10
Miíases dos Bovinos Márcia Cristina de Sena Oliveira 1 Luciana Gatto de Brito 2 1 Pesquisadora da Embrapa Pecuária Sudeste, Rod. Washington Luiz, km 234, Caixa Postal 339, CEP: 13560-970, São Carlos, SP. Endereço eletrônico: [email protected] 2 Pesquisadora da Embrapa Rondônia 56 ISSN 1517-1116 São Carlos, SP Novembro, 2005 Técnico Comunicado Introdução Miíases são definidas como infestações dos tecidos humanos ou de animais por larvas de dípteros. As miíases são classificadas, de acordo com o tipo de relacionamento das larvas com os hospedeiros, em miíases obrigatórias, facultativas e pseudomiíases. Os agentes das miíases facultativas são larvas de vida livre, que geralmente crescem na matéria orgânica em decomposição e ocasionalmente podem desenvolver-se em tecidos necrosados (mortos) de animais vivos. As pseudomiíases ocorrem quando ovos ou larvas de moscas são ingeridas acidentalmente pelos hospedeiros. Nas miíases obrigatórias, as larvas desenvolvem-se exclusivamente em tecidos vivos e dependem de hospedeiros para que seu ciclo de vida se complete. As miíases provocadas por larvas de Cochliomyia hominivorax e Dermatobia hominis enquadram-se nesse último grupo, sendo denominadas vulgarmente de “bicheira” e “berne”, respectivamente. Nas miíases por C. hominivorax (bicheiras), o número de larvas presentes nas lesões pode chegar a várias dezenas, enquanto no caso das infestações por larvas de D. hominis (dermatobioses ou berne) esse número se restringe a uma

Miiases

  • Upload
    dennia

  • View
    4.889

  • Download
    2

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Miiases

Miíases dos Bovinos

Márcia Cristina de Sena Oliveira1

Luciana Gatto de Brito2

1 Pesquisadora da Embrapa Pecuária Sudeste, Rod. Washington Luiz, km 234, Caixa Postal 339, CEP: 13560-970, São Carlos, SP. Endereço eletrônico:[email protected]

2 Pesquisadora da Embrapa Rondônia

56ISSN 1517-1116São Carlos, SPNovembro, 2005Técnico

Comunicado

Introdução

Miíases são definidas comoinfestações dos tecidos humanos ou deanimais por larvas de dípteros. As miíasessão classificadas, de acordo com o tipo derelacionamento das larvas com oshospedeiros, em miíases obrigatórias,facultativas e pseudomiíases. Os agentesdas miíases facultativas são larvas de vidalivre, que geralmente crescem na matériaorgânica em decomposição eocasionalmente podem desenvolver-se emtecidos necrosados (mortos) de animaisvivos. As pseudomiíases ocorrem quandoovos ou larvas de moscas são ingeridas

acidentalmente pelos hospedeiros. Nasmiíases obrigatórias, as larvasdesenvolvem-se exclusivamente emtecidos vivos e dependem de hospedeirospara que seu ciclo de vida se complete. Asmiíases provocadas por larvas deCochliomyia hominivorax e Dermatobiahominis enquadram-se nesse último grupo,sendo denominadas vulgarmente de“bicheira” e “berne”, respectivamente.

Nas miíases por C. hominivorax(bicheiras), o número de larvas presentesnas lesões pode chegar a várias dezenas,enquanto no caso das infestações porlarvas de D. hominis (dermatobioses ouberne) esse número se restringe a uma

Page 2: Miiases

2Miíases dos Bovinos

larva por lesão. Apesar de serem patologiasconsideradas rotineiramente como depequena importância, os prejuízos geradospor elas são consideráveis. As larvasdesenvolvem-se nos tecidos superficiaisdos hospedeiros, provocando problemasdiversos que vão desde redução daprodutividade, lesões no couro e mutilaçõesa gastos com medicamentos utilizados noseu controle e até perda de animais. Omaior impacto, no entanto, é verificado nadesvalorização do couro, em conseqüênciada presença de grandes áreas perfuradas,que correspondem às regiões ondeocorreram as lesões. Os gastos commedicamentos utilizados em tratamentoscurativos e preventivos também sãoapontados como uma das principaisgeradoras de prejuízos.

O Brasil possui o principal rebanhobovino comercial do mundo, com cerca de191,2 milhões de animais. A busca deeficiência, a redução de custos de produçãoe o aumento de produtividade e delucratividade constituem hoje a proposta degestão da maioria dos produtoresbrasileiros. Para que o Brasil possa seestabelecer como grande exportador decarne, existe a necessidade de melhoria daqualidade sanitária dos seus produtos, que éa principal exigência dos grandesmercados. O controle adequado das miíasesdos bovinos pode representar um avançoconsiderável na melhoria da qualidade dosprodutos de origem animal, principalmentedo couro e, por extensão, dos produtosderivados de couro.

Miíases por larvas de C. hominivoraxCiclo biológico

As infestações por larvas da moscaC. hominivorax, conhecida vulgarmente pormosca-varejeira, são uma das principaiscausas de miíases cutâneas em regiõestropicais e subtropicais do mundo. Essamosca, natural das Américas, provocalesões em animais domésticos, em animaisselvagens, em pequenos animais deestimação e também, eventualmente, nohomem.

Em razão da sua grande importânciaeconômica, muitos esforços foramconcentrados na eliminação de C.hominivorax nos Estados Unidos, até suaerradicação, entre os anos de 1950 e 1960.Na atualidade, encontra-se em fase deerradicação nos países da América Central,região de grande importância estratégicapara que a mosca não seja introduzidanovamente na América do Norte. Ametodologia usada na erradicação de C.hominivorax foi a utilização de machosestéreis por ação da irradiação com raiosgama. Os machos irradiados, liberados emgrande quantidade na natureza, competemcom os machos normais para copular comas fêmeas. A estratégia da utilização demachos estéreis está fundamentada no fatode as fêmeas dessa espécie copularem umaúnica vez durante o seu período de vida, e acópula com um macho que não é capaz defertilizar a fêmea leva a rápida redução dotamanho da população.

Page 3: Miiases

3 Miíases dos Bovinos

Essa mesma técnica foi utilizada comsucesso nos anos de 1990, para erradicarmoscas que foram acidentalmenteintroduzidas na Líbia.

Apesar de a erradicação se mostraruma alternativa muito atraente,conseqüências indesejáveis foramobservadas em algumas áreas dos EstadosUnidos, onde essa metodologia foi utilizada.Um dos problemas observados foi aexpansão do número de uma espécie deveado. O aumento dessa população gerouexplosão do número de carrapatos daespécie Boophilus microplus, que parasitavaalguns animais selvagens, inclusive essesveados. Outros problemas relativos aoaumento de populações que sofriamregulação por meio do parasitismo porlarvas de C. hominivorax também já foramdetectados.

Apesar da erradicação nessas áreascitadas, a mosca C. hominivorax apresenta,ainda, ampla área de distribuição,abrangendo quase toda a América Latina, eé encontrada em todos os Estadosbrasileiros, com prevalência variável aolongo do ano. De acordo com estudosdesenvolvidos no Brasil, a maior prevalênciacoincide com os meses mais quentes e maisúmidos.

As formas adultas de C. hominivoraxpossuem aparelho bucal lambedor, medemde 8 a 10 mm de comprimento, têmcoloração verde ou azul metálica e trêslistras negras longitudinais no tórax e sealimentam de seiva vegetal. As fêmeasdessa espécie têm capacidade de vôo deaté 200 km durante toda sua vida e sórealizam a postura nos bordos de ferimentos

recentes de mamíferos, atraídas por sanguee secreções purulentas.

Algumas práticas de manejopredispõe ao aparecimento das bicheiras,embora as larvas possam se instalar empele íntegra. Os bezerros recém-nascidospodem se infestar por larvas quando ocordão umbilical não for devidamentedesinfetado e desidratado com soluçãoalcoólica de iodo. Todos os procedimentoscirúrgicos rotineiramente praticados emrebanhos bovinos, como castração edescorna, tornam os animais expostos aessas infestações. Outras causasfreqüentes de miíases são ferimentosproduzidos com arame farpado, lesõesvulvares em fêmeas durante o parto eerupção de dentes.

O número de ovos por postura decada mosca varia ao redor de 390, podendochegar a 2.800 ovos produzidos durante operíodo de vida fértil da fêmea. O períodode incubação dos ovos varia de 11 a 21horas e as larvas recém-eclodidas penetramnos tecidos dos hospedeiros dos quais sealimentam, conservando os espiráculosvoltados para o exterior. Todo o ciclo larval(L1, L2 e L3) se dá entre 4 e 8 dias. Apósesse período as larvas se desprendem dohospedeiro e caem no solo para pupar. Operíodo pupal é de sete dias, em média, noverão e até dois meses no inverno. Asfêmeas iniciam a postura 5 a 10 dias apóshaverem emergido do pupário.

Page 4: Miiases

4Miíases dos Bovinos

Importância econômica

Em razão da ampla distribuição damosca C. hominivorax nos Estadosbrasileiros, altas taxas de infestação porlarvas dessa mosca são verificadas. Nasregiões mais quentes e mais úmidas, casosgraves de parasitismo ocorrem tanto emanimais como em seres humanos, já tendosido assinalados muitos casos de mutilaçõesgraves.

Os prejuízos gerados pelo parasitismopor larvas de C. hominivorax nos rebanhosbovinos brasileiros foram estimados em cercade 150 milhões de dólares. As perdas geradaspelas bicheiras incluem a perda de peso,queda na produção de leite, danos ao couro emortalidade de animais. Os danos provocadosao couro, dependem fundamentalmente daregião do corpo afetada pelas larvas. Osmedicamentos utilizados no controle etratamento dos animais afetados,representam os prejuízos mais facilmentecalculados. Esses tratamentos além derepresentarem grande prejuízo para oprodutor, contribuem para a presença deresíduos indesejáveis na carne e no leitebovino.

Além de todos esses aspectosindesejáveis do uso de inseticidas para osprodutores e para os consumidores dosprodutos de origem animal, deve-se tambémconsiderar o impacto ambiental produzidopela utilização desses medicamentos. Oacúmulo de embalagens com restos deinseticidas é extremamente prejudicial aoambiente, necessitando dessa maneira deracionalização do uso, nem sempreverificada nas propriedades rurais.

Métodos de controle e profilaxia

Na vasta região de ocorrência de C.hominivorax, a utilização de inseticidas, oprincipal método de controle da infestaçãopor larvas dessa mosca, ainda ocorrerá pormuito tempo. A utilização de tratamentosrepetitivos é apontada como o maior fatorde impacto econômico, nos grandesrebanhos criados extensivamente. Dessamaneira, a prevenção deve ser feita emépocas específicas, que correspondam aosperíodos de maior exposição a infestações.

Como todas as feridas cirúrgicaspredispõem os animais a miíases, elasdevem ser evitadas nos meses maisquentes, quando as populações de moscassão maiores. Em grandes rebanhos criadosextensivamente, muitas vezes é impossívelevitar que sejam produzidas feridas(geralmente por castração ou descorna)durante os meses quentes e úmidos. Dessamaneira, após esse tipo de intervenção, aslesões devem ser submetidas a processo delimpeza diária e protegidas com repelentes,para evitar a instalação de larvas da mosca.

Uma época de grande incidência dadoença é a estação de nascimento de bezerros.O cordão umbilical, quando não recebe otratamento adequado, pode predispor a gravesinfestações por larvas de moscas. A prevençãodeve ser feita por meio do tratamento adequadodo umbigo, com soluções alcoólicas de iodo.Esse tratamento, feito logo após o nascimento,além de prevenir a inflamação do cordãoumbilical (onfaloflebite), que pode trazer gravesconseqüências para a saúde do bezerro,também inibe o estabelecimento de larvasde moscas.

Page 5: Miiases

5 Miíases dos Bovinos

Os problemas de infestações porlarvas em vacas após o parto também sãocomuns, principalmente em rebanhos emque partos difíceis (partos distócicos) sãofreqüentes. Nesses casos, a indicação éque todas as vacas sejam observadas nopós-parto e todos os ferimentos presentesna região vulvar, assim como excreçõespresentes no corpo do animal, sejamdevidamente limpos e desinfetados. Aobservação constante do rebanho e ainspeção mais detalhada, a fim de verificarse os animais apresentam feridas e/oularvas, é extremamente importante para ocontrole e o tratamento das miíases porlarvas de C. hominivorax.

Com relação ao controle químico,têm sido utilizados com sucessomedicamentos isolados a partir de colôniasde fungos específicos (Streptomycesavermitilis), denominados lactonasmacrocíclicas. Essas substânciasapresentam ação letal para váriosendoparasitas e ectoparasitas de amplavariedade de animais domésticos e animaisselvagens. Entre esses quimioterápicosestão as substâncias denominadasabamectinas, ivermectinas, moxidectinas edoramectinas. Tais medicamentos têm sidoamplamente utilizados no controle dasparasitoses que acometem os animais, emrazão do seu amplo espectro de ação,sendo eficientes contra diversos ácaros(entre eles os carrapatos) e miíases emgeral. Outra vantagem dessesmedicamentos é que eles podem seraplicados por injeção subcutânea oudiretamente sobre a pele nda região dorsaldos animais (“pour on”), o que possibilita

sua utilização em doses exatas para cadaanimal e com efeito residual prolongado.

Estudos controlados foramdesenvolvidos com a finalidade de verificarqual seria o melhor tratamento parainfestações por larvas de C. hominivorax equal seria a média do período residualdessas drogas.

Em estudo conduzido na Argentina,bezerros foram tratados commedicamentos à base de ivermectinas edoramectinas e no décimo segundo e nodécimo quinto dia após o tratamento foramsubmetidos a infestações experimentaiscom cerca de 100 larvas de primeiroestágio, em feridas abertas com auxílio debisturi e anestesia local. Os animais foramacompanhados por cinco dias,consecutivos, para verificação daexistência de larvas vivas. O medicamentoà base de doramectina foi o mais eficaz,sendo capaz de reduzir 90,9% e 83,3% dasmiíases ao décimo segundo e ao décimoquinto dia, respectivamente.

Em experimentos conduzidos noBrasil, foi testada a eficácia dedoramectinas e ivermectinas contra ainfestação por larvas de moscas C.hominivorax, assim como a duração daproteção conferida por essesmedicamentos. Esses trabalhos mostraramque as doramectinas apresentaram 100%de eficiência na prevenção das miíasesinduzidas duas horas após o tratamento nadose recomendada (200 mg/kg). Essaproteção se estendeu por 21 dias e setornou parcial (56%) até o vigésimo oitavodia. As ivermectinas protegeram apenas50% dos animais expostos ao mesmo

Page 6: Miiases

6Miíases dos Bovinos

desafio. Um fator importante relacionadoao uso das doramectinas refere-se ao efeitolarvicida verificado nos experimentos decampo e também a persistência de suaeficácia, que prolonga a proteção conferidapelo tratamento.

O fipronil é um inseticida do grupoquímico fenilpirazol que também tem sidoutilizado no controle de várias pragasagrícolas e parasitas de pequenos animais etambém contra as bicheiras dos bovinos. Ofipronil é uma molécula extremamenteativa, que atua no sistema nervoso centraldos insetos, interferindo na transmissão deimpulsos nervosos, levando asuperexcitação e subseqüente morte.Estudos recentes mostraram que otratamento tópico à base de fipronil a 1%na dose de 10 mg/kg de peso, aplicados nalinha dorsal (“pour on”) simultaneamente àcastração, apresentou eficiência de 95%na prevenção das miíases por larvas de C.hominivorax por cerca de 17 dias após acastração. Nesse experimento, foiverificado que tanto nos animais tratadoscomo naqueles do grupo controle haviamassas de ovos nas feridas. Mas, nosanimais tratados, os ovos apresentaram-seinviáveis, demonstrando a ação larvicida domedicamento.

Os medicamentos à base deinseticidas organofosforados são usadosrotineiramente para controlarectoparasitas. Esses medicamentos, apesardo uso intenso, não levaram aodesenvolvimento de resistência por partedos insetos que provocam a bicheira e oberne.

Com relação à atividade larvicida dosprodutos contra as miíases, é importantedestacar que essa característica é muitoimportante, visto que ela pode ter papelsignificativo no controle da população de C.hominivorax. Os medicamentos usadosapenas como repelentes, que têm o usobastante difundido no meio rural, nãopossuem essa característica de atuar naredução da população de moscas.

Os medicamentos utilizados nocontrole das miíases devem ser usados comcritério e em épocas específicas, semprecom a supervisão do médico veterinárioresponsável pela sanidade do rebanho.Deve-se lembrar que existemmedicamentos que podem atuar sobreoutros endoparasitas e ectoparasitas, emrazão do seu amplo espectro de ação.Dessa maneira, bom planejamento é muitoimportante para que se obtenha osmelhores resultados dos tratamentos, semprecisar de repetições, que, por causa dosaltos custos, poderiam inviabilizar oprocesso.

Miíases por larvas de D. hominis

Ciclo biológico

A mosca D. hominis ocorre doMéxico à Argentina, distribuindo-seamplamente no território brasileiro,concentrando-se em regiões quentes eúmidas com vegetação abundante e comaltitudes inferiores a 1000 m. Adermatobiose é encontrada em 94% dosmunicípios brasileiros. Em alguns Estadosdo Norte e do Nordeste, apesar de não

Page 7: Miiases

7 Miíases dos Bovinos

haver registros da presença autóctone damosca, as miíases por D. hominis ocorremem conseqüência do fluxo de animaisprovenientes de outras regiões.

Os insetos adultos de D. hominis sãomoscas relativamente grandes, com cercade 15 mm de comprimento, cujalongevidade é de cerca de 3 a 19 dias. Oaparelho bucal é do tipo vestigial(afuncional), porque essas moscas não sealimentam, o abdome é de cor azulmetálica, o tórax é castanho escuro e acabeça e as patas são amareladas. Essesinsetos são raramente vistos na natureza oumesmo perto dos hospedeiros, mantendo-seprotegidos pela vegetação próxima aospastos. Os insetos adultos copulam nasprimeiras 24 horas após a emergência dopupário. As fêmeas realizam a postura noabdome de moscas de outras espécies, quesão capturadas no ar e que atuam comovetores de seus ovos (moscas foréticas).Entre as espécies mais utilizadas comotransportadoras de ovos de D. hominisestão a mosca-doméstica (Muscadomestica), a mosca-dos-estábulos(Stomoxys calcitrans), a mosca-dos-chifres(Haematobia irritans) e outros dípteros,como mosquitos e mutucas. O período deincubação dos ovos é, em média, de seisdias. Em cada postura, cerca de 30 ovossão depositados no abdome da moscavetora e o total de ovos produzidos por umafêmea durante o seu período fértil podechegar a 700 unidades.

A infestação dos bovinos ocorrequando os insetos vetores pousam no corpodesses animais. O calor emanado da pele ea liberação de gás carbônico dos bovinos

parecem constituir os principais estímulospara que ocorra a eclosão das larvas. Aslarvas recém-eclodidas penetramativamente na pele íntegra ou nos folículospilosos do hospedeiro. Para seestabelecerem nos hospedeiros, as larvasdessas moscas, em todos os seus estádiosde desenvolvimento, produzem enzimasproteolíticas, que auxiliam na invasão dostecidos e no seu estabelecimento e na suaalimentação.

Os parasitas migram até o tecidosubcutâneo, onde iniciam odesenvolvimento larval, que dura de 29 a45 dias. A presença da larva no tecidosubcutâneo leva à formação de uma lesãonodular furunculosa, que apresenta umorifício (fístula), que é utilizado pararespiração do parasita. A larva de terceiroestádio cai no solo e inicia a fase depupação. A fase de pupa dura cerca de 30dias em condições ótimas de temperatura eumidade, mas pode se estender por até 120dias em condições pouco favoráveis,quando a pupa entra em estado dedormência. Todo o ciclo dedesenvolvimento de D. hominis pode secompletar em 100 a 140 dias.

A presença de vegetação abundantepróxima aos pastos é um fator de grandeimportância na ocorrência dasdermatobioses. A quantidade de parasitaspor animal pode variar de acordo com aestação do ano, já que o calor e a umidadefavorecem o desenvolvimento das moscas.Outros fatores que têm sido verificadocomo de grande importância para oparasitismo por essas larvas são a cor dapelagem e a raça dos animais. Os animais

Page 8: Miiases

8Miíases dos Bovinos

de raças zebuínas são mais resistentes ainfestações quando comparados a raçastaurinas e os de pelagem escura são maissuscetíveis, provavelmente em razão damaior retenção de calor, que atua atraindoos insetos.

Importância econômica

A dermatobiose é responsável porgraves prejuízos à pecuária no Brasil. Asestimativas desses prejuízos levaram avalores de cerca de 260 milhões de dólarespor ano. Como já citado anteriormente, apecuária constitui-se em importante fontede divisas para nosso País e dessa maneiratodas as pesquisas relacionadas a formasde controle mais efetivas desse parasitapodem contribuir para a melhoria daqualidade da matéria prima produzida emelhorar a lucratividade dos produtoresrurais.

A presença de lesões causadas peloberne na pele dos animais provocairritabilidade e redução da produtividadedos animais afetados, sobretudo naquelesque apresentam infestações graves.Estudos conduzidos na América do Sulconcluíram que animais com infestações decerca de 40 bernes sofreram redução de9% a 14% do ganho de peso no período dedez meses. Na Argentina, foi verificado queos prejuízos causados pela dermatobiose serelacionavam com a morte de bezerrosintensamente parasitados e a formação deabscessos. O maior impacto do berne éverificado na depreciação da qualidade docouro dos animais doentes. Emlevantamento conduzido em matadouro no

Estado do Rio de Janeiro, onde foramexaminadas 5.142 peles de bovinos, 2.710(52,7%) estavam parasitadas por larvas deD. hominis. Os maiores picos de infestaçãopor essas larvas foram observados nosmeses de temperaturas mais elevadas,sendo que temperaturas iguais ou maioresdo que 25ºC se mostraram favoráveis aoaumento da porcentagem de pelesparasitadas. Quanto à precipitação,observou-se que períodos com chuvamensal acima de 200 mm3 tambémfavoreceram o aumento das pelesparasitadas. As lesões provocadas peloberne no couro dos animais são definitivas ereduzem de maneira drástica a qualidade docouro.

Métodos de controle e profilaxiaO uso de inseticidas é o método

rotineiramente utilizado para o controle dainfestação por larvas de D. hominis. Aretirada das larvas individualmente, pormeio da obstrução do orifício fistular, temsido utilizada em casos de infestaçõesbaixas em rebanhos pequenos. Essaestratégia apresenta geralmente baixaeficiência, não evitando os problemasdecorrentes da parasitose e principalmenteas lesões no couro. Em grandes rebanhos, ocontrole individual é impraticável.

Os medicamentos organofosforadostêm sido utilizados com freqüência e seuprincipal problema é o período residualmuito curto. Alguns princípios ativosutilizados para controlar os carrapatos nosbovinos podem atuar sobre moscas vetorasdos ovos de D. hominis, reduzindo a taxa deinfestação dos animais tratados.

Page 9: Miiases

9 Miíases dos Bovinos

As ivermectinas e as doramectinastambém atuam de maneira eficiente sobreos bernes e principalmente as doramectinaspodem ser utilizadas para controle tantodesse parasita como das bicheiras.

Considerações finais

O controle das miíases dos bovinosainda será por muito tempo, baseado no usode inseticidas. A época em que ascondições climáticas favorecem aproliferação desses insetos (altastemperaturas e alta umidade) deve serdeterminada a fim de que existaplanejamento adequado para adoção dasmedidas preventivas. A escolha domedicamento a ser utilizado e da suafreqüência de aplicação deve sercuidadosamente analisada, para que seobtenha a melhor relação custo-benefíciopossível.

Bibliografia Consultada

ANZIANI, O. S.; FLORES, S. G.; MOLTEDO,H.; DEROZIER, C.; GUGLIELMONE, A.A.;ZIMMERMMANN, G.A.; WANKER, O.Persistent activity of doramectin andivermectin in the prevention of cutaneousmyiasis in cattle experimentally infestedwith Cochliomyia hominivorax. VeterinaryParasitology, v. 87, p. 243-247, 2000.

BENITEZ USHER, CRUZ, J., CARVALHO,L.; BRIDI, A., FARRINGTON, D.; BARRICK,R.A.; EAGLESON, J. Prophylactic use orivermectin against cattle myiasis causedby Cochliomyia hominivorax. VeterinaryParasitology, v. 72, p. 215-220, 1997.

BRITO, L. G.; MOYA-BORJA, G. E.Flutuação sazonal de Dermatobia hominisem peles bovinas oriundas de matadouro.Pesquisa Veterinária Brasileira, v. 20, n. 4,p. 151-154, 2000.

LEID, R. W.; SUQUET, C. M.; TANIGOSHI,L. Parasite defense mechanism for evasionof host attack: a review. VeterinaryParasitology, v. 25, p. 147-162, 1987.LIMA, W. S.; MALACCO, M. A. F.;BORDIN, E. L.; OLIVEIRA, E. L. Evaluationof the prophylactic effect and curativeefficacy of fipronil 1% pour on (Topline®)on post-castration scrotal myiasis causedby Cochliomyia hominivorax in cattle.Veterinay Parasitology. v. 125, p. 373-377, 2004.

MOYA-BORJA, G. E. Erradicação oumanejo integrado das miíases neotropicaisdas Américas? Pesquisa VeterináriaBrasileira, v. 23, n. 32, p. 131-138, 2003.MOYA-BORJA, G. E.; MUNIZ, R. A.;UMEHARA, O.; GONÇALVES, L. C. B.;SILVA, D. S. F.; McKENZIE, M. E.Protective efficacy of doramectin andivermectin against Cochliomyiahominivorax. Veterinary Parasitology, v.72, p. 101-109, 1997.

MUNIZ, R. A.; ANZIANI, O. S.; ORDONEZ,J.; ERRECALDE, J.; MORENO, J.; REW, R.S. Efficacy of doramectin in the protectionof neonatal calves and post-parturientcows against field strikes of Cochliomyiahominivorax. Veterinary Parasitology, v.58, p. 155-161, 1995.

OLIVEIRA, G.P.; MATSUMOTO,T.;OLIVEIRA, M.C.S. Importância Econômica eControle do Berne (Dermatobia hominis,Diptera: Cuterebridae) na região de SãoCarlos, SP. São Carlos: Embrapa PecuáriaSudeste, 1999. 11p. (Embrapa PecuáriaSudeste. Comunicado Técnico, 22).

Page 10: Miiases

10Miíases dos Bovinos

Exemplares desta edição podem ser adquiridos na:Embrapa Pecuária SudesteEndereço: Rod. Washington Luiz, km 234Fone: (16) 3361-5611Fax: (16) 3361-5754Endereço eletrônico: [email protected]

1a edição1a impressão (2005-): 250 exemplares

Presidente: Alfredo Ribeiro de Freitas.Secretário-Executivo: Edison Beno Pott Membros: André Luiz Monteiro Novo, Odo Primavesi,Maria Cristina Campanelli Brito, Sônia Borges de Alencar.

Revisão de texto: Edison Beno PottEditoração eletrônica: Maria Cristina Campanelli Brito.

Comitê depublicações

Expediente

ComunicadoTécnico, 56

OLIVEIRA-SEQUEIRA, T. C. G.;AMARANTE, A. F. T. Parasitologia AnimalAnimais de Produção. Rio de Janeiro:EPUB, 2002. p. 20-23.

OLIVEIRA-SEQUEIRA, T. C. G.;GUIMARÃES, S. Atividade proteolítica dosprodutos de excreção/secreção de larvasde Dermatobia hominis. In: CONGRESSOBRASILEIRO DE PARASITOLOGIAVETERINÁRIA, 12., 2002, Rio de Janeiro.Anais... Rio de Janeiro: CBPV, 2002. 1 CDROOM.

PINTO, S. B.; SOCCOL, V. T.;VENDRUSCOLO, E.; ROCHADELLI, R.;RIBEIRO, P. B.; FREITAG, A.; HENEMANN,C.; UEMURA, M. Bioecologia deDermatobia hominis (LINNAEUS Jr. 1781)em Palotina, Paraná, Brasil. Ciência Rural,v. 32, n. 5, p. 821-827, 2002.