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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE 24ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA COMARCA DE NATAL EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DE UMA DAS VARAS DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE NATAL/RN, A QUEM COUBER POR DISTRIBUIÇÃO LEGAL. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE , por intermédio da 24ª Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor da Comarca de Natal, Estado do Rio Grande do Norte, com endereço na Avenida Mal. Floriano Peixoto, 550, Centro - Natal/RN - CEP: 59.020-500, representada pelo seu Promotor de Justiça que ao final subscreve, vem à presença de Vossa Excelência, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA com pedido de antecipação de tutela com fulcro nos artigos 129, inciso III da Constituição Federal; 82 da Lei nº 8.078/90; na Lei nº 7.347/85, e na Lei Orgânica do Ministério Público nº 141/96, em desfavor do SINDICATO DAS EMPRESAS DE TRANSPORTE URBANO DE PASSAGEIROS DO MUNICÍPIO DO NATAL – SETURN , CNPJ : 02.967.096/0001-97, com endereço na Avenida Duque de Caxias, nº 27, Ribeira, Natal/RN e MUNICÍPIO DE NATAL , CNPJ: 08.241.747/0001 43, com endereço na Rua Ulisses Caldas, 81, Centro, CEP: 59025-090, Natal/RN, tomando por base os fatos e as fundamentações jurídicas a seguir aduzidos: I – DOS FATOS 1. Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Rio Grande do Norte em face da Prefeitura do Município de Natal e do Sindicato das Empresas de Transporte Urbano e de Passageiros do Município de Natal - SETURN, sob o argumento de prática abusiva lesiva aos direitos dos consumidores, referente à má prestação de serviço público e ao descumprimento às Legislações Municipal e 1

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE24ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA COMARCA DE NATAL

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DE UMA DAS VARAS DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE NATAL/RN, A QUEM COUBER POR DISTRIBUIÇÃO LEGAL.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO

NORTE, por intermédio da 24ª Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor da Comarca de Natal, Estado do Rio Grande do Norte, com endereço na Avenida Mal. Floriano Peixoto, 550, Centro - Natal/RN - CEP: 59.020-500, representada pelo seu Promotor de Justiça que ao final subscreve, vem à presença de Vossa Excelência, propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

com pedido de antecipação de tutela

com fulcro nos artigos 129, inciso III da Constituição Federal; 82 da Lei nº 8.078/90; na Lei nº 7.347/85, e na Lei Orgânica do Ministério Público nº 141/96, em desfavor do SINDICATO DAS EMPRESAS DE TRANSPORTE URBANO DE

PASSAGEIROS DO MUNICÍPIO DO NATAL – SETURN, CNPJ: 02.967.096/0001-97, com endereço na Avenida Duque de Caxias, nº 27, Ribeira, Natal/RN e MUNICÍPIO

DE NATAL, CNPJ: 08.241.747/0001 43, com endereço na Rua Ulisses Caldas, 81, Centro, CEP: 59025-090, Natal/RN, tomando por base os fatos e as fundamentações jurídicas a seguir aduzidos:

I – DOS FATOS

1. Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Rio Grande do Norte em face da Prefeitura do Município de Natal e do Sindicato das Empresas de Transporte Urbano e de Passageiros do Município de Natal - SETURN, sob o argumento de prática abusiva lesiva aos direitos dos consumidores, referente à má prestação de serviço público e ao descumprimento às Legislações Municipal e

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Estadual que tratam da meia passagem, bem como às que regulam a aquisição da carteira de identidade estudantil.

2. Conforme consta das informações apuradas no Inquérito Civil nº 018/2008, instaurado diante da reclamação apresentada pela Federação Estadual das Entidades Estudantis do Estado do Rio Grande do Norte, o Sistema de Cadastramento de Estudantes autorizados a comprar passes estudantis, com desconto de 50% (cinquenta por cento), vem apresentando falhas, causando prejuízos aos usuários estudantes de transporte público da capital, considerando que arcam com o pagamento de passagem com valor integral, até que ocorra a regularização do sistema, e por conseguinte, sejam autorizados a adquirir a meia passagem.

3. O atraso na confecção e emissão das carteiras de estudante, se deve a erros ocasionados por falha no Sistema de Cadastramento dos Estudantes, bem como por erros no momento do envio das informações para que se efetue o referido cadastro. A falta de organização no procedimento causa prejuízos e lentidão na aquisição das carteiras estudantis, principalmente com relação aos alunos que têm seus cadastros suspensos e que estão devidamente matriculados em escolas ou universidades, incluindo os alunos que não possuem número de RU (Registro Único), e que necessitam fazê-lo para conseguir adquirir os passes estudantis, por meio da apresentação da carteira de estudante, no início do ano letivo.

4. Em audiência realizada no dia 09 de janeiro de 2008, a STTU, atual Secretaria de Mobilidade Urbana – SEMOB, se comprometeu a enviar para este Órgão Ministerial a solução para o problema em questão, até o dia 17 de janeiro de 2008.

5. Na referida data, foi apresentado ofício da Secretaria do Município informando os seguintes procedimentos a serem seguidos:

I) Quanto aos estudantes que tiveram seu cadastro (RU) suspensos por motivos lógicos, e regularizaram suas matrículas junto às Instituições de ensino no ano letivo (2008):a) A STTU acatará para o desbloqueio do RU, a declaração da instituição de ensino com todos os dados escolares do aluno. O responsável pela declaração deverá ser pessoa autorizada pela direção através do cartão de autógrafos, que possibilitará consulta destas assinaturas ou rubrica no cadastro Público dos

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Estudantes do Município de Natal.b) Caso haja dúvidas junto ao cartão de autógrafos, o Departamento de Operações e Permissões entrará em contato com a instituição de ensino para se certificar da autorização.c) O desbloqueio se dará até 72 (setenta e duas) horas a contar do dia da apresentação do documento pelo estudante, junto à STTU.II) Quanto aos alunos que não estavam cadastrados no ano de 2007 e passaram a estudar em 2008, o cadastramento ocorrerá através de meio eletrônico (cd ou disquete), haja vista que o processo de cadastramento é continuado (rotineiro). Contudo, a STTU acatará, no primeiro semestre de cada ano, as declarações com todas as informações pessoais escolares do aluno, caso a instituição de ensino não envie em tempo hábil essas informações.

6. Ocorre que, instada a se pronunciar, a Federação Estadual das Entidades Estudantis do Estado do Rio Grande do Norte informou, em 30 de setembro de 2008, que os problemas em epígrafe continuavam em relação aos estudantes universitários, de cursos técnicos e supletivos, por motivo de falhas no sistema ou dos que o operam. Além disso, a demora para a conclusão do cadastramento persistiu, causando prejuízos aos estudantes que teriam direito a meia passagem, caso possuíssem carteira de identidade estudantil, bem como a impossibilidade de atendimento individual e pessoalmente para os estudantes privados de Registro Único.

7. Diante disso, esta Promotoria de Justiça designou nova audiência, no dia 19 de maio de 2009, na qual o representante da STTU (atual SEMOB) informou que estaria sendo implementada outra solução para a questão, através da qual o problema de RU suspenso seria resolvido no prazo de três horas, e não em 72 (setenta e duas) horas, como estaria ocorrendo.

8. Em razão do exposto, foi concedido o prazo de 15 (quinze) dias para que a Secretaria apresentasse maiores informações e soluções, incluindo projetos do sistema destinado a reduzir o tempo de atendimento ao estudante, sobretudo quanto à reativação de RU suspenso.

9. Todavia, a requisição deste Órgão Ministerial, realizada desde o mês de junho de 2009, somente foi atendida em dezembro do mesmo ano, com as

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novas propostas para solucionar a má prestação do serviço público frente aos estudantes da capital, as quais incluem a utilização do número de CPF em substituição ao Registro Único; habilitação das carteiras on line; controle de frequência; e antecipação da data de entrega das carteiras de estudante.

10. Também foram requisitadas informações acerca do cumprimento de todas as fases do processo de emissão de carteiras estudantis, bem como se as propostas apresentadas a esta Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor foram implementadas integralmente.

11. O fato é que apenas em fevereiro do ano em curso, a requisição do Ministério Público foi atendida, e a Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana, enviou cópias dos processos de habilitação das entidades estudantis, referente ao ano de 2010.

12. Paralelamente à instrução do Inquérito Civil em epígrafe, este Órgão Ministerial, em março de 2011, recebeu reclamação apresentada pela União Geral dos Estudantes Potiguares – UGEP, União Norteriograndense dos Estudantes – URNE, Associação Beneficente Estudantil do Rio Grande do Norte – ABERN, DCE UVA, DCE Câmara Cascudo, DCE UNP, DCE Maurício de Nassau e DCE IFRN (CEFET), bem como do Sr. Francisco de Assis Varela, Diretor da Escola Estadual Jean Mer Moz, e do Sr. Francisco Alvares de Farias, além de inúmeras outras reclamações anexadas no inquérito em epígrafe.

13. As reclamações que foram apresentadas atualmente dizem respeito aos mesmos problemas expostos a esta Promotoria de Justiça, no ano de 2008, e como constatado, não foram resolvidos. Com isso, as reclamações posteriores foram anexadas ao IC 018/2008 pelo fato de seus objetos se complementarem.

14. De acordo com os termos de declarações contidos no inquérito civil, alunos são impedidos de fazer a carteira de estudante, a partir da recusa do órgão responsável, sob a alegação de que não estão cadastrados no sistema da SEMOB. O Sr. Francisco de Assis Varela, Diretor da Escola Estadual Jean Mer Moz, afirmou que não há justificativa para a referida recusa, tendo em vista que na escola na qual é diretor, por exemplo, foram enviadas listas atualizadas com os nomes dos alunos que estão devidamente matriculados, e, mesmo assim, ocorreu a alegação de

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falta de cadastro pelo órgão responsável.

15. Já o segundo reclamante, Sr. Francisco Alvares de Farias, pai do aluno Herbert Ferreira de Farias, diante da recusa da SEMOB em entregar a carteira de identidade estudantil, que é direito do aluno, se adiantou em levar uma declaração fornecida pela escola do filho, na qual confirma que o aluno está matriculado na escola. Entretanto, a SEMOB não aceitou a declaração. A postura da Secretaria vai de encontro às soluções apresentadas pelo próprio órgão, o qual propõe, em ofício enviado a esta Promotoria (fl. 15) que “acatará no primeiro semestre de cada ano, as

declarações com todas as informações pessoais e escolares do aluno, caso a instituição de ensino não

envie em tempo hábil essas informações”.

16. Com relação ao sistema de cadastramento, o qual visa impedir a compra da meia passagem por “falsos estudantes”, temos o seguinte procedimento:

1) As escolas se cadastram na SEMOB;2) As escolas enviam o cadastro com o nome dos

alunos para a SEMOB;3) É gerado o chamado RU e disponibilizado os dados

no sistema (internet);4) O estudante procura a entidade estudantil com a

qual se identifica e que esteja legalmente credenciada junto à SEMOB e solicita a emissão da identidade estudantil;

5) Antes de emitir a carteira de identidade estudantil, a entidade é obrigada a consultar o sistema disponibilizado junto à SEMOB para verificar se os dados apresentados pelo aluno estão cadastrados ou não;

6) É emitida a identidade estudantil;7) Posteriormente, a entidade estudantil envia os

dados de todos os alunos que tiveram emitidos as referidas identidades estudantis para a SEMOB;

8) Por fim a SEMOB envia os dados cadastrais para a SETURN e SITOPARN – Sindicato dos Transportes Opcionais do Rio Grande do Norte, para que disponibilizem a venda da meia passagem aos estudantes.

17. Porém, com o Decreto nº 9.326, de 31 de março de 2011, as carteiras de identidade estudantil, que deveriam pertencer à Prefeitura do Município de Natal, através da SEMOB, em convênio com as entidades estudantis, foram transformadas em Identidade estudantil eletrônica, pertencentes ao Sindicato das

Empresas de Transporte Urbano e de Passageiros do Município de Natal –

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SETURN, o qual passou a ter autonomia de emitir, fornecer, a até cancelar,

mediante autorização expressa da SEMOB, a identidade estudantil eletrônica,

caracterizando diversas incoerências entre os diplomas legais aplicáveis ao caso e

as prescrições contidas no Decreto nº 9.326/2011.

18. Diante de todo o exposto, conclui-se que as falhas no sistema de cadastramento, o qual envolve a Secretaria de Mobilidade Urbana – SEMOB, instituição de ensino, entidade de representação estudantil e a SETURN, causa um grande ônus para os usuários de transporte público, os quais têm que adquirir a passagem com o preço integral, enquanto o problema não é resolvido, ocorrendo a restrição do direito dos estudantes de adquirir a passagem com o desconto de 50% (cinquenta por cento) e, consequentemente, em decorrência dessas falhas, o SETURN, envolvido no

sistema e atual responsável pela confecção e emissão da identidade estudantil

eletrônica, está sendo beneficiado, pois obtém uma maior lucratividade no

momento em que os alunos compram passagem inteira, ao invés da meia

passagem.

19. Desta feita, considerando a lesividade das condutas perpetradas pelas demandadas, e diante da clara evidência de prática abusiva lesiva aos direitos dos consumidores, referente à má prestação de serviço público e ao descumprimento à Legislação Municipal que trata da meia passagem, bem como às normas que regulam a aquisição da carteira de identidade estudantil, no que diz respeito aos órgãos e entidades competentes para sua confecção e distribuição, se interpõe a presente Ação Civil Pública, embasada nas linhas que passa a expor.

II- DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

II.1 – Da má prestação do serviço público

20. Consoante relatado, apesar de ser garantido ao estudante regularmente matriculado em estabelecimentos de ensino público e privado, o direito à aquisição da passagem no transporte público, com desconto de 50% (cinquenta por cento) do valor integral, a Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana – SEMOB, juntamente com o Sindicato das Empresas de Transporte Urbano e de Passageiros do Município de Natal – SETURN, não estão garantindo aos estudantes do município de Natal o direito à compra da meia passagem previsto em Lei.

21. O art. 1º, da Lei Municipal nº 5.370, de 07 de junho de 2002, altera o

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art. 3º, da lei nº 890, de 16 de fevereiro de 1959, o qual passa a vigorar com a seguinte redação:

“art. 3º - Fica assegurado o direito à redução de 50% (cinquenta por cento) nos preços das passagens do Sistema de Transporte Público de Passageiros do Município do Natal aos estudantes regularmente matriculados em cursos ministrados por estabelecimentos de ensino público e privado de 1º, 2º, e 3º graus, instalados em todo o território do Município do Natal”.

22. Todavia, o preceituado na Lei supracitada não está sendo respeitado, tendo em vista que, apesar da Lei Municipal nº 5.556, de 31 de março de 2004, ter instituído o Cadastro Público dos Estudantes do Município de Natal a fim de evitar fraude na emissão das carteiras de estudante, está ocorrendo a limitação de

venda de meia passagem a um número considerável de estudantes, vítimas de

erros no sistema de cadastramento, que os impossibilita de adquirir a carteira de

estudante e, consequentemente, a compra da meia passagem municipal.

23. Conforme termo de declaração do Sr. Francisco de Assis Varela, Diretor da Escola Estadual Jean Mer Moz, ocorrem falhas no sistema de cadastramento, seja em decorrência de erros de digitação no momento em que o aluno faz a matrícula na instituição de ensino, seja com relação às informações apresentadas no referido cadastro, ou até mesmo de ausência dessas informações, que foram enviadas pelas escolas, mas que não constam no cadastro.

24. Acrescenta-se, ainda, o art. 1º, da Lei nº 5.556, de 31 de março de 2004, in verbis:

“art. 1º – Os estudantes têm direito à utilização de bilhete de passagem nos serviços de transportes coletivos integrante do Sistema de Transporte Público de Passageiros do Município de do Natal, com a redução de 50% (cinquenta por cento) sobre o preço da passagem inteira.”

25. Verifica-se que é incontestável o direito dos estudantes ao pagamento da meia-passagem, não sendo lícito aos Órgãos demandados restringir a emissão das carteiras de identidade estudantil, por falha no sistema, fazendo com que os estudantes fiquem prejudicados e impedidos de exercer seus direitos, no que diz

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respeito à aquisição da meia passagem, mediante a apresentação da carteira de estudante. Frise-se que o consumidor não pode ter prejuízos em decorrência de má prestação do serviço público e ter limitação no exercício de seu direito estabelecido em lei.

26. O inciso X, do art. 6º, do Código de Defesa do Consumidor, estabelece que “são direitos básicos do consumidor: (…) X - a adequada e eficaz prestação dos

serviços públicos em geral”, como decorrência do princípio da eficiência previsto na Constituição Federal.

27. Neste sentido, o autor Rizzato Nunes1 preleciona que: "o significado

de eficiência remete ao resultado: é eficiente aquilo que funciona”. Dessa forma, a prestação eficiente do serviço da Secretaria de Mobilidade Urbana deve cumprir sua finalidade voltada para a adequada prestação do serviço de transporte público em Natal, fazendo com que todos os estudantes possam exercer o direito de adquirir a meia passagem a que fazem jus, com emissão das carteiras de estudantes para todos que têm direito.

28. Assim, devem a SEMOB e o SETURN dar cumprimento à Lei da Meia Entrada tomando as devidas providências para disponibilizar a todos os estudantes, sem burocracia, ou falhas que impeçam o exercício do direito que os cabe, cumprindo, desta forma, o disposto no art. 22, da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), in verbis:

“Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código”.

II.2 – Da vantagem manifestamente excessiva

29. Ademais, é necessário ressaltar que está havendo um bloqueio de acesso aos alunos na aquisição de suas carteiras de estudantes, por motivos alheios à

1 NUNES, Rizzato. Curso de Direito do Consumidor. Saraiva: 2009, 4 ed., p. 60.

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responsabilidade deles, e este bloqueio está gerando um aumento nas vendas das passagens com preço integral, beneficiando os fornecedores do serviço em detrimento dos usuários de transporte público que possuem direito à meia passagem. A situação configura claramente uma afronta ao art. 39, V, do Código de Defesa do Consumidor, a saber:

"Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:(...)V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;"

30. Rizzato Nunes leciona que “a regra deste inciso V é a mesma do art. 51, IV,

com a diferença de que lá o abuso é identificado no contrato existente (o que torna a cláusula

contratual nula), e aqui diz respeito à prática, independentemente da existência ou não de contrato

firmado entre fornecedor e consumidor"2.

31. O critério para definir o que vem a ser vantagem manifestamente excessiva é o mesmo da vantagem exagerada definida no artigo 51, §1°, do estatuto consumerista. Segundo Antônio Herman Benjamim3 os dois termos não são apenas próximos, são sinônimos. Vejamos:

"Art. 51. (...)§1º. Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso."

32. Analisa-se, desta forma, que se os estudantes possuem direito à meia passagem, mas para isso necessitam da apresentação da identidade estudantil, cuja emissão está sendo impedida devido a falhas no sistema de cadastramento, o qual o SETURN opera, o fornecedor do serviço de transporte público está tendo uma maior lucratividade, havendo uma vantagem manifestamente excessiva para os

2RIZZATO NUNES, Luiz Antônio. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 508

3BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 371

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consumidores, que deveriam estar adquirindo a passagem com o desconto de 50% (cinquenta por cento).

33. Ressalta-se, ainda, que o SETURN, através do Decreto nº 9.326/2011, é competente para operar o Sistema Central de Armazenamento e Processamento de Informações, e, paralelamente, é responsável pela emissão da identidade estudantil eletrônica, a qual terá sua legalidade discutida mais à frente.

34. Conclui-se, por coincidência, ou não, que com a falha no sistema

de cadastramento, e o retardamento na emissão das identidades estudantis, a

venda de passagens com o preço integral aumenta, gerando uma maior

lucratividade para as empresas de transporte público do município de Natal,

proporcionando um benefício direto para o SETURN.

35. O artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor dá a tônica da Política Nacional das Relações de Consumo:

“Art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria de sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia nas relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:(...)III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores; (...)”.

36. Tal mandamento, ao aludir ao princípio da boa-fé, refere-se tanto a um dever do fornecedor quanto do consumidor.

37. Sobre a matéria nos ensina Cláudia Lima Marques:

“Boa-fé objetiva significa, portanto, uma atuação refletida, uma atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando-o, respeitando seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, cooperando para atingir o bom fim das obrigações: o cumprimento do

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objetivo contratual e a realização dos interesses das partes” (Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: RT, 2002, página 181). gr. Nosso.

38. Em consequência do discorrido, cumpre requerer a condenação do SETURN à obrigação de fazer, para que libere a compra das passagens estudantis, com o desconto de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor integral da passagem, mediante comprovação da condição de estudante, através de declaração fornecida pela entidade de ensino, até que o sistema de cadastramento esteja normalizado, haja vista a inconteste ilegalidade a que está se sujeitando o consumidor, que mesmo na condição de estudante arca com o pagamento integral da passagem no transporte público.

II.3 – Das Irregularidades contidas no Decreto Municipal nº 9.326/2011

39. Prima facie, cabe esclarecer que o Decreto é a exteriorização do Poder Regulamentar, e sua criação torna efetivo o cumprimento da lei, propiciando facilidades para que a lei seja fielmente executada, não podendo ele alterar disposição legal, nem tampouco criar obrigações diversas das previstas em disposições legislativas.

40. Sobre o assunto, José dos Santos Carvalho Filho4, esclarecendo acerca do poder regulamentar afirma que:

"Poder regulamentar, portanto, é a prerrogativa conferida à Administração Pública de editar atos gerais para complementar as leis e permitir a sua efetiva aplicação. A prerrogativa, registre-se, é apenas para complementar a lei; não pode, pois, a Administração alterá-la a pretexto de estar regulamentando. Se o fizer, cometerá abuso de poder regulamentar (...). "

41. Consoante o disposto, é imperioso destacar que conforme os preceitos da hierarquia legislativa, um decreto não pode alterar a própria lei que regulamenta, pois, sendo ele um ato administrativo, está sempre em situação inferior à lei e, por isso mesmo, não a pode contrariar. 42. Após análise da legislação referente ao assunto, foram identificadas diversas incoerências entre os diplomas legais aplicáveis ao caso e as prescrições contidas no Decreto Municipal nº 9.326, de 11 de março de 2011.

4CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p.44.

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43. A identidade estudantil eletrônica é legalmente instituída, por ter sido prevista no art. 2º, §3º, da Lei Municipal nº 5.370/2002, a qual dispõe que “a

validade das identidades estudantis e compatibilidade dos nomes dos beneficiários constantes da

identidade e do poder estudantil, esta forma de controle poderá ser substituída por controles

eletrônicos, a partir da implantação de equipamento para esse fim”.

44. Vejamos o art. 1º, do Decreto Municipal nº 9326/2011, in verbis:

“Fica regulamentado o credenciamento da 'identidade estudantil' para uso no sistema de bilhetagem eletrônica dentro da circunscrição do Município do Natal, unificando-a com o 'cartão estudante', instrumento que será nominado, no presente decreto, de 'identidade estudantil eletrônica'.”,

45. Apesar da disposição contida no artigo supramencionado estar prevista no art. 2º, §3º, da Lei Municipal nº 5.370/2002, constata-se sua irregularidade no sentido de que a identidade estudantil eletrônica é a junção do cartão estudante e da identidade estudantil, e desta forma a emissão da eletrônica deve seguir os procedimentos legais constantes na emissão do cartão estudante e da identidade estudantil, não devendo afrontar leis municipais e estaduais que tratam do assunto acerca da competência para sua emissão e distribuição.

46. Eis o art. 8º, da Lei nº 5.556/2004:"A aquisição das passagens estudantis somente pode ser feita com a apresentação do cartão identificador do CENAT (Cadastro Público dos Estudantes do Município do Natal)".

47. No art. 1º, do Decreto em análise, não existe nenhuma alternativa acerca da possibilidade de utilização do cartão identificador do CENAT previsto na referida Lei Municipal. Não pode o Município do Natal, através de Decreto excluir o cartão identificador do CENAT, que é previsto em Lei Municipal, e trocá-lo por um cartão pertencente exclusivamente ao SETURN.

48. Na mesma esteira, ignorando a existência de Leis Municipais e Estaduais que tratam da emissão e distribuição das carteiras estudantis, o art. 2º, IV, do Decreto nº 9.326/2011, preceitua que:

“art. 2º, [...] IV - identidade estudantil eletrônica: espécie de cartão inteligente, fornecido pelo SETURN e distribuído pelo Município do Natal, mediante convênio com as entidades

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previstas na medida provisória 2.208, de 17 de dezembro de 2001, devidamente habilitadas para esta finalidade junto à Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana – SEMOB, o qual possibilitará a identificação do estudante para obtenção de descontos referentes à sua condição, especialmente meia-entrada em eventos culturais e desportivos e meia passagem estudantil para o transporte público coletivo.”

49. A identidade estudantil eletrônica, criada pelo Decreto Municipal nº 9.326/2011, que substitui a identidade estudantil, deve ser emitida pela União Nacional de Estudantes -UNE, ou pela União Brasileira dos Estudantes Secundaristas – UBES, e não pelo SETURN, além do que sua distribuição deverá ser efetuada por entidades filiadas, e não pelo próprio Município de Natal, conforme disposto no art. 2º, da Lei Estadual nº 6.503, de 1º de dezembro de 1993, a saber:

Lei Estadual nº 6.503/1993:"art. 2º - A carteira de identidade estudantil – CIE - será emitida pela União Nacional de Estudantes - UNE – ou pela União Brasileira dos Estudantes Secundaristas – UBES – e distribuída pelas respectivas entidades filiadas, tais como União Estadual dos estudantes do Rio Grande do Norte, Uniões Municipais, Diretórios Centrais de Estudantes, Diretórios Acadêmicos, Centros Acadêmicos e Grêmios Estudantis;"

50. A Medida Provisória nº 2.208, de 17 de agosto de 2001, também disciplina a competência para expedição da carteira de estudante, a qual deve ser feita pelos estabelecimentos de ensino ou pela associação ou agremiação estudantil a que pertença o estudante, vejamos:

"Art. 1º A qualificação da situação jurídica de estudante, para efeito de obtenção de eventuais descontos concedidos sobre o valor efetivamente cobrado para o ingresso em estabelecimentos de diversão e eventos culturais, esportivos e de lazer, será feita pela exibição de documento de identificação estudantil expedido pelos correspondentes estabelecimentos de ensino ou pela associação ou agremiação estudantil a que pertença, inclusive pelos que já sejam utilizados, vedada a exclusividade de qualquer deles.Parágrafo único O disposto no caput deste artigo aplica-se nas hipóteses em que sejam oferecidos descontos a estudantes pelos transportes coletivos públicos locais, acompanhada do comprovante de matrícula ou de freqüência escolar fornecida pelo seu estabelecimento de ensino."

51. Da mesma forma, o art. 1º, da Lei Municipal nº 5.370, de 07 de junho de 2002, dispõe que:

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“art. 1º - O art. 3º, da Lei nº 890, de 16 de fevereiro de 1959, passa a vigorar com a seguinte redação:'art. 3º [...] §1º – A emissão e confecção das carteiras de Estudantes ficarão sob a responsabilidade das entidades representativas, nos seus níveis de atuação (1º, 2º e 3º graus), cursos de língua estrangeira, supletivos, reconhecidos e autorizados pela Secretaria de Educação dos respectivos municípios, bem como pela Secretaria Estadual de Educação e Ministério da Educação e Cultura, com atuação em nossa cidade, que estejam devidamente legalizadas junto ao Fisco Municipal (alvará de localização, ISS, IPTU), Previdência Social (INSS e FGTS) e a Receita Federal (IRPJ) deverão conter obrigatoriamente a assinatura do Presidente da Entidade Estudantil.§2º – O estudante escolherá entre as Entidades Estudantis, legalmente constituídas, conforme condições do parágrafo anterior desse artigo, uma única entidade, por escola, que confeccionará sua carteira estudantil. §3º – A compra do passe estudantil, junto à instituição credenciada para comercialização, ficará assegurada ao portador da carteira, emitida por qualquer uma das entidades legalmente constituídas, que estejam de acordo com o parágrafo 2º deste artigo.'”

52. Da leitura dos diplomas legais supracitados, não há em nenhum

momento autorização expressa em lei, ou na medida provisória exposta, para que

haja o fornecimento de carteiras de estudante por Sindicato de Empresas de

Transporte Público. Além do que, em nenhum diploma legal existe a autorização

para que a carteira de estudante pertença a tal Sindicato, como é o caso que está

ocorrendo com a identidade estudantil eletrônica, a qual em seu verso possui a

seguinte observação: “este cartão pertence ao SETURN”.

53. Analisando-se, ainda, a segunda parte do inciso IV, do art. 2º, do Decreto Municipal nº 9.326/2011, o qual estabelece que a identidade estudantil eletrônica “possibilitará a identificação do estudante para obtenção de descontos referentes à sua condição, especialmente meia-entrada em eventos culturais e desportivos e meia passagem estudantil para o transporte público coletivo”, constata-se que a mesma não está substituindo a carteira de estudante comum, tendo em vista que para a recarga de passagens é necessária a apresentação da carteira de estudante à parte.

54. Frise-se, que a identidade estudantil eletrônica, resultado da fusão do cartão estudante (cartão para creditar eletronicamente valores para pagamento de

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passagem no sistema de transporte público) com a identidade estudantil (documento de identificação do estudante para obtenção de desconto), apesar de conter a afirmação: “válida como identidade estudantil aceita em todo o território nacional”, não está sendo aceita como identidade estudantil.

55. A constatação acima referida foi através de certidão expedida pela Secretaria da Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor, a qual constatou que para aquisição da meia entrada no cinema CINEMARK, por exemplo, é necessária a apresentação da identidade estudantil eletrônica, juntamente com o RG, comprovando-se, dessa forma, que a identidade eletrônica não está substituindo por si só, a carteira de estudante regularmente expedida. (fl. 277)

56. Ademais, diante da 2ª parte do §1º, do art. 3º, alterado pelo art. 1º, da Lei nº 5.370/2002, é necessário que as entidades representativas responsáveis pela emissão e confecção das carteiras de estudantes estejam devidamente legalizadas, condição esta que não foi comprovada, através de Parecer fornecido pela Prefeitura Municipal de Tributação de Natal (fl. 81). Acrescenta-se, ainda, que não há comprovação do convênio entre as entidades estudantis e a SEMOB, ou SETURN nem ao menos existe comprovação se estas entidades estão realmente habilitadas, indo de encontro ao que determina o art. 4º, do Decreto nº 9.326/2011, vejamos:

Decreto nº 9.326/2011:“art. 4º - Para emissão da 'Identidade estudantil eletrônica', as Associações e Agremiações Estudantis interessadas, devidamente habilitadas para a concessão da Meia Passagem Estudantil junto ao Município de Natal e mediante a intervenção da SEMOB, deverão realizar convênio com o SETURN.”

57. Considerando os argumentos amiúde sustentados, é imperioso o afastamento da aplicação do Decreto Municipal nº 9.236/2011, ante a ofensa direta à Lei Estadual nº 6.503/1993 e Leis Municipais nº 5.370/2002 e nº 5.556/2004.

III – DO DANO MORAL COLETIVO

58. O amparo à pretensão de indenização pelos danos morais sofridos é extraído do art. 5º, X, da Carta Magna e dos arts. 186 e 927 do Código Civil Brasileiro, os quais vaticinam a obrigação de reparar daquele que causa prejuízos de ordem patrimonial ou moral a outrem.

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59. Na legislação especial encontramos também o art. 6º, II, do CDC, cujo escopo é resguardar o consumidor contra os danos de ordem patrimonial e moral causados pelo fornecedor de produtos e serviços, garantindo a efetiva prevenção e reparação pelas lesões individuais, coletivas e difusas.

60. Especificamente em relação aos órgãos públicos, o Código de Defesa do Consumidor em seu art. 22, parágrafo único, dispõe que:

“Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código”.

61. Diante do artigo supramencionado, é evidente que a tutela constitucional do consumidor também engloba os serviços públicos prestados pelo Poder Público ou seus delegados, garantindo a reparação dos danos que os usuários vierem a sofrer pela falta de eficiência, falta de adequação ou falta de continuidade dos serviços.

62. A responsabilidade por dano moral possui uma eficiência econômica e social, portanto, deve-se exaltar o valor da indenização de modo a desincentivar condutas danosas ou potencialmente danosas, mesmo que esse valor seja além da simples reparação do dano, a fim de garantir os ideais de segurança e estabilidade que são um dos objetivos do ordenamento jurídico.

63. Neste diapasão, cumpre ressaltar que a responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços é erga omnes em relação aos consumidores, voltada aos consumidores de uma forma geral, independentemente de quem venha a ser diretamente atingido. Destarte, as relações de consumo deverão ser marcadas pela transparência e pelo princípio de a boa-fé.

64. Nas lições de Carlos Alberto Bittar Filho, o dano extrapatrimonial consiste em:

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"... injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial" (Revista de Direito do Consumidor, v. 12, p. 55).

65. Sobre o dano causado de forma difusa, salutar é o escólio do mestre José Carlos Barbosa Moreira5, segundo o qual:

"Em muitos casos, o interesse em jogo, comum a uma pluralidade indeterminada (e praticamente indeterminável) de pessoas, não comporta decomposição num feixe de interesses individuais que se justapusessem como entidades singulares, embora análogas. Há, por assim dizer, uma comunhão indivisível de que participam todos os possíveis interessados, sem que se possa discernir, sequer idealmente, onde acaba a "quota" de um e onde começa a de outro. Por isso mesmo, instaura-se entre os destinos dos interessados tão firme união, que a satisfação de um só implica de modo necessário a satisfação de todas; e, reciprocamente, a lesão de um só constitui, ipso facto, lesão da inteira coletividade. Por exemplo: teme-se que a realização de obra pública venha a causar danos graves à flora e à fauna da região, ou acarrete a destruição de monumento histórico ou artístico. A possibilidade de tutela do "interesse coletivo" na preservação dos bens em perigo, caso exista, necessariamente se fará sentir de modo uniforme com relação à totalidade dos interessados. Com efeito, não se concebe que o resultado seja favorável a alguns e desfavorável a outros. Ou se preserva o bem, e todos os interessados são vitoriosos; ou não se preserva, e todos saem vencidos."

66. Sobre o mesmo tema, o Procurador do Trabalho Xisto Tiago de Medeiros Neto expõe:

“[...] A coletividade, portanto, revelando atributos jurídicos, vem a significar a expressão-síntese de uma das maneiras de ser das pessoas no plano social: a de partícipes de um vasto elenco de interesses comuns dotados de contornos peculiares (transindividuais), que, compartilhados, são-lhes essenciais à vida, integrando, assim, a esfera da dignidade de cada um dos respectivos membros e gozando de plena proteção jurídica. Aliás, a doutrina tem enfatizado que o grupo social (ou seja, uma dada coletividade) 'nada mais é do que o próprio homem em sua dimensão social, não se distinguindo a sua natureza (coletiva) da de seus integrantes.'É o que se verifica, por exemplo, conforme antes externado

5 4 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Tutela Jurisdicional dos Interesses Coletivos ou Difusos, em Temas de Direito Processual (Terceira Série), S. Paulo, Saraiva, 1984.

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(capítulo VII), em relação ao direito à preservação do meio ambiente sadio, à conservação do patrimônio histórico e cultural, à garantia da moralidade pública, ao equilíbrio e eqüidade nas relações de consumo, à transparência e à honestidade nas manifestações publicitárias, à justiça nas relações de trabalho, à não-discriminação das minorias, ao respeito às diferenças de gênero, raça e religião, à consideração e proteção aos grupos de pessoas portadoras de deficiência, de crianças e adolescentes e de idosos.Inegavelmente esses interesses, de acordo com a manifestação concreta, reitere-se, inserem-se na órbita dos valores extrapatrimominais reconhecidos a uma coletividade. E, sendo assim, QUALQUER LESÃO INJUSTA POR ELA SUPORTADA DEVE ENSEJAR A REAÇÃO DO ORDENAMENTO JURÍDICO, NO DESIDERATO DE REPARAR, DA MELHOR FORMA, O DIREITO VIOLADO” (grifo nosso). In Dano Moral Coletivo. São Paulo: LTR, 2004.

67. Pelo visto, entre os doutrinadores predomina a ideia de que o dano moral coletivo, além de apresentar um caráter compensatório e punitivo, cumpre uma função eminentemente preventiva, de modo a garantir real e efetiva tutela ao meio ambiente, ao patrimônio cultural, à ordem urbanística, às relações de consumo, enfim, a quaisquer outros bens que extrapolam o interesse individual. Mas, uma vez aceito o objetivo punitivo da condenação por dano moral, resta saber quais os critérios a serem adotados para a fixação de seu quantum.

68. Quanto à exigência de comprovação da dor e sofrimento na hipótese de dano moral coletivo, importante e oportuno considerar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de dispensar a sua comprovação, de acordo com o que se extrai dos arestos abaixo:

ADMINISTRATIVO - TRANSPORTE - PASSE LIVRE - IDOSOS - DANO MORAL COLETIVO - DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA DOR E DE SOFRIMENTO - APLICAÇÃO EXCLUSIVA AO DANO MORAL INDIVIDUAL - CADASTRAMENTO DE IDOSOS PARA USUFRUTO DE DIREITO - ILEGALIDADE DA EXIGÊNCIA PELA EMPRESA DE TRANSPORTE - ART. 39, § 1º DO ESTATUTO DO IDOSO - LEI 10741/2003 VIAÇÃO NÃO PREQUESTIONADO. 1. O dano moral coletivo, assim entendido o que é transindividual e atinge uma classe específica ou não de pessoas, é passível de comprovação pela presença de prejuízo à imagem e à moral coletiva dos indivíduos enquanto síntese das individualidades percebidas como segmento, derivado de uma mesma relação jurídica-base. 2. O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos. 3. Na espécie, o dano coletivo apontado foi a submissão dos idosos a procedimento de cadastramento

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para o gozo do benefício do passe livre, cujo deslocamento foi custeado pelos interessados, quando o Estatuto do Idoso, art. 39, § 1º exige apenas a apresentação de documento de identidade. 4. Conduta da empresa de viação injurídica se considerado o sistema normativo. 5. Afastada a sanção pecuniária pelo Tribunal que considerou as circunstancias fáticas e probatória e restando sem prequestionamento o Estatuto do Idoso, mantém-se a decisão. 5. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 1057274/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/12/2009, DJe 26/02/2010). (Grifos nossos).PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. DANO MORAL COLETIVO. NECESSÁRIA VINCULAÇÃO DO DANO MORAL À NOÇÃO DE DOR, DE SOFRIMENTO PSÍQUICO, DE CARÁTER INDIVIDUAL. INCOMPATIBILIDADE COM A NOÇÃO DE TRANSINDIVIDUALIDADE (INDETERMINABILIDADE DO SUJEITO PASSIVO E INDIVISIBILIDADE DA OFENSA E DA REPARAÇÃO). RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.(REsp 598.281/MG, Rel. Ministro LUIZ FUX, Rel. p/ Acórdão Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/05/2006, DJ 01/06/2006, p. 147). (Grifos nossos).

69. Assim, é possível conceber que o serviço ineficaz prestado pelos órgãos demandados gera um dano moral passível de reparação a toda a coletividade, haja vista que a má prestação de serviços públicos, no caso em apreço, lesa o direito dos estudantes de adquirir a carteira de identidade estudantil, e em consequência usufruir dos descontos oferecidos aos seus portadores, revoltando e indignando toda a sociedade.

70. Como instrumento da democracia participativa a ação civil pública é a via processual adequada para impedir a ocorrência ou reprimir danos aos bens coletivos tutelados, podendo também servir como instrumento de reparação dos ilícitos já consumados (tutela ressarcitória).

71. Observa-se que a condenação por Danos Morais Coletivos é um instrumento importante e eficaz para impedir as ações das grandes empresas, órgãos públicos e conglomerados que venham a afrontar os interesses dos consumidores, seja com a má prestação de serviço, seja com medidas que impliquem fraude ou lesão aos interesses transindividuais.

72. Vale salientar que a comprovação da existência de culpa dos órgãos demandados não se faz necessária, de acordo com o arts. 12 e 14 do CDC, sendo necessária apenas a configuração do dano.

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73. Portanto, a limitação ao consumidor de exercer o seu direito de estudante, em adquirir carteira de identidade estudantil, e se beneficiar de descontos em eventos, através da apresentação do documento, e principalmente para a compra da meia passagem, caracteriza também dano moral coletivo, uma vez que tal conduta prejudica o equilíbrio e a equidade, sendo estes valores caros à sociedade que dispõe que a defesa do consumidor é um direito fundamental, disposto no art. 5º, inciso XXXII da Constituição Federal de 1988.

74. Assim, requer-se seja a Secretaria de Mobilidade Urbana de Natal, por meio da Prefeitura do Município de Natal, e o SETURN, condenados ao pagamento no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), cada um, a título de dano moral coletivo causado aos consumidores, o qual deverá ser remetido ao Fundo Estadual de Defesa do Consumidor instituído pela Lei Estadual nº 6.872/97.

IV – DO PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA

75. A tutela antecipada encontra guarida no ordenamento jurídico no art. 273 do Código de Processo Civil, então aplicável à Ação Civil Pública por força do disposto no art. 19 da Lei n. 7.347/85, in verbis:

"Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ouII – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu."

76. Para obtenção do provimento antecipatório é preciso, contudo, que a parte demonstre a presença dos requisitos da verossimilhança e do periculum in

mora / abuso de direito.

IV.1. Da verossimilhança da alegação

77. Quanto à verossimilhança dos fatos alegados, este requisito

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encontra-se preenchido por meio da notória veiculação, através de rádio, televisão e jornais de grande circulação, acerca do caos que está havendo na entrega das carteiras de estudante e consequente impossibilidade de aquisição da meia passagem pelos alunos regularmente matriculados em estabelecimentos de ensino. A demonstração da ilegalidade da conduta dos órgãos demandados decorre da própria certeza da ocorrência dos fatos, bem como dos argumentos jurídicos anteriormente aduzidos, no qual se atesta cabalmente as disposições do Decreto Municipal nº 9.236/2011, que são contrárias às Leis Municipais nº 5.556/2004 e nº 5.370/2002, e Lei Estadual nº 6.503/1993.

IV.2. Do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação

78. Já no que pertine ao periculum in mora, insta mencionar que a urgência do pleito reside no perigo de dano causado aos consumidores, os quais continuarão sendo vítimas das práticas abusivas caso continuem impedidos, mesmo comprovando-se a condição de estudante, de adquirir a carteira estudantil e, por conseguinte, comprar a meia passagem.

79. Neste diapasão, o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação consubstancia no fato de que os consumidores lesados, à medida em que o tempo passa, mesmo devidamente matriculados em escolas pública ou particulares, estão sendo impedidos de adquirir a carteira de identidade estudantil, no prazo estabelecido pelos próprios órgãos públicos, estando, ainda, sujeitos a demora na entrega destas carteiras, ocasionando grande prejuízo aos pais e estudantes, considerando que enquanto a situação não se normaliza eles são obrigados a comprar passagem inteira.

80. É de se frisar, também, que a demora na prestação jurisdicional certamente ensejará a continuidade da prática abusiva pelo SETURN, o qual está se beneficiando claramente do aumento nas vendas de passagens inteiras no transporte público do município, bem como da continuidade da má prestação do serviço oferecido pela Prefeitura do Natal, permanecendo o descaso com os estudantes durante todos os anos.

81. Dessa forma, requer-se o deferimento do pedido de tutela

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antecipada para determinar:

a) a suspensão do Decreto nº 9.326/2011, no que for contrário as legislações já expostas, ou seja, art. 1º, art. 2º, IV, art. 4º, art. 5º, art. 8º e art. 9º. b) que a SEMOB tome as devidas providências para disponibilizar a todos os estudantes as carteiras de identidade estudantil, sem burocracia, ou falhas que impeçam o exercício do direito que os cabe;c) ao SETURN à obrigação de fazer, para que libere a compra das passagens estudantis, com o desconto de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor integral da passagem, mediante comprovação da condição de estudante, através de declaração fornecida pela entidade de ensino, até que o sistema de cadastramento esteja normalizado sob pena de multa diária, para cada órgão, no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), por dia de atraso, cujos valores deverão ser revertidos ao Fundo Estadual de Defesa do Consumidor, instituído pela Lei Estadual nº 6.872/97.

V - DOS PEDIDOS FINAIS

82. Ex positis, amparado no lastro probatório acostado aos autos anexos e nos fundamentos jurídicos aduzidos, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO:

a) a citação dos Órgãos Demandados para, querendo, apresentar a defesa que entender cabível;b) a publicação de edital no Diário Oficial do Estado, para possibilitar a intervenção de possíveis interessados, em atenção à norma contida no art. 94, da Lei nº 8.078/90;c) a inversão do ônus da prova, nos termos do art. 6º, inciso VIII, da Lei nº 8.078/90;d) sejam concedidos, em caso de indeferimento da medida antecipatória, ou tornados definitivos, no caso de concessão, os provimentos pleiteados no ponto IV desta exordial, referente ao

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pedido de antecipação de tutela, no sentido de determinar:d.1) a suspensão do Decreto Municipal nº 9.326/2011, no que for contrário às legislações já expostas; d.2) que a SEMOB tome as devidas providências para disponibilizar a todos os estudantes as carteiras de identidade estudantil, sem burocracia, ou falhas que impeçam o exercício do direito que os cabe; d.3) ao SETURN à obrigação de fazer, para que libere a compra das passagens estudantis, com o desconto de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor integral da passagem, mediante comprovação da condição de estudante, através de declaração fornecida pela entidade de ensino, até que o sistema de cadastramento esteja normalizado sob pena de multa diária, para cada órgão, no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), por dia de atraso, cujos valores deverão ser revertidos ao Fundo Estadual de Defesa do Consumidor, instituído pela Lei Estadual nº 6.872/97.

e) seja a presente ação julgada TOTALMENTE PROCEDENTE no sentido de: e.1) condenar o órgãos demandados, à obrigação de fazer consistente na eficiência dos serviços prestados aos estudantes, no que diz respeito a emissão e distribuição das carteiras de identidade estudantil, através da implantação de um sistema único, eficaz, sem burocracias e dentro da lei; e.2) declarar a inaplicabilidade do Decreto Municipal nº 9.326/2011; e.3) condenar os Órgãos Demandados, ao pagamento de indenização pelos danos morais causados ao consumidores em virtude da sua conduta ilegal, no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), cada um, devendo tal valor ser convertido ao Fundo Estadual de Defesa ao Consumidor, instituído pela Lei Estadual nº 6.872/97;f) a dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, em face do disposto no art. 18 da Lei 7.347/85 e art. 87 da Lei 8.078/90; g) a comunicação dos atos processuais nos moldes definidos no

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art. 236, § 2º, do Código de Processo Civil e art. 41, inciso IV, da Lei 8.625/93, na sede da Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor, localizada na Avenida Floriano Peixoto, 550, Centro, CEP 59.012-500, Natal/RN, com vista mediante entrega pessoal dos autos.

Pretende provar o alegado por meio de todos os meios em direito admitidos, em especial a prova documental.Dá-se à causa o valor de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais).

Termos em que,requer deferimento.

Natal/RN, 12 de maio de 2011

José Augusto Peres Filho

24º Promotor de Justiça de Defesa do Consumidor

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