Microsoft Word Tese Doutorado Joao Gilberto Filho

Embed Size (px)

Citation preview

  • 1

    JOO GILBERTO GONALVES FILHO

    O PRINCPIO CONSTITUCIONAL DA EFICINCIA NO PROCESSO CIVIL

    Tese apresentada ao Departamento de Direito Processual da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo como requisito parcial para obteno do ttulo de Doutor, sob orientao do Prof. Titular Jos Roberto dos Santos Bedaque.

    FACULDADE DE DIREITO DA USP

    SO PAULO

    2010

  • 2

    AGRADECIMENTOS

    Agradeo UNITAU Universidade de Taubat pelo apoio financeiro que contribuiu para a realizao da pesquisa acadmica;

    Agradeo a todos os que me fizeram tomar gosto pelo Direito

    Processual Civil, a comear por Vicente do Prado Tolezano, Fabrcio Mendes Lobato e Cludia Muskat, meus primeiros chefes, cujas lies e recordaes guardo no corao, bem como a Antonio Cezar Peluzo, meu professor na matria

    durante toda a graduao;

    Agradeo a meu colega Ricardo Marcondes Martins, pela amizade e pelas conversas sempre agradveis que temos, tanto

    sobre o Direito como sobre as demais coisas vida;

    Agradeo minha me e ao meu pai, pelo amor incondicional e pela minha formao;

    Por fim, agradeo imensamente ao meu orientador, o Professor Jos Roberto dos Santos Bedaque, pessoa que confiou em mim e que eu admiro demais, tanto pela sua obra como pela sua pessoa. sempre um prazer enorme e uma honra poder desfrutar da sua companhia e da sua sabedoria.

  • 3

    SUMRIO

    INTRODUO.....................................................................................................................7

    CAPTULO I

    TEORIA GERAL DO PRINCPIO DA EFICINCIA NO PROCESSO CIVIL

    1. O influxo das sociedades de massa e a projeo cultural do valor eficincia ..................11

    2. A crise de morosidade do Poder Judicirio e o clamor social por eficincia ...................14

    3. Breves notas sobre a positivao do princpio da eficincia.............................................17 3.1 O princpio da eficincia no art. 37, caput, da Constituio.......................................17

    3.2 O direito de acesso Justia e o princpio da eficincia ...........................................18 3.3 O devido processo legal e o princpio da eficincia...................................................19 3.4 O direito fundamental razovel durao do processo..............................................21

    4. A retomada da constitucionalizao do processo civil.....................................................23

    5. A natureza jurdica do princpio da eficincia..................................................................28 5.1 A eficincia como um princpio jurdico e o princpio como norma..........................28 5.2 Desdobramentos axiolgicos do princpio da eficincia.............................................36

    5.2.1 Eficincia como efetividade ..............................................................................38 5.2.2 Eficincia como celeridade ................................................................................44 5.3.3 Eficincia como segurana jurdica ..................................................................53 5.4.4 Eficincia como economicidade (ou economia processual)...............................57 5.3 O princpio da eficincia e o custo econmico na realizao dos direitos.................63 5.4 A eficincia entre produo vs. qualidade - anlise da leitura de Carlos Alberto Salles ................................................................................................................................70

    5.5 As relaes internas entre os valores componentes do princpio da eficincia: celeridade vs. segurana ..................................................................................................82

    6. Potencialidade das aplicaes prticas do princpio da eficincia ...................................85 6.1 A abertura normativa leva a uma infinitude de possibilidades ..................................85 6.2 Incompatibilidade constitucional de regras legais que atentam contra o princpio da

    eficincia..........................................................................................................................87 6.2.1 A lei de coliso de Robert Alexy ......................................................................90 6.2.2 O contraste entre regras legais e o princpio da eficincia ................................93 6.3 A atividade de interpretao e a promoo do princpio da eficincia ....................114 6.3.1 O papel da jurisprudncia em estimular um comportamento das partes

    adequado ao princpio da eficincia .........................................................................116 6.3.2 A interpretao dos textos legais e a escolha de opes luz do princpio da eficincia....................................................................................................................127

  • 4

    6.4 A implementao de mudanas sem reforma legislativa .........................................141 6.5 A valorizao de mecanismos para conferir previsibilidade ao comportamento das

    partes e estabilidades das decises judicirias ...............................................................152 6.6 A legitimidade constitucional do processo como instrumento til tutela de direitos e

    resoluo de conflitos de interesses: sua vinculao efetividade .............................159 6.7 O carter relativo do princpio da eficincia ............................................................168

    7. Estudo de caso: o princpio da eficincia e sua relao com as garantias do contraditrio e da ampla defesa ...............................................................................................................171 7.1A supresso do contraditrio pelos provimentos satisfativos ...................................172 7.2O princpio da eficincia e a tcnica de inverso do contraditrio ...........................180 7.3 O princpio da eficincia e a tendncia de um novo enfoque sobre o princpio do

    contraditrio em conflitos de massa ..............................................................................184

    8. Concluses deste captulo ..............................................................................................195

    CAPTULO II

    O PRINCPIO DA EFICINCIA E A COMPETNCIA JURISDICIONAL

    1. Breve panorama dogmtico sobre a competncia jurisdicional .....................................206 1.1 Diferentes critrios para a atribuio legislativa de competncia ............................206 1.2 A dualidade no regime jurdico da competncia ......................................................210 1.3 Reflexos desse sistema legal na tramitao de processos ........................................214

    2. As razes legislativas (suporte axiolgico) das regras (e critrios) de distribuio de competncia ........................................................................................................................219 2.1 Diviso da Justia Comum em Justia Estadual e Justia Federal ..........................219 2.2 A aplicao das regras dos art. 111, 113 e 485, II, do CPC: o princpio da eficincia

    na diviso de causas entre a Justia Estadual e a Justia Federal ..................................224 2.3 A diviso da competncia por critrios ex ratione materiae e ex ratione personae

    dentro de um mesmo ramo do Poder Judicirio ............................................................227 2.4 A diviso constitucional da competncia entre a Justia Comum e a Justia do

    Trabalho: inobservncia do regramento em cotejo com o princpio da eficincia ........229 2.5 A flexibilizao da competncia absoluta promove a eficincia pela estabilidade das

    decises jurisdicionais ...................................................................................................235 2.6 Precedente jurisprudencial em favor da flexibilizao do regime jurdico da

    competncia absoluta .....................................................................................................236 2.7 O sistema italiano mais conforme ao princpio da eficincia ..................................238 2.8 A inexistncia de leso ao direito fundamental ao juiz natural ...............................241

    3 Limites desconsiderao das regras de competncia absoluta ....................................243 3.1 A competncia em razo da hierarquia ....................................................................243 3.2 A competncia em razo da matria: relao da Justia Comum com as Justias

    Especializadas ................................................................................................................244 3.3 A flexibilizao no pode prestigiar a m-f ...........................................................248

  • 5

    3.4 A objeo de incompetncia absoluta ......................................................................249

    4. A fungibilidade em matria de competncia ..................................................................250

    5. O princpio da eficincia e a ratificao de atos decisrios em caso de declinao de competncia ........................................................................................................................253

    6. Concluses deste captulo ..............................................................................................265

    CAPTULO III

    O PRINCPIO DA EFICINCIA EM BREVES CONSIDERAES SOBRE O SISTEMA RECURSAL

    1. O princpio da eficincia e o duplo grau de jurisdio .................................................273

    2. O princpio da eficincia e o novo conceito de sentena .............................................279

    3. Medida cautelar para prover efeito suspensivo ao recurso de apelao e o princpio da eficincia ............................................................................................................................294

    4. O princpio da eficincia e os recursos de ndole extraordinria .................................299 4.1 A funo primordial dos Tribunais Superiores diante da Constituio .................299 4.2 A transcendncia como pressuposto processual finalstico do recurso especial ...302 4.3 O dever de sumular teses jurdicas .........................................................................306 4.4 O efeito vinculante das smulas .............................................................................307 4.5 A eficcia vinculante das smulas: tutela de evidncia e litigncia de m-f ........312 4.6 4.6 Dever de manuteno da jurisprudncia consolidada ......................................316

    5. Concluses deste captulo .............................................................................................318

    CAPTULO IV

    O PRINCPIO DA EFICINCIA E A EXECUO

    1. O princpio da eficincia na preservao de procedimentos: o interesse de agir do portador de ttulo executivo em propor ao cognitiva ......................................................321

    2. A fraude execuo e a circulao imobiliria ..............................................................325 2.1 Fraude execuo e celeridade ................................................................................326

    2.2 Fraude execuo e segurana jurdica ...................................................................329 2.3 Fraude execuo e princpio da eficincia: sntese conclusiva e sugesto ............331

    3. A desconsiderao da personalidade jurdica e o princpio da eficincia ......................334 3.1 Teoria menor e maior da desconsiderao da personalidade jurdica ......................334

  • 6

    3.2 A cautela na aplicao da medida ............................................................................336 3.3 O procedimento da desconsiderao e o princpio da eficincia: decretao incidental

    no curso de fase ou processo executivo .........................................................................340 3.4 O procedimento da desconsiderao e o princpio da eficincia: o mbito de cognio

    da defesa do scio/acionista, responsvel patrimonial e afetado pela medida ..............345

    4 Consideraes sobre o princpio da eficincia na execuo contra a Fazenda Pblica ..354 4.1 Exposio introdutria do problema .........................................................................354 4.2 Execuo provisria contra a Fazenda Pblica .........................................................356 4.3 Execuo de parcela incontroversa ...........................................................................359 4.4 A multa nas execues de fazer, no fazer e entrega de coisa em face da Fazenda

    Pblica .............................................................................................................................362 4.5 O inadimplemento do Poder Pblico e o uso do precatrio como bem penhora: uma

    medida em prol da efetividade do direito ........................................................................368

    5. Concluses deste captulo ..............................................................................................374

    CAPTULO V

    O PRINCPIO DA EFICINCIA E A COISA JULGADA

    1. O princpio da eficincia, a coisa julgada e sua eficcia preclusiva ..............................379 1.1 A estabilizao das decises sobre a verdade dos fatos e as questes prejudiciais 379 1.2 A compatibilizao entre os princpios da inrcia e da demanda com o princpio da eficincia ........................................................................................................................383 1.3 Hipteses do sistema brasileiro que do fora de coisa julgada motivao ........388 1.4 A posio da doutrina nacional a propsito do artigo 469 do CPC .......................392 1.5 A posio de Ronaldo Cunha Campos ...................................................................398 1.6 A jurisprudncia italiana sobre os limites objetivos da coisa julgada ....................406

    2. A diferena entre a extenso da coisa julgada para as questes prejudiciais e a eficcia preclusiva da coisa julgada .................................................................................................408

    3. A eficcia preclusiva da coisa julgada luz do princpio da eficincia .........................417

    4. Concluses deste captulo ..............................................................................................425

    BIBLIOGRAFIA ..............................................................................................................427

  • 7

    INTRODUO

    fato notrio que h uma crise de eficincia na atividade estatal de prestao jurisdicional. J se popularizou nas ruas o sentimento de que a Justia lerda, extremamente morosa e inoperante, incapaz de resolver os litgios com a celeridade adequada, ou com a presteza que deveria. Esse quadro catico assumido como premissa neste trabalho: o problema existe.

    Muitos estudiosos e operadores do Direito costumam atribuir essa crise ao processo, aos estudiosos do processo, s criaes e teorias que envolvam o processo, que, de to bem elaboradas, detalhadas e sofisticadas, fizeram com que o processo se tornasse

    um monstro com vida prpria, esquizofrnico e incoerente, desvinculado da realidade e do seu compromisso com a implantao forada do direito material.

    Quanto a essa anlise causal do problema, discordamos veementemente. O estudo dogmtico do processo pode contribuir para imprimir celeridade, efetividade, segurana e economicidade atividade jurisdicional, tudo com respeito demais garantias do devido processo legal. Claro que esses valores devem entrar na pauta do estudioso para descobrir os meios e modos de otimiz-los.

    A motivao para a nossa pesquisa, portanto, baseia-se na premissa de que o

    estudo intenso do processo, norteado pelos princpios da celeridade, efetividade, segurana e economicidade, pode contribuir bastante para mitigar a crise da atividade jurisdicional. Afinal, quanto mais se souber sobre um instrumento e suas possibilidades de aplicao, vale dizer, quanto maior for a dominao daquele que ir operar uma ferramenta, tanto maior ser a chance de que o trabalho seja feito mais rpido, com melhor presteza e qualidade.

    Processo o instrumento utilizado pelo Estado para o exerccio da atividade jurisdicional; deste modo, seja ele como for, tenha a feio que tiver, sempre haver algum tipo de processo e sempre haver pessoas estudando dogmaticamente o processo. Por isso,

  • 8

    o processo no naturalmente um obstculo, mas o meio de que se vale o Estado para proporcionar Justia (leia-se: dar cabo da atividade jurisdicional ). O processo s ser um obstculo para quem no souber manej-lo adequadamente; para quem souber, tendo firme um propsito de eficincia, atalhos sero inventados, sadas sero descobertas, obstculos sero removidos. O caminho fica muito mais fcil.

    Essa pesquisa tem o objetivo de descobrir meios e formas de fazer do processo um instrumento mais eficiente na prestao da atividade jursidicional. preciso estudar remdios que curem o processo de sua doena crnica: a morosidade, seguida da falta de efetividade, falta de estabilidade e previsibilidade, desperdcio de trabalho, tempo e

    dinheiro. Antes disso, porm, necessrio fortalecer a base terica que consagra o valor eficincia no sistema normativo; da o estudo focado no princpio constitucional da

    eficincia.

    evidente que as causas da crise do Poder Judicirio no envolvem apenas a destreza no uso do processo. H muitos outros problemas, talvez at mais relevantes, como a precria informatizao, decorrente do descaso em investimentos na rea razo porque, de um modo geral, pode-se falar em estrutura precria a falta de qualificao de servidores, a falta de imposio de um programa de metas e resultados, o desperdcio de recursos humanos e materiais pela sua m alocao, a falta de controle, falta de

    informaes em tempo real e falta de gerenciamento estratgico dos rgos de cpula do Poder Judicirio frente aos rgos judicirios de primeiro grau.

    Todos esses problemas, contudo, demandam aumento de verbas e melhor gerenciamento administrativo, fugindo ao mbito da dogmtica jurdica processual. Nosso propsito, ento, focar as atenes naquilo que a doutrina e a jurisprudncia podem fazer, no para sanar a crise, que fruto de diversas causas, mas ao menos para mitig-la. Da que

    procuramos apontar problemas e solues para a eficincia do processo exclusivamente dentro do processo, vale dizer, dos seus modelos e suas instituies internas, sem cogitar de causas e solues exgenas.

  • 9

    Pode-se dizer que h anos vem se construindo uma linha de estudos em torno da efetividade do processo no Brasil. Nela, h obras que marcaram a histria do Direito

    Processual brasileiro, como A instrumentalidade do processo, de Cndido Rangel Dinamarco. Esse propsito de efetividade marca tambm a obra pessoal de Jos Roberto dos Santos Bedaque, como na obra Direito e Processo: influncia do direito material sobre o processo e na sua recente tese de livre docncia, Efetividade do Processo e Tcnica processual.

    Absolutamente envolvido com o esprito dessa linha de estudos em torno da efetividade do processo, empolguei-me a pesquisar e desenvolver sobre o tema, sem

    nenhuma pretenso de esgot-lo, at porque que me parece inesgotvel. Procurou-se chamar a reflexo para alguns pontos, fomentar questes e propor solues, dentro da

    dogmtica jurdica, que pudessem otimizar a eficincia no processo civil.

    O trabalho dividido em cinco captulos. No primeiro, procuramos desenvolver uma teoria geral do princpio da eficincia no processo civil. Comeamos apresentando o contexto histrico e normativo em que se insere, sua positivao legislativa, sua valorizao dentro do neoconstitucionalismo e a configurao da sua natureza jurdica como norma com estrutura dentica diferenciada das regras. Detalhamos seu desdobramento axiolgico/normativo, que ocorre em quatro subprincpios: celeridade, efetividade, economicidade e segurana jurdica. Extramos concluses gerais sobre os vetores axiolgicos que apresenta ao sistema e refletimos sobre a sua potencialidade

    normativa.

    Aps a apresentao de uma teoria geral, passamos, nos captulos

    seguintes, a aplicar o princpio da eficincia em pontos especficos do processo civil.

    No captulo segundo, procuramos apresentar as implicaes do princpio da eficincia no tema distribuio de competncias. Propomos uma nova viso que difere da doutrina e da jurisprudncia consolidadas, concernente flexibilizao do sistema de nulidades decorrente de processo desenvolvido por juzo absolutamente incompetente.

  • 10

    No captulo terceiro, discutimos a relao do princpio da eficincia com o papel constitucional dos tribunais superiores, aventando a existncia de um pressuposto

    processual intrnseco e implicito para o recurso especial. Asseveramos que, por fora do princpio da eficincia, nosso sistema jurdico tem uma vinculao muito mais estreita com a commom law do que atualmente se admite, pelo sistema da obrigatoriedade da observncia dos precedentes.

    No captulo quarto, tratamos das relaes entre o principio da eficincia e o processo de execuo. Mostramos que a fraude execuo constitui tcnica de implementao judicial da tutela de evidncia, ligada efetividade da atividade jurisdicional. Ainda sobre o tema, fizemos uma sugesto para a promoo de segurana jurdica na circulao imobiliria, precavendo o comprador de boa-f contra o reconhecimento de uma fraude execuo em processo inter alius, mantendo-se a efetividade do sistema. Outrossim, tecemos consideraes sobre a execuo contra a Fazenda Pblica, a execuo extrajudicial e outros meios e modos de garantir eficincia no processo executivo.

    No quinto e ltimo captulo, abordamos as implicaes do princpio da eficincia com pontos especficos do processo civil nos temas da coisa julgada e da sua eficcia preclusiva. Assim como no captulo segundo, aqui tambm h a defesa de teses que

    no encontram respaldo na doutrina e na jurisprudncia.

    Cada captulo finda com concluses parciais.

    Este trabalho tem duas singelas pretenses: a) que a sua leitura seja agradvel, a quem se proponha a tanto; b) que suscite novas reflexes sobre o tema da eficincia no processo civil, sempre a merecer o devido aprimoramento.

  • 11

    Captulo I Teoria Geral do princpio da eficincia no processo civil

    1. O influxo das sociedades de massa e a projeo cultural do valor eficincia.

    A revoluo industrial iniciada em meados do sc. XVIII, trouxe transformaes significativas sociedade humana, desencadeando uma evoluo macia, e ainda em pleno vigor, na capacidade de produo de bens e servios e na velocidade de circulao de informaes. Os conhecimentos cientficos e tecnolgicos da humanidade crescem em progresso geomtrica. A par disso, o mundo experimentou no sc. XX uma

    exploso demogrfica, com grande concentrao populacional nos centros urbanos. A demanda de consumo que isso gerou vem sendo atendida. Vivemos uma era de

    prosperidade tecnolgica; o modo de produo artesanal, manufaturado, feito sob medida para as pessoas, praticamente uma relquia do passado, ou algo disponvel para pessoas com alto poder aquisitivo. A utilizao de maquinrio computadorizado propiciou extraordinria multiplicao na capacidade de produo de bens e servios, que cresce em escala geomtrica.

    A sociedade transformou-se mais nos ltimos cem anos do que em toda a sua histria pretrita. O transporte areo e o crescimento vertiginoso da malha rodoviria, que

    acompanhou a expansiva produo de veculos utilitrios da indstria automobilstica, facilitaram sobremaneira a circulao humana. As informaes tambm circulam com uma

    rapidez inacreditvel para um homem do incio do sculo XX, porque em segundos podem percorrer o planeta, havendo inclusive quem fale em revoluo informtica, to ou mais relevante que a revoluo industrial de trezentos anos atrs.1

    1 Como comparar o mundo da dcada de 1990 ao mundo de 1914? Nele viviam 5 ou 6 bilhes de seres

    humanos, talvez trs vezes mais que na ecloso da Primeira Guerra Mundial, e isso embora no Breve Sculo XX mais homens tivessem sido mortos ou abandonados morte por deciso humana que jamais antes na histria. Uma estimativa recente das megamortes do sculo menciona 187 milhes (Brzezinski, 1993), o equivalente a mais de um em dez da populao mundial total de 1900. Na dcada de 1990 a maioria das pessoas era mais alta e pesada que seus pais, mais bem alimentada e muito mais longeva, embora talvez as catstrofes das dcadas de 1980 e 1990 na frica, na Amrica Latina e na ex-URSS tornem difcil acreditar nisso. O mundo estava incomparavelmente mais rico que jamais em sua capacidade de produzir bens e servios e na interminvel variedade destes. No fora assim, no teria conseguido manter uma populao global muitas vezes maior que jamais antes na histria do mundo. (...) O mundo estava repleto de uma

  • 12

    Culturalmente, reflexo desse estado de coisas o fenmeno de massificao social. Os bens e servios so produzidos em srie, padronizados em unidades idnticas

    para o atendimento conjunto de milhares de consumidores2. H uma tendncia mundial de crescente integrao de toda a comunidade planetria, tanto sob o aspecto poltico, jurdico, econmico e cultural, a ponto de falar-se hoje em globalizao, que nada mais que o rtulo dado a essa tendncia planetria. Esto ruindo as barreiras regionais. Tudo evolui e muito rpido.

    A padronizao de mtodos e rotinas na produo de bens e servios implica a diminuio de custos e maior velocidade na gerao e entrega de bens da vida, que se

    traduz em ampliao da capacidade. A sociedade padronizada produz bens com maior rapidez, informa com maior rapidez, transporta com maior rapidez. Velocidade sua marca

    registrada. Mesmo os relacionamentos amorosos da atualidade comeam a incorporar a caracterstica da fugacidade. A separao ocorre hoje com a mesma facilidade e freqncia do casamento. Os jovens falam em ficar uns com os outros, num relacionamento instantneo e sem compromisso, muito distante de namorar.

    A facilidade na circulao de bens e servios e no acesso a informaes pelo grande pblico sobre qualidade e preo, por sua vez, trouxeram um acirramento da concorrncia empresarial. Sob o ponto de vista empresarial, a expanso da capacidade

    produtiva e comercial, com qualidade, uma obstinao que se persegue com a otimizao dos esforos. A idia central, como de fato vem ocorrendo, que o maquinrio

    computadorizado substitua o homem nos seus trabalhos braais, canalizando seu tempo e

    tecnologia revolucionria em avano constante, baseada em triunfos da cincia natural previsveis em 1914 mas que na poca mal haviam comeado e cuja conseqncia poltica mais impressionante talvez fosse a revoluo nos transportes e nas comunicaes, que praticamente anulou o tempo e a distncia. Era um mundo que podia levar a cada residncia, todos os dias, a qualquer hora, mais informao e diverso do que dispunham os imperadores em 1914. Ele dava condies s pessoas de se falarem entre si cruzando oceanos e continentes ao toque de alguns botes e, para quase todas as questes prticas, abolia as vantagens culturais da cidade sobre o campo. (HOBSBAWN, Eric. A era dos extremos O breve sculo XX [1914 1990]. Trad. Marcos Santarrita. 2. ed. So Paulo: Ed. Companhia das Letras, 2005; pp. 21-22.) 2 A constituio dessa sociedade de massas, com seu enorme mercado interno, pode ser vista como reflexo

    de uma srie de fatores: a existncia de uma ampla e concentrada populao urbana; um aumento nos gastos da classe trabalhadora em geral; um acrscimo do tempo dedicado ao lazer; notveis melhorias dos sistemas de transporte coletivo; uma grande expanso no volume de propaganda comercial. (REZENDE, Cyro. Histria Econmica Geral. So Paulo: Editora Contexto, 2005; p. 185)

  • 13

    sua energia para outras atividades. A preocupao humana de fazer mais e em menor tempo. Nesse quadro, a palavra de ordem que se firmou na economia e na cultura

    planetrias eficincia.

    O setor pblico no passou insensvel a essas transformaes. O art. 37, caput, da nossa Constituio impe ao Estado a observncia do princpio constitucional da eficincia3. Alis, a reforma do Estado que se desenvolveu na ltima dcada do sculo passado foi toda marcada pela agregao da eficincia na mquina pblica. Este foi seu motor e sua matriz4. Procurou-se desinchar a estrutura administrativa do Estado, promovendo um amplo programa de privatizaes, sem prejuzo da criao de entes autnomos para a regulamentao e fiscalizao dos particulares que passariam a assumir o exerccio das atividades econmicas de interesse pblico. Da surgiram as agncias

    reguladoras, cuja configurao original previa fossem dotadas de autonomia para opor-se s injunes polticas na conduo dessa atividade regulatria, prevalecendo os aspectos tcnicos na tomada das decises, bem como as organizaes sociais, pessoas jurdicas de direito privado que recebem apoio do Estado para a consecuo de fins e valores ligados ao interesse pblico primrio5.

    3 Com redao acrescentada pela Emenda Constitucional n. 20/1998.

    4 Ao lado do desafio do controle da Administrao, as ltimas dcadas trouxeram outra preocupao para os

    administrativistas: assegurar a eficincia da Administrao. Com efeito, no momento em que a Administrao deixou de lado o modelo liberal para assumir uma funo prestadora de direitos, a eficaz realizao desses direitos passou a ser questo fundamental do direito administrativo. Grande parte do esforo administrativo na atualidade, assim, tem-se voltado para atender s demandas de eficincia administrativa. (BAPTISTA, Patrcia. Transformaes do Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003; pp. 22-23) 5O Ministro Gilmar Mendes proferiu deciso monocrtica no STF da qual destaco o seguinte trecho: No Brasil, a redefinio do papel do Estado e sua reconstruo tm importncia decisiva em razo de sua incapacidade para absorver e administrar com eficincia todo o imenso peso das demandas que lhe so dirigidas, sobretudo na rea social. O esgotamento do modelo estatal intervencionista, a patente ineficcia e ineficincia de uma administrao pblica burocrtica baseada em um vetusto modelo weberiano, assim como a crise fiscal, todos observados em grande escala na segunda metade da dcada de oitenta, tornaram imperiosa a reconstruo do Estado brasileiro nos moldes j referidos de um Estado gerencial, capaz de resgatar sua autonomia financeira e sua capacidade de implementar polticas pblicas. Trata-se, portanto, de uma redefinio do papel do Estado, que deixa de ser agente interventor e produtor direto de bens e servios para se concentrar na funo de promotor e regulador do desenvolvimento econmico e social. Assim, a Reforma do Estado brasileiro envolveu, num primeiro momento ou numa primeira gerao de reformas, alguns programas e metas, voltadas primordialmente para o mercado, tais como a abertura comercial, o ajuste fiscal, a estabilizao econmica, a reforma da previdncia social e a privatizao de empresas estatais, criao de agncias reguladoras, quase todas j implementadas, ainda que parcialmente, na dcada de noventa. Uma vez eliminado o perigo hiperinflacionrio e efetivada a estabilizao da economia, o desafio atual est na formulao e efetivao de polticas pblicas voltadas para o social, primordialmente nas reas de sade, moradia e educao. Constatada, no entanto, a incapacidade do aparato estatal para dar conta de todas as

  • 14

    2. A crise de morosidade do Poder Judicirio e o clamor social por eficincia

    A noo de Estado, como destinatria desse dever de eficincia, compreende no apenas os rgos e agentes do Poder Executivo, parte mais inchada e mais visvel da sua existncia, mas tambm abrange os rgos e agentes do Poder Legislativo e do Poder Judicirio. Por isso, quando se pensa em princpio da eficincia, no se pode desconsiderar a ao conjunta dos trs poderes para promover os fins, valores e interesses positivados no texto constitucional todos devem estar engajados e integrados.

    Claro que toda essa revoluo tecnolgica trouxe conseqncias no plano

    dos comportamentos e das expectativas. A sociedade de massas est marcada pela necessidade de rapidez nas atividades humanas e essa rapidez acaba sendo exigida tambm

    na resoluo dos conflitos de interesse. Uma metrpole, verdadeiro formigueiro de gente, s pode ser controlada e manter a coeso social se houver um mecanismo de resoluo gil

    demandas sociais, o foco passou a ser a Reforma do Aparelho do Estado. O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado elaborado pelo Ministrio da Administrao Federal e da Reforma do Estado, do Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso (1995) contm os programas e metas para uma reforma destinada transio de um tipo de administrao pblica burocrtica, rgida e ineficiente, voltada para si prpria e para o controle interno, para uma administrao pblica gerencial, flexvel e eficiente, voltada para o atendimento do cidado. Dentre esses programas e metas, assume especial importncia o programa de publicizao, que constitui a descentralizao para o setor pblico no-estatal da execuo de servios que no envolvem o exerccio do poder de Estado, mas devem ser subsidiados pelo Estado, como o caso dos servios de educao, sade, cultura e pesquisa cientfica. Assim consta do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado: A reforma do Estado envolve mltiplos aspectos. O ajuste fiscal devolve ao Estado a capacidade de definir e implementar polticas pblicas. Atravs da liberalizao comercial, o Estado abandona a estratgia protecionista da substituio de importaes. O programa de privatizaes reflete a conscientizao da gravidade da crise fiscal e da correlata limitao da capacidade do Estado de promover poupana forada atravs das empresas estatais. Atravs desse programa transfere-se para o setor privado a tarefa da produo que, em princpio, este realiza de forma mais eficiente. Finalmente, atravs de um programa de publicizao, transfere-se para o setor pblico no-estatal a produo dos servios competitivos ou no-exclusivos de Estado, estabelecendo-se um sistema de parceria entre Estado e sociedade para seu financiamento e controle. Deste modo o Estado reduz seu papel de executor ou prestador direto de servios, mantendo-se entretanto no papel de regulador e provedor ou promotor destes, principalmente dos servios sociais como educao e sade, que so essenciais para o desenvolvimento, na medida em que envolvem investimento em capital humano; para a democracia, na medida em que promovem cidados; e para uma distribuio de renda mais justa, que o mercado incapaz de garantir, dada a oferta muito superior demanda de mo de obra no-especializada. Como promotor desses servios o Estado continuar a subsidi-los, buscando, ao mesmo tempo, o controle social direto e a participao da sociedade. O programa de publicizao, portanto, permite ao Estado compartilhar com a comunidade, as empresas e o Terceiro Setor a responsabilidade pela prestao de servios pblicos como os de sade e educao. Trata-se, em outros termos, de uma parceria entre Estado e sociedade na consecuo de objetivos de interesse pblico, com maior agilidade, eficincia. As Organizaes Sociais correspondem implementao do Programa Nacional de Publicizao-PNP e, dessa forma, constituem estratgia central da Reforma do Estado brasileiro. (STF, ADI 1923, publicao no DJe de 20.09.2007, Relator para acrdo Min. Eros Grau).

  • 15

    dos inmeros conflitos subjetivos que surgem ao ritmo das infindveis aspiraes e desgraas humanas. Se o Estado no resolve os conflitos na velocidade da sociedade, o caos

    vai se instalando porque a tendncia de que as pessoas faam isso por si prprias, sendo que a justia pelas prprias mos geralmente descamba para a arbitrariedade, que por sua vez instiga a vingana, numa frmula circular que, expandida, tende a gerar desagregao social, ampliar a violncia e a prpria conflituosidade6.

    A falta de rapidez e de efetividade na soluo de conflitos, que se faz por meio da atividade jurisdicional, estimula as pessoas a buscarem Justia com as prprias mos, ou ento a lesarem os direitos alheios, com a obteno de vantagens indevidas, pelo

    sentimento de impunidade decorrente da omisso estatal. fator que estimula litgios.

    Alm da rapidez, a distribuio da justia e a manuteno da ordem no controle de uma sociedade gigantesca precisa garantir uniformidade e previsibilidade no tratamento dispensado aos cidados. Nada gera mais indignao do que um tratamento diverso para pessoas que estejam na mesmssima situao de fato7.

    6 Ada Pellegrini Grinover, discorrendo sobre o renascimento das vias conciliativas de soluo dos litgios,

    faz um paralelo entre a crise da Justia e o aumento da litigiosidade, verbis: A morosidade dos processos seu custo, a burocratizao na gesto dos processos, certa complicao procedimental; a mentalidade do juiz, que nem sempre lana mo dos poderes que os cdigos lhe atribuem; a falta de informao e de orientao para os detentores dos interesses em conflito; as deficincias do patrocnio gratuito, tudo leva obstruo das vias de acesso justia e ao distanciamento entre o Judicirio e seus usurios. O que no acarreta apenas o descrdito na magistratura e nos demais operadores do direito, mas tem como preocupante conseqncia a de incentivar a litigiosidade latente, que freqentemente explode em conflitos sociais, ou de buscar vias alternativas violentas ou de qualquer modo inadequadas (desde a justia de mo prpria, passando por intermediaes arbitrrias e de prepotncia, para chegar at os justiceiros). (GRINOVER, Ada Pellegrini. Os fundamentos da Justia Conciliativa. In Mediao e Gerenciamento do processo: revoluo na prestao jurisdicional. Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe e Caetano Lagrasta Neto, coordenadores. So Paulo: Ed. Atlas, 2007; p. 2.) 7 Qualquer que seja a norma que tomemos em considerao (justa ou injusta, vlida ou invlida, de direito

    material ou de direito processual etc.), sua aplicao s ser justa na medida em que for uniforme. Isso ocorrer somente se a conseqncia prescrita pela norma for imposta a todos os indivduos que se enquadrarem no modelo de conduta por ela prescrito e, cumulativamente, se no for imposta a nenhum dos indivduos que naquele modelo no se enquadrarem. (OLIVEIRA, Bruno Silveira de. Conexidade e efetividade processual. Temas fundamentais de Direito, vol. 8. So Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2007; p. 161.) (...) De qualquer modo, a incompatibilidade entre julgados evitvel ou no consiste em ofensa justia formal. Por integrar a noo transcendente e ontolgica do valor justia, a igualdade na aplicao da norma se torna, sem dvida, um dos componentes nucleares dos sistema de princpios constitucionais do processo, traduzidos pelas frmulas sintticas do acesso justia e do devido processo legal substancial . (Idem, p. 164.)

  • 16

    Ocorre que o Poder Judicirio, cobrado pela necessidade social de prover a sua atividade jurisdicional de maior eficincia, v-se mergulhado numa crise crnica de morosidade. A profundidade dessa crise to alarmante que o Min. Seplveda Pertence do Supremo Tribunal Federal (hoje aposentado), em palestra proferida no ano de 2004 na Procuradoria Geral da Repblica, chegou a falar em falncia do Poder Judicirio.

    H, diante desse quadro, um ntido clamor social por eficincia. Quer-se um Poder Judicirio preparado para prover um servio de qualidade, com rapidez e efetividade8. Por isso preciso refletir sobre o que envolve, desde a toda sua estrutura administrativa, com os recursos humanos e materiais de que dispe, at o processo, que o

    instrumento necessrio (a ferramenta de trabalho) para o desempenho da sua atividade fim: prestar a tutela jurisdicional. preciso controlar conflitos de massa e tambm dar conta de situaes de fato cada vez mais complexas, decorrentes de um processo social de profunda especializao tecnolgica, cientfica e cultural, com o surgimento de novos conflitos, novos direitos e deveres (direito ambiental, direito digital, etc.). A comunidade jurdica cada vez mais se convence da necessidade de adaptar o processo a essa realidade dinmica, mutvel e rapidamente malevel da vida social9.

    8 Pesquisa nacional da FGV Direito Rio com o Ipespe revela que os brasileiros querem mesmo que juzes

    prestem mais servio: o servio pblico de equacionar conflitos dentro da lei. Querem mais sentenas, rpidas e definitivas. (...)O brasileiro reconhece dois fatores positivos: a ampliao do acesso e o combate a irregularidades. Nesse sentido, a cobertura da mdia, a ao do CNJ e dos tribunais contra nepotismo, corrupo, limites salariais e a favor da moralizao de concursos, audincias pblicas nas inspees da Corregedoria nos Estados e tanto mais causam impacto positivo na imagem do Judicirio. E no negativo, como temem alguns juzes. A transparncia compensa. Para a populao, a Justia est mudando.Nesse quadro, o que destoa a lentido. O brasileiro no se queixa da qualidade das sentenas, mas da quantidade. pouca. Cerca de 88% caracterizam a Justia como lenta, e 78% como cara. Por isso, expressivos 43% prefeririam assegurar seus direito pela conciliao. Se o Judicirio quiser oferecer o servio que o povo quer, o caminho menos adjudicao e mais conciliao. mais rpido. (...)Fica claro. Para a populao, a legitimidade da Justia no advm apenas de sua realidade como poder poltico. Advm, tambm, de sua agilidade e eficincia como prestadora de servio pblico essencial, gnero de primeira necessidade. To importante quanto moradia e cesta bsica. De resto, fcil perceber o paradoxo: quanto mais eficincia, mais poderio. Quanto mais servio, mais poder. O crculo virtuoso. (FALCO, Joaquim. Menos poder e mais servio. In jornal Folha de So Paulo, edio de 05.04.2009.) 9 Embora seja um produto da sociedade, o direito no pode prever todas as situaes que ocorrem no mundo

    dos fatos. Da mesma forma, o direito processual tambm no consegue estabelecer, em numerus clausus, os mecanismos destinados soluo dos conflitos de interesses ou dos casos que necessitam de um provimento jurisdicional. Alm disso, em determinadas hipteses, h, ao menos teoricamente, mais de uma soluo possvel, seja pela existncia de brechas na legislao, seja pela viabilidade de escolha de mais de um caminho ou, ainda, por controvrsias existentes na doutrina e/ou jurisprudncia. Como o direito no pode abranger todas as situaes da vida, utiliza normas padronizadas, que regulam determinados tipos de comportamentos. Todavia, a constante mutao nas relaes sociais permite concluir que o direito processual

  • 17

    3. Breves notas sobre a positivao do princpio da eficincia

    3.1 O princpio da eficincia no art. 37, caput, da Constituio

    O princpio da eficincia no processo civil decorre diretamente do artigo 37, caput, da Constituio Federal, tendo sido explicitamente includo no texto com a Emenda Constitucional n. 19/1998. Esse dispositivo impe o dever de produzir com eficincia a qualquer atividade estatal e nela se inclui a atividade exercida pelo Poder Judicirio.

    A bem da verdade, contudo, referido princpio j estava implicitamente consagrado no texto original da Constituio de 1988, no se concebendo que, antes de sua explcita insero no caput do art. 37 da CF, pudesse o Estado ser ineficiente. Sua raiz

    normativa est no direito fundamental de amplo acesso Justia (CF, art. 5, XXXV10) e no direito fundamental ao devido processo legal (CF, art. 5., LIV11).

    deve adaptar-se realidade scio-econmica, surgindo, ento, a possibilidade de ser aplicado o princpio da fungibilidade, para permitir o abrandamento do culto irracional s formas processuais. O descompasso entre o ordenamento jurdico e a realidade social gera a crise do direito, tendo em vista que a sociedade muda mais rapidamente que o direito (as mudanas do direito e da sociedade no so sincrnicas). Em conseqncia, o direito deve possuir mecanismos para adaptar suas regras, em muitos pontos anacrnicas, realidade social, situando-se o princpio da fungibilidade como um dos instrumentos colocados disposio do operador do processo para a flexibilizao das formas processuais, em busca da melhoria da prestao jurisdicional. Evidentemente que no sero a identificao e a utilizao da fungibilidade que iro propiciar a resoluo dos problemas existentes no Poder Judicirio. Na verdade, h necessidade de uma mudana de paradigma, tornando o prprio direito mais adaptado realidade. De qualquer maneira, trata-se de uma tentativa de dinamizar as regras processuais, buscando alternativas para que o direito material, razo ltima da existncia do direito processual, no seja sacrificado apenas por questes relacionadas tcnica ou, mais precisamente, falta de tcnica. A complexidade das relaes sociais aumenta a diversidade das situaes fticas, devendo o processualista estar atento a essa realidade para que possa trabalhar com uma viso multidisciplinar, inserindo o direito no contexto social. No possvel que o direito consiga abarcar todas as situaes existentes no plano dos fatos, ou seja, no se pode pretender que o sistema jurdico opere num grau de complexidade to elevado ou equivalente ao de seu ambiente. Por isso, aqueles que trabalham com o processo devem estar preparados para lidar com situaes novas e imprevistas, buscando solues que possam no ser dadas a partir dos parmetros legislativos e jurisprudenciais existentes. (TEIXEIRA, Guilherme Freire de Barros. Princpio da fungibilidade: rumo deformalizao do processo. In Bases Cientficas para um renovado Direito Processual. Athos Gusmo Carneiro e Petrnio Calmon (org.). 2. ed. Salvdor: Editora Jus Podivm; pp. 147-172) 10

    CF, art. 5, XXXV: A lei no excluir da apreciao do Poder Judicirio leso ou ameaa a direito. Esse dispositivo teve notvel mudana de redao frente ao seu similar da Constituio de 1967, a qual previa que A lei no excluir da apreciao do Poder Judicirio leso a direito individual (XXX). Como se v, acrescentou-se a ameaa a direito como uma das possibilidades de atuao jurisdicional, legitimando-se constitucionalmente uma tutela processual de cunho preventivo (tutela inibitria); alm disso, retirou-se o qualificativo de individual aos direitos passveis de tutela, abrindo espao para a ampliao da defesa dos direitos difusos e coletivos. 11

    CF, art. 5., LIV: Ningum ser privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.

  • 18

    3.2 O direito de acesso Justia e o princpio da eficincia

    O direito de amplo acesso Justia compreende no apenas a possibilidade do ingresso de uma demanda para apreciao do Poder Judicirio (direito de ao, pblico subjetivo e abstrato), mas tambm o direito a que essa demanda seja apreciada no menor tempo possvel. Ou seja, no s a facilidade da submisso do conflito ao aparato estatal formal, mas tambm a facilidade (ou a ausncia de dificuldade) para que esse conflito seja apreciado e resolvido, concretizando, no mbito do direito material, a recomposio de direitos lesados.

    Se a lei cria obstculos indevidos apreciao de uma demanda, ela exclui, indiretamente, sua apreciao do Poder Judicirio. Assim, por via transversa, agride esse

    direito fundamental de acesso Justia. A excluso de apreciao da demanda, que se veda lei, compreende portanto a possibilidade de ingressar com a demanda mais o direito a que a apreciao dessa demanda ocorra sem percalos indevidos, ou seja, no menor tempo possvel, com a maior previsibilidade possvel de comportamento e conseqncias para as partes e com estabilidade das decises judicirias, implicando uma efetiva alterao da realidade material desde que seja o caso.

    um direito a uma prestao positiva e com qualidade do Estado. No basta abrir as portas da Justia; preciso tambm trilhar o caminho e dar meios para permitir que se chegue rapidamente at o seu fim12.

    12 Neste sentido a posio de Luiz Guilherme Marinoni e Srgio Cruz Arenhart, para os quais o direito

    fundamental inafastabilidade da jurisdio compreende o direito a uma tutela adequada, efetiva e tempestiva. (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Srgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. So Paulo: RT, 2001; pp. 49-53.). Vide tambm artigo de Fabiano Carvalho, EC N. 45: reafirmao da garantia da razovel durao do processo. In Reforma do Judicirio: primeiras reflexes sobre a emenda constitucional N. 45/2004. Tereza Arruda Alvim Wambier et alli, coord. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2005; p. 216, no qual o autor sustenta que A durao do processo em prazo razovel manifestao do direito fundamental ao acesso justia); Ver tambm na mesma obra artigo de Alessandra Mendes Spalding, Direito fundamental tutela jurisdicional tempestiva luz do inciso LXXVIII do art. 5. da CF inserido pela EC N. 45/2004; p. 31: Antes mesmo da insero do inciso LXXVIII ao art. 5. da CF, dada pela EC n. 45, de 08.12.2004, a melhor doutrina j defendia a garantia constitucional da tutela jurisdicional tempestiva decorrente do inciso XXXV do mesmo artigo. Embora eles estejam tratando do direito razovel durao do processo, a ligao com o princpio da eficincia evidente, uma vez que esse direito representa um dos desdobramentos do princpio da eficincia, qual seja, o subprincpio da celeridade.

  • 19

    3.3 O devido processo legal e o princpio da eficincia

    O direito ao devido processo legal foi importado da cultura jurdica norte-americana13. preciso reconhecer, todavia, que a clusula do due process of law possui uma importncia para os Estados Unidos muito maior do que o nosso equivalente tem para o Brasil. Isso ocorre porque a Constituio estadunidense tem um texto muito mais enxuto que a Constituio brasileira; ela no tem um rol amplo e detalhado de direitos e garantias fundamentais, como tem a nossa Constituio, de sorte que o reconhecimento de vrios direitos l ocorre pela clusula genrica do devido processo legal. Assim, eles no tm expressamente positivados muitos dos direitos fundamentais que esto redigidos

    abertamente na Constituio brasileira.

    Diante disso, o desenvolvimento doutrinrio e jurisprudencial da clusula do devido processo legal foi muito mais acentuado nos Estados Unidos do que no Brasil. L se fala em devido processo legal em sentido formal, que confere garantias processuais aos litigantes (contraditrio, ampla defesa, juiz natural, etc.), bem como em devido processo legal em sentido substancial, que implica normas de postura tica, de equidade e de justia em todos os ramos do direito material14.

    A bem da verdade, no direito brasileiro, o devido processo legal acabou

    ficando como repositrio de garantias processuais implcitas, porque no carecia aplic-lo

    13 Pela primeira vez na Constituio brasileira, o texto de 1988 adota expressamente a frmula do direito

    anglo-saxo, garantindo que ningum ser privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. (CINTRA, Antonio Carlos de Arajo; GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cndido Rangel. Teoria Geral do Processo. 12. ed. So Paulo: Malheiros, 1996; p. 82). A origem do substantive due process teve lugar justamente com o exame da questo dos limites do poder governamental, submetida apreciao da Suprema Corte norte-americana no final do sculo XVIII. (NERY JNIOR, Nelson. Princpios do processo civil na Constituio Federal. 8. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2004; p. 67) 14

    A clusula do due process of law no indica somente a tutela processual, como primeira vista pode parecer ao intrprete menos avisado. Tem sentido genrico, como j vimos, e sua caracterizao se d de forma bipartida, pois h o substantive due process e o procedural due process, para indicar a incidncia do princpio em seu aspecto substancial, vale dizer, atuando no que respeita ao direito material, e, de outro lado, a tutela daqueles direitos por meio do processo judicial ou administrativo. Quanto institudo no sistema jurdico ingls pela Magna Carta de 1215, o due process ressaltava seu aspecto protetivo no mbito do processo penal, sendo, portanto, de cunho eminentemente processualstico naquela ocasio. O conceito de devido processo foi-se modificando no tempo, sendo que a doutrina e a jurisprudncia alargaram o mbito de abrangncia da clusula, de sorte a permitir interpretao elstica, o mais amplamente possvel, em nome

  • 20

    quando houvesse outras regras ou princpios positivados. H quem sustente que, ainda que os outros princpios e regras que positivam garantias fundamentais no processo no

    existissem, eles decorreriam do devido processo legal15. Alm dessa funo de integrao de lacunas, o devido processo legal poderia justificar solues que no tivessem amparo na estrita letra da lei, ou ainda contra ela, desde que garantias fundamentais de justia ou da aplicao do direito material pudessem ser violadas16.

    Exatamente por ter essa feio de um amplo leque no qual caberiam diversas outras garantias e direitos processuais, seria bastante plausvel extrair o princpio da eficincia, em suas quatro projees (celeridade, efetividade, segurana jurdica e economia

    dos direitos fundamentais do cidado. (NERY JNIOR, Nelson. Princpios do processo civil na Constituio Federal. 8. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2004; p. 65) 15

    Sobre as garantias do devido processo legal: Entende-se, com essa frmula, o conjunto de garantias constitucionais que, de um lado, asseguram s partes o exerccio de suas faculdades e poderes processuais e. de outro, so indispensveis ao correto exerccio da jurisdio. Garantias que no servem apenas ao interesse das partes, como direitos pblicos subjetivos (ou poderes e faculdades processuais) destas, mas que configuram, antes de mais nada, a salvaguarda do prprio processo, objetivamente considerado, como fator legitimamente do exerccio da jurisdio. (CINTRA, Antonio Carlos de Arajo; GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cndido Rangel. Teoria Geral do Processo. 12. ed. So Paulo: Malheiros, 1996; p. 82). Nelson Nery chegou a afirmar que: Em nosso parecer, bastaria a norma constitucional haver adotado o princpio do due process of law para que da decorressem todas as conseqncias processuais que garantiriam aos litigantes o direito a um processo e a uma sentena justa. por assim dizer, o gnero do qual todos os demais princpios constitucionais do processo so espcies. (NERY JNIOR, Nelson. Princpios do processo civil na Constituio Federal. 8. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2004; p. 60) 16

    Sobre o tema, numa aplicao prtica dessa concepo do devido processo legal, tecemos as seguintes consideraes no bojo da nossa dissertao de mestrado: Muitas vezes no h como esperar ou aguardar a iniciativa processual de quem a detenha, devendo ser adotadas medidas urgentes no plano da realidade ftica, ainda quando no haja processo judicial regularmente instaurado. O princpio da prioridade absoluta traz, como implicao, a prevalncia de tal ncleo de direitos fundamentais sobre quaisquer outros, inclusive o direito ao devido processo legal sob o aspecto formal. Como se sabe, a clusula do devido processo legal pode ser compreendida em duplo aspecto: o devido processo legal em sentido formal (due process of law) e em sentido substantivo (substantive due process). No primeiro sentido, a privao da liberdade e da propriedade de um indivduo s podem ser feitas pela observncia das normas e procedimentos previstos na legislao, reconhecendo-se uma srie de garantias inerentes a um julgamento justo (ainda que no previstas na legislao), como o direito ao contraditrio, ampla defesa, motivao das decises, juiz imparcial, juiz natural, etc. No segundo sentido, substantivo, o direito ao devido processo legal ir abranger a efetivao de direitos materiais, extrapolando o conceito de justia dos limites do processo para abranger qualquer relao jurdica humana, impondo aos particulares entre si e ao Poder Pblico o dever de agir com lealdade e boa-f, respeitando os direitos alheios e o ordenamento jurdico de um modo geral, procedendo de modo a trazer justia para o seu comportamento humano. Ainda que se vislumbre violao ao sentido meramente formalstico do devido processo legal, cumpre reconhecer que a concesso de cautelar ex offcio e ex ante processus, em algumas situaes, faz verdadeiramente efetiva a garantia de plenitude do acesso Justia. O princpio da prioridade absoluta d ao magistrado uma amplssima margem de liberdade para resolver o problema da criana e do adolescente, devendo-se fazer o que tiver de ser feito. (GONALVES FILHO, Joo Gilberto. O princpio constitucional da prioridade absoluta. Dissertao de Mestrado apresentada Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo; 2006).

  • 21

    processual) abaixo desenvolvidas, como decorrentes do devido processo legal17. Basta considerar que a eficincia no est s ligada ao interesse do Estado de logo desincumbir-se

    do seu dever de prestar a jurisdio, mas tambm uma garantia das partes de ver o seu conflito prontamente resolvido, com uma soluo que repercuta no plano dos fatos, traga estabilidade s suas relaes e seja o menos custosa possvel.

    3.4 O direito fundamental razovel durao do processo

    O direito fundamental de inafastabilidade da jurisdio e o direito fundamental ao devido processo legal constaram do texto original da Constituio de 1988. O princpio da eficincia podia se dizer implcito nestes princpios. Todavia, como vimos, foi expressamente positivado no caput do art. 37 da Constituio, pela EC n. 19/1998.

    O direito fundamental razovel durao do processo, por sua vez, expressamente positivado com a E.C. n. 45/2004, pela introduo do inciso LXXVIII ao rol de direitos fundamentais, um corolrio do princpio da eficincia. um dos seus desdobramentos, ou subprincpios. Nada mais do que aqui denominaremos como princpio da celeridade.

    H quem entenda que a introduo desse direito fundamental

    (acrescentamos: introduo explcita, porque ele j existia) no vai trazer nenhuma melhora no problema crnico da morosidade do Poder Judicirio18.

    17 Ao menos no mbito do processo penal, em diversas oportunidades o STF j proclamou que o subprincpio

    da celeridade decorrente do devido processo legal. Confira, p. ex., o HC 80379/SP, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 18/12/2000, publicado no DJ em 25/05/2001, no qual se assentou: O JULGAMENTO SEM DILAES INDEVIDAS CONSTITUI PROJEO DO PRINCPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. - O direito ao julgamento, sem dilaes indevidas, qualifica-se como prerrogativa fundamental que decorre da garantia constitucional do "due process of law". O ru - especialmente aquele que se acha sujeito a medidas cautelares de privao da sua liberdade - tem o direito pblico subjetivo de ser julgado, pelo Poder Pblico, dentro de prazo razovel, sem demora excessiva e nem dilaes indevidas. Ora, se isso vale para a liberdade fsica, h de valer tambm para litgios que envolvam outros direitos fundamentais discutidos no mbito cvel, como a propriedade, a liberdade de manifestao do pensamento, a liberdade de crena, a intimidade, etc. 18

    Presentes tais consideraes, no difcil perceber que a Emenda n. 45 no implicar modificao no quadro atual de lentido da Justia e, portanto, no garantir a prometida efetividade da jurisdio. Concede-se que algumas das alteraes entre elas, a previso de justia itinerante, a autonomia funcional e administrativa das defensorias pblicas, a criao da Escola Nacional de Formao e Aperfeioamento de Magistrados e a obrigatoriedade de realizao de sesses pblicas para as decises administrativas dos

  • 22

    Discordamos deste entendimento por trs razes. Embora o novo inciso LXXVIIII do art. 5. nada tenha acrescentado em termos normativos, porque esse direito j decorria do princpio da eficincia, conveniente, do ponto de vista psicolgico, que tenha sido expressamente reconhecido. A inovao constitucional chama a ateno dos operadores do Direito e faz despertar nas autoridades a existncia do dever de imprimir eficincia.

    Essa funo educativa da tcnica legislativa no pode ser socialmente ignorada nem desprezada, vindo a colaborar na medida em que estreita os laos de vinculao do intrprete com o sistema jurdico. Assim que o referido dispositivo entrou em vigor, vrios debates se travaram na doutrina sobre o eventual dever do Estado de reparar civilmente pela demora injustificada ou excessiva na prestao jurisdicional. A movimentao doutrinria (e futuramente jurisprudencial) sobre o tema demonstra bem a relevncia da introduo desse dispositivo.

    A segunda razo que, se considerarmos esse direito de celeridade do artigo 5., LXXVIII, ou o princpio da eficincia do art. 37, caput, ambos da Constituio, como palavras soltas e vazias, sem qualquer relevncia normativa, ento de fato eles no tero nenhuma importncia prtica. Todavia, todo este trabalho dirige-se em sentido contrrio, procurando demonstrar que h sim aspectos relevantes a serem extrados dessas disposies

    constitucionais para a implementao de providncias concretas na praxe do processo civil. Tudo o que se ver daqui para frente caminha no sentido de densificar esta idia, lanando

    luzes sobre como isto poder ser feito.

    Terceiro, a insero deste dispositivo no rol dos direitos fundamentais

    refora a necessidade de sua aplicabilidade imediata, por fora do 1. do art. 5. da

    tribunais representam avano em relao ao texto anterior. Entretanto, anlise atenta e equilibrada do novo texto torna patente que no houve preocupao com o acesso Justia e a efetividade do processo. A referncia ao direito razovel durao do processo (art. 5., LXXVIII) constitui mera promessa, sem qualquer ressonncia prtica. (LOPES, Joo Batista. Reforma do Judicirio e efetividade do processo civil. In Reforma do Judicirio: primeiras reflexes sobre a emenda constitucional N. 45/2004. Tereza Arruda Alvim Wambier et alli, coord. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2005; p. 330.)

  • 23

    Constituio19, devendo-se rejeitar a resignao de quem s vislumbra a possibilidade de um processo clere em futuro incerto e no sabido, a depender de alteraes legislativas,

    estruturais e de maiores investimentos no Poder Judicirio. Embora tudo isso seja relevante para promover a razovel durao do processo, pretendemos demonstrar que uma mudana de mentalidade por parte da magistratura e dos servidores do Poder Judicirio, que repercuta diretamente no seu modo de trabalho, pode ser decisiva para alcanar este objetivo.

    4. A retomada da constitucionalizao do direito processual civil.

    Como premissa necessria para aprofundar as bases tericas do princpio da eficincia e ponderar sobre suas aplicaes, devemos assentar a verdadeira revoluo que

    se vem desenvolvendo com a projeo da fora normativa da Constituio sobre todos os ramos do Direito, dentre os quais o processo civil, objeto de nosso exame neste trabalho.

    A evoluo cientfica experimentada por cada um dos ramos do Direito, com o suceder histrico, fez com que adquirissem elevado nvel de autonomia, to profundo que houve uma perda da noo de unidade. As matrias nas quais o Direito segregado para fins de estudo, nas universidades, so tratadas como se fossem estanques entre si, como se cada qual tivesse vida prpria e independente.

    Vemos estudiosos em direito constitucional (os constitucionalistas), em direito civil (os civilistas), em direito administrativo (os administrativistas), em direito penal (os penalistas), em direito tributrio, comercial e assim por diante, cada qual admitindo, muitas vezes, saber pouco ou nada dos demais ramos do direito20. Mais longe ainda, hoje em dia comum nos depararmos com advogados especializados em uma pequena parcela de um dos sub-ramos do Direito; desta feita, no caso do direito civil, temos

    advogados s especializados em contratos, outros especializados em responsabilidade civil,

    19 CF, art. 5., 1.: As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tm aplicabilidade

    imediata. Esta importncia foi salientada por Alessandra Mendes Spalding, ob. cit., pp. 33-35. 20

    A falta de comunicao entre os diversos ramos do direito provoca efeitos indesejveis. Muito daquilo que, para os operadores de uma disciplina jurdica tido como ponto pacfico pode ser, para os operadores de outras disciplinas, um completo despropsito. (AFONSO DA SILVA, Virglio. A constitucionalizao do direito. So Paulo: Malheiros, 2005; p. 17)

  • 24

    outros em direito de famlia, outros em direitos autorais; no caso do direito penal, encontramos advogados especializados em crimes de trfico de entorpecentes, outros em

    crimes societrios, outros em crimes financeiros e assim sucessivamente, com todos os demais ramos do Direito21.

    Esse crescimento do mercado do Direito, acompanhando a evoluo das relaes sociais, trouxe uma incrvel sofisticao e especializao da doutrina jurdica nesses variados temas22. Em contrapartida, a especializao provoca, como efeito colateral, a alienao do todo, vale dizer, acaba-se perdendo de vista que o direito um sistema nico e coordenado, sendo que as normas de conduta devem conviver harmonicamente entre si.

    H uma ligao intrnseca entre todas as suas manifestaes

    Atentando para esta circunstncia, a doutrina especializada vem resgatando a importncia da Constituio como norma fundamental e hierarquicamente superior de um pas, refletindo especificamente sobre as influncias do texto constitucional nos demais

    21 Oscar Vilhena Vieira, em entrevista ao peridico Tribuna do Direito, fez um panorama deste fenmeno no

    mbito da advocacia, afirmando que Antes, havia os grandes nomes que atendiam os clientes em diversos setores. Lembro-me do professor Miguel Reale, que tinha clientes donos de grandes lojas e magazines, que o consultavam para tudo: do divrcio do filho s licitaes, passando pelo fechamento de contratos. Isso marca a advocacia do sculo XX no Brasil. J havia os especialistas, em especial o trabalhista e o criminalista, mas o modelo era o da clnica geral. A grande mudana comeou a surgir no final do sculo passado, com a transformao dos escritrios de advocacia em empresas. Dentro desse novo modelo, com a complexidade da vida contempornea, houve a necessidade de especializao. (...) Os anos 90 criaram uma nova figura, a do advogado altamente especializado. O escritrio como um hospital, que tem um especialista para cada rea. Conforme o problema levado pelo cliente, atendido em um determinado departamento. Vai ter advogado que far incisivamente uma operao especfica. Esse advogado tem de rapidamente entender qual a necessidade do cliente. Depois, perguntado se Isso bom?, respondeu: Tem-se a tendncia de achar que pode ser problemtico. Que o advogado-cirurgio possa estar, muitas vezes, habilitado a resolver um problema especfico, mas sem condies de mensurar o impacto da deciso sobre o todo. O advogado do estilo Miguel Reale ou Theotnio Negro conhecia o cliente. Sabia, muitas vezes, que o cliente no queria aquilo naquele momento. Voltar ao modelo anterior impossvel e o sistema atual gera desconforto porque h uma infidelidade do cliente. No existe relao slida entre cliente e advogado. O escritrio tem de estar o tempo todo brigando para manter o cliente; e o cirurgio, que cuida de um assunto especfico, no conhece a inteira realidade do cliente. O que tem surgido so os escritrios mais sofisticados, com condies de dar um atendimento mais global ao cliente e, eventualmente, apoiam a empresa na busca de um determinado especialista, quando necessrio. Essa a advocacia mais interessante que se est fazendo, com o surgimento de pequenos escritrios, com profissionais muito capacitados. a que surge o diferencial da formao: no mais o advogado simplesmente super-especialista, um advogado que tem uma formao slida, que conhece bem o Direito e seus princpios gerais, que conhece bem a Constituio e o Direito Constitucional. (jornal Tribuna do Direito, caderno livros, ano 15, n. 169, maio de 2009, pp. 1-2, So Paulo-SP) 22

    O fenmeno no exclusivo do Direito, que objeto do estudo de uma cincia humana. Basta pensar nas inmeras especializaes da Medicina (que uma cincia biolgica) e das diversas Engenharias que se

  • 25

    ramos do direito. Se a Constituio se situa no pice da pirmide normativa e nela consta um programa normativo, axiologicamente carregado, para a realizao de um autntico

    Estado Democrtico de Direito, ento preciso reler todas as normas legais (infra-constitucionais) de um determinado ramo do direito para aquilatar sobre a sua compatibilidade com os fins e valores do texto constitucional23.

    A constitucionalizao no Brasil tambm decorre da sua democratizao, com a derrocada do regime militar e a promulgao da Constituio de 198824. Este ltimo fato, segundo Paulo Schier, exteriorizou a tentativa de instaurao de um novo momento poltico e jurdico no pas, fundado na democracia, no Estado de Direito, na dignidade da pessoa humana e na revitalizao de direitos fundamentais. Havia um sentimento de euforia pelas possibilidades e potencialidades trazidas da nova Constituio, mas tambm de

    desconfiana, pela descrena quanto sua capacidade de se impor diante de um cenrio ainda conturbado. A teoria constitucional teve de realar a fora normativa Constituio, proteg-la dos ataques que sofria criar instrumentos dogmticos para sua adequada compreenso e realizao25.

    Ele aduz que assim se desenvolveu a concepo de filtragem constitucional:

    ensinam nas faculdades (que so cincias exatas). Ele mera decorrncia do desenvolvimento humano nos mais diversos assuntos culturais. 23

    Segundo Schuppert e Bumke, no incio do processo de irradiao do direito constitucional pelos outros ramos do direito, um dos objetivos principais era simplesmente a solidificao da submisso desses ramos aos ditames constitucionais. Ainda que essa submisso soe trivial para o jurista contemporneo, nem sempre foi assim, especialmente por causa da milenar tradio do direito privado como rea do direito reservada autonomia privada, no submetida s previses do direito pblico. (AFONSO DA SILVA, Virglio. A constitucionalizao do direito. So Paulo: Malheiros, 2005; p. 41) 24

    Nos Estados de democratizao mais tardia, como Portugal, Espanha e, sobretudo, o Brasil, a constitucionalizao do direito um processo mais recente, embora muito intenso. Verificou-se, entre ns, o mesmo processo translativo ocorrido inicialmente na Alemanha e em seguida na Itlia: a passagem da Constituio para o centro do sistema jurdico. A partir de 1988, e mais notadamente nos ltimos cinco ou dez anos, a Constituio passou a desfrutar j no apenas da supremacia formal que sempre teve, mas tambm de uma supremacia material, axiolgica, potencializada pela abertura do sistema jurdico e pela normatividade dos seus princpios. Com grande mpeto, exibindo fora normativa sem precedente, a Constituio ingressou na paisagem jurdica do pas e no discurso dos operadores jurdicos. (BARROSO, Luiz Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalizao do Direito (O Triunfo Tardio do Direito Constitucional do Brasil). In Processo Civil, novas tendncias, Estudos em homenagem ao professor Humberto Theodoro Jnior. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2008; p. 226). 25

    SCHIER, Paulo Ricardo. Novos desafios da filtragem constitucional no momento do neoconstitucionalismo. In Processo Civil, novas tendncias, Estudos em homenagem ao professor Humberto Theodoro Jnior. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2008; p. 251.

  • 26

    Nesse quadro, ento, desenvolveu-se a idia de filtragem constitucional, que tomava como eixo a defesa da fora normativa da Constituio, a necessidade de uma dogmtica constitucional principialista, a retomada da legitimidade e vinculatividade dos princpios, o desenvolvimento de novos mecanismos de concretizao constitucional, o compromisso tico dos operadores do Direito com a Lei Fundamental e a dimenso tica e antropolgica da prpria Constituio, a constitucionalizao do direito infraconstitucional, bem como o carter emancipatrio e transformador do Direito como um todo.26

    Essa idia de filtragem constitucional, portanto, nada mais significa do que submeter todo o direito infraconstitucional ao filtro da Constituio, retendo e expurgando como impureza todos os atos hierarquicamente inferiores que no puderem se conciliar com

    o seu texto, adaptando e remodelando toda a legislao para que lhe seja conforme. como se toda a legislao fosse realmente filtrada pela Constituio, disso derivando um novo

    sistema normativo27.

    Esta releitura normativa, filtrada pela Constituio, tambm dever ser feita com o processo civil. A empreitada no fcil, uma vez que ainda encontra resistncias. Muitas vozes de peso ainda no tomaram conscincia da fora vinculante da Constituio, ou ento, embora aceitem abstratamente a idia, no refletiram a contento ou resistem multiplicidade de transformaes que ela pode provocar28. Ela depende de se cultivar e

    26 Idem.

    27 Nesse ambiente, a Constituio passa a ser no apenas um sistema em si com sua ordem, unidade e

    harmonia mas tambm um modo de olhar e interpretar todos os demais ramos do Direito. Este fenmeno, identificado por alguns autores como filtragem constitucional, consiste em que toda a ordem jurdica deve ser lida e apreendida sob a lente da Constituio, de modo a realizar os valores nela consagrados. Como antes j assinalado, a constitucionalizao do direito infraconstitucional no tem como sua principal marca a incluso na Lei Maior de normas prprias de outros domnios, mas, sobretudo, a reinterpretao de seus institutos sob uma tica constitucional. (BARROSO, Luiz Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalizao do Direito (O Triunfo Tardio do Direito Constitucional do Brasil). In Processo Civil, novas tendncias, Estudos em homenagem ao professor Humberto Theodoro Jnior. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2008; p. 227). 28

    Segundo Ricardo Guastini: de acordo com certas proposies doutrinrias, uma Constituio no consiste em mais do que um manifesto poltico, cuja concretizao tarefa exclusiva do legislador, de maneira que os tribunais no devem aplicar as normas constitucionais carentes de qualquer efeito imediato , mas somente as normas que se extraem das leis. Assim, um dos elementos essenciais do processo de constitucionalizao consiste precisamente na difuso, no seio da cultura jurdica, da idia oposta, qual seja, a de que cada norma constitucional independente da sua estrutura ou contedo normativo seja uma norma jurdica genuna, vinculante e suscetvel de produzir efeitos jurdicos. (GUASTINI, Ricardo. A Constitucionalizao do Ordenamento Jurdico e a Experincia Italiana. Artigo originalmente publicado em italiano como La constituzionalizzazione dellordinamento italiano. In: Ragion Pratica, Milano, Anabasi, n. 11, 1998, pp. 185/206; e, posteriormente, em verso espanhola como La constitucionalizacin del ordinamento jurdico: el caso italiano. In: CARBONELL, Miguel (Org.). Neoconstitucionalismo (s).

  • 27

    florescer, no seio da cultura jurdica da cincia processual, o sentimento da fora normativa da Constituio, na linha de obra clssica de Konrad Hesse29.

    A proposta compreende no apenas a identificao dos dispositivos constitucionais diretamente atrelados ao processo civil, discorrendo sobre eles, mas sim de atrelar a aplicao de toda a legislao processual e sua aplicao prtica aos fins e valores previstos na Constituio30.

    Madrid: Editorial Trotta, 2003, pp.49-73. Traduo do italiano por Enzo Bello, in Processo Civil, novas tendncias, Estudos em homenagem ao professor Humberto Theodoro Jnior. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2008; p. 277). 29

    Embora a Constituio no possa, por si s, realizar nada, ela pode impor tarefas. A Constituio transforma-se em fora ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposio de orientar a prpria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se, a despeito de todos os questionamentos e reservas provenientes dos juizos de convenincia, se puder identificar a vontade de concretizar essa ordem. Concluindo, pode-se afirmar que a Constituio converter-se- em fora ativa se fizerem-se presentes, na conscincia geral particularmente, na conscincia dos principais responsveis pela ordem constitucional , no s a vontade de poder (Wile zur Macht), mas tambm a vontade de Constituio (Wile zur Verfassung). (HESSE, Konrad. A fora normativa da Constituio. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Srgio Antonio Fabris Editor, 1991, p. 19) 30

    Constitui ponto pacfico na doutrina e na jurisprudncia a necessidade de estudar o processo civil a partir das normas encartadas na Constituio Federal, havendo, no particular, uma estrutura mnima de um modelo constitucional do processo civil. evidente a progressiva constitucionalizao do processo civil brasileiro, sendo crescente no somente a ateno dada aos laos havidos entre Processo e Constituio, mas igualmente, e sobretudo, a adoo de solues processuais obtidas a partir da aplicao do prprio texto constitucional. Essa disciplina constitucional do processo que vem ganhando dimenses importantssimas constitui, alis, uma realidade no apenas do ordenamento brasileiro, mas tambm de muitos outros, a partir do desenvolvimento do chamado constitucionalismo moderno. (CUNHA, Leonardo Jos Carneiro da. Anotaes sobre a garantia constitucional do juiz natural. In Processo e Constituio, estudos em homenagem a Jos Carlos Barbosa Moreira. Luiz Fux, Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier, coord. So Paulo: RT, 2006; p. 500). Tambm neste sentido so as pertinentes consideraes de Cssio Scarpinella Bueno: Estudar o processo civil na e da Constituio, contudo, no pode ser entendido como algo passivo, que se limita identificao de que determinados assuntos respeitantes ao direito processual civil so previstos e regulamentados naquela Carta. Muito mais do que isso, a importncia da aceitao daquela proposta metodolgica mostra toda sua plenitude no sentido ativo de aplicar as diretrizes constitucionais na construo do direito processual civil, realizando pelo e no processo, isto , pelo e no exerccio da funo jurisdicional, os misteres constitucionais reservados para o Estado brasileiro, de acordo com seu modelo poltico e para seus cidados. (...) A anlise do nosso modelo constitucional revela que todos os temas fundamentais do direito processual civil s podem ser construdos a partir da Constituio. E diria, at mesmo: devem ser construdos a partir da Constituio. Sem nenhum exagero, impensvel falar-se em uma teoria geral do processo civil que no parta da Constituio, que no seja diretamente vinculada e extrada dela, convidando, assim, a uma verdadeira inverso do raciocnio useiro no estudo das letras processuais civis. O primeiro contato com o direito processual civil se d no plano constitucional e no no do Cdigo de Processo Civil que, nessa perspectiva, deve se amoldar, necessariamente, s diretrizes constitucionais. BUENO, Cassio Scarpinella. O Modelo Constitucional do Direito Processual Civil: um paradigma necessrio de estudo do direito processual civil e suas aplicaes. In Processo Civil, novas tendncias, Estudos em homenagem ao professor Humberto Theodoro Jnior. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2008; p. 158-159. (grifos no original).

  • 28

    preciso adequar todo o arcabouo normativo positivado nas leis de processo aos fins e valores do texto constitucional, expurgando do sistema, por via

    jurisprudencial, todas as normas legais ou linhas de interpretao que no se conciliem, por absoluta incompatibilidade, com o programa axiolgico previsto na nossa Constituio. Doutrina e jurisprudncia passam a ter um papel relevante na sua concretizao dentro do processo civil31.

    5. A natureza jurdica do princpio da eficincia

    5.1 A eficincia como um princpio e o princpio como norma jurdica

    O constitucionalismo do Direito um fenmeno histrico irrecusvel para todo o mundo ocidental32. Uma de suas conseqncias est no resgate aos valores ticos e morais, superando-se as bases do positivismo legalista, acusado de dar legitimidade jurdica aos regimes polticos do nazismo e do facismo, culminando com o desastre do holocausto perpetrado pela Alemanha durante a 2. guerra mundial. Criaram-se, com isso, as condies necessrias para dar uma nova dimenso estrutural aos princpios, atualmente concebidos como a porta de entrada dos valores para o universo jurdico, com autonomia prpria e fora suficiente para criar vinculaes. No se trata de qualquer valor, nem uma pauta de valores concebida como imanente ao direito natural, ao divino ou natureza do homem, mas sim de uma pauta de valores estabelecida pelo consenso concreto de uma sociedade

    31 Ricardo Guastini assevera que em um ordenamento constitucionalizado, o Direito Constitucional tende a

    ocupar o espao inteiro da vida social e poltica, condicionando a legislao, a jurisprudncia, o estilo doutrinrio, a ao dos atores polticos, as relaes privadas e etc. Em um ordenamento constitucionalizado, por exemplo, acontece o seguinte: (a) a legislao condicionada pela Constituio no sentido de que tendencialmente concebida no mais como uma atividade livre no fim, mas como uma atividade discricionria, direta a fazer incidir a Constituio. Dito de outra forma: o legislador no pode escolher livremente os fins a perseguir, mas pode somente estipular os meios mais oportunos e/ou mais eficientes para realizar os fins heternomos pr-constituidos: os estabelecidos na Constituio; (b) a jurisprudncia condicionada pela Constituio no sentido de que os juzes tm o poder e o dever de aplicar no somente as leis, mas tambm a Constituio; (...); (d) o estilo doutrinrio condicionado pela Constituio no sentido de que a doutrina tende a buscar nela o fundamento axiolgico das leis (penais, civis, administrativas, processuais, tributrias, etc.) e a expor o seu contedo normativo como uma mera revelao dos princpios constitucionais; assim, por exemplo, todo estudo doutrinrio sobre qualquer objeto especfico (consideremos o Direito Contratual) precedido de uma anlise dos princpios constitucionais que regem a matria em questo (no caso, os contratos). (GUASTINI, Ricardo, ob. cit., p. 272-273.). 32

    O sculo XX pode ser considerado como o sculo do constitucionalismo. Nos ltimos cem anos, o direito constitucional reuniu foras para se firmar como o ncleo das ordens jurdicas nacionais. Tornou-se capaz de condicionar todos os demais ramos do direito. Invocando-se a perfeita sntese de Bruce Ackerman, hoje a f iluminista nas constituies escritas varre o mundo. (BAPTISTA, Patrcia. Transformaes do Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003; p. 46)

  • 29

    num determinado momento histrico e devidamente juridicizada no ordenamento jurdico, permitindo a fluncia de um substrato tico-moral no Direito sem o abandono da exigncia

    da sua positivao no texto legislativo33.

    Quando falamos em princpio no mbito do Direito, falamos em norma jurdica. No se trata de dever tico ou mero postulado de convenincia. Poder at ser eticamente correto agir de modo eficiente, ou conveniente a observncia da eficincia no modo de agir, mas isso so dados secundrios e irrelavantes sob a perspectiva do nosso estudo. A idia de normatividade traz conseqncias prprias no universo jurdico e elas que nos interessam. Trataremos da eficincia no Estado com o conectivo que merece pela

    sua estatura constitucional: dever-ser34. Princpio a positivao normativa de um valor35

    33 O constitucionalismo que emergiu do Segundo Ps-Guerra tem nas preocupaes axiolgicas dos seus

    tericos uma das suas caractersticas mais marcantes. A necessidade de superao do positivismo normativista, de fato, forou o retorno do Direito como um todo s questes da tica e da moral na segunda metade do sculo XX. Mas, foi sobretudo pela via do constitucionalismo que se operou a reabilitao dos valores como elementos fundantes do ordenamento jurdico. As novas constituies elaboradas depois de 1945, para l da concepo formalista organizatria que havia predominado no sculo anterior, assumiram a dimenso de verdadeiras ordens de consenso sobre os valores superiores do ordenamento jurdico. A reinsero do discurso dos valores no Direito no importou, todavia, em um retorno puro e simples ao jusnaturalismo clssico, que procurava em critrios abstratos de justia e moral a razo ltima das normas jurdicas. Uma cincia do Direito que se pretenda pautar unicamente sobre valores apresenta tantas dificuldades de fundamentao e de legitimao quanto aquela que seja amparada em teses puramente positivistas. Por isso, o novo constitucionalismo, afastando-se tanto do modelo positivista da jurisprudncia dos conceitos, como do concebido pela jurisprudncia dos valores, foi buscar seu fundamento de validade nos princpios. (Patrcia Baptista, ob. cit., pp. 82-84) 34

    No se pode, em qualquer caso, recusar a positividade, a operatividade e a validade jurdica do princpio da eficincia sob o argumento de que seu conceito foi tradicionalmente desenvolvido pela sociologia e pelas cincias econmicas. Todos sabemos que os princpios jurdicos so normas, prescries, dirigem-se a incidir sobre a realidade, referindo sempre algum contedo impositivo. (MODESTO, Paulo. Notas para um debate sobre o princpio constitucional da eficincia. In Revista Dilogo Jurdico, Ano I, vol. 1, n. 2, maio de 2001 Salvador Bahia Brasil. Disponvel em www.direitopublico,com.br; acesso em 08.12.2009) 35

    Para a jurisprudncia dos princpios, os princpios se qualificam como critrios de valorao imanentes ordem jurdica ou como ncleos de condensao de valores. No so, portanto, mera representao de valores transcedentes situados fora do ordenamento jurdico. Ao contrrio, incorporam somente aqueles valores que eleitos atravs de processos histricos ou racionais e que, a partir da, passam a ser encontrveis, explcita ou implicitamente, dentro do prprio ordenamento. Os princpios so, assim, o direito pressuposto, um jus exterior lex. Em suma, a teoria dos princpios permite a insero de um substrato tico-moral no Direito (elemento jusnaturalista) sem comprometer a unidade sistemtica deste. (Patrcia Baptista, ob. cit., p. 84). Essa tambm a lio de Ricardo Marcondes Martins: Princpios consistem na positivao de um valor. A dignidade da pessoa humana, por exemplo, considerada importante, e , nesse sentido, um valor. Enquanto valor, tem carter axiolgico (mbito do bom). Quando positivado, o valor introduzido no ordenamento jurdico por intermdio de um princpio, passa do plano do axiolgico para o dentico (mbito do dever-ser). O princpio determina que o valor nele positivado seja concretizado da melhor forma possvel, e essa melhor forma possvel sempre depender do caso concreto, das circunstncias. Diante destas, outros valores, tambm positivados ou seja, outros princpios - , podem incidir. Necessitar-se- efetuar uma ponderao e apurar, diante das circunstncias, se e em que medida o valor protegido poder ser

  • 30

    Ricardo Marcondes Martins traa um panorama histrico do conceito de princpios na dogmtica jurdica que acolhemos integralmente36:

    O conceito de princpio jurdico passou por trs fases distintas na histria da Cincia do Direito. Na primeira fase aproximava-se do significado comum da palavra: princpios eram os fundamentos de uma dada disciplina jurdica, seus aspectos mais importantes37. Na segunda fase adquire significado tcnico: princpios deixam de ser todo assunto importante e geral, e passam a ser determinados enunciados de direito positivo, dotados de extraordinria importncia para o entendimento de todo o sistema, diante da alta carga valorativa a eles atribuda. Tm contedo normativo, pois fazem parte do sistema jurdico, so diretrizes ou vetores de interpretao de todas as normas jurdicas extradas do sistema, mas no so normas jurdicas autnomas, no tm a estrutura lgica (H C) prpria das normas jurdicas38. Vigora na Teoria Geral do Direito a terceira fase do conceito de princpios jurdicos: estes tm a estrutura lgica de normas jurdicas. Tanto as regras como os princpios so normas jurdicas, e, nesse sentido, passveis de aplicao direta no mundo fenomnico, consistindo ambos em manifestaes irredutveis do dentico39. A doutrina passou, sem embargo, a visualizar uma diferena estrutural: princpios so normas que ordenam a realizao de algo na maior medida

    implementado. (MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vcios do ato administrativo. So Paulo: Malheiros, 2008; p. 30). 36

    Idem, p. 27/29. 37

    Nota do autor: Da, por exemplo, o nome de obras clebres, como a de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello e a de Ruy Cirne Lima, nas quais os assuntos tratados correspondiam aos temais gerais mais importantes