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METODOLOGIA DO ENSINO DO DIREITO Profa Samyra Haydêe Dal Farra Naspolini Sanches Aula 2

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METODOLOGIA DO ENSINO DO DIREITO

Profa Samyra Haydêe Dal Farra Naspolini Sanches

Aula 2

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Introdução• O Ensino Jurídico no Brasil apresenta sérios problemas desde os seus primórdios.

Vários autores brasileiros têm-se ocupado do tema e dirigido a ele várias críticas que vão desde a sua metodologia até o próprio conhecimento que é disseminado em sala de aula.

• É certo que a problemática do Ensino Jurídico brasileiro está inserida no problema geral da educação superior em nosso país, porém este assunto não é o escopo do presente trabalho, uma vez que mereceria um estudo específico para a sua adequada abordagem.

• Segundo RODRIGUES, “a realidade do ensino jurídico no Brasil é que ele não forma, deforma.”. Apesar de serem os cursos mais procurados nos vestibulares e formar todos os anos mais profissionais do que podem ser absorvidos pelo mercado de trabalho, existe uma reclamação generalizada por bons profissionais. Isto só pode ser explicado em grande parte pela má qualidade do ensino jurídico. “É necessário reformulá-lo. Essa é uma constatação geral.” (2000, 16)

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Em estudo específico sobre o assunto, UNGER, conclui enfaticamente:• O problema do ensino de direito no Brasil é um caso extremo. Como está, não presta.

Não presta, nem para ensinar os estudantes a exercer o direito, em qualquer de suas vertentes profissionais, nem para formar pessoas que possam melhorar o nível da discussão dos nossos problemas, das nossas instituições e das política públicas. Representa um desperdício, maciço e duradouro, de muitos dos nossos melhores talentos. E frusta os que, como alunos ou professores, participem nele: quanto mais sérios, mais frustrados. (2001, 02)

• As críticas que serão aqui apresentadas terão por base a subdivisão criada por AGUIAR (1991) e RODRIGUES (1993). Segundo estes autores, os problemas que ele apresenta podem ser subdivididos em: questões estruturais, questões funcionais e questões operacionais. Por sua vez, serão destacadas, no âmbito da estrutura, críticas ao paradigma epistemológico. No âmbito funcional, críticas à formação para o mercado de trabalho que levam a problemas de identidade e legitimidade dos bacharéis. Por fim, no âmbito operacional as críticas serão dirigidas às formas administrativas do Ensino, à metodologia didático-pedagógica e ao currículo dos cursos.

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1. Críticas ao paradigma epistemológico: “o Direito errado que se conhece e se ensina”:

• As críticas dirigidas ao paradigma epistemológico do Ensino Jurídico brasileiro têm considerado este problema como um problema de estrutura, pois diz respeito à forma como o próprio conhecimento jurídico se auto denomina.

• Este paradigma epistemológico é o paradigma dogmático da ciência do Direito, encontrado nas principais bibliografias de renomados juristas e utilizado pelos docentes nas diversas disciplinas dogmáticas do Curso de Direito. Desta forma, as Faculdades de Direito reproduzem o paradigma dogmático de Ciência Jurídica e o senso comum teórico dos juristas, uma vez que o estudo dos diversos ramos do Direito, limita-se ao estudo das normas contidas nos Códigos, que compõem inclusive o próprio conteúdo programático dos planos de ensino. Assim, segundo FARIA, o Ensino Jurídico se encarrega de disseminar,

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• Um complexo conjunto de representações funcionais, crenças e justificativas inerentes às práticas sociais e jurídicas, classificado em disciplinas específicas e legitimado por discursos produzidos por órgãos institucionais, como o legislativo, o Judiciário, as faculdades de direito, as associações profissionais e a própria burocracia estatal. Deste modo, como a setorialização do pensamento jurídico se dá a partir de uma base corporativo-disciplinar, a divisão do saber especializado acarretará até mesmo a impermeabilidade das disciplinas jurídicas entre si – o que dá a cada uma delas um caráter de circularidade e redundância. (1988, 17)

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• A metodologia de ensinar o Direito com base em Compêndios ou Manuais é uma tradição herdada da Universidade de Coimbra, a qual adotou esta metodologia desde a reforma pombalina. Por outro lado, a Ciência Jurídica consolidou o seu paradigma dogmático, positivista, a partir da concepção do Direito como norma jurídica. Assim sendo, dentro desta concepção, estudar o Direito irá significar estudar as normas jurídicas, principalmente as cristalizadas nos códigos.

• O conteúdo restrito dos cursos jurídicos não parece ser uma característica somente do Brasil, pois segundo o depoimento de UNGER “o conteúdo do ensino jurídico tem continuado a ser, na maior parte do mundo, o que sempre foi: um escolasticismo doutrinário e exegético, com pouco valor prático para a advocacia e menor valor ainda para o entendimento e o manejamento dos pactos nacionais de poder.” (2001, 03).

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• Esta forma de ver o Direito será denominada no presente trabalho de paradigma epistemológico e a sua influência pode ser identificada fortemente em nível da estrutura acadêmica. “A concepção do ensino vigente, que é a da educação tradicional, tem fortes vínculos com o positivismo e a sua concepção de ciência e verdade.(...) No que se refere à metodologia de ensino e ao currículo, ambos estão fortemente marcados pelo positivismo, a primeira através da técnica do código comentado e o segundo pela ênfase normativista “ (RODRIGUES, 1995. 16).

• LYRA FILHO alertava para este grande equívoco epistemológico, segundo ele:• • ...o importante a destacar é outra coisa: parece-me que existe um equívoco generalizado e

estrutural na própria concepção do direito que se ensina. Daí é que partem os problemas; e desta maneira, o esforço deste ou daquele não chega a remediar a situação globalmente falsa. É preciso chegar à fonte, e não às conseqüências (...) temos de repensar o ensino jurídico, a partir de sua base: o que é Direito, para que se possa ensiná-lo? Noutras palavras, não é a reforma de currículos e programas que resolveria a questão. As alterações que se limitam aos corolários programáticos ou curriculares deixam intocado o núcleo e pressuposto errôneo.” (1980, 06)

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• Assim, o Direito é identificado com a norma jurídica estatal e a sua ciência com uma simples técnica de controle social. Por estes motivos, o estudo dos diversos ramos do Direito, nas disciplinas distribuídas ao longo da grade curricular dos cursos jurídicos, limita-se ao estudo dos Códigos, que compõem, inclusive, o próprio conteúdo programático dos planos de ensino que se limitam a transcrever os índices dos códigos.

• Os manuais irão transmitir uma informação de caráter meramente instrumental, o conjunto dos dogmas do direito, que passam a idéia da existência de um sistema normativo completo, coerente e sem lacunas, neutro e objetivo na melhor tradição kelseniana, (FARIA, 1987, 45) como se constituíssem “autênticas verdades reveladas, diante das quais ao aluno não restaria outra opção senão a de aceitá-las do modo mais acrítico possível. “ (MARQUES NETO, 2001, 210)

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• Assim, a formação predominante do bacharel em Direito será tradicionalmente marcada, de um lado, por uma “improfícua erudição livresca” e, do outro, por um “conservadorismo que faz do jurista um indivíduo muito mais preocupado com a exegese de textos legais, cujos fundamentos geralmente nem sequer indaga, do que com a possibilidade de transformar o Direito num propulsor de um desenvolvimento social integral, mediante o engajamento na superação de muitos angustiantes problemas que a vida social apresenta.” (MARQUES NETO, 2001, 214)

• A partir da exegese dos textos legais, o ensino jurídico, predominantemente privatista, caracteriza-se muito mais por defender institutos da propriedade privada, liberdade de contratar, autonomia da vontade, onde o estudo dos direitos individuais são a tônica, do que pelo estudo de novos direitos e garantias fundamentais, não se dando a devida atenção aos conflitos coletivos e aos direitos humanos em todas as suas dimensões.

• Segundo RODRIGUES, o paradigma positivista de Ciência do Direito e seu método lógico-formal “tem servido apenas para se apreender o dever-ser, produzindo, dessa forma uma visão unidimensional do real e transformando o ensino jurídico em mera descrição e exegese do direito positivo em vigor.” Omite-se em sala de aula que “ensinar Direito é sempre ensinar uma das formas possíveis de ver e aplicar o Direito.” (RODRIGUES, 1995. 22)

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• A Dogmática Jurídica apresenta a legislação como objeto único do Direito e assim o dogmatismo, que é dominante na ciência e na Filosofia do Direito, vai servir de base ao dogmatismo do Ensino Jurídico, o qual, por seu turno, “retroalimenta e conserva o primeiro, num autêntico círculo vicioso, dentro de um sistema de pensamento extraordinariamente fechado.” (MARQUES NETO, 2001, 212)

• O domínio desse paradigma pode ser claramente vislumbrado no Ensino Jurídico brasileiro, no qual, por meio de várias reformas curriculares, foram sendo cada vez mais acrescentadas disciplinas profissionalizantes que levam a mesma denominação dos códigos aos quais dizem respeito. Assim temos o Direito Civil, que irá estudar o Código Civil, o Direito Penal, que irá estudar o Código Penal, o Direito Comercial, que irá estudar o Código Comercial, o Direito Processual Civil, que irá estudar o Código de Processo Civil, etc. Tudo isto sem qualquer questionamento acerca da política de produção das normas, os efeitos da sua aplicação e principalmente sobre a sua adequação em um dado contexto socioeconômico.

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• Para as disciplinas ditas fundamentais, ou propedêuticas, caberia a tarefa de abordar os aspectos filosóficos, científicos, políticos e sociológicos do Direito, porém estes, “quando não são simplesmente negligenciados, são apresentados ao aluno, via de regra, dentro de um dogmatismo normativista que o induz à crença de que o Direito se reduz às leis.” (MARQUES NETO, 2001, 211). Na maioria das Faculdades de Direito não há um corpo docente qualificado para lecionar de forma adequada estas disciplinas.

• Assim, o mundo é apresentado ao estudante de Direito “pela mediação dos textos legais e a norma jurídica, que é meio de controle de conduta em dada sociedade, editada por um poder que pode ser legítimo, ou ilegítimo, torna-se ela própria um fim em si mesma. (LÔBO, 1996, 23)

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• Desta forma, a pesquisa nas Faculdades de Direito está condicionada a reproduzir a “sabedoria” codificada e a se pautar pelas instituições que aplicam o Direito Positivo. Conforme observa STREK,

• • O professor fala de códigos, e o aluno aprende (quando aprende) em códigos. Esta razão,

somada ao despreparo metodológico dos docentes (o conhecimento jurídico tradicional é um conhecimento dogmático e suas referências de verdade são ideológicas e não metodológicas), explica por que a pesquisa jurídica nas faculdades de direito, na graduação e na pós-graduação, é exclusivamente bibliográfica, como exclusivamente bibliográfica e legalista é a jurisprudência de nossos tribunais. Os juízes mais citam a doutrina consagrada que a própria jurisprudência (existem tribunais que em Direito Administrativo trabalham com um único doutrinador e em Direito Comercial, por exemplo, avalisam suas decisões em autores - dois ou três – que, de modo predominante, escreveram seus trabalhos logo após a Segunda guerra mundial. (2000, 70).

• • A metodologia de ensino, também na maioria dos casos, consiste na repetição e leitura dos

Manuais, gerando um total desestímulo à freqüência às aulas. Na ocasião da avaliação o aluno decora as verdades contidas nos manuais e as repete na prova.

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• Conforme aduz CAMPILONGO,• • Como o docente e os alunos não vão além dos manuais – sempre ressalvando as

exceções -, estes banalizam o limite da mediocridade consentido pelas práticas acadêmicas. Nossos manuais mais divulgados, em praticamente todas as áreas, foram escritos há mais de 15 anos. Muitas vezes são parcos, quando não omissos ou totalmente desatualizados, quanto às referências bibliográficas. A menção a correntes diversas ou interpretações divergentes quase não existe. Por fim, desencorajam a busca de outras fontes. São, de fato, o porto seguro dos acomodados. (1996, 86)

• • Comentando o assunto, STREK entende ser possível afirmar que no nosso país se

estabeleceu uma “cultura jurídica standard”, na qual os manuais jurídicos oferecem ao jurista na prática de sua profissão “soluções e conceitos lexicográficos”, uma coletânea de “prêts-à-porter significativos”, que irão compor o conteúdo de suas petições, pareceres e sentenças “com ementas jurisprudenciais que são citadas, no mais das vezes, de forma descontextualizada.” (2000, 73)

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• Em crítica contundente aos Manuais, FERRAZ JR. resume as idéias até aqui apresentadas:• Manuais de direito no Brasil são em regra, dogmáticos e de baixa densidade em matéria de

problematização científica. Na maioria são meramente classificatórios, repetem, resumem (mal) velhas teorias, nunca ensinam o estudante a pensar juridicamente, sugerindo, ao contrário, que o pensamento jurídico se resume em citar autores, repetir textos normativos e chegar a conclusões baseadas em autoridade da jurisprudência. Os programas espelham os manuais. E os métodos raramente vão além de uma aula expositiva que mal repete o manual. (1996, 284)

• • Importante lembrar que conforme afirma STREK, geralmente os concursos públicos para as carreiras da

magistratura e do Ministério Público seguem a mesma linha da sala de aula e dos manuais jurídicos: “trabalham com problemas idealistas/idealizados/objetificantes, com conflitos atomizados, desindexados do mundo da vida, é dizer, descontextualizados das relações sociais.” (2000, 72).

• Neste sentido, cabe bem aqui o conceito WARAT sobre o “sentido comum teórico dos juristas” como o conjunto de crenças, valores e justificativas por meio de disciplinas específicas, legitimadas mediante discursos produzidos pelos órgãos institucionais. O autor aponta diferentes instituições como produtoras e reprodutoras do senso comum teórico dos juristas, tais como “os parlamentos, os tribunais, as escolas de direito, as associações profissionais e a administração pública.” (1988, 39). Porém, para ele, “parece inegável o lugar privilegiado que as escolas de direito ocupam como formadoras de um sistema mais ou menos difuso, pouco explicitado de estereótipos fundantes” do sentido comum teórico dos juristas. (1984, 22).

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• FARIA diagnostica o Ensino Jurídico como um ensino em nível do sentido comum teórico dos juristas, na medida em que

• • valoriza-se quase que exclusivamente uma abordagem sistemática e lógico-dedutiva, privilegiando-se

o princípio da autoridade – isto é, a opinião dos ‘preclaros mestres’, dos ‘insígnes doutores’, dos ‘notáveis educadores’, dos ‘doutos colegas’, todos muitas vezes citados aos borbotões e usados como pretexto para demonstração de uma erudição sem peso teórico, recheando manuais e livros – isto quando não servindo para engrossar teses acadêmicas de professores pouco criativos e sem inspiração, abrindo caminho para que o ‘pedantismo da ligeireza’ sirva de critério para o prevalecimento, no âmbito do corpo docente, de um tipo modal de mestre acrítico, burocrático e subserviente aos clichês e estereótipos predominantes entre os juristas de ofício. (1987, 47).

• • É na engrenagem conformadora do senso comum teórico que encontram-se os livros de Direito.

Manuais de presença obrigatória em qualquer disciplina dogmática que for ministrada e que se limitam à exegese dos textos legais. Na maioria dos casos “não passam de cópias de cópias de cópias. Os amontoados de citações demonstram a erudição de seus autores e também a sua absoluta falta de criatividade. Quanto mais esquemáticos e donos da verdade, melhor. Não há lugar no ensino do Direito para o aprofundamento de temas e muito menos para a dúvida.” (RODRIGUES, 1993, 82)

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2. Críticas Funcionais ao Ensino Jurídico

• A análise funcional do Ensino Jurídico é aquela que leva em conta a qualidade do

resultado final deste ensino. Avalia o ensino no seu aspecto de formador de profissionais qualificados (ou não) para o desempenho de suas funções profissionais. (ARRUDA JR., 1988).

• A falta de preparo dos egressos dos cursos de Direito não é novidade, e revela a má qualidade do ensino nas Faculdades de Direito de nosso país. O despreparo é generalizado atingindo tanto a formação científica quanto a técnica.

• Ainda assim, ocorreu nos últimos anos uma enorme expansão do número de cursos e de vagas nos cursos já existentes. Se em 1996 havia 198 Cursos de Direito no país, em 2001 estes já eram em número de 667 e em 2006, 1060.

• Algumas razões são apontadas para explicar o número de procura dos alunos por cursos jurídicos. (ADEODATO, 2002, 44). Dentro da lógica da comercialização do ensino, que parece ser a tônica que governa as iniciativas no âmbito educacional, os Cursos de Direito revelam-se muito rendosos, pois são de baixo custo para instalação e manutenção.

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• As aulas-conferência podem ser ministradas por um único professor a um número grande de alunos. Além disso, prescindem de laboratórios especializados e de gastos com biblioteca, uma vez que a pesquisa também não é estimulada pelos professores. Há também o fato de que as Faculdades recrutam seus docentes entre advogados, juízes, promotores e profissionais do Direito que, em geral, já possuem outra fonte de renda, e por isso poderão receber uma menor remuneração. Por outro lado, os próprios estudantes se sentem beneficiados com a pouca exigência do Curso, interessando-se somente pelo diploma. Assim, forma-se um ciclo vicioso: há mais vagas sendo oferecidas nos cursos jurídicos do que em outros cursos, tornando mais fácil a aprovação no vestibular. Por ser um dos cursos com maior facilidade de aprovação nos vestibulares, acaba sendo o mais procurado e, por ser um dos cursos mais procurados nos vestibulares, há maior interesse das Instituições de Ensino em oferecê-los, conseqüentemente há mais vagas sendo oferecidas.

• Tudo isso leva ao que foi denominado de mercado de trabalho semi-saturado (RODRIGUES, 1993, 17) desviando os egressos dos cursos de Direito para o mercado parajurídico (ARRUDA JR, 1989), onde desempenhará funções técnico-burocráticas no âmbito do Estado (RODRIGUES, 1993, 17).

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• Importante esclarecer que o semi-saturamento se dá na carreira de profissional liberal, uma vez que, para os concursos públicos, normalmente as vagas não chegam a ser preenchias por falta de nota mínima dos candidatos para a aprovação.

• Na realidade o “judicialismo” imperante faz com que os estudantes só aprendam as técnicas necessárias para a atuação profissional no âmbito judicial e contencioso. O que leva ao despreparo para lidar com novas atividades emergentes que demandam profissionais atualizados e com visão abrangente acerca do fenômeno jurídico.

• Esta questão remete para o problema da identidade e legitimidade dos profissionais do Direito, adequadamente chamados de “operadores jurídicos”, uma vez que não fazem mais do que “operar” com o sistema jurídico, como se este fosse uma máquina. Neste sentido:

• • A crise de legitimidade, principalmente de advogados e juízes, decorre de uma prática

dessintonizada dos interesses sociais. O compromisso com a verdade formal e com a lei e não com a realidade e a justiça faz, da maioria dos juristas, profissionais descompromissados com as lutas maiores da população. O ensino jurídico, nesses aspectos, possui grande culpa a confessar. A (de)formação preponderantemente exegética e legalista por ele proporcionada e a disseminação de falsas crenças com relação à realidade da profissão são elementos fundamentais na constituição das atuais crises de identidade e legitimidade. (RODRIGUES, 1995, 29).

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• O ensino do Direito, com base em manuais que reproduzem o paradigma dogmático da Ciência Jurídica, transforma-o em uma educação conservadora e tradicional, que, a partir do estudo abstrato das normas jurídicas desconhece as reais necessidades sociais, uma vez que só se restringe à análise da validade destas normas, esquecendo totalmente as questões de sua eficácia e legitimidade.

• Neste sentido, é mantida a tradição dos cursos jurídicos no Brasil de total alienação e despolitização (FARIA, 1987, 29), onde para que se possa estudar a lei são deixadas de lado questões de suma importância para o país, tais como corrupção, impunidade, Direitos Humanos e meio ambiente, só para citar alguns exemplos.

• A formação para a cidadania, na qual o estudo do Direito necessariamente implica, bem como, o combate às formas de opressão e exclusão na sociedade brasileira exigem “uma cultura jurídica capaz de ir ao encontro da realidade social, de imaginá-la e construí-la como direito.” (UNGER, 2001, 10).O que, no geral, não é estimulado de nenhuma maneira em nossas Faculdades.

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3. Críticas Operacionais ao Ensino Jurídico

• • As críticas operacionais dizem respeito ao conjunto de problemas relacionados não

propriamente com o conteúdo do ensino jurídico, mas com a sua operacionalização concreta. Neste sentido, referem-se à metodologia didático-pedagógica, à estrutura administrativa das Faculdades de Direito e aos currículos dos Cursos.

• Os problemas administrativos, a princípio, dizem respeito à administração das Faculdades de Direito, porém este é o primeiro degrau do problema. Partindo daí, chega-se ao nível mais elevado da administração educacional brasileira que é realizada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) e Ministério da Educação (MEC). Em última instância, pode-se dizer que são o CNE e o MEC os responsáveis pela proliferação das vagas e Cursos de Direito ocorrida no Brasil (RODRIGUES, 1995, 30), principalmente nos últimos anos, conforme os números apresentados acima.

• Na administração das Faculdades de Direito, os cargos de direção, coordenação e a contratação dos docentes nem sempre obedece o critério de qualidade do profissional, sendo também levadas em conta as questões políticas e de apadrinhamento.

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• No que diz respeito às questões didático-pedagógicas, o Ensino Jurídico continua sendo realizado basicamente pela mesma metodologia da época de sua criação, ou seja, a aula-conferência. Também conhecida como “aula coimbrã”, numa alusão ao método praticado na Universidade de Coimbra, a aula-conferência caracteriza-se por ser uma aula expositiva dada para um elevado número de alunos numa mesma sala de aula. O conteúdo desta aula normalmente é o comentário de Códigos por meio do método dedutivo. (RODRIGUES, 1993, 16)

• São recentes as preocupações pedagógicas no âmbito do Ensino Jurídico, e enquanto alguns cursos menos tradicionais já começam a recorrer a técnicas pedagógicas mais dinâmicas, participativas e problematizantes, as Faculdades de Direito continuam “como redutos de uma transmissão arcaica do saber jurídico, empreendida, quase sempre, por profissionais bem sucedidos e indiferentes às modernas exigências pedagógicas e metodológicas.” (WARAT e CUNHA, 1977, 53)

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• Em razão dessa realidade, os métodos antigos passaram a ser questionados e a aula expositiva foi o centro das atenções. Alguns autores defendem a substituição do método dedutivo da aula expositiva pelo método indutivo, que pressupõe a aula dialogada e o estudo de casos.

• Foge aos objetivos deste trabalho discutir os métodos pedagógicos e as suas tipologias, porém cada vez mais o professor de Direito precisa conhecer sobre pedagogia e didática do ensino para poder ministrar suas aulas.

• O uso de métodos tradicionais pouco estimulam o raciocínio jurídico e a reprodução da Dogmática Jurídica nos Cursos Jurídicos, segundo FARIA, “leva a uma saturação ideológica no conhecimento do Direito, uma inércia reflexiva, uma falta de interesse no que se refere à mudança social, um certo conformismo e uma inclinação pela adequação de seus conceitos às situações conjunturais.” (FARIA, 1988, 17)

• Por outro lado, a relação do professor com o aluno é ao estilo tradicional, que vê o aluno como um recipiente vazio de conteúdo que será preenchido pelo conhecimento oriundo do professor. Este, por sua vez, é o detentor do conhecimento-verdade e irá transmiti-lo pela educação formal. Essa transmissão autoritária do conhecimento gera como resposta a passiva memorização dos alunos, que pode até servir para a obtenção de um título universitário, mas que não o habilitam a decisões maduras e autônomas.

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• Quanto ao corpo docente, os professores, em sua maioria, não possuem nenhum conhecimento de metodologias didáticas e nem de teorias pedagógicas. Também não buscam aperfeiçoar o seu conhecimento teórico e interdisciplinar acerca do fenômeno jurídico; possuem apenas a graduação e não se interessam por cursos de pós-graduação ou de aperfeiçoamento. São escolhidos entre profissionais competentes e de renome em suas cidades e exercem a atividade docente como um “bico” que irá proporcionar- lhes um almejado status social e favorecê-los em suas profissões fora da Faculdade. Por isso, muitos de seus membros não vivem a realidade acadêmica e não se dedicam à pesquisa, limitando-se a ensinar o direito da forma como aprenderam com seus professores, vale dizer, mediante leitura e comentários aos artigos dos códigos, adotando um ou mais livros-textos que serão os únicos conteúdos cobrados dos alunos nas padronizadas avaliações. (RODRIGUES, 1993, 16)

• Assim, o ensino recebido em sala de aula é o único responsável pela formação do aluno, não havendo nenhuma atividade extraclasse concorrendo para a sua formação.

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• Falando acerca do corpo discente, é necessário registrar que o perfil do aluno padrão é o de um estudante acomodado. Vários são os motivos que o levam à escolha pelo Direito como curso superior, e às vezes o faz por falta de outra opção ou em função da atividade profissional de algum membro da família. Em sua maioria, não freqüentam bibliotecas, não desenvolvem trabalhos de pesquisa e nem de extensão. Seu objetivo é passar pela Faculdade da maneira mais tranqüila possível e, ao final, obter o diploma que, acredita ele, num “passe de mágica” irá abrir-lhe as portas do mercado de trabalho como ocorria em nosso país no início dos cursos jurídicos.

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• Por fim, as grades curriculares dos Cursos de Direito também têm merecido a atenção das críticas que são dirigidas ao Ensino Jurídico. Tradicionalmente no Brasil o currículo mínimo sempre acabou transformando-se no máximo. Questões de mercado e competitividade das Faculdades são decisivas neste particular.

• Os currículos são, regra geral, compostos preponderantemente de matérias codificadas, ou seja, dogmáticas. A duração do curso é em média de 5 anos. O currículo é normalmente fixo ou pouco flexível, deixando nenhum ou pouco espaço para a busca de formação autonomamente pelo aluno. (RODRIGUES, 1993, 16)

• Atividades complementares, como pesquisa e extensão e a Monografia de final de curso, só passaram a ser obrigatórias a partir da Portaria 1886/94, sendo que antes não eram nem referidas nas grades, fazendo com que a formação do bacharel fosse resultado exclusivo do ensino em sala de aula. Bastava comparecer 5 dias da semana a 4 horas de aulas por dia durante quatro ou cinco anos para ao final obter o diploma. (ADEODATO, 2002, 45).

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• O mesmo acontece com o Estágio de Prática Jurídica que, apesar de ser de fundamental importância para a formação prática do bacharel, não só como advogado, mas também nas outras carreiras jurídicas, segundo reconheceu a Portaria 1886/94, na maioria dos casos resume-se a uma atividade de fachada, relegado ao cumprimento de um serviço assitencialista e restrito a somente algumas atividades, como, por exemplo, o direito de família.

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Conclusões• 1) Um Curso de Direito precisa ter um Projeto Pedagógico definido,

a partir do perfil do profissional que deseja formar. • 2) Na definição do perfil do profissional que será egresso do curso

deve-se levar em conta a necessidade de prepará-los para ser um fomentador da cidadania e das garantias fundamentais de cada cidadão, trabalhando a serviço da sociedade e utilizando-se do Direito como um instrumento de libertação e igualdade.

• 3) O currículo deve prever um tempo mínimo e com carga horária específica, para a necessária apreensão e elaboração dos conteúdos por parte dos alunos.

• 4) A composição do currículo deve-se dar com uma parte fixa e outra flexível, para oferecer ao aluno opções de profissionalização e formação específica.

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• 5) No que se refere ao conteúdo a ser ministrado no Curso, a experiência que está sendo desenvolvida pela Escola de Direito de São Paulo – EDESP - na FGV/SP pode ser considerada exemplar. Dentre outros aspectos extremamente positivos do projeto, destaca-se que, ao invés de disciplinas que repetem o padrão dos códigos, foram agrupados os conteúdos a serem estudados no decorrer do curso em grandes temas, ou setores, e se propõe a uma abordagem deles de forma interdisciplinar, contribuindo assim para a construção de um novo objeto para a Ciência Jurídica. Outro aspecto inovador do projeto é o giro pedagógico que realiza ao estudar o Direito a partir de problemas concretos, o que levará a um ensino mais realista e completo e menos formal e abstrato.

• 6) Somente por meio da abordagem interdisciplinar, o fenômeno jurídico poderá ser apreendido pelo estudante de Direito como algo além da norma jurídica válida.

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• 7) Deve ser dada ênfase também às formas alternativas de resolução de conflitos tais como a negociação, conciliação e arbitragem. A abordagem de temas como globalização, ordem econômica mundial, direitos internacionais, humanos, públicos e privados também são importantes.

• 8) A atividade de pesquisa é a única que pode levar à superação do paradigma dogmático, pois é somente por meio da pesquisa e da produção científica que se cria novo conhecimento. Por isso é importante exigência de Monografia ao final do curso, a participação do aluno em atividade de iniciação científica e em grupos de pesquisa.

• 9) Em paralelo a atividade de extensão, com envolvimento dos alunos nos problemas de sua comunidade é fundamental para a formação de um profissional comprometido com a realidade social que o rodeia.

Page 30: METODOLOGIA DO ENSINO DO DIREITO Profa Samyra Haydêe Dal Farra Naspolini Sanches Aula 2

• 10) Mudanças de currículos sem a mudança da mentalidade dos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem não afetam os problemas do Ensino Jurídico.

• 11) Uma melhor qualificação dos docentes seria de vital importância para o seu comprometimento com um novo paradigma de Ensino Jurídico. Cursos de pós-graduação ou cursos constantes de aperfeiçoamento que lhes propiciassem uma formação interdisciplinar, dentro de uma nova Ciência Jurídica e com destaque também para questões didático-pedagógicas, poderiam concorrer para a formação de um novo professor de Direito.

• 12) Entrando na questão do método, a pluralidade de metodologias é a melhor alternativa. O que é importante é que este deve possuir estrita relação com a filosofia que fundamenta o Projeto Pedagógico do curso. Excluindo-se os métodos autoritários, os enciclopedistas e os codicistas, e dando-se preferência àqueles que estimulem a participação do aluno e o seu raciocínio sobre o tema.