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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ – UECE
CURSO DE MESTRADO ACADÊMICO EM FILOSOFIA
MÁRIO FABIANO COSTA ROSENO
MIMESE E LINGUAGEM EM WALTER BENJAMIN
FORTALEZA – CEARÁ 2014
MÁRIO FABIANO COSTA ROSENO
MIMESE E LINGUAGEM EM WALTER BENJAMIN
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico em Filosofia da Universidade Estadual do Ceará como pré-requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Filosofia. Área de concentração: Ética e Filosofia Social e Política. Orientador: Prof. Dr. João Emiliano Fortaleza de Aquino.
FORTALEZA – CEARÁ 2014
R813m Roseno, Mário Fabiano Costa
Mimese e Linguagem em Walter Benjamin. / Mário Fabiano
Costa Roseno. Fortaleza: UECE, 2014. 67f. 30 cm.
Orientador: João Emiliano Fortaleza de Aquino
Dissertação de Mestrado em Filosofia – Universidade Estadual do Ceará, UECE, 2014.
1. Linguagem. 2. Brincadeira. 3. Mimese. I. Roseno, Mário Fabiano Costa. II. Universidade Estadual do Ceará. III. Título
CDU 177. XXX.XXX.XXX
MÁRIO FABIANO COSTA ROSENO
MIMESE E LINGUAGEM EM WALTER BENJAMIN
Conceito Obtido: _______________________________
Fortaleza, __________ de ____________________________ de 2014.
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________________________________________________ Orientador: João Emiliano Fortaleza de Aquino, Dr.
__________________________________________________________________________________________ 1º examinador: Profª. Drª. Ilana Viana do Amaral
Universidade Estadual do Ceará
__________________________________________________________________________________________ 2º examinador: Prof. Dr. Estenio Ericson Botelho de Azevedo
Universidade Estadual do Ceará
A Deus por conceder minha vida até aqui, Minha mãe por colocar prioridade em meus estudos desde pequeno, Minha esposa pela companhia fraterna, paciência e cumplicidade e meu pai que mesmo estando em outro plano espiritual tenho plena convicção da felicidade e orgulho deste momento.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, a Deus por conduzir meus pensamentos, meu equilíbrio,
minha saúde e companhia nos momentos tristes, de solidão, de concentração e,
claro, de alegria em todas as instâncias de minha vida;
À minha esposa Ana Carla Costa dos Santos Roseno, pela paciência,
serenidade, conforto e palavras durante todo um percurso árduo e espinhoso do
meu mestrado. Tendo ela que conciliar casa, trabalho, marido e minhas
instabilidades emocionais provocadas pela ansiedade e apego aos estudos;
À minha mãe, que mesmo distante, orava e vibrava com minhas
conquistas e hoje compartilha mais um momento da minha vida que ela mesma
tanto sonhou: Ser um mestre, e futuramente um Doutor;
À minha sogra (dona Iva) e sogro (seu Carlos, amado PUPU) que,
também mesmo longe, ficavam ansiosos e esperançosos com “novos ventos” e
novas conquistas. Sem esquecer, claro, dos meus cunhados Paulo e Eduardo.
Aos meus padrinhos, que ao mesmo tempo são amigos e assumiram o
papel de pais nessa caminhada: Cosme (Cosmão), André (o filho Andrezão), e Dona
Maria que ainda assumiu mais um posto: Amiga de sala no mestrado. Vocês são
ímpares.
Aos meus amigos que os consideram como os irmãos que não tive:
Renan — por vibrar e chorar ao meu lado nos instantes de angústia e alegria, Emílio
— mesmo distante, mas com energias positivas sempre, e Orlando — pela torcida
incondicional e, como os outros, por acreditar em mim.
À minha irmã Ana (Rosiane) e o meu cunhado Fábio e sobrinho recém
chegado Fernando que mesmo estando em Caruaru, minha terra natal, sempre
estiveram ligados a mim.
Ao amigo Pedro Henrique, que viu de perto todo o trilhar dessa jornada e
sempre falava: “… não tenho dúvida da tua vitória”.
A todos os professores do Mestrado Acadêmico de Filosofia da UECE.
Em especial a Ilana Amaral pela co-orientação e palavras importantes que
condicionaram ainda mais minhas conceituações filosóficas; Expedito Passos por
ser o primeiro a estimular e acreditar no meu potencial; aos coordenadores Ruy de
Carvalho pela paciência e serenidade e Emanuel Fragoso por defender sempre os
alunos e o próprio mestrado diante das adversidades.
Ao meu querido orientador Emiliano Fortaleza de Aquino por ser presente,
vibrante, paciente e principalmente pelos ensinamentos repassados ao longo do
mestrado. E deixar registrado aqui a minha eterna gratidão por ter recebido a mim de
braços abertos.
Ao secretário da coordenação do Mestrado Acadêmico de Filosofia da
UECE, Igor Timbó, por ter sido sempre generoso e hábil com nossas aflições
burocráticas acadêmicas.
Ao colega Gustavo, pela ajuda nas revisões em pleno domingo, mas
sempre muito atencioso.
A Fanor Devry pela bolsa-auxílio concedida a mim no momento que mais
precisava.
“Nunca ninguém se torna mestre num domínio em que não conheceu a impotência, e, quem aceita esta ideia, saberá também que tal impotência não se encontra nem no começo nem antes do esforço empreendido, mas sim no seu centro.”
Walter Benjamin
RESUMO A presente dissertação tem como objetivo principal analisar a relação entre linguagem e mimese em Walter Benjamin. Walter Benjamin faz uma exaltação à teoria mimética e procura mostrar através das brincadeiras de crianças o que é a capacidade mimética. Fazendo então uma diferenciação entre a magia da brincadeira do que é material em relação ao brinquedo. O filósofo se atenta a um detalhe: o adulto subestima a linguagem da criança. Engana-se que não há a linguagem nela. É pela brincadeira que sua forma de se comunicar, revela o quão não sabem os adultos a importância da linguagem para as crianças. Na demonstração prática, o brinquedo deixa a condição física para assumir um papel importante na comunicação das crianças. Elas interagem com a natureza e é o viés de comunicação entre as próprias crianças. Pode-se dizer que o brinquedo, a brincadeira e o jogo fazem parte do campo da linguagem, descaracterizando de vez o que antes esses elementos eram considerados como algo de distração. Conclui-se que a mimese e a linguagem fazem parte de um processo de transformação. Mudança essa a começar pela atitude, partindo da mimética e ligada à formação fundamental para o conjunto de relações sociais modernas além também do princípio de toda aprendizagem infantil. Palavras-chave: Linguagem. Brincadeira. Mimese.
ABSTRACT This thesis aims to analyze the relationship between language and mimesis in Walter Benjamin. Walter Benjamin is an exaltation to the mimetic theory and tries to show through play children what is the mimetic capacity. Then making a distinction between the magic of play than is material to toy. The philosopher is attentive to detail: the adult underestimates the child's language. Is wrong that there is no language in it. It is through play your way to communicate, reveals how adults do not know the importance of language for children. In practical demonstration, the toy leaves the physical condition to play an important role in the communication of children. They interact with nature and is either the bias between the children themselves. It can be said that the toy, play the game and are part of the language field, debased of time before that these elements were regarded as something of a distraction. It follows that the mimetic and the language part of a process of transformation. Change that starting with the attitude, based on the mimetic and linked to fundamental training for the whole of modern social relations in addition also assumed all children's learning. Keywords: Language. Play. Mimesis.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO.....................................................................................................11
CAPÍTULO I. MIMESE, SEMELHANÇAS e LINGUAGEM........................................14 I.1 Relação entre mimese e linguagem..................................................................21
CAPÍTULO II. DOS CONCEITOS DE SEMELHANÇA SENSÍVEL, NÃO-SENSÍVEL E EXTRASSENSÍVEL...............................................................................................29 II.1 A Dimensão Mágica na Faculdade Mimética e na Linguagem.........................33
CAPÍTULO III. REFLEXÕES SOBRE A CRIANÇA, O BRINQUEDO E A EDUCAÇÃO ...............................................................................................................................41 III.1 A Imitação no Processo de Reflexão sobre Criança e Brincadeira .................44 III.2 Linguagem e Mimese através de Jogos e Brinquedos....................................48
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................63
REFERÊNCIAS.........................................................................................................66
APRESENTAÇÃO
O objetivo geral desta dissertação é analisar a relação entre mimese e
linguagem em Walter Benjamin. E tem como objetivos específicos: apresentar os
conceitos de mimese, semelhanças e linguagem; identificar a relação entre a
mimese, a semelhança sensível e a semelhança não-sensível; e, por fim, apresentar
as reflexões benjaminianas sobre a criança, o brinquedo e a educação.
No primeiro capítulo tematiza-se, como base de toda a dissertação, os
ensaios Doutrina das Semelhanças e sua segunda versão intitulada Sobre a
faculdade mimética, ambas de 1933. Tenta-se conceituar, numa visão filosófica, o
que aborda Benjamin sobre a faculdade mimética para nos aproximar de sua
concepção sobre a linguagem.
No segundo capítulo, discorre-se sobre as principais análises de
Walter Benjamin envolvendo a mimese e linguagem. Mas, claro, que somos
sabedores que as reflexões do filósofo envolvendo a linguagem estão em toda a
sua obra. O diferencial nos textos escolhidos para essa dissertação,
pontualmente para o primeiro capítulo, é que neles podem ser encontrados o
esclarecimento e as explicações de Benjamin sobre o papel da linguagem.
Já sobre a mimese, ainda no primeiro capítulo, abordam-se explicações
que vão da visão clássica antiga à modernidade. Sempre como referência a visão do
filósofo sobre a mimese. Logo no primeiro momento, Walter Benjamin traz uma
reflexão sobre o comportamento do homem moderno e do antigo em relação à
mimese como um instrumento importante para repensar e analisar a relação entre o
indivíduo e o mundo no qual está inserido.
Analisa-se como os sentidos ontogenético e filogenético são o fio
condutor do aperfeiçoamento da faculdade mimética. Para Benjamin as
transformações históricas da faculdade mimética passam por essas duas vias.
Encerrando esse capítulo, discorre-se sobre o que é “mágico” na visão de Benjamin.
Para o filósofo, seria esse o acontecimento como as semelhanças não sensíveis se
constituem através da linguagem. A expressão faz com que a linguagem se torne
12
mais reveladora. Isso revela a importância da linguagem diante da faculdade
mimética.
No terceiro capítulo da dissertação, trabalha-se com os ensaios
reunidos no livro Reflexões sobre a Criança, o Brinquedo e a Educação. A intenção
é avançar sobre a conceituação de linguagem e mimese demonstrando que ambos
fazem parte fazem parte de um processo de transformação a partir do universo da
criança. Benjamin tratou o tema de forma delicada e fragmentada e, ao mesmo
tempo, o mundo girava em torno de várias turbulências de ideais.
Ao mesmo tempo, Benjamin faz críticas e questiona às práticas modernas
de educação porque elas estariam ligadas ao individualismo e vinculadas ao modo
de produção industrial. O filósofo classifica a modernidade como preconceituosa. No
âmbito pedagógico que envolve a linguagem e a mimese, identifica-se um Benjamin
que faz ponderações, observações e críticas em relação à burocratização e a
hierarquização imposta no modelo de ensino vigente a época.
A linguagem para Benjamin se apresenta em dimensões sociais, políticas
e até culturais. O filósofo diz que é preciso haver o que ele considera um diálogo
cultural. Mas ao mesmo tempo, Benjamin não descarta o lúdico porque o processo
educativo propõe uma busca contínua sobre a herança cultural. O lúdico faz parte do
universo da criança. É nesse lugar que elas criam espaços, ampliam as relações
entre as práticas lúdicas e ao mesmo tempo dialogam com os adultos.
Por fim, Walter Benjamin faz uma exaltação à teoria mimética e procura
mostrar através das brincadeiras de crianças o que é a capacidade mimética.
Fazendo então uma diferenciação entre a magia da brincadeira do que é material
em relação ao brinquedo. O filósofo se atenta a um detalhe: o adulto subestima a
linguagem da criança. Engana-se que não há a linguagem nela. É pela brincadeira
que sua forma de se comunicar, revela o quão não sabem os adultos a importância
da linguagem para as crianças. Na demonstração prática, o brinquedo deixa a
condição física para assumir um papel importante na comunicação das crianças.
Elas interagem com a natureza e é o viés de comunicação entre as próprias
crianças. Pode-se dizer que o brinquedo, a brincadeira e o jogo fazem parte do
13
campo da linguagem, descaracterizando de vez o que antes esses elementos eram
considerados como algo de distração.
CAPÍTULO I.
MIMESE, SEMELHANÇAS E LINGUAGEM
A proposta da nossa pesquisa é entender a relação entre mimese e
linguagem em Walter Benjamin. Neste primeiro capítulo tematiza-se, como base de
toda a dissertação, os ensaios Doutrina das Semelhanças, escrito em 1933, e sua
segunda versão reescrita no mesmo ano intitulada Sobre a faculdade mimética.
Tenta-se conceituar, numa visão filosófica, o que aborda Benjamin sobre a
faculdade mimética para nos aproximar de sua concepção sobre a linguagem. Já
que, para Benjamin, essa linguagem “parece estar vinculada a uma dimensão
temporal”1.
Benjamin afirma ainda que “todas as manifestações da vida intelectual do
homem podem ser concebidas como uma espécie de linguagem”.2 Sobre a mimese,
o filósofo a conceitua como a produção de semelhanças. Para ele, seria a ação
humana responsável por produzir semelhanças concretizando a inserção do homem
no mundo por meio da percepção e da linguagem.
A dimensão temporal está responsável por caracterizar a percepção das
semelhanças. A percepção das semelhanças, portanto, parece estar vinculada a
uma dimensão temporal. A conjunção de dois astros, que só pode ser vista num
momento específico, é observada por um terceiro protagonista, o astrólogo. Apesar
de toda a precisão de seus instrumentos de observação, o astrônomo não consegue
igual resultado.3
A natureza engendra semelhanças: basta pensar no mimetismo. Mas é o homem que tem a capacidade suprema de produzir semelhanças. Na verdade, talvez não haja nenhuma de suas funções superiores que não seja decisivamente codeterminada pela faculdade mimética.4
1 BENJAMIN, W. Doutrina das Semelhanças. In: Magia e Técnica, Arte e Política : Ensaios sobre
Literatura e História da Cultura. 1987, p. 110 2 BENJAMIN, Walter. Sobre a linguagem em Geral e Sobre a Linguagem Humana. Sobre Arte,
Técnica, Linguagem e Política . Trad. de Manuel Alberto. Lisboa: Relógio D’Água, 1992, p. 142. 3 BENJAMIN, W. Doutrina das Semelhanças, p. 111. 4 Idem, p. 108.
15
Para Benjamin, as semelhanças são encontradas na natureza, e seria
através da faculdade mimética, que o homem possibilita descobrir os sentidos.5 A
proposta do filósofo é entender as semelhanças a partir do homem no âmbito do
consciente e inconsciente. As semelhanças inconscientes, por exemplo, trata-se do
conceito de ‘semelhança extrassensível’. Para Benjamin, esse conceito é o que mais
se aproxima da linguagem e que mais a frente irá se aprofundar sobre essa
conceituação, além da explicação sobre as brincadeiras infantis que seriam os
pontos de partida para se entender como a faculdade mimética (mimese) e a
linguagem estão ligadas. Sobre as semelhanças conscientes, Benjamin fala que são
“percebidas conscientemente, por exemplo, nos rostos, em comparação com as
incontáveis semelhanças das quais não temos consciência”.6
Retomando a conceituação de Benjamin sobre a mimese, o filósofo diz
que o conhecimento é vinculado a essa faculdade de forma que não haja
“dominação e violência”.
O domínio não se alcança através da violência ou da força, pois nele
existe algo que é maior e que se traduz como sendo a comunicação. Pode-se definir
também este cerne ou núcleo central como intraduzível, pois inúmeros elementos de
comunicação são usados para se conseguir extrair e traduzir, os quais
permanecerão sempre numa zona intacta e intocável para onde converge o trabalho
do tradutor. Trata-se de uma zona que não pode ser transmitida pelo modo original
devido ser completamente diferente as relações entre o conteúdo e a linguagem.7
O filósofo se posiciona em defesa da mimese como uma manifestação da
linguagem, onde a capacidade mimética8 não é regressiva para o ser humano, mas
5 Acerca de semelhanças e faculdade mimética, Rouanet explica que essa relação nada mais é do
que uma faculdade subjetiva, dotada da capacidade para perceber semelhanças na natureza e que acionam no ser humano uma espécie de “mimese primária”. Walter Benjamim sugere um “dom mimético” que impulsiona seres humanos a obedecer, em seus padrões comportamentais, modelos observados na natureza, ou seja, na realidade objetiva. Desse modo, a “faculdade mimética” seria responsável por estabelecer parâmetros comparativos e relacionais entre seres humanos, a natureza e as coisas. Cf. ROUANET, Sérgio Paulo. Édipo e o Anjo : Itinerários Freudianos em Walter Benjamin. p. 115.
6 BENJAMIN, W. Doutrina das Semelhanças, p. 109. 7 BENJAMIN, W. A tarefa do tradutor. Belo Horizonte: Fale/UFMG, 2008. p. 33 e 34. 8 Vejamos o que escreve Gagnebin sobre Capacidade Mimética: “A originalidade da teoria
benjaminiana está em supor uma “história” da capacidade mimética. Em outras palavras, as semelhanças não existem em si, imutáveis e eternas, mas são descobertas e inventariadas pelo conhecimento humano de maneira diferente, de acordo com as épocas.” GAGNEBIN, Jeanne
16
uma faculdade que está sempre presente no que é concreto, ou seja, na linguagem,
na escrita e até mesmo em certos fenômenos de reprodução mecânica.
Segundo Benjamin, a capacidade mimética do ser humano ficou
concentrada na escrita e na linguagem. Dessa forma, a escrita tem um signo
mediador que auxilia no desenvolvimento do ser humano a partir dos processos
cognitivos presentes e se relaciona com a consciência histórica.9 Ou seja, a escrita
representa a realidade. Para compreensão melhor, o filósofo caracteriza a
mimese como lúdico para solidificar e flexibilizar seu conceito10 através da real
dominação do tecnicismo capitalista.
A filosofia benjaminiana propõe que a linguagem e o conhecimento são os
saberes ocultos indispensáveis entre si, onde que se chega na discussão que a
mimese representa uma interligação entre conhecimento e a própria linguagem. Se,
para Benjamin, o homem detém a capacidade superior de produzir semelhanças,
isso implica que a faculdade mimética (mimese) está entre as principais funções do
homem porque a mimese se apresenta como algo útil para o conhecimento. Para
Ana Luiza Varella Franco11, há uma vinculação entre faculdade mimética,
semelhança e linguagem que Benjamin aborda. Se Benjamin diz ser a natureza
quem engendra as semelhanças, isso mostra que nela há uma objetividade e,
portanto, a natureza pode ser conhecida.
Marie. Do conceito de mímesis no pensamento de Adorno e Benjamin. Perspectivas, nº 16, São Paulo, 1993, p. 80).
9 Ao abordamos aonsciência histórica, consideramos que não é comum a todos que utilizam a expressão. Explicamos que parte de um fenômeno inerente à existência humana está inserida numa característica de uma parcela humana sobre a consciência histórica.
10 Gagnebin ainda conceitua Benjamin a partir dessa citação sobre mimese: “A mimese será ligada por definição ao jogo e ao aprendizado, ao conhecimento e ao prazer de conhecer. O homem é capaz de produzir semelhanças porque reage, segundo Benjamin, às semelhanças já existentes no mundo. De maneira paradoxal, essas semelhanças não permaneceram as mesmas no decorrer dos séculos. Está em supor uma história da capacidade mimética. Em outras palavras, as semelhanças não existem em si, imutáveis e eternas, mas são descobertas e inventariadas pelo conhecimento humano de maneira diferente, de acordo com as épocas”. (GAGNEBIN. Do conceito de mimese p. 97-98).
11 FRANCO, Ana Luiza Varella. O pensamento de Walter Benjamin e o legado kantiano: uma nova forma de conceber o conhecimento. O que nos faz pensar , n. 25, agosto de 2009, p.193-211.
17
Se construir semelhanças dar a entender que uma coisa não é outra, mas há uma identidade que permite relacioná-las, daí o filósofo entende que imitar, denominar ou produzir semelhanças refere-se à faculdade mimética da espécie humana e que torna possível a troca ou intercâmbio com a linguagem das coisas. A mimese personificada nos signos da linguagem e faz brotar a própria phýsis, que por sua vez surge com as semelhanças que as engendra, pois são percebidas e transmitidas através da linguagem. Benjamin ainda se volta para descrever sobre o domínio das analogias, o qual mostra que o mundo é recoberto por seus signos, liberando imagens que se conectam no movimento linguístico das semelhanças. É no interior dessa linguagem que o autor descobre a faculdade mimética.12
O ensaio Doutrina das Semelhanças define de forma clara o surgimento e
desenvolvimento da linguagem a partir de uma capacidade mimética. Pode-se
classificar como uma das capacidades humanas mais antigas e que está relacionada
à necessidade humana de interpretar e redesenhar o mundo.
Essa faculdade descrita pelo autor surge desde o nascimento da criança
e estende-se até a vida adulta, para depois estabelecer uma relação direta com o
homem para estimulá-lo na sua capacidade para captar as semelhanças que lhe são
ofertadas. O que o autor quer dizer é que a faculdade mimética se inicia na vida do
recém-nascido e continua na vida adulta, sendo que, paralelamente, se torna
possível perceber a relação harmoniosa existente entre o homem e sua totalidade.
Considera-se que a conceituação e compreensão sobre a mimese
apresentam vários pensamentos filosóficos perfazendo uma trajetória que vai do
pensamento antigo ao moderno. Ao discorrer sobre essa afirmação, entende-se que
a partir da visão clássica antiga, a mimese não é vista como algo puramente
imitativo, uma simples reprodução que condiz com a imagem que nela está
representada.
Platão apontou importantes considerações sobre a mimese relacionando
a técnica e o papel do pintor. Para o filósofo, as imagens são consideradas: “a arte
da cópia e a arte do simulacro”.13 Explica que a mimética deve ser diferenciada da
arte de copiar. E argumenta: “… ora, copia-se mais fielmente quando, para melhorar
a imitação, transportam-se do modelo as suas relações exatas de largura,
12 FROTA, Ana Luiza Varella. Walter Benjamim: tempo, imagem, imitação, apresentação. Análogos
X. Anais da X SAF-PUC . Semana dos Alunos de Pós-Graduação em Filosofia. Rio de Janeiro. Volume X. Pág. 12, dez. 2010.
13 PLATÃO: Sofista. 236b, 264c.
18
comprimento e profundidade, revestindo cada uma das partes das cores que lhe
convém”.14
Platão aborda obras de grandes dimensões das quais os pintores têm
dificuldade em fazer a reprodução de acordo com as proporções verdadeiras. E faz
uma indagação: “não sacrificam os pintores as proporções exatas para substituí-las,
em suas figuras, pelas proporções que dão ilusões?”15. Ou seja, “o que assim simula
a cópia, mas que de forma alguma o é, não seria um simulacro? (…) À arte que, em
lugar de uma cópia, produz um simulacro, não caberia, perfeitamente, o nome de
arte do simulacro?”.16
A visão de Platão sobre a mimese provoca uma imagem das coisas que
faz o real ser questionado. No entanto, Platão é enfático ao afirmar que a mimese
compromete e provoca dúvidas sobre sua ação. Logo no início do livro X da
República, Platão diz que a poesia e a pintura são imitações. Avança afirmando que
os poetas são imitadores e não teriam conhecimento sobre aquilo que estão
imitando, e fazem uma brincadeira sem seriedade. Poesia e pintura, por isso,
aparecem para Platão, em três pontos afastados da realidade.
A concepção platônica17 é rebatida por Aristóteles que sai em defesa de
que a mimese parte de um princípio natural do homem. “Prova disso é o que
acontece na realidade: das coisas cuja visão é penosa tem-se prazer em
contemplar a imagem quanto mais perfeita; por exemplo, as formas dos bichos
mais desprezíveis e dos cadáveres”.18 Para Platão “sem outro talento que o de
14 PLATÃO: Sofista. 235e 15 PLATÃO: Sofista. 236a. 16 PLATÃO: Sofista 268 b; 234 c. 17 Podemos aqui citar uma crítica platônica levantada por Gabnegin: “[…] antecipa todas as críticas
posteriores. Nelas também, a mimese intervirá como fator de engano e de ilusão, ligado aos encantos da arte e à ingenuidade dos ouvintes. Será geralmente associada a uma regressão das faculdades críticas e a certa passividade, acometendo mais facilmente as crianças e as mulheres ignorantes, que se deixam seduzir pelo falso brilho e são mais sensíveis ao maravilhoso irracional, características do mythos em oposição ao logos. Ilusão, brilho, regressão, passividade, infância, irracional, eis alguns dos termos-chaves que reaparecem nas críticas da mimese, na arte e no divertimento, desde Platão e até as nossas discussões sobre a Rede Globo. Essas categorias também vão voltar no debate entre Adorno e Benjamin. (GAGNEBIN, Jeanne Marie. História e Narração em Walter Benjamin . 1994, p. 70).
18 Poética, IV, 1448b, 9-12
19
imitar, mediante certa colocação de palavras e expressões figuradas, os poetas não
passavam de imitadores de fantasmas, e jamais chegam à realidade”.19
Aristóteles se aprofunda e encontra condições para que a mimese
possa contribuir diretamente para com o real. Segundo o filósofo, “a imitação é
natural ao homem desde a infância”.20 Para Aristóteles, a verdade torna-se a
partir do fazer humano e todo o saber começa pela mimese. O imitar encontra-
se na fábula, na poesia, na comédia e até na própria história. Em outras
palavras, Aristóteles queria dizer que a mimese seria um exemplo de criatividade.
Na Poética, a imitação se constitui numa “tendência natural do homem” e
é com base nos poetas, segundo Aristóteles, que a faculdade mimética é
instrumento que está ligado diretamente ao processo de discernimento e
compreensão. Para o filósofo, “a obra do poeta não consiste em contar o que
aconteceu, mas sim coisas quais podiam acontecer, possíveis no ponto de vista da
verossimilhança ou da necessidade”21. Ao citar a verossimilhança, Aristóteles
relacionava como característica que a arte tem para poder estabelecer semelhanças
com o real. Para ele, seria este elemento essencial para o processo de mimese onde
não há apenas uma aproximação com a realidade, mas com o que é verdadeiro.
Nota-se que Aristóteles tinha como visão, uma mimese bastante afastada
daquela de Platão, principalmente quando relacionado ao desenvolvimento do
conhecimento22. Ou seja, ao contrário de Platão, para Aristóteles a mimese
caracterizava uma verdade.
Acerca do pensamento grego sobre a mimese, pode-se afirmar que essa
faculdade possibilita uma aprendizagem. Estaria, antes, diante de uma “faculdade”
que protagoniza a produção de imagens, sejam elas lúdicas ou não23. Se, por um
19 PLATÃO. Livro IX. p. 392. 20 Poética, IV, 1448b, 5-6. 21 Poética, IX. 22 Gagnebin amplia o entendimento sobre o reconhecimento: “Ao descrever esse ganho de
conhecimento, Aristóteles insiste na sua característica de reconhecimento. Os homens olham para as imagens e reconhecem nelas uma representação da realidade; dizem: esse é tal. A atividade intelectual aqui remete ao logos, mas não repousa sobre uma relação de causa e efeito; enraíza-se muito mais no reconhecimento de semelhanças”. (GAGNEBIN, 1994, p. 71).
23 Gagnebin faz uma argumentação que relaciona o encontro entre mimese e semelhança a partir de um desenvolvimento de “uma lógica não da identidade, mas da semelhança, portanto uma concepção do pensamento nunca identitária do sujeito e da consciência” [GAGNEBIN, História e Narração em Walter Benjamin , p. 101]. Seria uma dimensão ao mesmo tempo criativa e potencializadora, que emerge do lúdico e da arte: “O movimento do pensamento não remete aqui a
20
lado, a mimese de uma “arte” pode educar através da brincadeira, por outro essa
dimensão é criativa e ao mesmo tempo elemento transformador.
Para Benjamin, o conceito de mimese é lançado a partir do conteúdo que
não se comunica através da linguagem, mas para a própria linguagem.
O homem é assim, essencialmente, um ser de linguagem, mas de linguagem, que o define, lhe escapa de maneira igualmente essencial. Este movimento de disponibilidade e de evasão explica também porque a linguagem humana não pode ser reduzida a sua função instrumental de transmissão de linguagens; os homens já nascem num mundo de palavras das quais não são os senhores definitivos; só quando desistem dessa ilusão de senhoria e de dominação para responder a essa doação originária, só então eles, verdadeiramente, falam.24
Tal conceito para o filósofo tem uma relação25 aristotélica. O ponto de
observação de Benjamin é positivo em relação à estética. Isso implica que o social
pode ser observado através da arte por fazer parte de uma metáfora. Essa mesma
metáfora se relaciona com a capacidade para comparar e buscar uma semelhança
através de um nível simbólico.
Não se pode negar que as semelhanças26 estão diretamente
relacionadas á linguagem, excluindo então a técnica. O que indica que a mimese
detém de um prolongamento bem maior no pensar, no lúdico e até mesmo no
semelhante ao prazer encontrado nas metáforas. Para Benjamin, a mimese não
contradições sucessivas num processo progressivo, mas muito mais a um fazer e desfazer lúdico e figurativo, ao movimento da metáfora” (GAGNEBIN, História e Narração em Walter Benjamin , p. 101).
24 GAGNEBIN, Jeanne Marie. História e Narração em Walter Benjamin, p. 25. 25 Essa relação pode ser aprofundada por Gagnebin onde escreve: Vários textos podem ser lidos
como pequenos tratados disfarçados da dimensão mimética do pensamento, tanto pelo seu ritmo como pela sua temática. Em particular, os textos consagrados às brincadeiras infantis, exercícios lúdicos da aprendizagem especulativa e prática da vida adulta. […] um tratado sobre mimese, magia e racionalidade, desencantamento e ciência sobre espaços familiares (a casa) e, estranhos, em suma uma pequena Dialética do Esclarecimento e do sinistro (GAGNEBIN, Mimese e Expressão , p. 358).
26 Gagnebin afirma que colabora no entendimento sobre o conceito de semelhança de Benjamin. E escreve: “Benjamin tenta pensar a semelhança independentemente de uma comparação entre elementos iguais, como uma relação analógica que garanta a autonomia da figuração simbólica. A atividade mimética sempre é uma mediação simbólica, ela nunca se reduz a uma imitação. Em vão procurar-se-ia uma similitude entre a palavra e a coisa baseada na imitação. Saber ler o futuro nas entranhas do animal sacrificado ou saber ler uma história nos caracteres escritos entre a coisa e as palavras ou as vísceras, mas uma relação comum de configuração. A imitação pode ter estado ou não presente na origem, ela pode se perder sem que a similitude se apague. Benjamin forja assim o conceito de semelhança não sensível e define a linguagem como o grau último da capacidade mimética humana e o arquivo mais completo dessa semelhança não-sensível.” (GAGNEBIN, Do conceito de Mímesis, p. 81).
21
faz parte de um processo de identificação que chega a imitar e a se dissolver na
identidade do ser que é imitado ou até mesmo do objeto. A faculdade mimética,
na concepção do filósofo, é pra ser entendida como um elemento que se
aproxima e ao mesmo tempo se distancia do mundo.
Pode-se concluir nesse primeiro momento que a mimese é um
instrumento importante para repensar e analisar a relação entre indivíduo e o mundo
no qual está inserido. Propõe-nos pensar a sua interligação entre o homem e seu
semelhante. É través dessa habilidade humana e sua capacidade de reproduzir
semelhanças que os estímulos e sentidos de descobrir, experimentar, inventar ou
produzir se equivalem com a natureza e com o próximo. Já a linguagem aparece
como toda e qualquer forma de comunicação de conteúdo, graças à natureza.
I.1 Relação entre mimese e linguagem
Para Benjamin, é possível compreender a linguagem unindo-a à
capacidade mimética. Essa ligação propõe ao homem uma descoberta na natureza
das analogias e correspondências mágicas. Pode-se supor de forma histórica que a
linguagem teve seu surgimento a partir da mímica gestual, facilmente identificada no
homem primitivo. De forma gradativa, o som, que até então era partícipe da
representação do gesto, teve sua desvinculação.
O filósofo procurou desenvolver essa explicação através da astrologia.
Para ele, são as constelações que ajudam no entendimento das correspondências
mágicas. Segundo Benjamin, as constelações seriam os exemplos mais fiéis dessa
“metamorfose” da faculdade mimética, porque elas representam a reprodução
conjugada entre o indivíduo e o cosmo. Benjamin afirmou que era primordial poder
aceitar o intuito de que os seres humanos de anos atrás percebiam, através das
constelações, as semelhanças que eles julgavam interessante imitar. Dessa forma,
percebe-se que existia uma correlação dos astros que representava uma
correspondência mágica entre o indivíduo e o cosmos.
“Se o gênio mimético foi verdadeiramente uma força determinante na vida
dos Antigos”, defende Benjamin, “eles não poderiam deixar de atribuir à plenitude
22
desse dom, concebido, sobretudo, como um ajustamento perfeito à ordem
cósmica”.27
Benjamin ainda defende que essa percepção é veloz, “dá-se num
relampejar”, “num instante fugaz (o momento do nascimento e a particular
disposição dos astros na constelação)”28. Vale ressaltar que o astrólogo a quem
Benjamin confere o dom da leitura e das correspondências mágicas, é apenas uma
exemplificação contemporânea de um ser humano com capacidade para fazer tal
conjectura.
É o que Benjamin denomina em A Doutrina das Semelhanças,
“semelhança extrassensível”: “A alusão à astrologia poderia bastar para esclarecer o
conceito de uma semelhança extrassensível”.29 Ao citarmos constelação, Jean Marie
Gagnebin explica que se trata de um “traçado comum que permite com que os
acontecimentos sejam devidamente nomeados e tornados legíveis e identificáveis.”30
A partir dessa explicação, pode-se dizer que as semelhanças
extrassensíveis podem ser identificadas na relação entre a imagem escrita, através
das letras, e o significado. Essa conceituação pode ser avançada e exemplificada
ainda mais quando acompanha-se a evolução ontogenético da faculdade mimética e
seu desenvolvimento no sentido filogenético, tendo como base dessa evolução as
brincadeiras infantis. Para Raquel Vasconcelos, seriam estes “os responsáveis pelos
processos de desenvolvimento e adaptação do homem à natureza”.31
Benjamin explica que a origem filogenética do poder que a mimética
detém nas práticas mágicas permite indicar o sentido da origem ontogenética nas
brincadeiras. Acredita-se ser relevante a participação do lúdico no referido processo
educativo, pois é através dele que a criança amplia suas experiências, desenvolve
sua capacidade de raciocínio e adquire novos comportamentos.
Enquanto nas transformações do sentido filogenético envolve a evolução
da espécie — um campo muito amplo da evolução mimética e que ao longo do
27 BENJAMIN, W. Doutrina das Semelhanças, p. 110. 28 Idem, p. 120. 29 Idem, p. 110. 30 GAGNEBIN, Jeanne Marie. História e Narração em Walter Benjamin , p. 15. 31 VASCONCELOS, Raquel. Mimese e Consciência do Homem Histórico, 2010, p. 4
23
tempo se estende, o sentido ontogenético se diferencia do filogenético porque seria
a mimese primária, ou seja, parte da evolução do indivíduo.
Benjamin afirma que os elementos miméticos podem ser encontrados na
infância. São esses elementos que levam à condução do que o filósofo chama de
“adestramento da atitude mimética”.32 Não se pode deixar de lado toda análise
feita por Benjamin tendo como base o comportamento das próprias crianças. Como
o próprio filósofo diz: “a questão importante, contudo, é saber qual a utilidade para a
criança desse adestramento da faculdade mimética”.33
Em sobre os problemas da sociologia da linguagem, o filósofo tenta
demonstrar todas as convicções sobre o papel que a linguagem humana tem no
desempenho através do processo de desenvolvimento e formação do homem. 34
Para Benjamin, a linguagem humana só é possível por causa do processo de
socialização. Ou seja, as relações sociais estão diretamente ligadas à linguagem
humana. Essa interligação “linguagem e relações” constitui uma construção social.
Com base nessa afirmação, Benjamin diz: “explicita ou implicitamente, um tal ponto
de vista está no início de toda sociologia da linguagem”.35
Pode-se avançar nessa explicação a partir da história filogenética através
dos objetos da época. Os sentidos aprimoram o desenvolvimento primeiramente no
cognitivo através da relação do homem com a natureza, e tem seu aperfeiçoamento
na infância com as brincadeiras e jogos infantis. No entanto, os sentidos
32 Encontramos na tradução de A Doutrina das Semelhanças por Sérgio Paulo Rouanet, onde lê-se
“adestramento da atitude mimética”. A proposta benjaminiana é discutir o deslocamento histórico da faculdade mimética e sua relação com as práticas sociais. Para tanto, Benjamin fala em aprendizagem por “adestramento” não exprime a real intenção do termo original, já que, a princípio, Benjamin não está pensando em comandos coercitivos ou condicionadores, mas nos primeiros procedimentos de inserção do indivíduo no mundo via sentido ontogenético da faculdade mimética.
33 BENJAMIM, W. Reflexões sobre a Criança, o Brinquedo e a Educação . p. 108. 34 Durante nossa leitura e pesquisa, algo chamou muita atenção. A crítica ferrenha feita por
Gagnebin, uma estudiosa da obra de Walter Benjamin. Ela fez uma espécie de autodefinição do filósofo alemão e o classificou como um “fracasso exemplar”. Isso porque, Benjamin teria escolhido a classe média para poder demonstrar e retratar suas angústias e até mesmo as aventuras. Gagnebin explica o porquê do Fracasso Exemplar […] porque Benjamin nunca ‘obteve êxito’, nem em seus amores, nem em sua carreira profissional, e porque suas obras constituem, de acordo com suas próprias palavras, ‘pequenas vitórias’ e ‘grandes derrotas’; mas fracasso exemplar, porque ele testemunha, de maneira lúcida e cadente, não somente a dificuldade de um intelectual — sobretudo judeu — para sobreviver ao fascismo sem se renegar, como também as insuficiências, ao mesmo tempo práticas e teóricas, do movimento político que teria de resistir o mais eficazmente ao fascismo… (GAGNEBIN, História e Narração em Walter Benjamin , p. 8).
35 BENJAMIM, W. Problemas da Sociologia da Linguagem. p. 229.
24
ontogenético e filogenético são o fio condutor do aperfeiçoamento da faculdade
mimética.
Historicamente, essa dimensão está interligada ao desenvolvimento do
homem a partir da filogênese e da ontogênese. Por isso que Walter Benjamin toma
por iniciativa nomear esses sentidos como “filogenético” e “ontogenético”. O filósofo
justifica essa nomeação porque os dois elementos estariam relacionados ao
processo de comunicação. Pode-se dizer que o sentido ontogenético seria o
responsável pelo desenvolvimento direto da linguagem porque ajuda na
compreensão dos códigos nos quais a língua está inserida e possibilita uma
integração do homem no meio social.
As diferentes línguas, consideradas isoladamente uma das outras, são
incompletas, e nelas os significados nunca são encontrados numa relativa
independência, como nas palavras isoladas ou nas frases. Os significados
encontram-se pelo contrário em constante metamorfose, até que, da harmonia de
todos esses “modos de querer ver”, eles conseguem irromper como Língua perfeita
e pura, permanecendo até aí latente nas outras línguas.36
Por outro lado, na prática, as brincadeiras e os jogos infantis são
instrumentos37 indispensáveis nesse desenvolvimento porque é através deles que a
linguagem é adquirida e a relação é constituída. Seriam esses os elementos
primordiais da faculdade mimética por se tratar de uma função que tem como
prioridade, o aprimoramento da capacidade que compreende a relação objeto,
natureza e seus fenômenos.
Para Benjamin, “os jogos infantis são impregnados de comportamentos
miméticos, que não se limitam de modo algum à imitação de pessoas, mas também
a objetos e fenômenos naturais.”38 Nesse caso, a faculdade mimética dá ao homem
a capacidade de percepção das semelhanças naturais. Aprimorando essa atitude
36 BENJAMIN, W. A tarefa do tradutor . Belo Horizonte: Fale/UFMG, 2008. p. 32 37 Com base nesse ponto, podemos confirmar que Benjamin fala em sua tese que o domínio do uso
de instrumentos precederia ao da linguagem. Ressaltamos que para Vygotsky “a invenção e o uso de signos como meios auxiliares para solucionar um dado problema psicológico (lembrar, comprar coisas, relatar, escolher etc.) é análogo à invenção e uso de instrumentos, só que agora no campo psicológico”. Ou seja, “o signo age como um instrumento da atividade psicológica de maneira análoga ao papel de um instrumento no trabalho”. (VYGOTSKY, L. S. A Formação Social da Mente . São Paulo: Martins Fontes, 1991, p. 59).
38 BENJAMIN, Walter. A doutrina das semelhanças, p. 108.
25
mimética, seria necessário também compreender o significado filogenético que
também faz parte do comportamento mimético.
Partindo para esse aprofundamento sobre o significado filogenético, pode-
se dizer que o entendimento desse sentido pode ser encontrado na natureza. No
homem também, desde os primórdios, porque a intenção principal era adaptar o
próprio homem de forma que seu comportamento progredisse e pudesse se adaptar
ao mundo para sobreviver.
O sentido filogenético desenvolve o pensamento reflexivo. Pensamento
esse que envolve a produção da semelhança extrassensível. Para facilitar o
esclarecimento sobre a visão filogenética de Benjamin, cita-se a natureza como
determinante na produção de semelhanças. A filosofia benjaminiana é marcada pelo
envolvimento do reconstruir, do dispersar e do restaurar. Ou seja, uma
historicidade39 sempre evidente. Benjamin faz uma definição de origem como
histórica.
É por causa dessa proximidade que a produção de “semelhanças
extrassensíveis” é facilitada, já que a linguagem determina essa produção por se
tratar do fio condutor do pensamento que colabora com a reflexão.
E Benjamin continua em sua observação classificando uma transição das
“forças miméticas, das coisas miméticas e seu objeto” para a linguagem. Isso
significa que de séculos em séculos, a “energia mimética” passou elementos
essenciais para o desenvolvimento fundamental da linguagem possibilitando uma
evolução considerável no processo civilizatório. Kátia Muricy diz que “os homens
salvam as coisas desta mudez ao nomeá-las; o filósofo tem por tarefa salvar a arte e
a poesia livrando-se do elemento coisal, recuperando a sua essência espiritual no
domínio da pura linguagem”.40
Os fragmentos analisados revelam os aspectos ligados à linguagem e
mimese nos escritos de Walter Benjamin, além também das peculiaridades da
39 Sobre a história da linguagem em Benjamin, Gagnebin escreve que “para Benjamin, a historicidade
do pensar provém muito mais da historicidade da linguagem — historicidade dos conceitos, dos usos lingüísticos, das metáforas em vigor — do que um índice temporal específico das questões tratadas.” GAGNEBIN, Jeanne Marie. Mímesis e crítica da representação em Walter Benjamin, p. 355.
40 Muricy, alegoria da dialética, p.104
26
aprendizagem infantil que acentuam as características das crianças no mundo da
imaginação, da fantasia, da sensibilidade. Mas, por outro lado, há uma
caracterização na própria relação linguagem e mimese, onde Benjamin deixa um
legado e os classifica como fundamental a compreensão atual das potencialidades
formativas de vários sentidos de línguas.
Quando se estuda a criança, faz-se necessário conhecer os fatos
referentes a ela, em todo o seu desenvolvimento físico, afetivo, cognitivo e social,
para que se possa entender as influências externas e internas sobre esse processo.
O desenvolvimento humano origina-se de duas fontes: das energias do próprio
organismo-hereditariedade; e dos recursos do meio em que está inserido. Portanto,
tudo o que ocorre no desenvolvimento da criança é produto dessa relação entre
hereditariedade e meio ambiente.
A criança, quando brinca de construção, preocupa-se mais com
problemas de equilíbrio, tamanho e modo de combinar os blocos, que em construir
alguma coisa. Gradualmente, passa a usá-los com a intenção de fazer algo, porém,
suas construções são mais espalhadas que empilhadas. Posteriormente, interessa-
se em construir altos castelos, cuidadosamente equilibrados, que servem como
cenário para suas dramatizações.
À medida que a criança domina determinado lúdico, este passa a dar-lhe
um novo significado. Aos três anos de idade, um bloco poderá ser uma boneca, um
carro, um animal de estimação. Já para as crianças de mais idade, um bloco será
sempre um material que ajudará na construção de um objeto imaginário.
Entende-se que é na linguagem que o sujeito conquista a capacidade de
criar, significar e ressignificar o mundo, portanto adaptar-se. Considera-se também a
apresentação das reais condições para a emanação da linguagem através dos
dispositivos que existem na contemporaneidade.
Para Benjamin, a faculdade mimética realizou uma migração para a
linguagem tornando-se a própria linguagem. Para ele, é a partir desse ponto que a
mimese configurava para os povos antigos uma forma de relação entre o próprio
homem e a natureza. Ou seja, a faculdade mimética torna-se fundamental no
processo de comunicação entre os sujeitos porque estes utilizam a dimensão
27
simbólica da própria comunicação, característica também essencial à relação
natureza-homem. Os efeitos dessa característica podem ser transformados na
faculdade mimética e ao mesmo tempo incidem nos modos de existência que, por
sua vez, se deslocam para as formas de expressão estética.
Já sobre o processo de comunicação na dimensão simbólica, Benjamin
afirma que “toda e qualquer comunicação de conteúdos é linguagem, sendo a
comunicação através da palavra apenas um caso particular, subjacente a conteúdos
humanos ou que neles se baseiam”.41. Parte também de um contexto do homem
dentro de suas interações, experiências, capacidades cognitivas, sua relação no
meio social em que vive, seja familiar, meios de comunicação e até mesmo a
religião.
Já quando Benjamin fala de experiência, é preciso explicar que há uma
distinção em duas concepções na sua visão: “Experiência referente a um sentido
coletivo e de dimensão compartilhada”, ou seja, “uma experiência bruta; e a outra,
contrária a essa primeira, que tem como significado a “vivência, experiência vivida e
a característica do sujeito solitário”42. Jeanne Marie Gagnebin ressalta sobre essa
distinção de experiência:
Demonstra o enfraquecimento da “Erfahrung” no mundo capitalista moderno em detrimento de outro conceito, “Erlebnis”, experiência vivida (…); esboça, ao mesmo tempo, uma reflexão sobre a necessidade de sua reconstrução para garantir uma memória e uma palavra comuns, malgrado a desagregação e esfacelamento do social.43
Gagnebin continua nessa explicação afirmando que, para Benjamin, “a
Primeira Guerra manifesta, com efeito, a sujeição dos indivíduos às forças pessoais
e todo-poderosas da técnica, que só faz crescer e transforma cada vez mais nossas
41 BENJAMIN, W. Problemas da Sociologia da Linguagem. In: Sobre Arte, Técnica, linguagem e
Política . p. 177. 42 GAGNEBIN, Jeanne Marie. Prefácio. Walter Benjamin ou a história aberta. In: BENJAMIN, Walter.
Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. 7.ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. P. 8
43 GAGNEBIN, Jeanne Marie. Prefácio. Walter Benjamin ou a história aberta. In: BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. 7.ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. p.9
28
vidas de maneira tão total e tão rápida, que não conseguimos assimilar essas
mudanças pela palavra”44. Ou seja, a experiência dá o lugar à vivência.
Sabia-se muito bem o que era experiência: ela sempre fora comunicada aos jovens. De forma concisa, com a autoridade da velhice, em provérbios; ou de forma prolixa, com sua loquacidade, em histórias; ou ainda através de narrativas de países estrangeiros, junto à lareira, diante de filhos e netos. Mas para onde foi tudo isso? Quem ainda encontra pessoas que saibam contar histórias como devem ser contadas? Por acaso os moribundos de hoje ainda dizem palavras tão duráveis que possam ser transmitidas de geração em geração como se fosse um anel? A quem ajuda, hoje em dia, um provérbio? Quem sequer tentará lidar com a juventude invocando a sua experiência?45
Benjamin afirma em Doutrina das Semelhanças, coerente com sua visão
em relação às sociedades tradicionais, que o indivíduo antes percebia em comunhão
com sua comunidade e com a totalidade da natureza, o que podia ser ampliado no
campo de atuação das leis de semelhança46. O domínio do homem utilizando a
imagem e entendendo a faculdade mimética como fundamental para o
desenvolvimento da sua habilidade, já que o homem é dotado de uma
intelectualidade capaz de nomear os elementos existentes na natureza. “Mesmo
para os homens dos dias atuais pode-se afirmar que os episódios cotidianos em que
eles percebem conscientemente, as semelhanças são apenas uma pequena fração
dos inúmeros casos em que a semelhança os determina”.47
Pode-se concluir que em vários pontos envolvendo a mimética com a
linguagem, Benjamin destaca em A doutrina das semelhanças a possibilidade de
existir uma função dupla relacionada à mimética no homem. A problematização
sobre a relação linguagem e mimese são apontadas porque as semelhanças
acabam não sendo apresentadas a partir de uma forma que não é eterna e/ou
imutável. Elas partem de uma reinvenção do conhecimento dado ao homem e
proporcionado de acordo com as épocas. Isso nos leva a uma reflexão bem mais
ampla sobre o assunto por envolver o ser humano individualmente.
44 GAGNEBIN, Jeanne Marie. História e Narração em Walter Benjamin , p. 59. 45 BENJAMIN, Walter (1994a). “Experiência e Pobreza”. In BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e
política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, p. 114 46 Cf. BENJAMIN, Walter. A Doutrina das Semelhanças. In: Magia e Técnica, Arte e Política: Ensaios
sobre Literatura e História da Cultura. p. 108. “era o domínio do micro e do macrocosmo”. 47 BENJAMIN, Doutrina das semelhanças p. 110.
CAPÍTULO II.
DOS CONCEITOS DE SEMELHANÇA SENSÍVEL, NÃO-SENSÍVEL
E EXTRASSENSÍVEL
Benjamin afirma que a principal identificação de um procedimento
mimético é através do reconhecimento de semelhanças. E isso pode partir de um
olhar para o outro, ou no simples fato de imitar o semelhante através de gestos. O
simples fato de reconhecer e/ou produzir semelhanças através do próprio corpo
pode ser comparado ao que é estético porque faz um resgate das diretrizes do que
propõe o conceito de mimese.
Benjamin se atenta ao comportamento do homem moderno e do antigo e
faz algumas ponderações sobre suas capacidades. O filósofo lança em sua Doutrina
das Semelhanças um importante questionamento do “saber oculto” utilizando as
semelhanças e se aprofundando ainda mais em sua concepção da mimese. Ele tem
como base o homem — o único, segundo ele, a deter a capacidade de produzir as
próprias semelhanças.
O autor classifica esse saber como “oculto” como uma característica
principal do homem, mas Benjamin vai bem mais além da conceituação sobre o
conceito de semelhança em relação à faculdade mimética. Benjamin classifica a
linguagem como o lugar das ideias e que as palavras, misturadas às ideias, podem
ser comunicadas a nós mesmos. Nesse ponto Benjamin afirma que “o contexto
significativo contido nos sons da frase é o fundo do qual emerge o semelhante, num
instante, com a velocidade do relâmpago”48. Porém, essa fundamenta-se o conceito
de semelhança extrassensível. No entanto, o fio condutor entre a mimese e a
linguagem surge, no interior do pensamento benjaminiano, quando o filósofo lança o
esclarecimento a partir de uma semelhança não sensível.
A semelhança sensível difere-se da semelhança não-sensível porque,
segundo Benjamin, a semelhança não-sensível estaria ligada ao elemento
onomatopaico. Através desse elemento, pode-se dizer que a onomatopeia está
presente na linguagem e é a prova de que haja uma relação entre a fala e o objeto.
48 BENJAMIN, Walter. A doutrina das semelhanças, p. 111.
30
Isso se deve por causa da apreensão da semelhança através do som que é emitido
pela criança imitando os ruídos dos animais, por exemplo, e a própria palavra.
Walter Benjamin reconhece que muitos autores tenham feito a
identificação da influência da mimese sob a linguagem a partir da “onomatopeia,
onde teria o papel do comportamento imitativo na gênese da linguagem”49. Claro
que ao mesmo tempo o filósofo instiga o aprofundamento do assunto numa ótica
mais detalhada sobre o envolvimento da capacidade mimética na linguagem.
É justamente nesse ponto da obra que se encontra uma crítica de
Benjamin às teorias onomatopaicas. Para o filósofo a definição mais condizente
sobre linguagem parte de um processo de gesticulação aliado a formas
linguísticas. Ao mesmo tempo, Walter Benjamin afirma que o gesto vem antes
do som e que a forma fonética é aliada ao processo mímico-gestual. Ou seja,
para ele o som proveniente da linguagem não seria uma caracterização da
onomatopeia, mas uma complementação do que é ouvido em relação ao gesto
mímico perceptível e expressivo.
A partir do questionamento que faz Benjamin, é possível identificar
sua teoria mimética da linguagem. Segundo o autor, existe uma certa influência
da faculdade mimética em relação a linguagem, que apesar de difícil uma
consolidação científica, parece existir na onomatopeia, o papel do
comportamento imitativa na gênese da linguagem. Isso está explícito no
conceito de semelhança extra-sensível uma vez que ela “estabelece a ligação
não somente entre o falado e o intencionado, mas também entre o escrito e o
intencionado, e entre o falado e o escrito”50.
A referência conceitual do filósofo é mostrar que as semelhanças
identificadas na natureza é a razão pela qual “o homem teria acesso através da
intuição direta”, ou seja, seria algo apenas superficial, porém dotado de aparência
com diferentes desdobramentos pautados na “faculdade mimética”. Portanto, a
natureza pode ser interpretada como sendo um depósito de semelhanças que
estimulam o ser humano a ter capacidade para perceber e captar semelhanças
sensíveis. 49 BENJAMIN, Walter. A doutrina das semelhanças, p. 110. 50 Idem, p.111.
31
A afirmativa dada pelo autor Walter Benjamin se relaciona com as
correspondências naturais, por serem as mais óbvias. São as que se percebe nos
rostos, por exemplo, ou como Benjamin define em A Doutrina das Semelhanças,
“são como a pequena ponta do iceberg, visível na superfície do mar, em
comparação com a poderosa massa submarina”51; ou só podem ser revestidas com
propriedades de significação se estas forem interligadas à “faculdade mimética” do
ser humano.
O que Benjamin quer dizer sobre as correspondências naturais é que as
semelhanças quando são percebidas conscientemente em cada vida no cotidiano
representam uma única fração dos casos. Ou seja, para o filósofo “essas
correspondências naturais somente assumem sua significação decisiva quando
levamos em conta que, fundamentalmente, todas elas estimulam e despertam a
faculdade mimética que lhes corresponde no homem”52
Essa é a tese central do filósofo já que a gênese coloca a linguagem
como a maior expressão da capacidade de imitação do homem. Para Benjamin,
essa faculdade, tem grande influência sobre a linguagem. Ao mesmo tempo,
Benjamin aponta a faculdade mimética como um valor imprescindível ao cognitivo.
O cognitivo tem seu estudo avançado no sentido ontogenético, o que
Benjamin classifica como uma evolução histórica da faculdade mimética. A partir de
uma relação ontológica, que envolve o homem e a natureza, surge o
aperfeiçoamento da linguagem que começa na infância com as brincadeiras e com
jogos infantis. Como por exemplo, as crianças não imitam apenas pessoas, mas
seres inanimados como cadeiras, trens e até mesmo seres não racionais como
cachorro, gato.
E para poder compreender melhor a faculdade mimética sem perder o
foco da conceituação das semelhanças, basta compará-la às brincadeiras de
crianças. Nelas pode-se identificar as semelhanças não sensíveis que seria o
envolvimento direto do ser humano com o objeto. Benjamin encontra a resposta para
essa afirmação no que chama de “significado filogenético do comportamento
mimético”. “A criança não brinca apenas de comerciante ou de professor, mas 51 Idem, p. 109. 52 Idem, p. 110.
32
também de moinho de vento e de locomotiva. A questão central, contudo, é saber
qual a utilidade para a criança dessa instrução na atitude mimética”.53
O conceito de “semelhança não sensível” está ligado diretamente à
relação entre o homem e os objetos. Retomando a falar de astrologia, Benjamin
esclarece muito bem essa noção de semelhança não sensível. Benjamin procura
mostrar o interesse do próprio homem pela evolução e a transformação da faculdade
mimética. O filósofo quer dizer que muitos dos significados que a faculdade mimética
propõe não estariam literalmente interligados ao que a própria linguagem sugere e
avança afirmando que a mimese está sempre no âmbito da mediação simbólica.
Para Benjamin, a mimese não compactua com o que é repetitivo ou
reduplicado. O filósofo aponta que a mimese seria uma referência e eleva esse
conceito como o que é uma busca do original, do que é novo e diferente. Um
exercício do que perpassa o lúdico e o estético.
Diversos textos deste autor são interpretados, abordados de forma
diferenciada da dimensão mimética do pensamento, em função do seu ritmo assim
como pela própria temática. Em particular, os textos consagrados às brincadeiras
infantis, exercícios lúdicos da aprendizagem especulativa e prática da vida adulta.
“[…] um tratado sobre mímesis, magia e racionalidade, desencantamento e ciência
sobre espaços familiares (a casa) e, estranhos, em suma uma pequena Dialética do
Esclarecimento e do sinistro”.54
A discussão compreende que esses conceitos são fundamentais para o
desenvolvimento do ser humano. E no decorrer da dissertação, pode-se
compreender a mimese inserida na arte e de que forma o brincar é livre sem o
condicionamento imposto pelo adulto. De forma que esse condicionamento leva a
criança à ordem de um discurso que não é encontrada na dimensão da linguagem. E
Benjamin avança dizendo que “toda e qualquer experiência55 mais profunda deseja
53 BENJAMIN, W. Doutrina das Semelhanças, p. 117. 54 GAGNEBIN, Jeanne Marie. Mímesis e crítica da representação em Walter Benjamin. p. 358. 55 Vejamos o que diz Agamben na visão filosófica de Benjamin: “na filosofia de benjaminiana, é pela
linguagem que o homem exprime sua experiência, pois através dela ele se constitui como sujeito.” AGAMBEN, Giorgio. Infância e História: destruição da experiência e origem da história. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005, p. 45.
33
insaciavelmente, até o final de todas as coisas, repetição e retorno, restabelecimento
da situação primordial da qual ela tomou o impulso inicial.”56
Ao retomar o esclarecimento sobre a relação entre a faculdade mimética e
a linguagem, pode-se esclarecer que a produção de semelhanças e, ao mesmo
tempo, avança no entendimento do processo dos sentidos ontogenético e
filogenético. Sentidos estes que, ligados à atitude de um comportamento mimético
infantil, dão origem ao gesto e são os principais facilitadores da faculdade mimética
no processo de assimilação das semelhanças.
Sobre essa concepção da verdade, se encerra uma de nossas partes com
Benjamin, em que faz um alerta:
É importante afastar-se resolutamente do conceito de “verdade atemporal”. No entanto, a verdade não é — como afirma o marxismo — apenas uma função temporal do conhecer, mas é ligada a um núcleo temporal que se encontra simultaneamente no que é conhecido e naquele que conhece. Isto é tão verdadeiro que o eterno, de qualquer forma, é muito mais um drapeado em um vestido do que uma ideia.57
A ideia de Benjamin, embora nostálgica e utópica na busca de uma
reconciliação do homem com ele próprio, é que a linguagem seria o caminho para
entender os limites do conhecimento e da verdade.
II.1 A Dimensão Mágica na Faculdade Mimética e na L inguagem
Quando Benjamin fala em linguagem mágica, ele explica a origem da
linguagem.58 Ela estaria ligada ao caráter mágico que pode ser considerado como
caráter imediato ou caráter oculto. Esse é o caráter indispensável para poder
compreender as mensagens porque as imagens são códigos. O “mágico” seria a
gênese de todas as línguas, relacionando o poder mimético, ou energia mimética,
com seu significado e o som da palavra. Benjamin conceitua todo esse
56 BENJAMIN, W. Brinquedos e jogos: observações marginais sobre uma obra monumental. In:
_________. Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação, p. 101. 57 BENJAMIN, Walter. Teoria do Conhecimento, Teoria do Progresso. In: ______. Passagens. Belo
Horizonte: Editora UFMG; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2007. N3, 2, p. 505 58 Para Gagnebin, “Benjamin esboça uma teoria da mimese que também é uma teoria da origem da
linguagem. Assim como Aristóteles na Poética, Benjamin distingue dois momentos principais da atividade mimética especificamente humana: não apenas reconhecer, mas também produzir semelhanças” (História e Narração em Walter Benjamin, p. 79)
34
dimensionamento mágico à comunicação proposta pela língua. Para Benjamin, é
através dela, segundo ele, que a comunicação se manifesta e se transforma.
[…] o homem moderno não consegue mais perceber as semelhanças e o significado mágico da sua relação com o mundo, com alterações significativas na linguagem; esta se apresenta ainda como a esfera em que se guardou algo do passado perdido e que pode ser redescoberto na narrativa atual, isto é, permanece como a esfera na qual se manifesta ainda a força da faculdade mimética.59
Pode-se exemplificar da seguinte forma: basta pegar várias palavras de
diferentes línguas, mas que tenham as mesmas significações. Depois de ordenadas
nesse mesmo significado, é possível verificar que todas essas palavras, em nada
são semelhantes entre si, mas são apenas semelhantes ao significado.
A linguagem é a forma pela qual um médium se introduz as antigas capacidades de perceber seu semelhante no qual as coisas se encontram e se relacionam em suas essências, com suas substâncias mais esquivadas e mais finas, onde ainda se manifesta a força da mimética. 60
Essa transformação surge também da escrita em conjunto com a
linguagem oral. Isso corresponde ao que se pode classificar de semelhanças
extrassensíveis. Pode-se conceituar “semelhança extrassensível”, como aborda
Benjamin, como o sujeito que perceber a si mesmo e chega a se relacionar com o
mundo sob a ação de uma estrutura cercada de forças impessoais, mágicas e até
sobrenaturais. Classifica-se “essas forças impessoais” como aquelas que chegam a
atuar como mediadoras de um tipo de vivência e que poderiam ser denominadas de
“extrassensível”.
A partir dessa explicação é identificada a dimensão “mágica” ao lado de
outra dimensão: a semiótica, que também faz parte da linguagem. Nesse tipo de
abordagem que Benjamin faz, pode-se dizer que a semiótica estaria na dimensão
que envolve a comunicação que a linguagem detém sendo essencial para a
contextualização do que é mimético. No entender do autor, pode-se dizer que a
semiótica está na dimensão que envolve a comunicação da linguagem própria,
sendo essencial para a contextualização do que seja mimético.
59 BENJAMIN, W. Doutrina das Semelhanças. Obras Escolhidas I: magia e técnica, arte e política.
São Paulo: Brasiliense, 1985, p.111-112. 60 BENJAMIN, Walter. Origem do Drama Barroco Alemão . Trad., apresentação e notas de Sérgio
Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, p.209.
35
Ao citar “semiótico”, é preciso entender que essa expressão define,
mesmo que de forma ainda pouco evidente, a ideia de comunicação com os
significados, definição de uma informação, a explicação propriamente dita e
principalmente o conhecimento científico. Seria essa a garantia da linguagem no
contexto de uma dimensão mágica porque é através dessa dimensão que surgem os
elementos miméticos da comunicação.
Para Benjamin, “todos os elementos miméticos da linguagem constituem
uma intenção fundada, isto é, eles só podem vir à luz sobre um fundamento que lhes
é estranho, e esse fundamento não é outro que a dimensão semiótica e
comunicativa da linguagem”.61 Esses elementos miméticos da linguagem surgem a
partir do texto. Quando volta-se a se referir ao escrito, revela-se o extrassensível
porque, por ser ilegível, é cercado por semelhanças que só devem ser reveladas
para as “mentes” suficientemente habilitadas a identificá-las a partir do gesto da
leitura.
Uma vez havendo a contradição da linguagem feita por essa interligação
das duas dimensões, pode-se dizer que o lado semiótico esteja como representante
de forma indireta à dimensão mágica onde há um alerta no encontro da natureza e o
homem no tornar-se semelhante. Por outro lado, é possível identificar uma
linguagem com dimensão metafórica quando transformada na expressão Magia,
Benjamin ainda expõe que o papel emancipador da linguagem varia de acordo com
esse imediatismo, ou seja, desse caráter imediato que não é mediado pela
linguagem. Para resumir essa explicação, pode-se dizer que a linguagem mágica é
aquela íntegra e que não foi corrompida.
Benjamin procura identificar e mostrar como as razões dessa origem da
linguagem podem ser compreendidas e de que forma o papel da linguagem pode
tornar-se compreensível. A magia da linguagem, seja ela oral ou escrita, elevou a
faculdade mimética a atos até então ocultos. A amplitude desse conhecimento
proposto por Benjamin transformou-se num “arquivo de semelhanças não sensíveis”.
61 BENJAMIN, Walter. Doutrina das semelhanças, p. 112
36
A moderna grafologia ensinou-nos a identificar na escrita manual imagens, ou antes, quebra-cabeças, que o inconsciente do seu autor nela oculta. É de supor que a faculdade mimética, assim manifesta na atividade quem escreve, tenha sido altamente significativa para o ato de escrever nos tempos recuados em que a escrita se originou.62
Benjamin considera “mágico” o acontecimento no qual as semelhanças
não sensíveis se constituem. A expressão no que é repassada e construída faz com
que a linguagem se torne mais reveladora. Para a linguagem se tornar mágica, é
preciso materialidade da linguagem63. Essa materialidade pode ser constituída por
um objeto. Para Benjamin, o som pode até ser negado, mas as coisas e os objetos
que o cercam traduzem perfeitamente o que propõe a comunicação do que é
repassado.
Mas um dia surgiu a necessidade de incluir aí uma relação com os
objetos ausentes, o que significou a libertação da expressão em relação aos
seus laços com a situação.
[…] Assim a expressão linguística começa a escapar ao campo mostrativo da demonstratio ad oeulos. […] mais exatamente na medida em que expressões linguísticas se libertam, de acordo com o seu conteúdo representativo, dos elementos da situação linguística concreta, submetem os signos linguísticos a uma ordem nova, e recebem os seus valores de campo no campo dos símbolos.64
Já o saber proveniente das práticas rituais encontradas na astrologia, por
exemplo, é até hoje taxado de mágico. Porém, Benjamin baseia suas reflexões
numa direção diversa. Para ele, “nossa percepção não mais dispõe do que antes
nos permitia falar de uma semelhança entre uma constelação e um ser humano”65,
uma constatação que leva o filósofo a pesquisar outros reservatórios de
“semelhança extrassensível”.
É relevante lembrar que a conceituação de mimese em Benjamin tem
como definição um fenômeno originário da atividade artística. Já sobre a leitura é
62 BENJAMIN, W. Doutrina das Semelhanças, p. 110. 63 Vejamos o que diz Gagnebin sobre essa materialidade da Linguagem: “A linguagem é o Leib do
pensamento, no preciso sentido que o pensar funciona de maneira semelhante ao corpo, que o pensamento imita, mimetiza o corpo, se assemelha a movimentos corporais: ele avança, para, estaca, hesita, recua, tropeça, pula, saltita, corre, retoma fôlego, se exaure — e esta gestualidade específica da linguagem (e do pensamento que nela se diz) é, justamente, aquilo que se chama estilo.” GAGNEBIN, Jeanne Marie. Mimese e crítica da representação em Walter Benjamin, p. 358).
64 BENJAMIM, W. Problemas da Sociologia da Linguagem. p. 217. 65 BENJAMIN, W. Doutrina das Semelhanças, p. 110.
37
construída em conformidade da investigação de Benjamin diante do que é exposto
sobre linguagem e a própria mimese.
A explicação dada por Benjamin sobre a “mágica” associando a
semelhança extrassensível e encontrada na linguagem e na mimese faz surgir um
novo fundamento: o dom mimético. Para ele, o dom mimético é essencial para a
clarividência no desenvolvimento da própria linguagem humana. Isso porque, o dom
mimético que possuímos não desapareceu. Benjamin diz que houve uma
modificação ao longo da nossa história e que é necessária a busca pela história
ontogenética e filogenética dessa faculdade.
Sobre o dom mimético, Benjamin atribui ao recém-nascido toda essa
plenitude. Veja o que diz Raquel Vasconcelos sobre essa manifestação:
Sabe-se que, para os antigos, o dom mimético pressupõe a força de apreensão mimética da semelhança, cuja origem remete ao momento do nascimento, enquanto fenômeno responsável pelo ajustamento da ordem cósmica, que acontecia no instante do nascimento. Daí se atribuir ao recém-nascido a plenitude de um dom mimético por se manifestar nele o gênio mimético. Este, no mundo moderno, é atribuído à força mimética da linguagem, que se torna responsável pela produção de semelhança, sob a influência da faculdade mimética que auxilia na formação significativa através da ontogênese e filogênese.66
Há aqui uma problemática inerente à questão: existe uma decadência em
relação à “faculdade mimética”. É possível verificar essa perda da habilidade, como
afirma Benjamin: “o mundo do homem moderno contém apenas resíduos mínimos
das correspondências mágicas e analogias que eram familiares aos povos
antigos”.67 O que Benjamin chega a dizer é que essa faculdade mimética aparenta
ser um dom mimético frágil. E isso estaria relacionado ao homem da modernidade
porque ele teria muito menos uma capacidade mágica para corresponder com as
coisas como faziam os antigos ao se relacionar com os astros. Ao mesmo tempo,
Benjamin deixa claro que a faculdade mimética propõe uma aproximação do homem
junto a natureza. Seria esse o detalhe principal para o surgimento da linguagem
humana.
66 VASCONCELOS, Raquel. Teatro Infantil e Educação em Benjamin, 2010, p. 25 67 BENJAMIN, W. Doutrina das Semelhanças, p. 161.
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O colegial lê o abecedário, e o astrólogo, o futuro contido nas estrelas. […] No primeiro exemplo, o ato de ler não se desdobra em seus dois componentes. O mesmo não ocorre no segundo caso, que torna manifestos os dois estratos da leitura: o astrólogo lê no céu a posição dos astros e lê ao mesmo tempo, nessa posição, o futuro ou o destino.68
A relação entre os dois é o ponto de continuidade para a discussão em
questão, onde Benjamin diz que a magia, por exemplo, como uma espécie de
“manipulação organizada da mimese”.
A linguagem pode ser vista como o mais alto nível de comportamento mimético e o arquivo mais completo de similaridade extrassensível: um meio para o qual os antigos poderes de produção e compreensão mimética passaram sem resíduo, até o ponto em que eles liquidaram com os da magia.69
Constata-se que, para Benjamin, a linguagem não comunica nada além
da essência das coisas. Isso é o equivale aos homens. A linguagem humana seria o
meio no qual sua essência se expressa. Deixando de lado a essência, que não é o
foco, a linguagem pode ser entendida como um meio de comunicação entre os
homens. A linguagem pode ser estendida a tudo o que há no mundo, desde a
natureza até os seres inanimados. “Não há acontecimento ou coisa, seja na
natureza animada, seja na inanimada, que de certa forma, não participe na
linguagem, porque a todos é essencial a comunicação de seu conteúdo espiritual”.70
Na linguagem humana, identifica a singularidade da sua importância e é
nela que apega-se. Para Benjamin, o conceito de linguagem está ligado a um
caráter histórico-político onde a compreensão da linguagem seria de fundamental
importância para a emancipação do homem.
Numa palavra, toda e qualquer comunicação de conteúdos é linguagem,
sendo a comunicação através da palavra apenas um caso particular, subjacente a
conteúdos humanos ou que nele se baseiam (justiça, poesia e outros). Mas, a
existência da linguagem não se estende apenas por todos os domínios de
manifestação espiritual do homem que, em qualquer sentido, contém sempre a
língua, mas acaba por estender-se, pura e simplesmente, a tudo.
68 BENJAMIN, W. Doutrina das Semelhanças, p. 121. 69 Idem , p. 173. 70 BENJAMIN, W. Sobre a Linguagem em Geral, sobre a Linguagem Humana. In: Sobre Arte,
Técnica, Linguagem e Política. 1992, p. 177.
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Pode-se compreender que o conceito de linguagem para Walter Benjamin
está alicerçado a partir das culturas humanas e que, ao mesmo tempo, a natureza
também tem sua parcela de contribuição por se tratar de que tudo o que há na
própria natureza é dotado de expressividade e sua comunicação varia de acordo
com as diferentes linguagens. A composição linguística parte de gestos, cores, sons
e assim é transmitida, como ele afirma:
A linguagem deste candeeiro, por exemplo, não comunica o candeeiro porque a essência espiritual do candeeiro, na medida em que é comunicável, não é de modo algum o próprio candeeiro, mas sim, o candeeiro linguagem, o candeeiro na comunicação, o candeeiro na expressão.71
Chega-se a uma hipótese que corresponde a uma reflexão sobre a
dimensão mimética da linguagem no contexto de semelhança extrassensível. Para
Benjamin, as palavras, mesmo que diferentes, podem significar a mesma coisa no
âmbito de várias línguas porque todas são semelhantes ao seu significado central.
Ou seja, as palavras não seriam puros signos72 porque contêm um teor de
expressividade e afetividades que as interliga ao que significam. A linguagem não é
dotada de algo que faça parte de um sistema convencional que envolva códigos ou
signos. Isso significaria afirmar que as semelhanças que estariam ligadas à
linguagem são relativas, ou seja, sensíveis. Jeanne Marie Gagnebin diz que a
linguagem, quando relacionada ao signo, “corresponde a uma mediação infinita do
conhecimento que nunca chega a seu fim”.73
Ainda pode-se até explicar que a leitura poderia ser entendida como
instrumental ou mágica.
O ensaio exige
71 BENJAMIN, W. Sobre a Linguagem em Geral, sobre a Linguagem Humana. In: Sobre Arte,
Técnica, Linguagem e Política. 1992, p. 179. 72 Sobre signos, Gagnebin diz que “desde então a linguagem humana se perde nos meandros de
uma significação infinita, pois tributária de signos arbitrários” GAGNEBIN, Jeanne Marie. História e Narração em Walter Benjamin . São Paulo: Perspectiva/FAPESP; Campinas, SP: Unicamp, 1994. p. 18).
73 GAGNEBIN, Jeanne Marie. História e Narração em Walter Benjamin . São Paulo: Perspectiva/FAPESP; Campinas, SP: Unicamp, 1994. p. 19).
40
[…] a interação recíproca de seus conceitos no processo da experiência intelectual. Nessa experiência, os conceitos não formam um continuum de operações, o pensamento não avança em um sentido único; em vez disso, os vários momentos se entrelaçam como num tapete. Da densidade dessa tessitura depende a fecundidade dos pensamentos. O pensador, na verdade, nem sequer pensa, mas sim faz de si mesmo o palco da experiência intelectual, sem desemaranhá-la. Embora o pensamento tradicional também se alimente dos impulsos dessa experiência, ele acaba eliminando, em virtude de sua forma, a memória desse processo. O ensaio, contudo, elege essa experiência como modelo, sem, entretanto, como forma refletida, simplesmente imitá-la; ele a submete à mediação através de sua própria organização conceitual; o ensaio procede, por assim dizer, metodicamente sem método. 74
No entanto, apesar do pensamento do intelecto se fundamentar dos
impulsos da experiência, seu conceito acaba por eliminar o sentido único que é
processado através da memória. O ensaio representa uma forma de experiência que
se reflete sob a forma de imitação, pois são vários os momentos que ele se
entrelaça formando um modelo que serve como mediação por sua própria
organização conceitual.
Só a mágica seria responsável por corresponder às interpretações que
envolvem a experiência extrassensível. Preocupa-se com o possível
desaparecimento e com a mudança dessa faculdade na sociedade moderna. É
através da simplicidade que avança no próximo capítulo, pontuam-se os
questionamentos existentes nessa relação com a faculdade mimética que é
determinante para a existência do homem.
74 ADORNO, Theodor W. O ensaio como forma . In: ADORNO, Theodor W. Notas de literatura I.
Tradução de Jorge de Almeida. São Paulo: Duas Cidades/Editora 34, 2003 (Coleção Espírito Crítico), p. 29 e 30.
CAPÍTULO III.
REFLEXÕES SOBRE A CRIANÇA, O BRINQUEDO E A
EDUCAÇÃO
Neste terceiro capítulo, analisam-se as reflexões sobre a criança, o
brinquedo e a educação, na intenção de avançar sobre a conceituação de linguagem
e, agora principalmente, a mimese. A abordagem dessas características do universo
da criança75 propõe também uma reflexão de forma sucinta sobre a modernidade e a
experiência.
Vale destacar, antes de discorrer, que Benjamin tratou o tema de forma
delicada e fragmentada. A contribuição do filósofo foi muita significativa. Tanto que
hoje, busca-se apresentar os seus estudos tão importantes para o entendimento da
ciência humana. Abre-se espaço e veja o que diz Willi Bolle sobre Walter Benjamin:
Considera que Benjamin, um homem de quarenta anos, volta ao tempo, ele recupera o mundo da cultura de seus pais, mas concomitantemente, nessa volta ao tempo, recupera em certo sentido a maneira de ver da criança, a sensibilidade e os valores dela […] o livro se lê como se fosse um relato de criança para criança, à margem da cultura adulta.76
Para poder compreender a experiência infantil relacionada à mimese e à
linguagem é preciso frisar aqui que Benjamin faz críticas e questiona às práticas
modernas de educação porque elas estariam ligadas ao individualismo e vinculadas
ao modo de produção industrial. Ele continua nas afirmações classificando a
modernidade como preconceituosa, e diz “que as crianças são seres tão distantes e
incomensuráveis que é preciso ser especialmente inventivo na produção do
entretenimento delas”.77 E avança em seu questionamento:
75 Já Vygotsky explica que “as crianças resolvem suas tarefas práticas com a ajuda da fala, assim
como dos olhos e das mãos”. (O instrumento e o símbolo no desenvolvimento da cri ança . In: A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. p. 28)
76 Willi Bolle na Introdução de BENJAMIN, W. Reflexões sobre a Criança, o Brinquedo, a Educação. p. 13.
77 BENJAMIN, W. Livros Infantis velhos e esquecidos. p. 57.
42
(…) o ogro até bem pouco tempo atrás deve ter sido um personagem bastante comum no cotidiano alemão, ele agora tornou-se estranho à ‘sensibilidade moderna’. Pode ser. Mas como se explica então que as crianças, colocadas perante a escolha, prefiram correr antes para as goelas do ogro do que para as dessa nova pedagogia? Terão assim também elas se mostrado estranhas à ‘sensibilidade moderna’?78
Benjamin ainda recorre às coleções de objetos infantis e abre sua
pesquisa com base nos fragmentos. A partir desse ponto identificado pelo filósofo é
que pode-se discorrer sobre a reflexão envolvendo a infância.
A linguagem79 é a mais perfeita forma de comunicação humana vista
como um código social que possibilita ao homem a interação com o outro e com as
mais diversas culturas e idiomas, pois parte do princípio que seu principal meio é
através dos códigos, da fala, da escrita, dos sinais, dos desenhos e das artes. Por
exemplo, Benjamin classifica o conceito de gesto80 tendo como base a prática do
teatro infantil. Benjamin pondera e faz observações relacionadas à pedagogia. Ao
mesmo tempo, faz críticas em relação a burocratização e a hierarquização imposta
no modelo de ensino vigente a época. E diz: “a organização da universidade não
mais se baseia na produtividade dos estudantes, como estava no espírito de seus
fundadores”.81
E a partir daqui, inicia-se, para o filósofo, a conceituação de educação
agregada a todos os elementos:
78 BENJAMIN, W. Pedagogia Colonial. Reflexões sobre a Criança, o Brinquedo, a Educação. p. 148-
149. 79 Na abordagem que Vygotsky (1998) faz, ele diz que a linguagem como um papel de propulsor do
pensamento, afirma que o aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis de acontecer. A linguagem seria então o motor do pensamento.
80 Para Vygotsky: “na idade pré-escolar ocorre, pela primeira vez, uma divergência entre o campo do significado e da visão. No brinquedo o pensamento está separado dos objetos e a ação surge das idéias e não das coisas: um pedaço de madeira torna-se um boneco e um cabo de vassoura torna-se um cavalo. A ação regida por regras começa a ser determinada pelas idéias e não pelos objetos. Isso representa uma tamanha inversão da relação da criança com a situação concreta, real e imediata, que é difícil subestimar seu pleno significado.(…) A representação simbólica no brinquedo é uma forma particular de linguagem, num estágio precoce, atividade essa que leva, diretamente, à linguagem escrita.” VYGOTSKY, Lev Semenovitch. A Formação Social da Mente. Trad. J. Cipolla Neto. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991. P.111
81 BENJAMIN, W. A vida dos Estudantes. Reflexões sobre a Criança, o Brinquedo, a Educação. p. 36.
43
Somente para observação toda ação e gesto infantil transforma-se em sinal. Não tanto como pretendem os psicólogos, sinal do inconsciente, das latências, repressões, censuras, mas antes sinal de um mundo no qual a criança vive e dá ordens. Quase todo gesto infantil significa uma ordem e um sinal em um meio para o qual só raramente homens geniais descortinaram uma vista.82
A linguagem, tanto oral, como escrita, possibilita a comunicação entre os
homens. Com o domínio da língua, o homem tem a capacidade de captar palavras e
também significados do mundo. Este processo inicia-se muito cedo, mas o seu
processo de concretização se dá quando o individuo vivência sua experiência de
convivência social.
Para Benjamin, a linguagem tem dimensões sociais, políticas e até
culturais. Mas ao mesmo tempo, Benjamin não descarta o lúdico porque o processo
educativo propõe uma busca contínua sobre a herança cultural. Benjamin ainda diz
que a criança está vinculada ao lúdico e que esse próprio vínculo partiu da própria
sociedade.
Esse lúdico faz parte do universo da criança. É nesse lugar que elas criam
espaços, ampliam as relações entre as práticas lúdicas e ao mesmo tempo dialogam
com os adultos. A criança faz desse universo uma produção cultural e ela
protagoniza situações muitas vezes banalizadas pelos adultos. A observação feita
por Benjamin tem como análise inicial o uso dos brinquedos. São eles que, segundo
o filósofo, impulsionam as crianças a desenvolverem sua prática lúdica. Na obra Rua
de mão única, o que chamou a atenção nesta pesquisa é que logo no início do
ensaio Walter Benjamin que explicita muito bem essa característica apontada onde
“o universo lúdico e de magia não tem nada a ver com a romantização do mundo
feita em nome dos contos de fadas pelos adultos”.83 Benjamin identificou também
que a criança sempre este no patamar onde era caracterizada como improdutiva e
que durante a infância o lúdico sempre era negado.
82 BENJAMIN, W. Velhos brinquedos. Reflexões sobre a Criança, o Brinquedo, a Educação. p. 86. 83 Willi Bolle na Introdução de BENJAMIN, W. Reflexões sobre a Criança, o Brinquedo, a Educação.
p. 15.
44
Se, partindo de tudo isso, fizermos algumas reflexões sobre a criança que brinca poderemos falar então de uma relação antinômica. De um lado o fato coloca-se assim: nada é mais adequado à criança do que irmanar em suas construções os materiais mais heterogêneos — pedras, plastilina, madeira, papel. Por outro lado, ninguém é mais sóbrio em relação aos materiais do que crianças: um simples pedacinho de madeira, uma pinha ou uma pedrinha reúne em sua solidez, no monolitismo de sua matéria, uma exuberância das mais diferentes figuras.84
Ratifica-se que a teoria benjaminiana indica que o homem e suas
experiências estão ligados graças ao uso da linguagem. Por isso que muitas formas
expressivas para se comunicar são abordadas pelo filósofo através da temática:
infância. Benjamin faz uma exaltação principalmente à teoria mimética, ao mesmo
tempo, procurou mostrar através das brincadeiras de crianças o que é a capacidade
mimética. Fazendo então uma diferenciação entre a magia da brincadeira do que é
material em relação ao brinquedo.
III.1 A Imitação no Processo de Reflexão sobre Cria nça e Brincadeira
Houve uma migração da capacidade mimética para a linguagem enquanto
antes, os antigos liam o futuro nas estrelas, os modernos tem nas semelhanças não
sensíveis a expressão clara da linguagem. Isso justifica o preconceito atual da nossa
inconsciência sobre a capacidade mimética para com as crianças. A modernidade
desenvolveu um “preconceito segundo o qual as crianças são seres tão diferentes
de nós, com uma existência tão incomensurável à nossa, que precisamos ser
particularmente inventivos se quisermos distraí-las”.85
Para Benjamin, as crianças têm o seu próprio mundo. Brincam nele
porque encontram um significado. O mundo que pode ser encontrado nos livros e diz
que “frente ao livro ilustrado, a criança […] vence a parede ilusória da superfície e,
esgueirando-se entre tapetes e bastidores coloridos, penetra em um palco onde o
conto de fadas vive”86. Dentro dessa concepção, Benjamin diz uma produção
dedicada à criança durante o Iluminismo:
84 BENJAMIN, W. Visão do livro infantil. Reflexões sobre a Criança, o Brinquedo, a Educação. p. 69. 85 BENJAMIN, W. Livros infantis antigos e esquecidos. Reflexões sobre a Criança, o Brinquedo, a
Educação. p. 237. 86 BENJAMIN, W. Visão do livro infantil. Reflexões sobre a Criança, o Brinquedo, a Educação. P. 69
45
O livro infantil alemão — assim o autor nos introduz em sua história — nasceu com o Iluminismo. Com sua forma de educação, os filantropos colocavam à prova o imenso programa de formação humanista. Se o homem era piedoso, bondoso e sociável por natureza, então deveria ser possível fazer da criança, ser natural por excelência, o homem mais piedoso, mais bondoso e mais sociável. E como em toda a pedagogia fundamentada a técnica da influência objetiva só é descoberta mais tarde e aquelas advertências problemáticas constituem o início da educação, assim também o livro infantil, nos primeiros decênios, torna-se moralista, edificante e varia o catecismo, junto com a exegese, no sentido do deísmo.87
Mas as crianças colocam suas experiências, a partir do momento que se
aproximam das coisas feitas por elas mesmas. Benjamin afirma:
As crianças são especialmente inclinadas a buscarem todo local de trabalho onde a atuação sobre as coisas se dê de maneira visível. Elas sentem-se irresistivelmente atraídas pelos destroços que surgem da construção, do trabalho no jardim ou em casa, da atividade do alfaiate ou do marceneiro. Nestes restos que sobram elas reconhecem o rosto que o mundo das coisas volta exatamente para elas, e só para elas. Nestes restos elas estão menos empenhadas em imitar as obras dos adultos do que em estabelecer entre os mais diferentes materiais, através daquilo que criam em suas brincadeiras, uma nova e incoerente relação. Com isso, as crianças formam seu próprio mundo das coisas, mundo pequeno inserido em um maior.88
O filósofo retoma o conceito de mimese para anunciar como a criança
pode através da imitação começar essa produção de saberes. É através mimese
que a criatividade infantil ajuda à criança entender uma realidade a qual está
inserida. No mundo das crianças, os objetos têm vida e por isso que há a repetição.
Tal repetição que propõe a brincadeira, cuja transformação chega à faculdade
mimética. Essa questão sobre a faculdade mimética, Walter Benjamin ressalta:
Deve-se refletir ainda que nem as forças miméticas nem as coisas miméticas, seu objeto, permaneceram as mesmas no curso do tempo; que com a passagem dos séculos a energia mimética, e com ela o dom da apreensão mimética, abandonou certos espaços, talvez ocupando outros.89
O homem, porém, não se forma apenas pelo desenvolvimento das
potencialidades que envolvem a mimese e até mesmo a linguagem. Em todo o ser
humano reside uma vontade intensa de ser criativo, e esta nasce da inclusão do
homem no mundo e a educação só se toma mais autêntica quando desenvolve tal
87 BENJAMIN, W. Livros infantis velhos e esquecidos. Reflexões sobre a Criança, o Brinquedo, a
Educação p. 54 88 BENJAMIN, W. Visão do livro infantil. Reflexões sobre a Criança, o Brinquedo, a Educação. p. 77. 89 BENJAMIN. W. Doutrina das Semelhanças. p. 109
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vontade. A educação deve ser desinibida e não restrita. O homem tem a
necessidade de desenvolver uma consciência crítica para que lhe seja permitida a
competência da transformação. Ele pode, dentro de uma sociedade, ir respondendo
a desafios do mundo temporalizando espaços geográficos e fazendo história,
usando sua própria criatividade e esta é a capacidade que o homem tem de renovar
à sua maneira. No entanto, para que se desenvolva no homem, é necessária, que
desperte nele, uma atitude crítica, que se constitui uma necessidade humana.
Benjamin diz que as crianças, entendendo o campo da linguagem, como
os adultos, são livres. E por isso podem ser detentoras de transformar dialetos,
letras e a própria linguagem, num vocabulário infantil próprio.
Mal entra ela na vida e já é caçador. Caça os espíritos cujos vestiários fareja nas coisas; entre espíritos e coisas transcorrem-lhe anos, durante os quais o seu campo visual permanece livre de seres humanos. Sucede-lhes como em sonhos: ela não conhece nada de permanente; tudo lhe acontece, pensa ela, vem ao seu encontro, se passa com ela. Os seus anos de nômade são horas passadas na floresta de sonhos. De lá ela arrasta a presa para casa, para limpá-la, consolidá-la, desenfeitiçá-la.90
É na perspectiva de um desenvolvimento plural que a linguagem e a
mimese estão implicadas. Atualmente, pelos saberes historicamente acumulados,
somos conhecedores de que, para produzir a linguagem, além dos processos
linguísticos, são acionados mecanismos físicos e cognitivos que vão determinar o
desempenho lingüístico dos falantes. Tais mecanismos, específicos em alguns
casos, vão dar suporte à produção, tanto da língua falada, quanto da língua escrita.
Benjamin classifica a mimese como um fenômeno que faz parte da vida
social porque estimula a sociabilidade e permite que à criança esteja associada no
sentimento de integração aos seus semelhantes. A própria mimese está alicerçada
num universo onde são identificados símbolos que facilitam a criança se envolver
nas relações da dimensão ontológica. É através da mimese que a criança começa o
processo de aprendizagem no campo da ação corporal. Porque é pelo corpo que a
criança desenvolve os movimentos e gestos, ao mesmo tempo troca experiências de
semelhanças nas relações sociais. Ponto esse a ser abordado ao citarmos jogos e
brinquedos onde Benjamin é enfático. Sobre gestos infantis, o filósofo explica:
90 BENJAMIN, W. Rua de mão única. Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação. p. 107.
47
Toda pedra que ela encontra, toda flor colhida e toda borboleta capturada já é para ela o começo de uma coleção, e tudo aquilo que possui constitui para ela uma única coleção. Na criança, essa paixão revela o seu verdadeiro rosto, o severo olhar de índio que continua a arder nos antiquários, pesquisadores e bibliômanos, porém com um aspecto turvado e maníaco.91
A função semiótica (ou simbólica) é ligada à interiorização da imitação, e
o aspecto importante aqui é que a criança pode agora representar para si mesma
um objeto quando ele está ausente. E Benjamin afirma que “sabemos que para a
criança ela é a alma do jogo e que nada a torna mais feliz do que o mais uma vez.”92
Benjamin classifica a experiência infantil como algo que não é vazio seu
conteúdo. Para o filósofo a experiência propõe que o espírito seja livre e até criativo
porque essa experiência tem conteúdo, e se há conteúdo é preciso vivenciar o
espírito. E Benjamin afirma ainda que “essa experiência possa ser dolorosa para a
pessoa que aspira por ela, mas dificilmente a levará ao desespero”.93
A criança não tem como intenção apenas se vingar de experiências ruins,
mas procura vivenciar, de forma simultânea, o novo, suas vontades, suas vitórias e
seus triunfos. É a partir desse conceito que o jogo se apresenta como algo
imprescindível para a criança, segundo Benjamin, porque elas demonstram o
pensamento simbólico através do comportamento. Portanto, é através do brincar
infantil que a criança pode se constituir um ser de espírito livre. A explicação está na
faculdade Mimética. Ela interage através dos jogos e das brincadeiras a faculdade
mimética, além de contribuir no processo evolutivo da inteligência e principalmente
na adequação da linguagem.
Benjamin questiona a importância da mimese durante o aprendizado da
criança. Não demora para responder que a explicação do questionamento está na
“experiência das coisas”. Segundo Benjamin, essa experiência faz parte do contexto
infantil em poder se identificar com as coisas que estão ao seu redor e de poder
habitar num mundo, sem a preocupação com os limites. O filósofo prossegue em
sua resposta afirmando que a faculdade mimética não está reduzida à imitação. A
91 BENJAMIN, W. Rua de mão única. Reflexões : a Criança, o Brinquedo, a Educação. p. 107. 92 BENJAMIN, W. Brinquedos e jogos. Reflexões : a Criança, o Brinquedo, a Educação. p. 101. 93 BENJAMIN, W. Experiência. Reflexões : a Criança, o Brinquedo, a Educação. p. 23.
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brincadeira e a própria a mimese fazem parte da realidade delas na forma de
conhecer o mundo.
Quando Benjamin aponta essas diferenças entre o mundo da criança e do
adulto, ele ressalta os fragmentos onde a criança consegue se identificar junto as
coisas. É a partir dessa apropriação que ela traduz o seu modo de ver dos objetos,
muitas vezes desprezadas pelos adultos. Dessa forma, quando se estuda a criança,
faz-se necessário conhecer os fatos referentes a ela, em todo o seu
desenvolvimento físico, afetivo, cognitivo e social, para que se possa entender as
influências externas e internas nesse processo.
A aprendizagem apresenta uma modificação do comportamento, que
surge como resultado das experiências vividas. A maturação intervém nos processos
de crescimento e aprendizagem, à medida em que afeta, não só o crescimento
biológico, mas modifica a capacidade do indivíduo de atuar no mundo, revelando um
comportamento ajustável ao meio em que vive.
Vale ressaltar que, em cada nível de maturidade (desenvolvimento
concomitante dos aspectos físicos, emocionais e psicológicos do indivíduo), a
criança mostra formas de comportamento que modificará ou abandonará em
determinado tempo. Não se pode, por exemplo, fazer com que uma criança de dois
anos não leve um objeto à boca, quando é nesse órgão que está sua maior
sensibilidade, à proporção que vai se desenvolvendo, vai determinando vários níveis
de amadurecimento, que a levará a uma mudança de comportamento.
III.2 Linguagem e Mimese através de Jogos e Brinque dos
É evidente que um brinquedo no universo infantil seja importante. Seja ele
simples ou sofisticado, de manuseio e condução própria. E porque não um
brinquedo que interage com corpo da criança, transformando ela num próprio
brinquedo. A paixão de Benjamin era pelos brinquedos.
A composição do brinquedo pode ser representada pelo apego e pela
imitação. De uma forma poética, Benjamin diz que “a anatomia dos brinquedos pode
49
revelar as entranhas da cultura e da sociedade”94. Se usarmos como base o
pensamento benjaminiano diante da criança e o mundo que ela está relacionada,
poderia se dizer então que identificar o conceito do brinquedo seria inútil se tivesse
apenas como explicação o espírito das crianças. De acordo com essa abordagem,
Benjamin diz que:
Se a criança não é nenhum Robinson Crusoe, assim também as crianças não se constituem nenhuma comunidade isolada, mas sim uma parte do povo e da classe de que provém. Da mesma forma seus brinquedos não dão testemunho de uma vida autônoma e especial; são isso sim, um mudo diálogo simbólico entre ela e o povo […].95
Já por outro lado, durante o brincar, bonecas e até utensílios domésticos
ajudam as crianças no exercício da criatividade e ao mesmo tempo propõe a
manipulação dos objetos. Essa composição exposta ajuda a designar espaços e
uma função. É através das brincadeiras que a criança se liberte, foge dos limites e
não fica apenas restrita a imitar outra pessoa. Os objetos, a natureza, o que é
tangível, passam a ser elementos necessários para o imitar. Na visão do filósofo,
não seria uma mera repetição, mas a criação do novo a partir do ato de imitar.
‘Arrumar’ significaria aniquilar uma construção cheia de castanhas espinhosas que são maçãs medievais, papéis de estanho que são um tesouro de prata, cubos de madeiras que são ataúdes, cactos que são tótens e tostões de cobre que escudos. No armário de roupas da casa da mãe, na biblioteca do pai, ali a criança já a ajuda há muito tempo, quando no próprio distrito ainda é sempre o anfitrião inconstante, aguerrido.96
Diante dessa exposição, Benjamin questiona toda essa relação do que é
real e o mundo da criança, considerado como lúdico. Para o filósofo, não há como
identificar uma manifestação entre essas duas forças. Apenas seria possível
encontrar o que ele classifica de “imitação”. Enquanto o jogo, como ferramenta do
desenvolvimento da inteligência, tem um papel muito importante nas áreas de
estimulação e é uma das formas mais naturais da criança entrar em contato com a
realidade, tendo o jogo simbólico um papel especial.
O jogo é fundamental para despertar o interesse da criança. Ela joga e vai
se conhecendo melhor. Constrói interiormente o seu mundo. Esta atividade é um dos 94 BENJAMIN, W. História Cultura do Brinquedo. Reflexões : a Criança, o Brinquedo, a Educação. p.
94. 95 BENJAMIN, W. Visão do livro infantil. Reflexões : a Criança, o Brinquedo, a Educação. p. 77. 96 BENJAMIM, W. A vida dos Estudantes. Reflexões : a Criança, o Brinquedo, a Educação. p. 39.
50
meios mais ideais para a construção do conhecimento. Mais ainda, para Benjamin, o
jogo coloca a criança diante da experiência. “Toda e qualquer experiência mais
profunda deseja insaciavelmente, até o final de todas as coisas, repetição e retorno,
restabelecimento da situação primordial da qual ela tomou o impulso inicial”.97 É
através do jogo que também a criança pode identificar o prazer. Os objetos são
transformados pela sua imaginação. É “faz de conta”, que também pode-se
caracterizar como representação. O simbolismo faz com que um simples aspirador
de pó, por exemplo, possa se tornar um brinquedo extremamente importante para
criança. Ela o transforma de acordo com sua imaginação.
Nesse caso apontado, Benjamin afirma que a criança “cria para si todo
fato vivido, começa mais uma vez do início porque brincar não é um ‘fazer como se’,
mas um ‘fazer novo’, o que transforma em hábito”98. Isso revela que os jogos e as
brincadeiras são responsáveis pelos hábitos durante a infância.
É na infância que as brincadeiras satisfazem as crianças. Despertam
nelas interesses e necessidades, privilegiando de inserção na realidade, pois elas
podem expressar a maneira de pensa, refletir e construir o mundo, pois brincar é
inerente à criança. É no jogo que a criança começa a construir a imagem real do
mundo dela e se libertando através do brinquedo. Essa liberdade propõe ela
transformar o brinquedo de forma que esse brinquedo possa ter funções provisórias
a fim de proporciona-lhe felicidade e entusiasmo, mesmo que seja momentâneo.
Benjamin classifica a liberdade da criança como algo límpido e “com a
mais pureza do que na existência posterior, pois todas as manifestações na vida
infantil não pretendem outra coisa senão conservar em si os sentimentos
essenciais”.99 Identifica-se então que o fio condutor entre a brincadeira infantil e o
mundo infantil da criança é a faculdade mimética.
Entende-se que a mimese está interligada a brincadeira e por sua fez
acaba por se fundamentar como essencial para o desenvolvimento e o crescimento
do ser humano. Pode-se dizer que o aprender e o pensar são característicos no
homem a partir do momento que ele está posicionado num mundo após ter
97 BENJAMIN, W. Brinquedos e jogos. Reflexões : a Criança, o Brinquedo, a Educação. p.101. 98 IDEM. p. 102. 99 BENJAMIN, W. Visão do livro infantil. Reflexões : a Criança, o Brinquedo, a Educação. p. 49.
51
vivenciado uma infância verdadeira, envolvida por brinquedos, brincadeiras e a
própria liberdade.
Já para Willi Bolle100, há um comentário que merece ser citado. Benjamin
buscava travar uma luta consciente contra qualquer tipo de enquadramento
compulsório das crianças num mundo de “adultos enrijecidos”. No entanto,
retomando a mimese, ficou caracterizado então que o ato de repetir e a volta do
brincar infantil puderam fazer com que o jogo assumisse uma face dupla em relação
ao uso da criança. Ela deixa claro o seu espaço na vida para o jogo. Bem diferente
dos adultos porque, como se fala, o “novo” é prazer e felicidade.
A criança quer puxar alguma coisa e torna-se cavalo, quer brincar com areia e torna-se padeiro, quer esconder-se e torna-se bandido ou guarda. Conhecemos muito bem alguns instrumentos de brincar arcaicos, que desprezam toda máscara imaginária.101
A criança tem essa capacidade mimética, segundo Benjamin, porque ela
detém de uma estruturação com função simbólica. Na verdade, a criança já é capaz
de produzir imagens mentais e ao mesmo tempo dominar a linguagem lhe oferece
possibilidade do uso de símbolos na substituição de objetos. Ao mesmo tempo,
Benjamin afirma que a criança pode imitar, incorporar e até traduzir o que é real
dentro do universo adulto para o seu próprio cenário lúdico infantil o qual tudo pode
ser livremente subvertido.
Atrás do cortinado, a própria criança transforma-se em algo ondulante e branco, converte-se em fantasma. A mesa de jantar, debaixo da qual ela se pôs de cócoras, a faz transformar-se em ídolo de madeira em um templo onde as pernas talhadas são as quatro colunas. E atrás de uma porta, ela própria é porta, incorporou-a como pesada máscara e, feita um sacerdote-mago, enfeitiçará todas as pessoas que entrarem desprevenidas […]. 102
Durante a fase infantil, a faculdade mimética se finca nas relações
ontológicas, por meio do “brincar”. A partir dessa brincadeira, surge a produção das
semelhanças naturais que ajudam a determinar o sentido filogenético.
Desde que o homem existe na terra, ele sempre criou instrumentos
lúdicos e desenvolveu diferentes formas de se expressar ludicamente. Hoje, existem 100 Na Introdução de: BENJAMIN, W. Reflexões : a Criança, o Brinquedo, a Educação. p. 14. 101 BENJAMIN, W. História Cultural do Brinquedo. Reflexões : a Criança, o Brinquedo, a Educação. p.
93. 102 BENJAMIN, W. Rua de mão única. Reflexões : a Criança, o Brinquedo, a Educação. p. 107-108.
52
instrumentos lúdicos de vários tipos, já fabricados para atender aos interesses de
determinada faixa etária, mas pode não ser esse o tipo mais adequado para a
criança em determinados momentos. É valiosa a contribuição do adulto no brincar da
criança. Porém, muitas vezes, por desconhecimento ou desinformação, sua atuação
é inadequada. Assim, foi sentida a necessidade de analisar melhor essa relação
adulto-criança no lúdico.
Conhecendo seu corpo, a criança começa a explorar o ambiente, razão
porque é tão inquieta e buliçosa. Nesse período, os brinquedos, em forma de blocos
de construção, cumprem uma função básica, que é o desenvolvimento da
coordenação motora. A criança, quando brinca de construção, preocupa-se mais
com problemas de equilíbrio, tamanho e modo de combinar os blocos, que em
construir alguma coisa. Gradualmente, passa a usá-los com a intenção de fazer
algo, porém, suas construções são mais espalhadas que empilhadas.
Posteriormente, interessa-se em construir altos castelos, cuidadosamente
equilibrados, que servem como cenário para suas dramatizações.
À medida que a criança domina determinado lúdico, este passa a dar-lhe
um novo significado. Aos três anos de idade, um bloco poderá ser uma boneca, um
carro, um animal de estimação. Já para as crianças de mais idade, um bloco será
sempre um material que ajudará na construção de um objeto imaginário.
Pode-se notar o progresso na coordenação motora, quando a criança
adquire habilidade de vestir-se sozinha. Aos três anos, pode desabotoar toda a
roupa apesar da dificuldade em abotoar. Nos dois anos depois, já consegue vestir-
se sozinha, utilizando-se de muito tempo para isso. Em relação ao desenvolvimento
da orientação espacial, que é a capacidade do indivíduo de se organizar perante o
mundo que o cerca, o período pré-escolar é importante desde cedo. Movimentando-
se facilmente no ambiente familiar, passo a passo, a criança explora diferentes
locais transformando-os em seu. Gradualmente, ela passa a conhecer as noções de
acima-abaixo, frente-trás e longe-perto.
Benjamin considera que mimese é responsável pela sintonia entre “fala e
escrita”103 e facilitando a criança no que tange o “profano e mágico” da linguagem
103 Vygotsky amplia essa explicação citando que “a escrita deve ter significado para as crianças, uma
53
escrita e oral. Esse envolvimento entre escrita e fala, fez com que transformasse a
linguagem e a até mesmo escrita “num arquivo de semelhanças, de
correspondências extra-sensíveis”.104 Dessa forma, pode-se afirmar que a escrita faz
parte do sentido semiótico e da comunicação da linguagem. Isso porque é possível
identificar elementos que traduzem a faculdade mimética. Benjamin explica que
“abre-se nessa camada profunda o acesso ao extraordinário duplo sentido da
palavra “leitura”, em sua significação profana e mágica”.105. Pode-se dizer que essa
leitura é composta por uma significação profana, e que surge desde o inconsciente e
passa por uma captação da imagem através do processo da dimensão mágica extra-
sensível da linguagem.
Assim, mesmo a leitura profana, para ser compreensível, partilha com a leitura mágica a característica de ter que submeter-se a um tempo necessário, ou antes, a um momento crítico que o leitor por nenhum preço pode esquecer se não quiser sair de mãos vazias.106
Para Benjamin, “não são as coisas que saltam das páginas em direção à
criança que as vai imaginando — a própria criança penetra nas coisas durante o
contemplar, como nuvem que se impregna do esplendor colorido desse mundo
pictórico”.107
Dessa forma, o sentido ontogenético acontece através do jogo e da
brincadeira porque são elementos essenciais para filogenética, como o filósofo
classifica o comportamento mimético bem mais vasto do que a semelhança. E,
complementando, sobre mágica, seria essa a dimensão da linguagem necessária
para a compreensão conceitual. Vale lembrar que Benjamin classifica a ontogenética
a fase inicial ou infantil porque é a partir desse ponto inicial que surgem à
estruturação da memória e da própria linguagem do sujeito.
necessidade intrínseca deve ser despertada nelas e a escrita dever ser incorporada a uma tarefa necessária e relevante para a vida. Só então poderemos estar certos de que ela se desenvolverá não como um hábito de mão e dedos, mas como uma forma nova e complexa de linguagem”. VYGOTSKY, O instrumento e o símbolo no desenvolvimento da cri ança . In: A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. p. 133
104 BENJAMIN, W. Doutrina das Semelhanças. In: Magia e Técnica, Arte e Política : Ensaios sobre Literatura e História da Cultura. 1987. p. 111.
105 IDEM p. 112. 106 BENJAMIN, W. Problemas da Sociologia da Linguagem. p. 113. 107 BENJAMIN, W. Livros infantis velhos e esquecidos. Reflexões : a Criança, o Brinquedo, a
Educação. p. 69
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Benjamin sugere que há um tempo entre a magia da leitura e a magia do
brincar. O intervalo seria imprescindível para que a semelhança extra-sensível dos
objetos, dos sons, das imagens e das palavras pudesse emergir nas crianças.
Benjamin aponta esse momento importante por causa do que ele considera como
“adestramento da atitude mimética” o qual pode ser identificado a partir das
necessidades filogenéticas. Benjamin afirma que esse tempo proposto à infância:
Da biblioteca da escola recebe-se um livro. Nas classes inferiores é feita uma distribuição. Só uma vez e outra ousa-se um desejo. Muitas vezes vêem-se livros cobiçosamente desejados chegar a outras mãos. Por fim, recebia-se o seu. Por uma semana estava-se inteiramente entregue ao empuxo do texto, que envolvia branda e secretamente, densa e secretamente como flocos de neve. Dentro dele se entrava com confiança sem limites. Quietude do livro, que seduzia mais e mais! Cujo conteúdo nem era tão importante. Pois a leitura caía ainda no tempo em que se inventavam histórias para si próprio na cama.. Sua respiração está no ar dos acontecimentos e todas as figuras lhe sopram. Ela está misturada entre os personagens muito mais de perto que o adulto. É indizivelmente concernida pelo acontecer e pelas palavras trocadas e, quando se levanta, está totalmente coberto pela neve do lido.108
Por outro lado, a partir da experiência infantil, constituída por mimese,
jogo, brinquedo e brincadeira, Benjamin afirma que é possível se contrapor à
experiência que há na vida adulta e ainda diz que “a criança exige do adulto uma
representação clara e compreensível, mas não infantil”.109 Já os jogos e os
brinquedos agregam às crianças a aprendizagem e, ao mesmo tempo, eles se
apresentam como lúdico, ajudam no desenvolvimento intelectual e nas relações
sociais. Para Benjamin, não seria o jogo, propriamente dito, suficiente para ajudar no
desenvolvimento da criança, mas jogo duplo que há entre a imaginação e o plano
imaginativo que é capaz de imaginar situações e representar papéis do cotidiano. Já
o lúdico interfere diretamente no caráter social. Mas para o filósofo, o lúdico não esta
nos brinquedos, mas sim, nas crianças que o imaginam organizam e constrói.
O objetivo maior da utilização do brinquedo é possibilitar ideias, fazer fluir
a imaginação e até mesmo ultrapassar os limites da criatividade. É um elemento
revelador que possibilita a interação e troca compartilhada de conhecimento de
mundo que cada um traz em si, ampliando novas possibilidades. Pode-se fazer uma
diferenciação entre o brincar, o jogar e o lúdico. Na brincadeira, a criança constrói o
108 BENJAMIN, W. A vida dos Estudantes. Reflexões : a Criança, o Brinquedo, a Educação. p. 37. 109 BENJAMIN, W. Livros Infantis velhos e esquecidos. Reflexões : a Criança, o Brinquedo, a
Educação. p. 55.
55
símbolo imitando situações da vida real, enquanto no jogo, ela utiliza mais a
capacidade de raciocinar, seguir regras e enfrentar desafios, além de vencer
obstáculos na fase egocêntrica da criança. Ressalta que o jogo está ligado à cultura
e chega a mostrar que ele pode transcendes as necessidades imediatas que a vida
precisa, além de propor um significado para quem o joga. Mas vale abrir uma
explicação nesse ponto porque Walter Benjamin era crítico em relação à cultura do
seu tempo.
O jogo prepara de forma lúdica a criança nas tarefas futuras, podendo até
mesmo servir como exercício para autocontrole do indivíduo. Benjamin ainda aborda
que a modernidade fez com que o lúdico tivesse um espaço cada vez menor no
universo das crianças, e pondera:
Todo hábito entra na vida como brincadeira, e mesmo em suas formas mais enrijecidas sobrevive um restinho de jogo até o final. Formas petrificadas e irreconhecíveis de nossa primeira felicidade, de nosso primeiro terror, eis os hábitos. E mesmo o pedante mais insípido brinca, sem o saber, de maneira pueril, não infantil, brinca ao máximo quando ele é pedante ao máximo.110
As crianças estariam comprometidas em brincar por várias explicações
que vão desde o amadurecimento mais rápido e diminuição no tempo de brincar em
detrimento ao capitalismo. A essa afirmação pode-se, de fato, constatar a inversão
do que poderia ser útil às crianças no que pode ser útil aos adultos. No lugar da
diversão, identifica-se atividades que envolvem o tecnicismo. No lugar do brincar,
estão as aulas de computação, por exemplo. Tais ações fazem sumir o “faz de
conta”. Pode-se fazer um questionamento: Se o brincar, que é apontado por
Benjamin como algo de natureza livre e, integrante dos processos educativos, como
reunir dentro da mesma situação o brincar e o educar?
A resposta poderia estar nos brinquedos. Benjamin ainda afirma que os
brinquedos criados pelos russos e com a ajuda dos alemães seriam, até então, os
únicos e ideais que estariam legitimados sobre a genialidade e a importância do
brinquedo.
110 BENJAMIN, W. Visão do livro infantil. Reflexões : a Criança, o Brinquedo, a Educação. p. 75.
56
Os brinquedos russos, porém, são em geral desconhecidos. Sua produção é pouco industrializada e fora das fronteiras russas apenas um pouco mais difundidos que a figura estereotipada da “baba”, uma pequena peça de madeira em forma de cone, totalmente pintada, e que representa uma camponesa. 111
Nesse ponto, Benjamin avança discorrendo sobre o brinquedo e faz uma
analogia entre os adultos e os brinquedos. O filósofo afirma que através deles (os
brinquedos) é que se pode entender como os adultos vêem a relação do mundo das
crianças. A resposta das crianças é através do brincar e de acordo com a
brincadeira, ela propõe mudanças na função do brinquedo. É com essa proposta
que os brinquedos apresentam traços culturais os quais estão inseridos no
imaginário infantil.
Benjamin citou ainda os livros infantis onde “a imagem colorida faz com
que a fantasia infantil mergulhe sonhando em si mesma. A xilogravura em branco e
preto, reprodução sóbria e prosaica, tira a criança de seu próprio interior”.112 Neles
fez registros sobre o desenvolvimento industrial e pós-industrial dos brinquedos. O
intuito era justamente alertar sobre as mudanças que sofriam os brinquedos por
causa do processo de industrialização. Teria sido esse o ponto que registrou o
afastamento das crianças em relação aos pais. Tendo em vista que antes, esses
mesmos brinquedos eram produzidos por pais e filhos. Antigamente, os brinquedos
eram feitos em oficinas a base de entalhadores de madeira.
O espírito do qual descendem os produtos, o processo total de sua produção, e não apenas o resultado, está sempre presente para a criança no brinquedo, e é natural que ela compreenda muito melhor um objeto produzido por técnicas primitivas do que um outro que se origina de um método industrial complicado.113
Na visão de Benjamin, para a criança, o interesse dela estaria ligado ao
processo de produção do brinquedo. Mais do que o produto já acabado.
111 BENJAMIN, W. História Cultural do Brinquedo. Reflexões : a Criança, o Brinquedo, a Educação. p.
94. 112 BENJAMIN, W. Livros infantis velhos e esquecidos. Reflexões : a Criança, o Brinquedo, a
Educação. p. 65. 113 BENJAMIN, W. Brinquedos russos. Reflexões : a Criança, o Brinquedo, a Educação. p. 127.
57
Madeira, ossos, tecidos, argila, representam nesse microcosmo os materiais mais importantes, e todos eles já eram utilizados em tempos patriarcais, quando o brinquedo era ainda a peça do processo de produção que ligava pais e filhos. Mais tarde vieram os metais, vidro, papel e até mesmo o alabastro.114
Um detalhe que chama atenção no estudo em questão é que Walter
Benjamin fala que as crianças gostam mesmo de brincar é com o que ele considera
de “destroços”. Seriam resquícios que estão no cotidiano doméstico, no trabalho dos
pais delas ou em outros espaços que têm contato. A citação a seguir deixa clara a
visão do autor relacionada aos interesses das crianças.
Nesses produtos residuais elas reconhecem o rosto que o mundo das coisas volta exatamente para elas, e somente para elas. Neles, estão menos empenhadas em reproduzir as obras dos adultos do que em estabelecer entre os mais diferentes materiais, através daquilo que criam em suas brincadeiras, uma relação nova e incoerente. Com isso as crianças formam o seu próprio mundo de coisas, um pequeno mundo inserido no grande.115
Ao passar do tempo, em pleno século XVIII, surgem às indústrias de
brinquedos. Logo na segunda metade do século XIX, começam novas
transformações e os brinquedos acabam ficando maiores. Começam a perder os
elementos que antes eram considerados essenciais como a discrição e o acesso até
ele. E Benjamin afirma: “O entendimento secreto entre o artesão anônimo e o leitor
infantil desaparece; cada vez mais escritor e ilustrador dirigem-se à criança mediante
o meio ilícito das preocupações e modas fúteis”.116 Benjamin ainda faz uma alerta
sobre o que ele chama de “produção em série dos brinquedos” e continua citando,
“quanto mais atraentes forem os brinquedos, mais distantes estarão de seu valor
como instrumentos de brincar”.117
Ao passar do tempo, a indústria inovou e cresceu. Já os brinquedos
começaram a tomar proporções estranhas aos olhos das crianças e até mesmo dos
próprios pais. Mesmo assim, os adultos insistiam na imposição desses brinquedos
às crianças, provocando uma distância ainda maior da riqueza dos materiais que
eram utilizados numa época em que o processo de produção unia pais e filhos. 114 BENJAMIN, W. História Cultural do Brinquedo. Reflexões : a Criança, o Brinquedo, a Educação. p.
93. 115 BENJAMIN, W. Rua de mão única. Reflexões : a Criança, o Brinquedo, a Educação. p. 104. 116 BENJAMIN, W. Livros Infantis velhos e esquecidos. Reflexões : a Criança, o Brinquedo, a
Educação. p. 68. 117 BENJAMIN, W. Visão do livro infantil. Reflexões : a Criança, o Brinquedo, a Educação. p. 70.
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Benjamin ainda contextualiza como as crianças, os brinquedos e suas brincadeiras
acabam por se relacionar no meio que estão interligados:
As crianças não constituem nenhuma comunidade isolada, mas sim uma parte do povo e da classe de que provém. Da mesma forma seus brinquedos não dão testemunho de uma vida autônoma e especial; são, isso sim, um mudo diálogo simbólico entre ela e o povo.118
Se Benjamin bem no início do século XX já provocava essas suas
reflexões sobre o efeito do capitalismo e da industrialização nas brincadeiras das
crianças, pode-se compreender o quanto contribuiu para o entendimento do que
somos hoje. O “grande brinquedo” não substitui o simples. Por isso que, “as crianças
formam seu próprio mundo de coisas, um pequeno mundo inserido no grande”.119
A contribuição do filósofo deixou marcas profundas sobre os efeitos desse
capitalismo, até hoje considerado selvagem. Selvagem, porque devora todo e
qualquer princípio. Mais ainda porque suprime o direito natural de brincar. E cita
“Quem tiver vontade de ver a caricatura do capital mercantil, precisa pensar apenas
em uma loja de brinquedos tal como era típica até cinco anos atrás e que até hoje
continua sendo a regra nas pequenas cidades.”120
Benjamin ainda propõe um resgate desse mesmo brincar apontando os
livros infantis e ainda como eram feitos os brinquedos de forma artesanal.
Em pequenos formatos, os voluminhos mais antigos exigiam a presença da mãe de maneira muito mais íntima; os volumes in quarto mais recentes, em sua insípida e dilatada ternura, estão antes determinados a fazer vista grossa à ausência materna. Uma emancipação do brinquedo põe-se a caminho; quanto mais a industrialização avança, tanto mais decididamente o brinquedo se subtrai ao controle da família, tornando-se cada vez mais estranho não só às crianças, mas também aos pais.121
A crítica benjaminiana é clara e, ao mesmo tempo, óbvia sobre esse
afastamento grotesco das formas simples de brincar onde as crianças utilizavam
materiais do seu próprio ambiente. Como desconsiderar o “brincar” já que essa ação
está ligada a uma atividade cultura e social? Por causa disso que esse mesmo
118 BENJAMIN, W. Visão do livro infantil. Reflexões sobre a Criança, o Brinquedo, a Educação. p. 70. 119 BENJAMIN, W. Livros infantis velhos e esquecidos. Reflexões sobre a Criança, o Brinquedo, a
Educação. p. 58. 120 BENJAMIN, W. História Cultural do brinquedo. Reflexões sobre a Criança, o Brinquedo, a
Educação. p. 98 121 IDEM. p. 91.
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brincar jamais pode ser classificado ou catalogado como instituições. É mais do que
isso, “não há dúvida que brincar significa sempre libertação. Rodeadas por um
mundo de gigantes, as crianças criam para si, brincando, o pequeno mundo
próprio”.122 E a ideia é defendida por Benjamin de que a infância verdadeira está na
experiência mimética, na imaginação123 e na fantasia, além de transcender todo e
qualquer objeto material. Trazendo assim a possibilidade de vivenciar a verdadeira
brincadeira. Mas que para o filósofo, o primitivo estaria em concordância com a
harmonia infantil.
O estilo e a beleza das peças mais antigas explicam-se pela circunstância de que o brinquedo representava antigamente um produto secundário das diversas indústrias manufatureiras, as quais, restringidas pelos estatutos corporativos, só podiam fabricar aquilo que competia a seu ramo.124
No entanto, Benjamim requer cautela sobre a possibilidade de um mundo
de fantasia, pura infância, ficar recaída sob a criança, tendo em vista que não se
pode descartar a dimensão cultural já citada aqui. A percepção de mundo da criança
e também de suas brincadeiras podem, sim, serem intermediadas pelos adultos e ter
marcas fortes de gerações anteriores.
A conclusão desse capítulo é uma retomada ao que foi falado logo em
nossa introdução. Improvisação do gesto e a citação do teatro, agora em âmbito
contemporâneo, provocou Benjamin a falar de tal situação, encerrando assim, sua
obra:
122 BENJAMIN, W. Velhos Brinquedos. Reflexões sobre a Criança, o Brinquedo, a Educação. p. 85. 123 Nesse ponto, encontramos algo que possa agregar informação. Podemos dizer que a experiência
pode ter como apoio a imaginação. Através dessa nossa afirmação, encontramos uma citação de Vygotsky que ratifica nosso entendimento: “A atividade criadora da imaginação se encontra em relação direta com a riqueza e a variedade da experiência acumulada pelo homem, porque esta experiência é o material com que a fantasia erige os seus edifícios. Quanto mais rica seja a experiência humana, tanto maior ser· o material de que dispõe essa imaginação. Por isso a imaginação da criança é mais pobre que a imaginação do adulto, por ser menor a sua experiência”. VYGOTSKY, O instrumento e o símbolo no desenvolvimento da cri ança . In: A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. p. 17.
124 BENJAMIN, W. História Cultural do Brinquedo. Reflexões sobre a Criança, o Brinquedo, a Educação. p. 90.
60
Nesse teatro infantil existe uma forca que aniquilará o posicionamento pseudo revolucionário do mais recente teatro da burguesia. Pois não é a propagando de ideias que atua de maneira verdadeiramente revolucionária, propaganda que instiga aqui e acolá a ações irrealizáveis e, frente à primeira consideração sóbria à saída do teatro, dá-se vencida. Verdadeiramente revolucionário é o efeito do sinal do vindouro, o qual fala pelo gesto infantil.125
O que Benjamin mostra, desde as origens, toda a importância da
linguagem, mimese, jogos e principalmente do brinquedo. O problema para ele é
que esse objeto foi criado pelo adulto126. E como sendo os criadores, existia um erro
no pensamento onde era o brinquedo responsável pelo imaginário provocado pelas
crianças. Ou seja, seria o brinquedo idealizador das brincadeiras infantis. O que o
filósofo desmitifica é que a criança surge como idealizadora do seu mundo. “Nesses
detritos, elas reconhecem o rosto que o mundo das coisas assume para elas, e só
para elas. Com tais detritos, não imitam o mundo dos adultos, mas colocam os
restos e resíduos em uma relação nova e original”.127
Ela que provoca as sensações que só o seu imaginário pode
proporcionar. No entanto, esse mesmo brinquedo leva pra si uma cultura que está
inserida na sua produção. Benjamin também levantou algumas questões. Uma delas
está relacionada a uma crítica no processo de didatização relacionado aos objetos, a
cultura e os brinquedos infantis logo no fim da guerra.
Como se falou anteriormente sobre a preocupação de Benjamin em
relação à pedagogia, a infância está diretamente relacionada a uma categoria da
história. A partir daí, o tratamento do indivíduo social que está intrinsecamente ligado
a história, passa a ser entendido como um indivíduo que é produtor e ao mesmo
tempo produto de sua cultura. O ponto de vista aplicado na visão de Benjamin
remete-nos a compreender a história de acordo como se pode conceber a infância,
inclusive com atribuições de uma identidade própria.
125 BENJAMIN, W. História Cultural do Brinquedo. Reflexões sobre a Criança, o Brinquedo, a
Educação. p. 88. 126 Para Gagnebin (História e Narração em Walter Benjamin p. 80) sobre o adulto, podemos dizer
que o trabalho da memória e vínculo do passado e do presente em Benjamin leva o leitor a visualizar imagens de um passado infantil que volta para iluminar o presente por uma coincidência súbita que não depende da memória voluntária do sujeito, visto que não é tida como algo fruto de um acaso. A autora chega a afirmar que Benjamin dirige sua atenção para fora e tem como objetivo tal memória numa não-tentativa de rever os êxtases da infância.
127 BENJAMIN, W. Rua de mão única. Reflexões sobre a Criança, o Brinquedo, a Educação. p. 104.
61
Há uma concepção de História que, confiando na infinitude do tempo,
distingue apenas o ritmo dos homens e das épocas que rápida ou lentamente
avançam pela via do progresso. A isso corresponde uma ausência de nexo, a falta
de precisão e de rigor que ela faz ao presente. A consideração que se segue visa,
porém, um estado determinado no qual a História repousa concentrada em um foco,
tal como desde sempre nas imagens utópicas dos pensadores. Os elementos do
estado final não afloram á superfície enquanto tendência amorfa do progresso, mas
se encontram profundamente engastados em todo presente como as criações e os
pensamentos mais ameaçados, difamados e desprezados. Converter de forma pura,
o estado imanente de perfeição em estado absoluto, torná-lo visível e soberano no
presente, está é a tarefa histórica.128
Sobre história, já que Benjamin a cita, pode-se afirmar que faz parte de
um conjunto de temporalidades que se diferem. Tanto o presente quando o passado
jamais pode se superpor um ao outro. Para o filósofo, a duração e o significado não
representam uma linha dotada de algo linear ou até mesmo homogênea. A resposta
está nas experiências que são vividas em tempos diferentes e ao mesmo tempo
desenvolvidas de forma contraditória, ambígua e até mesmo concreta.
O historicismo se contenta em estabelecer um nexo causal entre vários
momentos da história. Mas nenhum fato, meramente por ser causa, é só por isso um
fato histórico. Ele se transforma em fato histórico postumamente, graças a
acontecimentos que podem estar dele separados por milênios.129
Fica clara a crítica contundente de Benjamin em relação ao contexto
histórico, nas palavras encontradas em “Teses sobre o conceito de história” — uma
das últimas obras escritas pelo alemão antes de sua morte.
É nessa contextualização que Benjamin tem como concepção referente à
infância, uma antropologia dialético-materialista onde não renuncia o que é singular,
e ainda amplia seu interesse ao que é plural. Pontos fortes identificados em suas
128 BENJAMIN, W. A vida dos Estudantes. Reflexões sobre a Criança, o Brinquedo, a Educação. p.
31. 129 BENJAMIN, W. Sobre o conceito da história. In.: ______. Magia e técnica, arte e política :
ensaios sobre literatura e história da cultura. p. 232.
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obras, principalmente no que concerne a uma construção teórica baseada e
relacionada à educação.
Os jogos através das brincadeiras traduzem e refletem bastante no real
do cotidiano vivenciado pelas pessoas, enquanto os membros dos grupos nas
diversas áreas e situações estando inseridas. A fonte do desenvolvimento gera-se o
aprendizado dos participantes através do conhecimento e prática dos principiantes e
não através das instituições e educadores. Baseiam- se em ações grupais que
proporcionam a chance de colocar suas expressões e habilidades sem riscos de
consequência, pois tudo é uma brincadeira atrativa de simulações espontâneas.
Pode-se então concluir que o pensamento de Walter Benjamin está
relacionada a uma visão de uma infância não complacente. Isso significa que para
Benjamin, não há uma infância que é infantilizada, reducionista ou simplista. Ou
seja, é possível entender o ser e ao mesmo tempo compreender a educação a partir
dos seus conceitos que estão baseados em concepções diferentes dos
convencionais.
É através do lúdico que a criança se socializa melhor no meio em que
vive, pois ele desperta o seu uso crítico e com isso desenvolve atitudes de
cooperação, respeito, participação e integração; é através desses valores que a
criança terá plena capacidade de conviver com os princípios básicos de uma
sociedade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de tudo o que foi exposto nos três capítulos desta dissertação,
aponta-se os pontos de relação mimese e linguagem. Salienta-se que Benjamin não
propõe conceitos únicos ou já preparados sobre o assunto. O filósofo considera que
o conhecimento não parte de uma verdade acabada ou fechada. Mas tem como fio
condutor duas concepções: A primeira e principal é o dimensionamento e a
importância da linguagem para o ser humano, principalmente para a sua formação.
O segundo ponto abordado é a faculdade mimética. Benjamin se
aprofunda em sua observação sobre a mimese através da linguagem. Percebe a
evolução natural e suas correspondências como definição daquele em que “as
semelhanças estimulam e despertam a faculdade mimética que lhes correspondem
no homem”130 e caracteriza como indispensável para as relações sociais.
Benjamin propõe um estudo sobre a origem da linguagem. Classifica
gestos e sons como integrantes dessa origem. Segundo ele, o gesto vem antes do
som, o que caracteriza uma representação. E é essa representação que vem
inserida como mimese. Mas ao mesmo tempo conclui que o som produzido pela
linguagem não estaria necessariamente relacionado a uma onomatopeia. Essa
mesma linguagem, segundo ele, dobra-se sobre si mesma e descreve o presente
em imagens através da faculdade mimética.
Para Benjamin, na linguagem estão as ideias e a ligação delas parte das
palavras, ou seja, a linguagem teria uma origem. A partir daí é que as ideias são
aglutinadas e juntas podem se comunicar. Nessa articulação, a linguagem, mesmo
com sua singularidade, torna-se pluralista por causa da sua capacidade de
reprodução e evolui gradativamente ao passo que a mimese faz parte das
faculdades de percepção do homem. Benjamin fala da mimese e nos revela que
imitar131, denominar e produzir semelhanças refere-se à faculdade mimética na
espécie humana, a qual torna possível o intercâmbio com a linguagem. A concepção
130 BENJAMIN, W. Doutrina das Semelhanças. p. 109. 131 Segundo Aristóteles, “o imitar é congênito no homem (e nisso difere dos outros viventes, pois, de
todos, é ele o mais imitador, e, por imitação, aprende as primeiras noções) e os homens se comprazem no imitado” (Poética, 1448 a, II, §13).
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de mimese para Benjamin teria como referência a arte fazendo uma analogia com
algo que se complementa e imita.
O papel da linguagem humana é citado por Benjamin em vários
pontos de suas obras. O filósofo até arriscou exemplificar as várias formas de
linguagem que normalmente são usadas para interpretar a realidade. E é a partir
dessa realidade que Benjamin procura estruturar, de forma linguisticamente, a
mimese que, segundo ele, pode ser identificada na arte e na cultura.
Durante suas produções, o filósofo revela e desvenda os processos de
comunicação os quais a linguagem está inserida. Em uma de suas obras:
Origem do Drama Trágico Alemão, Benjamin faz ponderações sobre conceito de
“origem da linguagem”. Para o filósofo, o drama barroco externa uma linguagem
que é diferente da tragédia, mas reabre um leque de possibilidades para que
haja uma compreensão da realidade. A compreensão da forma de linguagem é
imprescindível para que se possa agregar à linguagem como contribuição
significativa na formação do homem.
A linguagem começa ter uma abertura afim de que o mundo possa ser
entendido e ter uma significação. As expressões linguísticas, através da nomeação
que parte dos olhos, propõem um significado maior em relação as experiências
humanas. Isso justifica o porquê das sociedades humanas, ainda que estáticas no
tempo, sempre se apresentaram através de vários níveis de transformação da
linguagem. Benjamin identifica a iniciação sobre os estudos linguísticos que ficaram
voltados principalmente para a força mimética. Afirma também que esses elementos
jamais podem ser estudados separadamente já que um depende do outro. E que
seria impossível deixar de lado as disciplinas que elevam a possibilidade de
desenvolvimento da linguagem.
Ainda na exposição sobre linguagem, pode-se afirmar que há como
proposta não só a explicação e o envolvimento da linguagem, mas que o estudo
requer entender o homem e até mesmo a história o qual está inserida. Benjamin
categoricamente classifica que a história do homem é graças a linguagem. Por isso
que em todo momento da exposição, o filósofo procura não subjugá-la, a fim de
responder possíveis dúvidas provocadas linguisticamente. O filósofo defende em
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suas convicções que a linguagem faz parte de uma manifestação do homem a qual
faz parte da essência íntima de cada um, e que esse, sim, (a linguagem) seria o
instrumento de ligação entre o homem e seu semelhante.
Pode-se dizer que a faculdade mimética não está agregada a uma
espécie capacidade natural e que é invariável do homem. Seria uma capacidade
que determina o homem em sua vida social. Por outro lado, tem-se como
exemplo, no ensaio A Doutrina das Semelhanças, o que Benjamin deixa
explícito sobre a linguagem. Ela é detentora de um dom mimético. Através desse
Dom, podem-se dar formas, criar e recriar as coisas. O filósofo até exemplifica
que os jogos infantis podem ajudar claramente nessa ilustração. Ao propor o
entendimento da influência da faculdade mimética na linguagem, Benjamin
também faz um alerta sobre as mudanças identificadas ao longo do tempo132 e
envolvendo essas faculdades.
Conclui-se que a mimese e a linguagem fazem parte de um processo de
transformação. Mudança essa a começar pela atitude, partindo da mimética e ligada
à formação fundamental para o conjunto de relações sociais modernas além também
do princípio de toda aprendizagem infantil. Ainda dentro dessa perspectiva, pode-se
até exemplificar que as relações miméticas entre os homens são responsáveis pela
integração de valores, as tradições, o conhecimento, as normas, os saberes práticos
e até as identidades sociais que envolvem todo um contexto sociocultural que é
essencial numa sociedade.
132 Ao falar sobre essas “mudanças ao longo do tempo”, decidimos fazer essa citação que parte de
um elemento conceitual de Benjamin: “A luta de classes, que um historiador educado por Marx jamais perde de vista, é uma luta pelas coisas brutas e materiais, sem as quais não existem as refinadas e espirituais. Mas na luta de classes essas coisas espirituais não podem ser representadas como despojos atribuídos ao vencedor. Elas se manifestam nessa luta sob a forma de confiança, da coragem, do humor, da astúcia, da firmeza e agem de longe, do fundo dos tempos. Elas questionarão sempre a vitória dos dominadores. […] O materialismo histórico deve ficar atento a essa transformação, a mais imperceptível de todas…” (BENJAMIN, Sobre o conceito da história p. 223).
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