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Miriam Halpern Pereira Demografia e desenvolvimento em Portugal na segunda metade do século XIX Desde o segundo quartel do século XIX, o ritmo do crescimento demográfico ganhou re- gularidade em Portugal: as grandes oscila- ções do movimento da população caracterís- ticas do Antigo Regime haviam-se atenuado. Entre 1835 e 1911, a população quase dupli- cou. Mas a desarmonia, a partir de 1870, entre o aumento populacional e o desenvolvi- mento económico impediu o país de beneficiar plenamente daquela expansão e ocasionou um amplo "movimento emigratório, que acabou por determinar, entre 1911 e 1920, uma quase completa estagnação demográfica. 1. Introdução Durante o primeiro quartel do século dezanove, as guerras, a ocupação estrangeira, a revolução liberal de 1820, a perda do Brasil e a dura concorrência da indústria mecanizada britânica provocaram múltiplas dificuldades económicas 1 . Nos anos seguin- tes, de 1835 a 1850, assiste-se a um retomar do ritmo regular da actividade económica, a qual se desenrola dentro de uma nova estrutura sócio-económica, liberta de alguns dos principais entra- ves senhoriais 2 . É, como factor do desenvolvimento económico ini- 1 GODINHO, V. Magalhães, Prix et Monnaies au Portugal, Paris, Librairie Armand Colin, 1955, pp. 276-281; MACEDO, J. B. Problemas de História da In- dústria Portuguesa no século XVIII, Associação Industrial Portuguesa, Lisboa, 1963, pp. 233-247. 2 GODINHO, ob. cit., p. 281. 85

Miriam Halpern Pereira Demografia e desenvolvimento em …analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224253615P4nSE7oy4Nu53FD1.pdf · do século XIX Desde o segundo quartel do século XIX,

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MiriamHalpernPereira

Demografiae desenvolvimentoem Portugalna segunda metadedo século XIX

Desde o segundo quartel do século XIX, oritmo do crescimento demográfico ganhou re-gularidade em Portugal: as grandes oscila-ções do movimento da população caracterís-ticas do Antigo Regime haviam-se atenuado.Entre 1835 e 1911, a população quase dupli-cou. Mas a desarmonia, a partir de 1870,entre o aumento populacional e o desenvolvi-mento económico impediu o país de beneficiarplenamente daquela expansão e ocasionou umamplo "movimento emigratório, que acabou pordeterminar, entre 1911 e 1920, uma quasecompleta estagnação demográfica.

1. Introdução

Durante o primeiro quartel do século dezanove, as guerras, aocupação estrangeira, a revolução liberal de 1820, a perda doBrasil e a dura concorrência da indústria mecanizada britânicaprovocaram múltiplas dificuldades económicas 1. Nos anos seguin-tes, de 1835 a 1850, assiste-se a um retomar do ritmo regular daactividade económica, a qual se desenrola dentro de uma novaestrutura sócio-económica, liberta de alguns dos principais entra-ves senhoriais2. É, como factor do desenvolvimento económico ini-

1 GODINHO, V. Magalhães, Prix et Monnaies au Portugal, Paris, Librairie

Armand Colin, 1955, pp. 276-281; MACEDO, J. B. Problemas de História da In-dústria Portuguesa no século XVIII, Associação Industrial Portuguesa, Lisboa,1963, pp. 233-247.

2 GODINHO, ob. cit., p. 281.

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ciado então, e também como sua resultante, que o crescimentodemográfico nos interessará aqui3.

Antes de principiar a sua análise, antolha-se-nos, porém,indispensável descrever e criticar as fontes de que nos foi possíveldispor, as quais incluem documentação do período pré-estatísticoe, a partir de 1864, documentação organizada segundo técnicas re-lativamente próximas das aplicadas actualmente.

Os problemas demográficos são objecto de uma particularatenção da parte da administração no decorrer dos primeiros ses-senta anos do século dezanove, em especial a partir de 1835: de1801 a 1861, o número de recenseamentos executados eleva-se anada menos de onze, nove dos quais realizados entre 1835 e 1861.Tão repetidas tentativas de conhecer a população do país revelamuma técnica de medição insuficiente. OLIVEIRA MARRECA no Pare-cer e Memória sobre um projecto de estatística, (elaborado apedido de Alexandre HERCULANO) apresentado à Academia dasCiências de Lisboa na sessão de 14 de Abril de 1853, observou acer-tadamente que, em lugar de se terem realizado cinco recensea-mentos de 1838 a 1850, mais valia ter-se feito só um, esse exe-cutado «com escrúpulo e cuidado» 4. Notava ainda que a publicaçãodos registos paroquiais desde o início do século permitiria obterelementos suficientes para o necessário conhecimento do movi-mento anual da população. A crítica destes cinco recenseamentos,e dos quadros do movimento da população que os acompanham,parece-nos tão bem feita por OLIVEIRA MARRECA que se nos afiguradever transcrevê-la:

«Para os nossos últimos recenseamentos do reino e ilhasadjacentes não há sexos, porque nem a população total, nem osnascimentos, nem os óbitos se classificão ali segundo a divisãonatural de masculinos e femininos. Não ha idades, em que se agru-pem os indivíduos, conforme pertencem ao período da infância, aomédio, e ao da declinação e velhice. Não ha ocupações e profissões,em que se distribuão os habitantes. Não ha descriminação entre ha-bitantes ruraes e urbanos. Não ha noticia das enfermidades, quemais grassão nas povoações. Sem falar das estatísticas estrangei-ras, os próprios mapas da população da Índia portuguesa, a queadiante recorremos, são um modelo, confrontados com estes qua-dros confusos, e sem individuação, em que figurão o reino e ilhasadjacentes 5».

3 Seguiremos a orientação metodológica proposta pelo prof. P. VILARin Croissance économique et analyse historique, Première Conference Inter-nationale (THistoire Économique, Estocolmo 1960 (tradução espanhola in Cres-cimiento y desarrollo, Ediciones Ariel, Barcelona 1964, pp. 51-69) e de queLa Catalogue dans VEspagne Moderne, do mesmo autor ,(S. E. V. P. E. N.,Paris 1962), Livro II, Capítulo I, constitui um modelo da sua aplicação.

4 MARRECA, Oliveira, op. cit., p. 93.5 MARRECA, Oliveira, op. cit., p. 93.

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Os quadros do movimento da população, sublinha OLIVEIRAMARRECA, contêm erros provenientes dos próprios critérios ine-rentes a organização dos registos paroquiais. Assim, o registo damortalidade infantil parecia-lhe particularmente inexacto: a omis-são dos habitantes não-católicos ocasionava igualmente a omissãodas crianças mortas pouco tempo após o nascimento, e por issonão baptizadas nem enterradas segundo os ritos católicos; en-quanto, pelo contrário, o duplo registo dos filhos ilegítimos, pri-meiro nos livros de baptismo e a seguir nas misericórdias e nasinstituições de beneficência onde eram entregues, originavam umcerto número de repetições 6.

Projecto de estatística que satisfazia perfeitamente a propostade HERCULANO de lançar as bases de «senão uma estatística dopaís completa e em tudo semelhante ao que nesta matéria possuemoutros países mais adiantados, ao menos um trabalho suficientepara servir a solução dos problemas económicos e de esclarecimentoaos legisladores na feitura das leis que dependem mais ou menosdos resultados gerais da estatística»7 — a atenção que lhe foiconcedida não parece ter sido de monta. E uma compreensão clarae precisa das principais questões a que uma estatística nacionaldeveria responder, compreensão que OLIVEIRA MARRECA demons-trava possuir, só muito lentamente foi penetrando na adminis-tração.

A simples publicação dos nascimentos e dos óbitos apenasquase no fim do século passou a ser feita regularmente, emboradesde 1860 dela tivesse sido encarregada a direcção do registocivil e eclesiástico do Ministério da Justiça e dos Negócios Ecle-siásticos.

Iniciara-se o registo civil da mortalidade, sendo as certidões deóbito, passadas pelo regedor da paróquia, e a lei de 28 de Novem-bro de 1878 criou o registo civil dos nascimentos e dos casamentos,que, porém, segundo RICARDO JORGE, foi pouco utilizado até ao fimdo século 8. Nas estatísticas publicadas por aquele Ministério tinha-em conta o sexo, a idade, a filiação e o local de nascimento, masinfelizmente apenas foi impressa a documentação referente a trêsanos, 1860, 1861, e 1862. A escassez de dados sobre o movimentoda população de 1863 a 1885, que encontrámos no decorrer do nosso

6 MARRECA, Oliveira, p. 92. Em 1862, num total de 127 202 baptismos,10 206 baptisados eram filhos naturais, 10 504 crianças expostas; as repetiçõespodem significar um erro apreciável, dado que a filiação ilegítima representaquase 20 % das crianças baptizadas.

7 MARRECA, Oliveira, ob. cit., p. 1.8 JORGE, Ricardo, Demografia e Hygiene da cidade do Porto — Anuário

do Serviço Municipal da Saúde e Estatística da cidade do Porto, Repartição deSaúde e Higiene da Câmara do Porto, 1899, pp. 222-223. Contrariamente aoque é corrente afirmar-se, o registo civil é assim anterior ao regime republicanode 1910.

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trabalho, notara-a, na época, ELVINO DE BRITO na sua bem elabo-rada Memória elucidativa sobre a estatística em Portugal, in-trodução ao Anuário Estatístico de 1884 e na qual explica umaparte das lacunas desta obra, que dirigira com evidente diligência 9.PERY, na segunda edição da Geografia e Estatística de Portugale colónias, publicado em francês, inclui, contudo, o movimento dapopulação dos anos de 1869,1870,1871,1874 e 1875; não especificaclaramente a fonte utilizada e refere como modelo um trabalho deDaniel AUGUSTO DA SILVA 10. Ora este, tal como PERY, apenas citaas publicações do Ministério da Justiça e dos Negócios Eclesiásticosjá referidas, acrescentando que para o estudo da mortalidade seserviu de elementos coligidos nos Montepios Geral e da Marinha,mas não publica dados posteriores a 1862 11. Uma primeira pes-quisa da documentação manuscrita que poderia ter estado na ori-gem dos elementos publicados por PERY, e que talvez permitissecompletar a série estatística, não deu os resultados desejados; nãoexcluímos, porém, a possibilidade de a encontrar se pudermos pros-seguir a sua procura. Assim, apenas se dispõe de elementos disper-sos, em vez de séries estatísticas com um mínimo de continuidade.Mais do que as deficiências indicadas, é essa carência que, a nossover, torna difícil medir o ritmo de crescimento demográfico antesde 1864, data da realização do primeiro recenseamento efectuadosegundo uma técnica moderna. Uma vintena de anos mais tardeem 1884-1885 (e trinta anos após a impressão da Memória deO. MARRECA) , a estatística do movimento da população organiza-se,tornando-se em 1887 objecto de uma publicação que lhe é exclusiva-mente dedicada.

Os primeiros ensaios de quantificação dos grandes grupos eco-nómicos em que se divide a população concretizam-se em 1890.Não que este problema houvesse sido inteiramente desprezado pelosorganizadores dos dois primeiros recenseamentos: o segundo recen-seamento demográfico, executado em 1878, fora realmente acom-panhado de um recenseamento profissional. Contudo, essa do-cumentação fora destruída antes de ter podido ser utilizada,segundo afirma ELVINO DE BRITO.

«No relatório que precede o recenseamento geral da populaçãode 1878 afirmou-se que o próximo Anuário publicaria a nomen-clatura tecnológica das profissões em via de preparação e o voca-bulário das artes e ofícios. Sobrevieram por certo motivos ponde-

9 «Memória...», p. XVI in Anuário Estatístico de 1884, M. O. P. C. I.,Repartição de Estatística, Lisboa 1886.

10 PERY, Gerard— Statistique du Portugal et de ses colonies, 2.a edição.s/l, 1878, pp. 142-143.

11 SILVA, D. Augusto da — Contribuição para o estudo comparativo domovimento da população em Portucral, Tipografia da Academia das Ciênciasde Lisboa, 1870, pp. 1-2.

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rosos que impediram a realização de tão importantes trabalhosassim previamente anunciados, pois que havendo eu tomado possedo meu lugar em fins de Abril de 1884, isto é, algum tempo depoisde terem sido vendidos por os suporem inúteis, os boletins da•população, que haviam servido de base ao último censo da popula-ção, não encontrei sequer elementos com que solver aquela pro-messa, cujo cumprimento proporcionaria, sem dúvida, um auxiliarpoderoso e utilíssimo para o estudo das diversas manifestaçõesdo trabalho nacional» 12.

É o recenseamento de 1890 geralmente considerado como provade um progresso das técnicas demográficas em Portugal e é,sem dúvida, mais completo que os anteriores13. É este recensea-mento o primeiro a incluir uma classificação da população emgrandes grupos económicos, e não o de 1900, como tem sido fre-quentemente afirmado. Aconteceu que a parte do recenseamentode 1890 que contém essa classificação só foi publicada em 1900,pouco antes da saída do recenseamento seguinte, e talvez seja arazão pela qual acabou por ser quase geralmente ignorada; per-dera então a actualidade que pode recuperar numa reconstituiçãohistórica.

2. O crescimento demográfica

O intervalo entre os recenseamentos de 1835 a 1861 chegou aser de apenas dois anos: sinal evidente de uma técnica deficiente,é-o também de uma realidade demográfica em pleno devir e quepor isso parecia a cada momento ser necessário tornar a medirde novo. Com efeito, ainda que os resultados globais dos recen-seamentos nos pareçam ser números de valor absoluto poucoseguro, indicam todos de forma concordante um incontestávelaumento demográfico: em conjunto, entre 1835 e 1861, a populaçãoportuguesa cresce de 631678 homens14 e 15.

12 Ob. cit., pp. XV-XVI.13 É curioso ver que, em 1890, o corpo eclesiástico tinha ainda uma

grande importância na administração local, e exercia uma influência conside-rável junto da população. Assim, não só lhe é atribuída uma participaçãoactiva nas comissões paroquiais de recenseamento, como até um papel funda-mental na luta contra a desconfiança da população relativamente às operaçõesde recenseamento. Os padres deveriam explicar aos seus paroquianos queestes trabalhos nenhuma relação tinham com os serviços fiscais; o recensea-mento foi objecto de várias cartas episcopais.

14 O Doutor V. M. GODINHO salientou, justamente, o notável aumentodemográfico verificado de 1835 a 1854, na sua obra Prix et Monnaies, pp. 302--303.

15 Afigura-se-nos que a data de 1835 deve ser considerada como umlimite mínimo do início do crescimento demográfico: tudo quanto se pode dizerno estado actual das investigações neste domínio, é que o aumento demográfico

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Uma boa documentação sobre a natalidade, a nupcialidade e amortalidade poderia fornecer um termo de comparação útil parajulgar do valor dos recenseamentos, ou das correcções que serianecessário efectuar, permitindo seguir o movimento demográficode maneira mais contínua e medir o seu ritmo de crescimento.Todavia, como já o salientámos, tal documentação é extremamenteescassa até 1885-1887.

Conhecer o número de habitantes não oferece dificuldades apartir de 1864, data do primeiro recenseamento moderno, e de entãoem diante a maior precisão dos resultados permite igualmentecalcular o ritmo de crescimento, ainda que continuem a ser insufi-cientes os dados sobre o movimento da população. Em quarenta esete anos — de 1864 a 1911 — a população portuguesa aumenta de42 %, ou seja à taxa média anual de 7,9 %. Dois períodos caracte-rizam-se por aumento populacional mais rápido; o primeiro, de1878 a 1890; o segundo, de 1900 a 1911. Enquanto no decorrer doscatorze anos que vão de 1864 a 1878 a população cresce de 9 %(1864=100), nos doze anos seguintes o aumento demográfico éde 12 %; segue-se uma década de ligeira desaceleração, durante aqual o aumento é apenas de 8 %, mas logo de 1900 a 1911 o ritmo seintensifica e a população cresce de 12 % ie.

Portugal vê assim a sua população quase duplicar entre 1835e 1911: de 3 061684 sobe para 5 547 708. Uma lenta melhoria dascondições de vida permitira a sobrevivência de um número cadavez mais elevado de homens. E várias regiões de Portugal atéentão pouco habitadas vêem a sua população crescer; porém,outras, onde a densidade demográfica era desde longa data elevada,perdem população.

A multiplicação do número de homens, fenómeno sensível emquase todo o país, assume todavia intensidade variável segundo asregiões consideradas. E, embora as direcções de povoamento deorigem antiga se mantenham, de um modo geral, algumas modifi-cações se vão operando na distribuição geográfica da populaçãodurante a segunda metade do século dezanove.

É ao norte do Mondego que vive uma grande parte da popula-ção portuguesa em 1864. No litoral e em parte da zona central, a

data pelo menos desse ano. Não é porém impossível que ele se tenha iniciadoantes: o recenseamento de 1838 indica um acréscimo de 200 000 habitantes re-lativamente ao recenseamento anterior, o que pode representar uma tentativade corrigir a sub-estimação da população em 1835; neste caso o aumentoter-se-ia iniciado antes de 1835.

16 Esta taxa de crescimento aproxima-se da da Itália no mesmo período;é nitidamente mais forte que a da Espanha que é de 3,8 %o de 1871 a 1890 ede 4 %o de 1891 a 1900, mas é mais fraca que as da Rússia (aproximadamente14 %o), da Alemanha (9 a 13 &) ou da Holanda (12 %,) e da Bélgica (10&).(SUNDBARG, «Apperçus Statistiques Internationaux», p. 31 in The CambridgeEconomic History of Europe, vol. VI, parte I, p. 62).

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agricultura «de regadio» e a divisão da terra permitem atingir umrendimento agrícola apenas comparável com o das planícies alu-viais do Tejo. E é no Noroeste atlântico, modelo daquele tipo deexploração agrária, que se encontram as mais fortes densidadespopulacionais: em 1864, no distrito do Porto a densidade é de175,66 habitantes por quilómetro quadrado; em Braga de 113,37;em Aveiro de 81,60 e em Viana do Castelo de 87,23. Também aviticultura permite uma numerosa população na região do Dão,na Bairrada e no vale do Douro.

A população em Portugal

Anoa

1801 (a)

1821 »

1835 »

1838 (b)

1841 »

1843 »

1849 »

1850 »1854 (a)

1858 »

1861 »

1864 (c)

1878 »

1890 »

1900 »

1911 »

1920 »

Continente

2 931 930

3 026 450

3 061 684

3 224 474

3 396 972

3 444 000

3 473 758

3 471199

3 499 121

3 584 677

3 693 362

3 829 619

4 160 315

4 660 095

5 547 708

Continente e ilhas

3 737 103

3 844 119

3 923 410

4 035 330

4 188 410

4 550 699

5 049 729

5 423 132

5 960 056

6 032 991

(a) Recensamento de 1890, Lisboa, 1891, págs. LXXII-LXXIII.(ò) OLIVEIRA MARRECA, A. Parecer e Memória nobre um projecto de estatística,

Lisboa, 1854.(c) Recenseamentos dos anos indicados.

Na larga zona do país que se estende ao sul do Mondego, e queno seu conjunto é menos habitada que a do Norte, afigura-se-nosnecessário distinguir entre a zona da Estremadura e o norte doRibatejo — transição entre o Portugal atlântico e o Portugal medi-terrânico— e toda a restante região de planície que se estendepara leste e para sul — zona mediterrânica pura. A Estremaduraconstitui um forte polo de atracção populacional, pelas múltiplaspossibilidades proporcionadas pela sua rica policultura e pelaactividade marítima, comercial e industrial. No distrito de Lisboa(que então se estendia até S. Tiago do Oacém) a densidade popu-lacional é de 57,66 em 1864 enquanto no distrito de Leiria se eleva

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a 49,83. Na planície mediterrânica, a população concentrada emgrandes aglomerações é, ao contrário, escassa; em Portalegre onúmero de habitantes por quilómetro quadrado é de apenas 14,85,em Évora de 13,82, em Beja de 12,45. A forte concentração dapropriedade, mesmo nas regiões mais ricas — situadas aqui nointerior, diferentemente do que sucede no resto do país — eo baixorendimento agrícola no conjunto da região, onde a fraca pluvio-sidade e a falta de fontes de água tornam a irrigação individualdifícil, afrouxam o aumento demográfico, apesar da imensa áreainculta.

Contudo, à medida que a terra se torna escassa no norte e nocentro, vai-se fixando no sul uma parte dos camponeses que vêmtrabalhar na colheita do trigo. No Alentejo, no fim do século deza-nove, mais de vinte nomes de pequenas aglomerações lembram os«minhotos» ou «picamilhos», os «beirenses» ou «ratinhos»; numconjunto de casas, situadas na península da Arrábida, os nomesevocam a origem dos seus proprietários: «ratinho» aparece dezas-sete vezes, «caramelo» uma vez, («preto», «brasileiro», «carioca»evocam até a fixação de emigrantes e repatriados vindos de para-gens distantes) 17. E é nos distritos alentejanos, como, de um modogeral, na parte do país ao sul do Mondego, que, de 1864 a 1911, ocrescimento relativo da população é maior. Na região ao norte doMondego, o aumento relativo da população é fraco, apenas de 15 %a 35 % (1864=100); só nos distritos do Porto e de Aveiro, onde asfábricas se multiplicam, a população sofre um forte aumento (65 %e 41 %). Ao sul do Mondego, ao contrário, o crescimento relativoda população é muito intenso nos distritos de Lisboa (94%), deSantarém (66 %), e de Faro (58%); e, em Leiria, Beja, CasteloBranco, Portalegre e Évora, a população cresce de 35 % a 55 %,ritmo que sendo embora menos intenso que o do litoral estremenhoe algarvio, é porém ainda mais elevado que o do norte.

De 1864 a 1911, a distância entre os dois grandes poios deatracção populacional situados no litoral, os distritos do Porto eLisboa, e o restante do país acentua-se. Embora em 1864 já fossemos distritos com maior número de habitantes, ainda se mantêmrelativamente próximos de Viseu ou de Braga; só nos vinte e seisanos posteriores se distanciam de todos os outros distritos. Inicia-sse deste modo a atrofia dos centros de vida provincial, em proveitodas duas grandes cidades do país18.

17 RIBEIRO, Orlando — «Portugal», in Geografia de Espana y de Portugalt. V, pp. 119-120.

18 Número de habitantes por distrito

Anos Lisboa Porto Viseu Braga

1864 438 464 410 665 363 543 309 5081890 611168 546 262 391 019 338 30819Í1 852 354 679 540 416 744 382 276

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Dois principais núcleos de despovoamento merecem especialatenção duas das ilhas açoreanas e o Alto-Douro 19. A região doDouro era desde o fim do século dezassete, uma das zonas maisricas e de maior densidade populacional. Entre 1862 e 1872, inicia--se a sua regressão económica, a qual é seguida de uma dimi-nuição demográfica. Ã medida que nas quintas a cultura da vinhavai sendo abandonada, sob o duplo efeito da redução do mercadoe da invasão filoxérica, a população desocupada abandona progres-sivamente a região. Este fenómeno aparece com toda a nitidez de1878 a 1890, na principal zona produtora do vinho do Porto, oAlto-Douro, onde a população estagna nalguns concelhos e diminuinoutros 20.

Contudo, se exceptuarmos estas duas regiões, o fenómeno do-minante em quase todo o país é o aumento populacional, o qual sevai fazendo mais regularmente, em larga medida liberto das heca-tombes demográficas que haviam ainda caracterizado o movimentodemográfico durante a primeira metade do século.

3. A estrutura da população portuguesa: a sua modificação

A análise comparada das pirâmides de idades da população,em 1864 e em 1890, mostra uma transformação essencial na formaassumida pelo crescimento demográfico na segunda metade doséculo dezanove. As duas pirâmides caracterizam-se por uma baselarga, índice de forte natalidade, à qual se segue um nítido retrai-mento resultante de uma intensa selecção operada na infância; umae outra estreitam muito acentuadamente no topo, indicando a redu-ção rápida da população à medida que a, idade avança. Mas, mesmoa uma rápida observação visual não escapa a sua diferente confi-guração. A pirâmide de 1864 reflecte um crescimento extrema-mente irregular: os grupos etários não diminuem em função doseu envelhecimento; pelo contrário, alternam, sem que nenhumacorrelação regular pareça poder estabelecer-se entre essa alternân-cia e a idade atingida. Transparece nesta representação gráfica a

19

20

AlijóSabrosaS. João daArmamar ,,Tabuaço ..

Total

Anos

18641911

Pesqueira ...

Angra

72 21164 985

1878

19 17713 76815 20310 9558195

67 298

Horta

69 95750 055

1890

19 23912 32314 05810 9628 513

65 095

A POPULAÇÃO PORTUGUESA EM 1 DE JANEIRO DE 1 8 6 4

ANOSDENASCIMETO

M

3ÒO

MILHARES

50 300

MILHARES

Figura 1

predominância da estrutura do antigo regime demográfico, obser-vando-se as grandes oscilações a que o movimento de populaçãoestá sujeito durante a primeira metade do século dezanove: con-soante os anos agrícolas são bons ou maus, assim varia tambémo número de indivíduos que, em cada geração, consegue sobrevivere atingir a idade adulta 21. A segunda pirâmide de idades, que re-presenta a composição da população em 1890, indica que o aumentodemográfico viera adquirindo maior regularidade à medida que odesbaste operado em cada geração pela morte se tornara maisigual, como as colunas correspondentes à população feminina— menos atingida pela emigração — mostram de forma especial-mente clara. Afigura-se-nos que esta transformação na forma decrescimento populacional traduz uma maior independência da pro-dução agrícola relativamente às variações meteorológicas, à qualvem acrescentar-se, desde meados do século, uma importação decereeais cada vez maior e a preços sucessivamente mais baixos;paralelamente, a construção de estradas e de caminhos de ferrovai facilitando uma mais rápida circulação de cereais, permitindoequilibrar melhor a desigual relação entre a produção e a procura,de região para região. Assim, as crises alimentares tendem aatenuar-se: a crise de 1856-1857 é, senão a última crise alimentargrave, talvez a última acompanhada de tumultos populares emLisboa.

Porém, a diminuição do peso da estrutura demográfica doantigo regime não se faz a ritmo igual em todo o país. Há dife-renças regionais consideráveis, que só no decorrer dos últimos anosdo século XIX e primeira década do século XX se irão desvane-cendo. Até então, persistem nitidamente três zonas de estruturademográfica diversa.

Uma, a região interior, abrangendo uma larga zona monta-nhosa que se prolonga pela planície alentejana, inclui os distritosde Bragança, Guarda, Castelo Branco e Beja. Aqui, as taxas demortalidade são muito elevadas e sofrem oscilações muito grandes:de 1887 a 1897, a mortalidade varia entre 20 % e 34 %; o aumentode mortalidade nos anos de carestia de cereais, 1889 a 1891, émuito acentuado, implicando um acréscimo de 3 a 13 %c, segundoos distritos. As ilhas adjacentes assemelham-se neste aspecto àregião interior do continente: a mortalidade varia de 18 % a 41 %Cyentre 1887 e 1897 sendo esta última taxa atingida em PontaDelgada durante o ano de 1890.

A zona de transição (desprovida de unidade geográfica)abrange os distritos de Braga, Vila Real, Viseu, Évora, Portalegre

21 Sobre a noção de antigo regime demográfico: MEUVRET, J. «Les crisesde subsistance et demographie d'Ancien Regime», in Population, 1946, n.° 3,pp. 643-650; GOUBERT, P. «En Beauvaisis: Problèmes Demographiques auXVIII.ème siècle», in Annales, 1952, pp. 453-468.

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A POPULAÇÃO PORTUGUESA EM 1 DE JANEIRO DE 1890

oo*

ANOSDENASCIMENTO

M

3OO 25O

MILHARES

2OO 25O 300

MILHARES

Figura 2

e Faro, onde as taxas de mortalidade são mais atenuadas, oscilandoentre 18 e 23 % e o aumento de mortalidade nos anos de crise re-presenta apenas um acréscimo de 3 a 7 %c.

A região do litoral inclui os distritos de Viana do Castelo,Braga, Aveiro, Coimbra, Leiria e Santarém. As taxas de mortali-dade são, aqui, mais baixas que nas duas regiões precedentes, va-riando de 16 a 20 %; o acréscimo da mortalidade no decorrerdos anos de carestia é também muito inferior, sendo de apenas1 a 4%0. Os dois principais distritos do litoral, Lisboa ePorto, apesar de se tratar num e noutro caso das regiões maisadiantadas agrícola e industrialmente, apresentam característicasdiferentes do conjunto da região, aproximando-se pelas suas taxasde mortalidade da zona de transição. No distrito de Lisboa a taxade mortalidade varia entre 20,44 % e 27 % de 1887 a 1897 e nodistrito do Porto entre 20,28 % e 26,04%. O aumento da mortali-dade nos anos de crise, é, no primeiro de 6 % (entre 1887 e 1890) eno segundo de 2%. As taxas de mortalidade destas duas regiõessão, talvez, um reflexo da elevada mortalidade que então persistianas duas cidades de Lisboa e Porto.

A mortalidade em Lisboa, entre 1887 e 1897, oscila entre ummínimo de 2&% (1887) e um máximo de 29,6 % (1890). A cidadedo Porto, para a qual possuímos uma série estatística completa de1870 a 1897, apresenta ao longo desses anos uma forte mortalidade,mais alta que a de Lisboa. São de notar, no Porto, duas fasesdiferentes no decorrer desses anos. A primeira mostra os terríveisefeitos selectivos que as fortes oscilações dos preços dos cereais, emanos de má colheita, exercem sobre a população urbana ainda noúltimo quartel do século dezanove: durante a forte subida dospreços de 1875 a 1880 (subida mais intensa e prolongada que as domeio do século, porém sem os motins que então se haviam verifi-cado) a mortalidade passa de 23,6 % em 1874 a 29,3%^ em 1876;e aumenta sucessivamente, subindo a 35,6 % em 1879 e a 39,5 %0em 1881. Mas, mesmo passados estes anos de carestia e já em plenafase de baixa de preços, a taxa de mortalidade mantêm-se maiselevada que de 1870 a 1874, parecendo indicar um agravamentodas condições de vida na cidade do Porto: a mortalidade, de 1880a 1884, é de 32,1 %, de 1885 a 1889 de 32,8 %c, de 1890 a 1894 de30 %o, seguindo um movimento inverso à curva dos preços doscereais nesses anos. Há assim que procurar outra origem para apersistência das difíceis condições de sobrevivência no Porto nosúltimos vinte anos do século XIX, tão difíceis que levaram RICARDOJORGE a afirmar que o Porto era então «a cidade cemiterial portu-guesa», apenas comparável na Europa de então às cidades de Ruão,Bucareste, e Moscovo. Não parece, contudo, que desta situação setenha tido consciência clara antes dos estudos realizados porRICARDO JORGE no fim do século, como ele próprio observou: «Quem

91

diria que a morte nos dizima bem mais do que na capital? E tantagente no Porto nutre ainda a beata crença da superioridade saudá-vel do nosso torrão, em relação à empestada Lisboa» 22 ?

A mortalidade em Lisboa e no Porto 1(número de óbitos por mil habitantes)

Porto Lisboa

1870187118721873187418751876187718781879188018811882188318841885188618871888188918901891189218931894189518961897

23,926,129,733,923,627,729,329,924,635,627,039,531,533,529,134,434,030,631,633,433,131,826,130,628,62730,928

26,128,127,529,627,826,626,226,128,729,2

(1) JORGE Ricardo—«Demografia e Hygiene da cidade do Porto» — Anuário doServiço Municipal de Saúde e Estatística da cidade do Porto, Repartição de Saúde e Hygieneda Câmara do Porto, Porto, 1889, pág. 301.

Um insatisfatório sistema de esgotos, a falta de água potávele as más condições de alojamento são os principais factores dainsalubridade da cidade do Porto. Cerca de metade da sua popu-lação, 120 000 indivíduos, vive no fim do século em «ilhas», herançavinda do século dezoito, quando nascera também esta designação

22 JORGE, Ricardo ob. cit., p. 323.

58

dada a «casas que tem quinze famílias differentes e que pela suadilatada extensão se chamam «ilhas», situadas nas freguesias daSé e de Santo Ildefonso» 23. No século dezanove, a situação nãofizera senão piorar. Eis como as 1048 ilhas disseminadas então pelacidade, e que continham 11129 casas, são descritas por RICARDOJORGE em 1899: «Esta creação caseira do proprietário indígenaprosperou e multiplicou; não melhorou por certo de construcçãonem d'aluguer mas peorou na acumulação porque as há que alber-gam dezenas de famílias. São renques de cubículos, às vezes sobre-postos em andar, enfiados em coxia de travesso. Este âmbito, ondese apilham camadas de gente é por via de regra um antro deimmundície; e as casinhas, em certas ilhas dessoalhadas e mise-ráveis, pouco acima estão da toca lobrega do troglodita. Existemestes ruins spécimenes, disseminados por toda a cidade, maisfrequentes no Carvalhido, Paraizo, Fontinha, S. Victor, Antas,Montebello, Fontaínhas, etc. São o acoito das classes operárias eindigentes que mercê de um aluguer usurário, pagam o seu direitode residência a preço mais subido do que as classes remediadas» 24.

A sobrevivência das crianças torna-se especialmente difícilnestas condições económicas precárias: no Porto a mortalidadeinfantil varia de 1887 a 1896, entre 228,60 % (taxa mínima) e257,82 %0 (taxa máxima) 25. «São as classes trabalhadoras as quemais sacrificam a prole. A miséria é um terrível inimigo dascreanças» 26. E, nas famílias operárias, nas quais se não ganha osuficiente para alimentar os filhos, as crianças tornam-se umfactor de agravamento da situação económica da unidade familiare assim se gera a extraordinária contradição entre o amor à vida eo amor aos filhos. As crianças tornam-se então na «canalha».«Aqui no Porto, entre as classes necessitadas, a «canalha», comolhe chamam, chega a ser um tropeço, de que a morte tantas vezesbem vinda, livra a família. As crianças são votadas a um morticí-nio certo, esperado até com prazer pelos mais endurecidos»27.

23 COSTA, Rebello da, cit. in JORGE, Ricardo, ob. cit., pp. 152-153.24 J O R G E , R i c a r d o , ob. ci t . p p . 152-153. O conhec imento do mov imen to dos

salários durante a segunda metade do século XIX, assim como o das condiçõesde salubridade nas oficinas e fábricas, ajudaria talvez a uma melhor com-preensão dos motivos desta forte mortalidade. Seria também necessário esta-belecer uma cronologia das epidemias ocorridas durante a segunda metade doséculo dezanove; parecem ter sido especialmente graves nas cidades.

25 O Movimento da População, vols . 1887, 1890, 18.91 e 1896. Cons iderou--se como mortalidade infantil o número de óbitos ocorridos até 1 ano de idade.A diminuição da mortalidade infantil na Europa Ocidental é mais lenta quea diminuição da mortalidade geral, durante o século dezanove: sendo de 185 %ode 1805 a 1820, eleva-se ainda a 165 %o, entre 1880 a 1900 — PRESSAT, R. Uana-lyse démographique 1961, p. 81. Em Portugal, pelo menos nas duas cidadesconsideradas, a mortalidade infantil mantêm-se todavia mais alta, aproxi-mando-se da taxa de mortalidade infantil do antigo regime (200 a 250 &).

2 6 JORGE, R. ob. cit., p . 379.27 JORGE, R. ob. cit., p. 331.

99

Se as condições gerais de sobrevivência são em Lisboa, pelomenos de 1887 a 1897, um pouco melhores que no Porto, os «páteos»da capital recordam as «ilhas» do Porto, e a sobrevivência infantil éigualmente dura. A mortalidade infantil em Lisboa, de 1887 a 1896,chega a ser de 246,96 % (1890) e não desce aquém de 225,51 %(1896). Tão duras condições de vida nas cidades não são porémum dado natural, mas um dado corrigível, tal como o salientouRICARDO JORGE, fundamentando-se no que em cidades de outrospaíses já se havia progredido mesmo então.

A mortalidade infantil i(número de óbitos em cada mil)

Concelho de Lisboa Concelho do Porto

1887 235,17 228,601890 246,96 226,731891 238,93 240,591896 225,51 257,82

(1) O Movimento da População, Vols. 1887, 1890. 1891 e 1896.

A natalidade mantêm-se em todo o país muito elevada, sendode 29,81 %c a 33, 32 %c: é a persistência de uma forma elementarde combater o desbaste operado pela morte — dos numerosos filhoshavidos, alguns sobreviverão e virão a contribuir para o agregadofamiliar com o seu trabalho. É assim que se verifica uma coinci-dência entre as zonas de mais forte natalidade e as de maisforte mortalidade: em Bragança, Castelo Branco e Guarda, astaxas de natalidade são de 34 %c (mínima) e 39 % (máxima)entre 1887 e 1890, e é aqui também que a mortalidade é das maisaltas do país, como vimos anteriormente. Nos últimos anos doséculo, de 1894 a 1900, a taxa nacional de natalidade diminui,reflectindo os efeitos de uma intensa emigração masculina; maslogo recupera na década seguinte o seu ritmo anterior. Entretanto,as diferenças entre as taxas regionais de natalidade vão-se esba-tendo pouco a pouco, como já observámos para as taxas de morta-lidade: a distância entre a zona litoral e o interior atenua-se. Nãoé, porém, um movimento uniforme: voltam a encontrar-se taxas denatalidade muito altas em Castelo Branco e na Guarda de 1900 a1907.

100

Natalidade e mortalidade, de 1887 a 1907

POPULAÇÃO J i U l H iDE PORTUGAL | ^ ! ' j

(Continente e Ilhas) *[ r

I! N M i iNatalidadej- -.!.

Mortalidade .\lM

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^ r i i K i n H ; i i i í i : { J

ÍltHiii

1 8 8 7 1889 ,90, ,905

Figura 3

101

4. O crescimento das cidades

O número de homens aumenta e a maior parte deles continuaa ir lavrar os campos, como os seus pais o haviam feito. Vão esco-lhendo, porém, em quantidade crescente um outro ofício: partempara a cidade e, quando ali não encontram trabalho, atravessamo mar e vão procurar emprego e fortuna em terras longínquas.Dentre estes fenómenos fundamentais de deslocação demográfica,o aumento da população urbana e a emigração, começaremos poranalisar o primeiro.

As fontes de que podemos dispor neste momento para o estudodas modificações da repartição da população segundo as activi-dades económicas são, como já vimos, os recenseamentos. Ora aclassificação da população rural e urbana seguida nos dois pri-meiros recenseamentos aproxima-se mais de uma classificação deformas de povoamento do que de uma classificação sócio-econó-mica. Afigura-se-nos que os conceitos de população urbana e ruralaplicados conduzem mesmo à sobreposição de duas classificaçõesde formas de povoamento (e mesmo como tal imperfeitas), e porisso pareceu-nos legítima a escolha da mais simples, aquela que selimita a distinguir entre cidades, vilas e aldeias28. O crescimentodas cidades, fenómeno que nos parece particularmente significa-tivo, é por este caminho melhor apreendido. E, através da evoluçãodas cidades, poderemos seguir a evolução das actividades não-agrí-colas; pois mesmo admitindo que os habitantes com ocupaçãoagrícola constituem uma parte considerável da população das ci-dades, são indicutivelmente o comércio e indústria que estão naorigem desta forma de povoamento. Veremos até contrariamenteao que talvez se pudesse supor, que este método não ocasionauma sobrestimação destas actividades, fi até o inverso que sucede.

O ritmo de crescimento das cidades é, de 1864 a 1900, nitida-mente superior ao das vilas e aldeias; o aumento do número dehabitantes das cidades é de 77% (1864=100), enquanto a popula-ção das vilas apenas aumenta 30 % e a das freguesias rurais 22 %.Ê de 1878 a 1890 que o crescimento da população urbana se tornamais intenso, acompanhando a aceleração do ritmo do aumentoglobal da população. As cidades cuja população cresce mais rapi-damente são aquelas em que a indústria é mais importante: Lisboae Porto dobram a sua população de 1864 a 191129; Setúbal, centro

28 O conceito de população u r b a n a util izado nos recenseamentos incluia s cidades capi ta is de distr i to e as cidades com mais de 2000 hab i t an t e s ; norecenseamento de 1890, incluem-se também, além das cidades, as vi las cabeçasde concelho. (Recenseamento de 1864, p . VI I I , Recenseamento de 1878, p . IX ,Recenseamento de 1890, p . L X X X I I ) .

29 A população da cidade de Lisboa que se considerou é a correspondenteao a la rgamento do município em 1886, (mesmo p a r a os anos de 1864 e 1878),segundo indicação no Recenseamento de 1890, p. 29.

102

A população de Portugal (Continente e Ilhas) de 1864 a 1911

(índices: 1864=100)

População 'ft j j"]~pdas cidades

População

(Continente e Ilhas)

180/

Figura

103

da indústria de conservas de peixe, duplica a sua população de1878 a 1911; Covilhã, que só em 1870 recebeu a catesroria de cidade,vê o número dos seus habitantes passar de 10 809, em 1878, a17 562, em 1890; Aveiro, onde as fábricas de papel se multiplicam,vê também a sua população dobrar de 1864 a 1911, sendo a partirde 1878 que o seu crescimento se torna especialmente acelerado.

O desenvolvimento industrial verificado ao longo do sé-culo dezanove, traduz-se numa alteração qualitativa da composiçãoda população activa, que a partir de 1890 nos é possível medir.A população do sector primário (trabalhos agrícolas, pesca, caça eextracção de matérias minerais) diminui em números absolutosde 1890 a 1911: lentamente, num primeiro tempo, passando de1567 385 habitantes em 1890 a 1529 035 habitantes em 1900;mais aceleradamente de 1900 a 1911, quando a população do sectorprimário desce para 1461 766. Porém, a parte ocupada pela popu-lação agrícola no conjunto da população activa continua a sermuito grande: abrange 60 '% dos habitantes em 1890, percentagemque sobe ligeiramente em 1900, sendo então de 62,51 %. Nos onzeanos que se segfuem, os habitantes com ocupação agrícola diminuemem percentagem, e em 1911 já só representam 56,54 % da popula-ção activa. (Observe-se aue esta diminuição da população agrícolaem números absolutos não prossegue regularmente: pelo menos de1940 a 1950 verifica-se, de novo, um aumento da população agrí-cola, que representa em 1950, 47,5 %. A redução relativa da popu-lação agrícola de 1900 a 1911 é, assim, extremamente rápida, secomparada com a evolução subsequente).

Paralelamente, assiste-se ao aumento da população ocupada naindústria, aumento especialmente intenso de 1900 a 1911: passade 455 296 para 547 751. A esta modificação da composição funcio-nal da população corresponde uma modificação da estruturaindustrial portuguesa: multiplica-se o número de fábricas, o graude mecanização acentua-se, e aparecem algumas empresas organi-zadas segundo um modelo novo, mais adequado à escala adquiridapela produção industrial e às diferentes condições de concorrência.A população ocupada na indústria, que em 1890 representava18,61 % do total da população activa, representa, em 1911, 21,19 •%.Um outro srrupo da população vê então a sua importância aumen-tar: à medida que a acumulação da riqueza se vai dando, crescetambém o número de indivíduos aue vivem exclusivamente dosseus rendimentos: 23 683 em 1890; 76412 em 1911.

O sector terciário ocupa em Portugal um lusfar tão importantecomo o da indústria: 18,88% em 1890, 22,27% em 1911. O papeldesempenhado pelo sector terciário, e em especial pelo comércio,parece-nos essencial para a compreensão de todo o mecanismo eco-nómico e social português durante o século dezanove. Afigura-se-

-nos que o lugar ocupado peio comércio na sociedade portuguesa80

resulta das características da própria agricultura — em que umvasto sector se encontra comercializado — e da importância docomércio externo na economia do país. Portugal aproxima-se,neste aspecto da Catalunha, onde existia uma estrutura sócio-eco-nómica semelhante 31 e 32,

5. A emigração

Os homens e as mulheres vindos para as cidades em busca detrabalho nem sempre ali o encontram. Torna-se cada vez maisfrequente embarcarem e irem longe procurar meios de vida, mesmoquando da sua aldeia não haviam partido com o propósito deemigrar. Abandonar o país para conseguir ganhar a vida é, emPortugal, tradição antiga. Fenómeno persistente, cuja intensi-dade tem sido variável, adquire periodicamente acuidade maior,passando então ao primeiro plano dos problemas económicos esociais, quando não também políticos. Torna-se frequente nessesperíodos, atribuir-se à emigração a responsabilidade do agrava-mento dos desajustamentos económicos e sociais, quando ela é jáuma consequência destes desajustamentos. Com efeito, a emigraçãoresulta de um afastamento entre o crescimento demográfico e odesenvolvimento económico; este desequilíbrio determina um exce-dente demográfico, seja o desemprego total ou parcial de umaparte da população em idade de trabalhar. Antolha-se-nos que omovimento emigratório varia fundamentalmente segundo o movi-mento das rendas, dos salários e dos preços no país de origem e,claro está, consoante a situação económica nos países de imigração.

Atenuada no início do século, após a independência doBrasil, a corrente emigratória portuguesa parece ter-se refor-çado passado pouco tempo, apesar do ambiente pouco amistosoentão existente naquele país para os portugueses. Elevada em 1855e 1856, a emigração diminui no decorrer dos doze anos que seseguem: tendo sido de 11557 indivíduos em 1855, é de 9861 em 1857,desce a 5945 em 1861, e passa por um mínimo de 4500 de

30 SiLBERT, A. in Le Portugal Mediterranéen, vol. I , pp . 121-122, no ta oexcepcional papel desempenhado pelo comércio n a vida económica por tuguesa ,todo ao longo da sua his tór ia .

3 1 V I L A R , P . La Catalogue dans 1'Espagne moderne, SEVPEN, P a r i s , 1962,3 vols.

32 A composição da população portuguesa diverge da dos países indus-trializados da Europa pela proporção elevada de população agrícola. Nãopode porém ser assimilada à dos países continentais da Europa Oriental, taiscomo a Hungria a Roménia ou a Bulgária, onde na segunda metade do sé-culo XIX, a população agrícola era aproximadamente de 80 %, («The IndustrialRevolution and after» — The Cambridge Economic History of Europe, part. II.pp. 607-608).

105

1863 a 1868, durante a guerra entre o Brasil e o Paraguai. Mas jáem 1869, mesmo antes de estabelecida a paz, a corrente emigrató-ria aumenta e é nesse ano de 6035 indivíduos; dois anos depois, sobea 10 380 e em 1872 atinge 17 284, número que se mantém ímpar até1881. A emigração oscila entre 10 000 e 15 000 indivíduos, de 1873 a1880. Em seguida, de 1881 a 1887, o número de emigrantes aumentamuito sensivelmente, variando entre 14 000 e 19 000. Não cessa decrescer de 1888 a 1894: oscila então entre 21000 e 30 000 emi-grantes. No ano seguinte, 1895, o fluxo emigratório atinge 44 746,número igualado só depois de 1907.

O lento desenvolvimento industrial de Portugal, e as dificul-dades que a agricultura tem em sustentar a concorrência de paísesrecentemente integrados no mercado mundial, sobretudo de 1870 a1894-1898, parece-nos explicar em larga medida o aumento dofluxo emigratório posterior a 1869. O recuo da área cultivadanas grandes explorações ao sul do Tejo, provocando a diminuiçãodo trabalho temporário, complemento económico indispensávelpara uma parte dos agricultores e trabalhadores que vivem aonorte do Tejo, e a perda de mercados de vários ramos da agriculturacontam-se, a nosso ver, entre alguns dos principais factores queestimulam então o crescente abandono do país pelos seus elementosmais dinâmicos. Ã emigração do Noroeste, de raiz antiga, vemacrescentar-se uma corrente emigratória do centro e do sul e, umpouco mais tarde, as saídas do Norte e do Nordeste. Se, de 1866a 1871, o Porto, Aveiro e Braga são os três distritos de maior emigração, já em 1880-1882, Viseu, Lisboa e Coimbra figuram logo aseguir ao Porto, só depois se seguindo Braga e Aveiro. Mais tarde,de 1896 a 1898, Vila Real, Guarda e Bragança começam a contri-buir com um importante contingente de emigrantes, consequênciada ruína do Douro e do fim do longo período de um activo e prós-pero comércio de gado; em 1911-1913, de Viseu (que inclui váriosconcelhos da região vitícola do Douro e a importante região dovinho do Dão, cuja venda atravessa também nesses anos uma crise)saem 10 156 emigrantes, de Bragança partem 8675, de Vila Real6658, da Guarda 619033.

A direcção principal da corrente emigratória continua a sero Brasil, todo ao longo da segunda metade do século dezanove eprincípio do século vinte, como já acontecera nos séculos dezassetee dezoito. Este país absorve, de 1855 a 1865, 87,28 % da emigraçãoe, de 1870 a 1874, só o Rio de Janeiro (o principal porto de entrada)recebe 74,56 % do total dos emigrantes saídos de Portugal34.

33 A construção do caminho de fer ro t e r á sem dúvida facil i tado t ambéma emigração do Nordes te , como o sa l ienta Joel SERRÃO no seu a r t igo « E m i g r a -ção» in Dicionário da História de Portugal, p . 24.

34 F R E I T A S , R. Notice sur le Portugal, Lisboa 1867, p . 10 ; P E R Y , G. Geo-

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Outros países recebem igualmente os emigrantes portugueses:desde 1855, pelo menos, que chegam aos Estados Unidos habitan-tes da Horta, e em Demerara, Saint-Kitto, Jamaica e Su-rinam desembarcam originários do Funchal em 1885; os trabalha-dores rurais, sobretudo do Algarve, emigram para Espanha, ondevão trabalhar no campo, nas minas e na pesca35. A emigração paraa África cresce também, oscilando, de 1891 a 1902, entre 1000 e2000 indivíduos.

A legislação procurava contrariar a emigração por diversosmodos, ainda que a sua proibição integral não conviesse, comosublinhou BENTO CARQUEJA36. A existência de uma emigraçãoclandestina, paralela à legal, confirma não ser sempre fácil a saídados emigrantes. Objecto de negócio, a emigração clandestina im-plicava a existência de redes de engajadores, frequentemente co-bertos por agências de viagens que a estas actividades predominan-temente se dedicavam. Um depoimento do administrador do con-celho de Mondim da Beira, permite entrever o seu funcionamento:«Existe neste concelho a emigração clandestina como em quasetodos os do país. Manifesta-se especialmente com os indivíduosincursos no recenseamento militar, para os quais há companhiasdo engajadores perfeitamente organizadas. Têm estes primeiros,segundos e terceiros agentes. Em geral, o primeiro agente reside emLisboa ou no Porto, tem uma escrituração perfeitamente regularpara este género de mercadoria e encarrega-se de dirigir os enga-jados até ao momento do embarque. Faculta os passaportes e detodos estes serviços tem um lucro exorbitante. O segundo engajadorreside na província, é geralmente proprietário de uma casa comer-cial; da sua mão recebem os engajados o dinheiro para pagarem apassagem, para o comboio e para despesas. Em geral, como o enga-jado é pobre, os pais hipotecam as terras da futura legítima e maisbens do casal, pagando os juros de taxa exorbitante, nunca menosde 10 por cento. Faz-se uma escritura de mútuo, em que figuramcomo primeiros credores os terceiros agentes, escritura caucionantede uma letra de câmbio, do valor do simulado empréstimo, letra quemais tarde é descontada, ou antes endossada ao capitalista, se-gundo agente, e assim fica tudo sanado em face da lei. Se os paisdo mancebo embarcado recusam pagar as 35 ou 40 libras, preço dapassagem e trabalho, a letra é posta no vencimento em execução eos tribunais judiciais condenam na dívida e custas os devedores!Não se julgue que há exagero: o tribunal judicial da comarca de

grafia e estatística geral de Portugal e colónias, Lisboa 1875, p . 9 3 ; SERRÃO,Joel, ob. cit., pp . 23-24.

3 5 Anuário Estatístico de 1885, Lisboa 1886, p . 63.3 6 C A R Q U E J A , B . O POVO Português, P o r t o 1916, p p . 430 -431 : «A t e n d ê n c i a

para contrariar a emigração que a nossa legislação manifesta funda-se porémem meios indirectos, visto que os directos trariam consequências políticas ime-diatas».

107

Aríúamar foi cúmplice íiesta burla no ano de 1&85 nã questão dâviúva Ana Pais, do lugar de Couto, freguesia de S. João de Ta-rouca, concelho de Mondim.

«O terceiro engajador é o agente activo de todo o contracto;com ele tratam pessoalmente os engajados e famílias.

«É ele que dá ao engajado uma espécie de cheque sobre osegundo engajador e carta de recomendação para Lisboa ou Porto.

«Estes agentes têem comissões de todas as companhias marí-timas de transporte e uma correspondência em regra com o agentede Lisboa.

«São por toda a parte altamente protegidos pelas influênciaslocais e zombam descaradamente das autoridades. É um negóciorendoso que dá 100 por 100 de lucros semestrais.

«Da forma por que se acha organizada esta torpíssima explo-ração, esta escravatura de carne branca, não é fácil a qualquerautoridade coibi-la ou castigá-la.

«Como já disse, os tribunais judiciais são os primeiros a pa-trocinar tais desmandos.

«Talvez a latitude que demos a esta resposta nos seja prejudi-cial; fica-nos a consciência tranquila, por termos dito a verdade efazermos ouvir a nossa humilde voz perante os poderes públicos.

«Mondim da Beira, 27 de Novembro de 1885.O administrador do concelho, José de Vasconcelos Noronha e

Meneses Júnior»S7.

6. O envelhecimento da população

Uma das principais consequências da emigração é o envelhe-cimento da população portuguesa, Em 1864, a estrutura de idadesda população é relativamente próxima da estrutura de uma popula-ção estável teórica: o grupo das idades de 0 a 25 anos é ligeira-mente menos numeroso que no modelo teórico, sugerindo uma altada mortalidade e uma baixa da natalidade nos dez anos anteriores ;pelo contrário, o grupo de idades dos 26 aos 50 anos ocupa umlugar mais importante que no modelo teórico88 — 342%0 em vezde 325 % — reflectindo o crescimento demográfico do segundoquarto do século e a diminuição da emigração de 1856 a 1869.

37 Relatório de uma comissão parlamentar sobre a emigração, 1887, citadoin MARTINS, Oliveira — Fomento rural e Emigração, edição 1956, pp. 13-14.

38 Segundo B O U R G E O I S - P I C H A T , n u m modelo teórico de u m a populaçãoestável os grupos de idade deveriam ter as seguintes proporções

0-25 anos 520 %>25-50 anos 325 %>

Mais de 50 anos 155 %,

BOURGEOIS-PICHAT, Population oct.-dec. 1951, p. 645.

108

Porém, noô quarenta anos seguintes, à medida que a emigração vaicrescendo, a população portuguesa vai ficando privada de umaparcela cada vez maior da sua juventude.

Assim, a composição por idades da população vai-se afastandosucessivamente da existente em 1864: o lugar ocupado pelo grupode idades dos 26 aos 50 anos torna-se cada vez menor, enquantoos indivíduos de 50 anos e mais ocupam parte cada vez mais consi-derável. Em 1911, o grupo de idades dos 26 aos 50 anos representaapenas 296,54 % do total da população. Observa-se assim que atendência verificada na primeira fase de crescimento demográfico,é posteriormente contrariada por uma contínua saída dos indiví-duos nas idades em que justamente poderiam começar a ser úteisao país39.

1864 1890 1911

0-25 anos26-50 anos50 anos e mais(pessoas de ida-de desconhecidaexcluídas)

508,30 VO0

342,90 »/„„

148,80 % „

504,47 Voo308,52 »/„„

186,91 •/«.

526,23 Voo

296,36 Voo

177,41 % „

Constituída na sua maior parte por indivíduos do sexo mas-culino, a emigração provoca a existência de uma maioria de indiví-duos de sexo feminino na população portuguesa. Este fenómeno éjá perceptível em 1864 e precede o próprio envelhecimento dapopulação. Não se trata de uma maioria natural, estabelecida ànascença: inexistente de 1864 a 1911, no grupo de idades dos0 aos 15 anos, quando bem pelo contrário se observa uma maioriamasculina (51 %), ela aparece no grupo de idades dos 16 aos 40, emque os homens apenas ocupam 46'% a 47 %. Esta predominânciado sexo feminino afirma-se a partir dos 15-20 anos, quando seinicia a emigração; na pirâmide de idades de 1864 as colunas cor-respondentes a cada um dos sexos têm uma configuração diferenteuma vez passado o período da infância e da adolescência, obser-vando-se uma brusca diminuição dos homens, redução que se tornaainda mais marcada na pirâmide de idades de 1890. E, em 1911,

39 Sobre o efeito da emigração sobre a natalidade, a estrutura de idadese o envelhecimento: SAUVY, Théorie générale de Ia population, vol. 2, Paris,1959, p. 252, p. 260 e pp. 50-56. Como avaliar as consequências económicas(e culturais) que tem para um país a perda de uma parcela da sua juventudemais ambiciosa? Impossível medir o não-aproveitamento de iniciativas e decriações que vão beneficiar outros países.

109

Portugal será o país da Europa com índice de feminilidade maiselevado40.

Haviam-se atenuado as grandes oscilações do movimento dapopulação características de uma estrutura demográfica de antigoregime: desde meados do século, o ritmo do crescimento demográ-fico ganhara regularidade; vai-se também esbatendo gradualmentea distância entre o litoral e o interior, onde no fim do século ascondições de sobrevivência mostram uma melhoria nítida. Entre-tanto, nas cidades, onde um número crescente de indivíduos vivemsó do seu salário, as condições de vida agravam-se. Notara-o em1853 OLIVEIRA MARRECA: «Sobretudo advirto que a procura do tra-balho está sujeita a intermitências cruéis para os que se alimentãod'ele, alternativas da natureza ou da sociedade, que mesmo semquebrantarem o poder produtivo das nações, ou retardarem o pro-gresso dos nascimentos, promovem gerações ephemeras, e estorvãoa constituição das populações regulares no quadro dos assalaria-dos, chegando a acontecer um acréscimo absoluto de produtos evalores em concorrência com a penúria de uma porção consideráveldas classes cujo ganha-pão são os seus braços» 41. No fim do século,é nas duas grandes cidades, Porto e Lisboa, que a mortalidade émais elevada.

A população quase dobra entre 1835 e 1911. Porém, a crescentedesarmonia entre o crescimento demográfico e o desenvolvimentoeconómico, a partir de 1870, impede o país de beneficiar plenamentedeste aumento do potencial humano. Em quantidade sempre maioros elementos jovens mais empreendedores abandonam Portugal poraqui não poderem realizar as suas legítimas ambições. O desbasteque a emigração opera nas camadas jovens, especialmente nas mas-culinas, termina por se repercutir no próprio aumento demográfico:se de 1890 a 1900 apenas uma ligeira desaceleração é visível, de1911 a 1920 uma quase completa estagnação demográfica inter-rompe o longo movimento ascendente iniciado em 1835 *.

40 Número de mulheres por 100 homens em 1911:

Portugal 110,7 Dinamarca 106,0Noruega 106,9 Espanha 105,8Inglaterra e País de Gales 106,7 Irlanda 1-00,3Escócia 106,2

Seria interessante analisar a incidência desta forte percentagem demulheres na população portuguesa sobre o trabalho feminino e a relação destecom o movimento feminista existente em Portugal no princípio do século XX.

41 MARRECA, ob. cit., p. 36.

* Este artigo constitui um dos capítulos da tese de doutoramento de3.° ciclo «Livre câmbio e desenvolvimento económico: Portugal na segundametade do século dezanove», preparada sob a direcção do prof. Pierre VILARe defendida na Faculdade de Letras de Paris. A versão portuguesa será publi-cada dentro em breve, numa colecção dirigida pelo prof. MAGALHÃES GODINHO.A autora foi bolseira do Ministério dos Negócios Estrangeiros da França(bolsa concedida através da École Pratique des Hautes Études, VI Section).

no

ANEXO

O movimento da população

(Continente e Ilhas)

QUADRO I

Anos

1838 (a)1843184918501851 (6)

1860 (c)18611862

1871 (d)1872

1875

1887 (e)18881889189018911892189318941895189618971898189919001901190219031904190519061907

Nascimentos

99 097107 074114 645109 116109 264

119 253125 224127 202

126 036129 899

140 094

166 104163 981168 285164 627162 051159 205164 141153 971156 405157 546160 971160 924160 569165 245170 773176 029183 138176 726179 746182 920176 417

óbitos

67 54172 6168610678 84384 057

77 3128102188 742

88 87396 283

98 497

109 163108 473113 300128 549116 684104 203110 519108 004108 367120 050115 911113 049108 260110 330114 130108 378111 685105 572112 756125 248113 254

Natalidade

°/oo

31,834,433,7

31,532,3

34,2

32,8932,4733,3232,6032,0931,5332,0129,8130,0630,0630,5030,2830,0030,4531,4732,2233,2931,9132,2432,4831,12

Mortalidade

°/oo

20,8320,8325,0022,73

20,721,623,5

22,223,9

24,1

21,6221,4822,4425,4623,1120,6321,5520,9120,8322,9121,9621,4220,2320,4721,0319,8420,3019,0620,2222,2419,98

(a) 1838 a 1850. Recenseamento de 1890, pàg. LXVIIL; Memória de O. MARRECA.(6) Recenseamento de 19£0 Relatório, pág. 20.íc) Boletim do Ministério dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça, Lisboa, Imprensa

Nacional, n.° 5, n.° 7; «Mapas estatísticos dos baptismos, casamentos e óbitos que houveno reino durante o ano de 1862». Lisboa, Imprensa Nacional 1869.

(d) PERY, G., Geografia e estatística de Portugal c colónias, Lisboa, 1878, pp. 143e 149.

(<?) Anuários Estatísticos de 1867 a 1907.

lis

Mortalidade por distritos

QUADRO II

Anos a •c

3

4

119,0318,5418,4920,2718,5618,2917,4616,3217,1719,8519,3817,8515,9716,9415,8917,3318,9417,2516,5820,9417,63

ii.3 o>

19,4716,8418,8519,5121,2116,9517,4416,1315,7619,0415,7113,8915,1215,8018,8515,6115,8716,2816,8818,9017,05

tf5

•3o»

>

188718881889189018911892189318941895189618971898189919001901190219031904190519061907

17,9318,0718,8721,7120,3417,6622,3219,0618,2520,6319,0520,9917,8316,9418,6016,5719,4017,4317,7719,7316,61

22,3619,6519,9127,7625,3924,0624,1221,6825,4626,2125,4422,0521,6625,3122,5221,2020,2121,8117,8821,8321,17

22,3620,4620,9521,2920,5919,2220,3220,6520,9821,3019,4218,6318,0019,2119,3312,2613,5212 8316,4719,6618,64

23,1626,1728,8028,8324,0525,0725,3121,7622,0425,1532,6324,1321,7723,3220,0720,4319,7018,3120,5917,3115,41

24,9523,2925,7630,6728,0422,1720,6322,1322,8022,7026,5521,5821,0324,5825,0621,5721,0821,2018,5828,5922,35

18,8718,7219,9120,4317,6917,2718,2518,2516,2919,0417,2518,0915,6316,7717,2515,3514,5413,4715,4017,6415,11

21,2720,0920,1926,8423,4120,1820,5019,2320,4821,9522,5118,4618,2119,2222,4021,2522,8820,0620,8322,6023,57

20,0020,9524,3623,4620,2721,2721,8619,3920,6623,0424,2619,6919,0922,4919,9819,0218,9620,0219,5919,9619,85

29,4123,4422,2734,6431,6723,9223,5424,9325,9528,0226,3424,0918,5622,5528,9824,2521,2522,2424,1830,8122,62

18,6320,3019,0019,6419,2319,0718,7817,7317,2019,4117,7617,9217,1316,8516,5917,2017,7816,9517,0718,9216,49

23,1021,8520,7525,9223,9819,9820,6620,9720,6621,0624,0118,3618,6820,8823,6920,6621,0420,3720,6924,4821,08

24,2624,5824,4824,0722,3520,8220,5720,6820,2221,6219,9522,6020,7217,8917,8219,2120,4818,7120,9820.9918,74

21,0820,6823,2826,5421,9019,9520,8720,5720,2222,0219,6922,7719,4318,5919,7816,5719,1317,4117,1820,5016,07

23,1724,1228,1941,6131,0125,8527,6724,3023,6321,7422,2225,6727,9726,9823,3724,2524,8926,3226,5527,2127,26

FONTE: Anuários Estatísticos.

A população das cidades, vilas e freguesias rurais

(Em números absolutos)

QUADRO III

Aglomerações

CidadesVilasFreguesias rurais

TOTAL

1864

481 081713 648

2 993 682

4 188 411

1878

559 744764 356

3 226 604

4 550 704

1890

748 218842 516

3 458 996

5 049 730

1900

853 037927 274

3 642 821

5 423 132

Em índices(1861>=100)

CidadesVilasFreguesias rurais

100100100

116107108

156118116

177130122

Em percentagens

CidadesVilasFreguesias rurais

111771

121771

151768

161767

FONTE: Recenseamentos da população de 1864, 1878, 1890 e 1900. O recenseamentode 1911 já não inclui este tipo de classificação.

115

À emigração

QUADRO IV

Anos

1855

1856

1857

1858

1859

1860

1861

1862

1863

1864

1865

1866

1867

1868

1869 ...

1870 ...

187118721873

1874

1875

1876

1877

1878

1879

1880

1881

1882

Emigrantes

11557 (a)

10 288

9 861

8 963

9 309

6 524

5 945

5 674

4 4114 517

4170

4124 (b)

4 805

4 782

6 035

7 310

10 38817 284 (c)

12 989

14 835

11035

11057

9 926

13 208

12 597

14 367

18 272

Anos

1883

1884

1885

1886 . . .

1887

1888

1889

18901891

1892

1893

1894

1895

1896 .. ..

1897

1898

1899

1900

1901

1902

1903

1904

1905

1906

1907

1908

1909

1910

Emigrantes

19 251

17 518

15 004

13 998

16 932

23 981

29 421

20 614

23 585

21074

30 383

2C911

44 746

27 680

21 334

23 604

17 774

21235

20 646

24170

21 611

28 304

33 610

38 093

41950

40145

38 223

39 515 (d)

(a) Emigração de 1855 a 1865: in FREITAS, R. Notice sur le Portugal pág. 10.(b) Emigração de 1866 a 1871; in Primeiro Inquérito Parlamentar sobre a emigração

Portuguesa, Lisboa, 1873, pág. 495.(c) Emigração de 1872 a 1895: in COSTA, Afonso — Estudos sobre a Economia Nacional,

I — O Problema da Emigração. Lisboa, 1911, pág. 77.(d) Boletim da Junta de Emigração, Ministério do Interior, 1966.

116

A emigração: zonas de proveniência(médias anuais)

QUADRO V

Distritos 1866-1871 1880-1882 1896-1898 1911-1913

Aveiro ...BejaBragaBragançaCastelo BrancoCoimbra ...ÉvoraFaroGuardaLeiriaLisboaPortalegrePortoSantarémViana do CasteloVila RealViseu

102747

97323

7189

2291945

32 741

8390344390

9508

11281719

11621

4882

1451187

12 867

4693791

1474

2 50986

1497939

742 172

270156

1194799

124918

3 845142947

19362 699

5 992708

4 1238 675

6146 213

27108761904 229

62036

6 198750

2 5606 658

10156

FONTE: CARQUEJA, Bento — O Povo Português, Porto, 1916, pág. 388.

As zonas de proveniência da emigração e os países de destino

(1855-1865)

QUADRO VI

I Zonas de proveniênciaPaíses de destino

BrasilEstados UnidosDemerara ..JamaicaSurinamSaint-Kitto

TOTAL

Rio de Janeiro

Porto

56 387

Viana

1677

56 387

US228

1677

1671

Funchal

13692

4 62935730

213

6 600

1 369

Angra

3 938

3 938

3 583

Horta

4 2363 008

7 344

1103

PontaDelgada

3 371

3 371

2 742

FONTE: FREITAS, R. — Notice sur le Portugal, Lisboa, 1867, pág. 10.

in