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janeiro 2013 l correio APPOA .1 editorial. Na passagem de um ano a outro, entre finalizar um trabalho e iniciar o seguinte, o que transmitimos faz pensar, e este Correio aborda Psicanálise e Educação. São diversos textos e um editorial com algumas ideias que retomam o que há uns vinte anos falávamos sobre educação no Congresso Educa-se uma Criança. Boa leitura e um ótimo 2013! Ao pensarmos no que a psicanálise pode dizer sobre a educação no sentido largo do termo, ou seja, a educação mais-além do âmbito escolar, a primeira questão é situar o que esperamos de uma criança. O que espera- mos das crianças para que as consideremos bem ou mal-educadas? E, deste ponto de vista, da educação que recebemos, sabemos bem que somos todos até certo ponto mal-educados. Sabemos das falhas que a educação que rece- bemos teve, porque conhecemos bem o sofrimento que carregamos em fun- ção dela, e por isso a detestamos. Por outro lado, também devemos a ela o que somos e a amamos. Assim, nossa posição está em dois lados – amamos e detestamos essa educação que sabemos que é sempre falha, está sempre a mais ou a menos.

miolo Correio APPOA 220 - Associação Psicanalítica de ... · nÚcleo de psicanÁlise de crianÇas Sábado, 10h, reuniões mensais (2º sábado do mês). Responsáveis: Ana Laura

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janeiro 2013 l correio APPOA .1

editorial.

Na passagem de um ano a outro, entre finalizar um trabalho e iniciar o

seguinte, o que transmitimos faz pensar, e este Correio aborda Psicanálise

e Educação. São diversos textos e um editorial com algumas ideias que

retomam o que há uns vinte anos falávamos sobre educação no Congresso

Educa-se uma Criança.

Boa leitura e um ótimo 2013!

Ao pensarmos no que a psicanálise pode dizer sobre a educação no

sentido largo do termo, ou seja, a educação mais-além do âmbito escolar, a

primeira questão é situar o que esperamos de uma criança. O que espera-

mos das crianças para que as consideremos bem ou mal-educadas? E, deste

ponto de vista, da educação que recebemos, sabemos bem que somos todos

até certo ponto mal-educados. Sabemos das falhas que a educação que rece-

bemos teve, porque conhecemos bem o sofrimento que carregamos em fun-

ção dela, e por isso a detestamos. Por outro lado, também devemos a ela o

que somos e a amamos. Assim, nossa posição está em dois lados – amamos

e detestamos essa educação que sabemos que é sempre falha, está sempre a

mais ou a menos.

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correio APPOA l janeiro 20132.

editorial.

Quando Freud pesquisava sobre a infância, logo se deparou com a

amnésia infantil e com o fato de que os adultos esquecidos não costumam

se surpreender com isso. Insatisfeito com as respostas sobre as causas do

esquecimento, seguiu com a pergunta e, resumindo, o que ele encontrou

foi que a amnésia infantil é obra do recalcamento e está relacionada a uma

cota de pagamento que todos fazemos em favor da civilização. Nossa vida

em comum solicita esse pagamento, nos coage a sermos civilizados.

A educação é o termo que usamos para definir o processo – longo –

pelo qual vai se consolidando o lugar a ocupar e os deveres sociais, o

pagamento a ser feito pelas crianças para entrar na sociedade como mem-

bros que cumprem uma função, para ter um lugar social. E a educação se dá

na infância, privilegiadamente.

Mas os resultados da educação não são sempre os mesmos, a ponto de

podermos traçar uma linha entre dois pontos extremos: num deles ficariam

as pessoas bem-educadas e no outro as mal-educadas. E, se seguíssemos a

lista do que vem junto ao conceito de educadas, poderíamos incluir nos

extremos dessa linha coisas do tipo:

reprimida demais, reprimida de menos;

ingênua demais, ingênua de menos;

inibida, impulsiva... e assim por diante.

Uma oscilação entre o excesso e a falta, que coloca os pais e educado-

res na dúvida quanto a qual seria a medida certa. Onde está o fiel da balan-

ça para o equilíbrio? O assunto permanece questionável.

Há nisto, contudo, um consenso: a educação é um processo e ela é

necessária. E, de modo geral, embora a contradição, sabemos que viver

conforme regras sociais e ser capaz de realizar é o que permite que a civili-

zação continue a progredir. É o que nos diferencia como humanos – nossa

linguagem e toda essa série de conquistas num elenco relativamente vasto

que resumimos com o termo cultura.

A cultura e a capacidade de viver socialmente é assim o que buscamos

transmitir à geração seguinte. Trata-se de um ideal, um ideal da história da

nossa família, da nossa nação.

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Psicanálise e Educação.

Como transmitir a educação? Como adultos, somos os que tentam

transmitir algo do que um dia recebemos para nossas crianças. A via mais

imediata de elaborar uma estratégia de educar é a partir da nossa própria

experiência, e uma boa parte de nossa possibilidade de transmissão se

relaciona ao que aprendemos e fomos quando crianças que recebemos.

No final das contas, vamos concluir que transmitimos um ideal através de

um traumatismo.

É importante lembrar que quando abordamos a educação estamos

também em dois lados. O lado de quem foi um dia educado e o lado do

adulto que deve educar.

Se sabemos que amamos e detestamos a educação que recebemos, tam-

bém sabemos que devemos educar – e na posição de educadores também

nos queixamos, pois como educar se sabemos que o que temos a transmitir

tem tantas falhas?

Freud, em Recordar, repetir e elaborar, diz que o que não se lembra,

se repete. O que não for lembrado, agimos, repete em atos, reproduzimos

com os outros. Ou seja, repetir o que é doloroso, embora paradoxal, é

mesmo o que foi sofrido – sofre-se e causa-se sofrimento mais uma vez, e

outra ainda, na expectativa de que um dia isso pare. Ou seja, as coisas

funcionam de um modo em que o efeito do trauma sofrido na infância, em

nome da civilização e seus ideais, é de que ele se repita sem que seja

lembrado de onde vem.

A civilização é traumatizante, e o que os adultos transmitem é da or-

dem dos ideais e desejos da família e da cultura.

Assim, se os pais só podem transmitir seu desejo e seu ideal, a crian-

ça, por seu lado, tem que renunciar a essa posição, ideal, que é a simples

repetição do desejo de seus pais. Por isso, em certa medida, a educação tem

de ser sempre fracassada, no ponto em que representa o assujeitamento à

deriva dos caprichos dos adultos, a ponto de concluirmos que seja estrutu-

ral para o sujeito viver com a educação que recebeu e, ao mesmo tempo,

contra ela.

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notícias.

Quadro de ensino 2013

O Ensino na Associação Psicanalítica de Porto Alegre se pauta por um

tema como eixo central de suas atividades, assim permitindo uma discus-

são ampla de temas cruciais da Psicanálise entre seus frequentadores. Um

texto escolhido de Lacan e outro de Freud acompanham a temática do ano,

fundamentando-a.

Além deste eixo de trabalho, o Ensino compreende: Seminários, Gru-

pos de Estudo Temáticos e Textuais; Seminários e Grupos de Estudo em

conjunto com o Instituto APPOA; Núcleos de Estudo, Oficinas de Estudo,

Exercícios Clínicos, Percurso de Escola, Percurso em Psicanálise de Crianças

e Adolescentes.

Abaixo constam informações sobre o Ensino a se iniciar neste ano,

disponíveis também no site da Associação – www.appoa.com.br. Mais

detalhes podem ser obtidos junto à Secretaria, Rua Faria Santos, 258, tele-

fone 51 3333 2140.

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correio APPOA l janeiro 20136.

notícias.

EIXO DE TRABALHO DO ANO

ENCONTROS PREPARATÓRIOS AO RELENDO FREUD

Quintas-feiras, 21h, reuniões quinzenais, gratuitas e abertas aos interessados.

ENCONTROS DE ESTUDO DO SEMINÁRIO DE LACAN

“Mais, ainda” (1972-73)

Quintas-feiras, 21h, reuniões quinzenais, gratuitas e abertas aos interessados.

Coordenação: Eduardo Mendes Ribeiro, Lúcia Alves Mees e Marta Pedó

SEMINÁRIOS

A CLÍNICA DA ADOLESCÊNCIA E INTERVENÇÕES NO SOCIAL

Coordenação: Ângela Lângaro Becker e Ieda Prates da Silva

Sábado, mensal, 10h. Início: 23 de março

A CLÍNICA FREUDO-LACANIANA EM SUPERVISÃO

E SEUS OPERADORES

Coordenação: Lucy L. Fontoura e Roséli M. O. Cabistani

Sexta-feira, Quinzenal, 17h30. Início: 15 de março

CLÍNICA PSICANALÍTICA NA CONTEMPORANEIDADE

Coordenação: Rosane Ramalho

Segunda-feira, mensal, 20h30. Início: 18 de março

SEMINÁRIO DE TOPOLOGIA

Coordenação: Ligia Gomes Víctora

Sexta-feira, 18h15 às 20h15, quinzenal

CONTRIBUIÇÕES PSICANALÍTICAS PARA UMA NOVA

PSICOPATOLOGIA

Coordenação: Alfredo Jerusalinsky

Quarta-feira, quinzenal (2° e 4° quarta-feira do mês), às 21h

Início em Abril

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Psicanálise e Educação.

AS TRÊS EPISTEMES FUNDAMENTAIS DE LACAN:

1) INTERPRETAR O DESEJO

2) INTERPRETAR O MAIS DE GOZAR

3) INTERPRETAR O DISCURSO

Coordenação: Alfredo Jerusalinsky

Bimensal, Itajaí/SC

CLÍNICA PSICANALÍTICA NOS PROBLEMAS

DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL

Coordenação: Alfredo Jerusalinsky

Bimensal, Buenos Aires, Argentina

CONTRIBUIÇÕES PSICANALÍTICAS PARA UMA NOVA

PSICOPATOLOGIA

Coordenação: Alfredo Jerusalinsky

Mensal, no 4° sábado de cada mês, das 9h, São Paulo/SP

INTERVENÇÕES PRECOCES DA PSICANÁLISE PERANTE OS RISCOS

PARA O DESENVOLVIMENTO INFANTIL

Coordenação: Alfredo Jerusalinsky

Bimensal, Fortaleza/CE

PROBLEMAS DE CLÍNICA PSICANALÍTICA

Coordenação: Alfredo Jerusalinsky

Mensal, no quarto sábado de cada mês, 17h30, São Paulo/SP

A DIREÇÃO DO TRATAMENTO NA CLÍNICA PSICANALÍTICA

Coordenação: Norton Cezar Dal Follo da Rosa Jr

Sábado, mensal, Santa Maria/RS. Início: 23 de março

A LÓGICA DA REPRESENTAÇÃO

Coordenação: Luis Fernando Lofrano de Oliveira

Quinta-feira, mensal, 20h15. Início: 21 de março. Santa Maria, RS

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notícias.

A PSICOSSOMÁTICA NA INTERDISCIPLINA E TRANSDISCIPLINA

Coordenação: Jaime Betts

Sábados, mensal, 10h. Novo Hamburgo, RS

FREUD E A CONSTRUÇÃO DE DISPOSITIVOS

CLÍNICOS NO CAMPO SOCIAL

Coordenação: Emília Estivalet Broide e Jorge Broide

Quinta-feira, semanal,19h30. São Paulo/SP

O PAI

Coordenação: Sidnei Goldberg

Terça-feira, semanal, 12h. São Paulo/SP

GRUPOS TEMÁTICOS

A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO PSÍQUICO

Coordenação: Carmen Backes

Sexta-feira, 10h30, quinzenal. Início em março

A CLÍNICA PSICANALÍTICA: ALGUNS CONCEITOS FUNDAMENTAIS

Coordenação: Carmen Backes

Sexta-feira, 14h30, quinzenal. Início em março

AS FORMAÇÕES DO INCONSCIENTE

Coordenação: Gerson Smiech Pinho

Quinzenal, 2ª e 4ª sextas-feiras do mês,16h15. Início: 08 de março

FANTASIAS FUNDAMENTAIS E SUAS INCIDÊNCIAS NA CLÍNICA

Coordenação: Fernanda Pereira Breda e Simone Goulart Kasper

Sexta-feira, quinzenal, 14h. Inicio em março

PSICANÁLISE, CRÍTICA DA CULTURA E CONTEMPORANEIDADE

Coordenação: Luciano Mattuella e Sonia Mara M. Ogiba.

Terça-feira, quinzenal, 14h. Início em abril

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Psicanálise e Educação.

OS NOMES DO AMOR EM LACAN

Coordenação: Maria Rosane Pereira

Quinta-feira, quinzenal, 19h15. Início: 24 de março

A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO E AS ESTRUTURAS CLÍNICAS

Coordenação: Luciane Loss Jardim

Sexta-feira, semanal, 10h30. Campinas/SP. Início em fevereiro

A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO

E OS CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA PSICANÁLISE

Coordenação: Heloisa Marcon

Sexta-feira, 16h, mensal. Blumenau/SC. Início em março

OS CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA PSICANÁLISE

EM FREUD E LACAN

Coordenação: Heloisa Marcon

Sábado, 10h30, quinzenal. Blumenau/SC. Início em março

CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA PSICANÁLISE

Coordenação: Rosane Ramalho

Terça-feira, quinzenal, 19h. Rio de Janeiro/RJ. Início: 12 de março

DIÁLOGOS ENTRE PSICANÁLISE E ARTE:

O PERCURSO DE LACAN EM DIREÇÃO À ARTE

Coordenação: Sílvia Raimundi Ferreira

Quarta-feira, quinzenal, 19h. Santa Maria/RS. Início: 3 de abril

DO AUTISMO À PSICOSE NA CLÍNICA COM CRIANÇAS

Coordenação: Julieta Jerusalinsky

Terça-feira, quinzenal, 19h, em São Paulo/SP. Início: 19 de janeiro

FUNDAMENTOS PSICANALÍTICOS: DE FREUD A LACAN

Coordenação: Márcia Goidanich e Rossana Oliva Braghini

Segunda-feira, quinzenal, 16h30. Passo Fundo/RS. Início: 11 de março

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correio APPOA l janeiro 201310.

notícias.

PSICANÁLISE E CLÍNICA DA INFÂNCIA

Coordenação: Ana Clair Fiorenza Munaretto

Quinzenal. Manaus/AM. Início em março

PSICANÁLISE E EDUCAÇÃO

Coordenação: Larissa Costa Beber Scherer

Terça-feira, quinzenal, 19h30. Novo Hamburgo/RS. Início em abril

O MAL-ESTAR NA CIVILIZAÇÃO: UMA INTRODUÇÃO

AO ESTUDO DA SUBJETIVIDADE CONTEMPORÂNEA

Coordenação: Walter Firmo de Oliveira Cruz

Quinzenal, terça-feira, 20h30. Santa Maria/RS. Início: 26 de março

GRUPOS TEXTUAIS

JACQUES LACAN – SEMINÁRIO XVI – 1968-69

“DE UM OUTRO AO OUTRO”

Coordenação: Maria Auxiliadora Sudbrack

Quinta-feira, 14h, quinzenal. Início em março

MOMENTO DE LER: Seminários de Lacan “Ou Pior” Seminários XIX 1971-

72 cruzado com o Seminário “O saber do psicanalista” 1971-72.

Coordenação: Maria Auxiliadora Sudbrack

Sexta-feira, 16h, semanal. Início em março

A INFÂNCIA NOS SEUS PRIMÓRDIOS: UMA LEITURA DA “IMAGEM

INCONSCIENTE DO CORPO”, DE FRANÇOISE DOLTO

Coordenação: Simone Mädke Brenner

Segunda-feira, 20h30, quinzenal. Novo Hamburgo/RS. Início em março

LEITURAS EM LACAN: SEMINÁRIO 20 MAIS,AINDA (1972-1973)

Coordenação: Ângela Lângaro Becker

Sábado, bimensal,14h. Rio Grande/RS. Início: 9 de março

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Psicanálise e Educação.

LEITURAS LACANIANAS

Coordenação: Márcia Goidanich e Rossana Oliva Braghini

Segunda-feira, quinzenal, 16h30. Passo Fundo/RS. Início: 18 de março

LENDO JACQUES LACAN

Coordenação: Otávio Augusto Winck Nunes e Siloé Rey

Sábado, mensal, 10h. Criciúma/SC

O SEMINÁRIO XVII. O AVESSO DA PSICANÁLISE

Coordenação de Charles Lang e Ana Sílvia Espig Lang

Segundas-feiras, 14h. Maceió/AL

NÚCLEOS DE ESTUDO

NÚCLEO DE PSICANÁLISE DE CRIANÇAS

Sábado, 10h, reuniões mensais (2º sábado do mês).

Responsáveis: Ana Laura Giongo, Beatriz Kauri dos Reis, Deborah Nagel

Pinho, Eda Tavares, Gerson Smiech Pinho, Ieda Prates da Silva, Larissa

Beber Costa Scherer, Maria Lúcia Stein e Simone Mädke Brenner

NÚCLEO PASSAGENS – Sujeito e Cultura

Responsáveis: Ana Costa, Edson Sousa e Lucia Serrano Pereira

Datas a confirmar

OFICINAS

TOPOLOGIA

Coordenação: Ligia Víctora

Sábado, 10h, semestral

LETRAVIVA

Atividade da Comissão da Biblioteca, com leitura e discussão de trabalhos

elaborados por colegas da APPOA

Semestral

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correio APPOA l janeiro 201312.

notícias.

SARAU

FREUD E OS ESCRITORES – RESSONÂNCIAS ATEMPORAIS

Coordenação: Lenira Balbueno Fleck

Local: no Foyer Nobre do Theatro São Pedro

Freud & Anna Freud (19 de Março), Freud & Marie Bonaparte (21 de Maio),

Freud & Anaïs Nin (16 de Julho), Freud & Hannah Arent (24 de Setembro),

Freud & Simone De Beauvoir (19 de Novembro)

ATIVIDADES DO INSTITUTO APPOA

CLÍNICA, INTERVENÇÃO E PESQUISA EM PSICANÁLISE

LINHAS DE TRABALHO

1. Incidências Subjetivas e Sociais das Mudanças de País, Língua e Cultura

Coordenação: Ana Costa e Jaime Betts

Encontros bimestrais, quarta-feira, 20h30min

2. O Desejo do Analista nas Práticas Institucionais

Coordenação: Carlos Kessler, Liz Ramos e Siloé Rey

Reuniões a combinar

2.1 Serviço de Atendimento Clínico

Coordenação: Ângela Lângaro Becker e Otávio Augusto Winck Nunes

2.2 Exercícios Clínicos

Atividade aos sábados pela manhã

Encontros a combinar

3. Passagens: Sujeito e Cultura

Coordenação: Lucia Serrano Pereira e Robson de Freitas Pereira

Encontros a combinar

3.1 Seminário: A Ficção na Psicanálise: Freud, Lacan e os Escritores

Coordenação: Lucia Serrano Pereira

Sábado, 10h, mensal

Datas: 25 maio, 29 junho, 31 agosto, 28 de setembro e 19 de outubro

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janeiro 2013 l correio APPOA .13

Psicanálise e Educação.

3.2 Seminário: O Divã e a Tela

Coordenação: Enéas de Souza e Robson de Freitas Pereira

Sexta-feira, 19h, mensal

4. Psicanálise, Políticas Públicas e Saúde Mental

Coordenação: Norton C. da Rosa Jr, Renata Almeida e Tatiane Vianna

Encontros no 3º sábado de cada mês, 10h

4.1 Grupo de Trabalho – Cuidado à Primeira Infância: Psicanálise

e Intervenção

Coordenação: Inajara Amaral e Renata Almeida

Segunda-feira, 20h30min, quinzenal. Início 11 de março

4.2 Seminário: Clinicando

Coordenação: Ana Costa

Sábado, mensal

4.3 Grupo Temático: Política, Psicanálise, Política da Psicanálise

Coordenação: Rosana Coelho

Sábado, 9h, mensal

5. Psicanálise e Justiça

Coordenação: Eduardo Mendes Ribeiro e Márcia H. de M. Ribeiro

Encontros a combinar

5.1 Rodas de Conversa: Psicanálise e Justiça

Coordenação: Eduardo Mendes Ribeiro e Márcia H. de M. Ribeiro

Encontros a combinar.

6. Psicanálise e Educação

Coordenação: Roséli M. O. Cabisatani e Gerson Smiech Pinho

6.1 Rodas de Conversa com o SINPRO

Coordenação: Roséli M. O. Cabistani

Encontros bimensais

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notícias.

EVENTOS DO ANO

JORNADA DE ABERTURA: 06 de abril 2013

Hotel Plaza São Rafael

JORNADA DO PERCURSO: 18 de maio de 2013

Sede da APPOA

RELENDO FREUD: 14, 15 e 16 de junho

Hotel Laje de Pedra

III JORNADA DO INSTITUTO APPOA: Psicanálise e Intervenções Sociais

23 e 24 de agosto

Hotel Continental

JORNADA CLÍNICA: 26 e 27 de outubro

Hotel Plaza São Rafael

PERCURSO DE ESCOLA

TURMA XII

Terceiro semestre: Narcisismo e identificação

Quarto semestre: O sintoma

TURMA XIII

Primeiro semestre: Inconsciente

Segundo semestre: Édipo e castração

PERCURSO EM PSICANÁLISE DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

TURMA IV

Terceiro semestre:

Direção da Cura I e II

Psicanálise e Intersecções I

Latência, Puberdade e Adolescência

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Psicanálise e Educação.

Quarto semestre:

Direção da Cura III

Psicanálise e Intersecções II

Infância e Adolescência na contemporaneidade

Estudo em Cartéis

 

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temática.

A educação no fio do discursosobre a violência

Roséli M. O. Cabistani

Interrogar sobre as condições para educar hoje me parece pertinente,

por várias razões, que passo a considerar a seguir.

Hanna Arendt escreveu que só podemos questionar a autoridade, por

exemplo, ou a educação, por que elas estão em crise. E se estão em crise

quer dizer que as respostas que tínhamos para os problemas da educação e

da autoridade se tornaram insuficientes. Insuficiência não é motivo para

desistência, pois ela, a insuficiência, a falta, faz parte da vida. É o que nos

faz trabalhar, desejar, ir adiante.

A percepção de nossa impotência diante da falta de desejo dos alunos,

de sua agressividade e da nossa própria falta de desejo em alguns momen-

tos, produz o efeito de desamparo que faz com que estejamos muito queixo-

sos nos dias de hoje. Ora, queixar-se é humano, mas permanecer nessa

posição é uma forma de ficarmos paralisados, vitimados, escravizados.

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correio APPOA l janeiro 201318.

temática.

A pergunta inicial também se refere a quem assume e quem quer assu-

mir o lugar de educador das novas gerações. Se retrocedermos no tempo,

lembraremos que o discurso dos professores era de afirmar que não eram

simples passadores de conhecimentos. Nós professores (incluo-me aqui

também como professora) gostamos de nos apresentar como educadores,

que parece ser uma função ampla e formativa. Acontece que frente às mu-

danças sociais, no laço social, na nossa organização social, somos cada vez

mais requisitados a responder como responsáveis pela primeira educação,

aquela que, supúnhamos, já deveria vir dada pela família.

Mas o que é educar?

A essa interrogação podemos acrescentar outras, como forma de

potencializar a questão: podemos prescindir da educação, precisa-se de

educação para quê?

O homem é o único ser que precisa ser educado, e a necessidade da

educação diz respeito a que os pequenos (as crianças) não estejam prontos

ao nascer. Eles precisam crescer e desenvolver-se com a ajuda dos outros,

os adultos. É justamente nessa ideia que Freud (1895) fundamenta sua

concepção de desamparo (Hiflosigkeit), que vai constituir a necessidade

primeira de auxílio externo, de alguém capaz de proteger e amparar o bebê

humano. É esse o domínio que se pode nomear como a primeira educação.

A primeira educação tem, então, a função de receber o pequeno ser num

mundo que o precede, permitir que sobreviva e seja acolhido na cultura

que o cerca.

Para dar conta desse ingresso na cultura, para que a criança possa

tornar-se um membro da sociedade, inicia-se um processo que promove a

aprendizagem, o desenvolvimento e a formação desse sujeito.

Para alguns autores, pensadores da educação, o ideal da educação, sua

finalidade, consistiria em libertar o homem de sua ‘menoridade’. Tal propo-

sição equivaleria a dizer que os responsáveis pela educação dos pequenos

deveriam ter como horizonte conduzi-la de forma a tornarem-se, eles pró-

prios, desnecessários. Sua dispensabilidade indicaria o êxito de uma edu-

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janeiro 2013 l correio APPOA .19

Psicanálise e Educação.

cação para a ‘maioridade’. Porém, alerta Eidam (2005), se o fim da educação

é a autonomia, não podemos tomar as crianças como simples objetos do

processo educativo, pois estaríamos contradizendo essa finalidade. Consi-

derar a criança como sujeito nesse processo deve servir de base ao fim

proposto, ou seja, os meios não são dissociáveis dos fins. No entanto,

considerar as crianças como sujeitos não significa deixá-las entregues a si

mesmas, pois a autonomia é construída ao longo do desenvolvimento. Im-

putar ‘maioridade’ a crianças que ainda não a conquistaram seria o mesmo

que condená-las ao abandono educativo. Enquanto finalidade da educação,

a maioridade deve resultar de um processo de formação.

A formação, assim como a transmissão, implica o laço social, questão

educativa por excelência. O problema a ser examinado aqui é a que forma-

ção nos referimos, pois estamos constantemente confundindo formação com

informação, que são coisas muito diferentes. Bondía (2002) traz uma refle-

xão sobre esse tema, afirmando que informação não é experiência, e que

esta sim tem a capacidade de formar e transformar.

O que é uma experiência? O autor acima parte dos sentidos que a

palavra experiência tem em várias línguas. Em português, é o que nos acon-

tece; em francês, ce que nous arrive; na língua espanhola, é o que nos

passa; e, finalmente, em inglês, that what is happening to us. Trata-se de

algo que nos toca, que nos passa, num sentido muito subjetivo, porém, na

sociedade da informação rápida em que vivemos, a informação está mais a

serviço de cancelar nossas experiências, afirma o autor. Podemos receber

muitas informações, mas isso nada garante que algo tenha acontecido, no

sentido da experiência mesmo. Para que uma experiência aconteça e produ-

za efeitos é preciso

[...] um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos

tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar,

parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escu-

tar mais devagar, parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se

nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a

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temática.

vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a

delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acon-

tece, aprender a lentidão, escutar os outros, cultivar a arte do en-

contro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço (Bondía,

2002, p. 19).

Esse sujeito, suspenso de suas certezas, que se deixa marcar pelo acon-

tecimento, não é o sujeito senhor de si, forte, autônomo e inatingível, igno-

rante do fato de que não é o único autor de sua história.

A possibilidade de a educação resgatar sua função de produzir laço

social passa pela inclusão da dimensão da experiência, processo através do

qual ela poderia retomar seu caráter formador e transformador. A ciência

moderna, cartesiana, desconfia da experiência, afirma Bondía (2002). A

experiência transformada em elemento do método torna-se experimento,

“uma etapa no caminho seguro e previsível da ciência”. Com isso perde-se

“o que nos acontece”, o saber da experiência e o conhecimento são separa-

dos. Há uma inflação de informações e conhecimentos e pouco lugar para a

singularidade da experiência. Efeitos derivados da ‘unificação do mercado

em escala universal’, que tornou-se possível devido à universalização que o

discurso da ciência introduziu. Discurso científico e discurso capitalista

unidos no mesmo processo. Surge com isso o que se chama mercado de

saber, onde as pessoas não são somente tocadas pelos objetos de consumo

exteriores, mas, internamente, pelo saber, guindadas à posição de objeto de

consumo, que através das mídias globalizadas nos chega como meio para

adquirir um saber total sobre tudo.

Confrontando informação e experiência, podemos afirmar que se o

experimento é genérico, a experiência é singular, produzindo diferença e

pluralidade, o que a torna especialmente valiosa para a educação, pois

seu compartilhamento é o que a legitima e faz laço social. Costa (2000)

argumenta que é a transmissão da experiência que confere autoridade ao

vivido. É preciso o endereçamento a um outro, o que justamente aponta à

insuficiência do sujeito que enuncia e à insuficiência do Outro. Ao pen-

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Psicanálise e Educação.

sarmos na função do professor e de seu aluno, podemos argumentar que

ao transmitir conteúdos curriculares, para que o conhecimento produza

efeitos de sentido, que marque o aluno, é necessário que o professor trans-

mita algo da ordem do vivido, da experiência mesmo. É nesse esforço que

o professor transmite sua própria insuficiência, isto é, que sua autoridade

não está dada, mas que pode vir a se sustentar graças a essa experiência

de compartilhamento. Ele transmite então sua falha e possibilita que seus

alunos questionem os limites de seu saber. Ao fazê-lo, o aluno encontra a

possibilidade de inserir-se nesse encontro como alguém que, estando em

formação, também pode produzir saber, um saber sempre incompleto, como

todo o saber humano.

Dizia antes que o ser humano precisa de educação porque vem ao mundo

despreparado. E se ele não encontra neste mundo pessoas dispostas a se-

rem os adultos da vez, aqueles que irão educá-lo, podemos sim perguntar:

Quem educa hoje?

Maria Rita Kehl alerta ao fato de que o lugar de adulto está vago nos

nossos dias. Todos querem ser jovens, dos 18 aos 40 anos. Esses adultos,

tomados pelo desejo de serem jovens, têm muita dificuldade de bancar

uma palavra educativa junto aos filhos, junto a seus alunos. Sim, porque

este efeito não incide somente sobre os pais, nós professores estamos aí

incluídos, temos filhos também e estamos em dificuldades para fazer a

alteridade geracional, que é tão importante para o sujeito que vive a passa-

gem adolescente.

Devemos então perguntar qual será a saída, uma vez que estamos no

mesmo barco. Estar no mesmo barco neste caso parece ser compartilhar o

fracasso que enfrentamos no campo educacional, mas pode também ser

uma abertura para pensar projetos que apontem à coletividade, a fazer

resistência ao individualismo de nossos dias.

Vou tomar a via da palavra enquanto abertura ao mundo simbólico

para pensar uma resistência possível ao descaso e a desistência no cam-

po educativo.

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temática.

[...] sabe-se quanto a transmissão de narrativas foi por todo o sem-

pre um meio utilizado pela geração dos pais para a formação da

geração seguinte. Transmitir uma narrativa é, com efeito, trans-

mitir conteúdos, crenças, nomes próprios, genealogias, ritos, obri-

gações, saberes, relações sociais... mas é também e antes de tudo

transmitir um dom de palavra. É fazer passar de uma geração a

outra a aptidão humana para falar, de modo que o destinatário da

narrativa possa, por sua vez, identificar-se como si e situar os

outros a seu redor, antes dele e depois dele, a partir desse ponto

(Dufour, p. 128).

É instituindo o sujeito falante que a função simbólica é transmitida.

Ocorre que vivemos fatos antropológicos relativamente novos, as

crianças frequentemente encontram-se diante da tela da televisão ou do

computador antes mesmo de falar. Para Dufor, que se refere apenas a tele-

visão, embora outras formas de transmissão de imagens possam ter a mes-

ma função, ela (a tv) é o único instrumento que permite manter as crian-

ças tranquilas sem que os adultos tenham de se ocupar delas.

Esta é uma discussão batida, que soa rançosa, mas que vale à pena

retomar à luz de algumas questões que o conceito de discurso na psicanáli-

se permite pensar. Então as novas tecnologias que privilegiam a imagem,

podem fazer grandes coisas, suas virtudes são inegáveis, tão cômodas que

ficamos na ilusão de podermos prescindir do outro, desse que é fonte de

nosso mal-estar, como afirmava Freud. Então, quando qualquer desses ins-

trumentos, seja televisão, computador, videogame, tablets e os demais que

ocupam essa função de substituir a comunicação, o laço com o outro, nos

fazem emudecer e nossa capacidade simbólica se empobrece. Trata-se de

uma mudança operada no nível do discurso, do texto, que é onde que

podemos nomear o que está ausente. Onde predomina a imagem e se eco-

nomizam as palavras, o mundo encolhe.

Dufour nos diz que os alunos estão se tornando deficientes simbólicos

por que eles não escutam mais, e uma vez que isso aconteça pode-se acres-

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Psicanálise e Educação.

centar que é provável que também não falem mais. O que não é o mesmo

que dizer que eles se tornaram mudos, mas que eles sentem a maior dificul-

dade de se integrar no fio de um discurso que distribui alternativamente e

imperativamente cada um em seu lugar: aquele que fala e aquele que escuta.

O que quer dizer isso? Que a palavra possui em si mesma uma autori-

dade. Não se trata mais da autoridade de alguém que costuma se lamentar

que falta, mas de falar para ocupar um lugar no discurso social e disso

estamos todos carentes. Ao abandonar a autoridade da palavra, não pode-

mos mais escrever e não podemos mais ler. Não é isso que acontece com

nossos alunos e com os próprios professores muitas vezes?

Dessa pobreza simbólica, Dufour conclui que, como os alunos foram

impedidos de se tornarem alunos, por estarem mal instalados na função

simbólica, da palavra, os professores estão cada vez mais impedidos de

exercer seu ofício. O que vemos crescer assombrosamente são os atos vio-

lentos dentro da escola e fora dela, uma vez que quando a palavra perde

seu valor, o que surge é o uso da força e da coerção.

Referências bibliográficas

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temática.

É possível pensar (a “contrapelo”)o mal-estar na educação atual?1

Rose Gurski

Sabemos que largas são as diferenças epistêmicas que separam o cam-

po da educação do campo da psicanálise, entretanto, não cessamos de pro-

por sua articulação. Será mero capricho, oriundo das nossas mais caras

ilusões quanto ao que é possível à educação quando do seu alargamento?

Ou será que o sujeito do inconsciente e suas produções são uma aquisição

indissolúvel de nosso tempo? Uma espécie de patrimônio cultural da hu-

manidade pós-freudiana, em relação à qual não podemos mais passar indi-

ferentes? De toda e qualquer forma, a psicanálise, quando convocada a dis-

cutir os inúmeros impasses educacionais de nosso tempo, não tem se fur-

1 Este artigo é uma parte da conferência “Três tópicos para pensar (a contrapelo) o mal-estar na educação”, proferida por ocasiãodo 9° Colóquio Internacional do LEPSI e 4° Congresso da RUEPSY, em outubro de 2012, na USP.

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temática.

tado a ofertar contribuições ao sempre acalorado debate acerca do mal-estar

na educação contemporânea.

Para esta discussão, proponho pensar a problemática dos impasses

educacionais na atualidade através do enlace entre a psicanálise e a educa-

ção, mas, acrescentando ainda dois elementos, o tema da experiência em

Walter Benjamin e a figura do flâneur de Baudelaire. Abrem-se, então, algu-

mas perguntas: que potência o tema da experiência em Benjamin pode pro-

duzir para as reflexões sobre o mal-estar na educação atual? Em que medida

a posição do flâneur pode auxiliar o campo da educação a pensar um lugar

diferente da nostalgia e da melancolização? A título de preâmbulo, apresen-

ta-se, de início, uma breve reflexão sobre o lugar do professor e a necessária

diferenciação entre o ato de ensinar e o ato de educar.

A educação nunca pode ficar restrita aos aspectos pedagógicos, já que

estende-se a todo processo de humanização que inicia com a imersão do

bebê na linguagem. Para Kupfer (2000, p. 35):

(...) o ato de educar está no cerne da visão psicanalítica de sujeito.

Pode-se concebê-lo como o ato por meio do qual o Outro primordial

se intromete na carne do infans, transformando-a em linguagem. É

pela educação que um adulto,marca seu filho com as marcas de

desejo (...).

Desse modo, a educação sempre pressupõe um saber que extrapola,

em muito, o conhecimento. Se, muitas vezes, as práticas pedagógicas estão

voltadas à instrumentalização das aprendizagens e do aparato cognitivo do

aluno, o ato educativo vislumbra uma dose de saberes existenciais em rela-

ção aos quais, a questão da tradição, por exemplo, fica sempre posta. Ou

seja, aprender é aprender com alguém, algo que constitui um saber que faz

laço entre os que vieram antes e os que virão depois.

Neste sentido, o professor tem uma função fundamental no campo da

transmissão. Para Gutierra (2003, p. 85), a transmissão nunca se restringe

ao ato de oferecer um saber teórico. Aquilo que está em cena na transmissão

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Psicanálise e Educação.

nunca é a pura demonstração de um saber formal, mas, revela: “... a res-

ponsabilidade simbólica do professor em relação ao ato de transmitir, assu-

mindo o dever implicado no ato de transmissão e sustentando a lei e a

cultura, ou seja, algo da função paterna.”

Assim, todo aquele que aprende torna-se sujeitado a uma transmissão,

ou seja, à noção de que o conhecimento adquirido é uma marca de pertinência,

uma marca que carrega um certo “saber fazer com a vida”. Tal posição de

reconhecimento da tradição cultural, em qualquer processo de ensino-apren-

dizagem, outorga ao professor um lugar de abertura e simultaneamente de

limite pessoal, é o que chamamos da posição do mestre não-todo3, aquele

que suporta o não-saber como condição de transmissão (Gutierra, 2003).

Neste sentido, questionamos se, muitas vezes, as incapacidades e fra-

cassos discentes não evocariam no professor a dificuldade de operar desde

o lugar do mestre não-todo. Tanto a posição nostálgica e, por vezes, melan-

cólica que cola o paraíso da educação a um tempo social passado, como a

reclamação constante por um aluno ideal, acabam por produzir uma espé-

cie de erosão de qualquer possibilidade de experiência passível de levar

alunos, professores e pais à construção de algo novo e próprio ao sujeito e

ao seu tempo social. Além de também revelar um modo narcísico de res-

sentimento do docente pela apresentação de seus próprios limites. É nesse

sentido que gostaria de trazer Benjamin ao diálogo com as bordas da Psica-

nálise e da Educação.

Psicanálise, Educação e Experiência: um possível enlace

Walter Benjamin, além de filósofo e crítico literário, foi um grande pen-

sador e narrador das questões do seu tempo social. Ele recolheu os restos,

os sinais e as marcas de sua época, compondo uma das mais instigadoras

reflexões sobre as movimentações produzidas a partir das condições da

Modernidade. Fazendo uso daquilo que Adorno chamava “apresentação

3 Para outros detalhes acerca do conceito de mestre não-todo, ver Pereira (2008) e Kupfer (2000).

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temática.

aberta de atualidades”, Benjamin, muito influenciado pelo surrealismo,

capturava a pluralidade da história nas representações mais insignifican-

tes, como ele mesmo dizia, em suas “raspas”.

Nessas análises, especialmente, nos escritos da década de 1930, quan-

do amadureceu a teorização sobre o tema da experiência e das narrativas,

deixava clara a função do historiador: “escovar a história a contrapelo, a

fim de combater a ilusão do progresso” e a forma positivista de pensar os

acontecimentos históricos (Kraemer, 2008). Destaco que a expressão “a

contrapelo” carrega, aqui, o sentido de uma “mirada”, uma posição de olhar

os acontecimentos de um outro ponto de vista. Com esta expressão, ele

revelava sua preocupação que era, acima de tudo, salvar os fenômenos sem

que a singularidade deles fosse esvaziada na abstração dos conceitos (Muricy,

1999). Modo pelo qual, a forma do ensaio, os aforismos e fragmentos, tão

usados em sua obra, não constituem meras invenções estilísticas, mas, sim

o resgate de uma tradição marginalizada pela filosofia pós Iluminismo.

Nas palavras de Hannah Arendt (1987), Benjamin, além de pensar

poeticamente, foi uma espécie de “flâneur do pensamento”. E justamente

parece que foi através desta liberdade poética a que ele se permitiu quese

tornou possível desenvolver todo um modo investigativo de reflexão acerca

das nuances sociais e culturais de seu tempo. Neste sentido, e preciso

registrar que a Modernidade realmente inaugurou um outro modo de rela-

ção com o tempo, com a história e com os acontecimentos, ou seja, da

Modernidade em diante nasceram e cresceram uma série de variáveis que

trouxeram novas condições aos sujeitos. Tais condições, indubitavelmente,

estão relacionadas àquilo que, hoje, denominamos sintomas do mal-estar

na educação contemporânea.

Importa sublinhar que uma das principais ideias que, há muito tempo,

acompanha o conceito de educação vem ancorada na noção de liame entre

os diferentes tempos, ou seja, na noção de continuidade da produção hu-

mana. A transmissão é o fino fio que liga, interliga, e possibilita que passa-

do, presente e futuro possam estar aninhados, dando-nos, a noção tão cara

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Psicanálise e Educação.

de que algo de nossos feitos continua na geração que chega. Tomando essa

questão, não é difícil perceber o quão distantes ficam os traços efêmeros da

contemporaneidade frente à natureza daquilo que a educação representou

ao longo da história. Especialmente porque nosso tempo tem sido pródigo

na descartabilidade e no tom fugidio das relações. Segundo Bauman (2002),

jogar fora é a verdadeira paixão de nosso mundo.

Compreendemos, assim, que a durabilidade não constitui mais ne-

nhum apelo na direção da educação, pelo contrário, o novo como novidade

passou a importar mais que qualquer tradição de pensamento. Questão

muito bem enunciada em Monsieur Lazhar (Falardeau, 2011), um filme

canadense, cujo enredo parte do suicídio de uma professora na escola e,

entre outras questões, revela o choque frente à tradição de transmissão dos

bens culturais e a demanda de funcionalidade do ensino posta na atualidade.

Mr. Lazhar é um professor argelino que pede asilo político no Canadá

e, ao transmitir aos alunos, clássicos da cultura, como Balzac e Molière,

acaba sendo repreendido pelas várias instâncias escolares que pedem, na

literalidade, que ele não eduque os alunos, apenas ensine.

Após mostrar o suicídio de uma professora que ocorre dentro dos muros

da escola, aos poucos, a narrativa vai revelando, no dia-dia, todo o apaga-

mento do lugar do professor como autoridade, a famosa desautorização

docente (Pereira, 2008). Ou seja, algo do lugar do suposto saber na relação

transferencial com o professor modificou e, talvez, como disse Baudelaire

(1996), em relação à Modernidade: não há mais volta neste processo. O

declínio da tríade Deus-Rei-Mestre parece realmente desvelar certa pane na

relação com o Outro como sintoma do laço social atual. Questão que, além

de emprestar outras nuances à fisiologia da transferência com os lugares de

autoridade, parece revelar certa crise do sujeito com a dimensão do tempo.

O que pode a flânerie fazer pela educação?

Escolher Benjamin e Baudelaire para traçar o caminho deste diálogo

com o mal-estar na educação implica compreender a contemplação do flâneur

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temática.

e da flânerie como um dispositivo de transformação. Benjamin, o filósofo-

poeta que, ao aproximar o leitor das reflexões, fez com que a emergência do

novo pudesse vir de lugares outros que não do sujeito lógico ao voltar-se

para as radicais mudanças da estrutura da experiência na Modernidade,

recolheu, como um verdadeiro catador de minúcias, a poesia lírica de

Baudelaire. Ele via, na produção do poeta maldito, a possibilidade de trans-

formação do choque da Modernidade em matéria simbólica.

Para Benjamin, Baudelaire teria conseguido, através de sua produção

poética, amparar os choques e o empobrecimento da experiência produzi-

dos pelas condições da Modernidade e com isso dar forma ao caráter errático

dos acontecimentos que marcavam a Paris da primeira metade do século

XIX (Kehl, 2009). O flâneur, nesse sentido, pode ser compreendido como

uma espécie de testemunha da desmoralização da experiência que ocorria

por obra do ritmo, cada vez mais, inspirado no tempo industrial. Persona-

gem híbridoquestionou a fugacidade e a vivência do tempo, buscando, na

flânerie, outro modo de percepção, passível de incluir o inesperado na

construção da experiência.

Entendemos a posição do flâneur como próxima à posição da escuta

em psicanálise, pois a atenção flutuante que caracteriza o trabalho do psica-

nalista – assim como a flânerie –, abre a possibilidade de se achar “uma

série de coisas valiosas que não se pretendia encontrar” (McGuigan, 1976,

p. 56). Isso em um sentido semelhante ao de Lacan (1964/1985), quando

recolhe a fala de Picasso: “eu não procuro, eu acho”.

Passeando vagarosamente com suas tartarugas pelas galerias da cidade,

Baudelaire conseguiu fazer, através da alegoria do flâneur, um claro con-

traponto à velocidade e à aceleração impostas pelo ritmo dos relógios, ins-

crevendo a flânerie também como um ato político. Deste modo, o projeto

poético de Baudelaire parece ter sido viável, especialmente, porque o poeta

francês conseguiu compreender, talvez antes que todos, que a Modernidade

era um tempo que tinha vindo para ficar (Mattos, 2010). Assim, uma das

lições que o flâneur nos deixa é que, mesmo em meio às condições adver-

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Psicanálise e Educação.

sas e nada ideais, é possível construir espaços potentes de circulação e

produção criativa.

Não raro nas assessorias à escolas, ou mesmo na escuta clínica, ouvi-

mos desdobrar-se a posição nostálgica e, por vezes, melancólica que cola o

paraíso da educação a um tempo social passado, quando supostamente a

autoridade e a transmissão tinham outra reputação. Do mesmo modo, escu-

tamos a reclamação constante por um aluno ideal, produtora de uma espé-

cie de erosão de qualquer possibilidade de experiência passível de levar

professores, alunos e pais à construção de algo novo e próprio ao sujeito e

ao seu tempo social.

Na cadência do pensamento de Benjamin não há passado dado, o

narrador do presente sempre pode criar nuances em sua herança, os signi-

ficados esquecidos podem se conectar às questões do presente fundando

novas constelações (Gurski, 2012). Finalizamos dizendo que, muitas são as

nuances do tema da experiência que poderiam ser trabalhadas, entretanto,

desde Benjamin, a dimensão que recolhemos para esta reflexão é aquela

que dá à experiência o caráter de uma criação, de uma deliberação do sujei-

to, sempre a partir de uma rede de significantes coletivos. Pensar a “educa-

ção a contrapelo” também significa emprestar pluralidade e, portanto,

polissemia ao real, sem ceder à linearidade dos fenômenos e acontecimen-

tos unos, tampouco à melancolização, tantas vezes, presente no que chama-

mos mal-estar na educação.

Referências bibliográficas

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temática.

O professor-sintoma

Marcelo Ricardo Pereira1

Wo Es war, soll Ich werden (onde isso estava, deve eu vir a ser)2 é uma

máxima freudiana, que guarda um princípio ético que o postula à sua clíni-

ca – e que orienta nossos trabalhos. Temos aqui o preceito que pretende

evocar, a um só golpe, o lugar e o aparecimento da subjetividade como tal.

A tradução literal dessa máxima não é simples, resultando, de acordo com

nossas investigações, em mais de vinte modos diferentes de apresentá-la.

Na Edição brasileira das obras completas (Imago), por exemplo, consta “onde

estava o id, ali estará o ego”, já que os termos Es e Ich, em alemão, signifi-

cam, respectivamente, isso e eu, em português, ou id e ego, em latim –

1 Psicanalista, Pós-doutor em Psicologia, Psicanálise e Psicopatologia Clínica e Professor da UFMG. O presente artigo fundamentaa palestra proferida pelo autor no âmbito da 8ª Roda de Conversa do PPGE/IP-UFRGS/ APPOA/Simpro-RS (set/12), e revisa ideiascontidas em seu livro Acabou a autoridade? (2011).

2 Freud (1933, p.102). Essa máxima, recuperada com perícia por Lacan em vários momentos (p.ex., 1955, p. 418-419), é bastantedebatida por outros psicanalistas e pensadores como, p.ex., Kehl (2002), Matteo (2006), Little (2007) e Pereira (2003).

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temática.

comumente empregados, desde a tradução inglesa dos originais alemães,

para designarem os termos primeiros de Freud. Mas não é uma justa tradu-

ção, pois ela sugere uma imprecisão que podemos evitar.3

Definitivamente, a máxima não quer dizer que devemos transformar o

id em ego, o isso em eu, como se houvesse uma razão adequada para se

educarem as pulsões, ou, no sentido comum, uma razão adequada para

transformar o mais primitivo em civilizado, o mais escondido em exposto.

Não é disso que se trata. O que se quer é que o sujeito compareça ou venha

a ser ali onde ele não está ou ali onde o discurso do outro o invade, o

desorganiza e o faz produzir sintoma. Ou seja, que o eu (ego) produza um

sujeito que possa vir à luz como genuína diferença ou como explosiva

subjetividade. Observemos que os termos Es e Ich não são precedidos por

nenhum artigo determinado; não se escreve das Es (o id), por exemplo,

como se houvesse uma maneira determinada ou correta de ser sujeito. O

verbo war (estava), no pretérito, se trata de um lugar de ser, um lugar para

o qual o sujeito deve comparecer. Daí, o verbo soll (deve), no sentido de um

dever moral, empregado na terceira pessoa, como um imperativo da cultu-

ra; “uma obra da cultura”, diz Freud. Não se enuncia eu devo ou devo eu,

pois não é algo que o sujeito se impõe a si mesmo, mas, antes, algo que lhe

é culturalmente escrito. E, por último, no infinitivo, werden, que significa

vir a ser, chegar a ser. Isso não é o mesmo que sobrevir, nem advir, como

regularmente tem-se traduzido, mas vir à luz desse lugar de ser ou desse

lugar em que se pode, então, produzir um sujeito onde estava o isso.

Como se faz notar, a noção de sujeito merece precisão, pois é um ope-

rador de leitura fundamental para as nossas pesquisas, sobretudo, no que

concerne à ideia basilar do que temos denominado professor-sintoma ou

mestria como sintoma. Isso nos exigirá aqui um pequeno desvio conceitual.

3 A nosso ver, a imprecisão ainda não foi sanada na recente e tão esperada versão dos textos freudianos, traduzidos diretamentedo alemão por Paulo César de Souza, exímio conhecedor da língua saxônica. Sua versão diz: “Onde era Id, há de ser Eu”; o quefaz a frase traduzida da edição anterior da Imago parecer mais acertada. Cf. Freud, O mal-estar na civilização e outros textos (1930-1936), São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

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Psicanálise e Educação.

Se for verdade que a subjetividade é destino e não algo dado a priori,

é certo que no texto freudiano tal preceito ganha vívida radicalidade. Não é

preciso recorrer a alguma interioridade imaginária, psicológica, para se con-

ceber a subjetividade. Ao contrário, o sujeito é, para a psicanálise, o ser

humano submetido às leis da linguagem que o constituem, e que se mani-

festam de forma privilegiada nas formações do inconsciente, a exemplo do

sintoma. O inconsciente, uma espécie de outro que nos habita, é o locus

fundamental do desejo, que, como tal, sofre interdição e não pode ser todo

manifestado na cultura – mesmo que seja criado por ela. O desejo fica em

suspenso, em expectativa. Logo, temos o sujeito do desejo ou aquele que

Freud descobriu no inconsciente. É preciso, pois, distingui-lo tanto do

indivíduo biológico, que o quer predeterminado, quanto do indivíduo das

ciências sociais, que o quer autônomo.

Como o próprio termo diz, ser sujeito é estar sujeitado a alguém ou a

alguma coisa. Não há como existir uma autonomia pura para aquele que

está sujeitado às relações de objeto. O sujeito depende desse objeto para

poder, na relação com ele, werden (vir a ser) como diferente. Nesse sentido,

ele é uma genuína diferença: uma singularidade.

Então, o sujeito não pode ser confundido com a noção de indivíduo

nem a de cidadão. Estes possuem, antes de qualquer coisa, direitos, deve-

res, materialidade e consistência social que não encontramos no sujeito do

desejo. Queremos dizer com isso que o sujeito não possui qualquer consis-

tência a priori, pois ele é construído na sua relação com o outro. Ele, por-

tanto, não é; ele comparece.

Lacan (1960) revisa essa descoberta freudiana dizendo ser o sujeito do

desejo justamente o que deriva do confronto com o outro que o habita. O

Outro é um lugar onde a psicanálise situa o que, anterior e exterior ao

sujeito, o determina. É nesse Outro (A) que o sujeito irá tentar se situar, em

uma busca de satisfação sempre retomada, e jamais conquistada plenamen-

te. Um dos modos dessa busca resulta da maneira enviesada ou substitutiva

de se experimentar alguma satisfação: o sintoma.

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temática.

O sintoma

O sintoma não é um sinal de uma doença, como habitualmente se

pensa a partir da ordem médica, mas um fenômeno subjetivo constituído

pela realização deformada do desejo. Nesse sentido, ele é aquilo que mescla

restrição e satisfação, interdição e gozo, pois, se há alguma realização de

desejo, esta se dá de maneira enviesada. Logo, o sintoma é para o sujeito,

ao mesmo tempo, aquilo que não anda bem, já que lhe causa sofrimento,

mas também aquilo que lhe cabe bem, já que ele passa a gozar com seu

sintoma.

Para Freud, o termo adquire um sentido radicalmente novo, quando o

considera – no caso da neurose – uma pantomima do desejo, um simula-

cro, que carrega consigo uma mensagem cifrada. “Não podemos descrever o

medo como sintoma”, diz o autor ao analisar a fobia, e acrescenta: “é o

deslocamento (de algo para o objeto do medo) que tem o direito de ser

chamado de sintoma” (Freud, 1926, p. 125). Entretanto, o autor acreditou

que através da interpretação ou da decifração de tal deslocamento se conse-

guiria alguma suspensão do recalque, a ponto de o sujeito surgir como ser

de desejo, não mais escravo do seu sintoma ao suprimi-lo ou deslocá-lo.

Mas, longe disso, Freud conheceu o osso da resistência. Há algo do sinto-

ma que não cede à decifração e se mostra aderente à fixação. Isso o leva a se

perguntar por que razão o sintoma é tão resistente, a que conclui: “sabemos

que o sintoma é resultado de um conflito, e que surge em virtude de um

novo método de satisfazer a libido. As duas forças nele, por assim dizer, se

reconciliam” (Freud, 1917, p. 419).

Existe, portanto, um ponto real, um ponto de gozo libidinal que tem a

qualidade de uma compulsão, diz o autor. Esse ponto é aquele cuja realida-

de psíquica, e não a material, é, em suas palavras, a realidade radical (ibid,

p. 430). Tal realidade manifestada no sintoma parece definitivamente não

ceder à decifração simbólica, pois há algo nele que “retorna a um tipo de

autoerotismo difuso” (ibid, p. 428), isto é, ao instante em que sujeito e

objeto estão indiferenciados. Autoerotismo difuso, realidade radical, resis-

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janeiro 2013 l correio APPOA .37

Psicanálise e Educação.

tência, ponto de gozo fixado e compulsivo: Freud parece constatar e querer

revelar algo que encontrou em Lacan melhores chaves.

Em 1975-76, Lacan esclarece que o sintoma é aquilo que as pessoas

tem de mais real; é, por assim dizer, a própria natureza da realidade huma-

na. Em nenhum caso poderia o tratamento ou a interpretação consistir na

erradicação do sintoma, enquanto efeito estrutural do sujeito. Ele vem do

Real, ele é real, profere Lacan.

Nesse sentido, há sintomas que têm uma função de prótese, a mesma

que concluiu o autor a partir da escrita de Joyce, um escritor irlandês sobre

o qual o psicanalista proferiu um de seus últimos seminários. Nele o autor

elucida, entre outras coisas, que o sintoma não é uma verdade que dependa

de significação, mas, como na escrita de Joyce, tem uma função de prótese.

O sintoma do escritor é o que fornece a si próprio um eu substituto, uma

prótese, que é justamente sua atividade de escritor.

Se o sintoma for essa prótese que o sujeito tem de mais real, talvez

estejamos agora em condição de entender a função da mestria como sinto-

mática. Não se trata da mestria em geral, nem de toda função docente, mas

de modos estritamente singulares de alguns professores a exercerem. Cada

professor a efetiva sob o peso real de seu sintoma, isto é, sua docência é um

modo de ser do seu próprio sintoma. Isso significa que a função de mestre

talvez seja uma maneira bem singular de expressá-lo.

Para o que nos interessa, cabe-nos então perguntar: sobre a função de

mestria, pode ser o exercício da docência o sintoma de alguns professores,

como o foi a escrita para Joyce? É difícil decidir, mas remontemos à fala de

um professor escutado para um trabalho de pesquisa-intervenção a fim de

examinarmos essa suspeita (Pereira et al., 2011). Para isso nossa orientação

clínica se mostrou fundamental.

O professor-demônio-sintoma

De maneira muito genuína, um professor apresentou-se bastante vital

tanto em sua função quanto para falar sobre si em nossas intervenções. Ad-

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correio APPOA l janeiro 201338.

temática.

mitiu que a mulher, a patroa, diz ele, sempre mandou em sua vida, que

sempre se deixou controlar. Foi levado ao magistério de maneira forçada pela

ex-esposa e por uma diretora da escola em que primeiro trabalhou como

professor. Ele acredita que a educação é coisa de mãe e a escola também. Em

suas palavras: “Eu acho que o ensino, em si, é muito da ordem de ser mãe,

de aconchegar o outro...; eu acho que a educação ainda tem muito a ver com

a mãe, tem de ser mãezona, o professor”. E revela também: “Sempre tive um

receio da escola, sempre; eu sou um aluno ainda, muito ainda [...]. Eu sem-

pre me escondo, é uma dificuldade que eu tenho de lidar com ela...”. Ela?

Escola, mulher e mãe parecem se embaraçar na fala desse professor, a

ponto de refletir na história que ele próprio conta aos alunos, estrategica-

mente, sob a forma de novela, em capítulos, para que os mesmos sintam-se

motivados em suas aulas. “A história é muito sedutora”, diz ele, e envol-

vem personagens como a mulher, o homem e o demônio. A cada dia, e im-

provisadamente, ele a conta um pouco mais: “É na hora, na hora, cada dia eu

conto de uma forma, dou sempre uma sequência. Nem sei como. Aí eu jogo:

quem é mais inteligente o homem ou a mulher? Aí, vira um auê, vira uma

votação. Vamos ver quem descobre, quem tem propostas, entre o demônio, a

mulher e o homem; e eles têm de fazer a proposta, e o demônio acha uma

maneira... de sempre querer ser a mulher; a mulher tem o poder, a força, e ela

consegue manipular o demônio o tempo todo, e eles não acham... saída [sa-

ída? – pontuamos]. É, na minha história, na minha história”.

Não é improvável admitir que temos aqui um elemento essencialmente

clínico, por demais singular e que revela um modo muito peculiar de

docência. O professor parece dizer que, ao construir uma história, que pa-

rece ser a sua (na minha história), ele atualiza o poder manipulador da

mulher, que faz do homem um submisso, como ele mesmo julgou a si.

Talvez ele requeira à sua história uma mulher (fálica) para manipular o

demônio, que pode ser ele mesmo; ou talvez seja ela o próprio demônio, já

que este “acha uma maneira de sempre querer ser a mulher...”. O fato é que

parece não haver saída para a sua história, fazendo-o se deparar com o mais

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janeiro 2013 l correio APPOA .39

Psicanálise e Educação.

real de si mesmo, com o mais singular, com algo a que se sinta concernido.

Seu modo de docência teria nesse ponto algo em si de mais real e que,

como tal, poderia fazer o sujeito comparecer, o sujeito werden (vir a ser). E

o que é o mais real do sujeito senão o seu próprio sintoma – esse dado

formidável da experiência analítica? Esse professor estaria entre aqueles

poucos que fazem de sua mestria um sintoma?

Ora, presumimos que sim. Falamos aqui dessa pantomima do desejo

ou disso que as pessoas têm de mais real. O sintoma desse professor parece

guardar algo estrutural que de maneira alguma poderia ser interpretado,

suprimido ou erradicado, já que não é uma verdade suscetível à significa-

ção. Lacan com Joyce possibilita-nos concluir que, para além de Freud, a

prótese-sintoma, isto é, o sintoma que institui um Eu substituto para o

irlandês, resulta em sua atividade de escritor. Sua escrita-sintoma não é

para ser decodificada, mas, antes, é para inscrevê-lo no mundo de maneira

decididamente singular. Se for assim, como em Joyce, acredito que certos

professores – muito poucos, a exemplo do professor-demônio – elevem seu

ofício à condição de prótese ou a um modo de ser do seu próprio sintoma.

Eis a mestria como sintoma ou um saber-fazer com ele que fariam werden

(vir a ser) certos professores no mundo como... professores.

Referências bibliográficas

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Kehl, M. R. Sobre ética e psicanálise. São Paulo: Cia das Letras, 2002.

Lacan, J. “A coisa freudiana” In: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, (1955)1998.

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temática.

Ser–star: para ser professor é precisobrilhar? Considerações sobre mal-estar ebem-estar docente na contemporaneidade

Cristina Py de Pinto Gomes Mairesse1

Ana Paula Melchiors Stahlschmidt

No contexto atual, é com grande frequência que nos deparamos com

discussões, presentes nos mais diversos espaços da mídia, sobre bem-estar

e mal-estar. Podemos dizer que o desenvolvimento científico garante o pro-

longamento da vida, via tecnologias que, supostamente, ampliam o acesso

à saúde e seus aparatos, viabilizam a produção de alimentos em larga esca-

la, facilitam a locomoção e a comunicação entre locais e culturas distantes.

Paradoxalmente, nunca falamos tanto sobre nossa infelicidade. Aparente-

mente, deslocamos a busca pela sobrevivência pela procura de um Eldorado

calcado na crença de um constante bem-estar.

1 Psicóloga, Especialista em Educação Inclusiva, Mestre em Psicologia Clínica e Doutora em Educação. Pós-doutoranda emEducação. Membro da Enlace – Clínica e Projetos Interdisciplinares

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temática.

Freud abordou o tema do mal-estar na sociedade, referindo que o com-

portamento dos humanos revelava uma constante busca pela felicidade ple-

na. Este seria o propósito maior da existência dos sujeitos. Mas, a plenitu-

de é impossível de ser alcançada, pois como bem ele ressaltou, “somos

feitos de tal modo que apenas podemos gozar intensamente o contraste e

somente muito pouco o estado” (2011, p. 69). No mesmo trabalho, Freud

enfatizou o fato do mal-estar ser, em certa medida, inerente à condição do

sujeito inserido em um contexto social, e atribuído a três fontes distintas: a

superioridade da natureza, a constituição frágil de nossos corpos e a rela-

ção com o outro, quer seja no interior de nossas famílias ou no aspecto

mais amplo, nos nossos relacionamentos sociais.

As proposições do autor nos mostram, por um lado, que a erradicação

completa do sofrimento mostra-se impossível. Por outro lado, nos fazem

perceber também que, pelo menos há quase um século, o tema convoca à

reflexão.

Se essas discussões perpassam nosso cotidiano como um todo desde a

época de Freud, se mostram mais presentes entre alguns grupos sociais,

levando a elaboração de uma grande quantidade de estudos e pesquisas

sobre o assunto. O mal-estar docente é um bom exemplo de uma das facetas

do tema, frequentemente debatido e observado nos mais diversos contextos

e supostamente atribuído à insuficiência dos recursos destinados à Educa-

ção e a desvalorização decorrente do profissional inserido neste fazer.

Em tempos mais remotos, o lugar do professor estava garantido, social-

mente, pela suposição de que, de fato, detinha um saber. Saber “sem-pre-

ço”, que atravessava relações simbólicas entre professor e aluno, pautadas

pela autoridade, solidez de conhecimentos e tradição. Como ressalta Mrech

(2011), no entanto, a tradição também passa, na contemporaneidade, por

um processo de fluidez. Como lembram Pereira, Paulino e Franco (2012, p.

18) “no imaginário social, a saudosa noção de mestria, harmônica e sem

conflito, cedeu lugar a um profissional sucumbido a massificação industri-

al, comunicacional e tecnológica de hoje”.

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Psicanálise e Educação.

A educação de crianças e jovens também passou a ser compreendida

dentro desta nova ótica que caracteriza a modernidade, na qual há uma

redução das pessoas e do trabalho humano, que agora são considerados

mercadorias, que devem ser consumidas (Baumann, 2008). E como lembra

o autor (2010, p. 22), “numa sociedade de consumidores, tornar-se uma

mercadoria desejável e desejada é a matéria de que são feitos os sonhos e os

contos de fadas”. A sociedade, portanto, não mais se contenta com o pro-

fessor que ocupa um lugar como detentor de um saber cuja transmissão lhe

garanta a autoridade. É preciso que ensine de forma criativa. Que esteja

atualizado e utilize estratégias de ensinagem criativas e variadas. Que bri-

lhe, enfim. Como bem vemos nas aulas de professores inseridos nas equi-

pes de cursos de preparação para o vestibular, a prática docente considera-

da realmente eficaz, e capaz de convocar a atenção dos alunos, é pratica-

mente um show.

A maior parte dos professores inseridos em diferentes contextos de

ensino, no entanto, não se adapta às características deste tipo de aula. Seus

sentimentos de bem ou mal-estar não estão atrelados à qualidade performática

de seu ensino. Não sentem que têm sucesso ou fracassam devido ao retor-

no sobre sua performance e vocação para estrelas de um show, tanto exage-

rado quanto perverso. Buscam, isto sim, é a valorização pela possibilidade

de viabilizar em sala de aula um espaço onde a interlocução com o aluno e

as trocas inerentes ao processo ensino-aprendizagem permitam o que dei-

xou de ser considerado transmissão e passou a ser entendido como cons-

trução de saberes, na qual tem lugar, também, a construção das identidades

discentes e docentes.

Temos que ressaltar que a identidade do educador é constituída por

aspectos construídos ao longo de sua vida. Aspectos subjetivos e objetivos,

conscientes e inconscientes, que não podem ser mensurados, decorrentes

de suas vivências cotidianas atuais e da tenra infância que compõem o

sujeito de forma singular. Então, a forma como cada um de nós lida com o

mundo interno e externo ao seu eu, é primordial para a satisfação pessoal,

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temática.

o bem-estar. Freud (1996) ao analisar as sensações de desprazer e prazer,

ressalta que as últimas impulsionam o eu para o alívio da energia acumula-

da, caso que não é observado nas primeiras, que não teriam nada de intrín-

seco que motivasse o sujeito para sua descarga.

Portanto, no caso dos educadores, o relacionamento com os alunos,

pode provocar sentimentos diversos, de satisfação ou insatisfação. Quanto

a isto, Freud (2011, p. 77-78) salienta que

o êxito nunca é certo, depende da convergência de muitos fatores,

talvez de nenhum outro mais do que da capacidade da constituição

psíquica em adaptar a sua função ao ambiente e aproveitá-lo para o

ganho de prazer. Quem tiver herdado uma constituição de impulsos

particularmente desfavorável e não tiver passado de modo regular

pela transformação e pelo reordenamento - imprescindíveis para

realizações posteriores – de seus componentes libidinais, terá pro-

blemas em obter felicidade a partir de sua situação exterior sobre-

tudo quando colocado diante de tarefas mais difíceis.

A partir do exposto anteriormente, podemos pensar que o bem-estar

dos professores, que trabalham em contextos considerados desprivilegiados,

como nas escolas públicas brasileiras, nas quais há uma escassez de toda

ordem, é fruto, principalmente, da pré-disposição psíquica em negociar

com as contingências do ambiente no qual está imerso, no estabelecimento

das relações do eu com o seu entorno. Situando-se, portanto, no contexto

dos espaços educativos, de uma forma compatível com seu desejo. Prova-

velmente, não como estrelas de um show em que podem brilhar, mas como

sujeitos inseridos em relações singulares e multifacetadas que tem lugar no

espaço da educação e no qual é primordial considerar, também, a subjetivi-

dade dos alunos. Como lembra Mrech (2011, p. 49), é fundamental que o

professor possa se dar conta de que não basta querer transmitir o conheci-

mento para que os alunos de fato aprendam. Algo mais deve se dar para

que a educação se configure como tal: “é preciso tocar os alunos de um

outro modo, fazendo com que se impliquem”.

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janeiro 2013 l correio APPOA .45

Psicanálise e Educação.

Se o bem-estar pleno é inatingível e o docente certamente não será

capaz de encontrar o Eldorado da felicidade permanente, ao menos uma

minimização de seu mal-estar, inerente à condição humana e, certamente, à

prática profissional, pode resultar desta concepção sobre o lugar simbólico

do professor, entendido não como o dono do show, mas, sem dúvida, como

parte fundamental do espetáculo.

Referências bibliográficas

BAUMANN, Zygmunt. Vida para consumo – a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

BAUMANN, Zygmunt. Capitalismo Parasitário. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.

FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização (1929). Porto Alegre: L&PM, 2011.

FREUD, Sigmund. O ego e o id (1923). Rio de Janeiro: Imago, 1996.

MRECH, Leny. Mudanças nas formas de saber e os novos laços sociais nas instituições educativas. In: MRECH, Leny; PEREIRA,Marcelo (ORGS.). Psicanálise, transmissão e formação de professores. Belo Horizonte: Fino Traço, 2011. p. 13-26

PEREIRA, Marcelo; PAULINO, Bárbara; FRANCO, Raquel. Acabou a autoridade? Professor, subjetividade e sintoma. Belo Horizonte:Fino Traço, 2011.

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janeiro 2013 l correio APPOA .47

debates.

Casamento homossexual na França:a psicanálise convocada

Manoel Luce Madeira1

Convocação

Acaçapado no chão, a cabeça entre os joelhos, as tíbias comprimidas

pelos braços – o direito coberto por uma capa verde, o esquerdo, por uma

capa rosa –, o homem é rodeado pelos manifestantes. Está vestido de cinza,

com tecido que lhe cola ao corpo sem deixar nenhuma prega. O homem

levanta-se devagar, hesitante, dobra e desdobra os joelhos repetida e

ritmadamente. Seus braços também vibram ligeiramente, abrindo e fechan-

do-se. Logo percebe-se que as capas têm forma de asa: abaixo da direita lê-

se papa, da esquerda, maman. À medida que o homem se ergue, imitando

o nascimento, primeiros passos, de um pássaro, as pessoas à sua volta se

1 Psicólogo (UFRGS), Mestre em Antropologia (EHESS-Paris), Mestre e Doutorando em Psicanálise (Université Paris VII). Psicólogoclínico no Centre Médico-Psycho-Pédagogique de Montgeron, região parisiense. [email protected]

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correio APPOA l janeiro 201348.

debates.

afastam e formam grupos à esquerda e à direita, agachados ambos. O pri-

meiro é formado por mulheres vestidas de rosa, o segundo por homens

vestidos de verde.

O homem-pássaro tenta levantar-se e voar sozinho, mas cambaleia, as

pernas moles, as asas frágeis. Pende para a direita, ouve o grito do grupo da

esquerda: papa, papa! Ele é amparado, mas ainda bambo, precipita-se ao

outro lado e os homens agora gritam: maman, maman! Assim, o homem-

pássaro vacila de um lado a outro, até tornar-se rijo, firmar as pernas, bater

as asas e voar sozinho. É então que mulheres e homens se levantam, e

gritam em coro: papa, maman: on ne ment pas aux enfants2.

A coreografia foi reproduzida em várias cidades da França, onde mul-

tidões manifestaram contra o casamento homossexual – ou Mariage Gay,

como tem sido chamado. Apenas em Paris, cem mil pessoas foram às ruas

manifestar contra o projeto de lei do socialista François Hollande que prevê

que homossexuais tenham o direito de casar e adotar crianças. O projeto

será votado na primeira semana de fevereiro e, até lá, as tensões entre Prós

e Contras tendem a aumentar. A pequena cena do homem-pássaro parece

representar os principais argumentos empregados pelos Contra. Salienta-

mos dois. O primeiro é direto: ao adotarem seus filhos, os casais homosse-

xuais produziriam crianças frágeis, sem as referências de seus papais e

mamães. O segundo, cronologicamente projetivo: o casamento homosse-

xual colocaria em risco a estrutura social.

Os Pró, que reclamam sobretudo a igualdade de direitos, parecem estar

em posição defensiva. Acusam, é verdade, os Contra de homofobia, mas

esmeram-se prioritariamente em sustentar que os valores familiares e so-

ciais não verão ruir seus dias por conta do casamento homossexual. No

que tange a criação das crianças, o desafio dos Pró é mostrar que o casa-

mento homossexual é tão apto quanto o heterossexual. É nesse ponto que,

para Prós e Contras, o concreto torce o rabo. Isso porque os Contra admitem

2 “Papai, mamãe: não se mente para as crianças”.

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janeiro 2013 l correio APPOA .49

Psicanálise e Educação.

que casais homossexuais possam assegurar as condições materiais e, em

suas palavras, educativas necessárias ao desenvolvimento de uma criança,

porém colocariam em flagrante risco sua constituição psíquica.

Para embasar tal argumento, nada melhor do que contar com o apoio de

especialistas. Logo, aux armes citoyens! Prós e Contras se associam a psis

que os defendem, tendo a psicanálise lugar privilegiado no debate. Ressal-

ta-se que, em audição realizada na Assembleia Nacional no último dia 15

de novembro, seis dos setes psis consultados se dizem psicanalistas ou

psiquiatras-psicanalistas – os Pró venceram por quatro a três. Ademais, os

argumentos empregados estão manifestamente calcados na psicanálise.

Parêntese: psicanálise ainda – mas qual psicanálise?

A psicanálise na França está em crise. Primeiro, a perda de espaço

frente à psicologia comportamental, neurologia e biologia é evidente. Nesse

contexto, a atual contenda em torno do autismo é exemplo gritante: depois

de ser oficializada como prática não consensual, tramita na Assembleia o

projeto de lei que impediria a Sécurité Sociale – o SUS francês – de cobrir

as consultas psicanalíticas de crianças autistas nos serviços públicos – o

que, por aqui, representa enormidade de casos. Segundo, o mercado de

trabalho está bastante saturado, situação agravada pelas supressões de pos-

tos por parte do Estado. Terceiro, arrisco dizer que vejo em terras francesas

grande dificuldade de transmissão da psicanálise entre as gerações. Isso me

parece patente no cotidiano tanto de universidades, quanto de variadas

instituições que se propõem à prática e/ou ensino da psicanálise.

Porém, apesar de tudo, ninguém se surpreende que os psicanalistas

– ou a teoria psicanalítica – sejam convocados no lugar de experts em

relação ao casamento homossexual. Mesmo com as degradações públicas

as quais a psicanálise vem sendo objeto, a teoria psicanalítica ainda pesa.

O problema é a leitura da psicanálise que alguns psicanalistas oferecem

ao grande público.

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debates.

O argumento Contra

O psiquiatra de crianças e psicanalista, diretor do Departamento de

Psicanálise de Crianças e Adolescentes do Hospital Pitié-Salpêtrière,

Christian Flavigny é o principal ícone psi dos Contra. Ele publicou no

último mês de novembro o livro intitulado Eu quero papai E mamãe, no

qual afirma que o casamento homossexual produz a falsificação da famí-

lia, pois os homossexuais estariam “fora dos laços de filiação”. Para ele, o

casamento homossexual estabeleceria um corte na genealogia da criança,

descosturando sua linhagem e fraudando sua origem.

Flavigny sustenta que os laços diretos de filiação “garantem a inter-

dição do incesto”. Ademais, “o pai homossexual encarna o fato de que a

criança está privada de ter mãe, e isso faz com que ela se desestime”, diz

ele. Seus argumentos são, aliás, amplos e implicam frequentemente todo o

tipo de adoção, pois declara que mesmo os padrastos não podem “assumir

o papel de transmissão da paternidade”.

Com propósitos semelhantes, Pierre Levy-Soussan, psiquiatra e psica-

nalista consultado pela Assembleia Nacional, propõe que crianças adotadas

por casais homossexuais seriam “sem domicílio afetivo”, cunhando pala-

vra-chave dos Contra. A expressão retoma a fórmula francesa usada aos

moradores de rua – sem domicílio fixo. Ou seja, assim como é recorrente

nos debates sobre moradores de rua, Levy-Soussan aponta ao risco da

autorização do casamento homossexual talhar o laço social. Qualquer as-

sociação à imagem do passarinho bambo que ficaria sem papai nem ma-

mãe não é mera coincidência.

Assim, se por um lado, podemos nos alegrar com a convocação da

psicanálise ao debate e, ademais, que ela seja debatida por profissionais

experientes, por outro, a posição de predição na qual estes se situam causa

constrangimento. Tais leituras melancólicas, generalizadoras – e, por isso,

avessas ao trabalho psicanalítico –, vão ao encontro da pletora de concep-

ções prêt-à-porter produzidas por psis e afins. Uma delas, porta, por exem-

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Psicanálise e Educação.

plo, sobre a prevenção à delinquência de crianças a partir de três anos de

idade – teorização que embasou amplos investimentos do governo Sarkozy3.

Não é de se surpreender que tais propósitos se assemelhem àqueles do

psicólogo e pastor, líder da igreja Assembleia de Deus-Vitória em Cristo,

Silas Malafaia, quando esmera-se em discutir cientificamente, segundo ele,

a questão do casamento homossexual.

Prós e Desconfiados

Os Pró defendem o casamento homossexual sustentando que é o olhar

dos cuidadores que tece a sexualidade, a noção de origem, a história dos

filhos. Insistem, ademais, em salientar a prática clínica, afirmando que há

priscas eras recebem crianças adotadas por casais homossexuais e que estas

não parecem sofrer mais que as outras; e que não se pode estabelecer gene-

ralização que lhes defina sintomas específicos ou aguçados.

Cabe notar que um número considerável de psicanalistas preferiu não

tomar partido entre Prós e Contras. Desconfiar da demanda que coloca o

psicanalista em lugar de saber, de expertise, que o autorize a apontar e

predizer o que é adequado ou não para a sociedade parece salutar. Isso não

significa, necessariamente, indiferença frente ao contemporâneo e às dis-

cussões políticas, nem repúdio aos partidários. Não significa, outrossim,

calar face às concepções da psicanálise que por estes são empregadas.

Deste modo, vale ressaltar que, há menos de dois anos, os psicanalis-

tas franceses estavam em polvorosa pela publicação do livro de Michel

Onfray, o qual, baseado exatamente em leituras parecidas com as dos Con-

tra – porém, ainda mais rasteiras –, tratava Freud de misógino, anti-semita,

perverso, instigador do nazismo. A obra tornou-se o livro de não-ficção

mais vendido na França em 2010!4

3 Ver: Le collectif pas de zero de conduite, 2011.

4 Ver MADEIRA, p. 14-15.

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debates.

A ameaça ao laço social – a idealização dos pais

A denominação sem domicílio afetivo, de Pierre Levy-Soussan, condensa

a concepção dos Contra que pregam o risco de esfacelamento do laço social

caso aprovado o casamento homossexual. Sua proposição se enlaça à ideia

de “fim da sociedade”, muito difundida e repetida pelos militantes Contra.

O apocalíptico argumento não deixa de ser interessante.

Em As Estruturas Elementares do Parentesco, baseando-se justamente

nas restrições sociais às possibilidades de casamento, Claude Lévi-Strauss

propõe que a proibição do incesto é fiadora da cultura. Para ele, não há

sociedade em que todos os casamentos sejam autorizados: esse interdito

garante o tecer das trocas, o estabelecimento de normas sociais. O casa-

mento, “conjunto de prestações recíprocas”, seria “fato social total” – ex-

pressão colhida da obra de Marcel Mauss –, o qual amarra relações de

ordem sexual, econômica, jurídica e social5.

Ao longo da clássica e extensa obra, Lévi-Strauss arrima percurso con-

sistente e exaustivo. Apesar de afastar-se da etnografia clássica, almejando

construir algum saber em torno da universalidade das organizações sociais,

Lévi-Strauss é, a cada ponto, assaz preciso. Porém, no capítulo intitulado A

ilusão arcaica, aparentemente mais por intuição que por constatação, ele

busca tecer analogias – as quais “não estão ao abrigo dos mais trágicos

desprezos”6 – entre o pensamento infantil e as organizações das sociedades

primitivas. Tal flexibilidade metodológica é reiteradamente observada ao

longo das obras de Lévi-Strauss, o que faz, de um lado, os antropólogos

mais ortodoxos arrancarem os cabelos, mas que permite, de outro, que seus

escritos adquiram dimensão extraordinária.

A sacada de Lévi-Strauss é tentar pensar como o desejo, as relações

com os objetos, a vontade de possessão, os dons, os presentes, o ódio, o

amor e as amizades, tais quais são observadas no comportamento infantil,

5 LEVI-STRAUSS, p. 60-79.

6 Ibidem, p. 99.

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Psicanálise e Educação.

ganharão contorno nas organizações sociais. Neste ponto, ele faz outro

salto, almejando afastar-se da consideração simplista de que a sociedade

primitiva seria regressiva, tosco rascunho da nossa alma tão civilizada.

“Compreendemos melhor as estruturas das sociedades primitivas as com-

parando às atitudes sociais de nossas próprias crianças; mas os primiti-

vos não se enganariam se empregassem o mesmo método e nos compa-

rassem com elas.”7

Nossos anseios, tais quais foram calcados na infância, terão repercus-

são no modo como concebemos o laço social e as instituições. Teceremos

nosso fantasma do laço social, e, com ele, nossas idealizações, mais ou

menos individuais ou reivindicadoras. É determinada idealização do laço

social, notadamente da tríade mãe-pai-criança, de preferência consanguí-

neos, que os Contra veem posta contra a parede. A imagem da criança –

homem-pássaro – sendo acolhida de ambos lados, deduz a deficiência dos

homossexuais em abrigarem seus filhos afetivamente, e é esse argumento

que os psicanalistas Contra findam, surpreendentemente, por empregar.

O que parece em questão é menos a idealização dos filhos dos Contra, do

que a dos seus próprios pais – e consequentemente deles mesmos enquan-

to pais. É essa idealização que é aparentemente protegida, e não as crianças

em si. As crianças, aqui, talvez estejam em posição contrária: elas são os

escudos das auto-idealizações de seus pais.

Referências bibliográficas

LE COLLECTIF PAS DE ZERO DE CONDUITE. Les enfants au carré ? Une prévention qui ne tourne pas rond! Paris, Erès, 2011.

LÉVI-STRAUSS, Claude [1947]. Les structures élémentaires de la parenté. Paris, Maison des Sciences de l’homme, 1981.MADEIRA,Manoel. “Por que tanto circo?” In: Revista Norte, Agosto/Setembro 2010.

7 Ibidem, p. 111 (Tradução minha).

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resenha.

Bibliotecas: catedraisdo devaneio

O Amor às BibliotecasGOULEMOT, Jean MarieTradução de Maria Leonor Loureiro

São Paulo, Editora Unesp, 2011

O Amor às Bibliotecas é um ensaio que cativa e empolga qualquer lei-

tor. Seu autor, Jean Marie Goulemot, com riqueza e beleza nos conduz a um

passeio empolgante pelos corredores, mesas e prateleiras de bibliotecas da

França, Espanha e Estados Unidos. O ensaio vai além da narrativa de um

leitor apaixonado por livros e bibliotecas. Ao mesmo tempo em que dá

forma a suas reminiscências, Goulemot contextualiza a história das biblio-

tecas públicas descrevendo-as através de lindas metáforas e em detalhes de

cor, mobiliário, regras e funcionamento. Discute a noção de leitura pública

que aí nessas “catedrais do devaneio” tinha lugar.

Com rara beleza, humor e serenidade de exímio observador de biblio-

tecas, o autor apresenta-nos a essas catedrais! A esse lugar em que se pode

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correio APPOA l janeiro 201356.

resenha.

ver nascerem paradoxos e contradições, pois a leitura nele realizada possui

características de uma atividade afeita às ambiguidades de prazeres silencio-

sos e sociabilidades várias que é observar e ler em companhia de outros

leitores. Também as descreve, por vezes, como um arquipélago, onde cada

leitor é visto como uma ilha e envolto em sensações, solidão, prazer e alegria.

Em tempos de tecnocultura e de ampla “racionalização das bibliotecas

contemporâneas”, Goulemot não se furta à reflexão sobre o uso das tecno-

logias, da digitalização, e dos seus efeitos na vida dos leitores de bibliote-

cas. Diz recusar-se a tomar “por robôs todos aqueles que me permitem ler”:

bibliotecários, pessoal do vestiário, entre outros empregados que trabalha-

vam na Rua de Richelieu.

Reflete sobre os sentimentos dos leitores, e dos seus próprios, quando

esses dizem não se sentirem o “centro do sistema, de que tudo tendia mes-

mo a lhe(s) permitir(em) não frequentar mais a biblioteca”. Desde a consulta

à distância, aos textos digitalizados, e a possibilidade de imprimi-los em

domicílio, Goulemot se pergunta se toda essa “racionalização digital” não

viria contribuir para fazer com que as bibliotecas não parecessem mais como

um lugar indispensável à leitura, lançando um alerta contra a tentação do

todo digital.

O que é uma biblioteca sem leitores? Goulemot, em ato extremado, diz:

“Um depósito tão inútil quanto um livro à espera de seu leitor”, ou ainda,

“um navio sem passageiros e para sempre atracado”.

O que dá à biblioteca sua singularidade? O autor – esse “homem do

livro”, assim se nomeou depois da sua passagem pela Biblioteca de Madri

– nos informa: “é o contato físico, assim como intelectual, que a leitura

estabelece entre o livro e o público”. É o virar a página, às vezes amarelada,

com prazer!

Essas e outras perguntas são formuladas ao longo do ensaio. Acima de

tudo, Goulemot (d)escreve a experiência amorosa de um leitor desejoso que

outros leitores façam a sua própria experiência de ler, que é ao mesmo

tempo formativa, intelectual, e amorosa, claro.

Comissão de Biblioteca.

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janeiro 2013 l correio APPOA .57

agenda.

agenda

dia hora atividade

próximo número

04, 11, 18 e 25 14h Reunião da Comissão da Revista

11 e 18 16h30min Reunião da Comissão de Aperiódicos

07 20h30min Reunião da Comissão do Correio

10, 17, 24 e 31 19h30min Reunião da Comissão de Eventos

10, 17, 24 e 31 21h Reunião da Mesa Diretiva

10 e 17 20h Reunião da Comissão da Biblioteca

22 10h Comissão do Serviço de Atendimento Clínico

janeirojaneirojaneirojaneirojaneiro . 20132013201320132013

eventos do ano

data evento local

06 de abril Jornada de abertura Plaza São Rafael – Porto Alegre – RS

18 de maio Jornada do Percurso Sede da APPOA – Porto Alegre – RS

14, 15 e 16 de junho Relendo Freud Hotel Laje de Pedra – Canela – RS

23 e 24 de agosto III Jornadado Instituto APPOA Hotel Continental – Porto Alegre – RS

26 e 27 de outubro Jornada clínica Plaza São Rafael – Porto Alegre – RS

20132013201320132013

Topologia

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normas editoriais do Correio da APPOA

O Correio da APPOA é uma publicação mensal, o que pressupõe umtrabalho de seleção temática – orientado tanto pelos eventos promovidos pelaAssociação, como pelas questões que constantemente se apresentam na clí-nica –, bem como de obtenção dos textos a serem publicados, além da tarefade programação editorial.

Tem sido nosso objetivo apresentar a cada mês um Correio mais elabo-rado, quer seja pela apresentação de textos que proporcionem uma leiturainteressante e possibilitem uma interlocução; quer pela preocupação com osaspectos editoriais, como a remessa no início do mês e a composição visual.

Frente à necessidade de uma programação editorial, solicitamos que se-jam respeitadas as seguintes normas:

1) os textos para publicação na Seção Temática, Seção Debates, SeçãoEnsaio e Resenha deverão ser enviados por e-mail para a secretaria daAPPOA ([email protected]);

2) a formatação dos textos deverá obedecer às seguintes medidas:– Fonte Times New Roman, tamanho 12– O texto deve conter, em média, 12.000 caracteres com espaço– Notas de rodapé em fonte tamanho 10

3) as notas deverão ser incluídas sempre como notas de rodapé;4) as referências bibliográficas deverão informar o(s) autor(es), título da

obra, autor(es) e título do capítulo (se for o caso), cidade, editora, ano, volume(se for o caso);

5) as aspas serão utilizadas para identificar citações diretas;6) citações diretas com mais de 3 linhas devem vir separadas do corpo do

texto, com recuo de 4 cm em relação à margem, utilizando fonte tamanho 10;7) o itálico deverá ser utilizado para expressões que se queira grifar, para

palavras estrangeiras que não sejam de uso corrente ou títulos de livros;8) não utilizar negrito (bold) ou sublinhado (underline);9) a data máxima de entrega de matéria (textos ou notícias) é o dia 05,

para publicação no mês seguinte;10) o autor, não associado a appoa, deverá informar em uma linha como

deve ser apresentado. A Comissão do Correio se reserva o direito de sugeriralterações ao(s) autor(es) e de efetuar as correções gramaticais que forem neces-sárias para a clareza do texto, bem como se responsabilizará pela revisão dasprovas gráficas;

11) a inclusão de matérias está sujeita à apreciação da Comissão do

Correio e à disponibilidade de espaço para publicação.

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