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Metodologia para divulgação de tecnologia para agroindústrias rurais: exemplo do processamento de farinha de mandioca no Maranhão Marney Pascoli Cereda 1 Olivier Vilpoux 2 Resumo A avaliação e adaptação de tecnologia para pequenas empresas não é tarefa fácil. No Brasil existem muitos tipos de farinhas de mandioca. A farinha d’água é preferida na região Norte, onde tem grande impacto social. Para analisar três unidades de fabricação de farinha do Estado do Maranhão uma equipe multidisciplinar utilizou uma metodologia de transferência de tecnologia dividida em quatro etapas: (a) identificação e análise das tecnologias usadas nas comunidades; (b) identificação das necessidades do mercado, (c) identificação de tecnologias alternativas e (d) repasse das alterações necessárias. Foram identificados problemas que iam de segurança de trabalho a ineficiência no processo. Esses problemas dificultavam a comercialização e encareciam o preço do produto, criando uma situação de desvantagem Recebimento: 12/4/2009 • Aceite: 29/7/2009 1 Livre-docente pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP - Doutora em Ciências pela Faculdade de Ciências Medicas e Biológicas de Botucatu. Professora e pesquisadora do Centro de Tecnologia e Estudo do Agronegócio – CeTeAgro e Mestrado em Desenvolvimento Local - Universidade Católica Dom Bosco - UCDB, Campo Grande/MS-Brasil. End: Universidade Católica Dom Bosco, Desenvolvimento Local, Centro de Tecnologia Para o Agronegócio. Avenida Tamandaré, s/n Lagoa da Cruz 79117900 - Campo Grande, MS - Brasil E-mail: [email protected] 2 Doutor em Engenharia de Produção pelo Institut National Polythecnique de Lorraine. França. Professor e pesquisador do Centro de Tecnologia e Estudo do Agronegócio – CeTeAgro e Mestrado em Desenvolvimento Local - Universidade Católica Dom Bosco - UCDB, Campo Grande/MS-Brasil. E-mail: [email protected]

Metodologia para divulgação de tecnologia para ... · para agroindústrias rurais: ... farinha d’água é preferida na região Norte, ... problemas que iam de segurança de trabalho

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Metodologia para divulgação de tecnologia para agroindústrias rurais: exemplo do processamento de farinha de mandioca no Maranhão

Marney Pascoli Cereda1 Olivier Vilpoux2

Resumo

A avaliação e adaptação de tecnologia para pequenas empresas não é tarefa fácil. No Brasil existem muitos tipos de farinhas de mandioca. A farinha d’água é preferida na região Norte, onde tem grande impacto social. Para analisar três unidades de fabricação de farinha do Estado do Maranhão uma equipe multidisciplinar utilizou uma metodologia de transferência de tecnologia dividida em quatro etapas: (a) identificação e análise das tecnologias usadas nas comunidades; (b) identificação das necessidades do mercado, (c) identificação de tecnologias alternativas e (d) repasse das alterações necessárias. Foram identificados problemas que iam de segurança de trabalho a ineficiência no processo. Esses problemas dificultavam a comercialização e encareciam o preço do produto, criando uma situação de desvantagem

Recebimento: 12/4/2009 • Aceite: 29/7/2009 1 Livre-docente pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP - Doutora em Ciências pela Faculdade de Ciências Medicas e Biológicas de Botucatu. Professora e pesquisadora do Centro de Tecnologia e Estudo do Agronegócio – CeTeAgro e Mestrado em Desenvolvimento Local - Universidade Católica Dom Bosco - UCDB, Campo Grande/MS-Brasil. End: Universidade Católica Dom Bosco, Desenvolvimento Local, Centro de Tecnologia Para o Agronegócio. Avenida Tamandaré, s/n Lagoa da Cruz 79117900 - Campo Grande, MS - Brasil E-mail: [email protected] 2 Doutor em Engenharia de Produção pelo Institut National Polythecnique de Lorraine. França. Professor e pesquisador do Centro de Tecnologia e Estudo do Agronegócio – CeTeAgro e Mestrado em Desenvolvimento Local - Universidade Católica Dom Bosco - UCDB, Campo Grande/MS-Brasil. E-mail: [email protected]

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em relação às farinhas fabricadas no Sudeste do país. O processo foi analisado e foram introduzidas melhorias visando eficiência e segurança. A questão da eco eficiência foi abordada no aproveitamento dos resíduos de fábrica e de campo. Os resultados mostraram que a metodologia adotada permitia identificar onde as modificações necessárias, com impacto relevante sobre qualidade e segurança, mas com reduções mínimas nos custos de produção. Para reduzir mais os custos seria necessária mecanização do descascamento para tornar possível o aumento de escala e a manutenção da atividade. Palavras-chave: transferência de tecnologia, extensão, agricultura familiar, mercado, segurança.

Methodology for technology transference in small rural industries: the case study of cassava flour processing in Maranhão State, North-East of Brazil

Abstract

The evaluation and adaptation of technology to small businesses is not easy to do. In Brazil there are many types of cassava flour (farinha). The farinha d´água one is preferred in the Northern Region, where it has a great social impact. A multidisciplinary team analyzed three units of small farinha producers in the State of Maranhão, North Brazil by using a methodology for technology transfer divided into four steps: (a) identification and analysis of the technologies used in communities, (b) identification of market needs, (c) evaluation of alternatives technologies and (d) transfer of the identified changes. Several problems have been identified such as work security and process inefficiency. These problems difficult the commercialization and increased the price of products, creating a disadvantage with the farinha produced in the Southeast of Brazil. The process has been analyzed and changes were made to improve efficiency and safety. The question of ecological efficiency has been addressed in the recovery of waste from the factory and the field. The results showed that the adopted methodology allow to identify where the modifications needs to be done with significant impact on quality and safety, but with

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minimal changes in production costs. To reduce more the costs would be necessary the mechanization of cassava peeling for make possible the scale-up and allowing the maintenance of activity. Keywords: Transfer technology, extension, small farmers, market, security.

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Introdução

A literatura técnica e científica tem tratado da tecnologia em separado dos demais fatores que podem levar uma comunidade ao desenvolvimento. Muitos relatos comprovam que pacotes prontos nem sempre são adotados. Uma das formas de melhorar a transferência de tecnologia e tornar mais eficiente os treinamentos é trabalhar com equipes multidisciplinares, mas há poucos relatos sobre a metodologia a ser adotada, bem como dos resultados assim obtidos. Por outro lado há necessidade de que a tecnologia a ser introduzida seja adequada em nível social e econômico à sociedade alvo, para que haja mais probabilidade de se tornar efetiva. Para destacar a importância da metodologia, foi selecionada uma atividade desenvolvida sobre melhoria de processo para pequenas empresas de farinha de mandioca.

A mandioca é um cultivo de escala nacional e com produção essencialmente por agricultores familiares. Além do cultivo para uso culinário, há o cultivo de mandioca para uso industrial, essencialmente para produção de fécula e de farinha. As indústrias de fécula são unidades de produção maiores e modernas, encontradas principalmente nos estados do Paraná, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Goiás e Santa Catarina. A escala de produção de fécula no Brasil e as características das unidades de produção descartaram a abordagem destas empresas nesse artigo.

A farinha é um produto tipicamente brasileiro que não encontra equivalente a não ser na África. Nas regiões Sul e Sudeste do país existem algumas indústrias de maior porte, com tecnologias mais modernas. Como regra geral as farinheiras brasileiras são de pequeno porte, com mecanização rudimentar e equipamentos ineficientes. Em muitas regiões do país, essa atividade é considerada como atividade de subsistência, com a comercialização apenas dos excedentes. No entanto, para muitas comunidades das regiões Norte e Nordeste do Brasil, a produção de mandioca e de farinha compõe a principal fonte de renda dos agricultores familiares. O caráter rudimentar do processamento da farinha limita a qualidade dos produtos e os excedentes de produção, com impactos negativos sobre a renda dos pequenos produtores.

Pela importância da produção de farinha para a subsistência de muitas comunidades do Brasil, o tema foi considerado de grande relevância para testar uma metodologia de transferência de tecnologia adaptada a pequenas agroindústrias rurais. Em função da complexidade do assunto, a transferência de tecnologia apoiou-se

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numa equipe multidisciplinar, com enfoque na tecnologia e nos mercados atendidos, de forma não dissociada.

Além de um mercado restrito às fronteiras nacionais, a produção de farinha caracteriza-se por uma grande variação de tipos de uma região para outra. A maioria das regiões brasileiras processa uma farinha especifica que tem a preferência de seus habitantes, o que restringe a exportação entre áreas produtoras. Entre as farinhas de tipos mais diferenciados pode ser citada a farinha ácida encontrada no litoral sul de Santa Catarina, cuja fabricação consiste em deixar prensada durante alguns dias a massa ralada de raízes de mandioca, para que fermente (CEREDA & VILPOUX, 2003). Outra farinha específica é a farinha d’água, originária da região amazônica, mas consumida até o Estado do Maranhão. A farinha d’água é obtida de raízes fermentadas (pubadas) com granulometria bem maior que das outras farinhas, o que proporciona aspecto granulado (VILPOUX, 2003).

Farinhas tradicionais, pouco mecanizadas, tais com a farinha ácida do litoral de Santa Catarina, d´água da região Norte ou puba, do Nordeste, encontram cada vez mais dificuldades para se manter no mercado. Essas farinhas enfrentam a concorrência dos produtos de empresas mais modernas do Sul, Sudeste ou mesmo algumas regiões do Nordeste. Essa concorrência prejudica ainda mais as pequenas agroindústrias da agricultura familiar, diminuindo a renda dos produtores.

A modernização da economia brasileira deverá limitar cada vez mais o espaço das pequenas empresas que não conseguem se modernizar. Unidades de grande porte, com equipamentos modernos e marcas próprias estão aparecendo em vários estados do Brasil. Existem entre quatro e cinco unidades deste tipo no Paraná, três delas com equipamentos contínuos, uma em São Paulo e pelo menos duas no Nordeste. No caso de farinheiras com equipamentos contínuos, o porte do investimento, com capacidade de processamento de 50 a 200 toneladas por dia, obriga as empresas em se profissionalizarem e operar o ano todo (VILPOUX, 2006).

Em paralelo, dados do IBGE sobre a evolução do consumo de farinha de mandioca indicam uma redução regular do consumo de farinha nas principais cidades e capitais brasileiras, entre 1987 e 1996, ano do último levantamento. Vilpoux (2006) observa que essa redução continuou depois de 1996. Essa evolução é preocupante, pois o declínio do consumo significa redução dos mercados, com maior impacto sobre os pequenos produtores rurais cuja renda principal vem da mandioca.

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Qualquer mudança nessa situação passa pela modernização das pequenas farinheiras rurais, com melhoria na eficiência dos equipamentos usados e adaptação dos produtos as necessidades dos consumidores. Essa adaptação fica muito complexa quando se considera a intervenção em processos tradicionais de pequenas comunidades rurais, com baixa escolaridade, pouco inclinadas a mudanças. Essa conjuntura exige uma metodologia de transferência específica.

A experiência de atuar com equipe multidisciplinar já havia sido relatada por Gomes, Cereda e Vilpoux (2007). Os autores relatavam a adaptação de resultados de pesquisa para elaborar uma tecnologia de conservação de frutas e hortaliças compatível com a agricultura familiar. A partir da informação científica de que a desidratação osmótica origina produtos com boas condições de armazenamento, qualidade semelhante à matéria-prima e muitas vezes melhor em cor, sabor e aroma que produtos de tecnologias mais caras e sofisticadas, foi constatado que não havia uma tecnologia adequada para repasse a pequenos produtores de frutas e hortaliças, onde poderia resultar em impacto de redução de perdas de colheita e valorização de produtos. Entretanto, havia a necessidade de adaptação para transferência em empreendimentos de pequeno porte. O ajuste feito pela equipe estabeleceu processos de fácil transferência com investimento inicial baixo, sem necessidade de materiais ou equipamentos sofisticados. As inovações introduzidas permitem reduzir os custos e tornar o processo viável economicamente, sem inviabilizar a produção em pequena escala. A reutilização da solução osmótica foi um diferencial encontrado, com solução proposta na fabricação de vinagres finos, aguardentes ou licores. A comercialização dos produtos e co-produtos viabiliza economicamente o processo, garantindo retorno econômico para pequenos produtores rurais de acordo com os padrões de qualidade exigidos pelo mercado.

Em continuidade a essa linha de ações, o artigo avalia e indica as etapas adotadas por uma equipe multidisciplinar para o ajuste de uma tecnologia local de um produto tradicional, a farinha d´água do Maranhão, de forma a aumentar a segurança de trabalho, reduzir os resíduos gerados transformando-os em co-produtos, reduzir os custos de fabricação e facilitar a penetração dos produtos no mercado.

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Metodologia

Transferência de tecnologia

A metodologia adotada é dividida em quatro etapas, que devem ser consideradas em casos de transferência de tecnologia em pequenas comunidades rurais: (a) identificação e análise das tecnologias usadas nas comunidades; (b) identificação das necessidades do mercado, (c) identificação de tecnologias alternativas, mudanças de processo para melhoria do desempenho industrial e/ou segurança de trabalho e atendimento ao mercado e por fim (d) repasse das mudanças identificadas.

• Identificação e análise das tecnologias usadas nas

comunidades:

A equipe se esforçou em diferenciar opiniões subjetivas da comunidade (conhecimento tácito) daquelas que realmente eram importantes para estabelecer processos tecnológicos mais racionais, usando dados mensuráveis, resultados de análises e discussão entre os pesquisadores e dos pesquisadores com os membros da comunidade. Para obter dados mais concretos a equipe se valeu de instrumentos portáteis como termômetros de infravermelho, pH-metros, balanças, conjunto de peneiras, entre outros. Análises mais sofisticadas foram feitas em laboratórios de apoio utilizando amostras coletadas.

• Identificação das necessidades do mercado: A pesquisa mercadológica é muito importante para direcionar o

processo e a qualidade dos produtos de pequenos fabricantes ao mercado. Para isso devem-se identificar e interrogar representantes dos canais de comercialização, como atacadistas, atravessadores, feiras livres e supermercados, assim como os consumidores do produto, selecionados nos centros urbanos regionais. Um questionário permite definir das marcas e os tipos de produtos mais consumidos. Em função das respostas obtidas, devem ser visitados os locais onde os produtos elaborados recebem maior aceitação pelos consumidores, para reconhecer o processo e coletar amostras (se for o caso). Essas amostras devem ser confrontadas com os produtos elaborados nas empresas das comunidades com tecnologia tradicional. Os resultados permitem estabelecer um “padrão” técnico ideal, baseado no mercado e um “usual”, dos produtos das comunidades analisadas. Nesta fase não se pode perder de vista que mesmo em casos em que a qualidade é definida pelo consumidor, a questão da saúde pública não admite discussão, pois embora existam pequenos produtores, não existe “pequena” qualidade.

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• Identificação de tecnologias alternativas e mudanças de

processo: Os resultados da pesquisa de mercado e das análises de

laboratório devem ser usados para orientar a equipe técnica sobre os processos mais adaptados as necessidades mercadológicas. Entende-se que desta forma será mais fácil inserir o produto no mercado, pois nem sempre isso é claro nas comunidades pequenas, por isolamento ou porque as tecnologias tradicionais, que vem passando de pais para filhos são difíceis de mudar. As informações devem ser transcritas na forma de ajustes de tecnologia e equipamentos (se necessário) com o cuidado de que essas alternativas sejam de fácil obtenção no local de implantação das comunidades e de custos similares aos equipamentos já existentes nas unidades de produção.

• Repasse e validação das mudanças identificadas: Para introduzir as mudanças identificadas deve-se fazer o teste

da nova tecnologia e dos equipamentos na própria comunidade ou em várias delas com o intuito de se certificar que os processos são seguros e adequados para a comunidade enfocada. Com isso é possível comparar as produções tradicional das comunidades e com as mudanças introduzidas. A comparação pode consistir na avaliação das perdas no processo (balanço de massa), tempo e facilidade de processamento e da segurança nas etapas de trabalho. O produto elaborado deve também ser comparado com os padrões mercadológicos e com os produtos tradicionais das comunidades. Caso se aplique deve ser feita análise sensorial para verificar se, apesar da aparência, não ocorrem mudanças sutis que impeçam seu consumo. Em caso de produtos alimentícios é comum existir uma “memória sensorial” que é culturalmente valorizada pela comunidade.

O caso da farinha d´água no Maranhão

Para avaliar a metodologia de transferência de tecnologia, a partir das quatro fases apresentadas no item 2.1, os experimentos foram realizados em três unidades de processamento de comunidades do Estado do Maranhão.

O processo de produção da farinha d’água é descrito na literatura (VILPOUX, 2003) e consta da maceração das raízes em água com conseqüente fermentação denominada popularmente de pubagem, descascamento manual, lavagem, prensagem da massa ralada e secagem da farinha em fornos a lenha (Figura 1).

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Figura 1: Processo de produção de farinha d´água segundo Vilpoux, (2003)

Em geral a colheita e o processamento da mandioca são feitos

pelo mesmo grupo da comunidade, muitas vezes por membros da mesma família. No Maranhão, a pubagem era considerada como uma das etapas mais importantes, junto com a secagem (grolagem), para definir a qualidade da farinha d’água.

Resultados e Discussão

A pesquisa avaliou a metodologia proposta de transferência de tecnologia, tendo por base ações de campo por equipe pluridisciplinar em três comunidades produtoras de farinha d’água no interior do Estado do Maranhão. A equipe de campo era composta de quatro profissionais com diversas especialidades: agricultura, engenharia de alimentos, com especialização em processamento de mandioca, mercado e administração de empresas, incluindo um profissional com conhecimento das características locais. Essa equipe contou com apoio local em cada Município e foi complementada por pesquisadores de

Mandioca

Pubagem

Descascamento

Ralação

Peneiragem

Secagem

Armazenamento

Prensagem

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Universidades dos Estados do Paraná e São Paulo, nas análises de laboratório.

Nas visitas foram analisadas as tecnologias tradicionais como uma seqüência de operações unitárias. O termo operações unitárias é muito usado em engenharia para definir aquelas operações de um processo que não podem ser subdivididas (PORTAL DE ENGENHARIA QUÍMICA, 2009; JEANTENT, CROGUENNEC, SCHUCK & BRULE, 2006).

As quatro fases que constituem a Metodologia proposta foram ajustadas para a farinha d´água, como segue: (a) levantamento e avaliação das tecnologias usadas nas comunidades, (b) identificação das necessidades do mercado, (c) identificação de tecnologias alternativas e mudanças de processo para melhoria do desempenho industrial e atendimento ao mercado e por fim, (d) repasse das mudanças necessárias.

Identificação e análise das tecnologias usadas nas comunidades:

Como regra geral, as empresas processadoras de farinha

d’água são de pequeno porte como descritas por Vilpoux (2003). Por esta razão as possibilidades de modernização do processo devem visar essas pequenas unidades, com capacidade de investimento reduzido. É importante citar que esse tipo de empresa não dispõe de equipamentos de pequeno porte baratos e eficientes, que possibilitem produtos de qualidade e com preços competitivos, conforme destacado pelo Intermediate Technology Development Group (1989) instituição inglesa com tradição em estudos de tecnologia para pequenas empresas, que tem atuado principalmente na África para introduzir qualidade, eficiência e segurança em tecnologia tradicional.

Durante as visitas foram detalhados os fluxogramas dos diferentes tipos de fabricação adotados nas três Comunidades apoiadas, assim como obtidos depoimentos dos membros dessas comunidades. As informações foram confrontadas com as opiniões dos membros da equipe e com os resultados de análise obtidos com instrumentos portáteis (termômetros de infravermelho, pH-metros, balanças, conjunto de peneiras, etc.). Amostras de farinha d’água foram coletadas e enviadas aos laboratórios para as análises complementares.

Os equipamentos e instalações visitados nas comunidades haviam sido instalados como plantas completas de processamento, com financiamentos públicos, a partir de projetos padrões elaborados por

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instituições locais. Nestes projetos os equipamentos novos e mecanizados seguiam a mesma concepção dos equipamentos tradicionais. Esse fato evidencia o trabalho de equipes multidisciplinares que possam analisar a tecnologia por novos ângulos, propor soluções mais eficientes e evitar adoção de processos do denominado “conhecimento tácito” sem uma análise racional.

Durante a avaliação foi feito balanço de massa que consiste em pesar tudo o que entra e sai durante a etapa de fabricação. Inicialmente foi constatado que os resíduos de campo eram perdidos. Para aproveitar esses resíduos, os membros da comunidade foram incentivados a transportar as ramas e folhas da mandioca quando traziam as raízes para as plantas de processamento. Essa ação, que caracteriza eco eficiência, será descrita mais adiante.

Identificação das necessidades do mercado

As necessidades do mercado foram definidas a partir de um estudo de mercado na capital do Estado do Maranhão e através de análises de laboratório. Foram 14 empresas de distribuição (atacadistas, atravessadores, feiras livres, supermercados) e 29 consumidores da cidade de São Luis consultados. Os consumidores foram entrevistados ao acaso, nas feiras livres da cidade por questionário que visava definir as marcas e os tipos de farinha mais consumidos. Em função das respostas obtidas aos questionários, a equipe visitou dois locais que se destacavam pela elaboração de farinha d’água com denominação popular de carema e biriba, ambas de boa aceitação pelo mercado da capital, como forma de estabelecer comparações de fabricação e características das farinhas. Foram coletadas amostras dessas farinhas de maior aceitação e das farinhas produzidas nas comunidades. As análises realizadas foram tamanho médio dos grãos, acidez (pH) e cor das farinhas produzidas com processo de fermentação (pubagem). Quanto menor o pH, maior o tempo de fermentação das raízes de mandioca. O teste de pH foi feito com tiras de papel indicador e mais tarde confirmados em laboratório. Os resultados permitiram estabelecer um “padrão” técnico ideal, baseado nas farinhas mais consumidas e um “usual” dos produtos das comunidades. Análises de sujidade foram também realizadas para averiguar a qualidade das farinhas em relação à saúde pública. Essa análise não se refere às preferências dos consumidores, mas aos padrões de higiene considerados adequados para o consumo humano.

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Pesquisa de mercado

A pesquisa de mercado indicou que a farinha d’água era o derivado de mandioca mais comercializado no Maranhão, portanto com bom potencial para as pequenas unidades do interior. Os resultados da pesquisa de mercado indicaram a grande preferência por farinha amarela, embora todos os entrevistados tenham afirmado saber que este tipo de farinha pode ser colorido artificialmente. Do total, 77% dos entrevistados, entre consumidores e distribuidores, indicaram a preferência por farinha amarela, contra 11,5% para farinha branca e 11,5% de pessoas para quem a cor não é um fator importante.

Dos distribuidores entrevistados 57% indicaram preferência do consumidor para a farinha d´água biriba, contra 36% para as farinhas comuns, comercializadas sem marca. Apenas um distribuidor, ou 7% das respostas, indicou preferência para a farinha d´água carema.

Quanto à granulometria, 63% dos entrevistados afirmaram preferir uma granulometria média, contra 21% de preferência para farinha fina e 17% para grossa. Essas respostas permitiram estabelecer que a granulação da farinha d’água deveria ser média para atender os consumidores da capital.

Análises de laboratório

As analises das amostras das farinhas coletadas visaram estabelecer a granulometria dos produtos, as condições de higiene, presença de corpos estranhos, cor e acidez. Apesar dos esforços da legislação (BRASIL, 2001, 2005) a qualidade da farinha de mandioca é ainda subjetiva (CEREDA, 2005). Frente à dificuldade de comparar a qualidade da farinha de um Estado para outro, as analises apenas visaram à caracterização dos produtos obtidos no Maranhão e, principalmente, comparar esses resultados com a preferência do consumidor. Apenas no que diz respeito à segurança do alimento em relação a contaminações e sujidades, o mercado não foi considerado o critério mais importante.

A granulometria da farinha biriba fina concentrava-se entre 1 e 3 mm, enquanto que a da biriba grossa, entre 2 e 4 e a carema entre 0,5 e 2 mm. De forma geral observou-se preferência do mercado consumidor por farinha d’água de granulometria menor que 5 mm (sem partículas muito grandes), mas também sem farelo muito fino. Essa informação foi considerada crucial pela equipe multidisciplinar, pois proporcionava números facilmente mensuráveis no processamento com peneiras de abertura adequada.

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A análise da qualidade das amostras de farinhas comercializada permitiu identificar presença de corpos estranhos como feijões, provavelmente incluídos durante a embalagem da farinha d’água. Esses corpos estranhos não condenam o produto do ponto de vista de risco a saúde, mas comprova a falta de cuidado no processamento e embalagem, o que deveria ser investigado.

Apesar da necessidade de observação e de respeito pelas tecnologias tradicionais, com necessidade de cuidados na tomada de decisão para substituição total ou parcial de equipamentos e processos em tecnologia tradicional, as normas de higiene e de alimentos seguros não podem ser encaradas com benevolência. Ainda assim é necessário diferenciar a aparência da evidência de risco alimentar.

As condições de higiene nas unidades de processamento visitadas eram muito precárias, com presença de animais nos locais de produção, ausência de limpeza dos equipamentos e processamento em locais sem revestimento de piso. Muitas vezes, o piso da farinheira é feito de terra e não há paredes externas. A análise de sujidade em farinhas comerciais e nas comunidades avaliadas permitiu identificar a presença de pedaços de insetos, ácaros, pedras ou pêlos de animais, em conformidade com as amostras obtidas no comércio da capital. Das farinhas analisadas, 28% continham pêlos de animais e 3% continham pedras ou partículas de terra. No total quase 50% das amostras continha algum tipo de sujidades, o que denota descuido no processo e higiene.

Outro problema que pode afetar a saúde dos consumidores e que foi identificado é relativo à cor das farinhas. Como ficou evidenciado, o consumidor potencial das farinhas prefere as de cor amarela. A cor amarela vem de raízes de mandioca de polpa amarela, de intensidade variável em função de variedades disponíveis. Nas visitas as comunidades foram observadas muitas variedades locais com cores amarelas muito intensas, que refletem nas farinhas depois de secas. Os valores de cor medidos evidenciaram que a cor amarela foi a dominante nas amostras analisadas com a presente de leve tonalidade vermelha. Pela valorização pelo consumidor as cores mais intensas de amarelo poderiam corresponder a farinhas com corantes artificiais, prática cada vez mais freqüente uma vez que as mandiocas de polpa amarela proporcionam cor mais natural, sem tonalidade vermelha. O agravante para esses resultados é que a coloração artificial é obtida com o corante amarelo de tetrazina, permitido para uso em confeitaria, mas que em quantidades exageradas pode causar alergia e intoxicação, principalmente em crianças. Essa informação está na literatura

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técnica, mas nem os consumidores, nem os produtores ou o Poder Público foram alertados para o fato.

Apesar da falta de informações sobre as necessidades dos consumidores e tecnologias de processamento mais modernas, as comunidades tradicionais de processamento de farinha absorveram rapidamente a técnica de uso de corantes artificiais. Mesmo com dificuldades, esse produto foi encontrado até nas comunidades mais remotas, mostrando que algumas informações que permitem entrar em mercados mais valorizados podem ser facilmente absorvidas.

A acidez da farinha permite obter informações sobre o processo de fermentação pela qual passou o produto. Quanto maior a acidez, maior a intensidade da fermentação ou tempo de processo de pubagem das raízes. As farinhas padrão biriba e carema apresentaram acidez baixa em relação às outras farinhas d’água. Esse resultado indicava fermentação mais curta, sem necessidade de esperar a mandioca amolecer como na pubagem tradicional. Como a farinha biriba foi preferida pelos consumidores, a informação de acidez indicou que uma fermentação mais curta das raízes, de 1 a 2 dias, contra até sete nos processos tradicionais, poderia ser introduzida nas comunidades sem prejuízo da qualidade.

Em conseqüência desses resultados os membros da equipe responsáveis pela transferência de tecnologia adotaram como referência para os testes de melhoria de processo nas comunidades a farinha d’água com granulometria média, com fermentação rápida e cor naturalmente amarela.

Identificação de tecnologias alternativas e mudanças de processo

Para essa fase da pesquisa foram comprados equipamentos das empresas locais, onde as comunidades se abasteciam e realizadas adaptações com orientação técnica da equipe. Foi também elaborado um protótipo de pequeno porte de descascador mecânico para raízes de mandioca conforme modelo já existentes em indústrias de farinha da região Sudeste, mas desconhecido das comunidades maranhenses. Os novos equipamentos foram introduzidos nas linhas de processamento, para verificar seu funcionamento e usados para produção de farinha pelos próprios membros das comunidades pesquisadas. Com isso foi possível comparar a produção tradicional das comunidades com a resultante das mudanças introduzidas. A comparação consistiu na avaliação das perdas no processo (balanço de massa), tempo e facilidade de processamento e da segurança nas etapas de trabalho. O

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primeiro equipamento avaliado foi o descascador mecanizado para a lavagem e descascamento das raízes. Esse equipamento foi selecionado porque as comunidades ainda faziam o descascamento manual das raízes, que além de ser exaustivo é perigoso, pois inclui o uso de facas, exigindo grande quantidade de mão de obra, incluindo crianças (Figura 2 – A). No conjunto, encarece muito o produto final e reduz a capacidade de processamento das unidades de produção.

O outro equipamento selecionado foi o ralador, pela falta de segurança (Figura 2 – B e C), necessidade de 3 pessoas e ineficiência na ralação. Neste caso a opção foi de aproveitar a base do equipamento fabricado localmente e incluir itens para solucionar os problemas encontrados (ver item 3.3.2).

Figura 2: Descascamento manual da mandioca (A) e ralação tradicional (B e C) nas comunidades do Estado do Maranhão

Descascamento das raízes

Na quase totalidade das unidades produtoras de farinha d’água da região amazônica, a mandioca é descascada manualmente, com perdas de matéria-prima e riscos de acidentes (CEREDA, 2003). O descascamento manual foi considerado a operação unitária mais penosa e lenta, e por isso selecionado para avaliação de alteração de tecnologia. Os testes de mecanização do descascamento foram realizados nas comunidades com um pequeno descascador mecanizado portátil concebido pela equipe (Figura 3). Embora baseado no mesmo princípio (descascamento por atrito) de modelos maiores existentes em

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indústrias mais tecnificadas das regiões Sul e Sudeste e de algumas regiões do Norte e Nordeste, como Pernambuco e Pará, o modelo adaptado funcionou sem o uso de eletricidade, mas com manivelas. Embora a comunidade tenha se interessado pela tecnologia, a avaliação mostrou que permaneceram pedaços de casca grudados nas raízes, o que exigiria descascamento manual complementar. Outro problema encontrado foi a existência de variedades de mandioca com entrecasca roxa, que deixa a farinha com uma cor acinzentada ou pontos pretos. Essa parte da raiz é retirada no descascamento manual, mas permanece no mecanizado.

Figura 3 Modelo piloto de descascador mecanizado adaptado para uso em pequenas farinheiras do Estado do Maranhão

A principal exigência para a mecanização do descascamento é a

disponibilidade de variedades de mandioca com raízes adaptadas, caso contrario o descascamento manual foi considerado a melhor alternativa. Os testes realizados indicaram que em variedades com cor da entrecasca clara e destacamento fácil da casca, como nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, a adoção da mecanização do descascamento é técnica e socialmente viável.

Esse teste demonstrou a importância de trabalho em equipes multidisciplinares. A extensão rural já desenvolve testes agrícolas para introduzir novas variedades de mandioca para plantio nas comunidades. Esses testes avaliam a produtividade e resistência a pragas e doenças. O processamento tecnológico raramente é avaliado,

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embora os agrônomos tenham capacitação para atuar nesta área. Neste caso a equipe sugeriu aos extensionistas que participavam das visitas a realização de testes de facilidade de descascamento quando da avaliação de novas variedades. Como a cor da casca e da entrecasca que ficam retidas interfere na cor da farinha, esse fato pode explicar a crença encontrada em muitas comunidades de que o descascamento mecanizado piora a cor da farinha.

Efeito da pubagem

A pubagem das raízes de mandioca foi selecionada como uma operação unitária que resultava no uso de grandes volumes de água, poluição e falha de higiene. As informações sobre a pubagem das raízes de mandioca no processamento de farinha d´água trazem a discussão sobra a importância dos conhecimentos tácitos. A pubagem como conceituada na metodologia é o processo de amolecimento das raízes de mandioca por fermentação natural, isto é sem uso de inoculo. Descrita como uma tecnologia desenvolvida pelos índios trata-se de processo bem estabelecido pela pesquisa (MENEZES & SARMENTO, 2003). Como variação do processo algumas comunidades fazem o descascamento antes da pubagem, outras o fazem depois. O descascamento após a pubagem obrigatoriamente tem que ser manual, pois é impossível descascar por atrito as raízes muito moles e úmidas.

O tempo de pubagem variou entre as comunidades visitadas, com conseqüente variação da acidez nas amostras de farinha. Como a pubagem é resultado de uma fermentação natural essa variação é prevista, pois o processo não é controlado.

Depois de pubada as raízes de mandioca apresentam textura mole, com cheiro característico de fermentado. Tradicionalmente a pubagem ocorria em um mínimo de 6 dias (MENEZES & SARMENTO, 2003). Com as raízes suficientemente amolecidas não é necessário o uso de ralador. Essa tecnologia era particularmente útil quando não existiam raladores mecanizados. A ralação feita à mão ou em pilões é ainda praticada pelos índios ou nas comunidades onde não é possível usar processos mecanizados (energia elétrica, diesel ou gasolina). Na época do estudo todas as comunidades visitadas pela equipe possuíam raladores mecanizados, principalmente os acionados a diesel, que permitem a ralação de raiz de mandioca mais dura, com menor tempo de pubagem. Como a análise de laboratório mostrou que as farinhas mais aceitas no mercado apresentavam baixa acidez, a equipe deduziu que era possível reduzir o tempo de pubagem sem prejudicar o produto final.

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A pubagem tradicional era feita na margem dos rios, com água mais fria e limpa, exigindo tempo maior para a fermentação se completar. A instalação de tanques pequenos nas comunidades (alvenaria ou caixas d’água de fibra-cimento) permite contornar o problema do volume de água e de poluição e reduzir o tempo de fermentação. A disponibilização de água de poço por uso de bombas ou canalização nas comunidades já era uma realidade, fazendo com que a água mais quente que nos rios reduzisse o tempo de fermentação. Também, na pubagem em caixas o “inoculo” é conservado, ao contrario do processo na água corrente.

Com essas alterações, foi possível reduzir o processo de pubagem para 24 horas, com produto adaptado as necessidades do mercado, mostrando que a tradição estava atrelada a uma dificuldade de processo.

Figura 4: Tanques utilizados nas comunidades do Estado do Maranhão para pubagem de raízes de mandioca

Legenda: A) – Tanque alvenaria; B) Tanque amianto; C) Tanque alvenaria com baixo aproveitamento

A discussão sobre os tipos de tanques de pubagem permite

avaliar as dificuldades em se estabelecer projetos e tentar implantá-los sem conhecer as necessidades reais da comunidade, ou sem dispor de conhecimentos técnico-científicos necessários. Como já relatado, os projetos de modernização das casas de farinha no Estado do Maranhão

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foram realizados por técnicos da Capital sem conhecimentos especializados ou tendo por base o “conhecimento tácito” da comunidade. A equipe observou que muitas vezes o tanque de pubagem instalado não era adequado por ser muito profundo (Figura 4 – C) o que acarretava dificuldades tais como: (a) muitas comunidades ainda não disponham de água corrente e só podiam encher os tanques com água do rio ou à custa de bombas, levando, portanto a (b) maior gasto energético e (c) maior dificuldade de colocar e remover as raízes, pois obrigava os processadores a entrar no tanque, o que por si trazia problemas de higiene. Outro problema identificado foi o da dificuldade de manutenção dos equipamentos. Para contornar esses problemas a equipe multidisciplinar sugeriu o preenchimento dos tanques de alvenaria já construídos de forma a que se tornassem mais rasos, ajustando as dimensões para que as raízes pudessem ser dispostas em caixas plásticas do tipo usado no transporte de frutas. Essa “inovação” permitiu a “gestão” do processo, pois torna as raízes mais fáceis de manipular, com a possibilidade de retirada por ordem de colocação das caixas e melhor higiene do processo. Caixas d’água de amianto ou de plástico, além de fácil instalação, parecem mais adequadas que as de alvenaria, até pela facilidade de limpeza. Informou-se também que tanques de alvenaria devem ser evitados, pois os ácidos desenvolvidos durante a fermentação desgastam o material e favorecem resíduos arenosos na farinha, o que pode ter contribuído para com as sujidades arenosas encontradas nas amostras. Essas alterações de tecnologia permitiriam também maior organização da produção com a retirada apenas da quantidade de matéria-prima usada em um dia.

Durante a pubagem parte do amido e a maioria dos solúveis, incluindo os açúcares da mandioca são lixiviados e metabolizados e podem ser arrastados para a água de fermentação. A eliminação de parte da massa seca da mandioca já havia sido relatada na literatura como ocasionando perdas de rendimento (CEREDA, 2003). A equipe não conseguiu confirmar as informações científicas de perdas de solúveis das raízes pubadas. Entretanto, confirmou maiores perdas no descascamento depois da pubagem, com perdas médias totais (descascamento + pubagem) inferiores ao processo com raízes descascadas e depois fermentadas (Figura 5). Além de perdas inferiores, a facilidade de descascamento manual depois da pubagem reduziu o tempo de descascamento em mais de 10%. Depois de fermentar, como as raízes ficam muito moles, a casca, entrecasca e pedaços de mandioca se destacam com mais facilidade e o descascamento manual acaba por remover mais material.

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Figura 5: Percentagens de perda no descascamento e na pubagem em função das etapas de processamento, em três comunidades do Maranhão

Os resultados apresentados na Figura 5 chamam a atenção

sobre as conseqüências da “modernização”. A alteração de uma operação unitária pode exigir a alteração de todos ou parte do processo. No caso de mecanização do descascamento das raízes haveria obrigatoriedade do descascamento preceder a pubagem. Neste caso, as perdas de descascamento seriam menores, pois apenas as cascas seriam retiradas, deixando a entrecasca, o que aumentaria o rendimento em comparação com a retirada dos dois no processo tradicional.

Modificação do ralador

O processamento tradicional da farinha d’água nas comunidades usava duas ralações e às vezes duas prensagens, em razão da ineficiência dos equipamentos utilizados. Para comprovar a importância de um equipamento adequado para ralação, experimentos comparativos foram realizados com raladores tradicionais e um adaptado usando como base o ralador comercializado no Estado, mas no qual foram feitas modificações. As modificações selecionadas foram muito simples, como pode ser evidenciado na Figura 6.

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Figura 6: Inovações introduzidas nos raladores utilizados nas comunidades do Maranhão

As inovações implementadas no ralador tradicional estão no

âmbito de estudo de engenharia mecânica e constaram de introdução de moega de alimentação com tampa, um cofre metálico ao redor do cilindro ralador, com abertura fácil para limpeza, uma chapa perfurada removível e uma rampa para descarga da massa ralada. Na Figura 6 é possível visualizar a disposição da chapa perfurada de modo que as raízes que entram no ralador não podem sair como massa ralada antes de atingir diâmetro suficiente para atravessar a chapa. Nos raladores tradicionais que foram avaliados, a massa passava diretamente, independentemente do diâmetro dos pedaços de mandioca. Neste caso, os pedaços maiores devem ser retirados com peneiras e voltar ao processo, o que explicava a exigência de duas ralações. Como os pedaços só podiam ser ralados depois de comprimidos, havia também necessidade de mais uma prensagem.

Outra dificuldade identificada era de que os raladores não permitiam a descida natural das raízes de mandioca pelo próprio peso, de forma que devia ser empurradas com a mão (Figuras 2 B e C) o que ocasionava acidentes freqüentes. Além de o operador empurrar as raízes sobre o cilindro do ralador, outra pessoa ficava encarregada do transporte das raízes em cestos e outra ainda responsável pela peneiragem da massa ralada e prensada. A moega de alimentação

Moega de alimentação com paredes mais inclinadas

Base do ralador com tambor de madeira recoberto de serras metálicas

Tela de proteção com furos de 8 a 10 mm de diâmetro

Saída da massa ralada com inclinação suficiente para

escoamento por gravidade

Tampa, para evitar que as raízes pulem durante a ralação

Abertura da parte superior, para facilitar a limpeza

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localizada diretamente sobre o tambor de ralação, mas em posição excêntrica, permitiu a ralação das raízes sem necessidade de empurrar com as mãos. Os raladores utilizados nas comunidades possuíam uma saída da massa ralada muito horizontal. Em conseqüência a massa ralada ficava presa e tinha que ser retirada manualmente, com o cilindro ainda girando. A chapa perfurada, além de impedir a saída dos pedaços de raízes não raladas com ralação mais fina, impediu que acidentalmente os dedos do operador fossem cortados durante a retirada da massa. Essa inovação poderia ser introduzida em qualquer ralador e para qualquer tipo de farinha. Como a chapa é intercambiável, basta selecionar os furos para adaptar ao tipo de farinha desejado. No caso da farinha d´água a furação ideal foi de 8 a 10 mm de diâmetro. A saída mais inclinada do ralador favoreceu o escorregamento natural da massa ralada, sem a necessidade de retirada manual do produto, facilitando a limpeza.

A moega para raízes de mandioca foi instalada de forma a bascular para facilitar a operação de limpeza. Removida a moega, o cilindro podia ser retirado assim como a chapa perfurada, que podia ser trocada ou limpa. Finalmente, a tampa impediu que as raízes pulassem ao contato com o cilindro do ralador. Com a inovação foram liberadas duas pessoas para outros serviços, o que baixou o custo de produção. Esses resultados mostraram que muitas vezes as inovações mesmo simples podem levar a grandes mudanças de processo, eficiência e, sobretudo, de redução de riscos de trabalho.

Prensagem da massa ralada

A análise das operações unitárias de prensagem enfatiza a importância de fazer o diagnóstico em equipe multidisciplinar antes de propor alterações, “inovações” e modernização de processos tradicionais. Depois de ralada, a massa de mandioca deve ser prensada em estrutura feita com folhas de palmeira denominadas tipity, ou tapitys no Estado do Maranhão (Figura 7 – A) (CEREDA & VILPOUX, 2003; VILPOUX, 2003). Essas prensas provêm de tecnologia de origem indígena e são fabricadas no local com material disponível, muito barato, resistente, de fácil manutenção, mas são difícil limpeza. Para uma equipe desavisada poderiam ser consideradas como de tecnologia “atrasada”. Com efeito, como parte do “pacote” financiado pelos Governos Federal e Estadual, os tapitys foram substituídos por prensas mecânicas acionadas por rosca, em madeira ou metal (Figura 7 – B).

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Figura 7: Prensa tradicional (tipity) utilizado no Norte do Brasil (A) e prensa mecânica com rosca, introduzida nas comunidades visitadas do Maranhão (B)

A equipe multidisciplinar percebeu que em muitas

comunidades, os habitantes voltaram a utilizar os tipitys e deixaram as prensas novas de lado. A análise de umidade das massas prensadas em laboratório confirmou que os tipitys propiciavam uma excelente prensagem, melhor que as prensas mecânicas e que seu resultado apenas era limitado pela pequena quantidade de massa introduzida em cada um deles, em cada operação de prensagem. Portanto para substituir uma prensa mecânica havia a necessidade de grande número de tipitys. O aspecto mais importante para explicar a substituição das prensas mais modernas era que na prensagem além da retirada da umidade para facilitar a secagem no forno, era também permitia o aproveitamento do líquido de prensagem da massa ralada de mandioca, o tucupi. Tradicionalmente na região Norte esse líquido é usado na fabricação de molho que por sua vez é entra no preparo de pratos tradicionais, tais como o pato no tucupi e o tacacá. A recuperação do tucupi é mais fácil com os tapitys pela colocação de um vasilhame sob ele (Figura 7-A). Uma adaptação na base da prensa mecânica permitiu a recuperação do tucupi e facilitou a adoção da nova prensa.

O uso de prensa mecanizada com rosca apresenta a vantagem de prensar maior quantidade, em relação ao tapity, pela aplicação de camadas sucessivas de massa ralada. A massa ralada é colocada em sacos de pano abertos sobre uma caixa de madeira, que serve como guia para facilitar a colocação da nova massa. As guias são retiradas para acomodar cada nova camada e reutilizadas para a camada

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superior (CEREDA & VILPOUX, 2003). Esse procedimento não era conhecido nas unidades visitadas e foi então introduzido.

Depois da prensagem a massa ralada era esfarelada numa peneira com furos de 5 mm de diâmetro e o resíduo retido voltava ao ralador para reaproveitamento. Com a adoção do ralador modificado essa fase foi eliminada.

Secagem da farinha

A secagem da farinha d´água é operação específica e caracteriza esse tipo especial de farinha. Contrariamente as outras farinhas onde a massa esfarelada é seca no forno (CEREDA & VILPOUX, 2003) a secagem da farinha d´água inclui certo cozimento. Deste cozimento e secagem consecutivos dependem a granulometria final do produto e, em conseqüência, a qualidade como concebida pelos consumidores (3.3.2). Os fornos analisados tinham formatos quadrados, retangulares ou redondos. A opinião dos membros da comunidade sobre qual o melhor formato era variada. Os fornos foram avaliados pela equipe. O forno de secção quadrada ou retangular é de fácil confecção e os retangulares permitem secar maior quantidade de massa em menor superfície que os redondos. A facilidade para retirar a farinha seca dos fornos não é afetada significativamente pelo formato, mas o forno redondo tem a vantagem de permitir a automatização do sistema caso haja necessidade. A temperatura dos fornos foi monitorada com termômetro de mira de infravermelho. Quando em operação, observou-se que a temperatura medida variou de 150 a 200°C em duas das comunidades visitadas, alcançando 250°C na terceira (Figura 8).

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Figura 8: Temperatura na superfície dos fornos no início, meio e final da secagem de farinha d´água, nas três comunidades do Maranhão

A Figura 8 mostra grande variabilidade das temperaturas medidas nos fornos nas comunidades visitadas o que pode explicar a heterogeneidade da farinha d’água. As temperaturas de secagem da farinha d’água são superiores às da farinha crua que é o tipo mais consumido no Brasil (CEREDA & VILPOUX, 2003). As altas temperaturas de secagem permitem a formação dos grânulos típicos do produto em razão da gelificação do amido, o que diferencia a farinha d’água.

Foram também obtidos resultados que mostravam grande desperdício de energia nos fornos em razão de falta ou má localização de chaminé e da má distribuição da lenha de madeira nativa na câmara de combustão. Outro ponto importante de desperdício foi a comprovação que ao final da operação de secagem, no final do dia, os fornos permaneciam quentes após a retirada das ultimas partidas de farinha seca.

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Aproveitamento da parte aera e dos resíduos do processamento

A literatura apresenta várias formas de utilizar a parte aérea da mandioca, principalmente em alimentação animal (EUCLIDES et al., 1988), mas o transporte da parte aérea é um problema se não existe um uso racional das mesmas que compense.

Após análise das especificidades de cada comunidade, os produtores foram orientados em trazer os resíduos do campo (parte aérea da mandioca) sobre as raízes colhidas que eram transportadas em jacás no lombo dos animais. Com o material nas unidades de processamento, as ramas trazidas foram passadas em desintegrador movido a diesel, em alternância com os resíduos de processamento de farinha (Figura 9 - A). A desintegração alternada com as ramas tinha fundamento técnico, já que os resíduos de campo absorviam a umidade dos resíduos de processamento de farinha, evitando o travamento do desintegrador. A massa úmida produzida era então espalhada sobre os fornos ainda quentes como forma de usar o calor residual (Figura 9 – B). No dia seguinte, enquanto nova carga de mandioca era retirada para processamento, os fornos eram descarregados e limpos para receber as novas partidas de farinha.

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Figura 9: Ralação da parte aérea da mandioca e resíduos da indústria (A) e secagem dos resíduos para alimentação animal em comunidades do Maranhão

Esse sistema permitiu a produção, além da farinha, de um

alimento animal adequado para ruminantes e aves. Para valorizar os membros da comunidade que traziam seus resíduos de campo, o feno produzido era medido e repartido proporcionalmente ao peso dos resíduos de campo trazidos por cada um.

Repasse das mudanças identificadas

Para a última etapa do processo de transferência de tecnologia, as informações obtidas nas etapas anteriores foram transferidas em forma de ações práticas reforçadas por demonstrações com os equipamentos selecionados e melhorados. O balanço de massa foi a forma mais adequada de demonstrar os resultados de rendimento, uma vez que muitos membros das comunidades eram parcialmente ou totalmente analfabetos. Os processos possíveis de fabricação de farinha d´água foram classificados em quatro tipos (Figura 10) dos quais os 1 e 3 correspondem aos processos tradicionais e o 2 e 4 aos sugeridos pela equipe em razão das modificações nas operações unitárias. Nos processos tradicionais foi sugerido pelo menos o uso da guia de madeira para a colocação dos sacos nas prensas mecanizadas o que facilitou o processamento, sem influenciar o balanço de massa.

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Figura 10: Balanço de massa nos processos de produção de farinha d’água tradicionais e sugeridos pela equipe, em comunidades do Maranhão

A análise dos rendimentos obtidos no balanço de massa indicou

pequenas variações de produtividade para a farinha d’água, em função do processo adotado (Figura 10). Os resultados deixaram muito claro aos membros das comunidades que era possível introduzirem segurança de trabalho e melhorar a qualidade dos produtos com rendimentos equivalentes. Com os resultados obtidos no balanço de massa, o tempo de processamento e o número de pessoas necessárias, foi possível estimar o custo de produção (Tabela 1).

Mandioca

Descascamento

antes pubagem

Ralador

tradicional

Ralador

modificado

100 kg

80,60 kg 77,98 kg

Prensagem

50,48 kg

Prensagem

50,84 kg

49,20 kg 50,18 kg

Ralador

tradicional

Ralador

modificado

49,55 kg 50,53 kg

26,76 kg

Secagem

2% umidade 27,30 kg 27,03 kg 27,56 kg

29,80 kg 30,40 kg 30,10 kg 30,69 kg

Descascamento

depois pubagem

Pubagem

73,91 kg

Pubagem

75,72 kg

Secagem

2% umidade Secagem

2% umidade

Secagem

2% umidade

Armazenamento

12% umidade

Armazenamento

12% umidade

Armazenamento

12% umidade

Armazenamento

12% umidade

Tipo 1 Tipo 2 Tipo 3 Tipo 4

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Tabela 1: Estimativa do custo de produção de farinha d’água em função do processo de produção, nas comunidades Modelos de produção

Custo Produção (R$ / 100 kg mandioca)

Rendimento (kg farinha / 100 kg mandioca)

Custo (R$/ Kg)

Tipo1 20,30 29,80 0,68 Tipo 2 20,30 30,40 0,67 Tipo 3 19,84 30,10 0,66 Tipo 4 19,84 30,69 0,65

Além dos rendimentos indicados na Figura 10, os custos de

produção foram influenciados pelo tempo de processamento, pelos equipamentos utilizados e pela mão de obra necessária. Como para o balanço de massa, os processos de produção de farinha d’água apresentaram pouco impacto sobre o custo total de produção em razão da pequena escala adotada, mas só o descascamento depois da pubagem e a adoção do novo ralador permitiram economia de 4,5% sobre o custo total de produção. O aumento de escala permitiria maior redução dos preços de farinha d´água mas exigiria maior mecanização do processo, caso em que a implantação do descascamento mecanizado seria obrigatório o que exigiria seleção e introdução de variedades de mandioca adequadas.

Pequenas alterações foram mais fáceis de serem introduzidas. Foi sugerido que a classificação em peneiras, que era usada apenas no processamento para retirada dos pedaços de mandioca não ralados, fosse incluída na classificação da farinha d’água para atender ao desejo dos consumidores. Essa etapa não redundou em maiores gastos, pois a operação já existia.

A variação da granulometria da farinha é normal em processos artesanais, pois depende da secagem e da habilidade do forneiro. Essa variação pode ser corrigida apenas em parte pela peneiragem. No caso da farinha d´água, o produto deve conter o mínimo possível de pó fino e de caroços grandes. A passagem do produto por peneira fina, com furos de 0,5 mm de diâmetro (para eliminar o pó mais fino) e em outra com furos de 5 mm, (retirada a granulação mais grosseira) por si permite a obtenção de um produto homogêneo, como desejado pelos consumidores. Os resíduos retidos nas peneiras podem ser repassados no ralador, onde reintegram o processo. Esse procedimento já é amplamente utilizado pelas farinheiras do sul do país, mostrando

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importância da circulação de informações, mesmo em pequenas empresas artesanais.

O reaproveitamento dos resíduos retidos nas peneiras melhora a eficiência das empresas e permite reduzir os custos. O uso da parte aérea da mandioca para alimentação animal permite aumentar o valor agregado obtido pelos produtores a partir do plantio de mandioca.

Conclusões

A metodologia adotada para modernização de farinha d´água enfatiza a importância da cooperação entre pesquisadores e agentes de extensão agrupados como equipe multidisciplinar para uma abordagem sistêmica dos problemas. Por exemplo, o descascamento da mandioca nas farinheiras do Maranhão passa pela seleção de variedades adequadas, atividade que deveria envolver pesquisadores da área agronômica e agentes de extensão.

A observação das quatro etapas enfatizadas no artigo é de grande importância, assim como o apoio de análises de mercado e de laboratório são imprescindíveis para orientar as pesquisas sobre as tecnologias e os processos mais adequados em função das necessidades de mercado e diferenciar relatos subjetivos dos mensuráveis, que são mais fáceis de transferir.

O conhecimento do objetivo de cada operação unitária do processo e do funcionamento dos equipamentos utilizados é imprescindível para não introduzir equipamentos ineficientes, que serão rapidamente descartados pelas comunidades. A automatização nem sempre é vantajosa para as pequenas agroindústrias rurais, como se observou no caso das prensas mecânicas.

Finalmente as tecnologias avaliadas devem passar por uma análise detalhada do impacto sobre os custos de produção. Mudanças de equipamentos e de processo devem se traduzir por redução nos custos, ou melhorias substanciais na qualidade dos produtos. No caso da farinha d´água em comunidades do Maranhão, o impacto sobre a qualidade pude ser constatado, mas as mudanças nos custos de produção foram mínimas. Nesse caso, a concorrência de farinhas industriais de outros estados, como constatado na introdução, permanece um fator de grande preocupação. O gargalho constatado para diminuir os custos de produção é a mecanização do descascamento. Essa mudança permitiria a diminuição do custo de mão de obra e o aumento de escala.

Embora seja obvio para os observadores, o aumento de segurança de trabalho, a retirada de crianças do trabalho e a redução

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de esforço físico dos operadores nem sempre são aceitos facilmente pela comunidade, que está acostumada com essas ações. E preciso deixar claro que podem ser eliminadas sem prejuízo de outros fatores para que possam ser adotadas.

Finalmente, apesar do impacto negativo sobre o uso de mão de obra, a mecanização do descascamento permitirá a manutenção dessa atividade nas comunidades que conseguiram adotar essa tecnologia. Caso contrário, o efeito do uso de grande quantidade de mão de obra no descascamento manual será rapidamente eliminado pelo desaparecimento desses empreendimentos, incapazes de competir no mercado.

Agradecimentos

Ao CIMPRA - Consórcio Intermunicipal de Produção e Abastecimento e ao SEBRAE do Maranhão pelo apoio e financiamento nessas atividades, em especial ao Engenheiro Agrônomo Messias Nicodemos.

Ao pesquisador Mario Takahashi do IAPAR, PR pelo apoio na área agronômica.

Ao professor e pesquisador Ivo M. Demiate da UEPG, PR e Erica Regina Daiúto pelas análises de laboratório.

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