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Mobilidade e Reclusão na Pós-Modernidade: O Caso dos Turistas de Aeroporto1
Júlia Maia Rebouças2 Aluna da Universidade Federal de Pernambuco
Resumo
Deslocar-se constantemente é um dos desejos mais acentuados do homem pós-moderno. A viagem constitui-se um imperativo de sucesso àqueles que vivem num tempo marcado pela mobilidade, velocidade, redução das distâncias e pela aceleração do tempo. O turista, nesse contexto, é o herói que tem o poder de escolher o destino a visitar e que tem, a seu dispor, todos os avanços tecnológicos nos meios de comunicação ou de transporte. Há, entretanto, aqueles que não têm a liberdade de escolha e vivem reclusos nas fronteiras da cidade onde moram, no trajeto que percorrem todo dia. O desejo de mobilidade se expressa no momento em que deixam os itinerários cotidianos e partem para usufruir a cidade como verdadeiros turistas. Palavras-chave Mobilidade; reclusão; turismo; não-lugar. Introdução
Ode ao movimento
O desejo de se afastar do seu lugar à procura de experiências diferentes é
característico do homem. Para o homem pós-moderno, entretanto, o movimento é um
imperativo, uma ordem a ser cumprida como forma de consolidação das suas identidades
e de aproximação do universo de trocas contínuas que se tornou o mundo contemporâneo.
A globalização das relações, a proximidade das distâncias, as mudanças de escalas, a
acessibilidade a culturas e realidades diferentes e antes inalcançáveis parecem
reconfigurar a relação do homem com a viagem, com o movimento.
O francês Michel Maffesoli coloca que as dualidades “Estática-Dinâmica”,
“Enraizamento-Flutuações”, introjetadas em todo espírito humano, estiveram abafadas
1 Trabalho apresentado ao Intercom Júnior do XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Júlia Maia Rebouças ([email protected]) é aluna do sétimo período do curso de Comunicação Social / Jornalismo da Universidade Federal de Pernambuco.
durante a modernidade. O homem precisou fechar-se numa única e sólida identidade
racional e pragmática, que não permitia dar vazão à vivência da emoção e do
surpreendente, conseqüências diretas da experiência de se soltar ao tempo e ao espaço.
Maffesoli recorre à metáfora do nomadismo para falar das identidades flutuantes
da pós-modernidade, da multiplicidade de papéis e das investidas de aproximação e
repulsa que ocorrem a todo momento na vida social, em contraposição à força moderna
de fechar o homem num território individual. Numa referência a Georg Simmel,
Maffesoli retoma a imagem da porta:
A porta merece ser meditada pelo fato de mostrar esta dupla necessidade: religar-se e desligar-se. Trata-se no caso de uma estrutura antropológica que não deixa de ser esclarecedora quando se observa o fato de que numerosos fenômenos sociais contemporâneos sem isso são totalmente incompreensíveis. A separação e a ligação constituem um mesmo ato estruturante, fazendo com que, simultaneamente, aspire-se à estabilidade das coisas, à permanência das relações, à continuidade das instituições e que, ao mesmo tempo se deseje o movimento, se busque a novidade do sentimento, se solape o que parece muito estabelecido. (MAFFESOLI, 2001/78)
“Soltar as amarras”, essa experiência necessária e cotidiana de se afastar para
ficar próximo, volta com força ao pensamento pós-moderno para consolidar a mobilidade
como uma das características principais deste tempo.
O sociólogo Zygmunt Bauman reforça que o tempo pós-moderno é um tempo que
abriga uma sucessão de episódios que se substituem uns aos outros, mas também que se
encerram em si mesmos, com identidades próprias, inclusive. A liberdade, então, passa a
ser determinada pela aptidão à mobilidade entre episódios e identidades.
Nenhuma personagem social opera tanto na lógica da mobilidade quanto aquele
que viaja, o turista. Bauman consagra, assim, os turistas como os heróis da pós-
modernidade. Ser turista é ser herói pela possibilidade de sempre estar em movimento e
de nunca precisar chegar. Não há objetivo a ser seguido na viagem do turista senão
continuar viajando. Além do que, é permitido ao turista estar dentro e fora do lugar ao
mesmo tempo. Ele absorve e dá ao lugar apenas o que lhe for conveniente. Há nessa
relação segurança e garantia de que, quando o lugar não mais lhe for aprazível, ele poderá
abandoná-lo. A liberdade do turista advém de um controle situacional –
a aptidão para escolher onde e com que partes do mundo “interfacear”, e quando desligar a conexão. Ligar e desligar não deixam no mundo qualquer marca duradoura: na verdade, graças à facilidade com que as chaves funcionam, o mundo (como o turista o conhece) parece infinitamente flexível, dócil e esboroável. (BAUMAN, 1998/115).
Ser turista na pós-modernidade
O turista-herói faz parte de um movimento de globalização que consagra a
viagem como momento máximo da relação de troca entre os seres, as coisas e os
ambientes sociais. O sociólogo John Urry (1996) aponta para o surgimento de toda uma
gama de turistas que já são considerados profissionais. São aqueles que têm uma prática
de viagens tão intensa que já desenvolveram maneiras próprias de executar o turismo,
criando inclusive um “olhar do turista” massificado.
Urry (1996/17-18) define, então, algumas propriedades para o fazer turístico. São
elas o estabelecimento de uma oposição entre o lazer e o trabalho, inclusive pela ausência
de expectativa em relação a um rendimento financeiro, como também a necessidade de
deslocamento. Para fazer turismo é preciso adotar um tempo de permanência breve em
outro lugar fora do seu domicílio, sempre com intenção de voltar ou de seguir adiante
para um novo destino. Além disso, o turismo implica a criação de uma imagem
fantasiosa do lugar que se vai visitar, que antecede a viagem. Pressupõe, da mesma
forma, que o destino esteja fora do cotidiano do turista, para que a paisagem a ser vista
possa criar novas significações.
Esboçadas as noções de turismo e caracterizados os turistas-heróis no cenário
pós-moderno, devemos atentar para o fato de que o mesmo movimento global que
estimula a viagem também cria situações que fogem à expectativa do que se pode chamar
de turismo tradicional. O que dizer daqueles que fazem turismo dentro da própria cidade?
O que dizer dos que não têm a liberdade de escolher o itinerário que mais lhe interessar,
que vivem cercados pelas impossibilidades financeiras e sociais?
Este artigo pretende lançar um olhar sobre o turista da própria cidade, mais
especificamente, sobre o turista de aeroporto e o seu significado no processo de
globalização, na sociedade pós-moderna. Aquele cidadão que, no seu tempo de lazer, vai
ao aeroporto fazer uma visita com o intento único de também fazer turismo, de estar em
contato com o universo de trocas do viajante tradicional. Ele também é dono do motor
contemporâneo que estimula o deslocamento e a mobilidade. Entretanto, o aeroporto
deste personagem urbano não é o ponto de partida de uma viagem, mas o destino final.
O Turista da Própria Cidade
A mobilidade de uns e a reclusão de outros
Os movimentos de globalização que convocam o homem pós-moderno ao
deslocamento e às trocas contínuas são os mesmos que limitam grande parte da
população à imobilidade e a universos restritos. A possibilidade de escolher o destino e
realizar as escolhas é limitada a uma parcela de pessoas. Mike Featherstone coloca que a
mobilidade proclamada pela pós-modernidade apresenta-se de forma diferente para os
indivíduos de classes sociais distintas:
Para aqueles que não podem controlar a velocidade e a mobilidade, as únicas opções podem ser a mobilidade das necessidades, em oposição à mobilidade da escolha. A mobilidade de ir e voltar do trabalho, dos sistemas de transportes públicos lotados, os congestionamentos de trânsito nas vias expressas são formas de mobilidade reduzida e em canais bastante gastos, abertos nas paisagens urbanas e suburbanas. Esta situação contrasta com a de aqueles que possuem velocidade e flexibilidade reais, e podem fugir do congestionamento do trânsito terrestre em helicópteros. (FEATHERSTONE, 1998/84 in: LAZER)
O turista de aeroporto é aquele que, necessariamente, não viaja de avião. O
executivo que, com freqüência, pega um vôo para ir a reuniões de trabalho não deseja ir
ao aeroporto passear no final de semana em que está na sua cidade. A senhora que faz
compras no exterior não quer sair de casa para almoçar no aeroporto. E os aviões não são
grandes novidades para o garoto que, em todas as suas férias, escolhe um destino
internacional para se divertir. O turista de aeroporto é aquele para quem a tecnologia, a
acessibilidade do mundo e o movimento são novidades, sobretudo, inacessíveis.
A mobilidade do turista de aeroporto restringe-se aos limites da desigualdade a
que é submetido. A cidade onde mora se apresenta para ele na forma dos itinerários que
percorre todo dia. O movimento cotidiano, que lhe é necessário para garantir as
condições de vida, desenha rotas e percursos que se transformam na cidade, de fato, que
lhe cabe usufruir. O trajeto do trabalho até a casa representa, de um modo geral, a
fronteira da cidade de boa parte dos cidadãos, o que faz com que muitas cidades
coexistam num mesmo território. Como foi dito, são as imposições financeiras e sociais
que definem o traçado. Assim, é evidente que, quanto menos recursos o cidadão possui,
mais restrito é o seu mapa. E quando se fala em restrição de mapa, de rota, além do cerco
espacial, deve-se pensar também em limitação social.
Sair do desenho de sua cidade significa, para o cidadão imóvel, deslocar-se para
realidades que, muitas vezes, diferem das que compõem seu cotidiano. As outras cidades
que coabitam o mesmo território apresentam traços de culturas, experiências e
oportunidades que estão diametralmente afastadas da sua, não pela distância espacial,
mas social. Visitar esses lugares de prosperidade, tecnologia e possibilidades múltiplas
significa visitar uma outra realidade. Ele passeia, assim, num exercício de vivência da
própria cidade que se afasta do imperativo do trabalho, da produção e o torna turista.
Neste momento, a associação do turista da cidade ao flâneur benjaminiano parece
inevitável. O flâneur se aproximaria do turista, de um modo geral, pela relação de
desfrute da cidade que ambos estabelecem. Featherstone coloca que "se o flâneur, a
pessoa que caminha pelas ruas e áreas de compras da cidade, desenvolve uma
contemplação móvel, distraída, o mesmo pode ser dito do turista que perambula por uma
paisagem diferente que oferece uma pletora de sensações novas e inesperadas."3 Porém,
é esta contemplação móvel que diferencia o turista tradicional do turista de aeroporto e,
por conseqüência, o turista de aeroporto do flâneur.
O turista de aeroporto estabelece uma relação de desfrute da cidade diferente da
relação estabelecida pelo flâneur benjaminiano. O flâneur perambula distraidamente
pelos espaços da cidade, absorvendo, casualmente, os elementos que o circundam em seu
trajeto. Sua relação com a cidade subentende, mais uma vez, a possibilidade de escolher
itinerários e uma liberdade espacial. Ele acompanha a massa trabalhadora em seus
trajetos exercitando seu poder de divagação sobre os espaços, exercitando, sobretudo, o
olhar frívolo aos ambientes. O flâneur é alguém que domina mais formas e ambientes do
3 FEATHERSTONE, Mike. “A Globalização da Mobilidade: experiências, sociabilidade e velocidade nas culturas tecnológicas”, Lazer numa sociedade globalizada. São Paulo: SESC / WRLA, 2000, p. 63.
que o nosso anti-herói, que está fadado aos seus trajetos obrigatórios do cotidiano. O
turista de aeroporto, quando sai de sua rota, não vagueia despretensiosamente pela
cidade, mas desvenda os recantos fora do seu espectro de todo dia e desfruta dos lugares
com uma curiosidade aguçada que não estimula o flâneur. Mais que a curiosidade, o
turista de aeroporto pretende se fazer participante, à sua maneira, de uma realidade que
não lhe pertence.
Não-lugares: passagem, mas também destino final
Fazem parte da constituição do mundo pós-moderno, espaços que pertencem a
todos os lugares e a lugar nenhum, ao mesmo tempo. São ambientes desconectados da
cultura da região ou das características locais, como filiais mundiais da globalização. São
o que o francês Marc Augé chama de não-lugares. Os não-lugares interessam ao turista
da própria cidade principalmente porque eles ostentam as propriedades da globalização e
da pós-modernidade. São como templos do movimento, do tempo presente, do
consumismo, das trocas, do individualismo.
Vale explicar que não-lugar não quer dizer ausência do lugar, nem negação pura e
simples da sua existência. Não-lugar expressa aquele que não estabelece vínculos, que
não gera identidades, não cria sentidos nem valores que façam do lugar um marco
histórico na memória. Essa falta de significação, coloca Augé, vem de duas realidades
complementares, mas diferentes, que compreendem o não-lugar como espaço constituído
em relação a certos fins, mas também decorrente da relação que os indivíduos mantêm
com esse espaço.
O não-lugar é o campo de passagem, do transitório. Aquele que realiza uma
função determinada, que intermedia uma ação que transcende aquele espaço, mas que não
tem representação simbólica, ele mesmo. Rodovias, linhas ferroviárias; agências
bancárias, centros comerciais, prédios de estacionamento, e sobretudo aeroportos são
exemplos de não-lugares a partir de certos fins.
Outros lugares carregam a partícula “não” em decorrência da falta de sentido que
lhes é dada. Alguém que percorre uma rodovia passa pelos mais diversos lugares, mas
não os compreende assim pela incapacidade de olhá-los com intuito de conhecê-los. Há
também aquele que, estando numa praça característica de algum lugar, senta-se no
monumento histórico para amarrar seus sapatos e, encostado na bela paisagem pensa no
preço da diária do hotel em que se hospeda. A relação entre a finalidade dos espaços e a
falta de significação que lhes é dada também compõe a idéia de não-lugar.
Vale destacar, que, além da transformação de lugar em não-lugar, existe também
o movimento inverso, ou seja, a transformação de não-lugares em lugares. É o que
acontece com espaços que não foram pensados e concebidos com o intuito de despertar
significados e criar laços, mas que, também pelo fim que lhes é dado, terminam se
tornando lugares. É o caso do aeroporto, um não-lugar por excelência, na relação que o
turista da cidade estabelece com ele. O turista de aeroporto faz daquele centro de
passagem e impessoalidade o seu destino final repleto de sentidos e valores.
O progresso visto da vidraça
O aeroporto, na contemporaneidade da mobilidade e das viagens, é um dos locais
com maior prestígio da cidade. É o portão de chegada dos turistas tradicionais, curiosos
por descobrirem a vida local; dos investidores, interessados em explorar as
potencialidades do lugar e gerar riquezas; dos executivos, articulados para estabelecerem
negócios. É o local das boas-vindas de todos aqueles que vão, dali em diante, desfrutar da
cidade e do que ela tem a oferecer. O aeroporto, no outro extremo, dá o adeus final
àqueles que partem para diferentes lugares, usufruindo de sua possibilidade de ir, seja
para passeios ou negócios. O aeroporto é composto por uma gama de significados que
traduzem ou sintetizam os paradigmas da pós-modernidade.
Cada elemento que compõe o ambiente do aeroporto vai representar um
monumento propenso à visitação por aqueles desejam usufruir, mesmo que
superficialmente, das diretrizes dos novos tempos. O turista de aeroporto pretende viver
por alguns momentos o sonho da mobilidade e, sobretudo, da possibilidade.
A pista de pouso e decolagem é um dos fortes marcos do aeroporto. É lá que
desfilam as grandes atrações da visita, os aviões. As máquinas representam a tecnologia
que suplanta a lei física da gravidade e o senso comum do homem plantado ao chão.
Quando vistos do alto, pequenos pássaros de metal, o desafio ao imaginário nem parece
tão provocador. Mas encarar os aviões parados, enormes máquinas de chumbo, direção
arrastada em solo, é algo que impressiona. Surpreende muito mais quando retornam ao
céu, num passe da mágica tecnológica, para se transformarem nos pequenos pássaros. O
chegar e o partir das máquinas incendeia a vontade pós-moderna de se deslocar sempre.
Voltando o olhar para dentro do aeroporto, é possível identificar um ambiente
também instigador. Limpeza, sucesso e progresso revestem as paredes do lugar que às
vezes parece um shopping center. O brilhos dos mármores, as luzes brancas direcionadas,
os assentos dispostos no saguão, as eventuais obras de artes expostas para uma rápida
visitação. Os balcões das companhias aéreas ostentam os belos comissários e o alto preço
das viagens. As lojas são a opção de última hora para os viajantes que esqueceram algum
artigo importante ou para os que querem levar algo mais da cidade onde estiveram. Os
freeshops, filiais mundiais da globalização, vendem produtos que são, ao mesmo tempo,
de todos os lugares e de lugar nenhum. Sem impostos locais, pois o aeroporto é um
entreposto mundial.
Mais alguns passos à frente, a praça de alimentação. O conglomerado de
lanchonetes, restaurantes e cafés oferece pratos rápidos para os que embarcarão em breve
e pressupõe a alta rotatividade. Os turistas de aeroporto, entretanto, costumam deter-se
por mais tempo nesse ambiente. É aí que se abrem algumas possibilidades de participação
na vida do aeroporto. Numa sociedade em que a tônica da interação entre as pessoas é o
consumo, bebericar alguma coisa, tomar um sorvete ou mesmo fazer refeições no
aeroporto significa, mesmo que de forma limitada, a consolidação de sua existência para
aquele lugar.
Turista-vítima ou vagabundo-herói
Retomemos neste ponto o conceito do sociólogo Zygmunt Bauman apresentado
na introdução deste artigo. Bauman caracterizou os turistas como os heróis da pós-
modernidade, mas também caracterizou os vagabundos como suas vítimas. O turista-
herói, para Bauman, é aquele que pode escolher o seu trajeto ou o seu destino. Porém, a
escolhida flexibilidade e mobilidade do turista são o fardo do vagabundo. Enquanto o
turista inicia sua viagem por achar seu lar entendiante e desejar viver experiências mais
excitantes, o vagabundo está em movimento, não por manifestação de sua liberdade, mas
porque foi impelido por trás. Não há outra escolha senão perambular, já que ao
vagabundo é negada a possibilidade de voltar ao lar. O vagabundo é a vítima da pós-
modernidade pelas escolhas que lhe são negadas. “Se os turistas se movem porque acham
o mundo irresistivelmente atrativo, os vagabundos se movem porque acham o mundo
insuportavelmente inóspito. (...) Os vagabundos, pode-se dizer, são turistas
involuntários”.4
Os turistas de aeroporto estão localizados entre as idéias de turistas-heróis e
vagabundos-vítimas da pós-modernidade de Bauman. Podem ser turistas-vítimas ou
vagabundos-heróis. Vagabundos pela impossibilidade de escolher o destino e a ocasião
de suas andanças. Quando se deslocam, costumeiramente é porque migram por melhores
condições de vida ou por alguma ação de despejo. Apesar de vagabundos, desejam a
opção de ir aos lugares apenas a passeio. Assim, deslocam-se dentro dos seus limites
econômicos e sociais, mudam o trajeto da cidade. Incluir o aeroporto na rota de passeio
pode ser uma boa opção. Estar no aeroporto significa aproveitar, da forma que lhes é
possível, um pouco da realidade dos turistas-heróis: o acesso à tecnologia, a
acessibilidade e proximidade de todas as partes do mundo. É como se a visita ao
aeroporto ilustrasse e acendesse algo que só lhes é real quando no plano imaginário.
Nosso turista de aeroporto, não deixa de ser turista, mas não carrega a mala heróica dos
que embarcam nos aviões que ele vê partir da vidraça do aeroporto.
Conclusões
A pós-modernidade continua carregando uma gama de diferenças e tempos
desconexos. Os movimentos de globalização e mundialização de experiências não
resolvem as desigualdades econômicas e sociais e, em certa medida, acabam por acentuá-
las.
Falamos aqui do turista de aeroporto, mas poderíamos ter falado de tantos outros
turistas ou de tantas outras relações que as pessoas estabelecem em busca da liberdade e
4 BAUMAN, Zygmunt. “Turistas e Vagabundos: os heróis e as vítimas da pós-modernidade”, O Mal-Estar da Pós-
Modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998, pp.118.
da mobilidade tão proclamadas pela pós-modernidade. Escolhemos falar do turista de
aeroporto pela contradição que carrega em si mesmo. Ele não vivencia o universo da
escolha e da possibilidade de optar seu itinerário ou destino de viagem, como os turistas
tradicionais, e está muito distante do universo de tecnologia que está a serviço dos que
podem viajar. Porém, ele está ali, no lugar-símbolo da viagem e do progresso, fazendo, à
sua maneira, turismo. “A mobilidade do capital e a sociedade de rede têm efeitos diferentes.
Para os vencedores existem benefícios e ganhos de status de vida numa cultura de velocidades
com altos níveis de mobilidade e movimento. Para os perdedores existe somente uma cultura de
estase e repetição.”5
Referências Bibliográficas
AUGÉ, Marc. Não-lugares – Introdução a uma antropologia da supermodernidade. 2ª edição. Campinas: Papirus, 2001. BAUMAN, Zygmunt. “Turistas e Vagabundos: os heróis e as vítimas da pós-modernidade”, O Mal-Estar da Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998, pp.106-120. BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire. Um lírico no auge do capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1989. [Obras Escolhidas III] FEATHERSTONE, Mike. “A Globalização da Mobilidade: experiências, sociabilidade e velocidade nas culturas tecnológicas”, Lazer numa sociedade globalizada. São Paulo: SESC / WRLA, 2000, pp. 47-112. MAFFESOLI, Michel. Sobre o Nomadismo – Vagabundagens pós-modernas. Rio de Janeiro: Record, 2001. ORTIZ, Renato. Um outro território – ensaios sobre a mundialização. Olho D’água, 2000. SASSEN, Saskia. “A cidade e a indústria global do entretenimento”, Lazer numa sociedade globalizada. São Paulo: SESC / WRLA, 2000, pp.113-120.
5 FEATHERSTONE, Mike. “A Globalização da Mobilidade: experiências, sociabilidade e velocidade nas culturas tecnológicas”, Lazer numa sociedade globalizada. São Paulo: SESC / WRLA, 2000, pp. 76.
URRY, John. O Olhar do Turista. Lazer e viagens nas sociedades contemporâneas. São Paulo: Studio Nobel, 1996.