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XV SEMINÁRIO DE HISTÓRIA DA CIDADE E DO URBANISMO A Cidade, o Urbano, o Humano Rio de Janeiro, 18 a 21 de setembro de 2018
MÔNICA NADOR NO JARDIM MIRAM. ARTE E CULTURA COMO ESTRATÉGIAS DE RESISTÊNCIA. REPRESENTAÇÕES, SUBJETIVIDADES E SABERES SOBRE A CIDADE
AUTORA: LETÍCIA ARAÚJO FRANÇA
ORIENTADORA: VALÉRIA EUGENIA GARCIA
UNIVERSIDADE DE RIBEIRÃO PRETO - UNAERP
AUXÍLIO À PESQUISA: BOLSISTA FAPESP
RESUMO
O presente artigo trata da relevância da arte como representação de identidades e saberes
comunitários funcionando como fundamentação da vida urbana como Obra e como Política. Utiliza-se
para tanto o apoio bibliográfico de Henry Lefebvre associado ao texto de Jacques Ranciére, Partilha do
sensível. Trata-se mais especificamente da compreensão e da relevância do trabalho da artista plástica
Mônica Nador no Jardim Miriam, localizado na zonal Sul de São Paulo. Se estabelece dessa forma um
diálogo entre a violência da segregação e a possibilidade de vivenciar com intensidade o espaço urbano
a partir da ação coletiva movida pela participação popular. Neste contexto, a pesquisa realizada em
campo foi capaz de identificar formas coletivas de apropriação da cidade que abrem possibilidades
para existência na periferia. Nota-se o amadurecimento de sujeitos cientes da violência e da
criminalidade, porém atentos a outros caminhos possíveis, no limite trata-se da arte, da cultura e a da
literatura como instrumentos de libertação. O JAMAC (Jardim Miriam Arte Clube) surge como espaço
capaz de pavimentar esse caminho, acolhendo expressões artísticas no espaço dessa comunidade.
Desse modo, a importância de coletivos mostra como trilhar esses novos caminhos. A artista plástica
Mônica Nador é a figura mais importante desse empreendimento, responsável por fundar o JAMAC e
mantê-lo de portas abertas para que projetos possam ser pensados e realizados. Assim a violência
presente em meio a uma comunidade encontra no espaço urbano por meio de expressões artísticas,
organizações estratégicas de resistência aptas a fornecer saídas frente a invisibilidade dos
marginalizados.
PALAVRAS-CHAVE: Arte urbana e JAMAC; Violência; Resistência.
2
MÔNICA NADOR’S JARDIM MIRIAM. ART AND CULTURE AS RESISTANCE STRATEGIES.
ABSTRACT
This paper deals with the relevance of art as a representation of community identities and knowledge
functions as the foundation of urban life as œuvre (work of art) and as The Politics of Aesthetics, using
the bibliographical support of Henry Lefebvre associated with Jacques Ranciére’s The Distribution of
the Sensible. It deals more specifically to the understanding the relevance of the work of plastic artist
Mônica Nador in Jardim Miriam, located in the southern portion of São Paulo’s urban sprawl. This
establishes a dialogue between the violence of segregation and the possibility of experiencing the urban
space with intensity through the valorization of collective action driven by popular participation. During
field research it was possible to understand the development of collective forms of appropriation of the
city that open possibilities for existence in the periphery. It is evident the maturation of residents aware
of violence and crime, but attentive to other possible paths, in extreme it means art, culture and literature
as instruments of liberation. JAMAC (Jardim Miriam Arte Clube) performs as a niche able welcome
artistic expressions in the space of this community. In this way, the importance of collectives and events
linked to this place lead way within these new paths. Plastic artist Monica Nador is the most important
figure in this venture, responsible for founding JAMAC and keeping it open so projects can be thought
and realized. Thus the violence present in a community finds in the urban space through artistic
expressions, strategic organizations of resistance able to provide exits in front of the invisibility of the
marginalized.
KEY-WORDS:. Urban Art and JAMAC; Urban violence; Social resistance.
3
A ARTISTA DO ESPAÇO URBANO
O enredo do artigo apresenta a artista plástica Mônica Nador, responsável por abrir um espaço plural
de expressão artística junto aos moradores do Jardim Miriam, bairro operário da zona Sul de São Paulo
situado no distrito Cidade Ademar. Trata-se de uma região que se desenvolveu nas décadas de 1960
e 1970 com o crescimento populacional da área conhecida como ABCD Paulista1. Durante o segundo
grande impulso de industrialização, consolidado pelas políticas do governo de Juscelino Kubitscheck
(1956-1960), as regiões ao sul da área metropolitana de São Paulo receberam investimentos em
infraestrutura para garantir as condições do aparelhamento industrial, e mais especificamente para
viabilizar o projeto de produção automobilística. O rápido crescimento urbano teve como consequência
o processo de parcelamento dos lotes que dada a rapidez de sua implantação carrega consigo as
marcas da falta de planejamento urbano2.
Segue-se nessa lógica o exposto por Maricato (2013, p.21):
Enquanto o crescimento econômico se manteve acelerado o modelo “funcionou” criando uma nova
classe média urbana, mas mantendo grandes contingentes sem acessos a direitos sociais e civis
básicos: legislação trabalhista, previdência social, moradia, saneamento entre outros. A recessão que
se seguiu nos anos de 80 e 90, quando as taxas de crescimento demográfico superaram as do
crescimento do PIB, fazendo com que a evolução do PIB per capita fosse negativa na década de
1980, trouxe um forte impacto social e ambiental, ampliando o universo de desigualdade social.
Nessas décadas a concentração da pobreza migra definitivamente para as áreas urbanas. Maricato
(2013) afirma que se trata de uma pobreza homogênea concentrada nas metrópoles da região sudeste
que ultrapassa a cifra de 33% de toda população brasileira. Foi assim que sociedade brasileira
conheceu pela primeira vez o fenômeno da violência urbana, o início da escalada de crescimento do
número de homicídios, sem precedentes anteriores.
Mas como a essa faceta abstrusa do desenvolvimento urbano brasileiro, mais especificamente da
organização espacial e seus desdobramentos sociais incrustrados na região sul da capital paulista,
podem dizer muito sobre arte? Este é exatamente o objetivo proposto no presente trabalho. Entender
a matéria prima de trabalho da artista plástica que habilidosamente articula essas teias que costuram
o explicitado contexto de violência urbana, o associativismo comunitário e sua expressão sensível que
pulsantes na vida periférica da cidade de São Paulo transforma-se em obra de arte.
Mônica Nador, nasceu em 1955, na cidade de Ribeirão Preto/SP. Em São José dos Campos iniciou
graduação em Arquitetura e Urbanismo, porém, não finalizou a faculdade, uma vez que a instabilidade
política do governo militar levou ao encerramento das atividades do curso em questão. Posteriormente,
com residência na cidade de São Paulo, licenciou-se em artes pela Faculdade Armando Alvares
Penteado (FAAP). Participou de exposições artísticas, tais como: Arte e mulher, no Museu de Arte
Contemporânea (MAC USP) e O moderno e o contemporâneo na arte brasileira, no Museu de Arte
1 O ABCD encontra-se nos arredores de São Paulo. Região tradicionalmente industrializada traz em seu nome a sigla das cidades, Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul e Diadema. A região abriga segundo estimativas do Censo de 2017 uma população de aproximadamente 2,8 milhões de habitantes (IBGE, 2017). 2 Informações obtidas em O Bairro Notícias da Cidade Ademar e São Paulo, minha cidade.
4
Moderna de São Paulo (MAM SP). Integrou apresentações coletivas como Virgin Territory, no National
Museum of Women in Arts, Washington D.C., Investigações. São ou não são gravuras?, no Itaú
Cultural, 7° Bienal de Havana, no Centro de Arte Contemporâneo Wifredo Lam e Diálogo: arte
contemporânea Brasil/Equador, no Memorial da América Latina (Galeria Marta Traba). Os trabalhos da
artista com o campo social iniciaram a partir de uma pintura-parede para Nelson Leirner, encomendada
para a exposição no Museu de Arte Moderna em São Paulo em 1996 (MAM SP). Realizou seu mestrado
na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA – USP) em 1999 exercendo
trabalhos em comunidades da Bahia (1998) pintando o coreto da cidade de Coração de Maria; Nilo
Peçanha (1998) com uma parede na sede de ensaios do grupo folclórico Zambiapunga; Berui,
município do Amazonas (1999) com a pintura-parede em uma casa de palafita; assentamento Carlos
Lamarca em Sarapuí (1999) pintura-parede na biblioteca Viagem do Céu e em Vila Rodhia, São José
dos Campos (1999) com a pintura dos muros de casas em parceria com moradores.
A sua forma de realizar expressões de arte na comunidade só se tornou mais abrangente através de
um centro de acolhimento dessas atividades, chamado JAMAC, Jardim Miriam Arte Clube. O centro foi
criado em 2004 por uma iniciativa de Nador juntamente com colaboradores de coletivos da região da
comunidade Jardim Miriam, dentre eles Mauro, sociólogo professor de geografia em escolas da rede
pública de São Paulo, morador membro do grupo de lutas sociais da comunidade chamado Aparecida
Gerônimo3 e importante liderança comunitária. Esse centro acolhe o projeto da artista chamado
Paredes-Pinturas, que busca levar a arte para populações excluídas dos espaços de museus e galerias.
Mônica não reivindica a autoria total da obra Paredes-Pinturas como sua, mas sim como um processo,
construção de uma ação partilhada que se desdobra na atividade e envolvimento de muitas pessoas
da comunidade, sendo entendida como “criação compartilhada”.
Nador entendeu que os jovens da periferia são a expressão da distância social e econômica entre as
classes, pessoas marcadas pela discriminação e alijadas do acesso à cultura e atividades de interesse
artístico. Estavam, assim, vulneráveis aos apelos dos vários nichos da criminalidade, desde pequenos
furtos até o comércio e tráfico de entorpecentes em suas variadas dimensões que fatalmente na
escalada da violência levam a roubos e homicídios (Entrevista Mônica Nador, 2018)4.
Por meio desses elementos e dos resultados de trabalhos anteriores como os exercidos na Bahia, Nilo
Peçanha, Amazonas, Sarapuí e Vila Rodhia, a artista imaginou ampliar a abrangência de atuação por
meio da construção do JAMAC. Uma mistura entre moradia da artista, centro comunitário, escola e
espaço cultural que permitem a prática contínua da arte na vida comunitária.
3 O Núcleo Aparecida Gerônimo é uma articulação local da Consulta Popular, organização que representa uma das dissidências críticas do Partido dos Trabalhadores. O Aparecida Gerônimo integrou e articulou movimentos pela educação e saúde na região da Cidade Ademar, discute e busca soluções para problemas locais (RIVITTI, 2013, p. 47). 4 Entrevista realizada com Mônica Nador em visita técnica para conhecer o JAMAC e suas ações, além de conversar sobre seu trabalho Paredes-Pinturas. A visita foi realizada com foco no eixo da figura do feminino nas artes (Grupo de pesquisa da Universidade de Ribeirão Preto) que abriu espaço e acolheu o projeto de pesquisa Mônica Nador Paredes-Pinturas: arte e cidade, apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP.
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As experiências de arte urbana desenvolvidas por Nador antes do centro no Jardim Miriam fizeram
parte de seus primeiros contatos com os espaços da periferia. A ação de levar a arte para lugares
diversos foi inaugural no constructo de um imaginário carregado de identidade e cultura passíveis de
uma partilha sensível. No trabalho da comunidade de Coração de Maria na Bahia, realizou-se a pintura
do coreto da praça principal, por ser um lugar significativo a população, tradando-se de espaço público
no verdadeiro sentido da palavra. A pintura do coreto contou com a participação de moradores que
passavam pelo local e de alguma forma expressavam suas lembranças, memórias, histórias de
identificação com a construção. Na ação da artista desenvolvida em Nilo Peçanha, o espaço proposto
para a parede-pintura era interno, mas não menos significativo que o primeiro. Durante o processo de
elaboração Mônica pediu que o grupo folclórico que utilizava o espaço para ensaios criasse desenhos
representativos do local, dessa forma surgiram várias expressões a partir dos próprios moradores que
foram estampadas nas paredes. Foi com esse trabalho que Nador vislumbrou a perspectiva de uma
obra de arte de autoria compartilhada, mas sabia que seu trabalho estava acontecendo a partir de uma
simples visita, situação que não exercia a ação de participante legítima do público-artista.
Neste sentido, o JAMAC tornou-se o espaço criado além das necessidades de atuação na comunidade,
um espaço fixo, capaz de exercer continuamente um trabalho significação social e identitária na vida
dos moradores da região. De certa maneira, Nador reivindica a inclusão social como obra, ganhando
sentido a partir da sua postura subversiva que nega os espaços elitizados da arte paulistana. A artista
rompeu com o Cubo Branco5. Por conseguinte, encontra-se a apresentação de um trabalho
desenvolvido no espaço urbano, possibilitando novas vivências aos moradores do local e outras
possibilidades de apreender o urbano, principalmente o Jardim Miriam, lócus de ação do centro cultural.
Esses apoios se mostrarão importantes começando do momento que a relação da violência acontece
em lugares marginalizados.
A escalada da violência no Jardim Miriam
A partir da grande alteração demográfica e da modificação da dinâmica econômica do país advindas
do processo de industrilização ocorridas nas décadas de 1960 e 1970, tem-se a mudança do ambiente
rural para o urbano. Em meio a tais transformações, o desenvolvimento industrial e suas bases
tecnológicas trouxeram um grande contingente de vida para as cidades, principalmente no Sudeste,
acarretando crescimento acelerado da população. A adversidade da questão está que esses espaços
não estavam preparados para tal modificação, dessa forma, a produção de conflitos sociais e
interpessoais ganhou lugar (SINHORETTO, 2009). Todas essas modificações consolidaram a
percepção, seguida pela comprovação estatística. Por exemplo, na década de 1980 a taxa de
homicidios no país era de 11,7 para cada 100 mil habitantes, passando para 26,2 em 2010, um aumento
de 124% (GARCIA, 2011), mostrando o crescimento da violência e criminalidade nas cidades. Foi neste
contexto que muitas comunidades organizaram grupos de moradores embuídos a encontrar saídas e
5 Cubo Branco é um termo adotado por O’Doherty para nomear espaços de arte, como museus e galerias.
6
soluções pacíficas de baixo custo para amenizar uma condição complexa que de várias formas escapa
sua capacidade de atuação.
A condição desigual do exercício da cidania escancara as disparidades sociais entre os habitantes das
perifierias e moradores das áreas centrais da cidade enfatizando as diferenças e os acessos
privilegiados à infraestrutura e todas as formas de serviços urbanos. Mostra-se abusiva com a omissão
do Estado em relação ao policiamento e a própria atuaçao do judiciário. No caso do Jardim Miriam, a
exclusão e esquecimento levou moradores à ação extrema de fazer “justiça” com as próprias mãos,
levando ao descontrole da segurança pública (SINHORETTO, 2009).
Por meio da redução da importância que o Estado oferece para essas comunidades a ação do tráfico
de drogas torna-se tradição, passada de pais para filhos. Esse ato de enxergar a criminalidade como
profissão muitas vezes tira a possibilidade de outros caminhos serem seguidos. Como exemplo dessa
ação tem-se no Jardim Miriam o depoimento de uma moradora, instalada na comunidade a mais de 40
anos. “A ‘profissão’ de traficante é almejada pelos mais novos. ‘Até as crianças veem, é muito comum.
Quando vão crescendo, elas se perguntam: ‘O que vou fazer da vida? Vou seguir o caminho do meu
pai, do meu irmão. Estudar pra quê?” (TOLEDO, 2016)6.
Analogamente pode-se associar essa cultura da violência nas comunidades carentes com sua criação.
Esses espaços conheceram a precariedade e a disputa por investimentos públicos muito cedo e tiveram
que lidar com a situação. Essa população foi “desassistida de todas as políticas sociais e urbanas,
como educação, saúde, transporte, iluminação e saneamento – aquelas classicamente consideradas
as mais importantes para a prevenção da violência” (SINHORETTO, 2009, p. 85). Como se não
bastasse a exclusão como caminho de criminalidade, também se assume que “a consciência da
desigualdade transita para a consciência da injustiça social (SINHORETTO, 2009, p. 89).
Diante do exposto, tem-se o Jardim Mirian como comunidade carente da zona Sul de São Paulo,
detentora de altos índices de violência, passados como forma de tradição para os filhos desse espaço.
Como forma de expectativa de futuro, muitos jovens e até mesmo crianças passam a não lutar contra
a estrutura estabelecida, e assim perdem-se na criminalidade. Por outro lado, expressões artísticas
adentraram na comunidade por meio da artista plástica Mônica Nador justamente para combater a
tradição de jovens com um futuro no tráfico. Portanto, precisamos entender a cidade como lócus de
resistência, sua transformação em casos da perda de identidade, como Obra e as bases políticas
capazes de assegurar a reversão da perda de idêntidade do urbano, consequentemente da própria
violência, para assim compreender a relação de obras de arte com a diminuição da criminalidade nas
comunidades.
O foco do debate assenta-se, portanto, nos desdobramentos do sentido da vida e da segurança no
ambiente urbano, mais precisamente no bairro Jardim Mirian, lugar absorvido pela sensação de
6 Informações obtidas em O Estado de S. Paulo.
7
insegurança, pela violência e pela cultura da marginalização, mas que também foi capaz de mostrar-
se expoente de expressões artísticas carregadas de potencial de transformação.
ARTE, CIDADE E POLÍTICA
Com a discussão do espaço urbano e da vida contemporânea apresenta-se o conceito de cidade-
mercadoria e cidade-espetáculo. Essas expressões estão relacionadas à transformação desses
espaços no sentido turístico, consumista e mercadológico, que tornam a cidade somente um lugar de
passagem. A intenção é mostrar que a identidade de um lugar depende que ele seja um espaço
transformador de experiências e vivências urbanas. Quando o lugar desorganiza os valores associados
a produção de identidades tem em prejuízo as possibilidades de mudanças no coletivo (JACQUES,
2009). A partir do exposto é possível enxergar que para modificar o coletivo, assim sendo, o espaço
urbano, incluindo comunidades, é preciso que a cidade possa ser lócus de identidade, passível de
vivências e experiências positivas, abertas a participação coletiva.
Dessa forma, cidades que se transformam em mercadoria, acabam perdendo a vida, transformando-
se em espaços paisagens. O termo de paisagem, é utilizado por Paola Jacques7 para definir espaços
que já não possuem mais a possibilidade de influenciar nas memorias das pessoas, por passarem
despercebidos pela população, voltados somente a atender necessidades mercadológicas (JACQUES,
2009).
Um dos motivos para que isso venha acontecendo é a questão da segurança, recintos cada vez mais
pacificados são escolhidos para se visitar com a família, pois a segurança de um lugar onde conflitos
são excluídos parecem a melhor opção (JACQUES, 2009). Nesse sentido, pode-se buscar a relação
com o Jardim Miriam, lugar onde esses conflitos existem e são evidentes, transformando-se em um
ambiente possível de resistência desses processos de transformação da cidade em mercadoria de
consumo.
No texto Corpocidade, Jacques (2009, p. 338) discute o que vem acontecendo com os espaços comuns
de toda uma população “Em tais processos, o ambiente urbano tende a se caracterizar como uma
cenografia e a experiência urbana cotidiana, por sua vez, então, acaba resumida à utilização e
circulação disciplinadas por princípios segregatórios, conservadores e despolitizados”
Como mostrado, essas transformações fazem com que o ambiente urbano perca sua identidade e se
pareça cada vez mais uns com os outros. Esses ambientes além de tornarem-se paisagens genéricas,
também impossibilitam que as errâncias urbanas aconteçam. Errâncias urbanas é o termo utilizado por
Jacques para definir experiências vivênciadas na cidade, consideradas como um antidoto a
7 Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1990), especialização em Teoria e Projeto de Arquitetura e Urbanismo (CEAA) - Ecole d'Architecture de Paris Villemin (1993), mestrado em Filosofia da Arte (DEA) - Universite de Paris I (Pantheon-Sorbonne) (1994), doutorado em História da Arte e da Arquitetura - Universite de Paris I (Pantheon-Sorbonne) (1998) e pós-doutorado em Antropologia no LAIOS/CNRS (2006). Atualmente é professora da Faculdade de Arquitetura (FAUFBA), do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPG-AU/FAUFBA) e do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Universidade Federal da Bahia (PPGAV/UFBA).
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espetacularização e a segregação, pois o errante é o responsável por viver a cidade e passar por
experiências no seu meio, dentro de um contexto de descobertas.
Dos danos causados pelos processos de espetacularização versus a ações segregadoras sobre o
tecido urbano a participação popular acaba se perdendo, e quanto mais o ser popular8 se apaga, mais
a cidade torna-se um ambiente morto, de passagem, e o cidadão um mero figurante (JACQUES, 2005).
A participação popular torna-se elemento principal dentro da criação a partir do exposto de que o
popular tem o poder de tomar de volta a cidade e o espaço urbano.
É perceptível que um modo de reverter todo o processo até aqui citado pode ser realizado pela
valorização das experiências advindas do conflito. Assim, encontra-se reversão em expressões
artísticas. Se o espaço urbano pode ser declarado como lócus do conflito, do mesmo modo as
expressões artísticas podem ser reveladas como catalisação dessas experiências. Promovendo
percepções espaço-temporais, é possível levar de volta à cidade, a errância urbana, e
consequentemente transformar o espaço urbano em um outro corpo. Esse outro corpo exposto por
Jacques é a interpretação de um novo lugar de vivência das experiências, sendo rico em expressões
de ressignificação contra a cidade-mercadoria. A arte é um meio de formar o outro corpo, assim também
pode-se identificar como fonte mantenedora e criadora de tensões dentro do espaço urbano. Através
do corpo humano, é possível definir o corpo urbano. As experiências do errante na cidade definem o
espaço urbano podendo dele se apropriar (JACQUES, 2009).
A socióloga Chantal Mouffe apresenta arte crítica como uma possibilidade de apropriar-se
positivamente espaço urbano:
According to the agonistic approach, critical art is art that foments dissensus, that makes visible what
the dominant consensus tends to obscure and obliterate. It is constituted by a manifold of artistic
practices aiming at giving a voice to all those who are silence within the framework of the existing
hegemony9 (MOUFFE, 2007, p. 4).
Lugares que precisaram aprender a se defender e a conviver com a violência terminam por sucumbir à
própria violência como única resposta de sobrevivência. Mas aqui temos um outro caminho apontado
por meio de expressões artísticas, capazes de oferecer oportunidades para essa população.
Efetivamente, se tem na participação popular a reversão desse processo de espetacularização. Além
da reversão ao processo mostra-se ferramenta de combate a criminalização e violência (JACQUES,
2005).
Como outro ponto, que se opõem a cidade-mercadoria e sustenta a resistência do espaço urbano e a
forma com que esse espaço atinge o popular, é pautado na cidade como Obra. Nesse contexto de
cidade, parte-se do princípio de que por si só a mesma já representa uma Obra, que vem sendo
construída por diversos sujeitos ao longo do tempo. Uma totalidade orgânica, pautada sobre o valor de
uso, enquanto que o valor de troca fica pautado no produto (LEFEBVRE, 2008). O valor de uso (o real
8 Diga-se agente popular 9 De acordo com a abordagem agonística, a arte crítica é a arte que fomenta o dissenso, que torna visível o que o consenso dominante tende a obscurecer e obliterar. É constituído por um conjunto de práticas artísticas que visam dar voz a todos aqueles que são silenciados no âmbito da hegemonia existente.
9
valor que a cidade pode oferecer enquanto vida cotidiana) vem se perdendo para o valor de troca (a
cidade dos negócios). Dentro dessa metrópole, as necessidades do coletivo não são mais atendidas,
sendo prioridade o interesse de uma minoria. Esses interesses podem ser citados como o contingente
privatizado juntamente com o Estado, e nessa minoria enxergam-se as comunidades, tendo como
exemplo o Jardim Miriam.
Na construção de uma cidade como obra, assim como Lefebvre acredita, é necessário que dela tenham
centralidades, e o urbano possa ser vivenciado. Nessa construção os espaços públicos precisam ser
vibrantes e a vida pautada na vivência desse urbano, no coletivo (LEFEBVRE, 2008). Dessa forma, é
passível de associação os dois contextos que podem resultar no estudo da violência na periferia e a
criminalidade sendo exposta como tradição. Tendo de um lado a Obra e do outro a necessidade da
errância ser vivenciada.
Acontece que a partir do momento em que o espaço urbano, começa a se fragmentar e se partir em
periferias, centralidades, subúrbios, essa obra se perde. Podemos dizer que quando as cidades iniciam
sua espetacularização, modificam sua vida para tornar-se apenas cidades-espetáculo, a Obra já não
se sustenta. A industrialização e segregação ameaçam a vida urbana e ameaçam a destruição da Obra.
Essa partição de cidades afeta diretamente o coletivo, que perde sua força e precisa buscar formas de
resistir e de conviver no espaço urbano que se diferenciam uns dos outros. Nessa diferenciação, grupos
esquecidos como as comunidades e periferias partem pela vertente possível de ordem, sem ajuda dos
poderes do Estado, fixam formas de convivência não com o urbano, mas com as separações feitas do
conjunto da cidade.
Encontra-se em Raquel Rolnik (2004, p. 52), a ideia de que a separação é conveniente, e a metrópole
segregada exerce mais possibilidades de encobrir as lutas e conflitos. ‘’Separa-se porque a mistura é
conflituosa e quanto mais separada é a cidade, mais visível é a diferença, mais acirrado poderá ser o
confronto’’. Rolnik discute a construção desse espaço, modificação, estilo de vida e o motivo porque a
segregação da vida contemporânea se faz presente. Quanto mais o conflito se apresenta, menos
interessante torna-se para a minoria que exerce o poder pois dificulta as maneiras de desempenhar e
sustentar suas vontades que não coincidem com o coletivo.
Neste sentido, a arte torna-se a ferramenta possível a restituir o sentido de Obra, abre caminhos para
construção de uma nova vida urbana, capaz de ressignificar as relações e renovar o direito à vida. “O
urbano pode ser definido como a dinâmica à qual engendra o tecido sócio presente, a centralidade, as
relações e atividades desenvolvidas” (AZEVEDO, 2012 p. 5).
Dessa forma, o urbano não é a representação física da cidade, mas sim sua relação e sua dinâmica.
Pode ser entendido então como o ato de ressignificação do coletivo. Na distinção dos nomes, podemos
dizer que a cidade é a morfologia material, e o urbano pertence a morfologia social. Assim sendo, as
pautas apresentadas referem-se em como viver o espaço com o intuito de dar novo significado as
comunidades e se pautar na estrutura da urbe como um todo, sem partições, mostrando a força da
resistência do coletivo nessas ações. Os conceitos apresentados permeiam a ideia de que a violência
e a criminalidade podem ser vencidas com a vivência do urbano não somente por alguns grupos, mas
10
sim pela participação popular. A resistência do todo se mostra ferramenta de modificação. Portanto,
expressões artísticas se revelam como vertente capaz de todas as ações necessárias, indo de encontro
ao combate da cidade-mercadoria, a ressignificação da cidade como Obra e o controle do ser e da
vitalidade dos espaços populares (LEFEBVRE, 2008).
A política é fundamentalmente estética assim como a expressão artística, portanto fundados no mundo
sensível. O mundo sensível é a representação do material, do tangível. “A palavra estética [...] remete
propriamente ao modo de ser específico daquilo que pertence à arte. [...] As coisas da arte são
identificadas por pertencerem a um regime específico do sensível”. (RANCIÈRE, 2005 p. 32). E desse
modo, expressões artísticas são sociais por natureza, porque assim como a razão e a ética elas são
um componente essencial do homem. O social é a essência do político, pautado dessa forma no
coletivo. Portanto, a arte não pode ser separada da esfera da política (TASCA, 2011).
Parte-se da premissa que a partilha do sensível torna plausível o tomar parte do comum. Assim,
enfatiza-se a construção da ideia do comunitário. Rancière (2005) enxerga na política de Aristóteles a
orientação que organiza a felicidade coletiva, sendo assim a coletividade superior ao indivíduo e
superior ao bem particular. Devido a essa estruturação, tem-se que o comum além de ser a verdadeira
política é o grupo capaz de reestruturar a cidade como Obra vencendo a cidade-espetáculo.
Dessa forma, quando se trata de figuras estéticas10 e política pode-se utilizar de noções apresentadas
no pensamento filosófico. Em Rancière, encontra-se a explicação dessa partilha como:
O sistema de evidências sensíveis que revela, ao mesmo tempo, a existência de um comum e dos
recortes que nele definem lugares e partes respectivas. Uma partilha do sensível fixa, portanto, ao
mesmo tempo, um comum partilhado e partes exclusivas. Essa repartição das partes e dos lugares
se funda numa partilha de espaços, tempos e tipos de atividade que determina propriamente a
maneira como um comum se presta à participação e como uns e outros tomam parte nessa partilha
(RANCIERE, 2005, p. 15).
Para o autor, “uma ‘superfície’ não é simplesmente uma composição geométrica de linhas. É uma forma
de partilha”. (RACIÈRE, 2005, p. 21). Desse modo, quando se fala em Nador é possível dizer que seu
trabalho é uma forma de partilha do sensível, pois toma parte do coletivo para fazer presente sua arte,
que não denomina como sua, mas sim de todos. A artista constrói suas ‘superfícies’ (suas paredes-
murais) como forma de dar voz aos silenciados, metamorfoseando a felicidade do comum prevista na
verdadeira política.
Ainda levantando a bandeira da arte política e da questão indissociável entre as duas, Tasca (2011,
p.177) explica essa associação: “na medida que a obra de arte provoca uma experiência contemplativa
que afeta a percepção de si mesmo, do mundo do entorno, ela está sendo política”. De novo vê-se com
Mônica Nador e sua forma de concretizar expressões artísticas no espaço urbano uma forma de
política, ao provocar percepções nas comunidades através desse trabalho.
Diante do exposto, a arte na política é o campo correspondente aos assuntos estudados e observados
durante visita realizada ao JAMAC e à comunidade do Jardim Miriam. Tratou-se sobre a cidade pautada
10 Expressões Artísticas
11
na mercadoria, arte como expressão de ressignificação do espaço e arte no urbano. Desse modo,
apresenta-se arte e política, elementos inseparáveis no pensamento de Jacques Rancière. Com isso,
em A Partilha do Sensível tem-se na estética a fundamentação das bases políticas da felicidade
coletiva, encaminhando para uma política capaz de assegurar a recolocação do ser cidadão como
receptor da informação novamente. Em outras palavras, a arte possui as bases para ressignificar a
cidade, podendo também exercer a condição política que sustenta o sujeito que foi apagado pelo
consenso, e recoloca-lo novamente no circuito que lhe foi vetado.
A arte de Mônica Nador como experiência urbana
Visitar o JAMAC em fevereiro de 2018 transformou-se em uma forma de vivência da pesquisa em
desenvolvimento, a arte permeada na política com potencial de ressignificar o sujeito no urbano. Por
meio desse trabalho de campo foi possível compreender a dimensão das ações que a artista Mônica
Nador exerce, sempre associada aos grupos de movimentos sociais como parceria de significação.
Essa visita ao centro mostrou-se esclarecedora quanto ao modo como o JAMAC se encontra localizado
no Jardim Miriam, e dessa forma no desenvolvimento de ações artísticas e políticas desde 2004. A
emoção de caminhar pelas ruas desse bairro periférico da cidade de São Paulo trouxe luz e uma
compreensão aguda das leituras empreendidas. Falar sobre a criação do centro foi o primeiro
esclarecimento fornecido por Nador. Para conseguir implantar-se no Jardim Miriam, a artista procurou
por pessoas que a encaminhassem para o trabalho no social. Os responsáveis por ajudar a artista se
firmar dentro da comunidade são parte do coletivo Aparecida Gerônimo, vertente do coletivo consulta
popular11.
Foi por meio dessas parcerias que Nador se deparou com Mauro, figura essencial de seu trabalho
desde o momento em que se firmou no Jardim Miriam. Mauro, morador da comunidade que exerceu a
profissão de metalúrgico por 30 anos, foi demitido da empresa por ser uma figura ativa na reivindicação
de direitos e espaço para a classe trabalhadora. Após seu afastamento das atividades da indústria,
decidiu cursar ciências sociais e hoje atua como professor de Geografia em uma escola pública da
comunidade. Dessa forma, pode-se ver a figura do morador que busca por melhorias do coletivo e não
mede esforços para promover essa transformação.
11 Consulta Popular foi criado em 1997, impulsionados pelos movimentos sociais, especialmente o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Possui como proposta construir um Projeto Popular para o Brasil. É a força social organizada do povo brasileiro lutando para executar um programa político de mudanças estruturais na sociedade. (Definição retirada da página do Consulta Popular, disponível em: <http://www.consultapopular.org.br/quem-somos>)
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Fig. 1: Mônica Nador e Mauro em conversa durante as atividade da Rádio Poste Foto da autora em visita ao JAMAC, Fev. 2018.
Fig. 2: Visita de campo realizada ao JAMAC. Rádio Poste na praça do Miriam expressa sua relação de proximidade com os moradores da comunidade. Foto da autora em visita ao JAMAC, Fev., 2018.
Como forma de exemplificar o papel que Mauro exerce no espaço do Jardim Miriam, é possível
evidenciar sua participação na organização das parcerias do Aparecida Gerônimo e do JAMAC, na
Praça do Miriam. A ideia foi criar um espaço de comunicação, que funciona como um microfone aberto,
assim a Rádio poste é um instrumento capaz de dar voz a pessoas da comunidade e passar
informações de encontros, mobilizações, reivindicações e demandas populares. Exercendo também a
ação de levar a leitura para o espaço, com a distribuição gratuita de livros para serem trocados entre
os membros da própria população e divulgar a musicalidade do povo brasileiro por meio de gravações
e canções populares (RIVITTI, 2013).
A ação procura realizar uma alternativa a mídia monopolista e representar práticas para romper a
hegemonia da mídia institucionalizada. “A Rádio Poste parte de uma noção de cultura que constrói
relações diretas entre objetos, pessoas e o espaço que ocupam” (RIVITTI, 2013, p.25).
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Fig. 3: Pesquisa de campo realizada no Jardim Miriam. Praça do Miriam enquanto acontece a ação do Rádio Poste. Mostra a relação do trabalho dos grupos comunitários associados ao JAMAC. Foto da autora em visita ao JAMAC, Fev. 2018.
Portanto, é possível compreender o quanto projetos de ressignificação do espaço e melhoria desse
ambiente para a população se faz presente. Assim, a pesquisa tem entre outros objetivos acompanhar
em campo a dimensão das atividades do JAMAC. Nesse sentido, foi importante participar do encontro
com a artista com os representantes do 3º Encontro Literário, Caiu na Rede é Cultura que acontecerá
em novembro de 2018. Parceria também com o JAMAC, essa ação já se encontra em sua 3º edição e
é pautada em difundir a produção literária periférica tendo como objeto de atenção a produção de textos
na comunidade do Jardim Miriam. Segundo a descrição dos envolvidos, esse encontro é uma iniciativa
de fazedoras e fazedores de cultura da zona sul de São Paulo para dar visibilidade à produção literária
periférica e estimular a leitura e a escrita criativa. A ação busca descortinar a saga de um povo
marginalizado que insiste em resistir e construir sua própria história. Finalizam com a fala de que
“Literatura, arte e cultura são nossas armas, instrumentos de libertação” (Entrevista Mônica Nador,
2018).
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Fig. 4: Reunião dos organizadores do 3º Encontro Literário, Caiu na Rede é Cultura. Mauro está sentado no centro esquerdo da fotografia. Foto da autora em visita ao JAMAC, Fev. 2018.
Com efeito estruturas estão se movimentando na comunidade para que ações de criminalidade se
reduzam, mas ao mesmo tempo, colocando opções de modificação na vida dos envolvidos com a
violência, para que possam enxergar além desse caminho, um expoente artístico capaz de mudar sua
caminhada.
Fig. 5: Reunião dos organizadores do 3º Encontro Literário, Caiu na Rede é Cultura. Mônica Nador senta-se no centro da fotografia. Foto da autora em visita ao JAMAC, Fev. 2018.
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Assim, é possível entender o projeto Paredes-Pinturas de Mônica Nador, em sua dimensão mais aguda.
Em 2010, o JAMAC reconhecidamente um centro de cultura da comunidade do Jardim Miriam foi eleito
ponto de Cultura. Esses pontos são espaços reconhecidos e apoiados pelo Ministério da Cultura por
desenvolverem ações de impacto sociocultural em sua comunidade (RIVITTI, 2013). Portanto, o
JAMAC exerce ações relevantes para ressignificação do sujeito urbano em outros caminhos que não o
da violência. Essa outra escolha acontece pelas várias atividades desenvolvidas no centro, mas em
especial o projeto Paredes-Pinturas, responsável pelo início de tudo.
Paredes-Pinturas acontece através de produções da população juntamente com a artista. O trabalho
parte de pinturas-murais realizadas no espaço urbano. Essas pinturas são fruto de desenhos que a
população produz a partir de seu repertorio cultural. Esses desenhos tornam-se padronagens de
estêncil confeccionadas na autoria compartilhada, posteriormente estampando os muros das casas da
comunidade. Mônica explica a construção desses moldes em sua entrevista: “A pessoa entra com sua
criação e eu empresto minha expertise nas artes visuais e na manipulação de cor. Isso é a autoria
compartilhada” (Entrevista Mônica Nador, 2018). O processo criativo do projeto inicia-se com a artista
colocando o espectador como parte integrante do processo de articulação da obra. Para Nador o
importante da arte é o caminho que se atravessa para tornar-se informação e dessa informação ter sua
palavra.
Esse é um processo de individuação e de formação cidadã, de você ter sua opinião né. Eu acho que
esse processo é a coisa mais importante da arte, e não o produto final, é isso que eu acho que devia
dividir com as pessoas, e não meu produto final dizendo “veja a maravilha que eu sou capaz de
fazer” e você de novo colocando o espectador na outra ponta, como o cara que só pode receber e
entender que não tem aquilo (Entrevista com Mônica Nador, 2018).
O trabalho da artista ganha uma dimensão social a partir do momento que pode ser um motivo para
retirar jovens da rua e transformar a vida do indivíduo através da arte. A esse respeito Mônica Nador
declara “minha luta é inserir a cultura no dia a dia de todos para que não seja privilégio de poucos, mas
da humanidade” (CELLA, 2013, p.01).
Em síntese, a autoria compartilhada possibilita maneiras de exercer voz em indivíduos apagados pela
estrutura vigente, possibilitando novos caminhos. Por esse motivo, a arte dentro do espaço urbano se
faz tão importante. A maneira de combater a criminalidade acaba sendo realizada de formas pacificas
e justas, com o próprio indivíduo sendo capaz de expressar seus desejos.
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Fig. 6: Espaço do JAMAC (Jardim Miriam Arte Clube). Foto da autora em visita ao JAMAC, Fev. 2018.
Fig. 7: Espaço do JAMAC (Jardim Miriam Arte Clube). Foto da autora em visita ao JAMAC, Fev. 2018.
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Fig. 8: Espaço do JAMAC (Jardim Miriam Arte Clube). Foto da autora em visita ao JAMAC, Fev. 2018.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O caminho de investigação trilhado percorreu leituras densas e intensas de Henry Lefebvre e Jacques
Ranciére associados as pesquisadoras dedicadas em compreender as especificidades da vida urbana
brasileira, Paola Jacques, Raquel Rolnik que concentram seu olhar sobre o espaço segregado de
comunidades carentes. A população excluída da vida urbana das áreas centrais foi esquecida pela
administração pública em seus mais diversos seguimentos. A partir do momento que isso acontece
indivíduos descobrem na criminalidade a forma de controle da comunidade, passando como herança
as próximas gerações, que não veem caminhos possíveis para modificar a maneira de viver nesse
espaço.
Nesse momento, o entendimento do urbano com suas modificações e parcerias se fez necessário.
Buscou-se a explicação de cidade-mercadoria para mostrar que a forma de viver experiências urbanas
pode combate-la, assim como a cidade como Obra, capaz de carregar o significado de expressões
artísticas e mais tarde integrar a política em seu meio, assim expressões artísticas foram associadas
ao combate da violência dentro das comunidades pela forma de fazer arte. Por fim, o conceito de
política complementou todo o sentido do urbano pautado na arte, onde arte e política participam de um
mesmo fim, sendo a felicidade coletiva do todo a grande importância de felicidade e significação do
espaço. A pesquisa de campo ainda em processo de elaboração concentra-se no espaço de atuação
da artista plástica Mônica Nador, bairro periférico Jardim Miriam localizado na zona Sul de São Paulo,
para entender alternativas que humanizam ambientes castigados pela violência social e urbana,
atravessados pela discriminação e imposição de valores alheios ao modo de vida comunitário. Portanto,
é possível afirmar que Nador, atuante no espaço urbano do Jardim Miriam, com parceria de diversos
coletivos, é capaz de oferecer alternativas de vida aos moradores criando um nicho de distanciamento
do cotidiano de violência vigente tanto na comunidade quanto no papel e atuação do Estado. A artista
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consegue através da arte mover a predestinação à criminalidade de crianças e adolescentes. Seu
material de trabalho para além de tecidos, silk screen, tintas e telas é a própria vida das pessoas que
frequentam e vivem a experiência do JAMAC.
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