuiCardoso construiu uma amizade com Eugénio Alves naantiga RDP, onde ambos trabalharam. Era há algumtempo responsável por uma rubrica matinal de 1,5-2minutos, emitida em horário nobre, colada ao noticiáriodas 8. “O que vem à rede” movimentava-se num meioainda na meninice. “Funcionava para muita gente comointrodução à Internet”, afirma. Sugeria sites e aguçava oapetite para um universo pouco conhecido – mesmo dosjornalistas, uma vez que no final dos anos 1990 só doiscomputadores da redação da RDP estavam ligados à rede.

A rubrica tornou-se um sucesso e o seu autor “ohomem da Internet na rádio”. Começou a escrever umacrónica no caderno Vidas do Expresso e, mais tarde, a Visãoofereceu uma página para preencher com idêntico regis-to. Até Francisco Balsemão lhe pediu conselhos sobre orecurso à internet pelos media. Foi esta abordagem queprivilegiou (tem vindo a privilegiar) na secção Jornal –Sites da JJ. Interessava-lhe perceber de que forma os

órgãos de comunicação estavam a aproveitar o novo ins-trumento. Nesse tempo, em rigor, aproveitavam pouco: aspáginas eletrónicas dos jornais não passavam de transcri-ções das versões impressas, embora “todos sentissem quenão podiam deixar de estar ali, porque a net era o futuro”.

Mário Rui foi dos primeiros jornalistas a abordar proje-tos apostados em fazer a diferença no terreno tecnológico.“Apareciam mil e uma maneiras de transmitir informaçõ-es nas plataformas digitais”, lembra. A interatividade ga-nhou valor por si própria, incorporando-se em estratégiashoje correntes – o envio de testemunhos e vídeos, porexemplo, que alimentou tendências como a do chamado“Jornalismo do Cidadão”.

Na JJ, acompanhou a evolução do panorama mediáticoem permanente mutação. Refletiu sobre os esforços dasempresas para fidelizar o público. Sobre experiências demonetização, abrindo as plataformas sem restrições oucondicionando o acesso a subscritores. Sobre a crescenteinfluência da Google e do Facebook. Sobre novas modali-dades de exercício profissional potenciadas pela Internet,como o Jornalismo de Dados. Ainda está à procura – esta-mos todos – de resposta para a pergunta que é a chave dofuturo: como comunicar com os jovens, que se afastamdos meios tradicionais? Através de memes, como recente-mente fez a TV2 Østjylland, televisão pública dinamar-quesa, experiência de que falou na anterior edição?

NADA SE RECUSA A AMIGOSFoi a convivência de José Souto e José Frade com EugénioAlves na revista Tempo Livre, do Inatel, que conduziu ambos

EGO

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26|Jan/Abr 2020|JJ

COM ELESSEMPRECONTÁMOSO que têm em comum um jornalista de rádio,um gráfico e um fotojornalista? A condição de “resistentes”:são colaboradores da JJ desde o nº 1.

Paulo Martins

Eugénio Alves é o elo de ligação: foi elequem desafiou Mário Rui Cardoso, JoséSouto e José Frade a embarcarem naaventura da Jornalismo & Jornalistas,estava o século a mudar-se para XXI.Desde então, são fieis à “causa”, cadaum no seu campo de atuação: Souto é

gráfico (orgulha-se de manter a designação tradicional daprofissão), Frade repórter-fotográfico freelancer e Cardosojornalista de rádio, assegurando há duas décadas as pági-nas reservadas à abordagem do mundo digital.

O mais jovem do grupo (nasceu em 1970), Mário RuiCardoso construiu uma amizade com Eugénio Alves naantiga RDP, onde ambos trabalharam. Era há algumtempo responsável por uma rubrica matinal de 1,5-2minutos, emitida em horário nobre, colada ao noticiáriodas 8. “O que vem à rede” movimentava-se num meioainda na meninice. “Funcionava para muita gente comointrodução à Internet”, afirma. Sugeria sites e aguçava oapetite para um universo pouco conhecido – mesmo dosjornalistas, uma vez que no final dos anos 1990 só doiscomputadores da redação da RDP estavam ligados à rede.

A rubrica tornou-se um sucesso e o seu autor “ohomem da Internet na rádio”. Começou a escrever umacrónica no caderno Vidas do Expresso e, mais tarde, a Visãoofereceu uma página para preencher com idêntico regis-to. Até Francisco Balsemão lhe pediu conselhos sobre orecurso à internet pelos media. Foi esta abordagem queprivilegiou (tem vindo a privilegiar) na secção Jornal –Sites da JJ. Interessava-lhe perceber de que forma os

órgãos de comunicação estavam a aproveitar o novo ins-trumento. Nesse tempo, em rigor, aproveitavam pouco: aspáginas eletrónicas dos jornais não passavam de transcri-ções das versões impressas, embora “todos sentissem quenão podiam deixar de estar ali, porque a net era o futuro”.

Mário Rui foi dos primeiros jornalistas a abordar proje-tos apostados em fazer a diferença no terreno tecnológico.“Apareciam mil e uma maneiras de transmitir informaçõ-es nas plataformas digitais”, lembra. A interatividade ga-nhou valor por si própria, incorporando-se em estratégiashoje correntes – o envio de testemunhos e vídeos, porexemplo, que alimentou tendências como a do chamado“Jornalismo do Cidadão”.

Na JJ, acompanhou a evolução do panorama mediáticoem permanente mutação. Refletiu sobre os esforços dasempresas para fidelizar o público. Sobre experiências demonetização, abrindo as plataformas sem restrições oucondicionando o acesso a subscritores. Sobre a crescenteinfluência da Google e do Facebook. Sobre novas modali-dades de exercício profissional potenciadas pela Internet,como o Jornalismo de Dados. Ainda está à procura – esta-mos todos – de resposta para a pergunta que é a chave dofuturo: como comunicar com os jovens, que se afastamdos meios tradicionais? Através de memes, como recente-mente fez a TV2 Østjylland, televisão pública dinamar-quesa, experiência de que falou na anterior edição?

NADA SE RECUSA A AMIGOSFoi a convivência de José Souto e José Frade com EugénioAlves na revista Tempo Livre, do Inatel, que conduziu ambos

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ao projeto editorial concebido no seio do Clube de Jornalistas,a cuja Direção Eugénio presidia na época. O primeiro até játinha colaborado com a instituição, ao participar no elabora-ção do livro “Quem é quem no jornalismo português”, queem 1992 procedeu à sistematização do grupo profissional.

“Gostávamos todos do Eugénio. Tinha de aceitar, por-que ele merece. Quando os amigos nos pedem, fazemos”.É com um princípio elementar que José Frade responde,quando instado a puxar pela memória do convite feito hámais de duas décadas. Claro que não lhe passou pelacabeça recusar, apesar do aviso: a revista “é para jornalis-tas”. Trocado em miúdos: a participação não substitui orecurso a outros meios de proporcionar o ganha-pão.

Nascido em 1961, Frade começou a carreira como foto-jornalista em 1984, n’O Diário. Após o encerramento dojornal, em 1990, passou a freelancer. Publicou na JJ cente-nas de fotografias. Quase todas as entrevistas realizadaspara mais de 70 edições incluíram imagens da sua autoria.Garante que aprendeu sempre, “mesmo com o que osentrevistados dizem”.

Em ambiente de crise da Comunicação Social, os free-lancers são dos mais atingidos. Apesar dela – ou para maiseficazmente lhe responder – o nosso fotojornalista já fre-quentou diversos cursos de formação no Cenjor. Mantéma preocupação de aprofundar os conhecimentos e de seatualizar – também do ponto de vista tecnológico. A nova“menina dos seus olhos” é uma câmara silenciosa, recente-mente adquirida. Excelente para clicar sem causar pertur-bações a quem está por perto. Com a maior das discrições.

Também com 58 anos, José Souto lançou-se nas lides

dos jornais em 1982, com um part-time no Correio daManhã. Após uma pausa para o serviço militar, regressoue acabaria por ser contratado como gráfico a tempo intei-ro. Saiu no início dos anos 1990, para ajudar a erguer umaempresa do grupo João Lagos que produzia publicaçõesespecializadas em ténis e golfe, bem como a revista debordo da Portugália. Ingressou no extinto semanário OIndependente em 2001 e faz desde 2007 parte dos quadrosdo Público, onde é editor de fecho da equipa de paginação.

Apresentado por Eugénio Alves a Fernando Correia,primeiro diretor da Jornalismo & Jornalistas, não hesitouem assumir a responsabilidade da conceção gráfica darevista. Recorda-se de que “eles queriam algo clean, quenão fosse muito arrojado”. Assim se foi fazendo, no siste-ma de tentativa e erro, mas sempre na perspetiva de aper-feiçoar o produto final.

A certa altura – Souto não sabe precisar quando – sen-tiu necessidade de fazer um refreshing, o que hoje designacomo “limpeza maior”. Na realidade, uma mudança devisual que cortou, em certo sentido, com o modelo inicial,sem representar uma revolução. Se o domínio fosse políti-co, dir-se-ia que se tratou de uma espécie de “evolução nacontinuidade”.

A alteração operada permitiu que a JJ se tornasse grafi-camente “mais solta”. Esclarece o homem do grafismo: “nãopode ser muito rígida, porque não tem uma grelha fixa” –alguns temas justificam aprofundamento – logo, a disponi-bilização de mais páginas – outros não. “Vou-me adaptan-do, embora mantenha sempre as mesmas fontes tipográfi-cas. Nesse sentido, é uma solução minimalista”.

BRUNO LEVITA JOSE FRADE DANIEL ROCHA

Os três resistentes: José Frade, Mário Rui Cardoso e José Souto

JJ

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28|Jan/Abr 2020|JJ

REFERÊNCIAPARA GERAÇÕES

Sacavém, 1952

Página seguinte, Lisboa,

25 de Abril de 1974

EDUARDO GAGEIRO,que nestas páginashomenageamos, é umareferência paragerações de repórteres-fotográficos. Pequenaparcela do que de maisrelevante produziu nasua longa carreira,estas fotografias fazemparte do grupo dasque ganharamcentenas de prémios,nos cinco continentes.Já estiveram expostasem dezenas deexposições individuaisna Universidade dePraga, Museu deHelsínquia, GaleriaBloomingdale’s (NovaIorque), MuseuMundial de Arte(Pequim), Associaçãode Amizade Entre osPovos (Moscovo),Berlim e Casa daHistória Europeia(Bruxelas), entre outroslocais.

HOMENAGEM

20anos

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28|Jan/Abr 2020|JJ

REFERÊNCIAPARA GERAÇÕES

Sacavém, 1952

Página seguinte, Lisboa,

25 de Abril de 1974

EDUARDO GAGEIRO,que nestas páginashomenageamos, é umareferência paragerações de repórteres-fotográficos. Pequenaparcela do que de maisrelevante produziu nasua longa carreira,estas fotografias fazemparte do grupo dasque ganharamcentenas de prémios,nos cinco continentes.Já estiveram expostasem dezenas deexposições individuaisna Universidade dePraga, Museu deHelsínquia, GaleriaBloomingdale’s (NovaIorque), MuseuMundial de Arte(Pequim), Associaçãode Amizade Entre osPovos (Moscovo),Berlim e Casa daHistória Europeia(Bruxelas), entre outroslocais.

HOMENAGEM

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30|Jan/Abr 2020|JJ

HOMENAGEM Eduardo Gageiro

20anos

Lisboa, partida de tropas para as colónias, 1961

Forte de S. João do Estoril, Salazar, 1962

Lisboa, feira das Mercês, 1971

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30|Jan/Abr 2020|JJ

HOMENAGEM Eduardo Gageiro

20anos

Lisboa, partida de tropas para as colónias, 1961

Forte de S. João do Estoril, Salazar, 1962

Lisboa, feira das Mercês, 1971

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Lisboa, Terreiro do Paço,

Salgueiro Maia e Maia Loureiro,

25 de abril de 1974

Lisboa, sede da PIDE-DGS, 26

de abril de 1974

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32|Jan/Abr 2020|JJ

HOMENAGEM Eduardo Gageiro

20anos

Bagdad, Iraque,

1996

Jerusalém,

Israel, Muro das

Lamentações,

2005

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32|Jan/Abr 2020|JJ

HOMENAGEM Eduardo Gageiro

20anos

Bagdad, Iraque,

1996

Jerusalém,

Israel, Muro das

Lamentações,

2005

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Dili, Timor-Leste,

2000

Índia, Amritsar, 2006

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34|Jan/Abr 2020|JJ

EDITORIAL

1Nunca tanto como actualmente sefez sentir no campo jornalístico anecessidade de uma publicação que,de uma forma continuada e tantoquanto possível aprofundada, abor-

de os problemas da profissão nas várias vertentesteóricas e práticas.

Essa necessidade já não é nova, mas as tentati-vas de concretização – como, em 1987, o nº 1 (eúnico) dos Cadernos de Imprensa – não tiveram adesejada sequência. Sendo que, entretanto, gra-ças aos meritórios esforços das direcções sindi-cais, têm sido editadas, com maior ou menorregularidade, jornais e revistas de inegável inte-resse e utilidade, mas cujo âmbito, naturalmente,não é o mesmo.

A premência de uma tal publicação acentuou-se nos anos 90, devido às grandes transformaçõ-es operadas na paisagem mediática nacional econsequentes reflexos não só no perfil social eprofissional dos jornalistas, mas também nas for-mas de conceber e praticar o jornalismo, com oaparecimento de novos condicionamentos enovos desafios, nomeadamente de naturezaética. E não será exagerado dizer que tudo isto,em última análise, tem a ver com a própria sobre-vivência da profissão, pelo menos tal como atéhoje ela tem sido entendida.

Foi neste contexto que o Clube de Jornalistasdecidiu editar uma revista periódica que dealgum modo concretizasse essa antiga aspiração.

2JJ - Jornalismo e Jornalistas terá comograndes objectivos – e assim fica defi-nido no seu Estatuto Editorial – cons-tituir-se como:• Estímulo a uma maior preocupação

e consciencialização dos jornalistas acerca da prá-

tica da profissão e incentivo a que o trabalho quo-tidiano seja acompanhado e complementado poruma maior reflexão sobre essa prática e sobre ojornalismo em geral – a sua identidade historica-mente construída, a sua natureza, os seus funda-mentos, as suas funções, os seus contextos, osseus efeitos, as suas implicações, o seu lugar nasociedade.

• Contributo para o estudo e a preparaçãopor parte dos profissionais perante os novos des-afios colocados ao jornalismo e aos jornalistasnos dias de hoje e no futuro previsível, nomea-damente devido ao impacte das novas tecnolo-gias, aos novos enquadramentos organizacionaise empresariais, às novas exigências éticas e deon-tológicas.

• Estabelecimento de laços mais íntimos, emutuamente vantajosos, entre o plano da práticaprofissional e os planos do ensino, da formação eda investigação, procurando diminuir o fossoque, com prejuízo para ambas as partes, tradicio-nalmente tem separado o mundo profissional e omundo académico.

• Incentivo ao debate – entre os jornalistas,mas também no plano da sociedade em geralsobre o jornalismo e as suas problemáticas erepercussões, contribuindo quer para um melhorconhecimento público e dignificação social daprofissão e dos profissionais, com base na realida-de e não em mitos, quer para o devido reconhe-cimento da importância do jornalismo e da infor-mação para a sociedade e para a democracia.

A vocação de JJ não é a de defender teses pró-prias nem tomar partido nos debates sobre o jor-nalismo e a vida da classe, mas sim a de propor-cionar um espaço onde seja possível recensear elevantar os problemas, aprofundar a reflexão,disponibilizar a informação, facilitar o diálogo

EM DIRETODO N.º 1

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34|Jan/Abr 2020|JJ

EDITORIAL

1Nunca tanto como actualmente sefez sentir no campo jornalístico anecessidade de uma publicação que,de uma forma continuada e tantoquanto possível aprofundada, abor-

de os problemas da profissão nas várias vertentesteóricas e práticas.

Essa necessidade já não é nova, mas as tentati-vas de concretização – como, em 1987, o nº 1 (eúnico) dos Cadernos de Imprensa – não tiveram adesejada sequência. Sendo que, entretanto, gra-ças aos meritórios esforços das direcções sindi-cais, têm sido editadas, com maior ou menorregularidade, jornais e revistas de inegável inte-resse e utilidade, mas cujo âmbito, naturalmente,não é o mesmo.

A premência de uma tal publicação acentuou-se nos anos 90, devido às grandes transformaçõ-es operadas na paisagem mediática nacional econsequentes reflexos não só no perfil social eprofissional dos jornalistas, mas também nas for-mas de conceber e praticar o jornalismo, com oaparecimento de novos condicionamentos enovos desafios, nomeadamente de naturezaética. E não será exagerado dizer que tudo isto,em última análise, tem a ver com a própria sobre-vivência da profissão, pelo menos tal como atéhoje ela tem sido entendida.

Foi neste contexto que o Clube de Jornalistasdecidiu editar uma revista periódica que dealgum modo concretizasse essa antiga aspiração.

2JJ - Jornalismo e Jornalistas terá comograndes objectivos – e assim fica defi-nido no seu Estatuto Editorial – cons-tituir-se como:• Estímulo a uma maior preocupação

e consciencialização dos jornalistas acerca da prá-

tica da profissão e incentivo a que o trabalho quo-tidiano seja acompanhado e complementado poruma maior reflexão sobre essa prática e sobre ojornalismo em geral – a sua identidade historica-mente construída, a sua natureza, os seus funda-mentos, as suas funções, os seus contextos, osseus efeitos, as suas implicações, o seu lugar nasociedade.

• Contributo para o estudo e a preparaçãopor parte dos profissionais perante os novos des-afios colocados ao jornalismo e aos jornalistasnos dias de hoje e no futuro previsível, nomea-damente devido ao impacte das novas tecnolo-gias, aos novos enquadramentos organizacionaise empresariais, às novas exigências éticas e deon-tológicas.

• Estabelecimento de laços mais íntimos, emutuamente vantajosos, entre o plano da práticaprofissional e os planos do ensino, da formação eda investigação, procurando diminuir o fossoque, com prejuízo para ambas as partes, tradicio-nalmente tem separado o mundo profissional e omundo académico.

• Incentivo ao debate – entre os jornalistas,mas também no plano da sociedade em geralsobre o jornalismo e as suas problemáticas erepercussões, contribuindo quer para um melhorconhecimento público e dignificação social daprofissão e dos profissionais, com base na realida-de e não em mitos, quer para o devido reconhe-cimento da importância do jornalismo e da infor-mação para a sociedade e para a democracia.

A vocação de JJ não é a de defender teses pró-prias nem tomar partido nos debates sobre o jor-nalismo e a vida da classe, mas sim a de propor-cionar um espaço onde seja possível recensear elevantar os problemas, aprofundar a reflexão,disponibilizar a informação, facilitar o diálogo

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assim procurando ajudar à melhoria da qualida-de do jornalismo e dos jornalistas.

3JJ procurará situar-se, tanto no quese refere aos temas como às formasde abordagem, num registo intermé-dio entre o tratamento próprio daimprensa diária ou semanal e o apro-

fundamento teórico característico das publicaçõ-es académicas.

Não será uma revista de notícias sobre aactualidade, ainda que tendo a preocupação deabordar temas actuais e mesmo polémicos. Nãoserá uma revista de estudos e ensaios, ainda quecada número inclua textos desse tipo.

Análises de maior desenvolvimento e ambiçãocoexistirão com géneros jornalísticos mais“leves”, num esforço de complementaridade sus-ceptível de proporcionar leituras diversificadas eum cumprimento adequado e atraente dos objec-tivos referidos.

4JJ será, naturalmente, uma revista dejornalistas e essencialmente a eles diri-gida. De todos esperamos, aliás, críti-cas, sugestões, participação, sem asquais não alcançaremos os fins a que

nos propomos. Simultaneamente, e porque enten-demos que o jornalismo e os jornalistas não sedevem fechar sobre si próprios – como se fossepossível ignorar a sua íntima ligação à sociedade,da qual são um reflexo, mas sobre a qual exerceminfluência – procuraremos que JJ seja também par-tilhada por outros profissionais da informação,professores, investigadores e estudantes, por todosquantos, enfim, motivados ou não por razões detrabalho, se interessam por estas problemáticas esão sensíveis à sua crescente importância social.

A vocação de JJ não é ade defender tesespróprias nem tomarpartido nos debates sobreo jornalismo e a vida daclasse, mas sim a deproporcionar um espaçoonde seja possívelrecensear e levantar osproblemas, aprofundar areflexão, disponibilizar ainformação, facilitar odiálogo...

JJ

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PAQUETE DE OLIVEIRA À JJ

MUNDO PROFISSIONALE MUNDO ACADÉMICO: “A APROXIMAÇÃOTERÁ DE SERRECÍPROCA”

O Prof. Paquete de Oliveira é alguém particularmente bem colocadopara, como primeiro convidado desta secção da JJ, nos falar,precisamente, de alguns dos temas que constituem o núcleo centraldas preocupações da nossa revista. Jornalista durante cerca de décadae meia – chefe de redacção do Jornal da Madeira, de 1960 a 1966, edirector do Diário de Notícias da Madeira, logo a seguir ao 25 de Abril eaté 1976 – José Manuel Paquete de Oliveira enveredou depois pelacarreira universitária, com larga actividade no ensino e nainvestigação, tendo a sua tese de doutoramento, em 1988, sido aprimeira sobre jornalismo apresentada nas nossas universidades.Actualmente, além de professor de Sociologia no ISCTE, écoordenador do mestrado de Comunicação, Cultura e Tecnologias deInformação e da Pós-Graduação em Jornalismo. É também,nomeadamente, coordenador das pesquisas do Projecto Sociedade daInformação – Internet, Interfaces da Sociedade (Praxis XXI, FCT) e doEstudo do Mercado Electrónico Português (Comissão Europeia, FCT).

Fernando Correia

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PAQUETE DE OLIVEIRA À JJ

MUNDO PROFISSIONALE MUNDO ACADÉMICO: “A APROXIMAÇÃOTERÁ DE SERRECÍPROCA”

O Prof. Paquete de Oliveira é alguém particularmente bem colocadopara, como primeiro convidado desta secção da JJ, nos falar,precisamente, de alguns dos temas que constituem o núcleo centraldas preocupações da nossa revista. Jornalista durante cerca de décadae meia – chefe de redacção do Jornal da Madeira, de 1960 a 1966, edirector do Diário de Notícias da Madeira, logo a seguir ao 25 de Abril eaté 1976 – José Manuel Paquete de Oliveira enveredou depois pelacarreira universitária, com larga actividade no ensino e nainvestigação, tendo a sua tese de doutoramento, em 1988, sido aprimeira sobre jornalismo apresentada nas nossas universidades.Actualmente, além de professor de Sociologia no ISCTE, écoordenador do mestrado de Comunicação, Cultura e Tecnologias deInformação e da Pós-Graduação em Jornalismo. É também,nomeadamente, coordenador das pesquisas do Projecto Sociedade daInformação – Internet, Interfaces da Sociedade (Praxis XXI, FCT) e doEstudo do Mercado Electrónico Português (Comissão Europeia, FCT).

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Oensino e a investigação sobre jorna-

lismo eram entre nós impossíveis,

por motivos conhecidos, antes do

25 de Abril. Como descreve os pas-

sos dados desde então? Como

caracteriza, nas suas coisas boas e

menos boas, a actual situação do

ensino do jornalismo, e quais os caminhos que preconiza

para a sua melhoria?

Com a excepção talvez em dois ou três campos como emDireito, Medicina, Engenharia, o ensino e a investigaçãonos mais diversos domínios de formação foram descuida-dos pelo Estado Novo. Convém não esquecer que a situa-ção do ensino superior em Portugal só começou a vivermelhores dias após a reforma de Veiga Simão (1973). AsCiências Sociais foram no seu todo as mais desprotegidas,pois eram vistas como “perigosas” para o “statu quo”.Num Estado em que a liberdade de opinião e expressãoestavam “confiscadas”, logicamente não era conciliável“produzir” profissionais de informação (isto não querdizer que não tenham existido alguns excelentes jornalis-tas). Fora das preocupações da universidade e das empre-sas, a responsabilidade desta formação foi sendo reivindi-

cada pelo Sindicato dos Jornalistas. Em 1940, este sindica-to apresentou ao Governo um projecto de um curso deformação de jornalistas, obviamente guardado na gaveta.Em 1970, é elaborado outro projecto (o projecto SilvaCosta), subscrito por Jacinto Baptista, António Reis, JoãoGomes e Cáceres Monteiro. Durante o marcelismo(1968/74), três factos começaram a alterar a situação nestecampo: a lei de Imprensa apresentada por Sá Carneiro ePinto Balsemão; um primeiro curso de jornalismo monta-do pelo grupo Quina, que funcionou na Faculdade deLetras da Universidade de Lisboa (1973-77) e a fundaçãodo Expresso (1973). Com a libertação trazida pelo 25 deAbril, a explosão dos media e do mercado publicitário (aindustrialização do sector), o fascínio encantatório destanova profissão de jornalista e também a sua credibilizaçãoe legitimação social, o panorama modificou-se. Contudo,só a partir de 1980 a universidade, de forma explícita, dáresposta ao ensino em ciências da comunicação. Primeiro,a FCSH, da Universidade Nova de Lisboa, depois o ISCSP,da Universidade Técnica de Lisboa e a UniversidadeCatólica. Acontece então para o ensino nesta área o queMário Mesquita chamou “milagre da multiplicação decursos”. É caso para dizer-se “não há fome que não dê em

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fartura. Todavia, esta imensa proliferação exige uma rede-finição dos objectivos, uma reordenação dos campos e dasfunções a que se quer dar resposta com o ensino específi-co em jornalismo e em ciências da comunicação. Para alémdas instituições de ensino, importa salientar neste aspectovalorativo da formação o papel dos centros de formaçãofundados entretanto, o CEJ do Porto (1983) e o CENJOR(1986).Não existirá actualmente uma desadequação entre, por um

lado, o tipo de ensino ministrado e, por outro, as novas exi-

gências e a previsível evolução da prática profissional,

nomeadamente no que se refere à utilização das novas tec-

nologias?

Este problema da dissociação entre o ensino ministrado ea prática profissional não é novo, nem tão pouco dizexclusivamente respeito ao ensino de jornalismo. Hoje,sobretudo em virtude do ritmo veloz em que a vivênciado quotidiano se altera constantemente, coloca-se emtodos os campos. No jornalismo, porém, ou melhor, naacepção que se tem feito do ensino de jornalismo, emPortugal, essa questão reflecte uma velha polémica.Sempre houve uma convicção “íntima” por parte da “clas-se”, como na gíria se reconhecem os jornalistas, que jorna-lismo se aprende “com tarimba”, na prática, com o cheiro– antes do chumbo, agora com a tinta das impressoras”laser” ou o “cheiro quente” dos computadores. Por seulado, a genérica concepção e ministração decursos não especificamente direccionadospara jornalismo, mas para formações maisabrangentes na área da comunicação, con-tribuiu para acentuar esse diferendo. Asciências da comunicação não têm de res-ponder obviamente só ao jornalismo. Pormim, entendo que todas as profissões seaprendem no “terreno”, no exercício daprofissão, com a aquisição anterior de umasólida e actualizada formação intelectual,cultural e cívica, e um adestramento técni-co-profissional-científico direccionado parao campo de actividade previsto. O resto,fazendo se aprende. Esta concepção exigecooperação das escolas, das empresas, dospróprios “formandos” e compreensão-acei-tação por parte da sociedade. Particu-larmente, o binómio escola-empresa temde funcionar de forma muito cooperante.No que se refere, por exemplo, à questãodas “novas tecnologias”, não se compreen-de como é possível hoje em dia ministrarensino neste campo sem a utilização das“ferramentas” próprias às novas tecnolo-gias, aos novos media, como a Internet. Éum dos aspectos da desadequação. Continua a constatar-se um apreciável fosso

entre, por um lado, o número de estudantes

que completam os cursos e, por outro, a oferta de empre-

go, pelo menos no que se refere aos grandes media. Como

vê esta situação?

Creio que o hiato que existe neste momento no país entrea oferta feita pelo ensino superior e a procura por parte domercado de emprego de licenciados pelos mais diversoscursos começa a ser preocupante. Fala-se em cerca de 22000 licenciados desempregados. Os licenciados em jorna-lismo não poderiam fazer excepção. O estudo elaboradopor Mário Mesquita e Cristina Ponte para a ComissãoEuropeia em Portugal e referente a dados de 1996/97inventaria mais de 30 cursos nesta área com a frequênciaaproximada de 7 000 alunos. Efectivamente a evoluçãoregistada neste sector não parece de molde a prometerperspectivas animadoras. O sector está em franco desen-volvimento, mas este factor comporta um forte concentra-cionismo dos grupos media e porventura uma conse-quente internacionalização com a inevitável racionaliza-ção gestionária do emprego de recursos humanos. Terá dehaver uma reorientação da oferta e uma imaginação cria-tiva na desmultiplicação das funcões e dos “ofícios” paraaqueles que se formam em ciências da comunicação.Quanto à investigação, é evidente que nos últimos anos se

tem assistido a um notável incremento, com a apresentação

de teses, a criação de associações, a realização de congres-

sos, o incremento da edição, os contactos internacionais.

Que balanço faz a este respeito?

A nova configuração do ensinoe formação neste campo veiotransformar a situação. Aonúmero crescente de licencia-dos corresponde o aumento deteses de licenciatura e, progres-sivamente, de teses de mestra-do e doutoramento. Isso repre-senta um investimento signifi-cativo na preparação de recur-sos humanos e na produção deestudo e investigação nestesdomínios. Começa a haver umconjunto importante de traba-lhos nesta área. Talvez quandoestes vierem à luz da publicida-de, a crítica de que se investigapouco nesta área deixe de serpertinente. É pena que a maiorparte permaneça no “silêncio”das bibliotecas ou depósitosescolares. O programa de finan-ciamento à edição de obras naárea de ciência da comunicaçãoinstituído em 1999 pelo secretá-rio de Estado que tutela o sectorvai, com certeza, provocar umamaior divulgação. Ao pioneiris-

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“Não se compreendecomo é possível hoje emdia ministrar ensino nestecampo sem a utilizaçãodas ‘ferramentas’próprias às novastecnologias, aos novosmedia, como a Internet”

“Todas as profissões seaprendem no ‘terreno’,no exercício da profissão,com a aquisição anteriorde uma sólida eactualizada formaçãointelectual, cultural ecívica, e umadestramento técnico-profissional-científico”

“É necessário repensar ereordenar a profissão e opapel de jornalista numcontexto dosprofissionais dos ‘velhos’e dos ‘novos’ media”

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fartura. Todavia, esta imensa proliferação exige uma rede-finição dos objectivos, uma reordenação dos campos e dasfunções a que se quer dar resposta com o ensino específi-co em jornalismo e em ciências da comunicação. Para alémdas instituições de ensino, importa salientar neste aspectovalorativo da formação o papel dos centros de formaçãofundados entretanto, o CEJ do Porto (1983) e o CENJOR(1986).Não existirá actualmente uma desadequação entre, por um

lado, o tipo de ensino ministrado e, por outro, as novas exi-

gências e a previsível evolução da prática profissional,

nomeadamente no que se refere à utilização das novas tec-

nologias?

Este problema da dissociação entre o ensino ministrado ea prática profissional não é novo, nem tão pouco dizexclusivamente respeito ao ensino de jornalismo. Hoje,sobretudo em virtude do ritmo veloz em que a vivênciado quotidiano se altera constantemente, coloca-se emtodos os campos. No jornalismo, porém, ou melhor, naacepção que se tem feito do ensino de jornalismo, emPortugal, essa questão reflecte uma velha polémica.Sempre houve uma convicção “íntima” por parte da “clas-se”, como na gíria se reconhecem os jornalistas, que jorna-lismo se aprende “com tarimba”, na prática, com o cheiro– antes do chumbo, agora com a tinta das impressoras”laser” ou o “cheiro quente” dos computadores. Por seulado, a genérica concepção e ministração decursos não especificamente direccionadospara jornalismo, mas para formações maisabrangentes na área da comunicação, con-tribuiu para acentuar esse diferendo. Asciências da comunicação não têm de res-ponder obviamente só ao jornalismo. Pormim, entendo que todas as profissões seaprendem no “terreno”, no exercício daprofissão, com a aquisição anterior de umasólida e actualizada formação intelectual,cultural e cívica, e um adestramento técni-co-profissional-científico direccionado parao campo de actividade previsto. O resto,fazendo se aprende. Esta concepção exigecooperação das escolas, das empresas, dospróprios “formandos” e compreensão-acei-tação por parte da sociedade. Particu-larmente, o binómio escola-empresa temde funcionar de forma muito cooperante.No que se refere, por exemplo, à questãodas “novas tecnologias”, não se compreen-de como é possível hoje em dia ministrarensino neste campo sem a utilização das“ferramentas” próprias às novas tecnolo-gias, aos novos media, como a Internet. Éum dos aspectos da desadequação. Continua a constatar-se um apreciável fosso

entre, por um lado, o número de estudantes

que completam os cursos e, por outro, a oferta de empre-

go, pelo menos no que se refere aos grandes media. Como

vê esta situação?

Creio que o hiato que existe neste momento no país entrea oferta feita pelo ensino superior e a procura por parte domercado de emprego de licenciados pelos mais diversoscursos começa a ser preocupante. Fala-se em cerca de 22000 licenciados desempregados. Os licenciados em jorna-lismo não poderiam fazer excepção. O estudo elaboradopor Mário Mesquita e Cristina Ponte para a ComissãoEuropeia em Portugal e referente a dados de 1996/97inventaria mais de 30 cursos nesta área com a frequênciaaproximada de 7 000 alunos. Efectivamente a evoluçãoregistada neste sector não parece de molde a prometerperspectivas animadoras. O sector está em franco desen-volvimento, mas este factor comporta um forte concentra-cionismo dos grupos media e porventura uma conse-quente internacionalização com a inevitável racionaliza-ção gestionária do emprego de recursos humanos. Terá dehaver uma reorientação da oferta e uma imaginação cria-tiva na desmultiplicação das funcões e dos “ofícios” paraaqueles que se formam em ciências da comunicação.Quanto à investigação, é evidente que nos últimos anos se

tem assistido a um notável incremento, com a apresentação

de teses, a criação de associações, a realização de congres-

sos, o incremento da edição, os contactos internacionais.

Que balanço faz a este respeito?

A nova configuração do ensinoe formação neste campo veiotransformar a situação. Aonúmero crescente de licencia-dos corresponde o aumento deteses de licenciatura e, progres-sivamente, de teses de mestra-do e doutoramento. Isso repre-senta um investimento signifi-cativo na preparação de recur-sos humanos e na produção deestudo e investigação nestesdomínios. Começa a haver umconjunto importante de traba-lhos nesta área. Talvez quandoestes vierem à luz da publicida-de, a crítica de que se investigapouco nesta área deixe de serpertinente. É pena que a maiorparte permaneça no “silêncio”das bibliotecas ou depósitosescolares. O programa de finan-ciamento à edição de obras naárea de ciência da comunicaçãoinstituído em 1999 pelo secretá-rio de Estado que tutela o sectorvai, com certeza, provocar umamaior divulgação. Ao pioneiris-

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“Não se compreendecomo é possível hoje emdia ministrar ensino nestecampo sem a utilizaçãodas ‘ferramentas’próprias às novastecnologias, aos novosmedia, como a Internet”

“Todas as profissões seaprendem no ‘terreno’,no exercício da profissão,com a aquisição anteriorde uma sólida eactualizada formaçãointelectual, cultural ecívica, e umadestramento técnico-profissional-científico”

“É necessário repensar ereordenar a profissão e opapel de jornalista numcontexto dosprofissionais dos ‘velhos’e dos ‘novos’ media”

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mo da revista Comunicação & Linguagens, do Centro deEstudos de Comunicação e Linguagens da UniversidadeNova de Lisboa, veio agora juntar-se a Comunicação eSociedade, do ICS da Universidade do Minho. Por outrolado, importa registar a atenção que diversas editoras vêmultimamente dedicando a este domínio científico comcolecções específicas, tais como a Presença, a Minerva, aEditorial Notícias, a Terramar, a Bizâncio, as ediçõesPiaget, a Celta. O financiamento à investigação por parteda Fundação para a Ciência e Tecnologia do Ministério daCiência também tem aumentado, ainda que falte a estaárea ganhar junto da comunidade científica maior credi-bilidade na hierarquização da importância da investiga-ção a produzir, e portanto financiar. É de lamentar que asempresas do sector não se mostrem dispostas a investirneste domínio, nem tão pouco criem um departamentopróprio, como esse caso exemplar do “Verifica QualitativaProgrammi Trasmessi”, da RAI, que entre 1978 e 1999publicou mais de 170 estudos. Todavia, não podemos dei-xar de dar tempo ao tempo. Os departamentos ou secçõ-es das respectivas instituições escolares estiveram atéagora mais preocupados com a tarefa de preparar recur-sos humanos. Os centros de investigação específicospodem vir a ter um papel decisivo na mudança. Osencontros nesta área das ciências da comunicação realiza-dos pela Ibercom, Lusocom e Sopcom, estão a contribuirpara o romper desse silêncio.

Sempre houve um certo distanciamento entre o mundo pro-

fissional e o mundo académico, que não se afigura positivo

nem para uns nem para outros. Actualmente, há indícios de

que a situação se está a alterar. Como avalia esta questão?

O curso de pós-graduação levado a efeito, em parceria,pela Escola Superior de Comunicação Social do InstitutoPolitécnico de Lisboa e pelo ISCTE obedece, precisamen-te, a uma determinação para “encurtar” este distancia-mento. Não se pretende – esta tarefa cabe a outros – ensi-nar jornalismo. Pretende-se exactamente relacionar omundo académico com o mundo profissional e vice-versa. Instituições como a Associação Portuguesa deCiências da Comunicação (Sopcom) ou o Centro deInvestigação Media e Jornalismo, fundados em 1997, têmlinhas programáticas para contribuírem para a aproxima-ção desejada. Iniciativas conjuntas com o Sindicato dosJornalistas, com o Observatório de Imprensa, com oObercom, podem muito bem quebrar barreiras. A aproxi-mação, sem preconceitos, sem estereótipos, sem descon-fianças, terá de ser de ambos os lados. Tradicionais referências do jornalismo (nem sempre, é certo,

reflectidas na prática) relativas à deontologia, ao respeito

pelo público, à responsabilidade social, até mesmo à solida-

riedade entre os profissionais, tendem a ser substituídas,

em largos sectores da classe, pelo pragmatismo, pelo

sucesso a todo o custo, pela subordinação aos aspectos

comerciais. Ao mesmo tempo, novos protagonistas têm

cada vez maior peso, directo ou indirecto, na produção da

informação – gestores, publicitários, estrategas comerciais

e de marketing, técnicos de sondagens, apresentadores,

animadores, comentadores, analistas, assessores, consul-

tores, etc. Como vê a adaptação ao futuro do jornalismo e

dos jornalistas?

Não é o “noblesse” que obriga. É a vida, o estado de coi-sas, a “mercadorização” da informação, a lei de uma forteconcorrência e competição no mercado, a ameaça do de-semprego que o exigem. Sem dramatismos, sem falsosmoralismos, é preciso enfrentar com realismo a novasituação. No seu número 44, de 1994, a revista Reseauxpublicava já um interessante dossier sobre este assunto.Que fazem hoje aqueles que se formaram ou trabalhamem comunicação? Fazem um pouco de tudo. Com a“sociedade da comunicação” alargou-se o espaço socialdas actividades comunicacionais, dos profissionais destecampo. Estabeleceu-se uma nova cartografia de funções eempregos. O mundo da informação, porventura outroraconfinado aos jornalistas, e o reduto das instâncias produ-toras de informação socialmente legitimadas alteraram omundo da comunicação. Todas as profissões liberais estãoa morrer. É necessário repensar e reordenar a profissão eo papel de jornalista num contexto dos profissionais dos“velhos” e dos “novos” media. Alargar as hipóteses, defi-nir os campos, as “missões”, sem confundir papéis, evi-tando duvidosas ou reprováveis promiscuidades. Ao fime ao cabo, configurar o quadro para o novo mundo. JJ

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O JORNALISMO, OS JORNALISTASE A FORMAÇÃOFernando Cascais *

Aformação em jor-nalismo tem hoje,cada vez mais,duas fases: antese durante. Para seser profissional eenquanto se é

profissional. No acesso ao jornalismo,querelas como formação-tarimba eteoria-prática são tradicionais e quaseintermináveis, mas a experiência vaiensinando (vai ela própria formando)e algumas orientações podem irsendo avançadas.

Por exemplo, a primeira fase (o“antes”) é fundamentalmente for-mação académica, a segunda é pre-ferencialmente formação profissio-nal. Ambas podem ligar-se por umterritório partilhado, um estágio tutorado, um períodode integração profissional recuperado da indiferença,do “esclavagismo” e até da irresponsabilidade em quecaiu.

No “antes” situam-se uma cultura sólida e multidisci-plinar no campo das ciências humanas, o domínio de téc-nicas de comunicação, a prática de algumas tecnologias.No ”durante” o aperfeiçoamento profissional, a actualiza-ção tecnológica, a especialização.

O mundo – além de perigoso, como dizem alguns –está cada vez mais complexo de entender. Daí a especiali-zação ser uma tendência crescente na pós-formação jorna-lística. Do ponto de vista empresarial, permite melhorqualidade no tratamento e apresentação da informação;do ponto de vista profissional, abre melhores perspectivasde trabalho e de carreira.

A actualização tecnológica é necessidade tão evidentecomo permanente. Em especial numa época em que, paraevitar que as tecnologias dominem os conteúdos, têm osprodutores de conteúdos que dominar primeiro as tecno-logias.

Um outro modelo de formação tem vindo a ganharrelevo, a nível europeu. O acesso através da especializa-ção de base (economia, engenharia, direito, qualquerramo científico} e pós-formação na área da comunicação,

suas técnicas e tecnologias. É uma via que passa à margemde uma das querelas habituais: como se constrói o currícu-lo académico nas ciências da comunicação/jornalismo.

Em qualquer dos modelos, vai emergindo, mais clara emelhor compreendida, a conjugação entre as formaçõesacadémica e profissional. Mas ainda há um problema sériona comunicação social portuguesa: a primeira é dispensá-vel, a segunda “ignorável”.

Em jornalismo, a abertura no acesso é justa, mas sociale eticamente reprovável se for capa para (mais dócil erendosa) impreparação. Salvo louváveis e esclarecidasexcepções, a carreira jornalística pode ser conduzidanotícia a notícia, reportagem a reportagem, entrevista aentrevista, sem actualização, sem especialização, até semreflexão, porque as formações que as podem e devemproporcionar nem são entendidas como investimentoempresarial nem compensadas como valorização pessoale profissional.

Os jornalistas, dizem os bons manuais, não protagoni-zam notícias, salvo raras (e normalmente trágicas) excep-ções. Mas tem que se marcar um dia na agenda uma boainvestigação sobre o jornalismo e os jornalistas. Enquantoexistirem com esses nomes.

* Director do Cenjor em 2000.

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