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Missão Apocalíptica de Paulo by Tim Carriker

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Uma tese de doutorado em forma de livro: a brilhante, humilde e poderosa vida do apóstolo Paulo - esse sim, um verdadeiro apóstolo de Cristo - e suas maravilhosas lições missionárias para todos nós; quer sejamos vocacionados ao ministério, missionários clássicos, ou profissionais e empresários a serviço do Reino onde que estejamos nessa selva de pedra que se tornou o planetinha Terra! Boa leitura, e será, sem dúvida! Conheça também a Bíblia King James e os novos lançamentos da Abba Press. É só acessar: www.abbapress.com.br ou www.bibliakingjames.com.br See you around buddy!

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A misso apocalptica de Paulo Direitos autorais, 2007, de C. Timteo Carriker. Todos os direitos reservados. A no ser para citaes breves em resenhas ou artigos crticos, nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida de qualquer maneira sem a permisso por escrito. Direitos de reproduo da Abba Press, ano 2007 Abba Press Ed. e Div. Cult. Ltda

Citaes bblicas, a no ser quando indicadas de outra maneira, so da traduo de Joo Almeida de Ferreira, verso revista e atualizada, direitos da Sociedade Bblica Brasileira.

Impresso Sumago Grfica

Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) Internacional (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Carriker, Charles Timothy A misso apocalptica de Paulo / Timteo Carriker - So Paulo : Abba Press, 2007. Bibliografia ISBN 978-85-85931-36-1 1. Bblia. N.T. Epstolas de Paulo - Crtica e Interpretao 2. Bblia. N.T. Epstolas de Paulo - Teologia. 3. Literatura apocalptica. 4. Missiologia 5. Paulo, Apstolo, Santo - Teologia. I. Ttulo. 07-5563 CDD-227.06 ndices para catlogo sistemtico: 1. Misso apocalptica de Paulo: Epstolas paulinas: Interpretao e crtica 227.06

Rua Manoel Alonso Medina, 298 04650-031 So Paulo SP Tels./fax. (11) 5686-5058 5686-7046 www.abbapress.com.br [email protected]

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ndice

Prefcio............................................................................................ Introduo ....................................................................................... 1: A apocalptica judaica e o evangelho de Paulo...................... 2: O apstolo apocalptico 2 Tessalonicenses 2.6-7 ............................................................. 3: A hermenutica de Paulo 1 Tessalonicenses 4.13-5.11 ..................................................... 4: A hermenutica de Paulo 1 Corntios 15.23-28 ................................................................ 5: A missiologia apocalptica de Paulo Romanos 15.14-21 e 9-11 ........................................................

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Implicaes ...................................................................................... 129 Bibliografia...................................................................................... 147

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Figuras 1: Uma traduo interpretativa de 1 Corntios 15.23-28 ........ 2: A seqncia csmica dos eventos finais ............................... 3: Comparao temtica de Romanos 9.1-5 com Romanos 9.6-11.36 ................................................................................. 85 86 118

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Prefcio

O presente livro fruto de dez anos de pesquisa que culminaram numa tese de doutorado intitulada, Pauls Apocalyptic Mission: An Integrative Missiological Hermeneutic (A misso apocalptica de Paulo. Uma hermenutica missiolgica integrativa), defendida no Fuller Theological Seminary em 1993, inicialmente sob a superviso de David Bosch e depois da sua morte, sob a superviso de Arthur Glasser. A pesquisa continuou ao longo de mais onze anos, sendo publicados alguns captulos do presente livro em diversas revistas acadmicas no Brasil.1 Portanto, a caminhada para chegar ao presente texto foi longa e rica. Entretanto, esta obra trata apenas de um aspecto da vida de Paulo, sua misso, e por trs desta misso, um s pano de fundo, o apocalipticismo. H muito mais que pode e deve ser escrito a respeito deste homem que Deus usou para definir a face do cristiaA apocalptica judaica e o evangelho de Paulo. Vox Scripturae. Revista Teolgica Brasileira, v. 6, n. 2, p. 175-204, 1996; A missiologia apocalptica da Carta aos Romanos: com nfase em 15.14-21 e 9-11. Fides Reformata, v. 3, n. 1, 1998; A hermenutica escatolgica de Paulo: 1 Corntios 15.23-28. Fides Reformata, v. 5, n. 1, p. 117-134, 2000; A hermenutica escatolgica de Paulo: 1Tessalonicenses 4.135.11. Prxis Evanglica. Revista de teologia prtica latino-americano, v. 1, n. 1, p. 9-35, 2002; Paulo, o apstolo apocalptico: 2Tessalonicenses 2.6-7. Fides Reformata et semper reformanda est, v. 7, n. 1, p. 45-58, 2002.1

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nismo primitivo que predominou cada vez mais. Mas, acredito que a misso de Paulo seja central sua compreenso, e que tambm o apocalipticismo seja fundamental para elucidar melhor tal misso. Eis o motivo deste livro.

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Introduo

O apstolo Paulo foi o primeiro grande missionrio e missilogo do movimento messinico judaico de Jesus, logo conhecido como o Caminho, e dcadas depois, como o cristianismo1. Por missilogo se entende aquele que intencional e teologicamente pensa nas implicaes e aplicaes da sua f em novas circunstncias. Assim era Paulo. Dentro do seu mundo de atuao, fora da Palestina, Paulo avanou radicalmente o pensamento acerca de Jesus e o alcance desta seita judaica pelo Imprio Romano. Em especial, ele explicitou as bases universais desta f para a sua divulgao, eventualmente pelo mundo inteiro. Por isso, o estudo sobre a misso de Paulo de suma importncia tanto para missionrios que desejem conhecer as metodologias e estratgias missionrias mais antigas do cristianismo, quanto para missilogos que queiram explorar os primeiros passos da contextualizao da f judaica e messinica em novo contexto histrico e cultural, no caso, o mundo greco-romano. Mas este estudo no se prope a explorar todas as influncias internas e externas na misso de Paulo, tais como o helenismo, a cultura do imprio romano, as diversas influncias judaicas, e o prprio movimentoCf. Atos 9.2. Em Atos 11.26, lemos, em Antioquia, foram os discpulos, pela primeira vez, chamados cristos, quase certamente pelos opositores fdos seguidores de Jesus. Entretanto, dentro duma gerao o termo virou nomenclatura comum. O historiador romano, Tcito, afirma que o nome, cristo era popular em Roma no tempo de Nero, em 64 d.C.1

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de seguidores de Jesus ao qual ele aderiu. No, o enfoque deste estudo mais estreita e especificamente limitado ao mundo do apocalipticismo judaico. Nosso propsito destacar a influncia do apocalipticismo na conceituao do evangelho e na formao da misso do apstolo Paulo. Por evangelho refere-se ao que muitos expositores tradicionalmente chamam de teologia. A preferncia pelo termo evangelho se deve a dois motivos. Primeiro, o termo preferido do apstolo e por isso reflete algo da sua auto-identidade. O evangelho de e para Paulo se refere, de modo geral, a significncia da cruz e ressurreio de Jesus para a realizao das promessas de Deus para os judeus e os gentios. Mais especificamente inclui a sua compreenso da maneira como os gentios so includos no povo de Deus. Isto diferente do termo teologia, empregado na academia e na igreja para se referir a toda uma conceituo, geralmente sistemtica, a respeito de Deus e os diversos assuntos afins. Segundo, o termo evangelho capta melhor o carter prtico do ministrio de Paulo, ao mesmo tempo missionrio e pastoral. Alm disto, destaca a natureza narrativa e biogrfica da f, ao invs da expresso abstrata e dogmtica. Agora, falar da influncia do apocalipticismo no apstolo Paulo pode parecer inicialmente muito estranho. Afinal, o que tem o apocalipticismo a ver com este apstolo e os seus escritos? Tanto a teologia luterana com sua nfase na justificao pela f quanto a teologia calvinista com o seu enfoque na soberania de Deus apelam para a teologia de Paulo, compreendendo-a de forma sistemtica, racional e abrangente. Hoje, os escritos de Paulo nos lembram muito mais dos argumentos racionais de Calvino, Lutero, e de Barth do que das vises e cenas fantsticas e catastrficas do Livro de Apocalipse ou de Daniel. Entretanto, bom lembrar que o apstolo Paulo vivia no mesmo mundo e quase na mesma poca que o visionrio Joo. No nos surpreendamos que possussem cosmovises muito mais prximas do que possa parecer. Certamente Paulo estava mais prximo histrica e culturalmente do visionrio Joo que dos reformadores. E como Joo, Paulo compreendia o evangelho na urgncia escatolgica do momento histricono em termos duma ao de Deus celestial, porvir e distante, mas sim, duma

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irrupo no aqui e agora pelo Esprito transformando estruturas sociais inteiras pela derrota de potncias invisveis que regiam os afazeres dos seres humanos at ento. Este um modo tipicamente apocalptico de entender o mundo e a atuao de Deus nele. Embora Paulo raras vezes utilizasse o gnero apocalptico nos seus escritos, nosso estudo demonstrar que sua forma de conceber o evangelho e entender a sua prpria misso refletia uma cosmoviso essencialmente apocalptica. Logo, para compreender a influncia apocalptica na misso de Paulo, recorremos a dois campos de estudo: a missiologia e a pesquisa bblica. Parece um procedimento lgico diante do assunto a ser examinado: Paulo, o missionrio/missilogo e reintrprete da f diante da nova situao da entrada dos gentios para a f judaica. Entretanto, a relao entre estes dois campos de estudo tnue e mal-empregada. Este livro deseja representar uma ponte entre as duas perspectivas e assim enriquecer ambas. Deseja tambm, apresentar um quadro mais acertado de Paulo, o maior missilogo duma f, inicialmente uma f messinica dum povo, o povo judeu, e logo depois e principalmente por sua causa, duma f que repercutiu entre os povos do mundo.

A missiologia e a pesquisa bblica Parte da distncia entre os campos da missiologia e da exegese bblica2 se deve s suas histrias. Na Europa e na Amrica do Norte, at os anos 1960, a missiologia se enquadrava dentro dos departamentosAs melhores pesquisas missiolgicas a partir dos biblistas incluem: (Blauw, 1966; Hahn, 1965; Kaiser, 2000; Senior e Stuhlmueller, 1987; Stam, 1999; Tamez, 1981) As melhores produes bblicas por missilogos incluem: (Allen, 1979; Arias eJohnson, 1992; Bosch, 1959; 1993; Brox et al., 1982; Comblin, 1974; De Ridder, 1975; Dyrness, 1983; Gilliland, 1983; Grassi, 1978; Green, 1984; Larkin eWilliams, 1998; Legrand, 1990; Lpez Rodrguez, 1997; Nissen, 1999; Padilla, 1998). Procurei contribuir ao estudo interdisciplinar desenvolvendo uma teologia bblica de misso em O caminho missionrio de Deus. Uma teologia bblica de misses (2000).2

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ou da histria eclesistica ou da teologia prtica. A partir de ento e com o surgimento do peridico, Practical Anthropology, as cincias sociais tiveram maior influncia na formao de idias dentro da missiologia e a missiologia se emancipou em algumas faculdades como departamento prprio. Na Amrica Latina, o vnculo do discurso missiolgico com a teologia pastoral permanece mesmo com preocupaes especialmente sociais e culturais.3 A pesquisa bblica, por sua vez, enfatizou, ao longo do sculo XX, interesse em questes gramaticais e histricas, na anlise da redao e da forma dos manuscritos, e secundariamente no pano de fundo religioso. Somente nas ltimas duas dcadas, a influncia das cincias sociais, especialmente da antropologia estrutural, da antropologia cultural e da sociologia das religies, receberam mais ateno. Logo, as cincias sociais parecem oferecer um ponto de contato importante entre a missiologia e a pesquisa bblica. A diferena entre os dois campos da missiologia e da pesquisa bblica o seguinte: o biblicista tende a enfatizar a diversidade e o condicionamento social e histrico da mensagem bblica (contra a nfase do movimento da teologia bblica at os anos 1960). detalhista que pinta com um pincel fino. O biblicista propriamente um historiador, com interesses bem compartamentalizados. Por outro lado, o missilogo atenta mais a temas bblicos abrangentes e integrantes. Pinta com pincel grande. No fundo, ele telogo com interesses integralizados. importante notar que, at hoje, nem a pesquisa bblica e nem a missiologia destacaram, a fundo, o papel de Paulo como telogo missionrio, que por sua vez o enfoque deste estudo. certo que os pesquisadores bblicos, j h muito tempo, reconhecem que o apstolo no era um telogo sistemtico. Ao invs de telogo sisteVer, por exemplo: (Castro, 1986; Comblin, 1980; Costas, 1989; Ellacura, 1976; Escobar et al., 1992; Padilla, 1984; 1986; Ruiz, 1990; Steuernagel, 1993; 1994; Tamez, 1981).3

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mtico, o tratam mais como um telogo prtico ao considerar a sua tica e o carcter situacional das suas cartas. Tambm, a fim de melhor entender o pano de fundo das suas cartas, discutem amplamente a oposio ao apostolado de Paulo por outros agentes missionrios. Entretanto, o seu apostolado considerado mais em termos de status (legitimidade e autoridade) que em termos de funo (seu papel missionrio entre os gentios). Tambm, os pesquisadores bblicos podem citar o seu trabalho sobre Paulo como um contextualizador eficaz (e.g., Beker), que, de fato, trata da maneira que Paulo comunicou o seu evangelho e, por isso, se relaciona ao alvo da comunicao. Mas no tratam a questo da auto-definio como missionrio pelo prprio Paulo em termos da formao teolgica e a implementao sociolgica do seu evangelho. Mesmo assim, estas preocupaes e outras4 constituem uma aproximao significante e uma contribuio para o discurso missilogico. Missilogos, por sua vez, destacam Paulo como missionrio par excellence, focalizando normalmente as suas estatgias, metodologias, e as suas motivaes missionrias, e somente em escala menor, a sua teologia. Mas nem os estudos missiolgicos e nem os pesquisadores bblicos conseguiram adequadamente fazer a ligao entre as estas duas nfases.5 Isto , at hoje eles no trataram adequadamente a auto-identidade de Paulo como apstolo e missionrio para os gentios como uma chave para entender a sua teologia e o seu evangelho.6 Os missilogos reconhecem Paulo como missionrioE.g., um reconhecimento maior da formao judaica de Paulo, um entendimento crescente da complexidade do judaismo primitivo e a relao disto com o conceito de Paulo da lei. 5 Reconhecendo o apstolo essencialmente como um missionrio, Paul Achtemeier chamou ateno para a necessidade de flexibilidade maior entre os estudiosos neotestamentrios que procurem expor a teologia de Paulo (1991:33f). 6 Entre os poucos que caminham nesta direo, esto Grams (1989), Hultgren (1985) e Bowers (1987).4

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e os estudiosos do Novo Testamento o reconhecem como telogo, mas nenhum dos dois o reconhece adequadamente como telogo missionrio.7

A misso e a apocalptica Uma chave importante para entender a ligao entre a teologia e a ao missionria de Paulo a sua interpretao apocalptica da morte e ressurreio de Jesus e as implicaes disso para a sua autoidentidade. A escatologia apocalptica a ponte entre Paulo o telogo e Paulo o missionrio. Este estudo comea com a misso de Paulo ao invs da sua teologia. Apreendemos intimamente o evangelho de Paulo atravs duma elaborao apropriada das lutas sociolgicas que ele julgou como importantes na prxis do seu ministrio, mesmo que as conluses teolgicas e apocalpticas do seu encontro na estrada para Damasco tenham informado tal prxis. Logo se torna inevitvel uma espcie de crculo hermenutico na nossa discusso. Mas enquanto no passado muita ateno foi dada teologia de Paulo, parece-nos apropriado agora mais ateno nas implicaes e fundamentos sociais desta teologia. A e ste respeito, sugerimos que embora a cosmoviso judaica apocalptica fornecesse a estrutura conceitual bsica para o evangelho de Paulo, o feedback de suas prprias atividades missionrias tambm refinou a expresso da sua teologia. Duma maneira real, tanto a apocalptica quanto a misso necessria e anterior ao evangelho de Paulo e conceituao da sua teologia. Nossa proposta a seguinte: uma cosmoviso judaica e apocalptica deu forma fundamental ao chamado e o ministrio missionrios de Paulo. Por chamado, nos referimos no apenas cristofania na estrada para Damasco que Paulo identifica como um apocalipse, masNovamente, excees notveis incluem J. Christiaan Beker (1990:15; 1991:15) e Rollin Gene Grams (1989).7

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tambm sua percepo e expresso subsequentes da significncia deste evento. Por ministrio, nos referimos interao entre a emergncia da igreja e a legitimao desta atividade pela interpretao por Paulo das escrituras. A apocalptica intensificou a sua valorizao das atividades de plantar e nutrir a igreja e tambm definiu a sua estratgia de ministrio ao longo prazo. Tambm forneceu uma chave hermenutica para sua exposio das escrituras e a expresso do seu evangelho nos seus escritos que possumos. Logo, a compreenso da misso de Paulo como apocalptica esclarece a expresso do seu evangelho. A cosmosviso apocalptica de Paulo se evidencia pelo modo do seu chamado e da sua inspirao subsequente, pela sua interpretao bblica, pelo seu equilbrio genial entre a urgncia evangelstica e o cuidado pastoral, e pela sua integrao de temas apocalpticos chaves. Acima de tudo, a cosmoviso apocalptica de Paulo tanto intensificada quanto qualificada pela sua percepo e crena na morte e ressurreio de Jesus.

A misso apocalptica de Paulo Antes de prosseguir, necessrio responder a uma objeo descrio da misso de Paulo como apocalptica. Se a principal maneira de caracterizar um escrito como apocalptico pela sua identificao dentro do gnero literrio dum apocalipse8, e se Paulo no adotou a prtica de escrever apocalipses, como possvel identificar o seu conceito de misso como apocalptico? Um explicao, amplamente reconhecida e facilmente ilustrada da literatura do judaismo primitivo (desde o final do sculo III a.C. at o final do sculo II d.C.), a observao que idias apocalpticas no se limitam ao gnero literrio de apocalipses. Alm disto, sugiro uma explicao adicional e mais forte, relacionada minha tese acima mencionada: A percepo por Paulo da morte e ressurreio de Jesus necessariamente relativizou (ou por8

Veja o prximo captulo para uma definio de apocalipse.

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transformao ou por dispensa) o gnero atravs do qual o evangelho apocalptico comunicado. Isto ocorre porque, na viso de Paulo, atravs da morte e ressurreio de Jesus, Deus ultimamente vindicou a si mesmo pelo cumprimento da sua promessa de abenoar os judeus e atravs deles, abenoar os outros povos tambm (Gnesis 12.1-3). Logo a unidade de judeus e gentios na igreja emergente assumiu propores to grandes para Paulo que at expresses sagradas anteriores de identidade judaicacomo a circunciso, as leis alimentcias, e a observncia do sbadoso relativizadas. Tal unidade, na prtica missionria de Paulo, significava um equilbrio delicado entre a sua defesa da entrada dos gentios no povo de Deus, somente pela f em Cristo e a sua insistncia que, tambm somente em Cristo, os judeus so tambm vindicados e a nova era do messias, de fato, se inaugurou. Entretanto, o ministrio de Paulo principalmente entre os gentios. Enquanto o evangelho o poder de Deus para a salvao de todos que crem, primeiro para o judeu, e tambm para o gentio (Romanos 1.16), e enquanto o primeiro de Paulo um primeiro teolgico e at cronolgico, o seu enfoque estava no mundo gentlico. Portanto, era natural, que para cumprir o evangelho entre os gentios, ele abandonaria o gnero literrio judaico de apocalipsos e adotaria mecanismos de comunicao mais apropriados tais como a composio helenstica de cartas e tambm algumas formas elementares da retrica helenstica. Porm, as idias expressas nestas formas de comunicao no judaicas no eram menos judaicas ou menos apocalpticas.

A apocalptica e a escatologia Um outro ponto de esclarecimento, antes de prosseguir no nosso estudo, concerne a relao da apocalptica escatologia. Existe certa confuso sobre os dois conceitos. A apocalptica pode se referir ou a um gnero literrio (apocalipse), ou a um conjunto de idias sobre uma

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transformao catastrfica e iminente, e s vezes, final, do mundo (escatologia apocalptica), ou a um movimento social geralmente anlogo aos movimentos milenrios (apocalipticismo). O presente estudo emprega principalmente a segunda referncia, abreviada como apocalptica e usada tanto como um substantivo quanto um adjetivo. Fazemos isto porque a apocalptica inclui mais que a escatologia, mesmo que esta ltima seja um elemento comum da primeira. A apocalptica entende tanto o tempo quanto o espao de modo dualstico e csmico. V a era presente como m e temporal, dominada por Satans e suas coortes. Mas,compreende a era futura como perfeita e eterna, e debaixo do governo de Deus. Este mundo e a histria humana so um reflexo dos cus com os seus habitantes celestiais. A apocalptica mais que uma srie de idias acerca do futuro. uma cosmoviso inteira que influencia tais valores fundamentais como Deus, o outro, o tempo e o espao. Por sua vez, a escatologia pode ser definida de modo ou estreito ou amplo. Pela definio estreita das ltimas coisas, se refere doutrina (estabelecida slida e dogmaticamente) do fim (dramaticamente concebido) da histria e do curso do universo e do incio do tempo da salvao eterna (Jenni, 1962:126). Neste aspecto, a apocalptica se refere mais especificamente ruptura abrupta entre estes dois mundos e cursos de tempo, o que permite tanta confuso sobre os dois termos. O sentido mais amplo da escatologia se refere a um futuro no qual as circunstncias da histria so transformadas de tal maneira que se pode falar dum novo estado, inteiramente diferente, das coisas, sem necessariamente sair do esquema da histria (Ibid.). Portanto, todas as cosmovises possuem uma escatologia na medida em que se preocupem com a natureza e o significado da histria em relao especial com o presente.9 Assim,Embora o vnculo bblico entre a escatologia e a misso seja amplamente reconhecido, preciso recorrer para as obras menos conhecidas de Oscar Cullmann (1936; 1938; 1956) e do seu aluno de ento, David Bosch (1959), para alguma discusso a respeito desta relao dentro da perspectiva da pesquisa bblica.9

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compreende-se a escatologia como ligada inevitavelmente a Heilsgeschichte, como Oscar Cullmann to frequente e acertadamente demonstrou (1964; 1967).

Procedimento Este estudo proceder da seguinte forma: o prximo captulo apresentar um quadro conceitual do fenmeno do apocalipticismo judaico. Este quadro servir de referencial para examinar a vocao e ministrio missionrios de Paulo. A inteno demonstrar que Paulo, como muitos judeus da sua poca, via o seu mundo diante dum pano de fundo apocalptico. E era uma viso apocalptica do mundo que alimentava a percepo da sua participao na transformao deste mundo.10 O procedimento ser propositalmente dedutivo a fim de elaborar um quadro conceitual incial para investigao posterior. Depois desta investigao do apocalipticismo judaico em geral e a sua evidncia nos escritos de Paulo, os prximos quatro captulos exploraro tal influncia mais especfica e detalhadamente. Estes captulos focalizaro passagens das cartas de Paulo que ilustram a influncia do apocalipticismo na sua vocao e ministrio missionrio: Romanos 15.14-21 com referncia a Romanos 9-11; 2Tessalonicenses 2.5-6; 1Corntios 15.20-28; e 1Tessalonicenses 4.18-5.11. A metodologia principal empregada ser o estudo histrico, crtico e literrio e o procedimento ser grandemente indutivo. Um captulo final apresentar uma sntese das concluses e considerar implicaes desta pesquisa para a vocao e ao missionrias hoje.

uma pena que pesquisadores bblicos frequentemente negligenciam a boa observao de Howard Kee, de que a cosmoviso o assunto mais importante que as questes mais imediatas acerca de origem, at mesmo mais importante que as discusses a respeito da data e autoria exatos (1980:11).

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Cptlo 1 A apocalptica judaica e o evangelho de Paulo

J h mais que vinte anos, Klaus Koch denunciou os esteretipos e preconceitos que cercavam dcada aps dcada os estudos sobre o apocalipticismo, at mesmo entre os estudiosos (1972). Embora a situao atual tenha melhorado um pouco, mesmo assim o entendimento inadequado ainda continua. Frequentemente se associa o apocalipticismo com noes fantsticas, bizarras, esquisitas, ameaadoras e obscuras de calamidade futura. Semelhantemente, ele taxado da quinta essncia da escatologia imprpria e pura especulao. O pessimismo e o caos, aonde as normas morais desaparecem, so vistos como a sua herana. E isto verdade apesar da grande prioridade dada nas discusses teolgicas idia de revelao, um conceito tambm derivado do substantivo apokalypsis. No fcil identificar as razes para estes preconceitos. Talvez o fato de que somente Daniel e Apocalipse entre dezenas de apocalipses entrem no cnon, contribua para a suspeita. Afinal de contas, estes dois livros nutriram amplamente a imaginao dos mais bizarros grupos religiosos ao longo da histria. Esta mesma suspeita evidentemente se desenvolveu dentro do prprio perodo do Novo Testamento. Observe que a Epstola de Judas, nos versos 14 e 15, cita 1 Enoque 1.9 como profecia. Mas 2 Pedro, ainda que aproveite muito no seu segundo captulo do contedo de Judas, parece tomar especial cuidado de excluir qualquer referncia aos escritos pseudepgrafos. Ignorar isto seria negligenciar,

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na prtica, o carter histrico e cultural da Bblia. Lembremos do aviso de Koch: A apocalptica serve de pedra de toque para avaliar o quanto os exegetas so coerentes na sua ateno histria, isto , o quanto eles conseguem identificar-se com o esprito da poca que professam expor (1972:11). A importncia do apocalipticismo para o estudo do Novo Testamento foi bem destacada por D. S. Russell, ao reparar: ...a literatura apocalptica merece um lugar de honra no judasmo e muito contribuiu para formar o mundo conceitual do primeiro sculo cristo e, como resultado, profundamente influenciou a f e as expectativas da igreja crist primitiva, no menos nas suas crenas escatolgicas e messinicas. No exagero dizer que o cristianismo primitivo estava profundamente endividado tradio apocalptica que, apesar de todos os perigos associados com o seu abuso, possibilitou a transformao duma seita originalmente judaica em uma religio mundial com uma dimenso universal e at csmica sua mensagem que doutra sorte talvez no tivesse adquirido (1992:xiiis).

A literatura judaica primitiva: os Pseudepgrafos O interesse e o estudo da literatura apocalptica judaica cresceu muito pela publicao recentemente de dois grandes volumes de The Old Testament Pseudepigrapha, editados por James H. Charlesworth em 1983 e 1985 e The Apocryphal Old Testament, editado por H. F. D. Sparks em 1984. Muitos dos escritos destes volumes so largamente reconhecidos como apocalpticos. Charlesworth, provavelmente mais que qualquer um, destaca a importncia dos Pseudepgrafos para a compreenso melhor da histria e pensamento dos judeus na

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poca em que foram escritos, entre 250 a.C. e 200 d.C. Ele enfatiza seis aspectos impressionantes daquele perodo. Primeiro, a mera abundncia de literatura atesta o carcter literrio do judasmo primitivo, como era tambm o caso da cultura helnica em geral. Alm dos 27 documentos do Novo Testamento e os 52 documentos completos e 13 citaes fragmentrias nos Pseudepgrafos do Velho Testamento, os historiadores neotestamentrios hoje que se interessam em estudar o pensamento judaico contemporneo ao Novo Testamento, enfrentam dezenas de manuscritos e fragmentos do chamado Rolo do Mar Morto, os 13 documentos do Aprcrifo do Velho Testamento, os volumes de Josfo, a Hermtica, o Papiro mgico Judeu, os escritos rabnicos, o Talmude, o Targum, e os 52 tratados gnsticos de Nag Hamadi. Segundo, os Pseudepgrafos ilustram o impacto do Velho Testamento no judasmo primitivo. Terceiro, os Pseudepgrafos so principalmente importantes no porque so citados no Novo Testamento, mas porque revelam a cosmoviso do judasmo primitivo e a matriz do cristianismo mais primitivo. O Novo Testamento no contm nenhuma citao do Aprcrifo, o Rolo do Mar Morto, os escritos de Filo, os escritos de Josefo, o Papiro mgico Judeu, a Hermtica, e os cdigos de Nag Hamadi. Os escritores do Novo Testamento citam apenas duas colees de documentos judaicos antigos: o Velho Testamento e os Pseudepgrafos do Velho Testamento. (nfase no original, Charlesworth, 1985c:71). Quarto, nestes escritos h evidncia de que as conquistas consecutivas dos persas, gregos, e romanos, e invases intermitentes de srios, egpcios e partos no impediram que judeus religiosos mantivessem firmemente as suas tradies ancestrais. Quinto, os Pseudepgrafos eram tambm testemunhas importantes das dimenses sociais do judasmo primitivo. Surgiram de

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crises sociais, polticas e religiosas e refletem sofrimento decorrente de perda de valores, regras e normas sociais (anomia) e tambm de enorme opresso. Neles aprendemos que idias em competio vieram no somente dos povos vizinhos, mas tambm que os judeus ps-exlicos estavam divididos por faces e contendas internas. Hoje os peritos concordam que o judasmo primitivo no era monoliticamente estruturado ou modelado por uma ortodoxia central e todo-poderosa (Charlesworth, 1985a:xxix). At mesmo a distino tradicional entre o judasmo palestino e o judasmo helenstico no faz mais sentido. Finalmente, os Pseudepgrafos foram moldados pela experimentao dos seus diversos autores com a exegese bblica. No se destinaram a substituir o Velho Testamento, antes, a intensificar a Tor. Isto demonstra o quanto os judeus da Palestina estimavam as histrias bblicas.

Identificao da apocalptica judaica A literatura apocalptica judaica compreende uma poro significante dos Pseudepgrafos e por isso segue a descrio geral dos documentos mencionados acima. Mas, porque nem todos os escritos pseudepgrafos podem ser considerados apocalpticos, torna-se necessrio agora focalizar nossa ateno na identificao mais precisa dos ltimos. Sem dvida, muita confuso a respeito da apocalptica se deve dificuldade de preciso na definio de termos. Podemos fazer uma distino trplice entre primeiro, os apocalipses, segundo, o apocalipticismo, e terceiro, o pensamento apocalptico ou simplesmente a apocalptica. Um apocalipse refere-se a um gnero literrio que possui uma forma identificvel caracterizada por uma revelao de Deus atravs dum sonho ou duma viso, ou atravs da agncia de anjos. A palavra

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grega, apokalypsis, significa descobrir ou desvendar, da mesma forma que seu equivalente latino revelao, se refere descoberta dalguma verdade oculta. Os apocalipses demonstram um interesse particular nos detalhes do mundo celestial, o curso da histria judaica e o destino do mundo como um todo e com os indivduos que habitam nele. A distino literria engloba todos os escritos judaicos geralmente classificados como apocalpticos (Daniel, 1 e 2Enoque, 2 e 3Baruque, 4Esdra e o Apocalipse de Abrao), alguns escritos de gnero misturado (Jubileus, e o Testamento de Abrao), um corpo extenso de escritos cristos (o Apocalipse, Hermas, e o Apocalipse de Pedro), alguns escritos gnsticos (o Apocalipse de Ado, 2Apocalipse de Tiago), alguns textos msticos judaicos (3Enoque) e tambm alguns documentos da literatura grega, persa, e latina. Finalmente, este gnero literrio constitui uma espcie de literatura de resistncia anti-helenstica. Judeus fiis procuravam revelao divina para explicar a natureza intolervel das suas vidas sob a dominao cultural estrangeira e procuravam compreender o plano de Deus para a sua libertao. Os exemplos clssicos incluem o livro de Daniel, o Apocalipse Animal (1Enoque 85-90) e a Epstola de Enoque (1Enoque 92-105). Entre as trs maneiras de definir o assunto, a distino literria a mais segura, pois os apocalipses constituem a matria prima em si, aquilo que os pesquisadores tm em mo, para discuti-la e elaborar as outras distines. O apocalipticismo refere-se a um movimento scio-religioso caracterizado pelo pensamento apocalptico. a sociologia que determina o critrio desta distino, que se preocupa com o esforo de explicar o pano de fundo social das comunidades ou indivduos que escreveram os apocalipses. A sociologia realiza uma tarefa louvvel e necessria, porm o seu critrio estabelece a distino mais precria dos trs, pois os prprios apocalipses fornecem pouqussimos dados sobre suas possveis comunidades. A apocalptica refere-se a uma perspectiva religiosa especfica acerca dos planos divinos e ltimos para a histria. Esta perspectiva,

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como mencionada acima, exprime-se na linguagem dos oprimidos e marginalizados, se no na sua origem, pelo menos no seu propsito. Pensa-se que entre os diversos grupos que expuseram crenas apocalpticas estavam os hasidim (os piedosos), os essnios, e os maskilim (os sbios). As crises que os apocalipses enfrentam so de vrios tipos: perseguio (Daniel e o Apocalipse), choque cultural (o Livro dos Vigilantes), impotncia social (Similitudes de Enoque), trauma nacional (2 e 3Baruque), ou o destino humano (4Esdra). Mais especificamente, a apocalptica era uma expresso sobrenaturalstica dos aflitos em relao s foras culturalmente opressoras de domnio estrangeiro ou aos seus prprios lderes malignos e autnomos que eram fantoches daquele domnio estrangeiro.1 Os apocalipses, i.e., a literatura de protesto religioso e poltico, eram uma das respostas menos organizadas s condies opressoras que existiram na Palestina durante este perodo. A atividade literria pode ser considerada uma resposta revolucionria diante da opresso vista da sua convico fundamental que Deus derrubar a ordem presente, mas quiescente em que os apocalipcistas no assumem nenhum papel pessoal e ativo no processo (Aune, 1983:121). luz do temperamento apocalptico, sugiro quatro idias bsicas que exprimem esta disposio: a iminncia, o dualismo csmico, o desvelamento, e a transcendncia.A este respeito, as obras de Neil Smelser fornecem uma perspectiva valiosa do provvel processo social de desconstruo e reconstruo religiosa e interpretativa de estruturas da sociedade na linguagem simblica dos apocalipcistas. Veja especialmente o seu Theory of Collective Behavior (1963). A sua teoria de movimentos sociais tanto mais abrangente quanto mais especfica na sua anlise de tais movimentos que os estudos, por exemplo, de Wallace, Anthony, e.g., Revitalization Movements, (1956), que amplamente citado por biblistas como fonte principal da compreenso terica de movimentos milenrios. Veja tambm o meu estudo das questes hermenuticas envolvidas na aplicao da teoria de Smelser ao apstolo Paulo e aos movimentos milenrios do sculo XIX no Brasil (1993a).1

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A iminncia e a finalidade. A iminncia, especialmente escatolgicia, uma caracterstica largamente reconhecida da literatura apocalptica. tambm to comumente confundida com a imediao. A caracterstica iminente de escatologia na literatura apocalptica no se refere nem necessariamente destruio do mundo fsico e nem sua salvao imediata. Ao invs disto, a iminncia descreve uma noo mais qualitativa e espacial que quantitativa e temporal. A simples confiana e a absoluta segurana na conquista divina do mal se tornam a devida herana dos retos. Alis, apesar de certos enfoques diferentes, tanto as tradies profticas quanto as apocalpticas entendem a escatologia no tanto em termos do fim do tempo, mas em termos do fim do mal (Gowan, 1986:2, 125). Entretanto, tal segurana urgente na conquista do mal freqentemente se expressava por categorias temporais a fim de intensificar a certeza de que Deus vindicaria suas promessas para os retos. A linguagem do fim, em ltima anlise, a linguagem de finalidade. O que est em jogo no o fim prximo da histria ou da criao, mas a resoluo, que est para sair, da crise histrica. Tal perspectiva pessimista somente em relao ordem atual dominante e m. Em relao esperana na resoluo divina pendente, ela resolutamente otimista e confiante. O dualismo csmico. Tambm h confuso acerca da caracterstica do dualismo. Enquanto os contrastes dualistas so certamente comuns literatura apocalptica entre Deus e o ser humano; entre a histria e a meta-histria; entre este sculo e o sculo vindouro; entre a retido e a maldade; entre a escurido e a luz; entre os anjos e os demnios, e entre Deus e Satans a caracterstica predominante do gnero, mesmo assim, essencialmente monstica. Deus Criador sobre tudo que criou e Senhor da histria sobre tudo. Nunca na literatura apocalptica judaica a soberania de Deus diminuda.

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No importa quo aguda e perplexa seja a teodicia, nunca permanente. Em resumo: ...no h justificao de ver a apocalptica como necessariamente falando do fim do mundo no sentido literalmente csmico. Esta idia moderna regularmente alimentava a crena que a apocalptica fosse dualista, duma forma que hoje acreditamos ser sem fundamento. A maior parte dos escritos apocalpticos no parece sugerir que o universo de espao e de tempo mau, e no procura o seu fim. Um fim da ordem mundial presente, sim: somente tal linguagem, Jeremias descobriu, poderia descrever justamente os terrveis eventos do seu dia (Jeremias 4:23-28) (Wright, 1992:298s). O desvelamento. A caracterstica mais distinta e peculiar da literatura apocalptica o seu meio de revelao. Tal meio de receber o seu contedo por vises e sonhos especialmente significante para a identificao do seu gnero literrio e ocupa boa parte da discusso a respeito desta literatura. Mas o modo visionrio de revelao tambm uma caractristica importante do pensamento apocalptico e faz parte significante do seu sistema ideolgico, pois tem a funo de legitimar o contedo interpretativo da revelao. Este processo extra-emprico de legitimao ocupa um papel crtico entre todos os movimentos religiosos considerados marginais pelos seus parentes religiosos mais prximos. Os novos movimentos religiosos comumente so movimentos de revelao.2 A pseudonmia funciona para assegurar a aceitao dum apocalipse como revelao divina atravs da associao do nome duma figura proeminente da tradio judaica a quem a nova revelao poderia ser acreditavelmente atribuda. Isto foi especialmente imVeja a a discusso deste processo no meu estudo,Mecanismos Sociais de Desconverso (Carriker, 1985).2

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portante durante o perodo quando, entre alguns grupos judaicos, o cnon veterotestamentrio estava se fechando e a inspirao proftica era considerada finalizada. A associao pseudnima com figuras hericas judaicas e as revises profticas e interpretativas da histria garantiram a antiguidade do apocalipse e assim conferiram-lhe autoridade. Estas observaes tambm significam que os apocalipses no foram escritos principalmente para grupos ou movimentos apocalpticos em si, j que, dado o fennemo da pseudonmia, os leitores teriam que pressupor atribuio falsa (Aune, 1983:109-10). Apenas a revelao divina em contraposio s tcnicas naturais e convencionais duma tradio religiosa para a codificao das suas crenas possui poder hermenutico suficiente para efetivamente assegurar autoridade e, conseqentemente, legitimao em contraposio tradio religiosa majoritria duma dada sociedade.3 Auxiliar ao processo de legitimao no desvelamento de segredos ocultos a preocupao de cadastrar conhecimento enciclopdico a respeito dos mais diversos assuntos, especialmente dentro das trs reas de cosmologia, histria e escatologia. Semelhante maneira que cientistas modernos procuram credibilidade pela quantificao de idias (tabelas, grficos, e frmulas matemticas), os apocalpticistas antigos incorporavam dentro do seu discurso os mais elaborados clculos e jogos numricos. Mas, uma das conseqncias da revelao mais impressionantes na literatura apocalptica para o biblista contemporneo a sua preocupao com a exegese. A releitura de profecias e conseqentemente da histria na tradio judaica antiga constitua uma tarefa altamente exegtica. Nos apocalipses h muitas aluses ou at mesmo citaes do Velho Testamento. Destacam-se especialmente as expanses dasDiante da tenso crescente entre judeus e cristos durante o primeiro sculo da igreja, comeando com as discusses a respeito do papel da lei, imagina-se que o fenmeno do cnon nem seria possvel, se no fosse pela precedncia do modo de revelao da literatura apocalptica e a sua influncia em muitos dos documentos do Novo Testamento.3

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narrativas bblicas. Mais uma vez, e apesar dos mtodos mais bizarros e pneumticos diante dos olhos dos exegetas modernos, a inteno dos escritores originais no era substituir a Tor, e sim, de intensificla. Nas palavras de James Charlesworth, a exegese era o crisol dos Pseudepgrafos (1988a). A transcendncia. Mais uma vez citamos Charlesworth: ...a essncia do pensamento apocalptico a transcendncia. O indivduo movido, por viso ou audio, daqui para l, da terra conquistada pelos pagos para um mundo ou sculo cheio da glria de Deus. A transcendncia daqui para l, ou de agora para depois; duma finalidade (telos) indefesa para uma concluso paradsiaca (eschatos). Tal transferncia incorpora redefinio; para que, desde os tempos dos macabeus (o sculo II B.C.E.) at a dcada do Apocalipse de Joo (no final do sculo I C.E.) pode-se falar de viver atravs de morrer. Atravs de fidelidade Tor e a Deus, pode-se conquistar por ser conquistado (cf. Apocalipse 2.7, 11, 17, 26; 3.5, 12, 21) (nfase no original1988b:35s). Nos apocalipses, conceitos essenciais, como o poder e a prpria realidade so redefinidos atravs da metfora da reverso. Os primeiros sero os ltimos (2Baruque 51.13; Marcos 10.31), os pobres sero vindicados em contraposio aos ricos (Marcos 10.21), e os retos recebero o seu justo galardo contra o lucro terreno dos injustos (1Enoque 42; 52; 104.6; Mateus 5; 2Enoque 45; 61; Marcos 7.14-23). Mas a maior reverso de todas a prpria morte. E a dvida do Novo Testamento para com a literatura apocalptica se evidencia mais penetrantemente nesta reverso. Transcende-se a prpria morte fsica, no apenas a da comunidade no sentido metafrico ou at mesmo histrico, mas a morte pessoal do indivduo. Nisso est a marca que distingue definitivamente a escatologia apocalptica da escatologia

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proftica. Pois alm da libertao comunitria evidente na tradio proftica, a apocalptica desenvolve um elemento genuinamente novo, o julgamento final do indivduo.4 Quanto ao julgamento final, junto com o Velho Testamento em geral, a literatura apocalptica teve uma perspectiva do julgamento divino de povos inteiros (Daniel 7.9-14; 1Enoque 90.20-38). Mas no como o Velho Testamento, a literatura apocalptica tambm compreendia uma ressurreio de indivduos e um julgamento correspondente (2Enoque 44.5; o Testamento de Abrao 12-14), s vezes como um evento catastrfico (a Vida de Ado e Eva 49.3; 2Baruque 40.1-3), e s vezes como um veredito. s vezes se descrevem dois julgamentos, o primeiro catastrfico, e o outro, forense, (4Esdras 7.36). Mas a convico comum era de que Deus, de fato, vindicaria o seu povo, eles no pereceriam, os justos seriam compensados e os injustos castigados. No julgamento final, o propsito eterno de Deus encontraria o seu cumprimento final. J que a realidade se redefine como uma interao entre o plano histrico na terra e o plano csmico nos cus (cf. Daniel 6), conclui-se que a esperana humana, em ltima anlise, se encontra na auto-transcendncia para aquela esfera mais alta de vida. E assim, a finalidade da morte transcendida, ou superada; os retos recebem o seu galardo final e os perversos, o seu devido castigo. imprescindvel notar que a idia da ressurreio surgiu primeiramente em Daniel como uma resposta criativa situao histrica de crise e por isso serviu para dar confiana para os retos que enfrentaram a tentativa imperial do governo de suprimir a f, as prticas, e a organizao social tradicionais do povo judeu.5 A este respeito, J.4 Na tradio proftica h referncias que, em retrospectiva, a aplicao transcendncia individual facilmente pode ser desenvolvida (e.g., J 14.13-15; 19.25-27; Salmo 16; 49; 73; Osias 5.15-6.3; Ezequiel 37; Isaas 24-27, cf. 26.19; 66.7-9). Exemplos desta perspectiva na literatura apocalptica podem se encontrar explicitamente em Daniel 12 (cf. v. 2), e 2Macabeus 7.9, 14, 23, 29. 5 Cf. a Assuno de Moiss 10; Jubileus 23.27-31; o Cntico de Moiss em Deuteronmio 32, 2Macabeus 7 e 12; 4Macabeus 8-17.

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Christiaan Beker bem sintetiza a questo central que a apocalptica levanta: por que manter fidelidade ao Deus da aliana e Tor mesmo face perseguio e ao sofrimento (1990:21)?

Paulo e a apocalptica Com esta introduo ao pensamento apocalptico, indagamos: como pode a auto-identidade de Paulo, o seu chamado e o seu ministrio, ser caracterizada pela apocalptica? A esta pergunta dedicamos o restante desta reflexo. As fontes do embasamento teolgico dos escritos de Paulo so o enfoque de debate bem animado entre os biblistas. O fato e a intensidade do debate deveriam apontar para a variedade de idias e estilos argumentativos que Paulo adota. Tambm o consenso recente da heterogeneidade do judasmo primitivo desconta de uma vez para sempre qualquer explicao unilateral das influncias conceituais no apstolo. Interessa-nos, acima de tudo, que pelo seu prprio testemunho, Paulo era um judeu zeloso da ala dos fariseus e que sua afinidade maior estava com a Palestina Judaica. Vale notar que os fariseus herdaram da tradio apocalptica o seu interesse no sculo vindouro, o reconhecimento da supremacia da lei, a transcendncia de Deus, a ressurreio, e s vezes o misticismo (Davies, 1948:9-15; Segal, 1990:34ss, 313 nota 5). Tambm o zelo pela lei que o apstolo testifica lembra da mesma perspectiva da comunidade de Qumr, amplamente reconhecida como apocalptica.6 Por outro lado, apesar de dominar a lngua grega (provavelmente no como a lngua materna), Paulo no demonstra nenhum conhecimento, ou pelo menos apreo pela literatura grega clssica, apenas algumas mximas e expresses populares. Provavelmente no tenha sido educado no uso da retrica, pelo menos no segue6

1QS (A Regra da Comunidade) 4.5-6, 17-18.

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as convenes retricas formais. Em suma, mesmo tendo familiaridade com o mundo grego, Paulo permaneceu culturalmente judeu, do incio ao fim. Os estudiosos frequentemente contrapem a perspectiva apocalptica escatolgica alegando um enfoque no futuro pelo primeiro e um enfoque no presente pelo segundo. Entretanto o apocalipticismo se carateriza nem tanto por uma orientao ao futuro quanto pelo dualismo e pelo modo visionrio de revelao. A teologia de Paulo no menos apocalptica por enfatizar a ao de Deus no presente, porque o dualismo radical da sua viso temporal (este sculo e o sculo vindouro) e ressurreio e a transformao da atual poca pela obra de Cristo domina o seu pensamento, cuja fonte, pelo prprio testemunho de Paulo, (e Lucas confere: Atos 9.3s; 22.6, 17s) um apokalypsis. Certamente Paulo enfatiza a transformao de Deus no presente momento. E pela sua reinterpretao da histria atual atravs da sua referncia ao evento de Cristo, Paulo nico entre os apocalipticistas. Entretanto, ele no faz nenhuma novidade ao enfocar o presente. Pois a caracterstica de imediao (normalmente chamada de iminncia) na literatura apocalptica judaica ilustra como o tratamento do futuro era importante somente a medida que aqueles eventos futuros se referiam a situaes histricas e presentes de alguma forma ou outra, quer sejam polticas, sociais ou religiosas. Portanto, em ltima anlise a literatura apocalptica judaica em geral, tambm tem como o seu foco final o presente, mesmo atravs da linguagem simblica do futuro. Quanto influncia apocalptica, mister comear com uma qualificao crucial: em termos formais, h muito pouca influncia, se h alguma. Isto , no h nenhuma evidncia de que Paulo jamais tenha escrito na forma dum apocalipse, apesar de algumas passagens altamente carregadas da linguagem simblica de apocalipses genunos. De que maneira, ento, pode-se referir influncia apocalptica nas suas cartas? Certamente no em termos formais, isto , no em termos de gnero literrio dos apocalipses. Ao invs do gnero, so

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os temas principais da literatura apocalptica que dominam o pensamento do apstolo. E as modificaes da f judaica que Paulo realiza na sua teologia no se devem s influncias helnico-judaicas ou filnicas, mas so modificaes duma cosmoviso apocalptica (Beker, 1991:18). O mesmo verdade em relao ao cristianismo primitivo, em geral. Nos prximos pargrafos queremos traar os parmetros da influncia apocalptica na cosmoviso de Paulo, depois do seu chamado como apstolo. A teoria de cosmoviso. Os biblistas esto apenas comeando a concientizar-se das perspectivas antropolgicas a respeito de cosmoviso. J. Christiaan Beker, no seu discurso da apocalptica como um smbolo mestre do evangelho de Paulo, recentemente comeou a elaborar, ainda que s um pouco, a idia da apocalptica como o universo simblico do apstolo (1982:15, 30ss; 1986:600ss; 1991:17). N. T. Wright, no projeto recente e ambicioso acerca da teologia neotestamentria, vrias vezes se refere cosmoviso, mas sempre do sentido genrico (1992). Tudo isso no culpa dos biblistas, pois mesmo entre os antroplogos a discusso relativamente recente. Por isso, convm iniciar nossa anlise explorando apenas os parmentros gerais da teoria acerca de cosmoviso. De especial interesse a noo dos universais (Kearney, 1984) ou temas (Spradley, 1980) de cosmoviso. Michael Kearney sugere quatro elementos bsicos de cosmoviso. Primeiro existe a conceituao dum eu como distinto do ambiente, que por sua vez, ele chama de o outro (1984:68), o segundo elemento bsico de cosmoviso. A noo do eu envolve tanto a auto-percepco (a existncia pessoal), quanto a relao do eu com o ambiente (auto-identidade). O outro existe somente como complemento do eu7 e inclui tanto a natureza quanto a sociedade. J que todas as sociedades humanas se ordenam a si mesmas de alguma maneira,7

Cf. a semelhana com a construo social da realidade exposta por Peter Berger.

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um terceiro elemento, a classificao (a colocao social, fsico, e espiritual), e um quarto, a causalidade (a relao entre as aes e os fins desejados), esto intimamente ligados aos universais porque descrevem a coneco entre o eu e o outro e as partes dentro do outro. Isto envolve percepes do tempo, do espao, e do poder, e so os sentidos bsicos dos quais os temas culturais surgem. Com estes princpios gerais, brevemente traados, propomos as caractersticas fundamentais da cosmoviso apocalptica de Paulo. A cosmoviso de Paulo. O contedo especfico dos quatro elementos da teoria de cosmovisoo eu, o outro, a classificao, e a causalidadedemonstram a cosmoviso apocalptica evidente nos escritos de Paulo. 1. O Eu. No h nada especialmente apocalptico acerca da auto-existncia de Paulo. Ento, por isso, passamos logo a considerar a sua auta identificao, isto , a sua percepo do papel que ele tem em relao ao seu ambiente. O Chamamento de Paulo. James Dunn corretamente observa que Paulo se refere a um comissionamento ao invs duma converso, e que desde o incio, teve os gentios em vista. De fato, a epifania de Jesus na estrada para Damasco foi no s a base do seu chamamento, mas constituiu o seu contedo principal e o seu impacto mais imediato e mais duradouro. Este chamamento no era um corolrio secundrio ao encontro, mas, de novo, o seu contedo principal (1990:89s). Christopher Rowland esclarece o encontro de Paulo nem tanto em termos de transferncia duma religio para outra, mas como transferncia duma seita judaica para outra. Era uma mudana dentro do judasmo (1985:195), mesmo que tenha incluido uma reverso radical de valores e finalidades anteriores. Esta auto-identificao se evidencia mais claramente no relato de Paulo em Glatas 1.11-18 sobre o seu encontro como o Senhor ressurreto na estrada para Damasco. Pela suas prprias palavras, ele considerou o encontro como um apokalypsis. Ao usar este termo, e

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lembrando os chamamentos visionrios dos profetas do Velho Testamento (Isaas 49.1; Jeremias 1.5), Paulo deseja enfatizar a origem divina do seu evangelho. Ele faz isto a fim de convencer os glatas de que o evangelho que ele pregava era autntico, e que qualquer outro seria falso, como aquele que estava, de fato, influenciando a igreja glata. A auto-identificao de Paulo como apstolo8 aos gentios claramente apocalptica no sentido mais fundamental da palavra. Em 1Corntios 15.8-11 Paulo mais uma vez fala da sua converso. E mais uma vez ele o faz por que a sua autoridade apostlica e, conseqentemente, a confiana no seu evangelho, estavam sendo ameaadas. O termo empregado nesta passagem, foi visto ou apareceu; (hor 15.8) enfatiza ainda mais que Glatas, a natureza visionria da experincia. Paulo ainda identificou seu chamamento para o apostolado com a sua converso (15.9-10). Em 1Corntios 9.1-2 a referncia sua converso bem mais rpida, porm significante. De novo, h o desafio sua autoridade (para discernir sobre carne sacrificada aos dolos, 9.3). A sua defesa inclui que ele viu a Jesus, a mesma palavra de 1Corntios 15, e a sua designao como apstolo (9.1), pois para Paulo, em todas estas passagens, os dois fenmenos so ligadosencontro com Jesus como Cristo ressurreto e vocao como apstolo. Em resumo, antes da sua converso, Paulo era um judeu comprometido e zeloso. importante reconhecer a situao histrica da Palestina daquela poca que levou muitos judeus a achar que a sua identidade religiosa e tnica estava sendo ameaada. O zelo pela lei8 Os relatrios de Paulo sobre o seu encontro em 1Corntios 9.1 e 15.8, usando a mesma terminologia que os outros apstolos, no deixam dvida que o seu status genuinamente apostlico estava em jogo (cf.Rowland, 1982:375s). A referncia a sua jornada celestial em 2Corntios 12.1-10 tambm serve a funo de legitimar a autoridade de Paulo como um apstolo genuno e tambm crtica para a sua auto-compreenso como apstolo apocalptico que segue o sofrimento e a fraqueza de Jesus. David Scholer (1990:57) observa: Para Paulo, a fraqueza equivalente subordinao a Cristo. E tal subordinao a Cristo vista at certo ponto, no contexto dum dualismo csmico apocalptico: a fraqueza de Paulo (=submisso ao poder de Cristo) se contrape a Satans (o espinho na carne um mensageiro de Satans).

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era uma espcie de grito de guerra da resistncia nacional e popular contra o imperialismo romano. Paulo, antes da sua converso e como todo judeu mais convicto, dava importncia, e digo importncia teolgica judaica, para a manuteno dos sinais externos distintos da identidade cultural do judasmo a observao do sbado, a circunciso, e as leis culinrias. Foi o orgulho de Paulo sobre a sua herana judaica9 que o levou a perseguir a comunidade crist.10 A sua experincia de converso provocou uma reverso apocalptica do seu estilo de vida e da sua viso do mundo. Passou de principal perseguidor a principal protagonista do movimento cristo primitivo; de zeloso pelas tradies dos nossos pais a apstolo dos gentios. Como isto aconteceu? O contedo da revelao que Paulo recebeu foi este: Primeiro, reconheceu que Jesus de Nazar, que morreu crucificado era, de fato, o Cristo ressurreto e o Filho exaltado de Deus.11 Isto era possvel, porque o livro de Daniel e a literatura judaica contempornea de Paulo (2Enoque 44.5; cf. o Testamento de Abrao 12-14), comeou a discorrer sobre a possibilidade da ressurreio de indivduos como uma demonstrao que Deus vindicava o seu povo escolhido, mesmo diante das opresses polticas sofridas nas mos dos babilnios, dos gregos e depois dos romanos. A convico comum era de que Deus iria, de fato, vindicar o seu povo. Israel no pereceria, os justos receberiam o seu devido galardo e os mpios o seu castigo. Segundo, Paulo tambm convenceu-se de que, atravs deste Jesus, Deus oferecia a salvao para todos, tanto judeus quanto gentios. Isto fundamental para o evangelho que ele defende com paixo,12 ao qual foi chamado desde sua experincia de converso. Paulo relata a associao entre a revelao de Cristo crucificado e ressurreto em Glatas 3.6-14:

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Glatas 1.13-14; Filipenses 3.4-6; 2Corntios 2.22 e Romanos 3.1-2; 9.1-5 Glatas 1.13; Filipenses 3.6; 1Corntios 15.8; veja Atos 8.1-3; 9.1-30 11 Glatas 1.12,16; 1Corntios 9.1 12 Glatas 1.11,12; 1Corntios 15.8-1110

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Cristo nos redimiu da maldio da lei quando ele se tornou uma maldio por nspois est escrito, Maldito todo aquele que for pendurado em madeiroa fim de que, em Cristo, a bno de Abrao possa pertencer aos gentios... (citando Deuteronmio 21.23). Para Paulo, ser amaldioado por Deus era o mesmo que ter as bnos da aliana canceladas, ser expulso da aliana, isto , ser colocado na posio dum gentio pecador. Na crucificao, pela forma de morte, Jesus era rejeitado por Deus, sendo considerado como um gentio e portanto fora da aliana. Certamente a revelao de Jesus para Paulo na estrada para Damasco invertia totalmente este raciocnio, pois indicou que Deus claramente aceitou e vindicou este precisamente como o crucificado. A concluso imediata era evidente: Deus tambm deve favorecer o amaldioado, o pecador fora da aliana, isto , o gentio. Terceiro, alterou radicalmente sua compreenso do curso da histria, embora no haja uma ligao explcita mencionada nos textos sobre sua converso. E quarto, convenceu-se de que ele mesmo era chamado, como os profetas antigos, para anunciar a Palavra de Deus de salvao para os gentios. Isto teve repercusses no seu prprio estilo de vida e sua imagem de si mesmo. A maioria das cartas principais referem-se a Paulo como apstolo.13 Outras vezes sua auto-compreenso alude a passagens profticas.14 Paulo entendeu que sua tarefa era de continuar a misso do Messias que uma luz para as naes divulgando as boas novas at aos confins do mundo. E, como na de Jesus, a misso de Paulo incluiria o sofrimento e sacrifcio (Colossenses 1.24). Que Jesus o Cristo e agora oferecia salvao aos gentios s poderia significar que a era final, de fato, j havia comeado. No seu cerne, ento,Romanos 1.1; 1Corntios 1.1; 2Corntios 1.1; Colossenses 1.1; Glatas 1.1 Atos 13.47, cf. Isaas 49.6; Atos 18.9b, 10a, cf. Isaas 4.1-10 e 43.5; Atos 26.18, cf. Isaas 42.7,16; 2Corntios 6.2, cf. Isaas 49.814 13

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o ponto de partida apropriado e o tema dominante do evangelho para Paulo era a cruz de Cristo. Deus oferece a salvao a todos atravs da morte e ressurreio de Jesus Cristo. Esta salvao, entretanto, no era apenas pessoal como ocorre na teologia popular, mas era uma transformao da prpria histria, isto , uma salvao em que foi revelada a vontade de Deus no plano e curso da histria. Agora as regras do jogo mudaram. O nosso mundo no mais o mesmo. H uma nova criao. Assim, a cruz se v como o cumprimento daquilo que passou e a garantia, inaugurao e catalizador j daquilo que h de acontecer, tanto para os judeus como para os gentios. Portanto, Paulo tambm usa o termo, apokalypsis, para a manifestao final e futura de Jesus em 1Cornthios 1.7.15 Alan Segal explica bem: A expectativa por Paulo do fim uma conseqncia dele ter visto Cristo, revelado como a glria de Deus, na sua experincia de converso (Segal, 1990:159). A este respeito, notamos a relao ntima entre a auto-identificao apostlica e apocalptica de Paulo, e o contexto percebido por ele como escatolgico do seu ministrio inteiro na peregrinao esperada dos gentios para Sio nos ltimos dias. O Evangelho de Paulo. O chamamento apocalptico de Paulo explica a sua auto-identificao como apstolo aos gentios. E a apocalptica esclarece a competncia hermenutica e especfica, necessria no s para defender o seu chamamento, mas tambm para trazer tona as implicaes da revelao de Jesus para a compreenso das escrituras. Quando nos referimos a sua auto-identificao, precisamos, ento, falar tanto do seu chamamento apocalptico quanto do seu evangelho apocalptico. J. Louis Martyn, espantosamente aponta para uma hermenutica consciente do apstolo, apropriadamente identificada com apocalptica, em 2Corntios 2.14 e 5.16-17 (1967). Na segunda passagem Paulo distingue duas maneiras de conhecer, caracterizadas por duas pocas diferentes, separadas pelo evento15

Cf. a referncia futura tambm em Romanos 8.19.

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escatolgico da morte e ressurreio de Cristo. Martyn repara que o primeiro tipo de conhecimento, conhecimento carnal (kat srka) claramente implica que um segundo tipo seria conhecimento espiritual (kat pnema). Mas esse no o caso. Ao invs disto Paulo identifica o segundo tipo de conhecimento como conhecimento segundo cruz (kat staurn). Mas podemos denominar o conhecimento segundo a cruz, apocalptico? A apdose, 5.17, confirma que a linguagem , de fato, apocalptica, e que descreve um evento de propores csmicas: uma nova criao: as coisas antigas j passaram; eis que se fizeram novas.16 E o contexto indica que o evento que realizou tal transformao a cruz e a ressurreio de Jesus Cristo. Em 2Corntios, ento os super apstolos se provaram falsos porque deixaram de discernir aquilo que realizou a transio duma poca para outra: a cruz e a ressurreio de Cristo, as quais a morte e vida dirias do apstolo verdadeiro corresponde. De modo significante Martyn releva no s o horizonte ou pano de fundo do pensamento de Paulo em termos de apocalptica, mas tambm demonstra que o enfoque e corao centrais do seu evangelho, a morte e a ressurreio de Jesus, constituem um ponto de referncia hermenutica inteiramente apocalptica para a sua teologia.17 Num outro estudo sobre a carta aos Glatas, Martyn conclui: esteNo judasmo rabnico, os conceitos de ver e conhecer sempre eram reservados para se referir idade messinica ou o sculo vindouro. 17 Apesar de todas as precaues envolvidas na nossa identificao do cerne do pensamento paulino, urge reconhecer que Paulo mesmo pressupe e explicitamente se refere ao fato de tal Mitte (cf. 1Corntios 4.17; cf. o cerne sugerido em Glatas 1.6-9; 2.2; 1Tessalonicenses 2.4) (Sampley, 1991:3). Paul Achtemeier conclui de tais referncias como Filipenses 3.4-14 e 2Corntios 2.2, que a morte e ressurreio de Cristo pertencem aos aspectos no-contingentes e centrais da teologia crist de Paulo (1991:31). Alm disto, observa: j que o nico quadro de referncia na qual a ressurreio possuia alguma validade religiosoa real era o quadro de referncia apocalptica nele estava um dos sinais do fim do tempos, como era, em algumas alas pelo menos, o aparecimento do messias a ressurreio de Jesus seria uma indicao sria que aquela maneira de entender a realidade e o curso do tratamento de Deus com humanidade era vlida. Isto levaria interpretao dos eventos acerca da carreira, morte, e ressurreio de Jesus, de uma perspectiva apocalptica assim (p. 36).16

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mesmo Paulo que identifica aquele apocalipse como o nascimento do seu evangelho-misso (1.16), e que fala das lutas que ele enfrenta pela verdade do evangelho como eventos a ser compreendidos debaixo da bandeira de apocalipse (2.2, 5, 14) (nfase acrescentada1985:417). 2. O Outro. O segundo universal bsico de cosmoviso a categoria do outro como um complemento do eu e consistindo na natureza, na sociedade, e dentro da cosmoviso judaico especfica de Paulo, Deus. A auto-identificao de Paulo se relaciona com estes trs pela maneira que so claramente categorizados e pelas suas interaes causativas na perspectiva do apstolo. A sua compreenso dualstica intensificada daquelas classificaes e causalidades, junto com o modo da revelao daquela compreenso corresponde a uma cosmoviso nitidamente apocalptica. A Vindicao de Deus. No da tradio unicamente apocalptica que Paulo deriva sua crena na existncia e soberania de Deus. Mas sua compreenso da relao de Deus com Israel, os gentios, e toda a criao, bem alimentada por esta tradio. A convico apocalptica central de Paulo a respeito do monotesmo que Deus est em controle, e o mal no prevalecer. Num dos ltimos duma vida inteira de livros eruditos sobre o apocalipticismo, D. S. Russell explica: Pela sua experincia visionria e coisas semelhantes, os apocalipticistas podiam construir uma ponte sobre o espao entre o cu e a terra e ver mais claramente que muitos da sua gerao que aquilo que era temporal e aquilo que era invisvel era eterno (cf. 2Corntios 4.18), e que o Deus cuja glria encheu o cu estava igualmente preocupado com o seu povo e com o mundo que criou e que manifestou a salvao do seu povo. J foram descritos como pessimistas, e isto verdade na medida em que eles no podiam fazer nada para realizar a sua prpria libertao. Mas, no ntimo, eram pessoas de f que criam firmemente, apesar de todos os sinais ao contrrio, que

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Deus de fato estava no controle. Os tiranos poderiam reinar, mas somente pela vontade permissiva de Deus. O seu surgimento e a sua queda eram conhecidos de antemo e eram predeterminados por ele. Mas nisso, no podiam pleitear qualquer desculpa, pois ao mesmo tempo cada um era responsvel pelo mal cometido e seria trazido a julgamento. Esse julgamento tambm foi predeterminadono apenas o julgamento de imprios e os seus governadores, mas tambm de indivduos e tambm de anjos. As imagens e a linguagem podem ser s vezes cruas e at cruis, mas a mensagem era bastante clara os moinhos de Deus moem devagar, mas trituram at tamanho extraordinariamente fino. H um fator moral atuante na histria e um julgamento da histria que inevitvel e decisivo. um julgamento que cai igualmente sobre os indivduos e as instituies to inevitvel e decisivamente como a noite segue o dia. H nesta literatura uma mensagem de esperana para os oprimidos; tambm h uma mensagem de julgamento para o opressor.... O fato do mal um tpico de interesse e importncia nestes livros. Duas fontes, lembramos, esto para se identificar: a inclinao m ou a raiz m no corao humano, e as foras csmicas ms na forma de Satans e os poderes da escurido sob o seu comando. No Dia do Julgamento ambos sero tratados: os pecadores sero castigados e os poderes csmicos maus sero destrudos. No Novo Testamento, tambm, estas duas nfases se encontram, correspondendo quilo que chamamos dos retratos forense e cosmolgico do julgamento. Enfrentar-se- o pecado, que est guardado no corao endurecido e impenitente (Romanos 2.5), de uma vez para sempre no Dia do Julgamento, e os poderes demonacos sero expulsos. Paulo levou a srio a natureza demonaca do mal; mas deve se observar que ele no pensava mais nos principados e

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potestades em termos de arcontes que governam os planetas e as estrelas, mas como o resumo de todas as foras no universo em oposio a Cristo e sua igreja. O seu discernimento equilibrado sobre isso, entre o forense e o cosmolgico, entre o corao pecaminoso interior e os poderes maus exteriores, nos alerta contra dois erros muito fceis de cometer. Um erro de imaginar que o mal deve ser explicado em termos da minha prpria ao intencional de pecar....O segundo culpar Satans e desculpar a ns mesmos. Podem haver muitas circunstncias que melhoram, mas no fim somos responsveis pelo mal intencionado, e tal mal, esteja no corao humano ou na sociedade em geral, deve se sujeitar debaixo do julgamento de Deus. Os apocalipticistas teriam concordado com o tratado do Mishn, Pirke Aboth: Tudo previsto, mas a liberdade de escolher dada. Os apocalipticistas, verdade, olhavam alm da histria para o cumprimento do propsito divino; mas para eles a histria ainda era a arena da atividade de Deus a favor do seu povo. Na era atual o mal ainda prevalecia e a opresso ainda era praxe; mas o poder ltimo permanece nas mos de Deus e ele no fim prevalecer (nfase no original1992:134-37). Para Paulo, Deus vindicado e demonstra o seu controle sobre o mundo e sobre a ltima conquista do mal, pela morte e ressurreio de Jesus, o mago coerente do seu evangelho, somente compreendido por uma interpretao apocalptica (Beker, 1990:65ss; 1991:18). O Mundo. Os estudos da psicologia, antropologia e sociologia reconhecem grandemente a distino rigorosa entre a comunidade e o mundo de fora da comunidade, semelhante ao contraste entre os salvos e os perdidos no mundo social de novos movimentos religiosos em geral, e o apocalipsismo em particular. Nos grupos apocalpticos, tais como a comunidade de Qumr, estas distines eram mantidas atravs duma adeso severa a cdigos sobre contato com o mundo

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de fora (ex., cdigos alimentcios) junto com um dualismo csmico que diferenciava a sua prpria comunidade celestial da terrestre do mundo de fora (Guerra Judaica 2.142-44). Uma batalha csmica entre o bem e o mal e a demonizao conseqente do mundo de fora forneceram uma estrutura de plausibilidade apropriada para a construo social da sua prpria comunidade religiosa. O mesmo era verdade quanto ao cristianismo primitivo. Mas a conceituao apocalptica de Paulo sobre a comunidade de crentes se diferenciou das intensificaes apocalpticas mais comuns de cdigos alimentcios. As leis do judasmo eram afrouxadas em vez que intensificadas, permitindo a integrao plena e maior dos gentios para dentro deste movimento, de outro modo, judaico. Tal reverso radical foi ocasionado, como j mencionamos acima, pela hermenutica cristolgica e apocalptica de Paulo, que entendeu que os ltimos dias haviam chegado. Negando a relevncia de muitas das divisas ceremoniais e antigas entre o judasmo e o mundo, sua definio da igreja como uma comunidade daqueles que foram justificados e salvos pela f, se baseia no sentimento apocalptico (Segal, 1990:159). Outras distines entre grupo-de-fora e grupo-de-dentro que denotam a cosmoviso apocalptica de Paulo incluem os dualismos de carne e esprito18, lei e graa, lei e esprito, morte e vida, pecado e amor, e perda e ganho (Meeks, 1983). Conclumos mais uma vez com um comentrio de Segal: A converso de Paulo traz uma autorizao para uma nova comunidade, que declarada em Glatas 1.4: nosso Senhor Jesus Cristo, que se entregou a si mesmo pelos nossos pecados, para nos libertar do presente sculo perverso. Este fim apocalptico, realizado por Cristo e perceptvel pela f nele,18 De novo, para Paulo, os dois no so caractersticas do mesmo corpo, mas carne se refere queles que ou no ouviram ou no aceitaram o evangelho, enquanto esprito se refere queles que se tornaram um com a ressurreio e a transformao de Cristo.

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permite que Paulo esboce uma nova comunidade. Fala dos que se opem a ele que pregaram outro evangelho. Do ponto de vista dos outros cristos, claro que Paulo era o inovador. Ele inovou radicalmente os padres do judasmo pregando que os gentios podiam entrar na comunidade sem circuncidar-se e sem a exigncia de guardar o sbado e as festas dos judeus. Para Paulo, as inovaes vieram no dele mas de Deus. Paulo enfatiza que as suas inovaes no se baseavam em atividades humanas, como j vimos. O seu evangelho foi recebido atravs de revelao (Glatas 1.12; 1.16; 2.2). No ele que diz que a Tor no pode ser verdade no mesmo sentido que antes; mas Deus que diz atravs da pessoa de Jesus. (Segal, 1990)

Implicaes para a cristologia de Paulo Sem dvida, a influncia da apocalptica, reinterpretada pela chave hermenutica da morte e ressurreio de Jesus, na teologia paulina era enorme. Quase todo pargrafo dos seus escritos a ecoa, tanto que seria impossvel elaborar abrangentemente a cristologia paulina. Em vez disto, apenas destacamos algumas noces bsicas que so significantes para sua teologia. Jesus o messias exaltado. Isto a chave para a viso que Paulo teve da identidade de Jesus. Jesus de Nazar era a pessoa histrica atravs da qual Deus efetivaria seu plano de salvao (Romanos 1.3-4). Isto tem conseqncias para o papel dos gentios neste plano. A funo messinica de Jesus. A funo messinica de Jesus se evidencia preeminentemente atravs da sua ressurreio. Nada na tradio judaica havia preparado Paulo para este reconhecimento. Paulo entendeu que no centro do evangelho estava a crucificao de

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Jesus e que atravs da sua exaltao pela ressurreio, toda a humanidade recebe a oferta de mudar da morte para vida, do pecado para Deus.19 O evento de morte-ressurreio de Jesus a revelao ltima do dom gratuito de Deus para a salvao de todos (1Corntios 15.115). A universalidade da misso de Jesus era o fundamento dos mais amplos textos paulinos de nenhuma distino.20 O reconhecimento de que Jesus era o Messias exigia uma reformulao da perspectiva paulina da histria. A era messinica, h muito esperada, j havia comeado! E Paulo responde sua chegada com admirao.21 O plano de Deus para a salvao, antes oculto, agora manifesto neste momento de graa.22 Mesmo assim, h ainda um momento futuro de salvao, quando todos os poderes malignos do universo sero conquistados e sujeitos, quando Cristo estabelecer definitivamente seu Senhorio. Ento, Deus ser tudo em todos (1Corntios 15.20-28). Com a chegada do Messias, certamente Paulo lembrou da tradio judaica que o destino dos gentios aguardava a era messinica,23 quando iro a Sio em peregrinao (Isaas 66). Esta crena s poderia ter fortalecido seu chamamento como apstolo aos gentios. Tambm o tema escatolgico da peregrinao gentlica influenciou a estratgia paulina quanto a Israel. Pois, uma razo pela qual Paulo tanto zelava pela salvao dos gentios era que, atravs disto, Paulo convenceria Israel de que, de fato, chegou a era missionria e que Israel pode gozar a salvao em Cristo (Romanos 11). A salvao participativa. Para Paulo, como para todo o Novo Testamento, a universalidade e inclusividade da salvao que Deus ofereceu no so independentes da resposta humana. Paulo sempre19 20

1Corntios 1.18, 23-24 Romanos 3.21-24; 10.12; Glatas 3.16-18 21 2Corntios 6.2; 5.17 22 Romanos 16.25-26; 1Corntios 2.7 23 Veja seu uso do Velho Testamento em Romanos 10.13-21; 15.9-12

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pe seus qualificadores nas suas declaraes de salvao, que para aqueles que crem, que esto em Cristo ou que so chamados. Aqueles que provam o dom universal de salvao so aqueles que respondem ao evangelho com a f. Isto, ento, limita o escopo que a salvao vai alcanar, e a dimenso de resposta faria com que Paulo reavaliasse a atitude dos judeus e dos gentios, pois a lei definitivamente no era o meio de salvao, como constou a prpria experincia de Paulo. Todos, judeus e gentios, estavam debaixo do senhorio do pecado, da morte e da carne, antes de Cristo. Todosjudeus e gentiosso justificados atravs da f em Jesus Cristo (Romanos 3.21-26; Glatas 2.15-16; 3.15-19). A era do Esprito. Um outro aspecto da orientao histrica, junto com sua prpria experincia de converso, que Paulo muito reparava, era a expectativa judaica que, com a chegada da era messinica chegava a era do Esprito. Paulo reconheceu e elaborou que os dons do Esprito Santo eram derramados sobre os cristos gentios, como deveria se esperar para a era final. Paulo se refere muito sua prpria experincia do Esprito24 e as tais experincias entre os cristos colegas.25 Esta evidncia da presena ativa do Esprito garantiu para Paulo que a era messinica havia chegado. De fato, Deus estava operando entre os gentios e, portanto, o prprio chamamento de Paulo era confirmado. E a presena do Esprito tambm confirma a experincia da atuao de Deus entre os gentios cristos (Glatas 3.1-5). A lei. A partir da sua converso, Paulo tambm modificou a sua perspectiva da lei judaica. Isto, ento, provocou uma reformulao do lugar do gentio e do judeu na histria da salvao, e teve impacto direto na estratgia paulina de misso.1Tessalonicenses 1.5; 1Corntios 2.4; 7.40; 2Corntios 12.12; Romanos 15.18-19 1Corntios 1.7; 2.12; 3.16; 6.19; 7.7; 2Corntios 1.22; 4.13; 5.5; Glatas 3.25; 4.6; Romanos 5.5; 8.9,11,23.25 24

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A lei no levava salvao. Paulo estava convencido de que a salvao de Deus vem apenas e definitivamente atravs da f em Jesus Cristo, e no atravs da lei. Isto no significava para Paulo que a lei no tinha valor algum (Romanos 7.12,16). Era instrutiva, servia de tutor ou aio, pondo a criana Israel na linha at que a verdadeira fonte de vida chegasse (Glatas 3.23-29). At os gentios tinham acesso ao poder informativo da lei se apenas seguissem os bons instintos da sua conscincia (Romanos 2.12-14). Mas a lei nunca foi um meio de salvao para ningum. A partir desta nova perspectiva sobre a lei, a teologia crist primitiva, seguindo o prprio exemplo de Jesus, tomou novos rumos. No sermo no monte, Jesus j estabelecera a precedncia desta nova perspectiva. As leis no Antigo Testamento a respeito do homicdio, adultrio, o falso juramento e vingana foram intensificados e interiorizados para incluir a ira, a lascvia, qualquer juramento e o dio. Jesus, de fato, vinha cumprir, isto , intensificar e interiorizar a lei, pois com a sua vinda, a lei de Deus estava escrita nos coraes dos crentes. Por isto, a partir da vinda de Cristo, vrios costumes sagradssimos do Antigo Testamento mudaram na prtica da igreja primitiva. A circunciso foi reinterpretada no batismo cristo (Colossenses 2.1012), a pscoa na ceia do Senhor, o sbado na consagrao de todos os dias da semana, o Israel no povo crente em Jesus, e o dzimo na oferta da vida toda ao servio do reino de Deus. Infelizmente, em sculos posteriores e em alguns lugares a igreja retrocedeu para a prtica veterotestamentria de algumas destas prticas, esquecendo-se do ensino no Novo Testamento e a prtica da igreja primitiva. A maneira como entendemos o dzimo e a observao do domingo so dois exemplos deste desentendimento e retrocesso entre ns. Deus usou especialmente o apstolo Paulo para esclarecer as implicaes da vinda de Cristo para ns. Desde que ele encontrou o Cristo ressurreto, sua teologia passou a ser nada menos que a expres-

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so da sua nova compreenso de Deus, sua percepo da histria e sua viso do destino humano. Por isso, ele disse: Com efeito, a linguagem da cruz loucura para aqueles que se perdem, mas para aqueles que se salvam, para ns, poder de Deus. Pois est escrito: Destruirei a sabedoria dos sbios e rejeitarei a inteligncia dos inteligentes. Onde est o sbio? Onde est o homem culto? Onde est o argumentador deste sculo? Deus no tornou louca a sabedoria deste sculo? Com efeito, visto que o mundo por meio da sabedoria no reconheceu a Deus na sabedoria de Deus, aprouve a Deus pela loucura da pregao salvar aqueles que crem. Os judeus pedem sinais, e os gregos andam em busca de sabedoria; ns, porm, anunciamos Cristo crucificado, que para os judeus escndalo, para os gentios loucura, mas para aqueles que so chamados, tanto judeus como gregos, Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus. Pois o que loucura de Deus mais sbio do que os homens, e o que fraqueza de Deus mais forte do que os homens. (1Corntios 1.18-25, Bblia de Jerusalm)

Concluso Apesar da complexidade e riqueza do pensamento paulino, h muita coerncia na sua experincia de converso nos principais traos da sua teologia e at no estilo e contedo da sua misso apostlica. Em tudo isto, para Paulo, a crucificao e ressurreio esto no centro da sua compreenso do evangelho. Seu evangelho , portanto o evangelho de Jesus Cristo. No um evangelho esttico ou dogmtico, mas um evangelho dinmico, isto , um evangelho que entendia o papel central de Cristo atravs da histria da salvao e levando at

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o final desta histria. A teologia tem sua base na crena pessoal em Jesus Cristo, sua morte e ressurreio, e tem seu alvo na esperana e preparao evangelstica para sua vinda. Esta crena e esperana eram baseadas na experincia de converso e no chamamento apostlico de Paulo, e lanaram-no numa misso dinmica e uma compreenso do evangelho que serviu de base para toda a f crist desde o apstolo Paulo (2Corntios 5.14-17)

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Cptlo 2 O apstolo apocalptico 2Tessalonicenses 2.6-7

Existe hoje um consenso, de que Paulo comunicou o evangelho dentro das situaes peculiares das suas cartas. Mas por trs destas expresses contingentes, havia um conceito fundamentalmente apocalptico do evangelho. E isto porque ele entendia a sua misso, em termos apocalpticos. A vocao e o ministrio missionrios de Paulo so formados por uma perspectiva apocalptica que influi na sua expresso teolgica. Para ilustrar esta tese, examinaremos 2Tessalonicenses 2:6-7, que demonstra uma preocupao missionria atravs do seu contedo apocalptico. Mas antes, necessrio esclarecer o uso desta passagem, j que a autoria paulina de 2Tessalonicenses frequentemente disputada. A favor da autoria paulina destaca-se o uso do nome de Paulo cinco vezes em 1Tessalonicenses 2.18, 3.5, 5.27 e 2Tessalonicenses 2.5, 3.17; duas vezes, junto com o pronome na primeira pessoa do singular em 1Tessalonicenses 2.18, 2Tessalonicenses 3.17, e especialmente na assinatura ao final da segunda carta. Alm destas evidncias internas h tambm evidncias externas. A carta est includa no Cnon de Marciano e na Lista de Muratrio, tendo sido mencionada nominalmente por Irineu, e aparentemente era conhecida tambm a Igncio, Justino e Policarpo. Todas estas observaes favorecem grandemente a autenticidade paulina de 2Tessalonicenses. Diferenas de estilo e contedo entre as duas cartas so conseqncias de ocasies dife-

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rentes, mesmo que Paulo esteja escrevendo para a mesma audincia durante perodos relativamente prximos (Jewett, 1986). At mesmo a diferena em expectativa escatolgica se torna mais compreensvel, quando se considera que a confuso a respeito deste assunto no havia se levantado na poca em que 1Tessalonicenses foi escrita. Certamente no havia diferenas escatolgicas na mente do autor da segunda carta que exorta seus leitores a guardarem os ensinos da primeira carta 2Tessalonicenses 2.15. Agora, exposio:

Exposio Os comentaristas indagam-se a respeito do significado desta passagem h dezenove sculos, especialmente a referncia quilo e quele que detm: t katkhon em 2.6 e ho katkhn em 2.7. A variedade de interpretaes grande e discute principalmente a identidade e o propsito da atividade daquilo e daquele que detm a manifestao do homem da iniqidade antes da vinda do Senhor Jesus. Neste estudo examinaremos algumas das principais interpretaes dadas para aquele que detm e aquilo que detm. Isto inclui um estudo do contexto maior da carta de 2Tessalonicenses e da forma como ela se relaciona a outras passagens neotestamentrias. Uma das razes porque a interpretao de 2Tessalonicenses to difcil a terminologia tipicamente apocalptica. Considere a expresso, em ocasio prpria, como um exemplo. Assim como a plenitude do tempo pode se referir primeira vinda de Cristo encarnado (Glatas 4.4, cf. Efsios 1.10), em cumprimento do plano divino de salvao no seu prprio tempo (1Timteo 2.6, Tito 1.3, Romanos 5.6), tambm em ocasio prpria (2Tessalonicenses 2.6) pode se referir parousia do Senhor como um tempo especfico e conforme uma ordem especfica. O uso da palavra deve (ver 1Corntios 15.25,53) reflete a idia duma ordem de eventos estabelecida no plano de Deus para a salvao. Romanos 11 (primeiro vir a salvao da

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O apstolo apocalptico

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plenitude dos gentios, e depois, de todo o Israel) tambm ilustra esta perspectiva seqencial. Outras passagens apocalpticas nas cartas de Paulo, que dizem respeito a uma seqncia na vinda futura do Senhor, incluem 1Corntios 15.51ss e 1Tessalonicenses 4.13-18. Tal ponto de vista apocalptico no implica no clculo e na especulao da hora exata da parousia (ver 1Tessalonicenses 5.1ss). Assim, Paulo se mostra de acordo com as profecias e o ensino de Jesus que dizia que o Dia do Senhor desconhecido e possui um carter repentino e surpreendente (ver Isaas 13.6-8, Mateus 24.38, Lucas 12.39ss e 21.34, Atos 1.7, 2Pedro 3.10 e Apocalipse 3.3, e 16.15). Por outro lado, a passagem em 2Tessalonicenses implica, sim, em seqncia e demora do evento. Algumas coisas no podem acontecer antes que determinadas outras coisas ocorram primeiro. Na interpretao de 2Tessalonicenses fundamental que se leve em conta esta linguagem apocalptica. Possveis paralelos, por exemplo, so os manuscritos de Qumr: 1Q27 Fragmentos da Caverna 1:1; 1QH Os Hinos 5.36 e 1QHfragmento 50.5. Tambm Roger Aus sugere que Isaas 66, Daniel 11.36 e Ezequiel 27.10 25 e 28.2 so fontes para 2Tessalonicenses 2 e que a palavra hebraica, fechar o ventre em Is 66.9 forma o pano de fundo para o termo detm em 2Tessalonicenses 2.7 (1971; 1977). preciso considerar ainda que nem todas as interpretaes de aquilo que detm e aquele que detm so mutuamente distintas. Algumas so relativamente compatveis com outras. Apresentamos, a seguir, um breve apanhado das cinco principais interpretaes. Primeiro, atravs dos sculos um grupo grande de estudiosos defendia que aquele que detm se referia ao imperador romano, por exemplo, Cludio, Vitlios, Vespasio, Tito Traj, ou at mesmo o tutor de Nero, Sneca. Esta interpretao foi defendida por Tertlio, Latncio, Crisstomo, Lutero, Stauffer e mais recentemente por G. E. Ladd. A atitude positiva de Paulo em relao ao governo (Romanos 13.4, 1Timteo 2.1-7) e o seu apelo para que a lei romana fosse observada como civis Romanus parecem confirmar tal ponto de vista. Esta interpretao tambm explica o uso alternado do termo detm na

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forma masculina e neutra e at alega uma aluso ao nome do ento imperador, Cludio (cludio significa fechar, encerrar, ou impedir). Uma variante desta interpretao estabelece um paralelo entre as palavras deter e iniqidade (literalmente sem lei) e uma referncia lei em relao ao sem lei (Ladd, 1974; Vos, 1930). Neste caso, aquilo que detm se referiria ordem geral da lei e do bom governo. A favor desta variante, observamos que ela melhor emprega o princpio de oposio mencionado acima. Tambm, quando se entende aquilo que detm como a ordem de Deus e aquele que detm como ou Deus prprio ou um dos seus embaixadores, possvel entender que o embaixador de Deus e aquele que detm Paulo, a posio que vamos defender a seguir. Isto , a ordem de Deus pode combinar com a idia da misso gentlica. De fato, a iniqidade e a rebelio contra tudo que se chama Deus ou adorado, mencionadas em 2Tessalonicenses 2.3, tambm so parte do contexto de Isaas 661 e tambm so relacionados misso nos versos 18-24. Entretanto, nenhuma destas interpretaes explica a simbologia do Anticristo no livro de Daniel, da qual depende a referncia em 2Tessalonicenses. O Anticristo estaria representando o imprio srio. No faz sentido supor que Paulo pudesse descrever o Anticristo como o estado para depois sugerir que aquilo que detm o Anticristo tambm o Estado. Estas interpretaes tambm no levam o contexto histrico da passagem suficientemente a srio, pois para os cristos tessalonicenses o Estado era fonte de perturbao e perseguio, ao invs de proteo. Uma segunda interpretao entende aquilo que detm como a priso de Satans ou do mal e aquele que detm como um