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Curso de Especialização em Linhas de Cuidado em Enfermagem Módulo vii: REDE DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL (RAPS) ATENÇÃO PSICOSSOCIAL

Modulo7_Psicossocial

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Modulo de um curso acerca do atendimento psicossocial

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  • Curso de Especializao em

    Linhas de Cuidado em Enfermagem

    Mdulo vii: REDE DE ATENO PSICOSSOCIAL (RAPS)

    ATENO PSICOSSOCIAL

  • GOVERNO FEDERALPresidente da Repblica Dilma Vana RousseffMinistro da Sade Alexandre PadilhaSecretrio de Gesto do Trabalho e da Educao na Sade (SGTES) Diretora do Departamento de Gesto da Educao na Sade (DEGES) Coordenador Geral de Aes Estratgicas em Educao na Sade

    UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINAReitora Roselane NeckelVice-Reitora Lcia Helena PachecoPr-Reitora de Ps-Graduao Joana Maria PedroPr-Reitor de Extenso Edison da Rosa

    CENTRO DE CINCIAS DA SADEDiretor Srgio Fernando Torres de Freitas Vice-Diretora Isabela de Carlos Back Giuliano

    DEPARTAMENTO DE ENFERMAGEMChefe do Departamento Vera RadnzSubchefe do Departamento Grace Dal Sasso

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ENFERMAGEMCoordenadora Vnia Marli Schubert Backes Subcoordenadora Odala Maria Brggemann

    COMIT GESTORCoordenadora Geral do Projeto e do Curso de Especializao Vnia Marli Shubert Backes Coordenadora Didtico-Pedaggica Kenya Schmidt ReibnitzCoordenadora de Tutoria Lcia Nazareth AmanteCoordenadora de EaD Grace Terezinha Marcon Dal SassoCoordenadora de TCC Flvia Regina Souza RamosCoordenadoras Plos Silvana Martins Mishima, Lucieli Dias Pedreschi Chaves, Lucilene Cardoso

    EQUIPE DE APOIOSecretaria: Claudia Crespi Garcia e Viviane Aaron XavierTecnologia da Informao: Fbio Schmidt Reibnitz

    AUTORESLucilene CardosoZeyne Alves Pires SchererMaria Terezinha ZeferinoJonas Salomo Spricigo.Edilaine C. Silva Gherardi DonatoIsabela dos Santos MartinJeferson Rodrigues

    REVISO TCNICAMaria Gabriela Curubeto Godoy

  • 2013 todos os direitos de reproduo so reservados Universidade Federal de Santa Catarina.Somente ser permitida a reproduo parcial ou total desta publicao, desde que citada a fonte.

    Edio, distribuio e informaes:Universidade Federal de Santa CatarinaCampus Universitrio, 88040-900 Trindade Florianpolis SC

    M7 - Rede de Ateno Psicossocial (RAPS)

    C268c CARDOSO, LucileneCurso de Especializao em Linhas de Cuidado em Enfermagem: Rede de Ateno Psicossocial (RAPS) / Lucilene Cardoso; Zeyne Alves Pires Scherer; Maria Terezinha Zeferino; et al. Florianpolis (SC): Universidade Federal de Santa Catarina/Programa de Ps-Graduao em Enfermagem, 2013.

    103 p.

    ISBN: 978-85-88612-67-9

    1. Sade Mental. 2. Ateno Psicossocial. 3. Enfermagem Psiquitrica

    CDU 616-083:616.89

    Catalogado na fonte por Anna Khris Furtado D. Pereira CRB14/1009

    EQUIPE DE PRODUO DE MATERIALCoordenao Geral da Equipe Eleonora Milano Falco Vieira, Marialice de MoraesCoordenao de Design Instrucional Andreia Mara FialaDesign Instrucional Master Mrcia Melo BortolatoDesign Instrucional Isabela C. G. de OliveiraReviso Textual Deise Joelen Tarouco de FreitasCoordenao de Design Grfico Giovana SchuelterDesign Grfico Tas Massaro, Fabrcio SawczenDesign de Capa Rafaella Volkmann PaschoalProjeto Editorial Cristal Muniz, Fabrcio Sawczen

  • CURSO DE ESPECIALIZAO EM

    LINHAS DE CUIDADO EM ENFERMAGEM

    MDULO VII

    REDE DE ATENO PSICOSSOCIAL (RAPS)

    FLORIANPOLIS2013

    UFSC/ENFERMAGEM/PEN

  • Carta do autorCaro aluno,

    com satisfao que damos a voc as boas-vindas! Como sempre, ser muito bom participarmos juntos de mais um mdulo deste curso, com-partilhando conhecimentos na rea da Ateno Psicossocial. Trata-se de uma rea que vem apresentando grandes mudanas nas ltimas dcadas, o que torna ainda mais importante nosso aprendizado, atualizao e troca de conhecimentos.

    Neste mdulo introduziremos os conceitos de Redes de Ateno em Sade e compartilharemos conhecimentos sobre Rede de Ateno Psicossocial, seus componentes e pontos de ateno.

    Estes conhecimentos proporcionaro a voc, profissional atuante na Rede de Ateno Psicossocial, ferramentas para uma assistncia em Rede quali-ficada, pois ter a oportunidade de compreender e apreender as modifica-es do modelo assistencial vigente.

    Contamos com sua participao ativa neste processo que fundamental para aprimorarmos mais nossos conhecimentos na assistncia em sade. Compartilhando experincias prticas de cada servio e comunidades em que atuam, respeitando as diferentes regies e populaes que constituem nosso cotidiano.

    Desde j desejamos um timo curso a todos!

    Vamos juntos para mais este estudo?

    Abraos,

    Lucilene Cardoso, Dra.Zeyne Alves Pires Scherer, Dra.Maria Terezinha Zeferino, Dra.Jonas Salomo Spricigo, Dr.Edilaine C. Silva Gherardi Donato, Dra.Isabela dos Santos Martin, Esp.Jeferson Rodrigues, Dr.

    Cada pessoa que passa em nossa vida, passa sozinha, porque cada pessoa nica e nenhuma substitui a outra! Cada pessoa que passa em nossa vida passa sozinha e no nos deixa s porque deixa um pouco de si, mas porque tambm leva um pouquinho de ns. Essa a mais bela respon-

    sabilidade da vida e a prova de que as pessoas no se encontram por acaso.Charles Chaplin

  • objetivo GeralAo final deste mdulo, o aluno ser capaz de discutir a formulao e im-plementao da Rede de Ateno Psicossocial e o trabalho integrado na Cidade/Territrio.

    CarGa Horria45 horas.

  • Sumrio

    unidade 1 rede de ateno PSiCoSSoCial: objetivoS, ComPonenteS e PontoS de ateno. ....91.1 Introduo...................................................................................................................................... 91.2 Rede de Ateno Psicossocial RAPS: constituio e objetivos ............................................................. 10

    1.2.1 Componentes e pontos de ateno da Rede de Ateno Psicossocial - RAPS .....................................................11

    1.3 Resumo ...................................................................................................................................... 361.4 Fechamento ................................................................................................................................. 371.5 Recomendao da leitura complementar ........................................................................................... 38

    unidade 2 Cuidado em ateno PSiCoSSoCial ........................................................412.1 Introduo.................................................................................................................................... 412.2 Dimenses do cuidado na Ateno Psicossocial .................................................................................. 422.3 Processo de trabalho: ncleo e campo no trabalho interdisciplinar ......................................................... 452.4 O Enfermeiro nas equipes de ateno ............................................................................................... 482.5 Os tcnicos/auxiliares de enfermagem nas equipes de ateno ........................................................... 532.6 Resumo ....................................................................................................................................... 552.7 Fechamento ................................................................................................................................ 562.8 Recomendao de leitura complementar .......................................................................................... 56

    unidade 3 Planejamento e GeSto na ateno PSiCoSSoCial .....................................593.1 Introduo.................................................................................................................................... 593.2 Ateno Psicossocial: Anlise Situacional .......................................................................................... 60

    3.2.1 Dados Estatsticos dos Transtornos Mentais ..................................................................................................60

    3.2.2 Ampliao e qualificao das aes de ateno psicossocial na ateno bsica ..................................................64

    3.2.3 A problemtica do uso abusivo de lcool, crack e outras drogas. .....................................................................64

    3.3 Planejamento da Rede de Ateno Psicossocial .................................................................................. 663.4 As pessoas e a situao de sade .................................................................................................... 71

    3.4.1 A anlise situacional a partir do territrio .....................................................................................................73

    3.5. Financiamento e oramento da RAPS ............................................................................................. 773.6 A organizao da RAPS e sua gesto ................................................................................................ 833.7 Resumo ....................................................................................................................................... 903.8 Fechamento ................................................................................................................................. 903.9 Recomendao de Leitura Complementar ......................................................................................... 91

    enCerramento do mdulo ...................................................................................92refernCiaS ....................................................................................................93miniCurrCuloS doS autoreS ..............................................................................103

  • UNIDADE 1

  • Rede de Ateno Psicossocial: objetivos, componentes e pontos de ateno

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    Unidade 1 Rede de Ateno Psicossocial: objeti-vos, componentes e pontos de ateno.Ao final desta unidade o aluno ser capaz de identificar os objetivos, com-ponentes e pontos de ateno da Rede de Ateno Psicossocial (RAPS).

    1.1 IntroduoNesta unidade abordaremos o conceito de Redes de Ateno a Sade (RAS), mais especificamente a Rede de Ateno Psicossocial (RAPS).

    As propostas de Redes de Ateno a Sade (RAS) nas polticas pblicas tm sido, crescentemente, adotadas a partir da dcada de 90, para substituir as organizaes hierrquicas rgidas e implantar redes que se apresentam es-truturadas em organizaes flexveis e abertas, proporcionando o compar-tilhamento e a interdependncia de objetivos, informaes, compromissos e resultados (CAPRA, 2002; INOJOSA, 2008; OUVERNEY, 2008).

    Rede de Ateno Sade (RAS): so definidas como arranjos organizativos de aes e servios de sade, de diferentes densidades tecnolgicas, integradas por meio de sistemas tcnico, logstico e de gesto e, buscam garantir a integralidade do cuidado.

    A RAS tem como objetivo promover a integrao de aes e servios de sade com a finalidade de oferecer ateno contnua, integral, de quali-dade, responsvel e humanizada, bem como incrementar o desempenho do Sistema, em termos de acesso, equidade, eficcia clnica e sanitria e, eficincia econmica (BRASIL, 2010a).

    Considerando tais caractersticas, as RAS apresentam comunicao de aes e servios passveis de transformao e reinveno de papis e ter-ritorialidades, fundamentais para a constituio e operao de diferentes formas de cuidado. Essa articulao em rede rompe com o conceito de centralidade de cuidados, ou seja, oferece dinamismo e flexibilidade aos servios, a fim de gerar melhores resultados da ateno (BRASIL, 2010a).

  • Rede De Ateno Psicossocial (RAPS)

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    Assim, os servios de sade que compem a rede estruturam-se em pontos de ateno sade, que so locais onde oferecido o cuidado, compostos por equipamentos de diferentes densidades tecnolgicas que devem ser distribudos, espacialmente, de maneira eficaz (MENDES, 2011).

    Saiba mais

    Os sistemas fragmentados tm sido um desastre sanitrio e econmico em todo o mundo, sendo uma alternativa a esse modelo organizacional a implantao de Redes de Ateno Sade. Saiba mais sobre estas, vendo o PDF de Mendes: As Redes de Ateno Sade. Organizao Pan-americana da Sade, produzido pela Organizao Mundial da Sade. Disponvel em: .

    Acesse tambm a portaria 4279 que regulamenta a RAS. Disponvel em:

    1.2 Rede de Ateno Psicossocial RAPS: constitui-o e objetivosAgora, vamos focar nosso estudo na Rede de Ateno Psicossocial (RAPS), responsvel pelo oferecimento da linha de cuidados vinculada ateno psicossocial da populao (BRASIL, 2011a). Sua criao decorre da efetiva-o de direitos conquistados pela promulgao da Lei n10.216/01 (BRASIL, 2001) que dispe sobre a proteo e os direitos das pessoas com transtor-nos mentais e redireciona o modelo assistencial em sade mental e a Lei n8.080/90 (BRASIL, 1990), que dispe sobre as condies para promoo, proteo e recuperao da sade, organizao e o funcionamento dos ser-vios de sade correspondentes.

    A Rede de Ateno Psicossocial - RAPS prope a organizao dos servios de sade de forma integrada, articulada e efetiva, por meio da ampliao e diversificao das aes e equipamentos de sade, com a garantia do acesso universal, ofertando cuidado integral com qualidade e assistn-cia multiprofissional. Deste modo, a RAPS contm diferentes pontos de ateno para atender as pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, lcool e outras drogas (BRASIL, 2011a).

  • Rede de Ateno Psicossocial: objetivos, componentes e pontos de ateno

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    A Rede de Ateno Psicossocial (RAPS) tem como objetivos (BRASIL, 2011a):

    Ampliar o acesso ateno psicossocial da populao em geral;

    Promover o cuidado das pessoas com transtornos mentais e com necessidades decorrentes do uso de crack, lcool e outras drogas e suas famlias nos pontos de ateno;

    Garantir a articulao e integrao dos pontos de ateno das redes de sade no territrio, qualificando o cuidado por meio do acolhi-mento, do acompanhamento contnuo e da ateno s urgncias.

    Para atender essa organizao, os servios de sade do Sistema nico de Sade (SUS) e todos os dispositivos e recursos sociais existentes esto se organizando para que as Redes de Ateno em Sade ofeream cuidados em sade mental, considerando a desinstitucionalizao de pessoas com transtornos mentais e com necessidades decorrentes do uso de crack, l-cool e outras drogas, em situao de internao de longa permanncia; a reabilitao e reinsero social atravs do acesso ao trabalho, renda e mo-radia solidria; ateno s situaes de crise; entre outros (BRASIL, 2011a).

    1.2.1 Componentes e pontos de ateno da Rede de Ateno Psicossocial - RAPS O desenvolvimento e consolidao da RAPS est em consonncia com o Pacto pela Sade e a proposta de reorganizao do SUS em Redes de Aten-o Sade (Lei 8080, decreto 7508, portaria das RAS 4279) e tambm de-corre dos avanos da Poltica Nacional de Sade Mental, que considerou a necessidade de oferecer uma rede de servios de sade mental integrada, articulada e efetiva, composta por diferentes pontos de ateno para ofer-tar aes s pessoas com sofrimento ou transtorno mental e necessidades decorrentes do consumo de lcool, crack e outras drogas.

    A Rede de Ateno Psicossocial constituda pelos seguintes componen-tes e seus pontos de ateno de acordo com os Artigos 5 e 6 da Portaria 3.088/2011 (BRASIL, 2011a):

    I - ateno bsica em sade, formada pelos seguintes pontos de ateno:

    a) Unidade Bsica de Sade;

    b) Equipe de ateno bsica para populaes especficas:

    1. Equipe de Consultrio na Rua;

    2. Equipe de apoio aos servios do componente Ateno Residencial de Carter Transitrio;

    c) Centros de Convivncia;

  • Rede De Ateno Psicossocial (RAPS)

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    II - ateno psicossocial especializada, considerada estratgica na in-duo de um modelo de ateno psicossocial, formada pelos seguintes pontos de ateno:

    a) Centros de Ateno Psicossocial, nas suas diferentes modalidades;

    III - ateno de urgncia e emergncia, formada pelos seguintes pontos de ateno:

    a) SAMU 192;

    b) Sala de Estabilizao;

    c) UPA 24 horas;

    d) portas hospitalares de ateno urgncia/pronto socorro;

    e) Unidades Bsicas de Sade, entre outros;

    IV - ateno residencial de carter transitrio, formada pelos seguintes pontos de ateno:

    a) Unidade de Acolhimento;

    b) Servios de Ateno em Regime Residencial;

    V - ateno hospitalar, formada pelos seguintes pontos de ateno:

    a) enfermaria especializada em Hospital Geral;

    b) servio Hospitalar de Referncia para Ateno s pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, lcool e outras drogas;

    VI - estratgias de desinstitucionalizao, formada pelo seguinte ponto de ateno:

    a) Servios Residenciais Teraputicos;

    b) Programa de Volta para Casa.

    VII - reabilitao psicossocial.

    Saiba mais

    Para conhecer a Lei n 10.216/01, que dispe sobre a proteo e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em sade mental, acesse

  • Rede de Ateno Psicossocial: objetivos, componentes e pontos de ateno

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    Assim sendo, a RAPS constituda pela articulao de diversos componen-tes e seus pontos de ateno no mbito do SUS. No decorrer deste mdu-lo detalharemos o papel e as funes dos componentes e seus pontos de ateno na ateno psicossocial.

    I - Ateno Bsica em Sade

    A Ateno Bsica caracterizada por um conjunto de aes de sade, no mbito individual e coletivo, que abrangem a promoo e a proteo da sade, a preveno de agravos, o diagnstico, o tratamento, a reabilitao e a manuteno da sade (BRASIL, 2011b).

    As aes em sade so desenvolvidas por meio do exerccio de prticas gerenciais e sanitrias, democrticas e participativas, sob a forma de tra-balho em equipe, dirigidas a populaes de territrios delimitados, pelas quais assume a responsabilidade sanitria, considerando a dinamicidade existente no territrio em que vivem essas populaes. So utilizadas tec-nologias de elevada complexidade e baixa densidade, que devem resolver os problemas de sade de maior frequncia e relevncia em seu territrio (BRASIL, 2011b).

    Os servios so orientados pelos princpios da universalidade, da acessibilidade e da coordenao do cuidado, do vnculo e continuidade, da integralidade, da responsabilizao, da humanizao, da equidade e da participao social (BRASIL 2011b).

    No mbito do SUS, o cuidado em sade na ateno bsica facilita e agiliza o acesso, melhora a qualidade da ateno prestada e reduz os desperd-cios decorrentes de investigaes desnecessrias e/ou inapropriadas (OMS, 2001).

    A Ateno Bsica uma importante rea no campo da ateno psicosso-cial. onde geralmente acontece o primeiro contato da populao com os cuidados de sade. Esse nvel de ateno tem como princpios a integrali-dade, o cuidado longitudinal e a territorialidade.

    De acordo com o Relatrio Anual de Sade da Organizao Mundial de Sade (OMS, 2001), a integrao de cuidados em sade mental na ateno bsica fundamental por possibilitar:

    A reduo do estigma pessoa com transtorno mental e necessida-des decorrentes do uso de lcool e outras drogas.

  • Rede De Ateno Psicossocial (RAPS)

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    A qualificao e ampliao do cuidado clnico das pessoas com transtorno mental e necessidades decorrentes do uso de lcool e outras drogas.

    A ampliao do acesso e capilarizao das aes de cuidado em sa-de mental individual e coletivo.

    A continuidade do cuidado em sade mental no territrio, potencia-lizando as possibilidades de reinsero social.

    Observamos que a Ateno Bsica em Sade desempenha importante pa-pel na Rede de Ateno Psicossocial por sua proximidade com as famlias e comunidades. Em tal contexto, a Sade da Famlia entendida como uma estratgia de reorientao do modelo assistencial, sendo operacionalizada com a implantao de equipes multiprofissionais em unidades bsicas de sade. Estas equipes so responsveis pelo acompanhamento de um n-mero definido de famlias, localizadas em uma rea geogrfica delimitada. As equipes atuam com aes de promoo da sade, preveno, recupera-o, reabilitao de doenas e agravos mais frequentes, e na manuteno da sade desta comunidade (BRASIL, 2003a, 2010a).

    As equipes de sade da Estratgia de Sade da Famlia (ESF) so uma das estratgias para o cuidado ampliado e integral s pessoas com transtornos mentais e com necessidades decorrentes do uso de crack, lcool e outras drogas. No mbito do SUS, oferecido cuidado a usurios, identificar indivduos com histria de ruptura dos laos sociais, articular pontos de ateno para a continuidade dos projetos teraputicos singulares bem como propr abordagens conjuntas, como aes de reduo de danos ou oferta de tratamento.

    O desenvolvimento da Estratgia Sade da Famlia (ESF) e dos novos servi-os substitutivos em sade mental especialmente os Centros de Ateno Psicossocial (CAPS) nos ltimos anos, marcam um progresso indiscutvel da poltica do SUS (BRASIL, 2003a, 2010a).

    Contudo, nem sempre a ateno bsica apresenta condies para as prti-cas preventivas e a articulao com a sade mental. Muitas vezes, a ausn-cia de recursos humanos e a falta de capacitao acabam por prejudicar o desenvolvimento de uma ao integral pelas equipes. Alm disso, atender s pessoas com transtornos mentais , de fato, uma tarefa muito complexa (BRASIL, 2003a).

  • Rede de Ateno Psicossocial: objetivos, componentes e pontos de ateno

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    Nessa compreenso, baseamos a ideia de que importante estimular ativamente, as polticas de expanso, formulao e avaliao da Ateno Bsica, diretrizes que incluam a dimenso subjetiva dos usurios e os problemas mais graves de sade mental. Assumir este compromisso uma forma de responsabilizao em relao produo de sade, busca da eficcia das prticas e promoo da equidade, da integralidade e da cidadania num sentido mais amplo (BRASIL, 2003a).

    Como j foi dito, as aes de sade mental na Ateno Bsica devem obe-decer ao modelo de redes de cuidado, de base territorial e atuao trans-versal com outras polticas especficas e que busquem o estabelecimento de vnculos e acolhimento. Essas aes devem estar fundamentadas nos princpios do SUS e nos princpios da Reforma Psiquitrica (BRASIL, 2003a).

    Podemos sintetizar como princpios fundamentais desta articulao entre sade mental e ateno bsica (BRASIL, 2003a):

    Noo de territrio.

    Organizao da ateno sade mental em rede.

    Intersetorialidade.

    Reabilitao psicossocial.

    Multiprofissionalidade/interdisciplinaridade.

    Desinstitucionalizao.

    Promoo da cidadania dos usurios.

    Construo da autonomia possvel de usurios e familiares.

    Em janeiro de 2008 foram criados os Ncleos de Apoio Sade da Fam-lia - NASF, com o objetivo de ampliar a abrangncia e o escopo das aes da ateno bsica, bem como sua resolubilidade, apoiando a insero da estratgia de Sade da Famlia na rede de servios e o processo de territo-rializao e regionalizao a partir da ateno bsica (BRASIL, 2008a).

  • Rede De Ateno Psicossocial (RAPS)

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    Saiba mais

    Para conhecer a Portaria n 154, de 24 de janeiro de 2008. BRASIL. Ministrio da Sade que cria os Ncleos de Apoio Sade da Famlia - NASF, e a Portaria N 3.124, de 28 de dezembro de 2012. BRASIL. Ministrio da Sade, que Redefine os parmetros de vinculao dos Ncleos de Apoio Sade da Famlia (NASF) Modalidades 1 e 2 s Equipes Sade da Famlia e/ou Equipes de Ateno Bsica para populaes especficas, cria a Modalidade NASF 3, e d outras providncias. Portaria 154/2008, acesse: e Portaria 3124/2012 acesse:

    Pontos de ateno do componente ateno bsica de acordo com a portaria 3088/2011 (BRASIL, 2011a):

    a) A Unidade Bsica de Sade um servio constitudo por equipe multiprofissional responsvel por um conjunto de aes de sade, de mbito individual e coletivo, que abrange promoo e a proteo da sade, a preveno de agravos, o diagnstico, o tratamento, a reabilitao, a reduo de danos e a manuteno da sade. Tem como objetivo desenvolver a ateno integral que impacte na situao de sade e autonomia das pessoas e nos determinantes e condicionantes de sade das coletividades.

    A Unidade Bsica de Sade como ponto de ateno da RAPS tem a respon-sabilidade de desenvolver aes de promoo de sade mental, preveno e cuidado dos transtornos mentais, aes de reduo de danos e cuidado para pessoas com necessidades decorrentes do uso de crack, lcool e outras drogas compartilhadas, sempre que necessrio, com os demais pontos da rede (BRASIL, 2011a).

    b) Equipes de Ateno Bsica para Populaes em Situaes Especficas:

    Equipes de Consultrios na Rua

    A Equipe de Consultrio na Rua constituda por trabalhadores que atuam de forma itinerante, ofertando aes e cuidados de sade para a populao em situao de rua, considerando suas diferentes necessidades de sade.

    responsabilidade da Equipe do Consultrio na Rua ofertar cuidados em sade mental para pessoas em situao de rua em geral; pessoas com transtornos mentais e usurios de crack, lcool e outras drogas, incluindo aes de reduo de danos, em parceria com equipes de outros pontos de

  • Rede de Ateno Psicossocial: objetivos, componentes e pontos de ateno

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    ateno da rede de sade, como Unidades Bsicas de Sade, Centros de Ateno Psicossocial, Prontos-socorros, entre outros. Quando necessrio, a equipe de Consultrio na Rua poder utilizar as instalaes das Unidades Bsicas de Sade do territrio de acordo com as portarias 3088/2011 e por-taria 122/2011 - especfica sobre consultrios na rua (BRASIL, 2011a, 2011d).

    Equipes de Apoio aos Servios de Ateno Residencial de Car-ter Transitrio

    A Equipe de Apoio aos Servios do componente Ateno Residencial de Carter Transitrio oferece suporte clnico e apoio a esses pontos de aten-o. Essa equipe multiprofissional coordena o cuidado e presta servios de ateno sade de forma longitudinal e articulada com os outros pontos de ateno da rede (BRASIL, 2011a).

    c) Centros de Convivncia

    Os Centros de Convivncia so unidades pblicas, articuladas s Redes de Ateno Sade, em especial Rede de Ateno Psicossocial, onde so oferecidos populao em geral espaos de sociabilidade, produo e in-terveno na cultura e na cidade. Tais servios so estratgicos para a in-cluso social das pessoas com transtornos mentais e pessoas que fazem uso de crack, lcool e outras drogas, por meio da construo de espaos de convvio e sustentao das diferenas na comunidade e em variados espa-os da cidade (BRASIL, 2011a).

    d) Ncleos de Apoio Sade da Famlia

    No campo da sade mental, os NASF so dispositivos com alta potencia-lidade para garantir a articulao entre as equipes de Sade da Famlia e as equipes de Sade Mental dos municpios, melhorando o acesso e o cui-dado das pessoas com transtornos mentais e com problemas relacionados ao uso de lcool e outras drogas. Os NASF devem integrar-se a essa rede, organizando suas atividades a partir das demandas articuladas junto s equipes de Sade da Famlia, devendo contribuir para propiciar condies reinsero social dos usurios e a uma melhor utilizao das potenciali-dades dos recursos comunitrios na busca de melhores prticas em sade, de promoo da equidade, da integralidade e da construo da cidadania. Estas aes devem ser orientadas para a preveno e promoo da sade, tratamento e reduo dos riscos e danos (BRASIL, 2011c).

    Os NASF so compostos por equipes compostas de trabalhadores de dife-rentes reas de conhecimento, que devem atuar de maneira integrada e apoiando os profissionais das equipes de Sade da Famlia, das equipes de ateno bsica para populaes especficas (Consultrios na Rua, equipes Ribeirinhas e Fluviais entre outras) e das Academias da Sade. A atuao dos NASF implica no compartilhamento de prticas e saberes em sade

  • Rede De Ateno Psicossocial (RAPS)

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    nos territrios sob responsabilidade dessas equipes, atuando diretamente no apoio matricial s equipes da(s) unidade(s) na(s) qual(is) o NASF est vinculado e no territrio dessas equipes. O apoio matricial dos NASF inclui o suporte e manejo compartilhado de situaes relacionadas a transtorno mental e aos problemas relacionados ao uso de crack, lcool e outras dro-gas (BRASIL, 2011a).

    II Ateno Psicossocial Especializada/Estratgica

    A poltica de estruturao e fortalecimento da RAPS centrada na as-sistncia comunitria, com nfase na reabilitao e reinsero social de pessoas com transtornos mentais e necessidades decorrentes do uso de crack, lcool e outras drogas, por meio de dispositivos extra-hospitalares de ateno psicossocial, devidamente articulada rede assistencial em sade mental e as outras redes de sade (BRASIL, 2011a).

    Ponto de ateno do componente Ateno psicossocial especializada/estratgica: OS CAPSDentre os pontos de ateno destinados ao cuidado em Sade Mental, destacam-se os Centros de Ateno Psicossocial (CAPS), que realizam o acolhimento e atendimento a pessoas com transtornos mentais graves e persistentes e com necessidades decorrentes do uso de crack, lcool e ou-tras drogas, de forma articulada com os outros pontos de ateno e demais Redes.

    Este ponto de ateno visa estimular a integrao social e familiar de seus usurios, apoiando suas iniciativas de busca de autonomia, oferecendo atendimento por equipe multiprofissional sob a tica interdisciplinar, prio-ritariamente em espaos coletivos. Sua caracterstica principal integrar o servio a um ambiente social e cultural concreto, designado como seu territrio, o espao da cidade onde se desenvolve a vida cotidiana de usu-rios e familiares. Os CAPS so uma das principais estratgias do processo de reforma psiquitrica no Brasil (BRASIL, 2003a).

    Os CAPS assumem papel importante na articulao da Rede de Ateno Psicossocial, tanto cumprindo suas funes na assistncia direta e na regu-lao da rede de servios de sade mental, trabalhando em conjunto com as equipes de Sade da Famlia e Agentes Comunitrios de Sade, quanto na promoo da vida comunitria e da autonomia dos usurios, articulan-do os recursos existentes em outras redes (BRASIL, 2004a).

    O primeiro CAPS do Brasil foi inaugurado em maro de 1986, na cidade de So Paulo. A criao deste CAPS e posteriormente dos NAPS (Ncleos de Apoio Psicossocial) em Santos, representaram experincias que fundamen-

  • Rede de Ateno Psicossocial: objetivos, componentes e pontos de ateno

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    taram a criao oficial deste tipo de servio a partir da portaria 224/1992 (BRASIL, 1992). O processo de criao dos CAPS fez parte de um intenso movimento social, inicialmente composto por trabalhadores de sade mental, que buscavam a melhoria da assistncia no Brasil e denunciava a situao precria dos hospitais psiquitricos, que eram o nico recurso destinado s pessoas com transtornos mentais (BRASIL, 2004a).

    Estratgicos no processo de Reforma psiquitrica brasileira, os CAPS foram implantados em vrios municpios do pas e vo consolidando-se como dispositivos eficazes na diminuio de internaes e na mudana do mo-delo assistencial. Os CAPS so atualmente regulamentados pelas Portarias n 336/02, 3088/2011 e pela PT 130/2012. A portaria 336/2002 reconheceu e ampliou o funcionamento e a complexidade dos CAPS, estabelecendo ti-pos de CAPS por cobertura populacional, tipo de problema e faixas etrias (BRASIL, 2002a).

    Saiba mais

    Amplie seus conhecimentos, acessando o portal do Ministrio da Sade/BRASIL. Leia a Portaria n 336, de 19 de fevereiro de 2002, que estabelece o funcionamento e a modalidades de diferentes complexidades do CAPS. Dirio Oficial da Unio, Braslia, DF, 2002a. Acesse: Disponvel em: .

    Leia tambm as Portarias 3.088/2011 e 130/2012. Acesse: e em .

    As atividades no CAPS so desenvolvidas por equipe multiprofissional que atua sob a tica interdisciplinar e devero situar-se em um espao fsi-co apropriado, assemelhando-se a uma casa acolhedora e familiar. Eles devem ser territorializados, ou seja, devem estar circunscritos no espao de convvio social (famlia, escola, trabalho, igreja entre outros ) daqueles pacientes que os frequentam. Deve ser um servio que resgate as poten-cialidades dos recursos comunitrios sua volta, pois todos estes recursos devem ser includos nos cuidados em sade mental. A reinsero social pode dar-se a partir dos servios, mas sempre em direo comunidade (BRASIL, 2003a).

    Alm disso, os CAPS contribuem para a organizao da rede comunitria de cuidados, trabalhando no direcionamento local das polticas e progra-mas de Sade Mental de acordo com a portaria 3088/2011 (BRASIL, 2011a):

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    Desenvolvendo projetos teraputicos e comunitrios;

    Dispensando medicamentos;

    Encaminhando e acompanhando usurios que moram em residn-cias teraputicas;

    Assessorando e sendo retaguarda para o trabalho dos Agentes Co-munitrios de Sade e Equipes de Sade da Famlia no cuidado do-miciliar;

    Acompanhando e oferecendo suporte a outros pontos de ateno da RAPS, como Unidades de Acolhimento, SRT, entre outras.

    O CAPS tem como objetivo oferecer atendimento populao de sua rea de abrangncia, realizando o acompanhamento clnico e a reinsero social dos usurios pelo acesso ao trabalho, lazer, exerccio dos direitos civis e fortalecimento dos laos familiares e comunitrios. (BRASIL, 2004a).

    As prticas realizadas nos CAPS se caracterizam por ocorrerem em am-biente aberto, acolhedor e inserido na cidade, no bairro. O cuidado reali-zado prioritariamente em espaos coletivos (grupos, assembleias de usu-rios, reunio diria de equipe), de forma articulada com os outros pontos de ateno da rede de sade e das demais redes. Os projetos desses servi-os, muitas vezes, ultrapassam a prpria estrutura fsica, em busca da rede de suporte social, potencializadora de suas aes, preocupando-se com o sujeito e sua singularidade, sua histria, sua cultura e sua vida quotidiana (BRASIL, 2004a).

    O Projeto Teraputico Singular (a ser detalhado no Mdulo IX) constru-do de maneira pactuada e negociada entre usurio, familiares e equipe norteador do processo de cuidado no CAPS. A ordenao do cuidado psi-cossocial no territrio estar sob a responsabilidade conjunta do CAPS e da Ateno Bsica, de maneira a garantir um processo continuado de co-gesto e acompanhamento longitudinal dos casos e uma atuao em rede (BRASIL, 2011a).

    Os CAPS esto organizados nas seguintes modalidades, conforme portaria 3088/2011 (BRASIL, 2011a):

    CAPS I: Atende pessoas com transtornos mentais graves e persisten-tes e tambm com necessidades decorrentes do uso de crack, lcool e outras drogas de todas as faixas etrias; indicado para municpios com populao acima de 20.000 habitantes.

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    CAPS II: Atende pessoas com transtornos mentais graves e persis-tentes, podendo tambm atender pessoas com necessidades decor-rentes do uso de crack, lcool e outras drogas, conforme a organiza-o da rede de sade local; indicado para municpios com populao acima de 70.000 habitantes.

    CAPS III: Atende pessoas com transtornos mentais graves e persis-tentes. Proporciona servios de ateno contnua, com funciona-mento 24 horas, incluindo feriados e finais de semana, ofertando re-taguarda clnica e acolhimento noturno a outros servios de sade mental, inclusive CAPS Ad; indicado para municpios ou regies com populao acima de 200.000 habitantes.

    CAPS AD: Atende adultos, crianas e adolescentes, considerando as normativas do Estatuto da Criana e do Adolescente, com necessi-dades decorrentes do uso de crack, lcool e outras drogas. Servio de sade mental aberto e de carter comunitrio, indicado para muni-cpios ou regies com populao acima de 70.000 habitantes.

    CAPS ADIII: Atende adultos, crianas e adolescentes, considerando as normativas do Estatuto da Criana e do Adolescente, com neces-sidades de cuidados clnicos contnuos. Servio com no mximo 12 leitos para observao e monitoramento, de funcionamento 24 ho-ras, incluindo feriados e finais de semana; indicado para municpios ou regies com populao acima de 200.000 habitantes.

    CAPSi: Atende crianas e adolescentes com transtornos mentais graves e persistentes e os que fazem uso de crack, lcool e outras drogas. Servio aberto e de carter comunitrio indicado para muni-cpios ou regies com populao acima de 150.000 habitantes.

    Palavra do profissional

    J existem indicativos em relatrios do Ministrio da Sade (BRASIL, 2010f) da necessidade de reduo da cobertura para populaes a partir de 15.000 habitantes para CAPSI, a partir de 150.000 habitantes para CAPSIII e CAPSADIII e a partir de 70.000 habitantes para CAPSi que ainda precisam ser regulamentadas.

    Uma das principais formas de tratamento oferecido nos CAPS so oficinas teraputicas. Estas so constitudas por atividades realizadas em grupo com a presena e orientao de um ou mais profissionais, monitores e/ou estagirios. Nas oficinas se realizam vrios tipos de atividades que podem ser definidas por meio do interesse e necessidades dos usurios e tambm

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    das possibilidades dos tcnicos do servio e, tendo em vista a maior in-tegrao social e familiar, a manifestao de sentimentos e problemas, o desenvolvimento de habilidades corporais, a realizao de atividades pro-dutivas e o exerccio coletivo da cidadania (BRASIL, 2004a).

    Essas oficinas podem estar associadas ao trabalho e reabilitao, podendo variar de acordo com o contexto local e cultural de cada servio e regio. Articuladas rede social de apoio e a rede de servios do SUS, constituem certamente mais um instrumento de reabilitao psicossocial.

    Palavra do profissional

    Fiquem atentos, pois no mdulo IX apresentaremos os diferentes recursos teraputicos utilizados da Ateno Psicossocial.

    III Ateno a Urgncia e Emergncia

    Historicamente, o modelo de ateno asilar, expresso nos hospitais psiqui-tricos representou a principal, e muitas vezes, a nica respostassitua-es de urgncia e emergncia no campo da sade mental, descontextu-alizando e reduzindo os eventos em questo, invalidando a vivncia dos sujeitos, afastando-os dos recursos e possibilidades reais de restabelecer--se, submetendo-os a experincias de segregao e violao de direitos.

    A ateno s situaes de crise parte integrante do conjunto e da conti-nuidade da prtica teraputica nos servios de sade da Rede de Ateno Psicossocial. , sobretudo, nos contextos reais de vida das pessoas, que se constitui um campo de aprendizagem que envolve os profissionais dos ser-vios, tanto das unidades especializadas quanto dos servios de urgncia e emergncia, os policiais, os usurios, os familiares e as pessoas do territ-rio (NICCIO; CAMPOS, 2004).

    Dada sua relevncia, todos os pontos de ateno da Rede de Ateno s Ur-gncias e Emergncias - SAMU, UPA, Sala de Estabilizao, as portas hospi-talares de ateno urgncia/pronto socorro, Unidades Bsicas de Sade, entre outros, so responsveis, em seu mbito de atuao, pelo acolhimen-to, classificao de risco e cuidado das situaes de urgncia e emergncia em Sade Mental.

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    A ateno urgncia e emergncia psiquitrica visa acolher todas as necessidades de sade do indivduo em crise e promover o melhor restabelecimento possvel de sua sade, em um menor tempo possvel e a insero do usurio para tratamento externo na rede de ateno psicossocial (BRASIL, 2006a).

    De acordo com o Manual de Regulaes Mdicas das Urgncias (BRASIL, 2006a), devido ao grande nmero de julgamentos e dvidas que a termino-logia suscita no meio mdico e no sistema de sade, o Ministrio da Sade optou por utilizar o termo urgncia, para todos os casos que necessitem de cuidados agudos, tratando de classific-los em nveis, tomando como mar-co tico de avaliao o imperativo da necessidade humana.

    Desta forma, a avaliao da urgncia deve ser multifatorial, sendo o grau de urgncia diretamente proporcional gravidade, quantidade de recur-sos necessrios para atender o caso e presso social presente na cena do atendimento, como tambm inversamente proporcional ao tempo neces-srio para iniciar o tratamento.

    Portanto, discutir crise requer considerar vrios elementos que perpassam pelas dimenses da clnica, da cultura, das histrias dos sujeitos e dos re-cursos disponveis no seu contexto familiar e social, estando associada prioritariamente a oferta de uma ateno longitudinal nos contextos de vida das pessoas.

    Assim, para alm das classificaes tradicionais de risco, ainda h desafios e necessidade de construo de critrios de vulnerabilidade psicossocial que possam nortear a atuao dos trabalhadores em situaes de crise e nas urgncias e emergncias em sade mental, de maneira a distinguir populaes socialmente desiguais e ofertar cuidados segundo suas neces-sidades, como o caso, por exemplo, da populao em situao de rua, das populaes do campo e da floresta, de indgenas e quilombolas, dentre outros.

    Palavra do profissional

    O cuidado em situao de crise, urgncia e emergncia psiquitrica sero abordados mais detalhadamente no mdulo IX.

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    Pontos de ateno do componente Ateno a Urgncia e EmergnciaA ateno crise est associada prioritariamente oferta de uma ateno longitudinal nos contextos de vida das pessoas. Assim sendo, o acolhimen-to, a abordagem e o cuidado no territrio s pessoas em situao de crise, devem ser realizados a partir dos diferentes recursos da Rede de Ateno Psicossocial, respeitando os princpios da Reforma Psiquitrica. Neste sen-tido, alguns pontos da RAPS podem ser considerados como estratgicos, por serem mais potentes para intervenes especficas, mediante os recur-sos que dispem: CAPS, SAMU, Servios de Urgncia Psiquitrica, UPAS e Pronto Atendimento.

    a) Segundo a Portaria GM 3088, de 23 de dezembro de 2011, os pontos de ateno da Rede de Ateno s Urgncias so: SAMU 192; Sala de Estabilizao; Unidade de Pronto Atendimento 24 horas; As Portas Hospitalares de Ateno Urgncia/Pronto-socorro; Unidades Bsicas de Sade; entre outros. Tais servios so responsveis, em seu mbito de atuao, pelo acolhimento, classificao de risco e cuidado nas situaes de urgncia e emergncia das pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, lcool e outras drogas (BRASIL, 2011a).

    b) Os Centros de Ateno Psicossocial realizam o acolhimento e o cuidado das pessoas em fase aguda do transtorno mental, seja ele decorrente ou no do uso de crack, lcool e outras drogas, devendo, nas situaes que necessitem de internao ou de servios residenciais de carter transitrio, articular e coordenar o cuidado (BRASIL, 2011a).

    Para que os diferentes pontos da rede produzam efetividade, necessrio o desenvolvimento de estratgias como matriciamento e regulao da rede, que facilitem a articulao entre os mesmos e garantam o funcionamento em rede com o devido compartilhamento de responsabilidades.

    IV Ateno Residencial de Carter Transitrio

    A Ateno Residencial de Carter Transitrio, como componente da RAPS, tem como objetivo oferecer acolhimento voluntrio e cuidados contnuos para pessoas com necessidades decorrentes do uso de crack, lcool e outras drogas, em situao de vulnerabilidade social e familiar e que demandem acompanhamento teraputico e protetivo. O servio dever garantir os di-reitos de moradia, educao e convivncia familiar e social, com tempo de permanncia de cada usurio previsto no Projeto Teraputico Singular (BRASIL, 2011a).

  • Rede de Ateno Psicossocial: objetivos, componentes e pontos de ateno

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    Pontos de ateno do componente Ateno Residencial de Carter Transitrio

    a) Unidade de Acolhimento (UA)

    A Unidade de Acolhimento um ponto de ateno que oferece cuidados contnuos de sade, com funcionamento 24 horas, em ambiente residen-cial, para pessoas com necessidade decorrentes do uso de crack, lcool e outras drogas, de ambos os sexos, que apresentem acentuada vulnerabi-lidade social e/ou familiar e demandem acompanhamento teraputico e protetivo de carter transitrio. O tempo de permanncia na unidade de at seis meses. O acolhimento neste ponto de ateno ser definido exclu-sivamente pela equipe do CAPS de referncia que ser responsvel pela elaborao do projeto teraputico singular do usurio, considerando a hie-rarquizao do cuidado, priorizando a ateno em servios comunitrios de sade (BRASIL, 2011a).

    As Unidades de Acolhimento esto organizadas nas seguintes modalidades:

    Unidade de Acolhimento Adulto: destinados a pessoas que fazem uso do crack, lcool e outras drogas, maiores de 18 (dezoito) anos.

    Unidade de Acolhimento Infanto-Juvenil: destinadas a adolescentes e jovens (de 12 at 18 anos completos) que fazem uso do crack, lcool e outras drogas.

    Este servio foi institudo pela Portaria n 121, de 25 de janeiro de 2012 (BRASIL, 2012a), para pessoas com necessidades decorrentes do uso de cra-ck, lcool e outras drogas.

    A UA desenvolve vrias atividades de acordo com o Projeto Teraputico Singular (PTS), tais como: acolhimento humanizado, com estmulo gru-palizao e socializao; desenvolvimento de aes que garantam a in-tegridade fsica e mental e de intervenes que favoream a adeso ao tratamento, visando interrupo ou reduo do uso de crack, lcool e ou-tras drogas; acompanhamento psicossocial ao usurio e sua famlia; aten-dimento psicoterpico e de orientao; atendimento em grupos; oficinas teraputicas; atividades sociofamiliares, comunitrias e de reinsero so-cial; articulao com a rede intersetorial, especialmente com a assistncia social, educao, justia e direitos humanos, visando reinsero social, familiar e laboral, como preparao para a sada; articulao com progra-mas culturais, educacionais e profissionalizantes, de moradia e de gerao de trabalho e renda; sadas programadas e voltadas completa reinsero do usurio, considerando suas necessidades, com aes articuladas e dire-cionadas moradia, ao suporte familiar, incluso na escola e gerao de trabalho e renda.

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    Saiba mais

    Veja os detalhes na Portaria n 121, de 26 de janeiro de 2012, disponvel em: .

    b) Servios de Ateno em Regime Residencial

    Os Servios de Ateno em Regime Residencial, dentre os quais tambm esto consideradas as Comunidades Teraputicas, so servios de sade destinados a oferecer cuidados contnuos de sade, de carter residencial transitrio por at nove meses, para adultos com necessidades clnicas es-tveis decorrentes do uso de crack, lcool e outras drogas. Estes servios so regulamentados atravs da Portaria n 131/12.

    Saiba mais

    Veja os detalhes na Portaria n 131, de 26 de janeiro de 2012, do Ministrio da Sade/ BRASIL, que institui incentivo financeiro de custeio destinado aos Estados, Municpios e ao Distrito Federal para apoio ao custeio de Servios de Ateno em Regime Residencial no Dirio Oficial da Unio, Braslia, DF. Disponvel no site: .

    Os servios de Ateno em Regime Residencial, assim como em outras uni-dades de sade, devem funcionar de forma articulada com a Ateno B-sica, que apoia e refora o cuidado clnico geral dos seus pacientes e com o CAPS que responsvel pela indicao do acolhimento, pelo acompa-nhamento especializado durante este perodo, pelo planejamento da sada e pelo seguimento do cuidado. Bem como, participar de forma ativa da articulao intersetorial para promover a reinsero do usurio na comu-nidade (BRASIL, 2011a).

    Os projetos tcnicos elaborados pelas unidades que oferecem cuidados voltados ateno em regime residencial esto embasados nas seguintes diretrizes de acordo com artigo 6 da portaria 131/2012 (BRASIL, 2012b):

    Respeitar, garantir e promover os diretos do residente como cidado;

    Ser centrado nas necessidades do residente, em consonncia com a construo de sua autonomia e reinsero social;

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    Garantir ao residente o acesso a meios de comunicao;

    Garantir o contato frequente do residente com a famlia, desde o incio da insero na entidade;

    Respeitar a orientao religiosa do residente, sem impor e sem cer-cear a participao em qualquer tipo de atividade religiosa durante a permanncia na entidade;

    Garantir o sigilo das informaes prestadas pelos profissionais de sade, familiares e residentes;

    Insero da entidade na Rede de Ateno Psicossocial, em estreita articulao com os CAPS, a Ateno Bsica e outros servios perti-nentes;

    Permanncia do usurio residente na entidade por no mximo seis meses, com a possibilidade de uma s prorrogao por mais trs meses, sob justificativa conjunta das equipes tcnicas da entidade e do CAPS de referncia, em relatrio circunstanciado.

    Alm disso, assim como em outras unidades de sade da Rede de Ateno Psicossocial, o Projeto Teraputico Singular dever ser desenvolvido no ser-vio de sade de ateno em regime residencial, com o acompanhamento do CAPS de referncia, da Equipe de Ateno Bsica e de outros servios socioassistenciais, conforme as peculiaridades de cada caso.

    No entanto, importante salientar que o CAPS de referncia permane-ce responsvel pela gesto do cuidado e do Projeto Teraputico Singular durante todo o perodo de permanncia do paciente residente no servio de ateno em regime residencial. Desse modo, a equipe tcnica do CAPS de referncia acompanhar o tratamento do usurio residente por meio das seguintes medidas de acordo com o artigo 17 da Portaria 131/2012 (BRASIL, 2012b):

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    I - contato, no mnimo, quinzenal entre o usurio e a equipe tcnica do CAPS, por meio de atendimento no prprio CAPS ou visita entidade prestadora, com o registro de todos os contatos em pronturio;

    II - realizao do primeiro contato entre o usurio residente e a equi-pe tcnica em at 02 (dois) dias do ingresso no servio de ateno em regime domiciliar;

    III - continuidade no acompanhamento dos familiares e pessoas da rede social do residente pela equipe tcnica do CAPS, com a realizao de no mnimo um atendimento mensal, domiciliar ou no prprio CAPS, e/ou com a participao em atividades de grupo dirigidas;

    IV - contato no mnimo quinzenal entre a equipe tcnica do CAPS de referncia e a equipe do servio de ateno em regime residencial, por meio de reunies conjuntas registradas em pronturio.

    Ressalta-se que a atual Poltica Nacional de Sade Mental incentiva estes servios desde que toda e qualquer entidade ou instituio na Rede de Ateno Psicossocial do SUS seja orientada pela adeso aos princpios da reforma psiquitrica, em especial no que se refere ao no isolamento de indivduos e grupos populacionais. Portanto, a implantao desses servios deve se organizar, realmente, de forma articulada com a Rede de Ateno Psicossocial e Rede de Apoio Social e familiar das pessoas com necessida-des decorrentes do uso de lcool e outras drogas.

    Saiba mais

    Brasil. Estude um pouco mais sobre este tema, lendo a Resoluo n 448 de 06 de outubro de 2011 - Conselho Nacional de Sade. Dirio Oficial da Unio, Braslia, DF, 2011f. Disponvel em:

    V Ateno Hospitalar

    A Ateno Hospitalar auxilia na intensificao, ampliao e diversificao das aes orientadas para a preveno, promoo da sade, preservao da vida, tratamento, reduo dos riscos e danos associados ao consumo de substncias psicoativas, bem como, ampliao do acesso ao tratamento hospitalar s pessoas com transtorno mental e com necessidades decor-

  • Rede de Ateno Psicossocial: objetivos, componentes e pontos de ateno

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    rentes do uso de crack, lcool e outras drogas de acordo com a portaria 148/2012 (BRASIL, 2012c).

    Os servios oferecem internaes de curta durao, at a estabilidade cl-nica do usurio, respeitando as especificidades de cada caso. So adotados protocolos tcnicos para o manejo teraputico dos casos e estabelecimento de fluxos entre os pontos de ateno da RAPS, Rede de Ateno s Urgn-cias e o sistema de regulao. A estratgia de reduo de danos tambm importante ferramenta como norteadora de projetos teraputicos singula-res, pactuados nos pontos de ateno da RAS (BRASIL, 2012c).

    A articulao entre a Ateno Hospitalar com outros pontos de ateno da Rede de Ateno Psicossocial fundamental para continuidade do tratamento, considerando perspectiva preventiva para outros episdios de internao (BRASIL, 2012c).

    Pontos de ateno do componente Ateno Hospitalara) Enfermaria Especializada

    A Enfermaria Especializada para ateno s pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, lco-ol e outras drogas em Hospital Geral, oferece tratamento hospitalar para casos graves relacionados aos transtornos mentais e ao uso de lcool, cra-ck e outras drogas, em especial de abstinncias e intoxicaes severas. O cuidado ofertado deve estar articulado com o Projeto Teraputico Singular desenvolvido pelo servio de referncia do usurio e a internao deve ser de curta durao at a estabilidade clnica.

    O acesso aos leitos neste ponto de ateno deve ser regulado com base em critrios clnicos e de gesto por intermdio do CAPS de referncia. No caso do usurio acessar a rede por meio deste ponto de ateno, deve ser pro-videnciada sua vinculao e referncia a um CAPS, que assumir o caso.

    A equipe que atua em enfermaria especializada em sade mental de Hos-pital Geral deve ter garantida composio multidisciplinar e modo de fun-cionamento interdisciplinar (BRASIL, 2011a).

    b) Servio Hospitalar de Referncia

    O Servio Hospitalar de Referncia para ateno s pessoas com sofrimen-to ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, lcool e outras drogas oferece suporte hospitalar, por meio de internaes

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    de curta durao. Para usurios de lcool e/ou outras drogas, em situaes assistenciais que evidenciarem indicativos de ocorrncia de comorbidades de ordem clnica e/ou psquica, sempre respeitadas s determinaes da Lei n 10.216/01 (BRASIL, 2001), e sempre acolhendo os pacientes em re-gime de curtssima ou curta permanncia. Funciona em regime integral, durante 24 horas dirias, nos sete dias da semana, sem interrupo da continuidade entre os turnos.

    Em nvel local ou regional, compe a rede hospitalar de retaguarda aos usu-rios de crack, lcool e outras drogas, observando o territrio, a lgica da reduo de danos e outras premissas e princpios do SUS (BRASIL, 2011a).

    VI Estratgias de Desinstitucionalizao

    As Estratgias de Desinstitucionalizao constituem-se por iniciativas que visam garantir:

    s pessoas com transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, lcool e outras drogas, em situao de internao de longa perma-nncia, o cuidado integral por meio de estratgias substitutivas, na perspec-tiva da garantia de direitos com a promoo de autonomia e o exerccio de cidadania, buscando sua progressiva incluso social (BRASIL, 2011a).

    O Relatrio de Gesto (2007-2010) - Sade Mental no SUS: as novas fronteiras da Reforma Psiquitrica demonstra que a Poltica Nacional de Sade Mental (PNSM) tem como uma das suas principais diretrizes a reestruturao da assistncia hospitalar psiquitrica, objetivando uma reduo gradual, pac-tuada e programada dos leitos psiquitricos. Esta reestruturao acontece pela priorizao da reduo de leitos em hospitais especializados com bai-xo desempenho na avaliao de qualidade assistencial (atravs do PNASH/Psiquiatria - Programa Nacional de Avaliao dos Servios Hospitalares) e hospitais de grande porte (PRH - Programa de Reestruturao da Assistn-cia Psiquitrica Hospitalar, iniciado em 2004) (BRASIL, 2011c).

    No perodo de 2003 a 2012, essa reestruturao da assistncia hospitalar psiquitrica aconteceu num processo coordenado e pactuado. Permitiu que a reduo do nmero de leitos e de hospitais psiquitricos fosse associada com a construo e expanso progressiva de uma rede de ateno aberta, diversificada e inserida na comunidade; com base estratgica nos Centros de Ateno Psicossocial (CAPS), Servios Residenciais Teraputicos, aes de sade mental na ateno bsica e com o Programa De Volta para Casa e pro-gramas de incluso social pelo trabalho. Nesse sentido, ao mesmo tempo em que leitos de baixa qualidade foram gradualmente fechados, um processo responsvel de desinstitucionalizao de pacientes h longo tempo interna-dos teve incio, com a implantao de Residncias Teraputicas e a incluso de beneficirios no Programa de Volta para Casa, programa criado em 2003.

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    Alm disso, para alcanar a transformao do modelo assistencial, a re-duo gradual, pactuada e programada de leitos psiquitricos no pas foi consolidada seguindo dois mecanismos complementares:

    Programa Nacional de Avaliao dos Servios Hospitalares PNASH/Psiquiatria (PT GM 251, de 31 de janeiro de 2002)Com o objetivo de melhorar a qualidade dos Servios Hospitalares pres-tados aos usurios do SUS, respeitando os princpios de universalidade e da equidade, o Ministrio da Sade publicou em 2002 a portaria que cria o Programa Nacional de Avaliao dos Servios Hospitalares - PNASH/Psi-quiatria.

    O PNASH consiste na avaliao anual de todos os hospitais da rede do SUS mediante aplicao de quatro formulrios padronizados para cada unida-de hospitalar, divididos em:

    Avaliao tcnica;

    Avaliao para usurios de Ambulatrio;

    Avaliao para usurios de Internao;

    Avaliao para usurios de Emergncia.

    O programa determinou a realizao de vistorias em todos os hospitais psi-quitricos pblicos e conveniados ao SUS em 2002, 2003/2004 e 2005/2006 (So Paulo), 2007/2009 e 2012, com trmino previsto para 2013. Os resulta-dos dos processos avaliativos j aplicados indicaram os hospitais que apre-sentavam os mais srios problemas na qualidade de assistncia, tais como: problemas referentes ao projeto teraputico dos pacientes e da instituio, aos aspectos gerais da assistncia (longo tempo de permanncia, nmero alto de pacientes longamente internados) e aos aspectos gerais dos pacien-tes (limpeza, calados e roupas, entre outros). O PNASH/Psiquiatria gera uma pontuao que, cruzada com o nmero de leitos do hospital, permi-te classificar os hospitais psiquitricos em quatro grupos diferenciados: aqueles de boa qualidade de assistncia; os de qualidade suficiente; aque-les que precisam de adequaes e devem sofrer nova vistoria; e aqueles de baixa qualidade, indicados para o descredenciamento pelo Ministrio da Sade (BRASIL, 2002b).

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    Programa Anual de Reestruturao da Assistncia Psiquitrica Hospitalar no SUS (PRH) (PT GM 52, de 20 de janeiro de 2004)A principal estratgia do Programa promover a reduo progressiva e pactuada de leitos a partir dos macro-hospitais (hospitais com mais de 600 leitos) e hospitais de grande porte (com 400 a 600 leitos psiquitricos). Assim, so componentes fundamentais do programa a reduo do peso assistencial dos hospitais de maior porte, na, que tendem a apresentar assistncia de baixa ou pssima qualidade. Isso se deu sempre por meio da pactuao entre os gestores do SUS, os hospitais e as instncias de controle social.

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    Assim, procura-se conduzir o processo de mudana do modelo assistencial de modo a garantir uma transio segura, na qual a reduo dos leitos hospitalares possa ser planificada e acompanhada da construo simultnea de alternativas de ateno com foco no modelo comunitrio. Para tanto, so definidos no Programa PRH os limites mximos e mnimos de reduo anual de leitos para cada classe de hospitais (definidas pelo nmero de leitos existentes, contratados pelo SUS).

    Assim, todos os hospitais com mais de 200 leitos devem reduzir, no mni-mo, a cada ano, 40 leitos. Os hospitais entre 320 e 440 leitos podem chegar a reduzir 80 leitos ao ano (mnimo: 40), e os hospitais com mais de 440 leitos podem chegar a reduzir, no mximo, 120 leitos ao ano. busca-se a reduo progressiva do porte hospitalar, de modo a situarem-se os hospitais, ao longo do tempo, em classes de menor porte (at 160 leitos). A reduo de leitos em hospitais psiquitricos e a mudana do perfil dos hospitais, que hoje so majoritariamente de pequeno porte, so consequncias diretas da aplicao destes dois programas institudos em 2002 (PNASH/Psiquiatria) e 2004 (PRH) (BRASIL, 2004c).

    A desinstitucionalizao, apesar de dificuldades que precisam ser supera-das, como o ritmo menor que o desejvel de incorporao de egressos ao Programa De Volta para Casa, prosseguiu em todos os municpios onde h hospitais psiquitricos. A contrapartida de abertura de servios em hos-pitais gerais e CAPS III precisa ser fortalecida, e permanece como um dos desafios mais importantes a serem adequadamente superados.

  • Rede de Ateno Psicossocial: objetivos, componentes e pontos de ateno

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    Pontos de ateno do componente Estratgias de Desinstitucionalizaoa) Servios Residenciais Teraputicos

    Os servios de Residncias Teraputicas so moradias inseridas na comu-nidade, destinadas a acolher pessoas egressas de internao de longa per-manncia (dois anos ou mais ininterruptos), egressas de hospitais psiqui-tricos e hospitais de custdia, entre outros.

    b) Programa de Volta para Casa

    O Programa de Volta para Casa uma poltica pblica de incluso social que visa contribuir e fortalecer o processo de desinstitucionalizao, insti-tuda pela Lei 10.708/03 (BRASIL, 2003b) que prov auxlio reabilitao para pessoas com transtorno mental egressas de internao de longa perma-nncia (BRASIL, 2011a).

    O Programa demonstrou ser essencial para o processo de desinstitucio-nalizao no Brasil e vem se afirmando como uma importante experi-nciado SUS.O depsito nas contas bancrias dosprpriosbenefici-rios tem um papel estratgico na (re)conquista dos direitos civis da populao longamenteinternadaemhospitais psiquitricos e nos Hos-pitais de Custdia e Tratamento Psiquitrico.

    Em maio de 2007, para avaliar as dificuldades e avanos do Progra-ma,foirealizadoo I Seminrio Nacional doPrograma de VoltaparaCasa. Aten-dendo a reivindicao dos participantes do I Seminrio Nacional do Pro-grama de Volta para Casa, no ano de 2008 foi reajustado o valor do auxlio reabilitao psicossocial de R$240,00 para R$320,00. Apesardos avanos alcanados nos ltimos anos, o nmero de beneficirios do Progra-ma de Volta para Casa ainda baixo, pois apenas um tero do nme-ro estimado de pessoas internadas com longapermanncia hospitalar no Brasil recebe o benefcio.

    Osprocessosdedesinstitucionalizao so complexos, tm um ritmo pr-prio e ainda enfrentam vrios desafios: problemas de documentao dos pacientes, crescimento insuficiente das residncias teraputicas, dificulda-des para a reduo pactuadae planejadadeleitospsiquitricoseaesju-diciais. Alm da grande dificuldade para a desinstitucionalizao da popula-o de perfil crnico dos Hospitais Psiquitricos. Fatores comoidade,longo tempo de internaoe comorbidades demandam servios de Residncias Teraputicas adaptados e adequados s necessidades dessa populao e maior nmero de cuidadores, o que eleva seus custos (BRASIL, 2011c).

  • Rede De Ateno Psicossocial (RAPS)

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    VII Reabilitao Psicossocial

    A Reabilitao Psicossocial compreendida como aes de fortalecimento de usurios e familiares mediante a criao e desenvolvimento de inicia-tivas articuladas com os recursos do territrio nos campos do trabalho/economia solidria, habitao, educao, cultura, direitos humanos, que garantam o exerccio de direitos de cidadania e a produo de novas pos-sibilidades para projetos de vida. Reabilitao um processo que implica abertura de espaos de negociao para o paciente, para sua famlia, para a comunidade circundante e para os servios que se ocupam do paciente (...). (SARACENO, 1999, p. 112).

    So exemplos de estratgias de reabilitao psicossocial: iniciativas de ge-rao de trabalho e renda, cooperativas sociais, empreendimentos solid-rios, centros de convivncia e cultura, grupos de teatro, pontos de cultura, moradias solidrias, entre outras iniciativas desenvolvidas nos diversos pontos de ateno da RAPS (CAPS, Ateno Bsica, Centros de Convivncia e Cultura, Residncias Teraputicas, Hospital Geral, entre outros servios), na rede intersetorial e em associaes de usurios e familiares.

    Compartilhando

    As estratgias de reabilitao psicossocial devero ser baseadas na comunidade, contando com o envolvimento dos indivduos, familiares e profissionais bem como os grupos sociais que a constituem. O que pressupe o reconhecimento do habitat, o fortalecimento e a ampliao da rede social, bem como o apoio e desenvolvimento do trabalho com valor social. O que envolve a contratualidade nos trs eixos, entre profissionais e todos os atores do processo de sade-doena, ou seja, todos os usurios e a comunidade inteira em um processo reconstruo, um exerccio pleno de cidadania.

    Pontos de ateno do componente Reabilitao PsicossocialO componente Reabilitao Psicossocial composto por iniciativas de ge-rao de trabalho e renda, por meio de aes solidrias ou cooperativas sociais. As aes so de carter intersetorial destinadas reabilitao psi-cossocial, por meio da incluso produtiva, formao e qualificao para o trabalho de pessoas com transtorno mental ou com necessidades decor-rentes do uso de crack, lcool e outras drogas. Tais iniciativas devem arti-cular sistematicamente as redes de sade e de economia solidria com os recursos disponveis no territrio para garantir a melhoria das condies concretas de vida, ampliao da autonomia, contratualidade e incluso social de usurios da rede e seus familiares (BRASIL, 2011a).

  • Rede de Ateno Psicossocial: objetivos, componentes e pontos de ateno

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    A parceria da Poltica Nacional de Sade Mental com a Poltica de Economia Solidria revelou-se vigorosa e promissora, com 640 empreendimentos econmicos solidrios de sade mental, e uma rede articulada de incubadoras, gestores das duas polticas e associaes de usurios e familiares.

    Saiba mais

    Acessando as Portarias e Leis nos sites: Portaria n 3.088, 23 de dezembro de 2011. . Portaria n 3.089 de 23 de dezembro de 2011. . Lei n10.216, de 06 de Abril de 2001 em . Portaria n 122, de 25 de janeiro de 2012 em .

    Cabe salientar que os Pontos de Ateno Sade so espaos onde se ofer-tam determinados servios de sade, por meio de uma produo singular. So exemplos de pontos de ateno sade: os domiclios, as unidades bsicas de sade, as unidades ambulatoriais especializadas, os servios de hemoterapia e hematologia, os centros de ateno psicossocial, as residn-cias teraputicas, entre outras unidades de sade do SUS que oferecem atendimento de sade populao. Os hospitais podem abrigar distintos pontos de ateno sade: o ambulatrio de pronto atendimento, a unida-de de cirurgia ambulatorial, o centro cirrgico, a maternidade, a unidade de terapia intensiva, a unidade de hospital/dia, entre outros. (BRASIL, 2010a)

    Todos os pontos de ateno sade so igualmente importantes para que se cumpram os objetivos da rede de ateno sade e eles se diferenciam, apenas, pelas distintas densidades tecnolgicas que os caracterizam. (BRASIL, 2010a).

  • Rede De Ateno Psicossocial (RAPS)

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    1.3 Resumo Iniciamos a unidade definindo o conceito de Rede de Ateno a Sade (RAS). Esta definida como arranjos organizativos de aes e servios de sade, de diferentes densidades tecnolgicas que, integradas por meio de sistemas tcnico, logstico e de gesto, buscam garantir a integralidade do cuidado.

    Apresentamos a Rede de Ateno Psicossocial (RAPS), que oferece uma rede de servios de sade mental integrada, articulada e efetiva nos dife-rentes pontos de ateno para atender as pessoas com transtornos men-tais e com necessidades decorrentes do consumo de crack, lcool e outras drogas. A RAPS tem como componentes e seus pontos de ateno.

    Ateno Bsica: Unidade Bsica de Sade; Equipes de Ateno Bsi-ca para Populaes em Situaes Especficas (equipes para consul-trios na rua e equipes de apoio aos servios do componente aten-o residencial de carter transitrio) e Centros de Convivncia

    Ateno Psicossocial Estratgica: Centros de Ateno Psicossocial;

    Ateno de urgncia e emergncia: SAMU 192, Sala de Estabilizao, Unidade de Pronto Atendimento, Pronto Socorro, Unidades Bsicas de Sade, Centros de Ateno Psicossocial, UPA 24h;

    Ateno Residencial de Carter Transitrio: Unidade de Acolhimen-to; Servios de Ateno em Regime Residencial;

    Ateno Hospitalar: Enfermaria Especializada em Hospitais Gerais; Servio Hospitalar de Referncia;

    Estratgias de Desinstitucionalizao: Residncias Teraputicas; Programa de Volta para Casa;

    Reabilitao Psicossocial: empreendimentos solidrios e cooperati-vas sociais.

    Veja o resumo no quadro a seguir:

  • Rede de Ateno Psicossocial: objetivos, componentes e pontos de ateno

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    REDE DE ATENO PSICOSSOCIAL (RAPS)

    Componentes Pontos de Ateno

    Ateno Bsica

    Unidade Bsica de Sade

    Equipes de Ateno Bsica para Populaes em

    Situaes Especficas (equipes para consultrios na

    rua e equipes de apoio aos servios do componente

    ateno residencial de carter transitrio)

    Centros de Convivncia

    Ateno Psicossocial Estratgica Centros de Ateno Psicossocial

    Ateno de urgncia e emergncia

    SAMU 192

    Sala de Estabilizao

    Unidade de Pronto Atendimento

    Pronto-socorro

    Unidades Bsicas de Sade

    Centros de Ateno Psicossocial

    UPA 24h

    Ateno Residencial de Carter TransitrioUnidade de Acolhimento

    Servios de Ateno em Regime Residencial

    Ateno HospitalarEnfermaria Especializada em Hospital Geral

    Servio Hospitalar de Referncia

    Estratgias de DesinstitucionalizaoResidncias Teraputicas

    Programa de Volta para Casa

    Reabilitao Psicossocial Empreendimentos solidrios e cooperativas sociais

    Fonte: adaptado de Brasil, (2001).

    1.4 Fechamento

    Nesta unidade apresentamos como se d a organizao e as caractersticas da Rede de Ateno Psicossocial (RAPS) dentro do Sistema nico de Sade (SUS) e como ela se relaciona com outras redes de ateno.

    Na prxima unidade ser abordado como acontece o cuidado e atuao dos profissionais de sade nos servios da rede.

  • Rede De Ateno Psicossocial (RAPS)

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    1.5 Recomendao da leitura complementarCONFERNCIA NACIONAL DA SADE MENTAL INTERSETORIAL, 4., 2010, Braslia. Relatrio Final. Braslia: Conselho Nacional de Sade; Ministrio da Sade, 2010. 210 p. Disponvel em:

  • Rede de Ateno Psicossocial: objetivos, componentes e pontos de ateno

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  • UNIDADE 2

  • Cuidado em Ateno Psicossocial

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    Unidade 2 Cuidado em Ateno PsicossocialAo final desta unidade o aluno ser capaz de apreender e efetivar as di-menses do cuidado na ateno psicossocial.

    2.1 IntroduoAps apresentarmos a RAPS e como ela constituda, vamos falar sobre o cuidado oferecido nesta rede de servios de sade. Nesse cenrio, a inte-gralidade na ateno sade ponto importante, pois definida como um princpio do Sistema nico de Sade (SUS), orientando polticas e aes programticas que respondam s demandas e necessidades da populao no acesso rede de cuidados em sade, considerando a complexidade e as especificidades de diferentes abordagens do processo sade-doena e nas distintas dimenses, biolgica, cultural e social do ser cuidado (SILVA; SENA, 2008).

    Para oferecer o cuidado integral no campo psicossocial, temos como pres-suposto para o profissional de sade o planejamento do modelo assisten-cial coletivizado, produzido no espao multiprofissional com qualidade interdisciplinar, a superao da rigidez da especificidade profissional e flexibilidade para gerar o produto de sade mental compatvel com a ne-cessidade da populao. Essa posio coerente com a base terica para a reorientao do modelo de ateno que afirma a concepo de sade como processo e no como ausncia de doena, na perspectiva de produo de qualidade de vida, enfatizando aes integrais e de promoo de sade (SILVA; FONSECA, 2005).

    Neste contexto, o usurio, sua famlia e os profissionais dos servios co-munitrios atuam em conjunto no cuidado em sade mental, exigindo articulao no apenas entre os diversos servios da rede de sade em seus diferentes nveis de ateno (BANDEIRA; BARROSO, 2005), mas tam-bm das pessoas atuantes nesse processo. A demanda de cuidado no se restringe apenas a minimizar riscos de internao ou controlar sintomas. Atualmente, o cuidado envolve tambm questes pessoais, sociais, emo-cionais e financeiras, relacionadas convivncia com o adoecimento men-tal (CARDOSO; GALERA, 2011).

    Desse modo, as prticas de ateno psicossocial so aes de cuidado pau-tadas por uma compreenso ampliada do processo sade-doena (men-tal), que remetem a uma realidade biopsicossocial histrica e concreta e que se constitui a partir da integralidade e da cidadania da populao (OLI-VEIRA, 2007).

  • Rede De Ateno Psicossocial (RAPS)

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    Portanto, devemos pensar no cuidado em sade mental como uma ao que envolva a relao entre os Pontos de Ateno da RAPS, seus profissio-nais, o usurio e sua famlia, considerando as particularidades de cada contexto cultural, social e econmico (CARDOSO; GALERA, 2011). Nesse cuidado devem ser consideradas as dimenses: do que esse cuidado, a quem ou para que esse cuidado; dos instrumentos/mtodos/equipa-mentos para esse cuidado; finalidade; e, por fim, a dimenso poltica deste cuidado.

    2.2 Dimenses do cuidado na Ateno PsicossocialAo estudarmos os seres humanos nos deparamos com indivduos multidi-mensionais e complexos (MORIN, 2006), o que contempla os aspectos bio-lgico, psquico, social, afetivo e racional.

    So seres que trazem em si sua individualidade/coletividade, autonomia/dependncia/interdependncia, que convivem culturalmente com regras, normas, proibies, estratgias, crenas, ideias, valores e mitos, mas que tambm convivem com desregramentos, pertencentes a uma sociedade que comporta as dimenses histrica, econmica, sociolgica e religiosa. Porm, muitas vezes quando realizamos o cuidado, damos ateno apenas aos rgos, patologias, sinais e sintomas clnicos e, com isso, a relao e interao entre as pessoas ficam prejudicadas (BAGGIO; CALLEGARO; ER-DMANN, 2009).

    Espera-se que o cuidado seja voltado no s para viso biolgica e biomdica, mas que integre as diversas unidades e multiplicidades dos seres. As aes dos profissionais de sade precisam ser eficazes, contudo, precisam valorizar tambm a subjetividade do ser humano (BAGGIO; CALLEGARO; ERDMANN, 2009).

    Nesta perspectiva, o cuidado tambm possui vrias dimenses a serem consideradas para atender s diferentes necessidades do indivduo. So estas dimenses que norteiam todo o planejamento deste cuidado, sendo de fundamental importncia tanto na atualizao das polticas pblicas de sade da ateno psicossocial, quanto na qualificao de profissionais atuantes na rea. (BAGGIO; CALLEGARO; ERDMANN, 2009).

    Discutirmos as dimenses do cuidado na ateno psicossocial no sim-ples, pois este campo vem se (re)construindo diante das transformaes

  • Cuidado em Ateno Psicossocial

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    ocorridas pelas tenses entre os paradigmas manicomial e psicossocial (WETZEL et al., 2011). Na tica do paradigma manicomial, o indivduo era visto como uma doena mental que ameaa-va a sociedade oferecia risco sua integridade e do grupo que o cercava. Ele devia ser excludo do convvio social, tendo como nica forma de tratamento a internao (ROTELLI, 1990). J na proposio do paradigma psicossocial, o indiv-duo considerado uma pessoa com transtorno mental e pertencente a um grupo social (fam-lia e/ou comunidade), em que so consideradas as dimenses biopsicosocioculturais na aten-o em sade mental (COSTA-ROSA, 2000).

    Com o advento da Reforma Psiquitrica Brasileira, o cuidado deixa de ser pautado na internao e excluso dos indivduos e passa a construir prti-cas de cuidados voltados s pessoas com transtornos, a partir de servios de atendimento comunitrio que contemplem a vida concreta dos sujeitos (AMARANTE, 1996). Durantes as aes devemos atentar para no transfor-mar as pessoas em objeto, incapaz de estabelecer relaes com o outro, e sim considerar todas as suas dimenses, levando em conta suas alteraes de comportamento e estado de sade, contexto cultural e convvio social (WETZEL et al., 2011).

    A mudana do foco, do transtorno mental para o indivduo, permite o desenvolvimento de novos saberes e prticas no campo da psiquiatria e sade mental, com atuao em diferentes pontos de ateno e profissionais de sade, ocasionando a desconstruo do modelo manicomial e fortalecimento do modelo de reabilitao psicossocial voltado para servios comunitrios (WETZEL et al., 2011).

    Desse modo, o processo de trabalho em sade caracterizado pela ao de cuidar, que deve ser oferecida populao atravs de instrumentos que incluam modo, meios e recursos utilizados numa determinada atividade. Entendemos que o cuidado em sade mental se baseia em algumas pre-missas (ALVES; GULJOR, 2004):

    Liberdade em negao ao isolamento: o cuidado implica em mobi-lizar a capacidade do sujeito em operar suas prprias escolhas. O profissional promove o potencial do sujeito para estabelecer suas prprias normatizaes, que surgem de sua histria singularizada e plural.

    A partir de Morin (2000), entende-se o conceito Biopsi-cosociocultural com uma nova forma de perceber o ser hu-mano, em sua complexidade (vida, linguagem, sociedade e aspectos culturais) e sua in-terligao com o mundo.

  • Rede De Ateno Psicossocial (RAPS)

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    Integralidade em negao a seleo: o cuidado norteado pela (re) construo de projetos de vida, em oposio, as intervenes vol-tadas para remisso de sintomas. Cuidar tem a perspectiva de um contexto amplo associado histria do sujeito.

    Enfrentamento do problema e do risco social em contraposio ao modelo de diagnstico: a conduo do processo teraputico se d a partir da existncia do sujeito em sofrimento psquico. O conceito de risco social permite uma viso ampliada do sujeito, seus momentos de crise, e considera as redes onde este se insere. A complexidade fator determinante para o cuidado em sade mental, complexidade esta inerente a condio do sofrimento psquico. O cuidado em sade mental est includo sobre a noo de direitos humanos, pois h de se respeitar as expresses diferentes da norma scio-cultural local.

    Cada situao est dentro de uma singularidade e o objetivo pro-porcionar a autonomia: O cuidado em sade mental para pessoas em sofrimento psquico grave tem como desafio o aumento do po-der de contratualidade e de trocas sociais . A qualidade do cuidado a incorporao permanente do papel de agenciador. Vale a premissa contrria de encaminhar simplesmente, o que vale o princpio da tomada de responsabilidade e a mediao das relaes do sujeito com a vida.

    O cuidado em sade considera o potencial emancipatrio a partir do mo-mento que se capaz de ajudar os sujeitos envolvidos na relao terapu-tica a construrem projetos singulares que contribuam para a melhoria da qualidade de vida (AMARANTE, 2003).

    Alm disso, essencial compreender e reconhecer a subjetividade? Para o desenvolvimento da enfermagem e processo de cuidado mais humaniza-do. Este reconhecimento implica compreender as dimenses do cuidado de enfermagem, como a instrumental e a expressiva (PERSEGONA; LACERDA; ZAGONE, 2007).

    As dimenses instrumentais e expressivas do cuidado de enfermagem pos-suem caractersticas peculiares que, ao mesmo tempo, as tornam diferen-tes entre si, mas que juntas contribuem com a prtica profissional do en-fermeiro. Mesmo diferentes, podem ser articuladas, complementando-se de acordo com as necessidades observadas e expressadas pelo outro, numa relao recproca e nica, como a compreenso do ser humano como cor-po, mente e esprito (PERSEGONA; LACERDA; ZAGONE, 2007).

    A dimenso instrumental do cuidado caracterizada pelas aes fsicas desempenhadas, relacionadas a papis que atendam s expectativas so-ciais, que incluem processos de cuidar baseados nos saberes e fazeres. Di-

  • Cuidado em Ateno Psicossocial

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    ferentemente desta, a dimenso expressiva do cuidado de enfermagem de natureza emocional, que resulta de interaes que permitem ao outro ser humano expressar seus sentimentos relacionados experincia ou vivncia, incluindo a intuio e a expresso da subjetividade (ROY; AN-DREWS, 2001).

    Estas duas dimenses do cuidado so consideradas componentes impor-tantes no julgamento clnico e na tomada de decises. Elas podem resultar, portanto, em uma melhoria da qualidade das aes de enfermagem na medida em que so reconhecidas e valoradas.

    2.3 Processo de trabalho: ncleo e campo no traba-lho interdisciplinarO campo psicossocial tem como pressuposto a superao da rigidez da especificidade profissional e flexibilidade paragerar o cuidadocompatvel com a necessidade do usurio. Dando coerncia para a reorientao do modelo de ateno sade como processo e no como ausncia de doen-a, com produo de qualidade de vida, enfatizando aes integrais e de promoo de sade. Pressupondo ao integrada da equipe de sade, soli-dria, acolhedora, cooperativa, no hierarquizada, reflexiva e colaborativa no sentido de oferecer ao usurio um cuidado compatvel com o viver dig-no em comunidade tal qual a populao em geral (SILVA; FONSECA, 2005).

    Associado s dimenses do cuidado, como acabamos de ver, para possi-bilitar a efetivao de um cuidado em sade mental voltado para a rea-bilitao psicossocial das pessoas com transtornos mentais so necess-rias mudanas nos processos de trabalho dos profissionais de sade, sobretudo com relao a (re)organizao da prtica da equipe multi-disciplinar que atua nesses servios (PEREIRA; MACHADO; NASCIMENTO, 2008).

    O processo de trabalho deve propiciar a reabili-tao psicossocial em aes multi, interdiscipli-nares e transversais, considerando elementos da subjetividade do usurio como, autonomia, autoestima, autocuidado, identidade pessoal e social (JORGE et al., 2006). Para isso, indispen-svel utilizao de dispositivos e ferramentas como acolhimento, vnculo, construo de au-tonomia, corresponsabilizao e a prpria reso-lubilidade (JORGE et al., 2010).

    Pluridisciplinariedade e multi-disciplinariedade referem-se a duas ou mais disciplinas que se relacionam ao olhar de um mesmo objeto de vrios n-gulos. H uma associao de reas com um objeto comum, sem que cada uma tenha que modificar significativamente sua maneira de compreender as coisas. Interdisciplinarie-dade e transdisciplinariedade implicam uma articulao, uma interpenetrao dessas disciplinas.

  • Rede De Ateno Psicossocial (RAPS)

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    Contudo, a equipe interdisciplinar definida como um grupo de profissio-nais de vrias especialidades e formaes, unidos por um objetivo comum, que compartilham responsabilidades para executar tarefas clnicas e outras do servio de sade onde esto inseridos. Os integrantes dessa equipe, por serem possuidores de conhecimentos tcnicos particulares, so respons-veis por tomar decises individuais que juntas visem um propsito comum.

    Para alcanar esse objetivo comum, essencial que os profissionais se re-nam para comunicar, colaborar e unir conhecimentos, a partir do que so delineadas aes e decises futuras (SCHERER; CAMPOS, 1997). A interdis-ciplinaridade, portanto, exige comunicao, o que implica superar os ter-mos especializados, fechados, dando origem a uma linguagem nica para expressar os conceitos e as contribuies das vrias disciplinas, o que vai possibilitar a compreenso e os intercmbios (BRASIL, 2004a).

    Sobre este desafio de garantir espaos coletivos permanentes e sistem-ticos, assim como sustentar as diferenas em um mesmo campo, superar termos especializados, fechados e promover uma linguagem comum, a atuao do gestor local fundamental e decisiva. Cabe a este, particular-mente, assumir esta responsabilidade como parte de sua tarefa tcnico--poltica junto equipe.

    A proposta de um trabalho interdisciplinar que no pretende abolir as especificidades dos vrios profissionais e, sim, continuar a realizar as aes que lhes so prprias, mas que eles executem tambm aquelas que so comuns, valorizando-se a a utilizao de diferentes tcnicas e a integrao de diferentes saberes (ROCHA, 2005).

    No cenrio dos Pontos de Ateno da Rede de Ateno Psicossocial, os profissionais possuem diversas formaes, de nveis superior e mdio e integram uma equipe multiprofissional. Dentre os profissionais de nvel superior esto enfermeiros, mdicos, psiclogos, assistentes sociais, tera-peutas ocupacionais, pedagogos, professores de educao fsica ou outros necessrios para as atividades oferecidas nos servios. E os profissionais de nvel mdio podem ser tcnicos e/ou auxiliares de enfermagem, tcnicos administrativos, educadores e artesos (BRASIL, 2004a).

    A lgica que direciona o conceito ampliado de sade requer do profissio-nal no apenas habilidade, atitude e conhecimento, mas a busca perma-nente pelo bem-estar biopsicossocial, onde as aes de sade visam auxi-liar a pessoa em sofrimento a enfrentar adequadamente as adversidades provenientes dos vrios ambientes de convvio. Para tal, preciso que o

  • Cuidado em Ateno Psicossocial

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    profissional conhea a si prprio, despindo-se de preconceitos, dispondo--se a ouvir sem criticar. requerido que o profissional seja emptico de forma a utilizar-se da capacidade de colocar-se no lugar do outro com au-tenticidade e coerncia no contexto das relaes humanas. E ainda, bus-car e articular saberes e diferentes recursos para o desenvolvimento desse cuidado, que deve ser pautado no relacionamento interpessoal (MARTINS; GONALVES, 2007).

    As equipes devem organizar-se para acolher os usurios, desenvolver os projetos teraputicos, trabalhar nas atividades de reabilitao psicossocial, compartilhar do espao de convivncia do servio e poder equacionar problemas inesperados e outras questes que porventura demandem providncias imediatas, durante todo o perodo de funcionamento da unidade. O papel da equipe multiprofissional fundamental para a organizao, desenvolvimento e manuteno do ambiente teraputico (BRASIL, 2004a).

    Os profissionais da Ateno Psicossocial passam a ocupar-se dos sujeitos que precisam de tratamento e com a qualidade do cuidado oferecido. Es-pera-se que os profissionais trabalhem enfatizando as partes mais sadias e as potencialidades do indivduo, mediante uma abordagem compreensiva oferecendo suportes vocacionais, sociais, recreacionais, residenciais, edu-cacionais, ajustados s demandas singulares de cada indivduo (AMARAN-TE, 1999; FUREGATO, 2000; PITTA, 2001). A ao teraputica engloba todos os profissionais e todos os atores do processo sade-doena, ou seja, as pessoas em sofrimento mental, familiares e a comunidade inteira (SARA-CENO, 1999).

    O trabalho algo a ser construdo, em cada equipe, de acordo com suas peculiaridades. Os servios especializados de Sade Mental, o Centro de Ateno Psicossocial (CAPS), por exemplo, de acordo com as polticas da Ateno Psicossocial, devem oferecer variadas atividades como: atendi-mento individual (medicamentoso, psicoterpico, de orientao, entre ou-tros), em grupo (psicoterapia, grupo operativo, atividades de suporte social, entre outros), oficinas teraputicas, ateno famlia, visitas e atendimen-tos domiciliares e atividades comunitrias enfocando a integrao social do usurio na famlia e na comunidade (ROCHA, 2005).

    O cuidado, nesses dispositivos, compete a todos e o projeto teraputico singular deve ser discutido em conjunto, por toda a equipe. Isso contribui para que as relaes entre os profissionais se construam e se fortaleam, ao se responsabilizar em conjunto, com respeito, intimidade e cumplici-

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    dade, pela cogesto do cotidiano. Nas reunies dirias, a equipe se conhe-ce e aprende a trabalhar junto, trabalhando as questes que surgem da situao nova, no hierarquizada, prpria desse trabalho interdisciplinar (ROCHA, 2005).

    Alm disso, deve haver a busca pela integrao permanente com as equi-pes da rede bsica de sade e dos servios especializados em sade mental em seu territrio, pois tm um papel fundamental no acompanhamento, na capacitao e no apoio para o trabalho dessas equipes com as pessoas com transtornos mentais (BRASIL, 2004a).

    Um fator importante a ser considerado, nessa questo, a dificuldade prpria do trabalho interdisciplinar, que implica perceber at que ponto manter a especificidade de suas atribuies, de seu saber, e o quanto devemos trabalhar em conjunto. A proposta de trabalho multidisciplinar direciona-se no sentido contrrio ao movimento que se observa na rea da sade, de maneira geral, na qual a especializao tem sido a opo, face ao imenso crescimento dos conhecimentos e das formas de interveno. Essa dificuldade, certamente, refere-se a todos os profissionais da equipe, no entanto, direcionei-me rea a qual conheo a enfermagem, considerando suas especificidades (ROCHA, 2005).

    2.4 O Enfermeiro nas equipes de atenoO profissional de enfermagem respeita a vida, a dignidade e os direitos humanos, em todas as suas dimenses, atuando na promoo, preveno, recuperao e reabilitao da sade, com autonomia e em consonncia com os preceitos ticos e legais. Ele particip