M_Lucia_Fattorelli_Brasil_ _É Preciso Acabar Com a Sangria Da Dívida Pública

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  • 7/21/2019 M_Lucia_Fattorelli_Brasil_ _ Preciso Acabar Com a Sangria Da Dvida Pblica

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    Brasil: " preciso acabar com a sangriada dvida pblica"

    por Maria Lcia Fattorelli

    entrevistada por Valria Nader e Gabriel Brito [*]Em momento em que seabrem claros sinais deintensificao da recessono pas, associada smedidas de polticaeconmica levadas a cabopelo atual governo, o

    Correio entrevistou MariaLcia Fattorelli. Auditora daReceita Federal desde1982, e coordenadora domovimento AuditoriaCidad da Dvida, Fattorelli tem sido uma ferrenha crtica da predominnciada tica financeira na conduo das polticas pblicas. A auditora, que jparticipou do processo de auditoria pblica da dvida do Equador, foirecentemente convidada por Zoe Konstantopoulou, deputada do Syriza, que

    ocupa a presidncia do Parlamento Grego, a compor o Comit pelaAuditoria da Dvida Grega.

    Sobre a experincia que tem vivido na Grcia, Fattorelli destaca que o "casogrego, a partir de um setor oficial, tem muita importncia, porque significalevantar a cabea e comear a ver alguma reao em relao ao que ocorredesde 2008. Obviamente, a presso tambm aumentou sobre o Executivo,tanto que em 9 de abril o pas pagou o FMI".

    Quanto ao que temos vivido em solo ptrio, a auditora considera umaenorme lstima um pas, com as potencialidades do Brasil, mas com a piordistribuio de renda [1] do mundo, adotar um modelo que trava odesenvolvimento socioeconmico, principalmente por conta da adoo deum modelo econmico equivocado, que coloca como principais metas osupervit primrio, sem question-lo, e metas de inflao. E de formatotalmente equivocada, porque o modelo de combate inflao adotado noBrasil no combate o tipo de inflao que temos. Ele visa privilegiar osistema financeiro, mais uma vez".

    Crtica tambm contumaz do modelo de atuao do BC nesse esquema,"que enxuga o dinheiro dos bancos, fica com esse dinheiro e lhes entregattulos da dvida pblica, para garantir-lhes rendimento com esses ttulos",

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    Fattorelli clama por uma campanha ampla de conscientizao popular sobreos nefastos e sombrios caminhos de nossa economia nica forma deinverter a lgica predadora, que enriquece o setor financeiro em detrimentoda economia real e do povo trabalhador.

    Leia abaixo a entrevista exclusiva, em que a auditora discorre ainda sobreos esquemas corrompidos que levaram atual dvida exorbitante do estadode So Paulo, e sobre o sistema de financiamento eleitoral como indutor dodistorcido esquema de prioridades do Brasil.

    Correio da Cidadania: Aps alguns meses frente da auditoria dadvida pblica grega, como voc avalia o processo neste incio degoverno Syriza, no que se refere nova conduo que se prope paraa economia e s dificuldades que j aparecem no horizonte paraenfrentar a Troika?

    Maria Lucia Fattorelli:A comisso de auditoria foi criada em 4 de abril. Eos trabalhos comearam em maio. Sua criao foi um ato poltico, a partirdo parlamento grego, no do Executivo, e envolve tanto pessoasestrangeiras convidadas, como no meu caso, como tambm gregos queparticipam de rgos governamentais, alm de cidados, professores etc.

    uma iniciativa muito importante, porque significa a primeira atitude dequestionamento desde o incio da crise de 2008, quando a primeira reao

    geral foi empurrar o peso da crise para os pases, que foram aceitando asmedidas de austeridade e aumentaram suas prprias dvidas para socorrerbancos, sem nenhum tipo de reao exceo da Islndia e, maistimidamente, da Irlanda.

    O caso grego, a partir de um setor oficial, tem muita importncia, porquesignifica levantar a cabea e comear a ver alguma reao em relao aoque ocorre desde 2008. Obviamente, a presso tambm aumentou sobre oExecutivo, tanto que em 9 de abril o pas pagou o FMI.

    Tambm trocou o ministro das Finanas Varoufakis pelo ministro dasRelaes Exteriores nas negociaes com credores, de modo que apresso para que tudo continue como antes, com aplicao de polticas deausteridade e novos emprstimos para pagar emprstimos anteriores, semnenhum questionamento, brutal.

    Por isso movimentos sociais lanaram manifesto pedindo apoio dacomunidade internacional, autoridades, pessoas conhecidas, movimentos

    sociais, cidados, em apoio ao povo grego. A ideia aumentar o apoiointernacional pra criar um contraponto na conjuntura.

    Os trabalhos esto s comeando, ainda em fase preliminar.

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    Correio da Cidadania: Que comparao voc faria da experinciavivida agora com a que teve lugar no Equador, tambm sob suadireo?

    Maria Lucia Fattorelli: No Equador, foi uma coisa nica, porque partiu deiniciativa do presidente da Repblica, o Rafael Correa, que baixou umdecreto, criou uma comisso, nomeou seus membros, tanto estrangeiros,como equatorianos, de rgos oficiais ou especialistas. O peso poltico daComisso de Auditoria no Equador era impressionante [2] . Ele nos deupoderes para questionar diretamente qualquer rgo, obrigando-os aatender qualquer pedido nosso e estabelecendo at uma pena para o noatendimento. Como nomeada, eu mesmo redigi pedidos de informaes aoBanco Central equatoriano, Procuradoria da Fazenda, encarregada doparecer jurdico de cada emprstimo.

    Foi esse poder poltico que nos permitiu ter acesso direto a arquivospblicos e dos rgos encarregados de manejar a dvida pblica do pas.Essa autoridade delegada pelo presidente permitiu que consegussemosrealizar o que realizamos. Porque uma auditoria s acontece de fato quandose tem acesso a documentos e contratos. Caso contrrio, fica-se mercde estudos publicados, sendo que a maioria vem de institutos ligados aomercado financeiro, como o FMI, entre outros, financiados pelos prpriosbancos, que so quem lucram com as dvidas pblicas.

    Correio da Cidadania: Contrariando as promessas de campanha, empoucos meses de mandato, o novo governo Dilma Rousseff imps ochamado Ajuste Fiscal ao povo brasileiro, sem qualquer forma dedebate pblico, e em detrimento de diversas reas sociais e deinfraestrutura pblica. Como algum que hoje est diante do dramagrego enxerga esse quadro no Brasil?

    Maria Lucia Fattorelli: lastimvel. O Brasil tem tudo para viver uma

    realidade completamente diferente do que estamos vivenciando. Apesar detoda a espoliao desses 500 anos, ainda somos a stima potnciaeconmica mundial. Mas quando olhamos os indicadores sociais, temos apior distribuio de renda [1]do mundo, o fosso social do Brasil o pior domundo. Estamos com o desenvolvimento socioeconmico totalmentetravado, principalmente por conta da adoo de um modelo econmicoequivocado, que coloca como principais metas o supervit primrio, semquestion-lo, e metas de inflao. E de forma totalmente equivocada,porque o modelo de combate inflao adotado no Brasil no combate o

    tipo de inflao que temos. Ele visa privilegiar o sistema financeiro, maisuma vez. O Copom j aumentou a taxa de juros para 13,25 % e os ttulos dadvida so vendidos a taxas bem superiores.

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    Qual a razo para subir mais ainda juros j indecentes? A alegao controlar a inflao. Mas quem provoca inflao no Brasil? Aumento dospreos da energia, do combustvel, da gua, dos transportes e algunsalimentos, em funo de polticas agrcolas tambm equivocadas. Subir

    juros vai incidir no preo de alguma dessas coisas? No, de jeito nenhum.Subir juros no momento unicamente para sangrar mais o pas, garantirainda mais recursos para o setor financeiro, que j leva a maior parte donosso oramento federal, justamente atravs dos juros. Afeta estados,municpios, impede totalmente a atividade econmica efetiva. E a ao doBC afeta no s tais juros da dvida, como tambm afeta, profundamente,os juros que o mercado financeiro cobra do setor privado, de empresas, depequenos ou grandes comerciantes, de qualquer pessoa fsica.

    No meu artigo "Por que os juros so to altos no Brasil?" explico por quetais polticas provocam um aumento absurdo da dvida: para fazer umatroca com o mercado financeiro. O BC no tem deixado que os bancosfiquem com dinheiro no caixa. Significa que, se os bancos recebem umenorme volume de depsitos e remessas do exterior, dinheiro especulativo,o BC 'enxuga', fica com esse dinheiro e entrega ttulos da dvida pblica aosbancos, para garantir-lhes rendimento com esses ttulos. Isso provocaaumento brutal da dvida, j que o Tesouro repassa os ttulos ao BC oTesouro emite e repassa. J h 1 milho de milhes de reais de dvida doTesouro com o BC, para repassar aos bancos com tal mecanismo.

    A consequncia que os bancos no vo emprestar dinheiro populaoou a pequenas empresas para promover a atividade econmica. Para quecorrer risco de emprestar no mercado, se tem a segurana de que o BC vaificar com o dinheiro e pagar o rendimento do ttulo da dvida com osmaiores juros do mundo? Portanto, s se empresta populao ou apequenos empreendimentos com taxas absurdas, escorchantes, queimpedem a movimentao saudvel da nossa economia.

    Quanto mais negcios, mais empregos. Se os empregos so gerados, mais

    pessoas tm rendimento. E consomem mais, comem melhor, possibilitammelhor educao aos filhos... Isso que gera um ciclo positivo naeconomia. Na medida em que seca o recurso financeiro, trava-se tudo. E oprprio BC impe essa lgica, ao garantir rendimentos generosssimos aosbancos, enxugando tais recursos.

    Por que a Dilma entra nessa de ajuste fiscal, corte de direitos e impedereajustes salariais dignos? Vai travar a nossa economia. Ao mesmo tempo,abre mo de todos os limites e aumenta juros. Das eleies para c, sem

    contar o ltimo aumento de juros, as taxas j subiram 16%. No d.Estamos empurrando o pas para o aprofundamento de uma crise. evidente.

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    Acredito que isso acontea, em primeiro lugar, pelo atrelamento aofinanciamento de campanha.

    Embora a Dilma tenha feito um discurso esquerda, se olhamos os dadosdo TSE, vemos que ela e o PT foram fortemente financiados pelo sistemafinanceiro. S a campanha da Dilma recebeu cerca de 24 milhes de Reaisdos bancos. Infelizmente, isso no de graa. Sabemos que uma formade comprar mandatos. Financiamentos elevados por parte de grandescorporaes e setor financeiro tm preo, sempre cobrado depois. Atravsde benesses, financiamentos do BNDES ou adoo de polticas favorveisao setor. Isso claro.

    Existe ainda a presso que a mdia sempre faz, ao descobrir e denunciarcasos de corrupo, outra maneira de pressionar certas medidas. assimque comea o governo Dilma.

    Correio da Cidadania: Como imagina que v ser, portanto, a conduoda poltica econmica no Brasil nos meses vindouros e qual ser oimpacto, a seu ver, no crescimento do pas, no emprego formal e norendimento mdio do trabalhador? E o que voc diria desse processode ajuste fiscal e poltica de austeridade que tero lugar no Brasil facea processos semelhantes por que passaram pases europeus nosltimos anos, a exemplo de Portugal e Grcia?

    Maria Lucia Fattorelli: J estamos vivendo essa crise. Se olhar osservidores pblicos federais, nem a perda inflacionria foi coberta nestesanos. Os servidores tiveram reajuste de apenas 5% nos ltimos anos e ainflao superou os 5%. Em mbito estadual e municipal, a mesma coisa,sem reajuste. No caso do setor privado, o ano comeou com o crescimentoelevado da taxa de desemprego.

    Ao mesmo tempo, o governo limita o acesso ao seguro-desemprego. O querepresenta um fator de dificuldade para a pessoa que perde o emprego e

    no tem perspectiva, porque a economia est em retrao. O comrciopassa por crise gravssima. O que mais vemos em todas as capitais do passo placas como "passa-se o ponto", "aluga-se", lojas fechando, etc. Naindstria, j estamos h anos em processo de desindustrializao e gerandomais desemprego. Aqueles incentivos de reduo de IPI etc. tambmbateram no limite.

    Entramos num perodo da economia sem gerao de emprego e reajustesalarial, com os preos subindo absurdamente. Quando se aumenta o preo

    da telefonia, energia, combustveis e transportes, provoca-se aumento detudo, porque todos os bens e servios embutem tais quesitos em seuspreos. Com a massa salarial em queda, os estoques ficam sem sada. Ecomeamos a entrar num ciclo vicioso, aquela espiral que leva para baixo.

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    Infelizmente, isso aconteceu na Grcia, Portugal, Espanha, Itlia e at empases de economia mais avanada da zona do euro, como Alemanha eFrana. Todos que entraram nesse ciclo vicioso tiveram sua economiapuxada para baixo e desemprego brutal. A situao da Grcia, pas entre osmais afetados, considerada de crise humanitria, tamanho o volume dedesemprego e desespero. Se pensarmos que a crise comeou em 2010 e jestamos em 2015, imagine o desespero de um pai desempregado anos afio, recebendo um seguro que no cobre despesas e sem sada, porque aeconomia s acumula dificuldade.

    um modelo doente, totalmente viciado, que coloca os interessesfinanceiros como um fim. O fim ltimo sacrificar tudo para entregardinheiro, juros e alimentar a ciranda financeira. A questo da dvida, hmuito tempo, deixou de ser um instrumento de financiamento do Estado epassou a ser instrumento e grande negcio do setor financeiro. Todos ospases aqui citados esto vivendo em funo de sacrificar a populao e aeconomia real indstrias e comrcio, que produzem bens e servios queservem populao.

    Os pases sacrificam tudo apenas para servir o setor financeiro. Este, sim,deveria estar a servio da economia real. Tal inverso ocorre h anos noBrasil. Vemos na Grcia o que eles chamam de crise humanitria pessoassem energia, vivendo do lixo, sem acesso mnimo a alimentos , mas

    quantos milhes de brasileiros esto h anos nessa condio, vivendo deuma simples Bolsa Famlia, que atinge mais de 50 milhes de pessoas?

    Resumindo, as polticas adotadas neste incio de governo Dilma enterramcada vez mais o pas. E abrem brecha para a continuidade dasprivatizaes, como vimos no anncio do 'pacote positivo', que, na verdade, de privatizaes em vrios setores. para isso que o sistema financeiropressiona a dvida e seu sistema. Alm de receber dinheiro dos juros, advida serve para pressionar por mais privatizaes. O que desejam

    apoderar-se da economia real inteira.

    Correio da Cidadania: Resumidamente, como est a atual diviso dobolo do PIB brasileiro?Maria Lucia Fattorelli: Da massa da renda [1]nacional, a parte que vai aocapital avana de forma brutal, por meio da dvida pblica, tanto em mbitofederal, como estadual e municipal. Vivemos a mesma crise em todos osnveis dos entes federados. A participao da renda [1] das pessoas vemencolhendo e precisamos rever a situao. Rever urgentemente.

    No acredito em soluo a curto prazo, no consigo ver. E nem umasoluo de cima para baixo, isto , que viesse do legislativo ou executivo,exatamente por conta do atrelamento ao financiamento de campanha.

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    Quem est nesses postos est atrelado aos setores financeiro e mega-empresariais. Mais de 90% chegaram l financiados por tais setores. E elesesto muito satisfeitos, pois, apesar de ser o governo do PT, o projeto queest posto de interesse do setor financeiro e mega-empresarial.

    Portanto, no acredito em soluo de cima, e sim a partir da sociedade,construda a partir da conscientizao de como funciona o sistema da dvidahoje, o papel do Banco Central nas altas taxas de juros, que afetam atquem no tem emprstimo, afetam o pas inteiro, como expliquei no artigocitado "Por que os juros so to altos no Brasil?". Resume um pouco do quefalo aqui.

    Assim, toda a sociedade tem de conhecer tais mecanismos, temos devencer o mito de que compreender a economia tarefa de especialistas,quem entende os termos complicados etc. Fao questo absoluta de nousar essa linguagem, pois nossa tarefa urgente e temos de incluir toda apopulao para exigir mudanas. E exigir de forma consciente e organizada.Por isso puxamos vrias aes no mbito da auditoria, criamos ncleos prapopularizar nossos estudos, produzimos cadernos, livros, todos de formadidtica. Chamamos atos pblicos cada vez mais pra denunciar a polticaque privilegia o setor financeiro e eleva tanto os juros da dvida como dosetor privado, por ao do prprio BC.

    Neste ano, vamos fazer um grande seminrio nacional, porque vemos a

    crise em que vamos nos aprofundar afinal, j estamos dentro dela. A ideia partirmos de seminrios locais, para depois chegarmos fortes em SoPaulo, em julho. No tem outra sada, se no fizermos formao e pressosocial muito fortes, a crise ser bem cruel.

    Correio da Cidadania: Acredita que, de alguma forma, ou em algummomento, possa se instaurar no Brasil um processo de reviso eauditoria da dvida pblica? Em que medida o trabalho desenvolvidono Equador, e agora na Grcia, serviria como molde a uma eventual

    iniciativa semelhante no Brasil?

    Maria Lucia Fattorelli:Acredito que sim, lutamos para isso. Nosso trabalhoj serviu ao Equador, que conseguiu anular 70% dos ttulos de sua dvidaexterna, que eram a parte mais onerosa da dvida. Essa ao permitiu umainverso. Antes, os gastos da dvida eram um tero do oramento social.Depois, o gasto social passou a ser o triplo do gasto com a dvida. Issopermitiu ao Equador reconstruir o sistema de sade, pois os ajustes fiscaiseram to brutais que o financiamento do sistema de sade pblica chegou a

    zero.

    O Correa reergueu o servio, que agora chega ao pas todo, e tambm tevedinheiro para investimentos geradores de emprego e de infraestrutura, que

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    so a base do desenvolvimento socioeconmico. Enfim, nosso trabalhoserviu ao Equador e, se deus quiser, vai servir para a Grcia. Est scomeando, mas s de dar esperana ao povo grego j algo muitogrande. Depois da inaugurao dos trabalhos, ouvimos gente dizer "o povogrego voltou a sorrir".

    Vou ficar mergulhada quase dois meses na Grcia e espero queconsigamos ajudar a rever a situao cruel de l. E lutamos para que nossotrabalho sirva ao Brasil. Esse o nosso principal objetivo: a auditoria estprevista na Constituio brasileira e temos de lutar por ela. J temosindcios de fraudes, ilegalidades, ilegitimidades inaceitveis, em todos osnveis federativos. Em So Paulo, por exemplo, um escndalo.

    Correio da Cidadania: O que voc poderia contar da dvida paulista?

    Maria Lucia Fattorelli: A dvida do municpio de So Paulo umescndalo. Em sua imensa maioria, mais de 90% dela refinanciada pelaUnio. Se voltarmos l atrs, qual o refinanciamento? uma dvida quefizemos na dcada de 90, quando Paulo Maluf era prefeito, Celso Pittasecretrio depois, Pitta assumiu a prefeitura. Aconteceu com ajuda degrandes bancos privados e isso foi provado em uma ComissoParlamentar de Inqurito (CPI) da dvida e corretoras. Os bancosajudavam o municpio de So Paulo a produzir uma lista de precatrios. Oque so os precatrios? Uma dvida resultante de deciso judicial.

    Est documentado na CPI. Um servidor pblico ou uma empresaquestionava um crdito junto prefeitura na justia e ganhava a ao. Aseguir, a prefeitura era obrigada a pagar a dvida. Vale lembrar que nadcada de 90 os municpios e os estados tinham autorizao para emitirttulos da dvida a fim de pagar os precatrios, porque eram obrigados acumprir com a deciso judicial e no tinham dinheiro no oramento paraisso. Assim, lanavam seus ttulos da dvida no mercado, vendiam e, com odinheiro da venda, pagavam os seus precatrios.

    Depois, a Constituio foi reformada e no existe mais essa prerrogativa.Mas na poca existia, e qual era o esquema? Instituies financeiras,inclusive algumas bem importantes, participaram do processo. Aceitavam ecompravam ttulos da dvida que tinham sido emitidos para pagarprecatrios, sendo que todo mundo no mercado sabia ser uma fraude,porque aquela era uma lista que j tinha sido utilizada anteriormente ou erauma lista montada ali dentro, como denunciava a CPI. Os ttulos eramemitidos e, como o mercado sabia, pagava pouqussimo. Um ttulo lanado,

    se valia 1000 reais, era vendido por valor muito abaixo. Vrias dennciasafirmaram que tais ttulos chegaram a ser vendidos por 50% do valor, 30%,at 15%.

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    Dessa forma, os ttulos eram vendidos a preos muito baratos, a prefeituraarrecadava pouco e logo em seguida os bancos faziam grandes negcioscom os mesmos ttulos no mercado secundrio. Ainda que os ttulos fossemvendidos um pouco abaixo do valor normal, esses negcios aconteciam nomercado secundrio e possibilitavam altos ganhos. Virou uma ciranda togrande que a base da dvida da prefeitura de So Paulo desses ttulosfraudulentos. Fraude comprovada por CPI da Cmara de Vereadores eoutras. Houve tambm uma CPI dos ttulos no Senado federal que tambmprovou o mesmo. O que aconteceu? Absolutamente nada.

    Quando a Unio, atravs do Tesouro Nacional, refinanciou a dvida daprefeitura de So Paulo, o fez por 100% do valor de passe, pelos "1000" decada ttulo, embora tais ttulos tenham sido vendidos no mercadosecundrio por aqueles valores nfimos que eu citei, de 15%, 30%. H umaleso total ao povo de So Paulo. Essa dvida refinanciada. E mais: comuma taxa de juros absurda, algo que atualiza a dvida mensalmente combase no IGP-DI, um ndice medido pela fundao Getlio Vargas queengloba toda a variao cambial e toda a expectativa de crise que, svezes, nem chega a se concretizar.

    por isso que a dvida refinanciada l na dcada de 90 era de 11 milmilhes, a prefeitura pagou 28 mil milhes para a Unio e ela chegou, nofinal de 2013, a 53 mil milhes de reais. um grande esquema. E quemest ganhando? Unicamente o setor financeiro, que comprou os ttulos na

    bacia das almas, bem baratinho, fez grandes negcios sabendo que eleseram fraudulentos e, depois, teve tais ttulos financiados em 100% do valor.Ou seja, receberam todo o dinheiro de volta e continuam recebendo jurosaltssimos, porque, para refinanciar a dvida, a Unio teve que vender ttulosda dvida federal para os mesmos bancos, pagando os maiores juros domundo. Enquanto isso, a dvida aqui da prefeitura era corrigida de formaexponencial, em tempos de Plano Real, que pregava o fim da atualizaomonetria.

    Ou seja, acabou a atualizao monetria para tudo, para salrios, preos,tudo, mas para a dvida no acabou. A dvida est sendo corrigidamensalmente de forma cumulativa e, em cima da sua correo, correm osmaiores juros do mundo. Portanto, se a sociedade no tomar conhecimentoe reagir, essa dinmica no ser quebrada. Precisamos lutar por umaauditoria da dvida no mbito da cidade de So Paulo, nos estados (porqueo esquema da dvida nos estados tambm inaceitvel) e pela auditoria dadvida da Unio. Para isso temos que formar muita gente. tarefa paragente muito animada. Precisamos incluir muitas pessoas e derrubar de vez

    o mito de que o tema para especialistas.

    Correio da Cidadania: Caso estivesse com as rdeas da economia danao em suas mos, o que a Auditoria Cidad proporia como um

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    modelo econmico alternativo para o Brasil, nesse exato momento emque medidas de forte impacto recessivo esto em andamento?

    Maria Lucia Fattorelli: Um modelo econmico totalmente diferente do queest a. Um modelo econmico de grandes investimentos. Temos decolocar, em primeiro lugar, o setor financeiro a servio da economia e issoexigiria uma nova arquitetura da economia. O BC no pode continuar aservio do sistema financeiro, tem de estar a servio da nao. Apreocupao nmero um do BC tem de ser a gerao de emprego e renda[1] , porque a populao s feliz se tem o ganha-po, se tem o sustentoda prpria famlia, se tem como viver as suas potencialidades. Quando aspessoas esto desempregadas e subempregadas, sem condies de darvazo s suas potencialidades, vemos o pas inteiro perder.

    A mudana comea pelo Banco Central e parando de tirar dinheiro dosbancos. Os bancos tm de ficar com dinheiro em caixa porque no voquerer perder, vo querer emprestar para a populao. E vo chegar aoponto de emprestar at a juros negativos, como est acontecendo noJapo. O que o Japo est fazendo depois daquela crise, do Tsunami quedestruiu cidades e afetou a economia? Eles passaram a emitir moeda parainvestir. Aqui no Brasil, ns no podemos emitir moeda sob a justificativa deque vai gerar inflao. Mas ns podemos emitir dvida vontade.

    Olha o contrassenso. Teramos de ver a questo da emisso de moeda em

    volumes necessrios para financiar investimentos produtivos. E eu desafioos economistas que pregam que essa medida gera inflao a provarem queo recurso colocado para gerar investimento produtivo, sade e empregocausa inflao. Pelo contrrio, hoje eu coloco um exemplo bem fcil decompreender a nossa situao atual. Por que a energia est to alta?Porque no foram feitos os investimentos necessrios. Faltou dinheiro.

    Se tivessem emitido moeda exclusivamente para investimentos em fontesalternativas de energia, inclusive fontes limpas, desenvolvimento de

    tecnologia de ponta (e ns temos todas as fontes energticas possveisnesse pas), se tivessem emitido moeda para financiar cientistas, estudos,investimentos na construo e gerao de energia alternativa, hoje ns noteramos esse impacto brutal nas nossas vidas, provocado pela duplicaodas nossas contas de energia. Afeta a indstria, que afeta o comrcio, queafeta o consumo, que afeta a vida das famlias, ou seja, o aumento do preoda energia aumenta em cascata a inflao no pas. Se l atrs tivssemosfeito investimentos, tal no estaria acontecendo.

    Portanto, podemos ver que o contrrio do que muitos economistaspregam. Primeiro, a mudana comearia na atuao do Banco Central. Eleteria de deixar dinheiro no caixa dos bancos e obrig-los a emprestar paraatividades produtivas. Teramos de retomar as leis que impedem a

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    especulao e regulamentar o sistema financeiro desde o incio dogoverno Lula, em 2003, o artigo 192 da Constituio foi totalmente apagadoe o sistema financeiro est vontade para fazer o que quer. Teramos decoibir a emisso de derivativos, j que ela produziu o estouro da bolha daEuropa e, a partir de 2009, o Conselho Monetrio Nacional abriu as brechaspara os bancos brasileiros operarem e criarem os derivativos no Brasil -uma verdadeira farra, uma fico, que est produzindo uma bolhafinanceira. Teramos de incentivar a atividade produtiva, principalmente ospequenos negcios. Teramos de investir em tecnologia.

    Olha, vocs tm ideia de quantos anos demora para sair uma patente noBrasil? Tenho uma amiga em Minas Gerais que fez uma descobertarevolucionria na rea de implantes dentrios e entrou com um pedido depatente aqui no Brasil. Fazem dez anos. Essa descoberta dela vai reduzirbrutalmente o preo dos implantes e tambm o impacto na reabsorossea, um negcio incrvel. Resultado: ela entrou tambm com pedido depatente internacional. J saiu a patente norte-americana e ela estvendendo sua inveno l nos Estados Unidos, entendeu? Ela entrou com opedido h 10 anos. Por que isso? O INPI (Instituto Nacional de PropriedadeIndustrial) no tem tcnicos, ou tem s meia dzia.

    Ns temos que investir em tecnologia e destravar essa burocracia. O povobrasileiro altamente criativo. O que acontece? Enquanto a coisa nodeslancha aqui, ns temos noo de quantas so as patentes japonesas,

    norte-americanas etc. a partir de produtos brasileiros? Portanto, o primeiropasso na rea econmica destravar e modificar completamente a situaodo Banco Central. Depois, investir em cincia e tecnologia e a agendanmero um seria investir pesadamente em educao. Toda escola do pastem que passar a ser escola de tempo integral, professor tem que ser acategoria mais respeitada do pas, precisa viver s para se formar e ser umbom mestre, porque est formando as geraes.

    Hoje acontece o contrrio. Quantos estados brasileiros sequer cumprem o

    piso salarial dos professores? Quando se investe em educao, acaba seinvestindo em sade, porque um povo bem informado adoece menos, poluimenos, usa melhor todo o potencial etc. E preciso investir em educaode todos os nveis: bsica e universitria. Ns temos passado por umadecadncia em funo dos cortes, dos desrespeitos s classes dosprofessores e profissionais do ensino.

    necessrio mudar radicalmente a agenda e para tudo isso precisa dedinheiro. Se no se derrubar o sistema da dvida, ser muito difcil mudar a

    agenda. Pode at mudar, mas seria uma mudana a conta-gotas que nosignifica uma mudana real, apenas enganao. Para mudar tem de serever o modelo e ter coragem de chegar e falar: chega de farra do sistemafinanceiro, agora vamos fazer uma agenda para o Brasil e para os

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    brasileiros. Porque, se o Brasil funcionar bem, ajuda a Amrica Latinainteira, ajuda a frica, vai ser bom para o mundo inteiro.

    Ver tambm:'Dinheiro tem, mas vai para o lugar errado'"O plano de ajuda Grcia era ilegal e ilegtimo"

    NR:[1] No Brasil designa-se por "renda" a qualquer espcie de rendimento.[2] de destacar que na auditoria grega o governo Syriza no deu os mesmos poderes dados noEquador pelo Presidente Correa. A Comisso grega foi organizada pelo Parlamento e no pelopoder executivo.

    [*] Editora e jornalista do Correio da Cidadania, respectivamente.

    O original encontra-se em www.correiocidadania.com.br/...

    Esta entrevista encontra-se em http://resistir.info/.22/Jun/15

    http://resistir.info/grecia/toussaint_17jun15.htmlhttp://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=10688:manchete160415&catid=26:economia&Itemid=58http://resistir.info/http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=10812%3Amanchete290515&catid=72%3Aimagens-rolantes&