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67 OPPIDUM número especial, 2008 1. Introdução Neste trabalho, pretende-se, sem sermos exausti- vos, abordar e enquadrar os trabalhos de mineração realizados pelos romanos, como contributo à divulga- ção do Património Geomineiro. A mineração envolveu várias práticas, quer de ex- ploração subterrânea como a céu aberto, cujas evidên- * Arqueóloga. Gabinete de Arqueologia e Património do Município de Paredes. ** Geóloga. Estagiária do Gabinete de Arqueologia e Património do Município de Paredes. Mineração Romana no concelho de Paredes Maria Antónia Silva * , Natália Félix ** Resumo No Município de Paredes pode observar-se um vasto testemunho da mineração romana, representado pelos desmontes a céu aberto, cortas ou banjas, que muitas vezes apresen- tam-se associados a poços e a galerias que fazem o acesso a desmontes subterrâneos. Para além desses trabalhos mineiros antigos, foram também, no século passado, realiza- dos trabalhos de exploração, por vezes, reaproveitando os já existentes, assim como diversos trabalhos de prospecção. A importância destes vestígios foi reconhecida pelo Município de Paredes, estando a está a ser realizada a inventariação desses trabalhos, e a desenvolver-se um projecto de divulgação científico-didáctica para as Minas de Ouro de Castromil. Abstract In the City Hall of Paredes a vast testimony of Roman Mining can be observed. It is represented by the open pit extractions, which can often be together with wells and galleries that give access to underground extractions. Besides these ancient mining works also exploitation works were carried out in the last century, sometimes taking profit of the previous ones, as well as several prospecting works. The importance of these remains has been recognised by the City Hall, therefore, na inventorying of those Works has been taking place along with the development of a scientific-instructive diffusion Project on the Gold Mines in Castromil.

Mineração Romana no concelho de Paredes - rotadoromanico.com · No Município de Paredes pode observar-se um vasto testemunho da ... rochas metassedimentares que fazem parte de

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1. Introdução

Neste trabalho, pretende-se, sem sermos exausti-vos, abordar e enquadrar os trabalhos de mineração

realizados pelos romanos, como contributo à divulga-ção do Património Geomineiro.

A mineração envolveu várias práticas, quer de ex-ploração subterrânea como a céu aberto, cujas evidên-

* Arqueóloga. Gabinete de Arqueologia e Património do Município de Paredes.** Geóloga. Estagiária do Gabinete de Arqueologia e Património do Município de Paredes.

Mineração Romana no concelho de Paredes

Maria Antónia Silva*, Natália Félix**

ResumoNo Município de Paredes pode observar-se um vasto testemunho da mineração romana,representado pelos desmontes a céu aberto, cortas ou banjas, que muitas vezes apresen-tam-se associados a poços e a galerias que fazem o acesso a desmontes subterrâneos.Para além desses trabalhos mineiros antigos, foram também, no século passado, realiza-dos trabalhos de exploração, por vezes, reaproveitando os já existentes, assim comodiversos trabalhos de prospecção.A importância destes vestígios foi reconhecida pelo Município de Paredes, estando aestá a ser realizada a inventariação desses trabalhos, e a desenvolver-se um projecto dedivulgação científico-didáctica para as Minas de Ouro de Castromil.

AbstractIn the City Hall of Paredes a vast testimony of Roman Mining can be observed. It isrepresented by the open pit extractions, which can often be together with wells andgalleries that give access to underground extractions. Besides these ancient mining worksalso exploitation works were carried out in the last century, sometimes taking profit ofthe previous ones, as well as several prospecting works.The importance of these remains has been recognised by the City Hall, therefore, nainventorying of those Works has been taking place along with the development of ascientific-instructive diffusion Project on the Gold Mines in Castromil.

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cias ajudam-nos a perceber quais as técnicas que seaplicaram e se desenvolveram para a obtenção do ouro,tornando-se, assim, num legado patrimonial que nospermite conhecer o Passado.

2. Contextualização Geográficae Geológica

2.1. Enquadramento Geográfico

Paredes integra-se numa das regiões mais próspe-ras e paisagisticamente interessantes de Portugal: oVale do Sousa.

Paredes (Fig. 1) é um concelho do Distrito do Por-to, região Norte e sub-região do Tâmega, com cercade 157 km² de área e 85 428 habitantes (2006), subdi-vidido em 24 freguesias. O município é limitado anorte pelo de Paços de Ferreira, a leste pelos deLousada e Penafiel, a sudoeste por Gondomar e aoeste por Valongo.

O acesso a este concelho torna-se fácil na medidaem que a região é percorrida por numerosas estradas

nacionais e municipais e ainda pela auto-estrada A4(Porto - Vila Real) e pela A42 (Ermida - Lousada) comsaídas para diversas freguesias do concelho. Existetambém o caminho-de-ferro da linha do Douro queatravessa o concelho.

A zona a ser estudada (Fig.2) está cartografada naCarta Militar, à escala 1/25000, nas folhas 123 deValongo e 134 da Foz do Sousa (Gondomar). As prin-cipais freguesias onde ocorrem os trabalhos mineirossão as do sul do concelho: Recarei, Sobreira e Aguiarde Sousa.

2.2. Enquadramento Geológico

O concelho de Paredes está incluído na carta geo-lógica, à escala 1/50000, nas folhas 9-D (Penafiel) e13-B (Castelo de Paiva), a sua grande maioria éabrangida por rochas ígneas e uma pequena parte porrochas metassedimentares que fazem parte de umagrande estrutura, o Anticlinal de Valongo (Fig. 3).

O Anticlinal de Valongo é uma dobra antiformacom os flancos assimétricos e orientados segundo a

direcção NW-SE (direc-ção das cristas que for-mam as Serras de Va-longo) prolongando-sepor uma extensão de cer-ca de 50 km até CastroD’Aire (URL 1). E é nasequência deste anti-clinal, nas rochas me-tassedimentares que sur-ge grande parte dos tra-balhos mineiros, entreeles as explorações degrande importância doCouto Mineiro das Ban-jas. A restante área carac-teriza-se pela presença derochas graníticas, nasquais houve uma menorquantidade de trabalhosmineiros, sendo, no en-tanto, importante referir,as explorações das Minasde Castromil e de Serrada Quinta.Figura 1. Mapa do Concelho de Paredes.

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3. A Presença Romanano Concelho de Paredes

A passagem dos romanos pelo actual território doconcelho de Paredes ficou, até agora, registada pela iden-tificação de vestígios que testemunham as suas práticasreligiosas, funerárias e, naturalmente, os que nos leva-ram a apresentar este trabalho: as explorações do ouro.

O Castro do Muro de Vandoma tem sido aponta-do como possível metrópole do grupo dos Calaicos(Silva, 1994). A sua centralidade, mais interior, esta-ria melhor adequada ao controlo de uma vasta áreamineira pertencente ao seu domínio, que de imediatofoi intensamente explorada pelos romanos. A sus-tentabilidade desta hipótese assenta, também, numvalioso argumento epigráfico, subsidiário, baseado no

Figura 2. Extracto da Carta Militar, na escala 1/25000, folhas 123 de Valongo e 134 da Foz do Sousa (Gondomar), correspondentesà área em estudo, no concelho de Paredes, com o limite do mesmo a vermelho.

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1 Concretamente, o achado corresponde a duas aras, embora, uma apresenta-se aparentemente anepígrafe.

achado de uma ara votiva1, no lugar de Santa Comba,freguesia de Sobreira, justamente dedicada a uma di-vindade identificada como a entidade étnica corres-pondente (Tranoy, 1981 – cit. por Silva, 1994), o quepoderá denunciar a existência de um santuário dedica-do a Callaecia localizado na sua metrópole.

Relacionado com as manifestações de culto tam-bém surgem os testemunhos das práticas funerárias,através das necrópoles identificadas nas freguesias deBaltar (Soeiro, 1988/89, Silva e Ribeiro, 2000, Silva,2001), Mouriz (Soeiro, 1988/89), Parada de Todeia(Mendes Corrêa, 1923/24; Soeiro, 1985/86), Vandoma(Silva, 1992) e na Valdeira, Sobreira, (Fig.4) nas quaisforam recuperados alguns objectos (inteiros ou par-

Figura 3. Extracto da carta geológica, à escala 1/50000, 9-D (Penafiel).

tes) tais como jarros, bilhas, tigelas, pratos, entre ou-tros, maugrado corresponderem a achados fortuitos,sem qualquer tipo de acompanhamento e registo ar-queológico.

À extracção de ouro, já conhecida dos povos indí-genas, embora o seu desenvolvimento sistemático e àlarga escala tenha decorrido sob o domínio romano,surgem numerosos materiais associados, tais comocerâmicas e objectos metálicos dessa época (Silva,1994). Nas áreas mineiras do concelho de Paredes éde referir o aparecimento de fragmentos de tégula, decerâmica comum, de sigillata e de mós rotativas,lucernas e moedas de Augusto e Constantino, designa-damente no castro de Pias e no povoado Outeiro da

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Mó, que sugerem, a par da pervivência de ocupação dealguns antigos povoados castrejos, a fundação de no-vos núcleos de habitação para os mineiros, perto doslocais de trabalho (Soeiro, 1984; Silva, 1994). Comoresultado da prática mineira registam-se inúmeros ves-tígios estruturais, como poços, galerias, cortas, algunsdos quais de indiscutível exploração romana.

4. Mineração Romana

4.1. Os trabalhos romanos

Apesar de não ser um povo eminentemente minei-ro, os romanos submeteram durante as suas conquis-tas territórios de grande tradição mineira, entrando emcontacto com uma mão-de-obra indígena muito pre-parada e com experiência de muitos anos de activida-de no campo da mineração (Rodríguez, 2004).

A aplicação generalizada da exploração das minaspelos romanos e os avanços conseguidos em outrasáreas, como a topografia e hidráulica, possibilitaram arealização de trabalhos de grande envergadura desco-nhecidos para a época, e ao mesmo tempo, uma explo-ração racional dos jazigos, necessariamente apoiadapor um rudimentar mas efectivo conhecimento geoló-gico, adquirido de forma empírica in situ ou com baseem conhecimentos prévios adquiridos também expe-rimentalmente (ob. cit.).

4.1.1 Os tipos de jazigos explorados

As condições sob as quais nos surgem os jazigosauríferos na Península Ibérica são diversas pois pode-mos encontrar filões de quartzo auríferos onde o ourosurge mais ou menos concentrado no estado livre ou,como acontece na maioria das vezes associado aossulfuretos. O ouro pode ainda surgir disseminado narocha encaixante. A erosão que estes diferentes jazi-gos sofrem acaba por produzir os aluviões que podemter diferentes origens: glaciar, lacustre, fluvial. Estesdepósitos podem conter areias, argilas e calhaus rola-dos, e o ouro surge sob a forma de palhetas ou pepitas(Domergue, 1970).

De acordo com Domergue (1970) podemos entãoclassificar os jazigos auríferos em quatro categoriasprincipais: os placers de rios, os terraços de depósitosaluvionares mais antigos, os filões de quartzo auríferos,e as rochas onde o ouro surge disseminado. É certoque não se exploravam estes diferentes tipos de jazigosegundo um método único: toda a técnica é adaptadaao seu objecto e no caso preciso do ouro, varia de acor-do com a natureza dos jazigos.

Nos dois primeiros casos, o metal precioso encon-tra-se separado da ganga devido à sua presença sob aforma de palhetas ou pepitas: uma simples lavagem ésuficiente para separá-lo das areias e cascalhos, umavez que o ouro é bastante denso.

Nos filões de quartzo o ouro tantoocorre no estado livre (o que não sig-nifica que seja visível), como associa-do a outros minerais metálicos no es-tado de sulfuretos, arsenopirite, piritee também galena que são os mais co-muns. No caso da arsenopirite um tra-tamento mecânico com moagem podeser suficiente para libertar o ouro daganga, o qual será recolhido por lava-gem. No caso da pirite e da galena,após a concentração do minério pelosmétodos tradicionais (moagem e lava-gem), estes devem ser queimados efundidos, depois mistura-se a substân-cia metálica fundida com chumbo, e ésubmetida à copelação (ob. cit.).

Ainda relativamente aos tipos dejazigos Healy (1989) refere que PlínioFigura 4. Distribuição de vestígios romanos identificados no Município de Paredes.

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“O Velho” classifica as principais fontes de ouro, de-nominando-as: areias auríferas (detritus), depósitosexplorados à bateia, ou usados para determinar teoresde um corpo mineralizado nas proximidades, do qualresulta por erosão; ouro encontrado à superfície ou pró-ximo (talutium) e filões de quartzo enriquecidos emouro (marmoris glareae inhaerens) descritos comotrincheiras (canalicium) ou canais (canaliense).

4.1.2. A exploração a céu aberto

A mineração a céu aberto foi utilizada com profu-são para beneficiar os afloramentos de filõesmetalíferos de muitos jazigos e também na explora-ção de aluviões auríferos. Para o caso dos afloramentosde filões metalíferos maciços resulta um tipo de mine-ração muito simples e que se reduz à extracção directado minério ou rochas mineralizadas e não precisa demeios de iluminação nem de grandes obras para a reti-rada das águas, para além de ter a vantagem de poderrealizar-se um controlo contínuo sobre o processo deextracção. A mineração a céu aberto (Fig.5 e 6) destetipo de jazigos é um método de elevada rentabilidade(Rodríguez, 2004).

4.1.3. Exploraçãosubterrânea

Os acessos aos afloramentos eram os mais fáceis emais naturais. Todas as explorações profundas come-çavam pela demolição das mineralizações visíveis àsuperfície e, naquelas que se prolongavam em profun-didade prosseguia-se a escavação, reduzindo o miné-rio de forma apenas a remover a rocha estéril necessá-ria para permitir a passagem. Quando os mineiros ro-manos atacavam filões virgens, concebe-se que ape-nas recorriam a este método, tanto mais que tinhamcomo exemplo os velhos trabalhos, sobre filões decobre e de chumbo-prata-cobre, ou sobre os chapéusde ferro das bandas piritosas do sudoeste, deixadospelos seus antecessores, em especial da idade do bronze(Domergue, 1990).

Além disso, esta técnica é também mais económi-ca, pois o desmonte do minério oferece aos mineirosespaços livres para montar equipamentos, descer e cir-cular de uma zona para a outra, por último a multipli-cação de pontos de abate cria as correntes de ar neces-sárias para a ventilação da mina.

Deste modo os poços que eram construídos paraos serviços da explora-ção (acesso, ventilação,evacuação de mineral eágua, etc.) são uma dasobras mais audazes quese realizaram. Em algunscasos chegam a alcançarmais de 100 metros deprofundidade (Domer-gue, 1987 - Cit. por Ro-dríguez, 2004) e 2-3 me-tros de diâmetro, sendopreferencialmente desecção quadrada e tam-bém circular, preferindoesta última em terrenosmenos estáveis. Os po-ços não só fazem a co-municação entre os tra-balhos subterrâneos e oexterior como tambémsão realizados poços ver-ticais entre os diferentesFigura 5. Corta – Exploração a céu a aberto (perfil) em Castromil.

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Figura 6. Corta – Exploração a céu a aberto (frente) em Castromil.

níveis da mina. A sua perfuração está muito bem cui-dada, com paredes recortadas a pico, utilizando cer-cas de madeira ou revestimentos de pedra nas zonasde terrenos mais brandos (Rodríguez, 2004).

As galerias de acesso às mineralizações e os poçoseram intencionalmente realizados nas rochasencaixantes do jazigo, a uma distância que não so-fresse influência dos trabalhos de exploração e garan-tir um serviço prolongado. As secções destas galeriase poços estão relacionadas com os usos a que se desti-navam, procurando a todo o momento a maior facili-dade do seu traçado, pelo que assinuosidades e secções reduzidasque por vezes surgem não devemconsiderar-se como trabalhospouco cuidadosos mas antes terem conta os objectivos do traba-lho e as características dos mate-riais que cortam com a sua passa-gem (ob. cit.).

A iluminação nas frentes detrabalho e avanço das galerias oupoços era geralmente, realizadapor lamparinas de azeite (lucernas)de tamanhos distintos, produzidasem argila cozida, semelhantes àsque eram utilizadas para uso do-

méstico pelos romanos e, cujodesenho e decoração permitiam,por vezes, enquadrá-las num de-terminado período de tempo. Alocalização das lucernas era fei-ta sistematicamente em peque-nas cavidades escavadas noshasteais para a sua colocação àaltura desejada. Estes nichos naliteratura espanhola recebem onome de lucernarios (Fig.7) e asua distribuição e espaçamentopode dar alguma ideia sobre osciclos de trabalho no interior dasminas (ob. cit.).

4.1.4. Tratamento do minério

O factor mais importante aconsiderar na qualidade e deli-

cadeza dos metais antigos são os processos de purifi-cação (separação de impurezas). No mundo antigoeram aplicadas técnicas simples de metalurgia. O tra-tamento dos minérios era realizado por copelação. Eratambém utilizada a separação por gravidade, no en-tanto os processos de tratamento do minério raramen-te eram completamente eficazes (Healy, 1989).

Plínio como procurator em Espanha observou to-dos os aspectos relacionados com o ouro – mineraçãoe produção – descrevendo de forma geral o processocom os termos: trituração (tundere), lavagem (lavare),

Figura 7. Nicho para colocação de lucerna, numa galeria de Castromil.

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Figura 9. Fragmento de mó rotativa, proveniente do Outeiro da Mó.

aquecimento (urere) e moagem (moliri) do minério àdimensão de farinha (in farinam); a escória é chama-da scoria (ob. cit.). Deste modo, antes da moagem fina(molire in farinam) o minério bruto era triturado atéuma granulação aproximada do tamanho de ervilha,peças de máquinas normalizadas, como os componen-tes de moinhos pilões e moinhos rotativos (Fig. 8 e 9),comprovam a mecanização dos processos de tritura-ção média e fina (Wahl, 1998).

Plínio refere ainda relativa-mente a uma segunda fase do tra-tamento que o ouro era aquecidocom duas vezes o seu peso em saise três vezes o seu peso em piritesde cobre (misy) e outra vez comduas porções de sal e uma de“alum” (shistos). Durante o aque-cimento num cadinho de barro es-pecial (tasconium) as impurezaseram removidas, enquanto que oouro permanecia puro (Healy,1989).

O ouro, assim como a prata, eraobtido por copelação de galena ououtros minérios de chumbo, e porfusão da pirite e minerais de co-bre, especialmente a calcopirite(ob. cit.).

Figura 8. Fragmento de mó rotativa, proveniente do Outeiro da Mó.

4.2. A Mineraçãoromana em Paredes

Vários autores fazem referência àexploração de ouro realizada pelos roma-nos no concelho de Paredes.

Em 1965, Allan diz-nos que nas ser-ra das Banjas, Pias e Santa Justa (estaúltima em Valongo) constituídas por ca-madas de quartzitos do Ordovícico, numaextensão de uns 20 quilómetros, em todaa largura dos quartzitos que, em média,anda por 180 metros, existem centenasde trabalhos antigos que se conservamabertos nos duros quartzitos e cujas di-

mensões vão de uns 3 metros até às da corta da Covado Gato, em forma de cunha, com cerca de 90 metrosde comprimento, 30 metros de largura e, na parte maislarga 26 metros de profundidade.

No entanto, no trabalho deste mesmo autor é refe-rido um trabalho mais antigo, de 1882 do Eng.Frederico de Albuquerque de Orey2 que nos diz o se-guinte: “Estes trabalhos antigos adquirem às vezesdimensões importantes; ora são poços e galerias bem

2 Relatório de 28 de Dezembro de 1882. Processo 212 do Arquivo da Repartição de Minas.

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conservadas e de secção definida e regular; ora sãocortas ou escavações muito irregulares...” (Fig. 10,11 e 12).

De facto, tem-se confirmado a área extensaabrangida pela exploração do Couto Mineiro dasBanjas, que para além da freguesia da Sobreira, emParedes, incluí terrenos da freguesia de Melres, emGondomar, por onde proliferam inúmeros poços, ga-lerias e cortas.

O aparecimento de fragmentos detégulas, de imbrices, de cerâmica co-mum, de sigilata e de mós circulares,apontam para a localização de um po-voado/oficina localizado na área de ex-ploração (Soeiro,1984). O topónimo,Outeiro da Mó, justifica claramente ascentenas de fragmentos de mós de gra-nito de grão grosso, ali encontrados.Contudo o granito é de proveniênciavizinha já que a geologia do terreno éde xisto e quartzito.

Allan faz, ainda, referência a al-guns achados provenientes das Ban-jas, possivelmente do Poço Romano,que de todas as minas é a de maiortradição, destacando-se várias moedasde cobre, uma delas do tempo de

Constantino, e uma curiosa lucerna, com volutas e bicotriangular arredondado, disco coberto por caneluras umpequeno círculo concheado e orifício de abastecimen-to, produzida por PHOETASPI, conforme se lê namarca do fundo, oleiro com oficinas no Norte de Itália(Teixeira, 1941 - Cit. por Allan [et. al.], 1965; Soeiro,1984:115).

Outro local também intensamente explorado pelosromanos é o de Covas de Castromil. A denominação

Figura 10. Corta, trabalho de exploração a céu aberto nas Mi-nas das Banjas.

Figura 11. Desmonte de exploração irregular nas Minas dasBanjas.

Figura 12. Poço de secção quadrangular nas Minas das Banjas.

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Figura 14. Desmonte Subterrâneo, em Castromil.

de «Covas» é frequentemente aplicada às depressõesresultantes de antigos trabalhos mineiros, a céu aberto(Fig.13).

Localizadas a cerca de 5 quilómetros das minasdas Banjas, em direcção a norte, há uma série de cor-tas, irregulares, estendendo-se por mais de 1600 me-tros ao longo do contacto dos xistos silúricos com ogranito. Realizou-se a exploração mineira em toda aextensão do contacto (Allan [et. al.], 1965).

Nessas explorações subterrâneas (Fig.14) é possí-vel observar-se diferentes métodos de exploração. As-sim, encontram-se ainda preservados vários exemplosde suporte materializado por pequenospilares, onde o minério era menos es-pesso, menos rico e mais resistente, in-dicando lavra pelo método room andpillar (Fig.15). Há ainda o exemplo demuros de suporte que em conjunto comalgumas zonas de colmatação de gale-rias com material estéril, parecem tes-temunhar o método de cut and fill(Fig.16).

Em Castromil existem ainda outrosvestígios resultantes dos trabalhos mi-neiros antigos, as escombreiras, que setornam nas evidências mais notórias napaisagem. Apesar destas já terem sidoanteriormente detectadas aquando da

Figura 13. Corta, em Castromil.

realização de sondagens de prospecção,foi no momento da abertura de umaestrada nas imediações de Castromil,que se puseram a descoberto elevaçõesde acumulações de estéreis (Fig.17),tanto de rochas granitóides como demetassedimentares.

Outro vestígio da exploração é agrande quantidade de escórias. Estassão essencialmente de dois tipos: umasde carácter silicioso, pouco densas (ri-cas em espaços vazios, (Fig. 18), combaixo teor em Au; outras, muito maisraras, de grande densidade e com altoteor em Au (50 g/ton), constituídas poruma liga metálica à base de Fe e As(Lima [et. al.], 2005b).

No prolongamento das Covas deCastromil existe o Couto Mineiro da Quinta, apenasseparado pelo Sousa, correspondendo a um conjuntode cortas e galerias destinados à exploração dos filõesde quartzo aurífero. As cortas mostram-se estreitas ede dimensões reduzidas, raramente ultrapassando os20metros de fundo. No topo de algumas delas vêem-se as bocas de galerias que perseguem o filão (Soeiro,1984). Do interior destas galerias terão sido recolhi-das, no passado recente, algumas lucernas (Soeiro,1984), sendo ainda visível um dos nichos ou lucer-nários.

Relativamente ao tratamento e lavagem do miné-

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Figura 15. Pilar de suporte no interior de um desmonte subterrâneo, emCastromil.

Figura 16. Colmatação de desmonte mineiro subterrâneo, com fracção gros-seira em baixo e fina por cima, em Castromil.

rio, ao contrário das Banjas, onde se en-contram mós circulares e blocos de quart-zo e xisto que serviam de base a apiloa-dores (Soeiro, 1984), nas minas de Cas-tromil e nas de Quinta não encontramos,por enquanto, nenhum artefacto funcional-mente idêntico. Porém, quanto ao sistemade lavagem, a relação de proximidade como Rio Sousa, quer para Castromil comopara Quinta, poderá ter servido de fontehidráulica para a construção de sistemasde lavagem, enquanto nas Banjas, zona decota elevada, serpenteada por variascorgas, identificou-se junto do ribeiro ho-mónimo grandes amontoados de terras la-vadas e com teor em ouro (Soeiro,1984).

Como aconteceu em outros casos den-tro da Região Mineira do Douro, tambémaqui, foi a existência de vestígios de traba-lho antigos que chamou a atenção dos no-vos exploradores, pelo que podemos encon-trar em todas estas zonas mineiras trabalhosmais recentes, quer de prospecção quer deexploração (Fig.19, 20 e 21).

4.3. Inventariaçãodos trabalhos mineiros

Perante a riqueza das evidências dePatrimónio Mineiro e não obstante, a exis-tência de trabalhos de prospecção (Soeiro,1984/85), o Município de Paredes está alevar acabo a sua identificação, levanta-mento e inventariação.

Para a inventariação dos trabalhos mi-neiros foi criada uma ficha de inventário,com base na ficha apresentada pela Progeopara a inventariação de geossítios (Brilha,2006), na qual constam a Identificação dolocal (designação do local, localizaçãogeográfica, acessos, enquadramento geo-lógico, condições de observação e estadode conservação, …); Caracterização comolocal de interesse (geológico, mineiro earqueológico); possível utilização (cientí-fica, didáctica, turística, económica); Bi-bliografia disponível; Documentação grá-

Figura 17. Escombreira constituída por fragmentos de rochas graníticas emetassedimentares, em Castromil.

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Figura 19. Galeria de Prospecção, em Castromil.Figura 20. Galeria de Prospecção com Ramificações, em Serrada Quinta.

Figura 18. Escórias siliciosas, ricas em vesículas, encontradas em Castromil.

fica (extracto da carta topográfica, extracto da cartageológica ou esboço geológico, registo fotográfico).

A zona mineira de Castromil assim como a região

do Couto Mineiro das Banjas já foramalvo deste inventário, tendo sido preen-chidas várias fichas correspondentes aosvestígios aí encontrados.

5. O aproveitamentodidáctico das Minas de Ourode Castromil

No âmbito de um projecto da Fun-dação para a Ciência e Tecnologia, “Di-vulgação Científica das Minas de Ourode Castromil” (POCTI / DIV / 2005 /0007) realizou-se um estudo que nos le-vou ao conhecimento científico da re-gião e à criação de materiais com umaforte componente científica e didáctica.

Dentro de uma óptica de preserva-ção e divulgação, o que tem vindo a

acontecer é o desenvolvimento de actividades por partedo Município de Paredes em conjunto com o Departa-mento de Geologia da FCUP, que levaram inclusive à

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Figura 21. Amostragem em Canal, em Castromil.

atribuição do Prémio Geoconservação, 2007 – Men-ção Honrosa à Câmara Municipal de Paredes pelo pro-jecto “Minas de Ouro de Castromil”.

Durante a concretização deste projecto foram rea-lizados materiais didácticos: vídeo sobre Castromil,posters explicativos, painéis interpretativos, apresen-tação Power-Point, guião de campo, página na Web,posteriormente rentabilizados no apoio a actividadesde campo que teve por base, também, a definição deum percurso pedestre.

Este percurso foi idealizado, em Castromil, porexistirem aspectos geológicos e arqueológicos-minei-ros de relevância reconhecida.

A importância deste trajecto revela-se pela sua ade-quação aos conteúdos programáticos de variados anosescolares, permitindo aos alunos que o realizam com-preenderem processos apreendidos teoricamente, nasala de aula mas, que no local é possível perceber todoo mecanismo por detrás da sua ocorrência. Deste modosão referidos aspectos arqueológicos e geológicos (taiscomo: estruturais; mineralógicos e litológicos; geomor-fológicos, paleontológicos) (Fig.22).

A actividade de campo realizada, levou a queCastromil fosse alvo de visitas guiadas regulares, quetêm sido desenvolvidas por membros do Departamen-to de Geologia da FCUP, em estreita articulação como Gabinete de Arqueologia e Património, do Municí-pio de Paredes. Para além dessas visitas têm ocorrido

outras actividades tais como: acções deformação para professores, excursões ci-entíficas no âmbito de Cursos de actuali-zação de Professores e de Congressos Ci-entíficos Nacionais e Internacionais(Lima, Mendonça, Félix 2005a ; Men-donça, Félix Lima, Mendonça, Félix,2005b, Lima [et. al.], 2007). No âmbitoda Geologia no Verão, e da Universida-de Júnior, são realizadas diversas inicia-tivas que visam não só a divulgação doPatrimónio Geológico como também ovalioso Património GeoMineiro existen-te na região. Ao longo dos anos tem de-corrido, também, inúmeras aulas de cam-po de diversas disciplinas da licenciatu-ra em Geologia e de Mestrados.

6. Considerações Finais

Perante a forte tradição mineira facilmente consta-tada neste município não podemos esquecer todo opatrimónio que a envolve.

Figura 22. Percurso Pedestre para visitas guiadas em Castromil.

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O empenho e trabalho empregues para as Minasde Castromil são já uma mais valia para região, poisao proporcionar actividades ao ar livre e práticas pe-dagógicas que transmitem um conhecimento científi-co e cultural, incutindo o respeito pela problemáticada conservação do meio ambiente e do património, sãoalvo de visitas frequentes, quer por parte de escolas,quer pelo público em geral.

Para que o Departamento de Geologia e o Municí-

pio de Paredes obtivessem informação que permitisseavaliar e melhorar as actividades foi criado um inqué-rito e distribuído pelos participantes. Com o tratamen-to dos dados verificou-se que o feedback dos visitan-tes foi muito bom, principalmente no que diz respeitoà importância da continuidade deste tipo de activida-de apontado para o carácter pedagógico e para a im-portância da Educação Ambiental e Preservação doPatrimónio Mineiro.

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