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Copyright MARS, 2012 1ª edição O Novo Mundo Coordenação editorial - Miguel Ângelo capa e projeto gráfico - Miguel Ângelo Revisão - Rosângela Ramos Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Ângelo, Miguel O Novo Mundo/ Miguel Ângelo. - São Paulo: Clube de Autores, 2012. ISBN 978-85-914423-0-0 1. Ficção Brasileira I Título 12- 07112 CDD-869.93 Índice para catálogo sistemáticos 1. Ficção: Literatura Brasileira 869.93 CLUBE DE AUTORES www.clubedeautores.com.br
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ORIGEM
A linha corta as extremidades. Não há começo. Só fim e meio.
O ínfimo é sapiente, Como a cabeça de um alfinete?
Uma sopa de letras.
Um estampido. A imensidão.
A vida.
Regresso ao elo inicial e não posso ver. É proibido. Faz-se imensurável.
Incompreensível.
Tateando assim. Não faz sentido.
Só refazendo. (MARS)
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I
Ariel tinha acabado de chegar da escola, trocou de roupa e dirigiu-
se ao quintal. Atravessou a cerca de arame farpado no fundo do
quintal, entrou na mata, seguiu pela trilha e após caminhar por uns
10 minutos e percorrer cerca de 800 metros, chegou ao riacho. Daí
subiu a ladeira e desceu até uma represa. Depois de tomar banho
na represa vestiu a roupa e ia saindo quando ouviu um barulho.
Escondeu-se no mato e ficou espreitando para ver quem viria.
Segundos depois pulou na estrada.
__ Uuurrrahhh! Peeegaaa!
__ Ai! Que susto! Quase que você recebe a galinha pulando.
Retrucou Elias, sorridente, e completou:
__ Está fazendo o quê?
__ Estava tomando banho, mas já vou para casa.
__ Vamos ao pacelete?
__ Fazer o quê? Uma hora dessas? Já é quase meio dia.
__ Meu irmão Elisafan desapareceu desde ontem. Já procuramos
em todos os lugares possíveis e não encontramos pista e uma
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vizinha disse que o viu ontem cedo indo para as bandas do
pacelete.
A amizade entre Elias e Ariel era mesmo impressionante. Era um
sentimento semelhante ao amor entre dois irmãos.
Instantaneamente Ariel se colocou no lugar de Elias, imaginou-se
perdendo o seu irmão querido e sem demora respondeu.
__ Então, nesse caso, eu vou almoçar e em seguida passo em sua
casa.
Depois do almoço Ariel amarrou o facão na cintura e saiu com seu
irmão Roberto, passaram na casa de Elias e os três seguiram para o
pacelete.
Saíram da ladeira grande e seguiram pela estrada que margeia o
campo de aviação, atravessaram a represa que servia de
reservatório de abastecimento de água da cidade, entraram na
mata escura do outro lado da represa. Atravessaram o riacho na
mata por cima de uma arvore caída sobre ele e depois de subirem
a ladeira dentro da mata chegaram a um campo aberto e em
seguida adentraram em outra mata ainda mais escura que a
anterior e que, segundo os habitantes locais, habitava a temida
onça pintada. No meio do caminho, ainda na mata, pegaram a
trilha que separa o pacelete das prainhas e seguiram em direção às
prainhas. Por volta das treze e trinta chegaram à praia da Fazenda
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Prainhas. Andaram pela praia, atravessaram-na e seguiram em
direção ao distrito de Serra Grande, que pertence ao município de
Uruçuca. Subiram nos recifes e pararam em frente ao cachimbo da
veia, uma caverna à beira mar que expelia água para o céu quando
as ondas batiam em sua extremidade interna, e era intransponível.
Ficaram observando as montanhas e os recifes em direção a Serra
Grande a perder de vista e daí retornaram pela praia e seguiram
então em direção ao norte. Depois de atravessarem a praia
novamente subiram e continuaram pelas pedras até chegar ao
poço fundo - um lugar de pescaria excelente, mas que para
circundá-lo era necessário subir um morro, passar por dentro da
mata e descer mais à frente e seguir por cima das pedras. Assim o
fizeram. No lado oposto do poço fundo, Elias aproximou-se da
caverna e gritou várias vezes o nome de Elisafan. Depois atirou
várias pedras ao fundo da caverna, o que causou um alvoroço
entre os morcegos que ali dormiam. Depois de alguns minutos ali
seguiram pelas pedras em direção ao pacelete. Pouco depois
chegaram ao ponto de pesca conhecido pelos nativos como “o
vinte e sete” , local frequentado por muitos pescadores.
Encontraram um pescador de nome Edmundo.
__ Olá seu Edmundo, como está a pescaria? Falou Ariel. O
pescador fez sinal com o dedo polegar da mão direita indicando
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que não estava muito boa. Em seguida colocou as linhas na espera
e se aproximou dos rapazes, então Elias perguntou.
__ O senhor viu o meu irmão Elisafan? Elisafan era o irmão caçula
de Elias. Seu Osvaldo e dona Carmerinda , pais de Elias, tinham ao
todo seis filhos, os dois mais velhos já eram casados e moravam
fora da cidade. O mais velho, Osvaldinho, morava em São Paulo e a
única filha da família, Patrícia, morava em Ilhéus. Os outros quatro
filhos eram na seguinte ordem decrescente: Eli, que tinha 19 anos,
Elias 18, Eliasafe 16, e o caçula Elisafan, com 14 anos. Os quatro
moravam com os pais em Itacaré e eram amigos de Ariel já há
muito tempo. Ariel tinha quase a mesma idade de Elias, era mais
novo que ele apenas três meses. Elisafan tinha problemas mentais,
mas parecia normal, brincava com os outros meninos
normalmente e nem aparentava ter algum problema, inclusive, só
a família sabia deste problema. Ariel só ficou sabendo no caminho
quando Elias falou sobre o assunto. Elias continuou falando.
__ Ontem pela manhã ele saiu cedo e não voltou mais para casa.
Ninguém sabe o motivo do sumiço e nem temos ideia de para
onde ele foi. Dona Elza disse que ontem cedo o viu vindo em
direção às prainhas ou o pacelete. Já fomos às prainhas e nem
sinal dele por lá. Dona Elza chegou a falar com ele, que até sorriu
para ela e seguiu...
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__ Não! Eu não vi ninguém! Interrompeu o pescador e completou:
para falar a verdade, vocês são as primeiras pessoas que vejo hoje
depois que cheguei aqui.
__ Obrigado seu Edmundo! Boa pescaria!
__ Valeu meninos! Da lembrança a seus pais.
O grupo, meio desanimado, seguiu em frente e cerca de meia hora
estavam diante da imponente muralha do pacelete. O local tanto
assusta como fascina. É uma muralha de pedras construída pela
passagem do tempo e que tem mais de cem metros de altura e é
recoberta por uma vegetação semelhante às savanas africanas.
Observar o pacelete fez Ariel se imaginar no tempo dos
dinossauros. Em uma fração de segundos ele já se via correndo
assombrado e se escondendo nas cavernas em busca de proteção,
mas retornou à realidade e percebeu que na parte inferior da
muralha há uma caverna que só é visível quando a maré está
muito baixa. Só na época da lua cheia e no mês de março, é
possível vê-la com perfeição. Os três pararam ali e gritaram em
todas as direções por Elisafan, passaram cerca de duas horas
gritando.
A sombra do sol começou a ser projetada cada vez mais no leito do
mar anunciando o entardecer e sem que eles percebessem, em
pouco tempo o sol sumiu. Nesse momento um sentimento
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estranho apoderou-se de Ariel. Era um misto de medo e
esperança, algo indescritível. Ariel chamou os dois colegas e em
pouco tempo os três partiram. Ainda teriam que passar pelo
mesmo caminho que vieram o que incluía as duas matas que,
segundo eles, tinha onça, mas não eram tão assustadoras quanto
as historias que eles sabiam sobre o pacelete.
Existiam várias histórias e uma delas era que em noite de lua cheia,
por volta da meia noite, abria-se ali um portal do tempo e quem
estivesse no exato local seria transportado para o passado, como
em um túnel do tempo. Dona Sebastiana, avó de Ariel e Roberto
contava muitas histórias relacionadas a esse acontecimento,
inclusive, segundo ela, um parente de terceiro grau, que ninguém
conhecia, teria desaparecido ali em uma dessas noites de lua
cheia.
Outra história, a mais popular em Itacaré, era que se alguém caísse
ali nas águas do pacelete, bem embaixo do paredão, seria sugado
por uma corrente marinha e cairia em uma brecha e sairia no
Japão, ou em um mundo subterrâneo. Dizia-se que havia uma
civilização perdida embaixo do pacelete. Alguns pescadores
promoviam esse folclore, pois diziam já terem visto pessoas
estranhas andando e outros nadando naquela região e os mitos
sobre o pacelete ficaram mais populares quando dois pescadores
protagonizaram uma cena de horror naquelas águas. Eles estavam
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pescando, quando o anzol enganchou nas pedras, um deles chegou
muito perto para soltar o anzol e uma onda o lançou nas águas. O
pescador ficou nadando e tentando voltar para as pedras, Mas,
segundo o outro pescador, um tubarão o comeu. Ele só viu uma
mancha de sangue se espalhar pelas águas e ainda conseguiu ver o
tubarão dando voltas ao redor. Gritou desesperadamente pelo
amigo, mas não obteve respostas. Quando retornou para casa,
procurou a polícia e ficou sendo suspeito de homicídio. Foi
interrogado pela polícia, mas devido à grande amizade que
tinham, isso testemunhado não só pelas famílias, mas por toda a
comunidade, foi descartado como suspeito de assassinato.
Entretanto o corpo do pescador nunca foi encontrado. Para a
polícia não ficou dúvida que o pescador teria sido devorado pelo
tubarão, mas os defensores das teorias do túnel do tempo e da
civilização subterrânea encontraram nesse evento, subsídios para
promoverem suas histórias mirabolantes.
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II
Naquela noite Ariel e Roberto estavam na praça do pirulito
admirando a lua, quando Elias e José Sérgio chegaram. Ariel e Elias
haviam combinado que aproveitariam a vazante da maré para
chegar o mais próximo possível do ponto perigoso do pacelete.
Elias até cogitava mergulhar no local para ver se era verdade que
havia ali uma porta do tempo. Eles estavam esperando José Sérgio,
que era muito amigo deles, para acertar os detalhes da aventura.
__ O dia da lua Cheia é amanhã? Perguntou Zé.
__ É sim! Eu olhei no calendário. Respondeu Ariel.
__ Mas se o dia da lua cheia é amanhã, como ela já está tão grande
e redonda hoje? Acrescentou Roberto.
__ Eu só sei que no calendário marca que o dia da lua cheia é
amanhã. A diferença é que amanhã, assim que o sol se por, a lua
sairá no mar.
As noites de lua cheia eram como um teatro a céu aberto, e a
juventude itacareense da década de 80 do século vinte
aproveitava essas ocasiões para desfrutar da companhia dos
amigos, para namorar e para admirar os encantos da natureza.
Com as luzes da praça projetando seu clarão na enseada e o
reflexo da luz lunar refletindo nos olhos esperançosos da garotada,
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as sementes do amor encontravam terrenos férteis para germinar.
Os jovens ficaram ali conversando por cerca de duas horas e
depois foram para casa, pois iriam executar o plano no dia
seguinte. Roberto não poderia saber de todos os detalhes, pois se
soubesse não iria. E a participação de Roberto era uma exigência
para que Ariel também participasse, visto que se ele fosse sozinho
teria que se explicar em casa e consequentemente entregaria
tudo, pois não sabia mentir.
Quando o dia amanheceu os quatro saíram cedo. Os pais deles
nem desconfiavam dos planos e achavam que se tratava apenas de
uma pescaria como tantas outras que eles já tinham feito. Mas
aqueles jovens, especialmente Ariel e José Sergio, estavam cheios
de segredos e inclusive, para que não houvesse suspeita, eles não
levaram uma corda que Zé Sérgio tinha sugerido que levassem.
Segundo ele, ao se aproximar do mar, seria mais seguro se
amarrassem uma corda na cintura.
Chegaram ao pacelete por volta das seis da manhã e começaram a
pescar. A maré estava alta por isso eles teriam que esperar baixar
então prepararam as iscas e apetrechos de pescas e foram pescar.
Pescaram por cerca de duas horas e não pegaram nada e depois
foram até um ponto alto das pedras para fazerem um lanche e
esperar a maré baixar mais. Aproveitaram para conversar sobre as
circunstâncias e os conflitos típicos de adolescentes.
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__ Sabe Ariel, estou com um pressentimento. Falou José Sérgio.
__ Você quer dizer medo, certo? Completou Elias.
__ Você pensa que todo mundo é igual a você, covarde! Falou Zé, e
com expressão zangada deu um tapa no ombro de Elias. Os quatro
se olharam instantaneamente e Elias se afastou do grupo e ficou
acima deles olhando o mar.
__Ter medo não é ser covarde, pois até os heróis, em algum
momento, sente medo. O medo é uma reação normal ao
desconhecido, tanto no plano material como no contexto do
imaginário.
__ Já vem você com seu intelectualismo. Interrompeu Roberto à
fala de Ariel e também se afastou para o alto das pedras e ficou
brincando com Elias. Ariel continuou conversando com Zé Sérgio.
__ Mudando de assunto Ariel, você tem uma colega chamada
Elisabete? Uma loira, ou melhor, sarará, gaza, sei lá, muito bonita.
__ Você só se interessa por mulher cara! Estou aqui meditando
sobre a vida, imaginando onde está Elisafan e você quer saber da
vida de Elisabete...
__ É sua colega ou não é?
__ É minha colega sim e para seu governo ela é comprometida.
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__ Quantos anos ela tem?
__ Quinze, dezesseis, sei lá! O que importa?
__Está nervoso por quê? Você gosta dela! Eu vejo vocês sempre
juntos indo para a escola... José Sérgio começou sorrir e olhava
para Ariel que parecia nem ouvir mais o que ele falava. Em seguida
Ariel falou.
__Por que você não vai à igreja? Afinal você é católico ou
protestante?
__ Não sou nada! Respondeu José Sérgio e com um jeito cínico
completou. Eu nem sei se creio em Deus, ou melhor, Para falar a
verdade eu tenho certeza que Deus não existe. Já com um tom
sério.
__ Nós somos a prova da existência de Deus. Rebateu Ariel, em
tom calmo.
__ Crê ou não Crê é apenas questão de lugar onde se nasce. Se
você nascesse na China não acreditaria em Deus. E sabe porque?
Ariel ficou calado olhando para José Sérgio e meio indignado não
falou nada, más José Sérgio insistiu: responda! Na China tem mais
ateu que três vezes a população do Brasil. São mais de quinhentos
milhões de ateus.
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__ Só pelo fato de as pessoas não acreditarem em Deus não
significa que ele não exista. Muita gente não acredita que o
homem foi à lua e a maioria das pessoas que acredita em Deus não
acredita que o Diabo exista e que seja uma pessoa. Isso não muda
nada quanto a existência ou não deles. O que devemos é buscar a
verdadeira resposta, pois só a verdade nos interessa.
__ Mas você não me respondeu a pergunta! Você sabe por que se
nascêssemos na china não acreditaríamos em Deus?
__ Não, eu não sei essa resposta. E não me interessa. Ariel se
levantou e seguiu em direção a Elias e Roberto. José Sérgio
também se levantou e falou em voz alta.
__Eu sei a resposta! Quando você se interessar me procure. E não
venha com esse papo de Deus pra cima de mim!
Quando a maré estava totalmente baixa, Ariel e Elias foram até o
paredão do pacelete. Ficaram ali tentando olhar para dentro da
caverna que só aparecia de relance quando as ondas escoavam.
Não conseguiram ver nada. Passaram a se arriscar cada vez mais
para tentar ver algo dentro da cavidade da pedra. Elias jogava
pedras na caverna e gritava insistentemente o nome de Elisafan.
Em um momento Elias pensou ter visto algo e disse a Ariel que
alguma coisa estava dentro da caverna. Nesse instante, antes de
qualquer reação de Ariel, uma onda atingiu Elias e o arremessou
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no mar. Ariel correu desesperado para o alto das pedras, cortou
uma arvore comprida e tentou resgatar Elias. José e Roberto viram
o movimento, e como estavam longe, vieram correndo por cima
das pedras. Ao chegarem perto jogaram as linhas para tentar
ajudar Elias, mas instantaneamente não viram mais nada. Elias
tinha desaparecido.
Os três ficaram desesperados. Gritavam insistentemente o nome
de Elias. O local era muito fundo. Roberto começou a chorar e José
colocava a mão na cabeça sem saber o que fazer. E Ariel orava
silenciosamente, enquanto tentava ver alguma coisa na água e se
aproximava perigosamente das ondas. Zé Sérgio se lamentava por
não terem trazido a corda para amarrar na cintura e ficou
paralisado.
Uma onda maior que as demais se formou nas proximidades.
Roberto gritou com intensidade.
__ Ariel cuidado! Vem uma onda grande!
Ariel tentou correr, escorregou e caiu. A onda o pegou e o atirou
no leito do mar. Parece que ele desmaiou na queda, pois não foi
visto em momento algum após isso. Parece que foi direto para o
fundo.
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Roberto enlouqueceu, pois pensava que o irmão tinha afundado e
morrido. Ariel e Roberto eram como carne e unha. Eram dois
irmãos muito unidos. Embora Ariel fosse pouco mais de um ano
mais velho que Roberto, eles pareciam que eram gêmeos. De perfil
não era possível distingui-los. Alem disso, todas as vezes que o pai
deles mandava Ariel ir a algum lugar, não precisava mandar
Roberto também, pois este subentendia como se tivesse mandado
a ambos. Eram realmente dois irmãos inseparáveis.
Roberto pulou na água para salvá-lo. Mergulhou e nadou por
alguns instantes. E depois desapareceu também.
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III
Uma tragédia sem precedentes na história de Itacaré estava se
desenhando. O sol se escondeu entre as nuvens, alguns pingos de
chuva, uma fina garoa e um vento forte e frio vindo do mar,
completavam o momento fúnebre. Mas tinha um sobrevivente:
José Sérgio, que ficou ali chorando por alguns minutos e gritando
insistentemente os nomes dos amigos. Algumas vezes saía como
se fosse voltar para casa, mas em seguida batia um sentimento
misto de esperança e desespero e então ele recuava. Depois de
um bom tempo nesse frenesi, desolado, voltou correndo para
casa. Encontrou algumas pessoas pelo caminho e por cada um que
passava o contagiava com a história e seu estado de choque em
que se encontrava. Naquele dia a cidade inteira se mobilizou.
Desde a pessoa mais humilde até a maior autoridade da cidade,
todos se solidarizaram com as famílias.
A estrada para o pacelete ficou movimentada naquele dia. Uma
pessoa contava a outra a história e dessa forma de boca em boca
todos ficaram sabendo da tragédia. Muitos choraram só de saber o
vínculo forte de amor e amizade entre os três. Alguns até achavam
que José Sérgio era infiel. Outros diziam que ele era covarde por
que não se atirou também para tentar salvar os amigos ou até
morrer junto com eles. Mas a maioria entendia que José Sérgio
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não pode fazer nada, e morrer, só para provar amizade não era
uma boa ideia.
O delegado interrogou José Sérgio.
O que houve? José olhava para o delegado e não conseguia
entender. Parecia que estava no mundo da lua. Ele estava em
estado de choque.
Conte-nos o que houve para podermos lhe ajudar. Como foi que
seus colegas caíram no mar? Vocês estavam brincando? Brigaram?
Não adiantava, ele não conseguia falar nada. Só olhava para as
pessoas em volta e depois baixava a cabeça e chorava.
O histórico de amizade entre os quatro jovens foi definitivo para
exclusão de José como suspeito de crime no acontecimento. O
depoimento dos pais dos quatro e de vizinhos inocentou
completamente o sobrevivente de qualquer culpa na tragédia.
Durante todo aquele dia os familiares dos quatro jovens não
saíram do local. Fizeram vigílias e até durante a madrugada ainda
esperavam um milagre. A mãe de Elias, em um momento de
intensa pressão, até se atirou nas águas, mas como tinham muitos
mergulhadores no local tentando encontrar os jovens
desaparecidos, conseguiram resgatá-la e levá-la com vida no barco
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para a cidade e a deixaram sob medicação até passar aquele
momento de trauma extenso.
A cidade inteira estava sob comoção e chorando a perda trágica
daqueles três jovens.
23
I
Ariel acordou em uma praia deserta. Quando percebeu que
estava sozinho ficou com bastante medo. Levantou-se, olhou em
todas as direções e não viu ninguém. Não havia nem uma pegada
humana na areia daquela praia, o que o deixou ainda mais
assustado. O silêncio só era quebrado por algum barulho
proveniente dos animais que por ali viviam. Até o canto dos
pássaros o deixava arrepiado. Ele então fez uma oração, criou
coragem e saiu. Andou pelo leito de um rio raso que desembocava
na praia e se afastou dali por uns duzentos metros. Estava trêmulo
de medo, mas encontrou coragem para tomar banho em uma
cachoeira. Depois do banho colocou as roupas para secar nas
pedras e procurou uma sombra para descansar e sem perceber
adormeceu na grama.
O medo fez com que Ariel tivesse pesadelo. No Sonho ele viu
alguns animais tentando o devorar. Parecia que estava em um
safári africano e era atacado por animais ferozes. Ele tentava, de
todas as formas, fugir dos animais. Subia em árvores, pulava no
mar, nadava como Tarzan, corria como um atleta, mas por fim um
leão furioso o pegava. Ele chegava a sentir o cheiro do animal.
Sentiu sua saliva tocando seu rosto e já esperava a dor da mordida,
quando acordou. Foi abrindo os olhos lentamente e não entendeu
se ainda estava no sonho ou se estava realmente acordado. Sentiu
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o bafo do animal e as lambidas em seu rosto. Confuso, pensou que
o animal fosse um tigre, depois achou que fosse um leão, mas por
fim percebeu que se tratava de uma enorme onça pintada.
Em um súbito de espanto, Ariel deu um grito que assustou os
animais e saiu correndo e se atirou no leito do rio. Nadou até a
outra margem, correu com o máximo de sua velocidade e se
refugiou em cima de uma árvore. De cima da árvore ficou
contemplando o cenário paradisíaco: alguns coelhos brincavam
com os filhotes das onças, vários felinos corriam pela grama,
bebiam água junto com outros animais que naturalmente seriam
suas presas. Inclusive alguns veados pastavam juntos com as
onças.
__ Será que eu morri e estou no paraíso? Sussurrou Ariel, sozinho,
como se estivesse delirando. Não acredito! É real. Estou vivo!
Ariel estava muito desconfiado com tudo aquilo, e tremia feito
uma vara verde de tanto medo. Depois de bastante tempo
observando de longe, e após várias orações ele tentou se
aproximar dos animais. Foi chegando lentamente, mas com o
mínimo movimento dos animais, ou com qualquer barulho, até
mesmo com o canto de um pássaro qualquer, ele recuava, se
abrigava entre os galhos das árvores e depois voltava a avançar em
direção aos animais. Chegou perto de um cervo e o acariciou.
25
Outros animais se aproximaram lentamente e Ariel os pegava,
acariciava, colocava os filhotes no colo, mas sem tirar os olhos dos
animais maiores, especialmente os felinos. As onças nem ligavam,
pareciam nem perceber a presença de Ariel ali, então Ariel pegou
um filhote de onça que estava distante da mãe. Ficou atento para
ver a reação das onças adultas. Nenhuma reação! Eles pareciam
não terem medo do ser humano. Ariel então começou a perder o
medo e encontrou nos animais a companhia que precisava. Foi
assim se aproximando dos animais maiores e depois de cerca de
duas horas no meio deles, finalmente se aproximou de uma onça
adulta lentamente. Era a maior do bando, o macho, líder do grupo.
O mesmo que o tinha lambido no momento em que ele estava
dormindo.
O contato com a onça deixava Ariel impressionado, era como
acariciar um gatinho angorá. O felino calmamente se levantou,
colocou a enorme pata na coxa de Ariel que estava meio curvado,
e o lambeu carinhosamente. Era como um cumprimento de boas
vindas, um pacto de paz.
O sol se declinava no poente, então Ariel, temendo a escuridão da
noite que se aproximava lentamente, buscou um abrigo para se
recolher. Subiu uma ladeira, atravessou uma cerca de arame
farpado e foi em direção a uma estrada abandonada. Alguns
trechos eram impossíveis de passar devido ao mato o que passava
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a impressão de um longo período de abandono, mas a existências
de estradas e de cercas, indicava ação humana, então Ariel
raciocinou que estava no Brasil após o descobrimento. Isso de
certa forma servia de consolo, pois ele temia ter regressado a
períodos pré-históricos. Morria de medo só de pensar em ficar
frente a frente com um dinossauro.
Já escurecia quando ele retornou para o ponto de chegada. Estava
faminto então subiu em alguns coqueiros na praia e colheu alguns
cocos. Aproximou-se de uma jaqueira junto à praia e colheu uma
jaca madura. Era uma saborosa jaca mole. Colheu outros frutos
locais e se alimentou com eles. Depois da refeição subiu até um
ponto alto nas pedras onde tinha improvisado uma cabana. Era
uma pequena caverna onde ele colocou uma porta de palha seca
de coqueiro que recolheu no chão e se agasalhou. Ficou
observando o mar, as estrelas, meditando sobre vida, e ainda
temeroso, demorou bastante até conseguir dormir, já era
madrugada quando por fim adormeceu.
O local era bastante conhecido para Ariel. Tudo indicava que ele
estava nas prainhas. Só não entendia por que não havia ninguém
ali, visto que aquela praia era movimentada, principalmente aos
sábados, quando muitos pescadores iam para lá pescar. Também
moravam duas famílias ali na fazenda, más não havia qualquer
vestígio de gente. Os moradores do São José, outra fazenda
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próximo dali, costumavam passar no local sempre que iam à
cidade e especialmente aos sábados que era dia de feira e eles iam
comprar alimentos e vender os produtos agrícolas.
O cenário do nascer do sol no mar despertou Ariel. A bola gigante
emergia lentamente e dissipava gradativamente o frio da
madrugada. O sereno que molhara as pedras começava a se juntar
em gotas de água e escorriam pelas pedras e pelas folhas. Toda
aquela beleza e a ausência completa de companhia humana,
aliado ao medo, fizeram Ariel encher os olhos de água. A saudade
da família se misturava com o temor e a solidão.
Ariel desceu até a praia, fez uma refeição como na noite anterior e
foi até o campinho nas proximidades ver os animais. Queria ter
certeza de que tudo não passava de sonho. Incrédulo, confirmou
tudo novamente. Os animais estavam lá e eram mansos mesmo.
Ariel decidiu ir até à cidade se é que ela existia. Desde que o dia
clareou ele rodeou as pedras das prainhas em direção á fazenda
São José e depois retornou. Estava decidido ir até à cidade, mas de
repente ouviu um grito. Era uma voz humana. Tentou se esconder,
pois pensou nos filmes de Tarzan que ele costumava assistir na
sessão da tarde, e temeu que fossem índios canibais. Já era tarde
se quisesse se esconder, pois a pessoa que se aproximava
correndo já o tinha visto. Apanhou um pedaço de pau e se
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preparou para se defender, mas em seguida sentiu um pouco de
esperança, pois a voz que ouvira parecia ser conhecida.
Aproximou-se da praia à medida que a outra pessoa vinha do
outro lado em sua direção. Ariel foi se aproximando e a cada
passo sentia o coração pulsar forte. Finalmente reconheceu o
andar e a fisionomia. Não se conteve em um grito.
__ Elias!
Os dois correram e se abraçaram alegremente.
__Onde estamos Elias, você sabe?
__ Ora, estamos nas prainhas!
__ Eu sei que estamos nas prainhas, mas como viemos parar aqui?
Onde está todo mundo?
__ Bom, isso eu não sei! Eu só sei que ontem acordei na praia do
pacelete de baixo, fiquei por lá o dia todo, pois estava confuso,
depois fui em direção à ribeira grande para ver se encontrava
alguém, mas não encontrei ninguém. Só que lá tem algumas
barracas. As barracas estão lá Ariel!
__ Estão lá! Como assim, estão lá?
__ As barracas não foram destruídas...
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__ Não foram destruídas! O que você quer dizer com isso Elias?
Você sabe de alguma coisa que eu não sei ou quer me assustar? Se
você quer me assustar não precisa tanto esforço, pois eu estou
apavorado. Só de não saber onde estou e como eu vim parar
aqui...
__ Relaxe Ariel, nós estamos na mesma situação. Tenha calma!
Temos de encarar a realidade. E a realidade é que algo muito
catastrófico aconteceu aqui. Parece que nós viajamos para o
futuro pós-apocalíptico.
__ Isso é impossível. Ninguém pode viajar para o futuro. Nós
caímos no pacelete e pelo que eu sei, das histórias que o povo
conta, é que no pacelete há um portal do tempo que lança as
pessoas no passado e não no futuro.
__ Mas nós não acreditávamos nisso. E agora que estou aqui
perdido acredito em quase tudo. Inclusive que estou no futuro. Já
pensou? Estamos no futuro! Se conseguirmos voltar, poderemos
mudar as nossas vidas e até o rumo da humanidade.
__ Isso é impossível. Você acha que Deus vai deixar a gente mudar
a história. Deus não faz plano ele tem propósitos... É impossível
viajar para o futuro e muito menos viver lá! Nem dá para imaginar.
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Os dois permaneceram ali conversando por alguns minutos
tentando entender onde estavam e o que fazer. Depois Ariel disse
a Elias:
__ Você viu algum animal por onde passou?
__ Não! Prá falar a verdade ontem à noite eu não dormi direito
com medo de onça. Fiquei a maior parte do tempo nas pedras só
entrei no mato quando precisei ir ao banheiro.
__ Vamos ali que eu quero lhe mostrar uma coisa.
__ O quê?
Calma! É surpresa! Você nem vai acreditar no que vai ver!
Eles seguiram em silêncio por um caminho no mato, subiram uma
ladeira e descamparam em uma área aberta parecida a um pasto.
Quando Elias despontou no campinho e viu as onças ficou gelado.
Totalmente paralisado de medo. O sangue sumiu do rosto e
totalmente amarelo balbuciou.
__ Estamos fritos!
__ Relaxe Elias! Essa era a surpresa. São todos mansos!
Completamente mansos.