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Ano 10 | outubro de 2010 | ISSN 16790995 1 Mídia sem feminismo: o olhar de monografias em Jornalismo sobre a condição feminina no Rio de Janeiro Nemézio C. Amaral Filho 1 O feminismo está morto? Para algumas opiniões qualificadas e supostamente insuspeitas, como a da filósofa inglesa Alison Wolf, a resposta é sim (Folha de São Paulo, 2 abr. 2006); para outras, a exemplo do que pensa o sociólogo sueco Göran Therbon, o movimento está pelo menos moribundo no mundo ocidental (Folha de São Paulo, 19 fev. 2006) ou em sociedades hibridizadas como a brasileira; isso justificaria a assunção de ícones do chamado “pós-feminismo” com fortes opiniões contra a “antiga” versão do feminismo (tomemos como exemplo dessa posição a própria Wolf e uma das principais teóricas do chamado pós-feminismo, a escritora ítalo- 1 Doutor em Comunicação e Cultura (ECO/UFRJ), professor da Universidade Estácio de Sá. E-mail: [email protected] . Agradeço às críticas e sugestões de Lorraine Leu (Universidade de Bristol), Emmanoel Boff (Universidade Federal Fluminense), de Lisa Shaw (Universidade de Liverpool), Raquel Paiva (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Fulvia Rosemberg (Fundação Carlos Chagas) e da professora e jornalista Sandra Almada. Qualquer permanência em incorreções e/ou imprecisões, entretanto, é de minha inteira responsabilidade. Agradeço ainda ao empenho da bolsista do Laboratório de Estudos de Comunicação Comunitária (LECC) da ECO/UFRJ, Nathália Ronfini, no auxílio ao trabalho braçal em busca de material de análise, trabalho sem o qual, enfim, não se faz pesquisa acadêmica.

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Ano 10 | outubro de 2010 | ISSN 16790995

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Mídia sem feminismo: o olhar de monografias em Jornalismo sobre a condição feminina no Rio de Janeiro

Nemézio C. Amaral Filho1

O feminismo está morto? Para algumas opiniões qualificadas e

supostamente insuspeitas, como a da filósofa inglesa Alison

Wolf, a resposta é sim (Folha de São Paulo, 2 abr. 2006); para

outras, a exemplo do que pensa o sociólogo sueco Göran

Therbon, o movimento está pelo menos moribundo no mundo

ocidental (Folha de São Paulo, 19 fev. 2006) ou em sociedades

hibridizadas como a brasileira; isso justificaria a assunção de

ícones do chamado “pós-feminismo” com fortes opiniões

contra a “antiga” versão do feminismo (tomemos como

exemplo dessa posição a própria Wolf e uma das principais

teóricas do chamado pós-feminismo, a escritora ítalo-

1 Doutor em Comunicação e Cultura (ECO/UFRJ), professor da Universidade Estácio de Sá. E-mail: [email protected] . Agradeço às críticas e sugestões de Lorraine Leu (Universidade de Bristol), Emmanoel Boff (Universidade Federal Fluminense), de Lisa Shaw (Universidade de Liverpool), Raquel Paiva (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Fulvia Rosemberg (Fundação Carlos Chagas) e da professora e jornalista Sandra Almada. Qualquer permanência em incorreções e/ou imprecisões, entretanto, é de minha inteira responsabilidade. Agradeço ainda ao empenho da bolsista do Laboratório de Estudos de Comunicação Comunitária (LECC) da ECO/UFRJ, Nathália Ronfini, no auxílio ao trabalho braçal em busca de material de análise, trabalho sem o qual, enfim, não se faz pesquisa acadêmica.

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americana Camille Paglia). São intelectuais que transitam com

certa facilidade do discurso acadêmico ao midiático,

principalmente nos Estados Unidos, como faz Paglia ou a

escritora e diretora de TV estadunidense, Anne Kreamer.

De todo o modo, a mulher contemporânea no Ocidente

é resultado da mais importante revolução do século XX, a

revolução feminina (HOBSBAWM, 1995), ainda que para

autores como Therborn, os movimentos feministas não

tenham tido grandes significados fora das regiões anglo-

saxões (citado por HOBSBAWM, 2006). De todo modo, as

influências na sociedade brasileira se fizeram sentir,

principalmente depois da forte mobilização do feminismo

enquanto movimento político no País nos anos 70 e 80

(ÁLVAREZ, 2000; CORRÊA, 2001), de sua reorganização nos

anos 90 (ÁLVARES, 2000) e mesmo agora, com sua aparente

ausência de bandeiras mobilizadoras e aglutinadoras ao fim da

primeira década deste novo milênio. E isso acontece mesmo

que as marcas do feminismo e do feminino contemporâneo

nem sempre sejam objetivamente percebidas, racionalizadas,

pela maioria das mulheres brasileiras, elas que são o sujeito-

objeto das consequências da revolução feminina do século

anterior e as agentes de transformações ora em curso, para o

bem e para o mal.

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Obviamente, as representações da mídia não estiveram

isentas das re-configurações sociais provocadas pelos novos

papéis assumidos pelas mulheres. Foram re-elaborados os

discursos (ainda que, como veremos mais à frente, muitas

vezes com o mesmo objetivo padronizador) ao longo, por

exemplo, na história das revistas destinadas ao público

feminino; discursos jornalísticos, no Brasil, iniciados pela

revista O Espelho Matutino, em 1827 (BUITONI, 1977),

passando pelos da Querida e seus conselhos de como ser uma

boa esposa, ao longo dos anos 50, chegando aos das revistas

dos anos 2000 e suas “100 maneiras de enlouquecer um

homem na cama”. Claro que é possível identificar nichos

diferenciados de representação no interior mesmo de revistas

femininas de grande tiragem ou de publicações menos

conhecidas e com propostas editoriais não homogeneizantes

(sexo, beleza física, culinária e horóscopo), mas é

compreensível que as pesquisas em Comunicação optem por

analisar os discursos padronizados de algumas das principais

revistas impressas da chamada grande mídia no Brasil. Parte-

se do pressuposto que estas publicações ajudam a construir

uma forma de “ser mulher” em v|rios segmentos sociais no

País. Esta preocupação em identificar estes discursos é

verificada em pesquisas na pós e na graduação. É desta última

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que gostaríamos de nos ater. E não em função de uma

improvável excelência acadêmica que embora desejável, não

esperamos encontrar nestes trabalhos, mas sim pela direção

que estas monografias apontam às futuras pesquisas, já na

pós-graduaçao. Entretanto, centremo-nos agora na graduação,

neste primeiro contato discente com a pesquisa acadêmica,

com a seguinte pergunta norteadora: como a mulher tem sido

analisada teoricamente por futuras pesquisadoras e/ou

profissionais em Jornalismo, na cidade do Rio de Janeiro, ao

longo desta primeira década dos anos 2000?

O que propomos não é o simples resultado de uma

análise solitária. Além de consultarmos as 122 monografias

defendidas em Jornalismo na Escola de Comunicação da

Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ) nesta

década que tiveram a mulher como tema, também expomos

aqui apontamentos oriundos de três anos de nosso

compartilhamento de pesquisa professor-alunas, autoras de

trabalhos monográficos de conclusão do curso de Jornalismo

na Universidade Estácio de Sá (Unesa), também na cidade do

2 Existe uma licença investigativa nas monografias de graduação em Jornalismo, o que permite que muitas pesquisas versem sobre cinema, telenovelas ou seriados. Mas, para o nosso objetivo aqui, consideramos apenas os trabalhos sobre Jornalismo. No caso da ECO, dez das 12 monografias consultadas trataram especificamente da representação jornalística.

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Rio de Janeiro. Em nosso caso, se as análises das alunas foram

fortemente influenciadas pelo orientador, este também teve a

sua percepção alterada pelo que as estudantes verificaram nos

corpus de pesquisa (os próprios veículos e seus discursos), e

de como isso nos conduziu a uma escolha metodológica (a

análise cultural do discurso) passível de ser reproduzida em

outras pesquisas em torno da questão “mulher” na

contemporaneidade. Citaremos ao final de nosso texto o

levantamento produzido por quatro monografias orientadas

por nós. Todas tiveram como tema a condição feminina

representada nas revistas destinadas às mulheres. Um pouco

antes, descreveremos minimamente algumas transformações

intelectuais que atingiram as jovens ao longo do processo da

pesquisa de gênero em Comunicação (admitindo que este

processo de transformação é parte da própria “justificativa” de

suas investigações). Talvez isso ajude a esclarecer como,

mesmo não havendo uma linha de pesquisa sobre o tema na

graduação da Unesa (assim como em vários outros cursos de

Jornalismo, inclusive os das públicas), esta preocupação

analítica em torno do tema mulher se repete com relativa

(ainda que dispersa e espontânea) freqüência na graduação

em Jornalismo. Antes, porém, acreditamos ser necessária uma

breve explicação sobre o recente interesse do Campo da

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Comunicação pela pesquisa com recorte de gênero e de como

isso se apresenta no momento no âmbito da graduação em

Jornalismo.

Segunda metade do século XX: a mulher como sujeito histórico

Nos anos 60, Edgar Morin foi o responsável por

introduzir no pensamento francês o conceito de industria

cultural (MATTELART & MATTELART, 2001), suficientemente

debatido para que tenhamos que voltar a ele neste curto

espaço. Para nós, o importante no trabalho de Morin é que, em

meio as suas reflexões sobre a importância que a mídia

assumiu na vida das pessoas e o questionamento de valores

criados a partir daí, uma constatação tornara-se incômoda nos

agitados anos 60 na Europa, particularmente na França e sua

revolta juvenil, e nos Estados Unidos com seus valores

questionados pelo movimento da contracultura (eventos que

representavam o objeto de análise daquilo que Morin

chamara de “sociologia do presente”, ou seja, a an|lise dos

acontecimentos levaria a revelações sociológicas): a mulher

jamais fora definida sociologicamente (MORIN, 2003). Isso, de

alguma maneira, já fora intuído por Foucault (2002) que, em

seu monumental trabalho sobre a construção das Ciências

Humanas, As palavras e as coisas, não identifica a mulher como

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sujeito histórico no Ocidente até o momento em que o livro

fora publicado pela primeira vez, em 1966. Não porque

Focault assim não o quisesse, mas a própria idéia de Ciências

Humanas foi erguida em torno da figura do homem. Para

Morin, o principal obstáculo teórico para se pensar a mulher

era a recorrente tentativa de reduzir o “problema feminino” {

“luta de classes entre proletariado oper|rio e burguesia

capitalista” (Op. cit., p.157). Mas, para ele, “(...) as primeiras

diferenciações, as primeiras divisões do trabalho se efetuam

pela separação dos sexos e das idades. O problema da mulher

se situa, pois, ao nível do arcaísmo fundamental: concerne às

próprias bases do sistema social” (Op. cit., p. 158).

A entrada maciça da mulher no mercado de trabalho,

principalmente durante e após a Segunda Guerra Mundial,

fomentou a criação de uma intelligentsia feminina, o que

levava à socialização da mulher. A cultura da feminilidade

passou a crescer na mídia, fundamentalmente na imprensa

feminina, entretanto, ignorando a ideologia feminista que, por

sua vez, ignorava a cultura da feminilidade (Op.cit.: 2003). Mas

ainda não é o momento de enfrentarmos esta aparente

contradição. Por hora, concordemos com Stuart Hall (2002),

que localiza o movimento feminista como um dos grande cinco

avanços na teoria social e das Ciências Humanas, ocorridos na

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segunda metade do século XX (ao lado do pensamento

marxista, do conceito do inconsciente em Freud, da lingüística

estrutural de Ferdinand de Saussure e da “genealogia do

sujeito moderno” levado a cabo por Michel Foucault). Estes

avanços seriam os respons|veis pelo “descentramento do

sujeito cartesiano” ou do sujeito na modernidade tardia. Este

sujeito estaria se deslocando para um outro momento. Como o

feminismo compõe um destes cinco descentramentos do

sujeito para Hall? Primeiro, ele entende o feminismo “tanto

como uma crítica teórica quanto como um movimento social”;

trata-se de um dos mais importantes movimentos sociais que

emergiram nos anos 60 (“o grande marco da modernidade

tardia”). “O feminismo questionou a noção de que homens e as

mulheres eram parte da mesma identidade, a Humanidade,

substituindo-a pela questão da diferença sexual” (Op. cit., pp.

34-46). O feminismo teve grande receptividade junto aos

Estudos Culturais, que tem em Stuart Hall um de seus

principais personagens. Mas este encontro não se deu sem

tensões e distensões que abordamos aqui por acreditarmos

que o próprio pensamento sobre a mulher nas Ciências Sociais

seria influenciado pelo que se verificou naquele momento.

Em 1964, foi fundado na Universidade de Birmingham,

o Centre of Contemporary Cultural Studies. Quatro anos

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depois, Hall assumiria o cargo de diretor, substituindo Richard

Hoggart até, 1979. Entre 68 e 69, o Centro levou adiante

“estudos sobre as representações e a ideologia da

feminilidade” (MATELLART e MATELLART, 2001: 108-9).

Anos depois, Hall diria que houve a intenção de atrair o

movimento feminista, de inserir os trabalhos de qualidade

oriundos do movimento nos Estudos Culturais. Mas muitas

mulheres viram aquela intenção dos “homens transformados”

(ou “novos homens”) com desconfiança. Hall admitira que

descobrira a “natureza sexuada do poder”, que se manifestava,

por exemplo, na leitura curricular para a aprendizagem da

pr|tica dos Estudos Culturais: “Falar de abrir mão do poder é

uma experiência radicalmente diferente de ser silenciado”

(HALL, 2003: 209-10). Hall afirma que o feminismo explodiu

teoricamente nos Estudos Culturais, mas não surgiu

exatamente ali, como alguns insistem em fazer crer. Ao falar

dos conflitos internos que o fizeram re-avaliar a necessidade

de manter-se à frente do Centro, mais uma vez as tensões com

as intelectuais feministas se fez presente.

A questão do feminismo foi muito difícil de levar por duas razões. Uma é que se eu tivesse me oposto ao feminismo, teria sido uma coisa diferente, mas eu estava a favor. Ser alvejado como ‘inimigo’, como a figura patriarcal principal, me colocava numa

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posição contraditória insuportável. É claro que as mulheres tiveram que fazer isso. Elas tinham toda razão em fazer isso. Tinham que me calar, essa era a agenda política do feminismo. Se eu tivesse sido calado pela direita, tudo bem, nós todos teríamos lutado até a morte contra isso. Mas eu não podia lutar contra as minhas alunas feministas (....) Não foi nada pessoal. Sou amigo de muitas feministas daquele tempo. Foi uma coisa estrutural. Eu não poderia produzir nada de útil no Centro, ocupando aquela posição. Era hora de partir (Op. cit., pp. 429-30).

Nota-se assim que mesmo com distensões, inclusive

com os aliados teóricos e políticos, o feminismo ajudou a

reconstruir o social, borrando a fronteira entre as questões

publicadas e privadas (no sentido das relações familiares),

especificando a natureza patriarcal na sociedade civil (HALL,

2002; BHABHA, 2003; MORIN, 2003). Na Americana Latina, o

diálogo do feminismo com outras correntes progressistas

também deixaria suas marcas.

Nos anos 60 e 70, as feministas perceberam que

ninguém vive numa sociedade machista impunemente, sem

preconceitos: a opressão às mulheres era profundamente

cultural, o que explicava o porquê de grande parte da esquerda

militante e intelectual ser atravessada pelo sexismo, de resto

como toda a sociedade. Nesse sentido, o feminismo funcionou

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inclusive como uma crítica à esquerda, o que fortalecia a idéia

de que a luta das mulheres deveria se travada também no

cotidiano, ou seja, para além das estruturas de domínio

classista. Nos anos 80, feministas procuravam a autonomia

total em relação às esquerdas. Interessava uma luta mais geral,

mais plural, não apenas a construção de uma agenda política.

Desta maneira, na segunda metade dos anos 80 e a década

passada se destacaram as questões femininas e suas interfaces

com a ecologia, a etnia, a religião e a orientação sexual, ente

outros, em toda a região latino-americana. Verificou-se ainda

uma assimilação de algumas práticas feministas por ONGS

bancadas por organismo externos, notadamente norte-

americanos, e mesmo a institucionalização dessas práticas por

organismos de diversos estados nacionais, o que, se

apresentava aspectos claramente positivos, também

representava um engessamento da luta da mulher por

programas de governo (ALVAREZ, 2000).

Já o feminismo contemporâneo brasileiro teve sua

maior expressão nos anos 70, na análise de Mariza Corrêa

(2001). A luta feminista estava atrelada aos movimentos

sociais, ao Partido Comunista e a batalha contra a ditadura

militar. Isso criava, é claro, problemas estruturais. Para os

comunistas, todos deveriam ser unir em torno da “luta mais

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ampla”, a derrubado do regime de exceção, argumentos que

serviram para justificar um ataque à participação de lésbicas

no movimento e a realização de um congresso feminista. Mas

havia, nas palavras de Corrêa, “uma euforia participativa” nas

ruas e na Universidade, principalmente no âmbito das Ciências

Sociais, receptivas aos estudos sobre a mulher e homossexuais

no final da década de 70, com forte influência da Antropologia

e da contribuição teórica de Michel Foucault. A temática

feminina, entretanto, não entrou sem resistência no mundo

acadêmico o que explicaria ausências bibliográficas

acentuadas no início desta década sobre as relações entre

“raça” e gênero (Ibidem).

E o que foi feito do movimento feminista neste fim de

primeira década do novo milênio? Alison Wolf (Folha de São

Paulo, 2 abr. 2006, Mais!, p. 5), em entrevista, vaticina:

Acho que o feminismo acabou, na verdade. Ainda temos pessoas protestando de forma isolada. Há especialmente as mulheres feministas jornalistas que gostam de apontar casos de preconceito ou dificuldades no mercado de trabalho, mas o movimento chegou ao fim. Tenho uma filha, e para a geração dela, além de não haver a prioridade em ter filhos, não existe nenhuma atualidade no feminismo.

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Antes disso, no mesmo espaço, ela já fora ainda mais

corrosiva:

(...) Acho que o feminismo sempre foi um movimento desonesto. Ele se apresentava como um movimento que defendia o interesse de todas as mulheres, mas era apenas voltado a uma minoria de mulheres da elite, mas com um discurso de que todas as mulheres são iguais e querem as mesmas coisas. Acho que é um movimento que generaliza de uma perspectiva de mulheres midiáticas que defendem interesses privados como se fossem de todas as mulheres (Op. cit., grifo nosso).

Ela não é uma voz isolada no cenário internacional em

meio a esse movimento batizado de pós-feminismo. Camille

Paglia, por exemplo, acredita que o feminismo errou ao ter

reduzido a importância do feminino. Por exemplo, “o

movimento feminista tende a denegrir [sic, na tradução

jornalística] ou marginalizar a mulher que quer ficar em casa,

amar seu marido e ter filhos, que valoriza dar à luz e criar um

filho como missão central de sua vida”. E aconselha: “Est| mais

do que na hora de o feminismo conseguir lidar com a

centralidade da maternidade” (Folha de São Paulo, 21 out.

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2207, Mundo, p. A 26). A opinião da norte-americana ganha

mais peso quando se sabe que ela é uma bissexual assumida e,

nos anos 1990, elegeu Madonna como símbolo forte, na

cultura pop, da nova mulher (ainda que mais recentemente

tenha classificado a cantora, assim como o falecido astro

Michael Jackson, como uma estrela que “decaiu lentamente do

ofuscante cume de seu brilho artístico” [Cult, nº 138, ago. 2009,

p. 31]). Numa perspectiva mais psicanalítica, Maria Rita Kehl

acredita que, de fato, algo mudou nas relações entre mãe e

filhos, resultado de transformações sociais inarredáveis, mas

que uma nova ética das relações entre homem e mulher,

envolvendo as crianças, ainda pode ser construída.

Ao longo de um século de peregrinações femininas, os filhos vêm perdendo muito de seu antigo lugar junto às mães – um tanto da antiga proteção, da disponibilidade, da continuidade; mas também um pouco do papel de consolo, de falo, de compensação pelas inúmeras renúncias impostas às mulheres. Saíram ganhando e perdendo. Uma ética que leve em conta as injunções masculinas e femininas ainda está por ser formulada, e com ela a garantia de um lugar mais favorável e – por que não? – mais feliz para as crianças (2007: 384).

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Voltemo-nos à geração da década de 60, exaltada por

Morin. Era composta por mulheres da geração baby boomer.

Algumas delas, que décadas atrás foram forçadas pelas

exigências do movimento histórico a atitudes mais

radicalizadas, como a queima de sutiãs e passeatas por

políticas públicas destinadas à mulher, hoje se vêem às voltas

com demandas aparentemente – e, em nossa opinião, só

aparentemente – menos importantes: como o direito de expor

os cabelos grisalhos, como a já citada Anne Kreamer (Folha de

São Paulo, 23 de set. 2007, Mundo, p. A 23). Ela chegou a

produzir um livro sobre a questão: Going gray: what I learn

about beauty, sex, work, motherhood, authenticity and

everything else that really matters. E por que a discussão em

torno de cabelos grisalhos é importante? Porque numa

sociedade midiatizada, ou seja, mediada pelos meios de

comunicação o julgamento estético do Outro também

configura um julgamento ético do Outro (SODRÉ, 1999; 2005).

Aceitamos ou não determinada representação porque há um

contexto social – e, na sociedade atual, profundamente

ditado pela mídia – que faz com que aquela figura seja

esteticamente aceitável; quer dizer, passe pelo crivo ético da

consciência coletiva. Desta maneira, expor os cabelos grisalhos

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é só superficialmente uma questão menos importante em meio

aos códigos de representação da mulher ocidental, justamente

esta mulher, cercada por discursos midiáticos que lhe afirmam:

você não tem o mesmo direito ao envelhecimento que um

homem; seja jovem para sempre ou saia do mercado –

qualquer mercado.

Pesquisa em Jornalismo na graduação e a representação da mulher

E a partir desta argumentação, isto é, o julgamento

ético/estético da mulher atravessado pela mediação dos meios

de comunicação massivos, que o estudo da mulher a partir do

Campo da Comunicação se faz particularmente imprescindível

em nossa proposta de análise de monografias de graduação

em Jornalismo sobre o tema. Escosteguy (2005) lembra que a

partir do texto seminal, de 1973, de Stuart Hall, Ecoding and

decoding in the television discourse, é possível optar pelo

abandono de um modelo behaviorista e sugerir que a

mensagem é decodificada de maneira diferente pelos

diferentes membros da audiência, proposição que foi

confirmada mais tarde, em 1980, por David Morley e sua

pesquisa empírica sobre a forma como grupos distintos

recebiam o programa Nationwide. “Entendeu-se que os textos

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midiáticos abriam espaço para a resistência e reação da

audiência”. Para a autora, a perspectiva feminista nos estudos

de mídia no contexto anglo-americano proporcionou “novos

questionamentos em torno de matérias referentes à

identidade, pois destacou novas variáveis na sua constituição,

deixando de ver os processos de construção da identidade

unicamente por meio da cultura de classe e de sua transmissão

geracional” (Op. cit., p.140). Em sua abordagem sobre

identidade e diferença, Tadeu da Silva (2006: 89) aponta para

conclusão similar.

Ao chamar a atenção para o caráter cultural e construído do gênero e da sexualidade, a teoria feminista e a teoria queer contribuem, de forma decisiva, para o questionamento das oposições binárias – masculino/feminino, heterossexual/homossexual – nas quais se baseia o processo de fixação das identidades de gênero e das identidades sexuais. A possibilidade de “cruzar fronteiras” e de “estar na fronteira”, de ter uma identidade ambígua, indefinida, é uma demonstração do caráter “artificialmente” imposto das identidades fixas. O “cruzamento de fronteiras” e o cultivo propositado de identidades ambíguas é, entretanto, ao

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mesmo tempo uma poderosa estratégia política de questionamento das operações de identidade.

No cenário brasileiro, levantamento feito por

Escosteguy (2005) constatou que não existe uma formalização

entre os estudos de recepção e os estudos feministas.

Entretanto, a pesquisa em recepção parece ter se apropriado

da categoria “gênero” como uma diferenciação meramente

biológica entre masculino e feminino, correndo o risco de

sucumbir a um discurso essencialista sobre o “gênero”.

Escosteguy também cita levantamento de Mercedes Charles,

publicado em 1996, sobre as investigações envolvendo

mulheres e meios de comunicação na América Latina. A

pesquisa mostra que as investigações centradas no receptor

têm como alvo as mulheres adultas; ficam de lado as jovens, as

crianças e as idosas e, quase sempre, não há um recorte étnico

ou “racial” (CHARLES apud ESCOSTEGUY, 2005). Escosteguy

procedeu à análise de teses e dissertações brasileiras na

década de 90, além da leitura de artigos e relatos de pesquisa

em publicações latino-americanas e descobriu a inexistência

de uma problematização de gênero nos estudos culturais

latino-americano sustentados nos estudos de recepção.

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Argumentamos aqui que uma visão culturalista, pós-

estruturalista, para estudar a representação da mulher na

mídia traz grandes contribuições para a pesquisa no âmbito da

graduação, principalmente na sempre necessária crítica aos

essencialismos de gêneros verificados tanto nos discursos

midiáticos como em análises acadêmicas, principalmente as

marcadamente militantes, acentuadamente na graduação.

Vimos acima que existem várias lacunas nas pesquisas em

Comunicação quanto ao tema mulher, notadamente as

voltadas para os estudos em recepção – essas lacunas

precisam ser preenchidas no âmbito das investigações latino-

americanas em geral e brasileiras em particular. Se os

problemas são dessa envergadura na pós-graduação, por que

nossa insistência na relevância da pesquisa na graduação em

Jornalismo sobre o tema? Qual a importância das monografias

produzidas sobre a mulher por jovens iniciantes

pesquisadoras? Por que estes trabalhos deveriam ser tão

incentivados quanto às pesquisas de mestrado e doutorado

sobre as questões de gênero nos cursos de Comunicação? E

mais ainda: por que, e com que novos arcabouços teóricos, se o

feminismo “est| morto”?

Primeiro, devemos esclarecer que as pesquisas em

Comunicação que abordam a mulher na mídia em sua maioria

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tratam da representação feminina. A forma como a

representação é entendida em nossa argumentação – e não

necessariamente pelas monografias mencionadas a seguir –

funciona como um conceito de análise da mídia e obedece a

uma proposta pós-estruturalista, ou seja, é concebido como

um sistema de significação, avesso aos essencialismos, as

coisas como dadas, naturalizadas, ressaltando seu estatuto

significante. Em acordo com as palavras de Tadeu da Silva

(2006: 91): “A representação é, aqui, sempre marca ou traço

visível, exterior”. Nessa perspectiva, “(...) o conceito de

representação incorpora todas as características de

indeterminação, ambigüidade e instabilidade atribuídas à

linguagem. (...) a representação é um sistema lingüístico e

cultural: arbitrário, indeterminado e estreitamente ligado às

relações de poder”. Em resumo: “Quem tem o poder de

representar tem o poder de definir e determinar a identidade”.

Isto posto, ressaltemos o fato de que o objeto geral

“mulher” ainda aparece raramente na pesquisa em

Comunicação, principalmente no âmbito da graduação. Por

exemplo, consulta feita por nós na biblioteca ECO/UFRJ

constatou que ao longo desta primeira década do século XXI,

poucas monografias que tiveram a representação da mulher

direta ou indiretamente como objeto foram defendidas; e, das

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defendidas, todas foram escritas por mulheres. São

monografias que versam sobre a representação em

campanhas publicitárias, nas revistas femininas e no discurso

telejornalístico. Bem poucas fazem análises mais aguadas

contra discursos limitadores do feminino construídos pelas

próprias mulheres – em revistas, por exemplo –, como se a

condição de gênero naturalmente as protegesse de uma

inscrição cultural marcadamente machista. Estes trabalhos

monográficos3 diferem qualitativamente – assim como em

qualquer universidade –, mas têm algo em comum: quase

todas não explicitam o método teórico utilizado para analisar a

mulher. Mas, uma vez que a Comunicação localiza seu objeto

de investigação nos media é preciso definir como é feita esta

“observação social da realidade a partir dos meios de

comunicação” (MARTINO, 2002: 31). Nestas monografias

consultadas, o método de coleta de dados é quase sempre

desenhado com clareza, mas há uma profunda ambigüidade em

como estes dados são teoricamente interpretados. Sugerimos

3 Os temas que as monografias que consultamos na ECO se propuseram investigar (alguns são coincidentes ou parecidos, replicam-se): imprensa feminina e construção da identidade no século XX; o uso de veículos de comunicação por prostitutas; revista feminina e saúde da mulher; estudo de caso de revistas generalistas sobre a mulher; a construção da imagem feminina nas capas de revista; beleza feminina e “realidade”; as relações entre mulher, a mídia e o poder; a evolução das revistas femininas, o discurso telejornalístico da beleza feminina.

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que isso deveria ser melhor observado por três motivos

fundamentais. Primeiro, porque uma monografia é antes de

tudo um exercício acadêmico, seus autores submetem seus

trabalhos à análise de especialistas que avaliam se os alunos

deram conta daquilo que se propuseram investigar. Segundo,

porque este é o primeiro contato de jovens pesquisadores com

uma investigação acadêmica em Ciência Humanas, cujo

objetivo último é a construção do senso crítico erguido sobre o

questionamento do comportamento humano em um meio

cultural, o que não é tarefa primordial das chamadas “ciências

duras”. Esta lapidação do senso crítico é um trabalho cada vez

mais fundamental das Ciências Humanas, em que pese os

ataques que vem sofrendo4. Dito de outro modo, para que as

pesquisas tendo a mulher como objeto possam efetivamente

auxiliar na formação desse senso crítico, as monografias

deveriam ser idealmente encaradas com mais de que peças

burocráticas, mais do que rituais de passagem com

“conclusões” sonolentas com o único objetivo de autorizar o

aluno a sair da universidade para “o mercado”.

4 Para uma discussão sucinta, mas suficientemente precisa, sobre estes ataques reais ou em curso contras as Ciências Humanas nos principais centros ocidentais ver a série de depoimentos de acadêmicos em Cult, nº 138, ago. 2009.

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Mas, se há críticas às nossas conduções monográficas,

também há avanços. E estes avanços acontecem apesar de

algumas limitações bem reais, como a já mencionada condição

de iniciante das pesquisadoras (o que também se configura

numa nem sempre saudável rebeldia intelectual), o tempo

limitado para a produção da monografia (supostos seis meses,

mas na prática quase nunca é assim, sem contar com as outras

atividades das alunas), a resistência das empresas de

comunicação em se submeterem ao escrutínio da pesquisa

acadêmica, e a sobrecarga de trabalho de professores, o que

nem sempre permite a orientação adequada (e, sim, a

orientação possível).

Continuando, o mais elementar dos avanços é a

enorme quantidade de material bruto coletado (descrição de

vários veículos de comunicação) nas monografias. Some-se a

isso que tanto em monografias defendidas em centros como a

ECO como aquelas conduzidas em nossas orientações na

Unesa parece haver uma concordância em certas tendências

de pesquisa, ao menos até o ocaso desta década. Apontamos

algumas das tendências que identificamos: a) uma

preocupação em se entender os códigos que determinam os

padrões de beleza e como isso molda o comportamento

feminino; b) há destaque ao levantamento histórico da

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imprensa feminina; c) é insignificante a presença do “Outro

Cultural” (ou seja, em oposição ao padrão de beleza idealizado:

loura, jovem, malhada, linda e heterossexual) na mídia (onde

estão as negras, as “indígenas”, as orientais, as muçulmanas, as

lésbicas?), além do fato deste “Outro” receber quase nenhum

destaque na maioria das pesquisas na graduação; d) há um

monopólio da pesquisa do objeto mulher por pesquisadoras na

graduação, quer dizer, as questões de gênero, são

transformadas em questões de “sexo” e, em certo sentido,

podem perigosamente ser entendidas como objetos de

investigação essencialmente destinados às mulheres; e) e, por

fim, estas lacunas investigativas são tornadas cada vez mais

evidentes com as monografias que são produzidas sobre o

assunto e talvez esta seja a maior contribuição destes

trabalhos – a comprovada necessidade de prosseguimento das

pesquisas na pós-graduação. E isso só aumenta a importância

dos levantamentos monográficos.

Para além disso, o que muitos professores-

orientadores observam que é na construção de monografias

em Jornalismo que têm a mulher como objeto, muda a forma

como muitas de suas autoras se vêem. Talvez neste ponto de

nossa argumentação algumas considerações sejam necessárias

até mesmo para descrevermos melhor nossa própria

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experiência com a orientação de monografias sobre o tema. A

pesquisa na graduação em Comunicação de um modo geral,

mais do que qualquer outra disciplina do conhecimento,

interroga padrões solidamente estabelecidos e naturalizados

no senso comum pela mídia. É a mesma mídia para qual a

esmagadora maioria destas jovens anseiam trabalhar. Para

fazer seu trabalho acadêmico, entretanto, elas precisam despir

estereótipos. Mas o estereótipo é um poderoso instrumento

comunicante que a mídia acessa facilmente quando precisa

comunicar para grandes audiências, sem a individualização de

sujeitos. Mais f|cil generalizar “o gay”, “o negro”, “a mulher

brasileira”, do que debater as particularidades do maior

número possível de membros de cada uma dessas “categorias”.

É na monografia, ao investigar formações identit|rias “j|

dadas”, que v|rias pesquisadoras descobrem que aquilo “que é

assim e pronto” foi socialmente construído; e, como toda

construção social, pode ser questionado. Estas descobertas

freqüentemente se dão com alguma crise interna.

Nossa opção para pôr em relevo as construções sociais

midiatizadas nas monografias por nós orientadas foi pela

Análise do Discurso (AD). Os resultados surpreendentemente

positivos. A Análise do Discurso não é uma metodologia

exatamente fácil e muitos fogem dela na graduação. Para nós,

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entretanto, foi gratificante ver como as alunas, mesmo sob a

pressão do tempo, reagiram bem ao método, que a um só

tempo é um instrumento de aferição e de análise-teórica, o que

não a impede de ser utilizada ao lado de outras teorias

culturais. Além disso, trata-se de uma metodologia

generalizável, que tem seus passos refeitos, levando a uma

pesquisa passível de ter suas conclusões referendadas ou não.

Para a aceitação do método pelas alunas, foi fundamental o

esforço de simplificação e sumarização do professor da

ECO/UFRJ, Milton José Pinto, autor do ótimo Comunicação e

discurso (2002), utilizado por nós em quase todas as

monografias na Unesa que tiveram a AD como método. O livro

abriu um leque de possibilidades às pesquisadoras e as

estimulou a outras leituras nesta direção investigativa.

Os discursos que nossas alunas na Unesa analisaram

eram formados por textos, fotos, desenhos, tamanho,

disposição de matérias nas páginas, qualquer coisa que

“quisesse dizer alguma coisa”. Por exemplo, a construção do

corpo nas revistas de boa forma física, padrões de consumo

em revista de moda, a representação sexual das adolescentes

em revista teen, ou, talvez a mais original delas até agora: a

identificação do machismo nas páginas das revistas femininas

no Brasil, seja nos anos 50 do século passado, seja nos dias

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correntes. A aluna analisou revistas feitas ontem e hoje

majoritariamente por mulheres e mostrou mais uma vez que

ninguém vive numa sociedade branca, heterossexual e sexista

gratuitamente, nem mesmo jornalistas e pesquisadoras bem

intencionadas. Nesse sentido, a AD é uma poderosa arma

contra os essencialismos, e impulsiona a análise na graduação

para análises mais densas no âmbito da Comunicação. Por

exemplo, foi com alguma angústia que muitas alunas chegaram

à conclusão que, na busca pela idealização mediaticamente

imposta, os homens olham as capas das revistas masculinas

em busca da mulher que sonham ter, e as mulheres olham as

capas das revistas femininas em busca da mulher que jamais

serão. E a violência simbólica sutilmente se instala.

Parece que aquilo que faz com que ainda existam

muitas pesquisadoras buscando investigar o tema mulher

mostra que, se o feminismo está mesmo morto, também é

verdade que as novas demandas políticas e pessoais que

enfrenta a mulher contemporânea, demandas profundamente

mediatizáveis – no caso do jornalismo, meditizáveis porque

agendadas –, precisam ser teoricamente enfrentadas à luz de

uma metodologia que possibilite um recorte de gênero,

permitindo uma mensuração e uma análise crítica

conseqüentes. Tentamos defender aqui é que isso pode e deve

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ser feito com um pouco mais de rigor (não com opressão às

alunas, mas como auxílio e incentivo a elas e, esperamos,

brevemente a eles também) por motivos acadêmicos e mesmo

humanísticos já na graduação. O lugar sociológico da mulher

na mídia ainda precisa ser melhor identificado. Esta parece ser

uma tarefa adequada para a Comunicação, disciplina

acadêmica que questiona o socialmente estabelecido na

melhor tradição das Ciências Humanas.

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Resumo O artigo põe em relevo a pesquisa na graduação em Jornalismo que tem a representação feminina como questão central no Rio de Janeiro, tendo como corpus empírico monografias defendidas e aprovadas na Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ e na Universidade Estácio de Sá na década passada. Defende-se aqui a importância e a necessidade de rigor na pesquisa no âmbito da graduação em torno da questão de gênero e a opção teórico-metodológica da Análise do Discurso como ferramenta de análise. A relevância no feminismo nas monografias analisadas também é considerada. Palavras-chave: 1) Mulher. 2) Jornalismo. 3) Análise do Discurso. 4) Feminismo. Abstract The article highlights the undergraduate research in Journalism that has the representation of women in Rio de Janeiro as a central issue. The material of analysis is a body of monographs submitted and approved at the Escola de Comunicação (ECO) at UFRJ and at the University Estacio de Sá in the past decade . The need for rigorous research at undergraduate level on the issue of gender is emphasized and it is argued that the Discourse Analysis as theoretical methological tool of analysis is a possible and fertile method of research. The relevance of feminism in the analyzed monographs is also considered. Key-words: 1) Women. 2) Journalism. 3) Discourse Analysis. 4) Feminism.