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Anais do IV SEMPE – Seminário de Metodologia para Projetos de Extensão, São Carlos 29-31 ago 2001. METODOLOGIA DE INCUBAÇÃO E DESAFIOS PARA O COOPERATIVISMO POPULAR: uma análise sobre o trabalho da Incubadora de Cooperativas Populares da UFSCar Farid Eid Universidade Federal de São Carlos, (0xx16) 2608236 r. 211 [email protected] Ana Rita Gallo Universidade Federal de São Carlos, (0xx16) 2716368 [email protected] Este artigo propõe-se a aprofundar a investigação científica sobre exclusão social, gênese e desafios atuais da Economia Solidária no Brasil, enfatizando o atual estágio de desenvolvimento de uma proposta coletiva de metodologia de incubação, fundamentada ou com elementos similares à Pesquisa-Ação, a partir do trabalho de dois anos de técnicos de nível superior, especialistas em cooperativismo, estudantes de graduação e de pós-graduação e de docentes de diversas áreas de conhecimento que atuam na Incubadora Regional de Cooperativas Populares da Universidade Federal de São Carlos. 1. EXCLUSÃO SOCIAL E ECONOMIA SOLIDÁRIA 1.1. Exclusão Social A apartação social no Brasil inicia-se com o processo de ocupação de terras, exploração da mão-de-obra indígena, escrava e imigrante. Séculos de escravidão configuraram a representação social da pobreza, na qual interferem a etnia e o lugar que o trabalho tem no imaginário social. Com o advento do café e as relações capitalistas instauradas no país, no final do século XIX, pobre era o trabalhador habitante de cortiços. Sobre este, deveria ser exercida a disciplina do trabalho para afastar os riscos da vadiagem e da doença. Pobre daquele que não se submeteria a uma relação salarial, fundamentalmente uma relação política e, levar-se a uma existência indisciplinada, ameaçaria a ordem social. A pobreza intensifica-se a partir de 1930, conformada por problemas estruturais associados à concentração do poder e

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Anais do IV SEMPE – Seminário de Metodologia para Projetos de Extensão, São Carlos 29-31 ago 2001.

 METODOLOGIA DE INCUBAÇÃO E DESAFIOS PARA O

COOPERATIVISMO POPULAR: uma análise sobre o trabalho da Incubadora de Cooperativas Populares da UFSCar

  

Farid EidUniversidade Federal de São Carlos, (0xx16) 2608236 r. 211

[email protected]

 Ana Rita Gallo

Universidade Federal de São Carlos, (0xx16) 2716368 [email protected]

  

Este artigo propõe-se a aprofundar a investigação científica sobre exclusão social, gênese e desafios atuais da Economia Solidária no Brasil, enfatizando o atual estágio de desenvolvimento de uma proposta coletiva de metodologia de incubação, fundamentada ou com elementos similares à Pesquisa-Ação, a partir do trabalho de dois anos de técnicos de nível superior, especialistas em cooperativismo, estudantes de graduação e de pós-graduação e de docentes de diversas áreas de conhecimento que atuam na Incubadora Regional de Cooperativas Populares da Universidade Federal de São Carlos.  1. EXCLUSÃO SOCIAL E ECONOMIA SOLIDÁRIA1.1. Exclusão SocialA apartação social no Brasil inicia-se com o processo de ocupação de terras, exploração da mão-de-obra indígena, escrava e imigrante. Séculos de escravidão configuraram a representação social da pobreza, na qual interferem a etnia e o lugar que o trabalho tem no imaginário social. Com o advento do café e as relações capitalistas instauradas no país, no final do século XIX, pobre era o trabalhador habitante de cortiços. Sobre este, deveria ser exercida a disciplina do trabalho para afastar os riscos da vadiagem e da doença. Pobre daquele que não se submeteria a uma relação salarial, fundamentalmente uma relação política e, levar-se a uma existência indisciplinada, ameaçaria a ordem social.A pobreza intensifica-se a partir de 1930, conformada por problemas estruturais associados à concentração do poder e da propriedade da terra. Durante o período getulista, o crescimento da urbanização e da industrialização relegaram a figura do pobre ao ambiente rural. No espaço urbano o pobre estaria ou inserido como força de trabalho ou em processo de transição rural-urbano, adaptando-se ao novo ambiente e incorporando os valores da sociedade ‘moderna’. Nos bolsões de pobreza rural, a condição era considerada ainda de natureza individual, gestada pela indolência e falta de ambição daqueles apegados a valores tradicionais. A figura do Jeca Tatu era expressiva desse imaginário. No espaço urbano, a natureza da pobreza era também individual, porém de ordem cultural, pois pobre – migrante recente – ainda estaria em uma fase adaptativa. A legislação social implementada no período estabeleceu uma estratificação importante no seio da categoria dos trabalhadores, subdividindo-a, segundo sua importância estratégica no desenvolvimento nacional, em grupos com maior ou menor acesso aos direitos sociais – também estes com diversos graus de amplitude. Nos anos

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1950 e 1960, impulsiona-se o movimento de industrialização pela substituição das importações e conjuntamente os movimentos migratórios. À medida que as expectativas de inserção laboral eram frustradas acabava-se por se constituir um amplo contingente de subempregados ou desempregados disfarçados pelo exercício de atividades intervenientes, irregulares, semilegais ou mesmo legais. Neste momento a natureza da pobreza passou a ser considerada como de responsabilidade social. O sistema econômico mantinha os pobres em sua periferia conformando um exército industrial de reserva. Essa configuração deu origem ao conceito de “marginalidade social” e, em período posterior, a um intenso debate que se consubstanciou na denominada ‘teoria da marginalidade’. O pobre era o subempregado, vivendo através de uma ‘economia de sobrevivência’, obtendo uma renda insuficiente que o caracterizava como carente. No universo simbólico social a figura do ‘malandro’ associava-se a ociosidade, esperteza e elegância contrapondo-se ao pobre trabalhador. A partir dos anos 70 consolidaram-se as relações sociais do tipo urbano-industrial e um novo padrão de industrialização com a formação de estruturas de mercado em oligopólios. Nesta década, o Brasil já era um país urbanizado e em processo de conformação das metrópoles. Posteriormente, na década de 80, ocorre uma acentuação da clivagem econômica, política e social demarcada nesse processo histórico de exclusão constituída pela transição do regime político e pelos ciclos econômicos recessivos que aceleraram e aumentaram a visibilidade da ‘questão social’. Na década de 90, surgem os sinais evidentes de uma piora nas condições de vida da população excluída, com o rápido crescimento da população moradora nas ruas e da violência urbana, com mudança no perfil de pobreza: deslocamento espacial (rural-urbano) e um deslocamento social à medida que a pobreza invade setores do mundo do trabalho até então em mobilidade ascendente (metalúrgicos, bancários, professores e profissionais liberais). Segundo Lautier (1994) o aumento da pobreza urbana e do subemprego massificado encontraram na economia informal uma solução, imprevista e não ótima, ao problema do subdesenvolvimento. Por outro lado, há inúmeras causas da heterogeneidade da formação da economia informal que vão desde a crise econômica até as várias formas de exclusões sociais existentes, como, por exemplo, o preconceito racial e as atividades ilícitas. Inúmeros são os termos usados para classificar a economia como informal: economia não oficial, economia alternativa, economia autônoma, economia marginal, economia ilegal, economia clandestina, entre outros. Tanto atividades lícitas quanto ilícitas encontram-se enquadradas como informais, sendo a primeira caracterizada deste modo por não pagar impostos, seguros sociais dos trabalhadores, não ter regulamentado as condições de trabalho, higiene e segurança e por não ter registro na administração fiscal; a segunda, que compreende as atividades criminais, de contrabando, tráfico ou a máfia, são classificadas como informais devido aos seus princípios ilegais.A marginalidade pode ser caracterizada como a ausência de inserção no assalariamento formal e sua dupla conseqüência na irregularidade de rendimentos e na carência de uma proteção social, caracterizando a ausência de um Estado de Bem Estar Social explicada, em parte, pela crise de financiamento dos gastos sociais para com a população excluída (Ewald, 1986; Rosanvallon, 1981, 1995; Castel, 1991, 1995). Como a empresa capitalista, em contínua reestruturação face ao aumento na competição na economia mundial, não oferece condições para o trabalho de toda a população excluída, portanto cresce ano a ano o contingente de indigentes, sem qualquer perspectiva de melhoria de vida. 1.2. Economia Solidária

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A partir dos anos 80, surgem cooperativas com uma nova conotação, dentro do conceito de Empreendimento Econômico Solidário – EES ou empreendimento autogestionário (Gaiger et al., 1999a, 1999b) e da Economia Solidária (Singer, 1999a, 1999b). Os EES são definidos como organizações coletivas de trabalhadores voltados para a geração de trabalho e renda, regidos, idealmente, por princípios de autogestão, democracia, participação, igualitarismo, cooperação no trabalho, auto-sustentação, desenvolvimento humano e responsabilidade social. E por Economia Solidária (ES) entende-se um conjunto de experiências coletivas de trabalho, produção, comercialização e crédito organizadas por princípios solidários, espalhadas por diversas regiões do país e que aparecem sob diversas formas: cooperativas e associações de produtores, empresas autogestionárias, bancos comunitários, ‘clubes de trocas’, ‘bancos do povo’ e diversas organizações populares urbanas e rurais (Singer, 1999a). Deste modo, os EES podem explicar um novo e complexo tecido social, onde os setores populares desenvolvem suas atividades produtivas, cujo objetivo não é, prioritariamente, a acumulação de capital, mas a sobrevivência de quem neles trabalha (Gaiger, 1999a, 1999b). Outro aspecto que marca esse tipo de empreendimento é a multiplicidade de identidades, onde a idéia prevalecente é a da cooperação, companheirismo, colaboração, comunidade, coletividades, coordenação, entre outros, como valores que caracterizam uma ação comunitária e solidária (Tiriba, 1999).No entanto, é evidente a quase ausência de pesquisas empíricas, com esse novo enfoque analítico, que apresentem análises sobre o estado da arte das iniciativas solidárias, tomando-se o cuidado de não reproduzir generalizações abstratas deslocadas da realidade. Essa alternativa de vida econômica e social que se apresenta é representado, destacando-se, as associações informais, negócios de caráter semifamiliar, pequenas fábricas artesanais, cooperativas rurais e urbanas e microempresas. Desenvolvem principalmente atividades econômicas como: limpeza e serviços gerais, plantio, beneficiamento e comercialização de produtos primários, prestação de serviços, confecções, alimentação, artesanatos, reciclagem de resíduos e outras.A contribuição universitária se organiza a partir de meados dos anos 90 quando inicia-se o programa de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCPs) a partir da iniciativa pioneira da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente são 13 ITCPs filiadas a Rede de ITCS e, outras mais, espalhadas em diversas universidades do país ou não vinculadas à universidade, sendo que, a partir de 1998, essa Rede de ITCPs faz parte de um dos Programas da Rede Interuniversitária de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho (UNITRABALHO) a qual agrega 84 universidades de todas as regiões do país. Na UFSCar existe um grupo de docentes de diversas áreas de conhecimento, técnicos de nível superior especialistas em cooperativismo e estudantes da graduação e pós-graduação que atua e desenvolve conhecimentos de forma inter-disciplinar, na Incubadora Regional de Cooperativas Populares da Universidade Federal de São Carlos (INCOOP/UFSCar). Esse grupo foi formado a partir do final de 1998 e a incubadora surgiu em abril 1999, através da articulação dos Núcleos de Extensão UFSCar-Cidadania, UFSCar-Município e UFSCar-Sindicato, com a preocupação sobre a questão da desigualdade, da exclusão social e da precarização do trabalho (Gallo et al., 2000; Valêncio et al., 2000). Atualmente, cerca de dez cooperativas estão em processo de criação e/ou consolidação, localizadas em diversos municípios da região de Ribeirão Preto. Algumas possibilidades de convênios com Prefeituras Municipais podem acelerar esse processo, como já se pode verificar nesse último ano. Para esse coletivo, o mais importante não é o aumento no número de cooperativas que estão sendo criadas, mas assessorar para que o processo

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de incubação garanta, na prática, os princípios do cooperativismo popular, sobretudo a livre adesão, gestão democrática, autonomia, formação continuada e a inter-cooperação. Entretanto, o coletivo dessa incubadora se submete à direção política dos trabalhadores diretamente envolvidos no processo de criação e desenvolvimento de cada cooperativa. Esse procedimento de trabalho não significa que a equipe esteja omissa, sem expressar suas preocupações sempre que considerar a existência de desvios dos verdadeiros princípios do cooperativismo popular. Para finalizar, formulamos uma hipótese de que a organização cooperativista popular e autogestionária, vinculada à INCOOP/UFSCar, se apresenta como uma alternativa concreta à redução da precarização das relações de trabalho, das condições de trabalho e de vida, contribuindo modestamente para geração de trabalho e renda em alguns municípios da região. No entanto, não se pode deixar de reconhecer que o ritmo, em que se encontra atualmente, de crescimento da exclusão social, decorrente da reestruturação produtiva-organizacional das empresas capitalistas tem sido bem maior que o processo de inclusão social através da criação de pequenas cooperativas populares. É neste sentido que vem se elaborando um estudo, parte de um projeto de tese de doutorado na UFSCar, cujo objetivo principal é analisar e compreender as diversas formas de precarização do trabalho e das condições de vida decorrentes do processo excludente do sistema capitalista. Além disso, propõe-se estudar e apresentar alternativas organizacionais para o trabalhador que não se encontra no mercado formal de empregos através da formação de cooperativas populares e as associações de trabalhadores, que fazem parte dos empreendimentos econômicos solidários (EES).  2. METODOLOGIA DE INCUBAÇÃO2.1. Metodologia da Pesquisa-AçãoPara uma experiência autogestionária ser bem sucedida, sem dúvida que é importante, distinguir-se entre o engajamento efetivo de cada uma das pessoas no coletivo fortalecendo a coesão social de um envolvimento individual, formal e aparente. As relações humanas devem estar elevadas em um patamar mais saudável, moralmente mais maduro e politicamente mais consciente. Da mesma forma que não existe autogestão sem um engajamento efetivo, apenas a vontade sincera do grupo não garante nada. Em relação à metodologia de incubação de cooperativas populares desenvolvida pela equipe dos técnicos, estudantes e docentes da INCOOP/UFSCar, através das discussões teóricas e conhecimento prático, percebe-se que, se para uns, há somente semelhanças entre o processo de incubação e a metodologia da pesquisa-ação, para outros, adotou-se a linha da pesquisa-ação. Essa linha associa diversas formas de ação coletiva orientadas em função da resolução de problemas ou de objetivos de mudança/transformação social. No caso desta atividade de extensão universitária indissociada das atividades de pesquisa e de ensino, tem como um dos objetivos principais prestar assessoria a grupos sociais excluídos do mercado de trabalho e interessados em re-inserção na economia na forma da organização cooperativista como meio para geração de trabalho e renda direto e indireto, além de emprego indireto.A pesquisa-ação usa a participação e uma forma de ação planejada de caráter social, educacional, técnico que nem sempre se encontra em outros tipos de propostas de pesquisa. Um dos seus principais objetivos consiste em oferecer aos pesquisadores e aos grupos de participantes os meios de se tornarem capazes de responder com maior eficiência aos problemas da situação em que vivem, em particular sob a forma de diretrizes de ação transformadora. Isto é feito através de um diagnóstico da situação no qual os participantes tenham voz e vez. Os aspectos estruturais da realidade social não

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ficam desconhecidos, a ação só se manifesta em um conjunto de relações sociais estruturalmente determinadas. As técnicas de coleta de dados são as mais diversas. Entre elas encontram-se: entrevistas coletivas e individuais; questionários; análise de documentos; observação participante, diários de campo e histórias de vida; dinâmicas de grupo e mapa cognitivo (a partir de um dado objetivo busca-se encontrar os desafios a serem enfrentados e quais as relações necessárias para que o objetivo seja alcançado). Para Thiollent (1998, p. 14), um dos maiores defensores no Brasil, “a pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo”. É preciso que a ação seja uma ação não trivial, onde exista uma problemática merecendo investigação para ser elaborada e conduzida. Na pesquisa-ação os pesquisadores desempenham um papel ativo no equacionamento dos problemas encontrados, no acompanhamento e na avaliação das ações desencadeadas em função dos problemas (vide quadro abaixo que mostra a atuação, dos integrantes da INCOOP, junto aos grupos sociais). É necessário, por parte dos pesquisadores, ter cuidado para que haja reciprocidade por parte das pessoas e grupos implicados nesta situação não podendo substituir a atividade própria dos grupos sociais e suas iniciativas. Procura-se tomar este cuidado em relação aos grupos sociais em processo de formação pela equipe da INCOOP.A pesquisa-ação não se trata de simples levantamento de dados ou de relatórios a serem arquivados. Através da pesquisa-ação os pesquisadores pretendem desempenhar um papel ativo na própria realidade dos fatos observados. Para isso, é preciso definir com precisão qual é a ação, os seus agentes, seus objetivos e obstáculos e, por outro lado, qual é a exigência de conhecimento a ser produzido em função dos problemas encontrados na ação ou entre os atores da situação. A pesquisa-ação é uma estratégia metodológica de pesquisa social na qual: a) há uma ampla e explícita interação entre pesquisadores e pessoas implicadas na situação investigada; b) desta interação resulta a ordem de prioridade dos problemas a serem pesquisados e das soluções a serem encaminhadas sob a forma de ação concreta; c) o objeto de investigação não é constituído pelas pessoas e sim pela situação social e pelos problemas de diferentes naturezas encontradas nesta situação; d) o objetivo da pesquisa-ação consiste em resolver ou, pelo menos, em esclarecer os problemas da situação observada; e) há, durante o processo, um acompanhamento das decisões, das ações e de toda a atividade intencional dos atores da situação; f) a pesquisa não se limita a uma forma de ação, mas também é pretensão que se aumente o conhecimento ou o “nível de consciência” das pessoas e grupos considerados. O quadro abaixo apresenta o estágio de desenvolvimento dinâmico de uma proposta de metodologia de incubação (base: primeiro semestre de 2001), construída coletivamente, ao longo de dois anos de experiência na Incubadora da UFSCar e cuja sistematização se deu pelo esforço de um estudante da graduação. Importante frisar que o quadro representa uma proposta coletiva mas, que ainda não foi aprovada, mesmo que, esse ou outros similares, durante o processo de discussão para o fechamento de um convênio ou contrato, são sempre enviados para a entidade interessada na incubação de cooperativas. Encontra-se na fase de análise crítica sobre sua operacionalização e mostra como a INCOOP busca desenvolver este processo, porém há que se tomar o cuidado de considerar as especificidades e interesses propostos em cada grupo. As nove etapas descritas abaixo não seguem necessariamente a ordem apresentada. Diversas, podem ocorrer antes e/ou em paralelo, dependendo da dinâmica

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organizacional interna de cada grupo social. Se o grupo não aceitar ou tiver dúvidas em relação ao processo de incubação espera-se um tempo (indeterminado, pois depende de cada caso) para prosseguir ou não com o processo de incubação. 2.2. Quadro de etapas referentes ao processo de incubaçãoETAPAS SUB-ETAPAS Atividades e procedimentos

gerais1.Apresentação e sensibilização dos atores envolvidos

Apresentação e reconhecimento do grupo, multiplicadores e equipe da INCOOP-UFSCar

Reunião de apresentação do grupo, multiplicadores e do trabalho da Incubadora e as razões que levam ao encontro dos atores

Conscientização do grupo e multiplicadores a respeito de temas atuais como desemprego, exclusão e cidadania

Discussões temáticas: capitalismo, desemprego, exclusão social, cidadania. Utiliza-se de fatos do cotidiano, principalmente de fatos noticiados pela mídia a que o grupo tem acesso (principalmente a televisão.

Demonstração de alternativas para a geração de trabalho e renda

Apresentação, caracterização de associações, cooperativas, microempresas, emprego e subemprego.

2-Formação e Consolidação do grupo potencial

Verificação do contexto de formação do grupo afinidades, identidades, objetivos em comum

Discussão e questionamento individual a respeito dos motivos que o levam a participar do grupo. Levantamento das condições sócioeconômicas e culturais das pessoas envolvidas, buscando alternativas de inclusão integradas à formação da cooperativa

Verificação da maturidade, união e convicção do grupo no sentido da formação da cooperativa

Observação do grau de envolvimento dos integrantes a partir de uma motivação e avaliação à participação dos mesmos nos processos de divisão de tarefa e no comparecimento às reuniões

3-Capacitação para o cooperativismo

A economia popular solidária: importância e contexto

Debate sobre o potencial da economia popular e da solidariedade como princípio socioeconômico

Promoção do conhecimento dos princípios cooperativistas

Utilização de dinâmicas de grupo e formação de círculos para discussões de cada princípio cooperativista

Objetivos de uma cooperativa

Círculo para discussão de atividades fins de uma cooperativa.

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Questionamentos de como o grupo vai cooperar? Para quê? e Porquê?

Funcionamento de uma cooperativa

Divisão do trabalho, de funções e a função das assembléias. Expõe-se a diferença entre uma cooperativa autêntica e uma "cooperfraude"

Atuação dos cooperados

Discussão sobre as funções de trabalhador e administrador em uma auto-gestão

Significado da cooperação

Questionamento e discussões a respeito da cooperação e da competição, a diferença entre trabalhar em uma cooperativa e para uma empresa capitalista

A importância das redes de cooperação

Debate sobre a necessidade de uma rede entre os empreendimentos como forma de viabilizar e fortalecer a atividade econômica: rede de trocas; de informações etc.

4-Escolha da atividade econômica

Caracterização da estrutura e conjuntura do mercado local

Caracterização do tamanho da cidade, localização regional, comércio, indústrias, serviços e carências da cidade nesses setores

Verificação de nichos de mercado/alternativas

A partir das características acima detalhadas, procurar atividades inovadoras, diferenciadas e/ou estratégicas para a cidade e região, verificando oportunidades

Verificação da motivação/habilidades do grupo em relação a determinada atividade

Caracterização das vocações individuais, motivações, experiências profissionais, apontando atividades potenciais para o grupo e relacionado-as com as oportunidades de atuação na cidade e possibilidades de formação de redes de empreendimentos populares. Verifica-se a disponibilidade de recursos. Discussão entre o grupo e a equipe da INCOOP, analisando prós e contras que implicam na escolha de determinada atividade.

Estudo/Escolha da atividade econômica

Estudo da(s) atividade(s) levantadas de acordo com a viabilidade econômica, com a inserção estratégica no mercado e com a motivação do grupo para a atividade

Levantamento de De acordo com o número de

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recursos e infraestrutura necessárias para a execução da atividade

integrantes do grupo e com os recursos disponíveis, promove-se uma assessoria para o levantamento dos recursos necessários para implementação da cooperativa, através da elaboração de projetos e mini-projetos de instalação da cooperativa do empreendimento solidário

Estudo da viabilidade econômica

De acordo com investimento necessário, verifica-se o retorno a curto, médio e longo prazo condizente com a estrutura da cooperativa, através de simulações do desenvolvimento das atividades produtivas (ou serviços) e dos resultados financeiros de acordo com a variação de preços, custos e quantidade produzida e quantidade vendida.

Aquisição de recursos e infraestrutura necessárias

Assessoria para a busca de instituições parceiras e/ou financiadoras no sentido da aquisição de recursos e infraestruturas necessárias, através de levantamento e elaboração de projetos ou mini-projeto e verificação de financiamento e linhas de créditos viáveis

5-Capacitação técnica Apresentação das características e funcionamento da atividade

Utilização de palestras para caracterizar e demonstrar técnicas utilizadas, procedimentos de trabalho na produção ou na prestação de serviços, uso de matérias-primas, insumos, informações, documentos e especificações além de apresentar aspectos normativos e leis vigentes

Qualificação técnica Utilização de cursos, aulas, congressos e encontros relacionados à atividade além de bibliografias básicas para consulta. Proporciona-se e incentiva-se o conhecimento de organizações que já praticam atividades semelhantes, estimulando o aprendizado e a visão crítica

Treinamento e práticas

Através de produções piloto, simulações de processos,

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organização do trabalho cooperativo, produção experimental com o objetivo de permitir ganho de experiência, do conhecimento de ações corretivas e preventivas e conhecimento a partir da prática e do erro, visando também integrar o grupo na atividade a ser desenvolvida

6-Capacitação administrativa/autogestão    

A autogestão Discussão sobre os mecanismos autogestinários: as assembléias e a decisões coletivas

Administração do empreendimento cooperativo

Explanação sobre o papel da diretoria, dos conselhos fiscal e de ética. Discussão sobre os direitos e deveres da equipe administrativa bem como dos demais cooperados

Os fundos e os benefícios cooperativistas

Discussão sobre os fundos obrigatórios e a constituição de fundos equivalentes: férias, licença maternidade, 13 ° , etc.

Planejamento e controle da produção/serviços

Mostrar as informações necessárias para o planejamento e controle da produção, aplicando uso de planilhas e estimulando a construção de conhecimento sobre os processos de produção, procedimentos e histórico de vendas. Apresenta-se material didático para consulta

Apuração de custos, formação de preços e análise de contratos

Proporcionar o entendimento do processo de formação de preços a partir do preço de mercado e dos custos de produção (ou de prestação de serviços) rateados para cada produto ou serviço prestado e, posteriormente, análise de contrato. Apresenta-se material didático para consulta

Organização contábil e financeira

Uso de diário para contabilizar débitos e créditos e resultados mensais. A partir da análise dos resultados mensais, fazer análise sobre os gastos, prevendo cortes e gastos futuros e, estimular o planejamento financeiro a partir da criação de fundos para a expansão da cooperativa. Apresenta-se as rotinas de encargos e impostos a

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serem cumpridas. Apresenta-se material didático para consulta

Planejamento estratégico e operacional

Anteriormente, o integrante da equipe da INCOOP faz seu mapa cognitivo do planejamento estratégico a fim de assessorar o planejamento do grupo, de curto, médio e longo prazo com o grupo, procurando inclusive o planejamento de expansão da cooperativa. O objetivo é estimulá-los a planejar e elaborar planilhas de ações, extraídas a partir do planejamento do(s) mapa(s) cognitivo(s).

Estratégias de atuação no mercado, Marketing, comercialização, logística e procedimentos com clientes e fornecedores

Com o auxílio do mapa cognitivo, mede-se a construção da atuação da cooperativa no mercado, procurando caracterizar alternativas de comercialização, ou de produtos e serviços agregados, diferenciação de clientes e fornecedores, melhores roteiros para processo de transporte de produtos, matérias-primas, insumos, ou para a prestação de serviços, visando minimizar custos de transporte e distribuição. Apresenta-se material didático para consulta

Gestão da qualidade Faz-se uma exposição dos parâmetros de qualidade do fornecimento de matéria-prima e/ou insumos, do produto da cooperativa, dos processos envolvidos na atividade (produção ou serviços), do mercado e dos consumidores. Busca da melhoria da qualidade a partir da conscientização da necessidade do envolvimento dos cooperados. Apresenta-se material didático para consulta.

7-Elaboração do estatuto Apresentação e esclarecimento do estatuto

Faz-se uma apresentação das características e funções de um estatuto, e depois uma leitura de um estatuto modelo, salientando os direitos e deveres de cada cooperado, da presidência, das diretorias, do conselho fiscal,

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comissão de ética, além da função das diferentes assembléias, da constituição de fundos obrigatórios e não obrigatórios, da divisão das sobras e constituição e divisão das cotas parte.

Discussões envolvendo princípios cooperativistas e a elaboração do estatuto

Elabora-se, assessorando o grupo, os pontos do estatuto passíveis de mudança, de acordo com as aspirações dos mesmos e reforça-se os princípios cooperativos como base.

Apreciação do estatuto elaborado

Consulta a advogado sobre os pontos propostos pelo grupo. Em caso de dúvidas ou impedimentos legais, viabilizar o contato do grupo com advogado, sempre respeitando a autonomia do grupo

8-Legalização da cooperativa

Levantamento de documentos

Informação sobre os documentos necessários para legalização da cooperativa, solicitando-se ao grupo social a providência dos mesmos

Divulgação da assembléia de fundação

Divulga-se, antecipadamente conforme prazo mínimo, em locais públicos e jornais a convocação (através de edital) para a assembléia geral de fundação

Formação das chapas para eleição de presidente, diretoria, conselho fiscal e comissão de ética.

Após a convocação para a assembléia geral de fundação, formam-se chapas para a disputa e cargos e formação dos quadros de presidência, diretoria, conselho fiscal e comissão de ética

Realização da assembléia de fundação e da ata de fundação

Realização da assembléia de acordo com um quorun mínimo exigido, aprovação do estatuto, eleição dos cargos e elaboração de ata de fundação.

Envio de documentos aos órgãos competentes (junta comercial, receita federal, prefeitura, postos fiscais etc.)

Anexam-se os documentos necessários de cada integrante do grupo, a ata de fundação e o estatuto e enviam-se aos órgãos reguladores para obtenção do CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) , Alvará, inscrição estadual e outros, mediante o pagamento de taxas.

Elaboração do De acordo com as necessidades

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regimento interno específicas de controle e organização do trabalho, de atribuição de responsabilidades referentes às atividades da cooperativa, o grupo é assessorado para a elaboração do regimento interno

9-Assessoria para implementação das atividades da cooperativa/Inserção e atuação no mercado/Fim do processo de incubação

Monitoria do processo de inserção da cooperativa no mercado

Implementação do marketing estratégico, análise dos consumidores/ clientes/fornecedores e parcerias, efetuação da contabilidade da cooperativa, assessoria para o cumprimento de tributos, divisão das sobras líquidas e construção de fundos. Busca de integração com outras cooperativas populares e formação de rede estratégica

Monitoria do desenvolvimento das atividades internas da cooperativa e da atuação da cooperativa no mercado

Análise de procedimentos da cooperativa de acordo com os problemas diagnosticados: dos resultados financeiros (correção/revisão de procedimentos), da interiorização dos princípios cooperativistas e de gestão democrática, da participação e promoção das assembléias, dos processos produtivos e autogestionários ( processo de gestão adequada)

Avaliação do grau de autonomia do grupo e final do processo de incubação

De acordo com os resultados verificados no processo de desenvolvimento das atividades da cooperativa

Fonte: equipe técnica, discentes e docentes da Incubadora Regional de Cooperativas Populares da UFSCar (INCOOP). Base de referência – 1º semestre de 2001.Sistematização: Christiano Basile, auxiliar de pesquisa da INCOOP 2.3. Uma análise de dois processos de formação de cooperativas popularesNesse item, desenvolve-se uma análise sobre dois processos de formação de cooperativas populares. Porém, dado o nosso estágio, ainda recente, de aprendizado coletivo sobre incubação de cooperativas e financiamento precário para as atividades profissionais, somente algumas etapas da metodologia de incubação apresentada anteriormente, foram efetivamente aplicadas a esses dois processos. Observa-se que, principalmente, as etapas quatro, seis e nove foram, muito pouco ou nada, desenvolvidas com os dois grupos sociais que criaram uma nova cooperativa popular. No entanto, perspectivas de financiamento no curto prazo e capacitação de novos técnicos pode levar à continuidade desse processo, entendendo-o como continuado e integrado nas dimensões técnica, administrativa e política.

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As características principais dos dois grupos sociais diferem bastante, principalmente, antes do início do processo de incubação. A atividade principal da Cooperativa A está ligada a serviços rurais e reciclagem de resíduos. Este grupo já estava formado antes da intervenção da Incubadora Regional de Cooperativas Populares (INCOOP) da UFSCar. Este relacionamento ocorreu devido a um convênio firmado entre a Confederação Nacional dos Metalúrgicos (CNM) com a INCOOP com o objetivo de fomentar e desenvolver cooperativas de trabalho com pessoas desempregadas e ligadas à confederação citada1[1]. A atuação da INCOOP foi no sentido de auxiliar o grupo a encontrar alternativas de renda e trabalho com as experiências que o grupo possuía. Em 2000, estaria ocorrendo uma negociação entre Prefeitura, Cooperativa, Incubadora e uma grande empresa produtora de suco na cidade de Matão para uma parceria entre esta empresa e a Cooperativa. A empresa estaria interessada em apoiar atividades ambientais. Este apoio viabilizaria a construção de um galpão, compra de um caminhão, prensa, balança, bem como o material de publicidade. Atualmente, a Cooperativa se encontra legalizada, sem contrato e apoio, e os cooperados estão buscando contato direto com fornecedores e recicladores de resíduos. O grupo social que criou a Cooperativa A possuía as seguintes características antes de iniciar o processo de incubação: a) formação no ensino fundamental completo (todos ex-alunos do Programa Integrar: criado em 1996 pela CNM, oferecendo a formação e certificação – reconhecidos pelo MEC – do Ensino Fundamental, articulado com a formação profissional); b) participação em movimentos sociais, militância partidária; orçamento participativo, apoio ao MST e outros; c) ação coletiva em relação à conscientização sobre a importância do trabalho em equipe; d) noção sobre cooperativismo já desenvolvida, pois o grupo já havia constituído uma cooperativa, em 1998, na área de Serviços Rurais, mas que se desfez; e) não participação na discussão/ elaboração do Estatuto anterior (1998); f) iniciativa em mudar a atividade para coleta/triagem de recicláveis com expectativa de baixo investimento; g) grande união do grupo com várias tentativas, enquanto cooperativa, de buscar outras atividades; h) iniciativa de diálogo com poder público com o objetivo de ganhar apoio da prefeitura; i) consciência sobre a importância da coleta seletiva de resíduos; j) iniciativa na divulgação da coleta seletiva em alguns bairros do município; k) capacidade de negociação com poder público; l) pesquisa sobre o mercado de materiais recicláveis.O grupo social que forma a cooperativa B, situada na cidade de São Carlos, foi detectada através da pesquisa 'Condições de vida e pobreza em São Carlos: uma abordagem multidisciplinar'”, que indicava, a partir de cinco variáveis - renda, inserção no mercado de trabalho, moradia, escolaridade e saúde - quais os bairros mais carentes do município. A pesquisa foi realizada pelo Núcleo de Pesquisa e Documentação do Departamento de Ciências Sociais da UFSCar. Dentre os bairros mais carentes destacou-se o Jardim Gonzaga como o primeiro a ser trabalhado pela INCOOP. Em meados de 1998, a liderança comunitária do referido bairro convidou a Coordenação dos Núcleos de Extensão Município, Cidadania, Sindicato e demais interessados da comunidade acadêmica para participar das reuniões da associação de moradores. Inicialmente, as discussões centraram-se nas condições de moradia e escolaridade da população (Venâncio et al., 2000). As primeiras discussões estabelecidas entre o grupo da Incubadora e a população local permitiram constatar que a ausência de oportunidades de trabalho antecedia à questão da precariedade de moradia. Todavia, a baixa

1[1] Este convênio ocorreu entre a Confederação Nacional do Metalúrgicos da Central Única dos Trabalhadores (CNM/CUT) com algumas Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares - a Incubadora da COPPE/UFRJ, a Incubadora da USP-SP, a INCOOP/UFSCar e a Incubadora da Fundação Santo André (Guimarães, 2000).

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escolarização colocava-se como o fator anterior de inacessibilidade ao mercado de trabalho, razão pela qual uma proposta de ação voltada para a busca de alternativas de obtenção de renda só seria sustentável no longo prazo com o enfrentamento das restrições ao mundo da escrita e, por este, de acesso ao conhecimento mais técnico dentro das várias habilidades profissionais (Valêncio et al.). A situação encontrada demonstrava que a busca dos rudimentos que instrumentalizavam a construção da cidadania se colocava como objeto primeiro para a nossa ação, razão pela qual o grupo buscou estruturar cursos de alfabetização de adultos, de desenvolvimento sustentável em conjunto aos que tratavam de relações interpessoais, motivação para o cooperativismo, auto-gestão, autonomia para ampliar a discussão de renda para uma discussão mais abrangente sobre dignidade e cidadania, buscando, com isso, elucidar as relações que movem política, legal e economicamente o conjunto da sociedade. Assim, a iniciativa do trabalho cooperativo supera as razões apenas econômicas e traz à tona a discussão das estruturas onde estão alicerçadas a Sociedade. O simples ato da legalização da cooperativa exigia que os cooperados tivessem seus documentos pessoais em ordem, o que não era o caso de muitos deles que sequer detinham um registro geral. Obter esse documento (o RG) foi significativo, não apenas para a finalidade do trabalho, mas como um passo no processo de resgate da dignidade e da cidadania dos cooperados. O conjunto das ações em busca dos direitos e o acesso a novas oportunidades é que garantem a saída definitiva da situação de exclusão. Em relação ao trabalho, por exemplo, isso se efetiva quando o trabalhador não se satisfaz mais em vivenciar a condição passiva e dependente da relação trabalhista tradicional e aspira por uma relação onde possa dividir democraticamente direitos e deveres. Por isso, é papel da Incubadora incentivar que as análises contextualizadas no bojo do modelo de gestão cooperativa não sejam apenas internas aos cooperados, mas estendam-se ao bairro, que é a unidade espacial onde grande parte dessas cooperativas estão surgindo, refletindo-se em ações organizadas que procuram interferir sobre a realidade de tal modo a promover mudanças para superar a situação de exclusão e promover a adesão de outros segmentos (Valêncio et al.). Para concretizar essa expectativa, foram inicialmente realizadas no bairro as reuniões abertas a toda comunidade - convidada através de divulgação por carro de som, cartazes e com a participação de lideranças - elucidavam que o caráter da proposta de envolvimento com a Universidade era o de conhecer os problemas relacionados ao desemprego; elucidar, quando possível, os vários aspectos da situação, ouvir as aspirações e as sugestões para a reversão da situação, ampliando a relação de troca para um exercício de construção da cidadania e desenvolvimento da maturidade das relações no trabalho coletivo. Todo o processo de constituição da cooperativa B mostrou-se como uma ação na qual o propósito de pesquisa não pode ser desconsiderado no fazer da extensão universitária. Não poderiam os docentes envolvidos simplesmente induzir a montagem de uma estrutura organizacional e afastar-se das etapas constitutivas, posto que o conhecimento envolvido no processo se mostrava de uma complexidade que, a um só tempo, necessitava do apoio do saber formal e necessitava ser acompanhado e avaliado por este mesmo saber a fim de que os quadros de referência teórica fossem revisados à luz da experiência em acontecimento (Venâncio et al.).A Cooperativa B apresentava as seguintes características antes do processo de incubação iniciar: a) 50% das pessoas não possuíam pelo menos 1 documento de identificação, 10% não possuíam qualquer documentação (RG e CPF) e algumas pessoas com o ensino fundamental incompleto ou sem alfabetização; b) pouca participação em movimentos sociais, apenas local: pastoral e associação de moradores; c) ação individual com trabalho através de "bicos", caracterizando a informalidade; d)

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inexperiência de trabalho em equipe; e) desinformação sobre o cooperativismo; f) experiência na atividade escolhida (limpeza), porém baixa especialização em limpeza industrial; g) limitação de canal de diálogo com poder público; h) dificuldade de visibilidade/ oportunidades enquanto vítima de preconceito quanto à localidade do bairro na cidade.Depois de iniciado o processo de incubação as habilidades que os dois grupos adquiriram foram as seguintes: a) informações e regulamentações sobre a necessidade/importância dos documentos pessoais; b) formação para o cooperativismo oferecido pela Incubadora para conhecer todas as fases do processo; c) compreensão/ elaboração do Estatuto pelo grupo reconhecendo a sua importância; consolidação da democracia participativa através de assembléias, diretoria, conselho fiscal, etc.; d) capacitação/qualificação no trabalho específico (reciclagem/limpeza); e) capacitação em coleta de dados como informações sobre o mercado/possíveis clientes; f) informação/aplicação dos direitos e deveres trabalhistas; g) constituição/administração de fundos da cooperativa; h) trabalho em equipe e autogestão; i) discussão e elaboração da logomarca e marketing entre os cooperantes; j) participação em eventos em vários municípios como forma de informação e intercâmbio com outros grupos.O Grupo A destacou-se nas noções de planejamento estratégico para a definição de metas e iniciativa na organização do trabalho como a coleta, separação, estocagem e venda dos produtos adquiridos. O Grupo B passou pelas fases de treinamento para contato com clientes através do desenvolvimento de habilidades de relações interpessoais – curso oferecido pela Incubadora; capacidade na elaboração de critérios de seleção para o trabalho - para demandas que não absorvessem todos os cooperantes; elaboração, treinamento e realização de enquete, na UFSCar, para busca de possíveis demandas (Castilho et. al., 2000). Parte das pessoas da cooperativa A e da B já está prestando serviços à instituição pública, buscando também outras formas de inserção no mercado em empresas privadas. Para isto, existe um estudo em andamento, sobre o mercado de atuação e de divulgação das atividades que as cooperativas podem ofertar ao mercado.

 3. DESAFIOS PARA O COOPERATIVISMO POPULARAlguns desafios referem-se à formação sobre a cultura de auto-gestão do trabalhador e à cultura e história específica do grupo e passa pelo envolvimento total com o trabalho, tanto no sentido técnico da execução de uma tarefa, como na gestão da organização (políticas financeiras, comerciais e administrativas); e crítica, na superação de uma formação autoritária e burocrática inculcada pelo meio social em sentido amplo (familiar, escolar, profissional, político, etc). Outra importante questão diz respeito à necessidade de saber administrar. A autogestão é um processo longo e complexo que articula a sobrevivência no mercado com o aperfeiçoamento organizacional e pessoal de forma continuada. Em síntese, depende de um aprendizado permanente sobre questões técnicas, administrativas e comerciais específicas do ramo de atividade do empreendimento, assim, como do desenvolvimento de novas formas participativas e de tomada coletiva de decisões (Vieitez, 1997).Talvez o maior desafio para a construção de uma forte Economia Solidária está no fato de estar inserida em uma sociedade contraditória, marcada historicamente por relações sociais e de produção capitalistas. No entanto, esse conjunto de relações é hegemônico e não totalitário. A história de lutas dos trabalhadores demonstrou ser utópica essa pretensão de incorporar todas as relações societais numa lógica de subordinação ao capital. Há e sempre houve movimentos de resistência a esse processo (Eid, Gallo & Pimentel, 2001).

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Por outro lado, a sociedade de hoje que convive com a hegemonia da economia capitalista e com a gênese de um novo tipo de economia é herdeira de deficiências educacionais e tem que lidar com comportamentos individuais formados em contextos autoritários, preconceituosos e burocráticos, cuja cultura predominante está fundamentada na subordinação. Certamente, isso contribui para que autores afirmem que a busca pela competição para sobrevivência na economia capitalista leva necessariamente a reproduzir a lógica da subordinação ao capital (Bialoskorski Neto, 2000; Panzutti, 2000). Não percebem que se tratam fundamentalmente de movimentos sociais de resistência à economia capitalista que é hegemônica mas, que se encontra em crise.Por isso, enfrentar os desafios de forma objetiva, amadurecendo seus conhecimentos e culturas de grupo, buscando desenvolver a coesão social através da responsabilização de cada um dos indivíduos para o desenvolvimento do projeto coletivo, torna-se estratégico para o sucesso dessa iniciativas autogestionárias. Seguindo essa linha de raciocínio, a formação continuada e integrada nos planos administrativo, técnico e político assume um papel fundamental para o sucesso dessa estratégia. Levando-se em consideração essas características podemos concluir que o maior risco para esses empreendimentos econômicos solidários é entrar no jogo da banalização dos princípios – principalmente, a adesão voluntária, a gestão democrática, a autonomia e a inter-cooperação - duramente construídos, buscando seu crescimento pela via da competição pela competição com as empresas capitalistas. Abrir mão dos princípios, para garantir a concorrência e não o desenvolvimento da (inter)cooperação e do crescimento dos movimentos sociais por melhores políticas públicas, é não compreender que essas experiências populares tem também como importância mostrar ser possível o crescimento de formas democráticas de organização do trabalho e da produção. Pode-se até mesmo sonhar que num futuro distante, dentro da utopia dos trabalhadores, essas formas democráticas venham a tornar-se hegemônicas; mesmo que na atualidade, sirvam como experiências pontuais demonstrando ser possível construir uma reserva estratégica para uma mudança estrutural da sociedade. Perder essa oportunidade histórica que os trabalhadores tem na atualidade, talvez a maior nesses dois séculos de capitalismo, possa permitir num futuro talvez menos distante, que a hegemonia do capital neutralize ou destrua novamente uma iniciativa dos próprios trabalhadores. É nesse sentido que autores como Singer (1999a, 1999b), Gaiger (1999a, 1999b), Eid (2000), Icaza (2000), entre outros, entendem o cooperativismo popular como sendo parte integrante da Economia Solidária, enquanto um movimento social em fase de crescimento organizativo e articulado mas, sem deixar de lado seu caráter de resistência à economia capitalista e não de subordinação ou emancipação.

 4. CONSIDERAÇÕES FINAISNa matriz brasileira de relações sociais e no entendimento do que é ser excluído predomina a lógica desumana do ‘estranho’, atingindo o limite de retirar o caráter de humano ao outro. Essa diferenciação extrema se insere em uma cultura que envolve a naturalização, a banalização, a indiferença, a fatalidade e o conformismo da pobreza que passa a ser aceita, sem indignação e reações, como integrante estrutural, perene do cenário social (Dejours, 1999). Situar a condição humana de miséria no espectro da ‘fatalidade’ implica na submissão ao imprevisível, ao destino, ao léu, à sina e ao arbítrio (Escorel, 1999).É nesse sentido, que uma incubadora universitária de cooperativas populares pode constituir-se em um locus onde se desenvolvem pesquisas teóricas e empíricas sobre o

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cooperativismo, cuja ação política pode voltar-se para atender uma classe social desprovida dos meios de produção e pode, pelos princípios do cooperativismo popular, vir a redefinir, em uma certa dimensão, a organização de parte dos trabalhadores excluídos (Gallo et al., 2000). A incubadora pode ter um papel fundamental de prestar assessoria técnica, administrativa e política de forma integrada e continuada aos trabalhadores que pretendam formar uma cooperativa popular autêntica. Assim, a cooperativa nasce a partir de uma demanda dos trabalhadores e a incubadora, em trabalho conjunto com essas pessoas buscam criar e motivar os valores cooperativistas. A cooperativa permanece vinculada à incubadora, pretendendo-se que em um determinado tempo, que varia a cada caso, adquira autonomia para atuar no mercado. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BIALOSKORSKI NETO, S. Trajetórias do Cooperativismo: debate teórico e experiências concretas. Ciclo de Debates sobre o Cooperativismo. II Curso de Extensão em Direitos Humanos – UFSCar/UNESCO. São Carlos, nov. 2000

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