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VII EPEA - Encontro Pesquisa em Educação Ambiental Rio Claro - SP, 07 a 10 de Julho de 2013 Realização: Unesp campus Rio Claro e campus Botucatu, USP Ribeirão Preto e UFSCar 1 Mídia e educação: representações de natureza na publicidade Marise Basso Amaral Professora Adjunta da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense Universidade Federal Fluminense- Faculdade de Educação Departamento de Sociedade, Educação e Conhecimento [email protected] Nayara Elisa Costa da Conceição Graduanda em Licenciatura em Ciências Biológicas pela Universidade Federal Fluminense Resumo: O presente trabalho é resultado de uma pesquisa iniciada em julho de 2012 em função de uma monografia de conclusão do curso de Licenciatura em Biologia. Para tanto a temática da investigação foi a produção de representações de natureza na mídia. O artefato cultural olhado neste trabalho foi a publicidade. Cinco peças publicitárias com enfoque na utilização de imagens de natureza associadas ao produto anunciado foram selecionadas e analisadas quanto às suas estratégias de produção dessas representações. Essas mesmas peças foram apresentadas para distintos públicos com o objetivo de discutir questões de recepção. Esse trabalho foi realizado tendo como referencial teórico o campo dos Estudos Culturais. As análises indicaram continuação e intensificação nas estratégias de naturalização dos produtos anunciados, agora vinculadas à discursos sobre sustentabilidade, cuidado com o meio ambiente e projetos socioambientais. As análises dos questionários respondidos sobre as peças publicitárias exibidas em diferentes espaços ainda estão em andamento. Palavras-chave: representação, natureza, mídia Abstract: This work is the result of research initiated in July 2012 due to a monograph of completion of the Bachelor's Degree in Biology. For both the subject of the investigation was the production of representations of nature in the media. The cultural artifact looked this work was advertising. Five advertisements focusing on the use of images from nature associated with the advertised product were selected and analyzed for their production strategies of these representations. These same pieces were presented to different audiences in order to discuss issues of reception. This work was accomplished with the theoretical field of Cultural Studies. Analyses indicated continuation and intensification strategies naturalization of products advertised, now linked to discourses on sustainability, care for the environment and environmental projects. The analysis of questionnaires on advertisements displayed in different spaces are still ongoing. Keywords: representation, nature, media

Mídia e educação: representações de natureza na publicidade · Mídia e educação: representações de natureza na publicidade Marise Basso Amaral ... E nesses mesmos estudos,

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VII EPEA - Encontro Pesquisa em Educação Ambiental Rio Claro - SP, 07 a 10 de Julho de 2013

Realização: Unesp campus Rio Claro e campus Botucatu, USP Ribeirão Preto e UFSCar

1

Mídia e educação: representações de natureza na publicidade

Marise Basso Amaral Professora Adjunta da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense

Universidade Federal Fluminense- Faculdade de Educação

Departamento de Sociedade, Educação e Conhecimento

[email protected]

Nayara Elisa Costa da Conceição Graduanda em Licenciatura em Ciências Biológicas pela Universidade Federal Fluminense

Resumo:

O presente trabalho é resultado de uma pesquisa iniciada em julho de 2012 em função

de uma monografia de conclusão do curso de Licenciatura em Biologia. Para tanto a

temática da investigação foi a produção de representações de natureza na mídia. O

artefato cultural olhado neste trabalho foi a publicidade. Cinco peças publicitárias com

enfoque na utilização de imagens de natureza associadas ao produto anunciado foram

selecionadas e analisadas quanto às suas estratégias de produção dessas representações.

Essas mesmas peças foram apresentadas para distintos públicos com o objetivo de

discutir questões de recepção. Esse trabalho foi realizado tendo como referencial teórico

o campo dos Estudos Culturais. As análises indicaram continuação e intensificação nas

estratégias de naturalização dos produtos anunciados, agora vinculadas à discursos

sobre sustentabilidade, cuidado com o meio ambiente e projetos socioambientais. As

análises dos questionários respondidos sobre as peças publicitárias exibidas em

diferentes espaços ainda estão em andamento.

Palavras-chave: representação, natureza, mídia

Abstract: This work is the result of research initiated in July 2012 due to a monograph of

completion of the Bachelor's Degree in Biology. For both the subject of the

investigation was the production of representations of nature in the media. The cultural

artifact looked this work was advertising. Five advertisements focusing on the use of

images from nature associated with the advertised product were selected and analyzed

for their production strategies of these representations. These same pieces were

presented to different audiences in order to discuss issues of reception. This work was

accomplished with the theoretical field of Cultural Studies. Analyses indicated

continuation and intensification strategies naturalization of products advertised, now

linked to discourses on sustainability, care for the environment and environmental

projects. The analysis of questionnaires on advertisements displayed in different spaces

are still ongoing.

Keywords: representation, nature, media

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O tema escolhido como foco para o desenvolvimento dessa investigação foi a

discussão da mídia como importante instância educativa das formas como nos

relacionamos, significamos e negociamos nossa relação com a natureza. Como esse é

um campo muito vasto de investigação o recorte se deu enfocando a publicidade, mais

especificamente peças publicitárias que passaram na TV no ano de 2006 a 2012.

Destacamos, porém, que o critério de escolha não foi o recorte de tempo. A escolha das

peças para análise aconteceu em função de pesquisar por peças publicitárias que

tivessem como marca a utilização de imagens de natureza em suas campanhas,

produzindo assim, diversos significados sobre ela e ensinando diferentes representações

dessa natureza para diferentes públicos. Além da descrição e análise das peças

escolhidas, nesta pesquisa iniciamos uma aproximação aos trabalhos com recepção, no

sentido de perceber como diferentes públicos interagem com as peças publicitárias

selecionadas, essa parte da pesquisa continua em andamento.

O conceito de representação é uma ferramenta de ampla utilização nos Estudos

Culturais. E nesses mesmos estudos, a representação é uma das práticas centrais na

produção da cultura e uma mediadora, na qual os significados são produzidos e

circulam, através de diversos processos e práticas (WORTMANN, 2001). Aos

entendimentos de Hall (1997b), a representação liga o significado e a linguagem à

cultura. Para este mesmo autor, representar é “uma parte essencial do processo pelo qual

o significado é produzido e estendido entre os membros da cultura” (p. 15). O que se

pode entender que representar é produzir significados através da linguagem.

Hall (1997a) assume uma abordagem construcionista para apoiar sua

argumentação do uso da linguagem para representar o mundo, nessa temática o

“significado é construído na e através da linguagem”, a representação participa na

construção das “coisas” e não é somente vista como um reflexo de fenômenos que

acontecem no mundo. O mesmo autor (op. cit) apresenta dois “sistemas de

representação”, o primeiro diz que para se conseguir interpretar o mundo de maneira

significativa há uma série de conceitos e representações mentais que construímos e, a

partir disso, conseguimos dar significados as coisas. Como diz Hall (1997a, p.17) “o

significado depende dos sistemas de conceitos e imagens formados em nossos

pensamentos que podem „estabelecer‟ ou „representar‟ o mundo, capacitando-nos a

referir coisas tanto dentro quanto de fora de nossas cabeças”. O segundo sistema está

relacionado à linguagem que possibilita a existência de um mapa conceitual partilhado,

através do qual se pode representar ou intercambiar significados ou conceitos. O

referido autor ainda coloca que é:

(...) porque nós interpretamos o mundo de maneira similar, que nós

somos capazes de construir uma cultura compartilhada de significados

e também construir o mundo social que habitamos juntos. É por isso

que „cultura‟ é, às vezes, definida em termos de „significados

compartilhados ou sistemas conceituais compartilhados‟ (p. 18).

É possível entender, então que os artefatos não possuem um significado em si. É

a cultura que acaba lhes dando um real sentido. E a representação se torna o modo de

construção deste sentido. Uma construção guiada a partir de uma rede de significações

instituída e posta em circulação através da linguagem. Quanto a isso, os sujeitos

associam linguagens, e então, representam objetos, práticas, conceitos, “valores

permitindo a construção de entendimentos partilhados sobre as coisas do mundo. E é

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através das representações, então, que atribuímos determinados significados às coisas e

aos sujeitos” (SANCHES, 2007, p. 17).

Assim, tendo esse entendimento do conceito de representação podemos nos

perguntar por que isso é tão central nas análises culturais? Por que é importante para

este trabalho investigar as representações produzidas sobre natureza no discurso

publicitário? Parte dessa resposta vem do entendimento de que o significado que damos

às coisas é consequência do modo como as representamos, e esses significados estão

sendo produzidos, reproduzidos e disputados em diversos lugares e práticas sociais

(currículos escolares, livros didáticos, literatura de ficção, cinema, documentários,

música etc). A representação cultural é uma construção operada a partir de uma rede de

significações instituída e posta em circulação através da linguagem (KINDEL, 2003). É

importante ressaltar que tal operação passa, muitas vezes, despercebida. Assim, muitas

das representações circulantes na cultura (de mulher, de homem, de infância, de escola,

de natureza, de sustentabilidade, de economia verde etc) são “re-apresentadas em

diferentes meios e acumuladas ao redor de certos pontos fixos, adquirem a autoridade

do óbvio, do senso comum, do evidente, do natural, de tal maneira que a sua própria

condição de representação é ocultada” (AMARAL, 1997a, p. 54). Essa autora a partir

das discussões de Pollock (1990) afirma ainda:

Neste sentido, representações (de homem, de mulher, de negro/a de

natureza) não devem ser visas apenas como meros sintomas das

causas externas a elas (machismo, sexismo, racismo,

extravismo/imperialismo), mas antes como possuindo um papel ativo

na produção dessas categorias. (...) representações

articulam/produzem um mundo já repleto de sentidos

(AMARAL,1997a, p. 54).

Estes significados são constantemente produzidos e disseminados através de

uma variedade de meios, meios pessoais, sociais e principalmente, “nos modernos

meios de comunicação de massa, que permitem que os significados circulem entre

diferentes culturas em escala e com uma velocidade até agora não conhecidas”

(WORTMANN, 2001, p. 8). De acordo com a autora, os significados são também

produzidos quando usamos, compramos „coisas‟ culturais, ou seja, quando nos

apropriamos dessas „coisas‟ e utilizamo-las no dia a dia, nas práticas da vida cotidiana,

dando a tais „coisas‟ relevância, valores e significância. “Os significados regulam e

organizam nossas condutas e práticas, participando do estabelecimento de regras,

normas e convenções através das quais é ordenada e governada a vida social”

(WORTMANN, 2001, p. 8). Trabalhar com estudos que envolvam um olhar atento à

cultura e à linguagem demanda alguns cuidados; afirma ela:

(...) se torna necessário atentar, quando do desenvolvimento de

análises culturais, para os processos, os códigos, as estruturas, as

convenções e as práticas em que se produzem diferentes sistemas de

significação em instâncias de produção cultural como o cinema, a

publicidade, a pintura, a fotografia, as diferentes formas de literaturas,

as exposições dos museus, os laboratórios científicos etc (p. 8).

Fischer (1997) destaca que é importante os pesquisadores continuarem se

preocupando em saber em que medida a presença da mídia no dia a dia produz,

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reproduz ou dinamiza valores, convicções, sentimentos, preconceitos que transitam na

sociedade. E ainda insiste que hoje se entende muito mais do caráter educativo desse

artefato que é a mídia e justifica com isso o empenho de se olhar e estudar essa

instância. Para essa autora, as inúmeras e diversificadas formas de nos comunicarmos,

de divulgarmos conhecimentos, informações e mercadorias, “parecem afirmar em nosso

tempo o estatuto da mídia não só como veiculadora, mas também como produtora de

saberes e formas especializadas de comunicar e de produzir sujeitos, assumindo nesse

sentido uma função nitidamente pedagógica” (p.61).

Fischer (1997) nos diz ainda que em cada produto, seja ele um vídeo, um

capítulo de novela, um filme, um desenho animado, um comercial, uma reportagem etc,

este é visto como “materialidade discursiva”, como gerador e veiculador de discursos,

como tecnologia de informação. E, sendo assim, um constituidor de sujeitos sociais.

Fischer (2002) ainda destaca que a mídia opera no sentido de participar efetivamente na

constituição do sujeito, na medida em que produz imagens, significações e saberes que

de alguma forma „fala‟ da educação das pessoas, ensinando-as modos de ser e estar na

cultura em que vivem. Assim, como exemplo, uma telenovela, nesta perspectiva, não

seria apenas fonte de alienação, mas também um lugar de constituição de identidades

sociais e culturais. O sujeito receptor deixa de ser visto apenas como consumidor e

passar a ser compreendido como ator num espaço de produção cultural (FISCHER,

1997).

Essa mesma autora nos lembra que os textos da mídia são documentos

produzidos para ampla circulação. As empresas têm essa finalidade de comunicação, de

fazer circular em escala massiva os seus discursos, contudo, mais que colocar no ar uma

série de enunciados de várias formações discursivas (cujas formações disputam na

sociedade uma hegemonia das significações), “a mídia constrói, reforça e multiplica

enunciados propriamente seus, em sintonia ou não com outros discursos e outras

instâncias de poder. A mídia hoje funciona como um lugar privilegiado de superposição

de “verdades”, um lugar de produção, circulação e veiculação de enunciados de diversas

fontes. Qualquer discurso materializado em entrevista de TV ou em cena de novela é

passível de ter sua força ampliada. E com isso, temos que “os sujeitos sociais não são

causas, não são origem do discurso, mas são efeitos discursivos” (PINTO, 1988 apud

FISCHER, 1997, p. 65).

Hoje em dia, mais do que consumidores de produtos, somos consumidores de

imagens, significados, comportamentos, tendências que nos ensinam valores, desejos e

frustrações, ou seja, modos de ver e de nos comportarmos em relação a nós mesmo, aos

outros e aos produtos. E uma das estratégias principais para colocar e manter o consumo

engendrado no cotidiano é o uso de diferentes mídias e o recurso da publicidade e do

marketing que se expande cada vez mais (GASPAROTTO, 2010).

Desde o século XX que vivemos em uma sociedade onde a publicidade tornou-

se o discurso público dominante; a publicidade se torna um texto social capaz de nos dar

sinais das tendências sociais, de moda, de valores contemporâneos e daquilo que

realmente interessa para os que dirigem o capitalismo do consumo (KELLNER, 2002

apud GASPAROTTO, 2010, p. 5).

A imagem publicitária é propícia à investigação dos processos relacionados a

significação de imagens porque esta se dá de maneira intencional: “são certos atributos

do produto que formam a priori os significados da mensagem publicitária, e estes

significados devem ser transmitidos tão claramente quanto possível; se as imagens

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contém signos, temos certeza que em publicidade eles são plenos” (BARTHES, 1990

apud AMARAL, 1997a, p. 119).

A indústria midiática, no que diz respeito às questões ambientais, tem

evidenciado um poder enorme de comunicação e convencimento, basta lembrar quantos

anúncios publicitários, notícias e imagens veiculam diariamente relacionadas ao meio

ambiente (GASPAROTTO, 2010). Essas peças publicitárias utilizam imagens de

natureza para vender seus produtos, e essas imagens são capturadas pela cultura para a

participação em uma rede simbólica que não vai mais falar da “natureza em si”, mas

passa a representar uma série de valores e conceitos (tecnologia, saúde, beleza, pureza

etc) que ajudam a vender diversos produtos: carros, refrigerantes, danones, leites,

cosméticos etc (AMARAL, 1997a).

Amaral (1997b) em seu trabalho nos apresentou como algumas representações

de natureza apareciam no mundo dos anúncios na segunda metade da década de

noventa. Algumas reforçavam a ideia de um mundo natural distante e rude, onde estaria

a “verdadeira natureza”, seus perigos e desafios. Vemos este aspecto em campanhas que

falam de aventura, de liberdade, de superação (consumo de carros, TVs, computadores –

consumo da tecnologia). Outra maneira era o anúncio dar continuidade ao mundo

natural, não mais perigoso e distante, mas sim uma natureza romântica e bucólica. Esse

modo pode se ver em produtos de beleza, remédios, produtos de limpeza – onde

“naturalmente” compramos a saúde e a beleza natural. Outras campanhas usavam as

imagens de natureza como o contraponto negativo de tudo aquilo que determinado

produto podia oferecer, a natureza aparecia então como o “outro” (inferior, submisso,

fonte passiva de inspiração, que deve ser dominado). Esses anúncios falavam da

diferenciação/destaque no consumo de seus produtos contra a mesmice, o tédio e a

homogeneidade materializados nas imagens de natureza, sempre pano de fundo, sempre

o cenário passivo para ressaltar o produto em questão (AMARAL, 1997b).

Algumas das peças publicitárias que analisamos no presente trabalho ainda estão

imersas nesses moldes. Outras apresentam um movimento relativamente novo na

construção das representações de natureza, porém ainda circunscrito ao cenário da

naturalização. Esse agora adquiriu definitivamente o tom “verde” da educação dos

sujeitos para um consumo “engajado”, social e ambientalmente correto. Nas peças aqui

analisadas percebemos a produção de representações diversas da natureza, bem como

narrativas sobre sustentabilidade ao divulgar os diferentes produtos, constituindo assim

uma instância importante na cultura de formação de significados sobre natureza, sobre

ambiente, sobre ser sustentável.

Educação, publicidade e natureza

Algumas das peças publicitárias selecionadas envolveram uma grande produção

e foram exibidas em destaque na TV. Em 2006, a globalmente conhecida modelo

brasileira Gisele Bündchen, desembarca no Xingu para participar de um ritual da chuva

e divulgar a sua sandália Ipanema - Y Ikatu Xingu (“salve a água boa do Xingu”). Em

2009, a peça publicitária intitulada “Furto” por seus idealizadores, inaugurou a

campanha da Coca-Cola Abra a felicidade, também em horário nobre da emissora

Globo de televisão, no intervalo do programa Fantástico. Em 2012, em meio ao grande

sucesso da novela global Avenida Brasil, a peça publicitária da Natura, da linha Natura

Ekos, em meio a imagens da Floresta Amazônica, de cidades e do interior do corpo

humano anuncia: “Somos Produto da Natureza”.

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Em 2009, também o sabão em pó Tixan Ypê é “naturalmente” apresentado na

TV e, finalmente, em 2010, o produto Danoninho, da empresa Danone, anuncia uma

edição limitada de “Danoninho para plantar”. Assim, a escolha dessas peças para análise

em nossa pesquisa se deu em função de todas elas, de uma forma mais ou menos

explícita, estando mais ou menos “engajadas” às questões ambientais _ algumas com

sofisticados recursos de produção de imagem e narrativa, outras, nem tanto _ vão

construindo e participando de uma rede de significação e de produção de representações

que vão nos ensinando sobre natureza, sobre nós mesmos, e sobre nossas

responsabilidades para com o meio ambiente.

No exercício de aproximação do modo como o público interage com a

publicidade, optamos por apresentar as peças escolhidas e analisadas para quatro

diferentes públicos: duas turmas de Pesquisa e Prática de Ensino do curso de

Licenciatura em Ciências Biológicas da UFF, uma turma de 4º ano do Ensino

Fundamental I da Escola Municipal Professora Lúcia Maria Silveira Rocha, localizada

em Jurujuba, Niterói- Rio de Janeiro e uma turma de Ciências Naturais do curso de

Pedagogia da UFF. Em todas essas turmas a atividade se consistia em passar as cinco

peças publicitárias escolhidas: Natura Ekos- “Somos Produto da Natureza”, Coca-

Cola – “Furto”, Sandália Ipanema- “Gisele Bündchen Y Ikatu Xingu”, Danone-

“Danoninho para Plantar” e Tixan Ypê- “Colha o seu” e responder a dois

questionários. O primeiro com respostas para cada propaganda assistida e o segundo

com perguntas em relação à todas as cinco peças assistidas. Essa atividade durou em

média uma hora e meia em cada turma (dependendo do número de alunos).

Passamos a apresentar um pouco do que foi encontrado a partir das análises feitas

das campanhas publicitárias selecionadas para esta pesquisa, na tentativa de demonstrar

diversas estratégias por elas utilizadas em seus processos de produção de representações

de natureza. Podemos destacar, entre eles aqueles envolvidos com a significação do

natural. Ou seja, nos interessa perceber de que modo, os diferentes anúncios analisados,

continuam a realizar _ através de um rico e complexo jogo de cores, de enquadramentos

e focos, de cenários, de movimentos de câmeras, de escolhas de lentes, de opções de

iluminação, de tipos de letreiros, de narrações, de som e trilhas sonoras _ a

naturalização de seus produtos. Destacamos que nessa operação outras representações

ganham materialidade, entram em circulação, por exemplo: representações de floresta,

de mulher, de infância, de índios, de práticas e comportamentos „ambientalmente

corretos‟. Nas peças publicitárias analisadas esse processo de naturalização e de

produção dessas outras representações pode acontecer, desde uma forma muito

sofisticada, até uma forma quase „caricata‟ e pouco cuidadosa. Enfim, percebemos que

as estratégias são variadas, os produtos diversos e a finalidade geralmente alcançada: o

consumo. Quando adquirimos um produto sob essa construção de sentidos, sob a tutela

do natural (do ecológico, do verde, do saudável, do bom e correto) não compramos

somente um artefato para conforto, satisfação e praticidade. Mas, compramos também,

“a maneira de concebermos e de nos relacionarmos com o mundo natural (...)”

(AMARAL, 1997a).

A opção de análise nessa pesquisa se deu no sentido de descrever em detalhe

cada uma das cinco peças e imediatamente após já realizar as análises, elencando alguns

aspectos que foram considerados importantes para aquilo que o trabalho se propunha a

investigar. A descrição, embora possa parecer algo de caráter mais secundário em

relação à análise, na verdade, no nosso entender é também o que encaminha a mesma.

Ou seja, é no ato de descrever, o mais acurado possível _ não esquecendo que é sempre

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o nosso olhar, e, neste sentido, isso significa ao mesmo tempo um limite e uma

possibilidade _ que as considerações, discussões, percepções vão sendo construídas.

Olhando muitas vezes, voltando quadro a quadro, percebendo sons e cores, descrevendo

movimentos que acontecem na tela, vamos também entendendo melhor a produção de

significados engendrados por todos estes fatores. Talvez seja possível afirmar que no

trabalho a separação entre descrição e análise assumiu um caráter apenas didático.

Porém, é importante assinalar também que os anúncios nos impuseram diferentes

possibilidades de descrever suas histórias. Algumas puderam ser contadas como se

estivéssemos a falar de um pequeno filme, com início, meio e fim. Outros traziam em

sua narrativa, muitos atravessamentos, justaposições, sequências rápidas de imagens e

cenas, compondo assim uma história mais complexa, cujo „fio‟ era por vezes difícil de

„amarrar‟. Esse próprio reconhecimento das peculiaridades de construção de cada uma

das peças, dos caminhos de descrição que tivemos que percorrer, acabaram por compor

os próprios resultados de nossas análises.

Outra consideração que cabe ainda ser feita em relação às peças selecionadas é

que as mesmas parecem estar dentro dos moldes de um novo mercado, o “Mercado

Verde”. Esse utiliza o discurso de sustentabilidade para o consumo de seus produtos.

Alguns trabalhos têm se dedicado a olhar com mais atenção para o que vem sendo

chamado de marketing ecológico e também greenwhashing. Sobre esse tema podemos

aprender com o trabalho de Santos (2011) que diz: “(...) o marketing ecológico cumpre

sua tarefa clássica de “forjar demandas e criar necessidades na população” através do

apelo publicitário para o “consumo verde”, baseado em ações politicamente corretas”

(LAYRARGUES, 2003 apud SANTOS, 2011, p. 22).

Feita essa consideração cabe ressaltar também que esse não foi o foco do nosso

trabalho. Dito isso não estamos deixando de reconhecer a importância e pertinência

dessa discussão, a qual, inclusive, aparecerá no contexto de análise de algumas das

peças analisadas a seguir, porém de modo superficial. Nossa investigação não se

dedicou a verificar se as empresas que lançam mão do discurso da sustentabilidade tem,

de fato, uma política de ações e práticas empresariais justas, éticas, socialmente e

ambientalmente corretas. Nosso foco foi no campo de significação dessas ações, a partir

do modo como as mesmas são acionadas como elementos narrativos importantes na

construção de representações de natureza engendradas nos anúncios publicitários

analisados.

As peças publicitárias que aqui serão apresentadas foram escolhidas dentro das cinco

analisadas na pesquisa. Decidimos apresentar duas delas: Tixan Ypê e Natura Ekos.

Optamos por começar por aquela que nos pareceu mais simples, a do sabão em pó Tixan

Ypê lançada em outubro de 2009. A segunda peça faz parte da campanha publicitária da

Natura apresentando a linha Natura Ekos com o filme publicitário “Somos produto da

natureza” lançado em setembro de 2012. Essa peça utiliza de artifícios muito refinados

em suas produções para construir seus signos e significados sobre a natureza,

produzindo então, distintos modos de representá-la.

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“Colha o seu!”

Sequência selecionada de imagens da peça publicitária “Tixan Ypê”

“Para deixar as roupas limpas, gostosas de vestir e com perfumes de flores, o seu melhor

amigo é o Tixan Ypê. Tixan Ypê tem perfumes envolventes, deliciosos de excelente qualidade e

preço justo e é amigo da natureza: tem reduzido teor de fosfato. Seu melhor amigo para lavar

roupas. Colha o seu!” Assim o produto Tixan Ypê nos é apresentado. Enquanto o narrador nos

fala das características e qualidades desse sabão em pó, assistimos a uma improvável

composição na tela da TV. Inicialmente, uma bela jovem, de longos cabelos castanhos e blusa

imaculadamente branca, passeia pela floresta com uma cestinha. A luz escolhida é aquela

corrente em cenas que denotam uma atmosfera mágica, esotérica, fantasiosa. Nesse “bosque”

assim iluminado, uma borboleta azul passa lépida e faceira pela tela, enquanto a mocinha

caminha sorridente e em câmera lenta. Do canto esquerdo da tela, sobrepondo a imagem

anterior, surge um carrinho de compras empurrado por uma mulher. Porém, não é possível ver o

rosto da mesma em função do enquadramento escolhido, o qual privilegia o carrinho cheio de

produtos verdes (hortaliças provavelmente), parte do corpo dessa mulher e a bolsa. Depois dessa

passagem repentina, voltamos a ver a modelo inicial que parece ter acompanhado aquele

carrinho e descobre, surpresa, em meio a botões de flores se abrindo o produto Tixan Ypê.

Nesse momento ouvimos com destaque a Valsa das Flores de Tchaikovsky que irá tocar ao

longo de toda a peça publicitária. A modelo principal aparece então cheirando a embalagem do

produto, cena acompanhada pelo retorno da borboleta azul. O que vemos em seguida é uma

animação mostrando a tradicional cena das fibras de tecido e mostrando o modo como o produto

atua removendo todas as manchas e sujeiras. Ela então coloca o produto na cesta de vime, a qual

agora aparece sobre uma caixa de supermercado. A tentativa é de colocar a mesma ainda

naquele bosque dos sonhos. Vemos rapidamente a funcionária da caixa do supermercado e o

barulho da máquina registrando o produto. Ao final, aparece novamente a modelo com o rosto

„iluminado‟ e sorrindo. Sobreposta a essa imagem, entrando pelo canto esquerdo da tela,

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imagens de flores são apresentadas. Finalmente, mais uma vez, as flores em botão se abrem

revelando no seu interior as caixas de Tixan Ypê e o slogan: “Colha o seu”. Assistimos a um improvável encontro entre uma bela mulher, um bosque,

carrinho de supermercado e caixa registradora. Em meio a esse cenário confuso, um

produto é anunciado como nosso melhor amigo para lavar roupas. Não só nosso, mas

também como o melhor amigo da natureza. O surgimento desse produto em meio à

abertura dos botões de flores nos deixa claro um movimento de “naturalização” feito

por esse anúncio, que nos apresenta o Tixan Ypê como se esse nascesse diretamente da

natureza. Outros componentes reforçam, no anúncio, essa ligação. O narrador diz que o

sabão em pó possui perfumes de flores, e que a Ypê (Química Amparos) é

sociambientalmente responsável, quando narra que o Tixan Ypê é amigo da natureza

por possuir menor teor de fosfato. O que nos diz que irá poluir menos os rios quando

este sabão for descartado. Todo o comercial se passa em um cenário “estratégico”, um

bosque ou uma floresta, com a presença de borboleta e beija-flor. Já que o Tixan Ypê

nasce em flores, não poderíamos estar em lugar mais adequado. Ao som das Valsas das

Flores, o comercial se desenrola. Essa música também nos reforça uma ligação ao

natural. Ela nos passa leveza, pureza e elegância. Tudo que podemos encontrar

“naturalmente” na natureza, natural esse cada vez mais representado, recriado e

resignificado pela cultura.

Também, cabe destacar, que mais uma vez aparece, como já é usual às peças

publicitárias de produtos destinados à limpeza e higiene, a tradicional representação do

feminino. No caso da Tixan Ypê, vemos uma bela jovem com sua cestinha e carrinho de

compras em um “suposto” supermercado (a floresta) comprando um sabão em pó.

Reforçando a ideia que temos da natural associação entre donas de casa e produtos de

limpeza. É essa mulher que escolhe, para comprar, o produto. É ela também que mais

do que comprá-lo, o colhe da flor de onde esse nascera no meio de um

bosque/supermercado qualquer. A escolha da moça foi justificada por tudo que o

narrador disse sobre as qualidades desse produto, enfatizando a melhor delas: ser amigo

da natureza. Nesse momento, podemos ver que esse sujeito feminino nos representa e ao

mesmo tempo nos ensina a preferir adquirir um produto que é “verde”,

“ecologicamente” correto, natural e seguro.

Indo para a imagem do produto, podemos ver que a sua própria embalagem

retrata a imagem das flores, de dentro das quais ele brota. E ainda encontramos inscrita

a palavra: PRIMAVERA. Ao final da propaganda, quando o narrador fala “Colha o

seu!!!”, aparece novamente o Tixan Ypê dentro das flores. Temos, mais uma vez, a

reafirmação da naturalização quase “caricata” desse produto.

“SOMOS PRODUTO DA NATUREZA”

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Sequência selecionada de imagens da peça publicitária “Natura Ekos – Somos produto da

natureza”

A imagem da empresa Natura com o slogan “bem estar bem” aparece centralmente na

tela em letras brancas contra um fundo preto. Por instantes essa imagem é fixa,

escutamos, então, o som de um instrumento de percussão que marca o início do que será

apresentado. Nesse momento os contornos do slogan tremem, imediatamente assistimos

a uma sequência de cenas que vão se alternando ao ritmo das batidas de um coração. É

tudo muito rápido. Num piscar de olhos e em deslocamento, uma floresta é apresentada

em recorte central, seguida pela imagem de um grande rio. O coração segue batendo,

vemos um papagaio vermelho que antecipa a próxima imagem: os olhos de jabuticaba

de uma criança. Na sequência, raios caindo ao som característico dessa ação. Na

próxima cena ouvimos ventos fortes que embalam as folhas de uma palmeira. Nesse

momento se inscreve na tela, em letras brancas, a palavra VOCÊ. Depois, uma imagem

que remete a uma ideia de espaço interno, talvez veias e artérias e nela, centralizadas as

palavras É FRUTO. Aqui já ouvimos antecipadamente o „canto‟ do pássaro Xexéu

(Cacicus cela) que nos olha na imagem seguinte dessa peça publicitária. A próxima

cena agrega mais um som à trilha sonora, é um ritmado tocar de tambores que

movimentam a cena em que vemos uma bela mulher branca, que olha pela janela de um

carro (ou ônibus), a paisagem em movimento. A palavra VOCÊ, surge agora na tela.

Imediatamente depois as palavras É VENTO vão se sobrepor à imagem de uma libélula

de asas azuladas e corpo vermelho pousada em um ramo de árvore, segundos antes de

voar. Na cena seguinte, espiamos por entre as folhagens um grupo de homens com

roupas simples se deslocando pela floresta, trazendo sobre os ombros cestos de palha.

Logo depois, vemos em foco fechado mãos que mexem em um punhado de sementes de

andiroba (Carapa guianensis). Novamente, por cima dessa imagem, lemos a palavra

VOCÊ. Dessa cena nos deslocamos para outro universo, o interior do corpo humano,

acompanhando o trajeto de um provável óvulo em deslocamento. Nesse momento lemos

na tela as palavras É SEMENTE. O próximo quadro é um pôr do sol apresentado em

ritmo acelerado. O tempo passa. Agora ouvimos uma música instrumental que vai

aumentando sua intensidade. Com essa trilha sonora ao fundo, um homem remando em

seu barquinho estreito atravessa um rio de larga extensão. Essa cena é vista do alto e

com a palavra VOCÊ no centro bem em cima do pequeno barco. Logo depois a imagem

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de uma folha pingando água, e essas gotas caindo no que parece ser um rio. Nessas

imagens as palavras: É RIO. A próxima imagem é de um pé de açaí em que mãos

humanas retiram seus frutos. Vemos de “soslaio” o rosto de um homem. Em seguida,

em enquadramento bem fechado, um belo rosto de uma onça-pintada extrapola os

contornos da tela. Na verdade, vemos um movimento da câmera que vai de um olho a

outro desse felino, mais uma vez lemos a palavra VOCÊ. Na cena seguinte as palavras

É BICHO, que completam a frase, aparecem centralizadas em um cenário urbano tendo

em destaque prédios sofisticados. Nesse momento, a música, em meio ao barulho do

vento, ao canto do pássaro e agora também sons de primatas, já está mais forte. Na

próxima cena um homem escala o longo tronco de um açaizeiro. Sua agilidade lembra

outros habitantes da floresta. Após, a câmera se desloca ao longo de toda a extensão de

um tronco de árvore filmado de baixo para cima que nos faz imaginar que pode ser a

nossa vez de escalá-la. Depois, uma imagem noturna de uma cidade iluminada vista do

alto onde aparece centralmente na tela a palavra VOCÊ. Posteriormente, é mostrada

uma dança folclórica onde as pessoas estão caracterizadas com chapéus e roupas com

pedaços de tiras nos tons laranja, vermelho e amarelo. Nessas cenas as palavras É

RAIZ. Em seguida, acompanhamos um homem remando sua canoa num rio, com a

floresta em suas laterais e o pôr do sol em vermelho, laranja e amarelo ao fundo. Temos

a sensação de estarmos dentro da canoa, pois a cena é filmada de dentro do bote, como

se estivéssemos sentados logo atrás do remador. Aqui, alguns elementos da trilha sonora

começam a ser retirados, ficando só os tambores, o vento e o assobiar do pássaro. As

próximas imagens parecem mais “flashes” rápidos de „objetos‟ distintos, porém, ainda

sim, conectados. Inicialmente uma imagem que remete à circulação sanguínea, na

sequência a imagem em detalhe das nervuras de uma folha e depois a imagem de um rio

do qual nos aproximamos através do movimento feito pela câmera. Em seguida, uma

mulher sorridente com sua filha no colo posa para a câmera em frente à sua casa. No

canto direito vemos desenhada na varanda a bandeira do Brasil. Logo abaixo dos rostos

de mãe e filha, aparece, pela primeira vez, a palavra SOMOS. Na próxima cena, os sons

vão diminuindo, na tela em fundo preto se deslocam microscópicas esferas esverdeadas.

A palavra PRODUTO surge centralmente por cima dessa imagem. O que termina e

completa o sentido dessa frase são as palavras DA NATUREZA, que se apresentam

centralmente na tela, por cima da imagem de um belo pôr do sol num rio. Temos, mais

uma vez a sensação, pelo recurso de filmagem usado, de estarmos navegando pelo

mesmo. Ao final de todo esse percurso e mais uma vez ao som de batimentos cardíacos

_ tal como no início desse filme publicitário_ vemos três cenas seguidas de produtos da

linha “Natura Ekos”. Esses aparecem iluminados, sendo destacados do fundo totalmente

preto. A última imagem é, mais uma vez, a da floresta vista em recorte central tal como

no início dessa peça. Na realidade, se trata da mesma imagem, porém em movimento

inverso. Ao invés de nos distanciarmos da floresta, agora nos aproximamos dela. Por

fim, por sobre essa imagem, aparece na lateral esquerda da tela o símbolo da empresa

Natura e em letras maiúsculas e escrito longitudinalmente o nome dessa linha de

produtos: EKOS.

O anúncio publicitário descrito acima é bastante complexo sob o ponto de vista

da análise. Na primeira imagem já vemos que se trata de uma propaganda da Natura,

seu logotipo chega primeiro juntamente com o seu slogan bem estar bem. As próximas

cenas são sequências de imagens que se alternam entre florestas, animais, ser humano

(da cidade, ribeirinhos, criança, mulher, homens etc), cidade, fenômenos da natureza,

paisagens. Além das alternâncias das imagens micro e macro, onde vemos imagens de

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dentro do corpo humano, como células, artérias e em seguida imagens grandiosas de

natureza. E dentro de tantos deslocamentos e cenas diferentes, as frases: “Você é

fruto.”; “Você é vento.”; “Você é semente.”; “Você é rio.”; “Você é bicho.”; “Você é

raiz.”; “Somos produto da natureza”. A Natura quando faz esses entrelaçamentos entre o

ser humano e a natureza quer nos conectar a natureza, tanto a exterior (florestas, bichos

etc) como a interior (nosso corpo). Observemos isso, logo no começo da propaganda

quando as primeiras imagens se desenrolam com o som das batidas de um coração,

fazendo com isso, nossa aproximação com a natureza e com a nossa própria natureza.

Com essa aproximação, nos deixamos seduzir pelas belas imagens, pelo som (de

animais e percussão) e pelo texto surpreendente que nos “intimida” e mostra uma

afirmação que parece subverter anos /séculos de uma determinada lógica de

representação da nossa relação com o mundo natural; na tela a afirmação: somos todos

(homem, bicho, planta, natureza) produto da natureza. Temos algo novo e contundente

nesse filme publicitário. A Natura, de certo modo inverte o que temos falado sobre a

naturalização do produto nas peças anteriores. Aqui, o que ela faz é naturalizar os

sujeitos e não o produto. O produto não precisa ser reconhecido como natural, ele já é

entendido como tal. Somos nós quem precisamos nos aproximar da natureza. O que essa

peça faz é nos provocar no sentido de “ensinar” um “novo” lugar no mundo, onde

nossas opções de consumo, nossos cuidados com os demais seres do planeta

testemunham o nosso novo pertencimento. Assim, a Natura, nesse filme, nos ensina a

todos, sobre essa conexão especial, sobre esse pulsar do planeta e da nossa própria

natureza, num movimento que une a todos.

No final da peça publicitária é que vemos as primeiras (e últimas) imagens dos

produtos da Natura Ekos. Quando as cenas dos produtos aparecem a música já parou e o

coração que ritmou o início do filme volta a bater, mais uma vez, aproximando o

produto da natureza e do humano.

Ao mostrar os diferentes lugares, pessoas e animais, o anúncio exibe uma

representação sobre o mundo, a qual encurta as distâncias e borra as fronteiras de uma

maneira contundente entre o “natural” (a natureza) e o humano; e também entre as

fronteiras geográficas e culturais (AMARAL, 1997a). Ainda com Amaral, podemos

aprender que hoje além do caráter informativo dos anúncios publicitários, temos a

emergência de um discurso que inclui significados simbólicos, que é o que a Natura faz

nessa peça publicitária. Com isso, ela nos diz que:

(...) nos diferentes anúncios publicitários, as mercadorias

apresentadas, em função das diferentes estratégias de significação a

que são submetidas, têm sido afastadas daquilo que era considerado a

sua função primária – a satisfação de necessidades – para se tornarem

comunicadoras de valores e significados (AMARAL, 1997a, p. 84).

Nesse sentido a Natura em sua estratégia de marketing vai mais longe. Ela

consegue fazer com que este filme publicitário se transforme, para algumas pessoas em

uma memória importante, em uma experiência rica de significados fazendo as pessoas

se conectarem com “a sua própria natureza”. No lançamento dessa campanha da linha

Natura Ekos, a Natura aproveitou o momento em que várias pessoas estavam no cinema

e realizou um happening. Medidores de batimento cardíaco foram espalhados pelas

poltronas da sala desse cinema. Conforme as pessoas iam se sentando nas poltronas

colocavam o dedo indicador nos sensores que mediam os seus batimentos cardíacos. A

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intenção era possibilitar que cada uma daquelas pessoas ouvissem o ritmo das batidas

do seu coração, ouvissem, conforme o que estava escrito na tela do cinema, a sua

própria natureza. Cada cadeira era um coração. O objetivo também era escolher, entre

os muitos corações, um que representasse todos ali presentes. O coração da poltrona 91

foi o escolhido. Isso foi anunciado na tela do cinema antes de passar a peça da linha

Natura Ekos – “Somos produto da Natureza”: “Poltrona 91, a trilha sonora deste filme

bate no ritmo do seu coração”. Enquanto assistimos ao filme/documentário que

apresenta essa experiência, observamos as pessoas e compartilhamos das suas reações.

Ao mesmo tempo lemos na tela as seguintes frases: “Todos nós somos natureza. Todos

nós pulsamos em nome dela.” No final desse pequeno filme, vários depoimentos foram

dados por aqueles que estavam dentro do cinema participando dessa interação. Um

deles em especial transmitiu bem o que a Natura pretendia: “Você se transporta para

aquela propaganda, você se coloca junto. Isso é bacana. Isso é fantástico. Na verdade, a

vida da gente é o pulsar. O meu ritmo no ritmo da propaganda, isso é fantástico”.

Considerações finais

No trabalho realizado representações de natureza como o contraponto negativo

de um produto, como o inferior, o menos sofisticado, o primitivo, o que precisa ser

“dominado” (o “meio chato”) não foram encontradas. Na verdade, o que podemos

afirmar é que a utilização da natureza como “próxima”, necessária, “amiga”, “aliada”

está cada vez mais presente. Porém, cabe pensar que existem também algumas

continuidades com aquilo que Amaral (1997a) encontrou em sua investigação. Essas

dizem respeito ao processo de naturalização onde imagens da natureza são capturadas,

passam a participar de uma rede de significação - através das estratégias de construção

dos signos, daquilo que é narrado, do enquadramento escolhido, da opção do foco, do

tipo de lente e iluminação, daquilo que se inscreve na tela organizando o que se quer

dizer - na qual não falam mais da natureza „em si‟, mas passam a funcionar como um

significado “vazio” a ser preenchido pelo produto, ou ainda, pelo o que o produto quer

comunicar. Cabe destacar ainda que esse processo de naturalização acontece de muitas

formas. Tanto em anúncios mais simples e fáceis de decifrar, como o do “Tixan Ypê”

apresentado nesse trabalho, até anúncios que trazem em sua história de produção uma

construção bem mais apurada e complexa como o anúncio da Natura Ekos. Outra

consideração a ser feita é que além de anunciar seus produtos, além de produzir

representações de natureza essas peças, principalmente a peça publicitária da Natura,

educam. Elas nos ensinam sobre sustentabilidade, sobre cuidar bem do planeta, sobre

sermos criteriosos na escolha dos produtos, sobre a economia local, sobre o nosso lugar

no circuito. Mais ainda, algumas delas nos ensinam que “Somos parte da Natureza” e

mais do que apenas anunciar essa nossa “nova”(?) identidade, nos permitem

experimentá-la. Enfim, acreditamos ser possível afirmar que o discurso publicitário

continua sendo um lugar importante de produção de representações de natureza na

cultura. É também um dos lugares onde podemos observar as mudanças que vão

acontecendo justamente nos diferentes modos de falar da natureza, de significar o

natural e de nos instruir em relação as formas de nos relacionarmos com ela.

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Referências

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