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 1 1 LUIS CARLOS BELAS VIEIRA ALGEMAS DA LIBERDADE SALVADOR - BAHIA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA 2002

monografia antropologia

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Religião e tratamento de usuários de psicoativos em Centros de Recuperação - Monografia de Bacharelado em Antropologia - Universidade Federal da Bahia - Orientadores: Ordep Serra e Edward MacRae - 2002

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LUIS CARLOS BELAS VIEIRA

ALGEMAS DA LIBERDADE

SALVADOR - BAHIAUNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

2002

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ALGEMAS DA LIBERDADE

Monografia apresentada como exigência Parcialpara obtenção de graduação do curso deCiências Sociais  – Antropologia, da Faculdade deFilosofia e Ciências Humanas da UniversidadeFederal da Bahia, sob a orientação do Prof. Dr.Ordep Serra.

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SALVADOR - BAHIAUNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

2002ALGEMAS DA LIBERDADE

LUIS CARLOS BELAS VIEIRA

Avaliada por :__________________________________Dr. Ordep José Trindade Serra

Avaliada por :__________________________________

Dr. Edward MacRae (Co-Orientador)

Avaliada por :__________________________________Dr.ª Mirian Cristina Rabelo

Data: _____/ _____/ ______

SALVADOR - BAHIAUNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

2002

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EPÍGRAFE

―Se um dançarino desse saltos muito altos, poderíamosadmirá-lo. Mas se ele tentasse dar a impressão de poder voar,o riso seria seu merecido castigo, mesmo se ele fosse capaz, na

verdade, de saltar mais alto que qualquer outro dançarino.Saltos são atos de seres essencialmente terrestres, querespeitam a força gravitacional da Terra, pois que o salto é algo momentâneo. Mas o vôo nos faz lembrar os seresemancipados das condições telúricas, um privilégio reservado

 para as criaturas aladas...‖ 

Kierkegaard  

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DEDICATÓRIA

Para meu pai Dilson Belas Vieira (1946 – 2004).Para Rita de Cássia, minha esposa e Agni Mendes e Lídia Mendes, minhas filhas, pelocarinho e amor.

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.AGRADECIMENTOS

A Deus, ao próximo e a mim mesmo. 

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SUMÁRIOEpígrafe ..... ivDedicatória .... vAgradecimentos .... viApresentação .... 1

Introdução .... 2Metodologia .... 3Referencial Teórico .... 19A maldição .... 48Menor e algumas noções de infância .... 52Os amaldiçoados .... 55A Bendita Oferta .... 71Os demônios alcagüetes .... 76Os Longos Braços das Empresas de Salvação .... 78O sentido da existência humana e a promessa de salvação .... 102Sacrifícios e Desafios .... 104

O Núcleo Central do Protestantismo Autônomo .... 106Retomando o contato com os menores .... 108Ida ao CERVIR .... 130Uma Discussão sobre Religião – Os aspectos “não racionais” da ação humana .... 149O Tratamento no CERVIR .... 157Heber: cristão ou uma farsa .... 166Conclusão .... 179Anexos .... 1921 – Roteiro de entrevista para os Menores – Parte Primeira .... 193Parte Segunda – Drogas: .... 194Anexo 2 .... 199 

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APRESENTAÇÃO

O interesse em pesquisar este tema teve origem e está relacionado

à minha experiência pessoal de vida. Estando há muitos anos direta e indiretamenteligado aos meninos de rua do Porto da Barra em Salvador, e, ao trabalho dosProtestantes Autônomos para evangeliza-los, acompanhei de perto a trajetória demuitos deles que se converteram ao Protestantismo Autônomo e que hojeprovavelmente já atuam no cenário internacional como missionários.

Acompanhei também a trajetória de muitos que continuamrejeitando ou tentando alcançar algum espaço no concorrido e promissor universosimbólico religioso do Protestantismo Autônomo1.

Foi a partir desta convivência no meio de toda essa movimentaçãono mercado de almas, que decidi investir esta experiência no trabalho de escreveresta Monografia de Conclusão do Curso de Ciências Sociais, com habilitação em

Antropologia. Gostaria de fazer alguns agradecimentos especiais:Ao Professor Edward MacRae, por ter me orientado e incentivado

durante todas as fases finais da pesquisa, e ao professor Ordep Serra, pela iniciação.Ao Diabo, aos seus demônios e a todos os meninos de rua

entrevistados, que contribuíram com informações fundamentais sobre asespecificidades do processo de conversão, e ao Pastor Heber, pelas suas inúmeras efrustadas tentativas de tirar o " Diabo" do meu corpo, para que eu pudesse vir acontribuir com a Obra do Cristo, através da oferta, fato que ele nunca conseguiu eque me valeu o título de Herege e Anticristão.

À meu querido pai, Dilson Belas Vieira, e a Rita de Cássia

Carvalho de Souza por todo o amor que me dedicaram.À Superintendência Estudantil por todo o seu apoio e incentivo.

1 - Termo utilizado por José Bittencourt Filho para designar as denominações dissidentes do movimentopentecostal, dos EUA, no início do século e/ou formadas em tornos de lideranças fortes. FILHO, José B.,Remédio Amargo. In : Nem Anjos nem Demônios  – Interpretações sociológicas do Pentecostalismo. AlbertoAntoniazzi ... [ et al. ]. – Petrópolis, RJ : Vozes, 1994.

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INTRODUÇÃO

Quando imaginamos a possibilidade de trabalhar o uso de―psicoativos‖2 - entre os meninos de rua e meninos na rua, que

designaremos daqui em diante por menores, comecemos a perceber queisto seria impossível de ser realizado numa ―instituição para menores derua‖. 

Isso se deve ao fato de que essas instituições, mesmo com toda suaflexibilidade possuem características muito semelhantes às instituiçõestotais descritas por Erving Goffman que limitariam ou mesmoimpossibilitariam o nosso trabalho. ―(...) A interpretação do mundo dadapor um grupo atua de modo a manter seus participantes e deve dar umadefinição autojustificadora de sua situação e uma interpretaçãopreconceituosa (...) eqüivale, necessariamente, a apresentar umainterpretação parcial (...).‖ ( GOFFMAN, 1987 ). Há também restrições à

transmissão de informações e a impossibilidade mesmo de um dialogosobre certos assuntos, posto que o menor não quer só falar, ele querprincipalmente ouvir do entrevistador a sua opinião, e a opinião doentrevistador pode ser contrária às opiniões da instituição. No âmbito dainstituição a uma redução do eu do menor e poucos deles tem, porexemplo, uma convicção religiosa ou política profunda que sirvam paramantê-los distantes da obrigação de falar a linguagem da instituição. Maspossuem convicções próprias, oriundas da pratica do ritual profano deconsumo de psicoativos. Tivemos portanto que colher os dados sobre o usode psicoativos por menores na rua mesmo ( ―ou por fora dos cadeados‖,como eles dizem) e por razões de estratégia econômica escolhemos os

2 - Edward MacRae, em seu trabalho, sobre Xamanismo e Uso Ritual da Ayahuasca, evita o ―termo droga, jádemasiadamente contaminado pela carga pejorativa que o leva a ser empregado como sinônimo de algo quenão presta. (...)‖ Em seu lugar, o autor faz opção em utilizar os termos ―(...) substância psicoativa ou

 psicoativo, indicando uma substância que ativa a psique ou age sobre ela. (... ) Ao tratar de contextos rituais,também prefiro evitar o termo alucinógeno, pelo forte juízo de valor a respeito da natureza das percepçõesque uma substância possa produzir  — alucinar significa errar, enganar-se, privar da razão, do entendimento,desvairar, aloucar. Tal palavra não permite comentar com imparcialidade os beatíficos e transcendentesestados de comunhão com as divindades que, segundo a crença de muitos povos, determinados indivíduospodem alcançar mediante a ingestão de certos psicoativos. (...) Estas considerações têm levado váriosestudiosos a propor termos alternativos como  psicodélico e  fanerotismo. Prefiro enteógeno, derivada deentheos, palavra do grego antigo que significa literalmente ―deus dentro‖ e era utilizada para descrever oestado em que alguém se encontra quando inspirado ou possuído por um deus que entrou seu corpo. Era

aplicada aos transes proféticos, à paixão erótica e à criação artística, assim como aos ritos religiosos estadosmísticos eram experienciados através da ingestão substâncias que partilhavam da essência divina. Portantoenteógeno significa aquilo que leva alguém a ter o divino dentro de si. (...)‖ In : MacRae, E., Guiado pelaLua – Xamanismo e uso Ritual da Ayahuasca no Culto do |Santo Daime - São Paulo - ed. brasiliense, 1992.Em outro texto, MacRae nos diz, a respeito do conceito de enteógeno, que esta palavra deriva do gregoentheos, termo usado na antigüidade para descrever a inspiração profética ou poética. A expressão significa ―arealização de deus no interior‖ e, que segundo Ott, pode ser entendida como a percepção do usuário de que odivino permeia toda a criação ou, mais especificamente, que a planta enteógena está permeada pelo divino. In: MacRae , Edward. El Santo Daime Y La Espiritualidad Brasileña  – Quito-Ecuador – Ediciones Abya-Yala, 2000. 

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menores que ficam quase que constantemente defronte do Centro de Artesanato daBarra, na Avenida Sete de Setembro, Porto da Barra. Esse local éestratégico para os menores que perambulam do Pelourinho até o CampoGrande e dai ao Farol da Barra, ou mais especificamente próximo do FarolPraia Center. E é estratégico devido ao número de bares, lanchonetes,

supermercados, hotéis e motéis que são locus propicio para se esmolardinheiro ou comida, assaltar, se prostituir ou adquirir psicoativos. Adecisão foi feliz e acertada.

O uso de drogas na cultura ocidental tem-se tomado cada vez maisintenso, aparecendo ante nós como uma grave problema a ser solucionado.

Temos as questões cruciais que fundamentam os objetivos e ashipóteses dessa monografia. Podemos dizer que elas estão ligadas aopossível relacionamento entre o uso de psicoativos e o processo deindividualização e construção da identidade pessoal, e umaindividualização radical do sujeito consumidor, através do uso ritual depsicoativos, mesmo que estes rituais sejam considerados profanos,

constituindo-se aquilo que chamamos de rituais profanos e, que chocam-secontra os rituais ―sagrados‖ do Protestantismo Autônomo, que na pessoa deum Pastor, tentam converte-los.

Essa conversão implica, no abandono dos rituais profanos do uso depsicoativos pelos menores em questão, e em todo um processo deconversão a novos rituais, a saber os rituais do Protestantismo Autônomo,que estão centrados, no ritual da oferta e possessão pelo Espirito Santo.

A reordenação social das sociedades complexas resultou em crisesnas pautas tradicionais de comportamento, no controle social e nasociabilidade. Isso nos leva a pensar que os somos levados a nos colocarem oposição a esse estado de coisas através de um processo de

individualização, muitas vezes uma individualização radical. Paraentendemos o conceito de sociedades complexas e a problemática de suareordenação, vamos nos reportar ao trabalho de Gilberto Velho, Individualismo e Cultura.

Gilberto Velho se refere a sociedade complexa, e tem em mente, anoção de uma sociedade na qual ― (...) a divisão social do trabalho e adistribuição de riquezas delineiam categorias sociais distinguíveis comcontinuidade histórica, sejam classes sociais, estratos, castas. Por outrolado a noção de complexidade traz também a idéia de umaheterogeneidade cultural que deve ser entendida como a coexistência,harmoniosa ou não, de uma pluralidade de tradições cujas bases podem serocupacionais, étnicas, religiosas, etc. Obviamente existe uma relação entreessas duas dimensões —  a divisão social do trabalho e a heterogeneidadecultural. É questão importante verificar quando e como as diferentestradições culturais de uma sociedade complexa podem ou devem ter comoexplicação a divisão social do trabalho. As categorias sociais daí surgidas,quer em termos de sua posição em relação aos meios de produção ( Porexemplo, proletariados e burguesia ), quer em termos estritamente

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ocupacionais ( médicos, carpinteiros, advogados, empregadas domesticas etc.) e quetenham um mínimo de continuidade temporal, tendem a articular suasexperiências comuns em tomo de valores. O problema, mais uma vez, éverificar o peso relativo dessa experiência em confronto com outras comoa identidade étnica, a origem regional, a crença religiosa e a ideologia

 política. (...)‖. (VELHO, 1987) A sociedade cuja complexidade está ligada principalmente a umaacentuada divisão do trabalho social, a um espantoso aumento da produçãoe consumo, à articulação de um mercado de trabalho mundial e a rápido eviolento processo de crescimento urbano é criação da RevoluçãoIndustrial. A sua heterogeneidade e variedade de experiências e costumes,―(...) contribuindo para a extrema fragmentação e diferenciação de papéise domínios, (...)‖ ( VELHO, 1987 ) é o palco onde acontece um contornoparticular da vida psicológica individual.

É da construção da identidade pessoal, ou seja, da vida psicológicaindividual e de seus contornos, que este trabalho se propõe a tratar, e

enfoca os menores e o consumo de psicoativos por estes, com o objetivode verificar o papel dos psicoativos no processo de individualização econstrução da identidade pessoal dos mesmos, trabalhando a oposiçãoentre os ―rituais profanos‖3 existentes no uso de psicoativos com os rituaisreligiosos do Protestantismo Autônomo, que nas ações de um Pastor,busca evangelizar o grupo e traze-los para a Igreja e para a pratica daoferta; Pastor que pretende que os menores pesquisados substituam oêxtase obtido com o uso de psicoativos pelo êxtase da possessão peloEspírito Santo .

Nossa sociedade é individualista, e estimuladora do processo deindividualização. Mas o indivíduo que ela almeja é genérico, não é único.

Tem-se o dever de se ser cada vez mais humano 4. Por isso que o processo

3 - Sobre o tema dos rituais profanos, nos pautaremos nos trabalhos de Claude Riviére, em particular de seu

livro : Os Ritos Profanos - Claude Riviére . – Petrópolis, RJ : Vozes, 1996. 4 - Em seu livro, O Único e sua Propriedade ( UP ), Max Stirner realiza uma crítica a Ludwig Feuerbach e à―nova religião do homem‖. Stirner introduz a primeira metade do seu livro, intitulada ―O Homem‖, com umaepígrafe que é a famosa, e comprometedora, frase de Feuerbach: ―O homem é para o homem o ser supremo‖;seguida do surpreendente anúncio de Bruno Bauer: ―O homem acaba de ser descoberto‖ (UP 31, r7). Noinício da segunda metade do livro, que leva o título de ―Eu‖, tendo já procedido ao exame do recém-descoberto ―ser supremo‖, ele resume seu ponto de vista numa bela epígrafe de sabor acentuadamentenietzscheano:

Se no alvorecer dos Novos Tempos levantou- se o ―homem- Deus‖ (Cristo), no seu ocaso somente Deus sucumbirá? Não se pensou ainda nessa questão, imaginando-se ter feito tudo ao conduzir até o fim, em nossos dias, a obra do Iluminismo, isto é, a vitória sobre Deus. Não se observou queo ‗homem‘ matou Deus apenas para tornar - se agora ―o único  Deus‖. O além fora de nós foi semdúvida varrido e a grande obra da filosofia das Luzes foi realizada; mas o além em nós tornou-seum novo céu, que precisa também ser conquistado: Deus teve que ceder seu lugar, não a nós, masao ‗homem‘. Com o se pode cr er que o homem- Deus está morto, enquanto o ‗homem‘ não estiver morto também?‖ .

O Único é um ataque ao ―homem‖ como universal substancial e ―ser genérico‖, mais do que a

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qualquer outro ideal. O ―homem‖ é a noção que Stirner descobre por trás das ideol ogias, e concepçõesmodernas do direito, da política e da moral. Como uma crítica do ―homem‖, O Único é uma ―anti-Feuerbach‖; pois o autor de A Essência do cristianismo é o expoente máximo ―filosofia do homem‖ — essa

 pretensa ―filosofia do futuro‖ tanto empolgou Marx e Engels. Para Feuerbach, a ―antropologia‖ deve tomar olugar da teologia e da filosofia especulativa Hegel. A ―antropologia‖ feuerbachiana quer ser a filosofia do―sensível‖ e do verdadeiramente ―concreto‖, mas Stirner tratará mostrar que ela não é nada disso, mas antesuma ―antropologia feuerbachiana‖. 

Para Feuerbach, na religião o homem primeiro objetiva sua essência, para depois fazer-se objetodela, transformada em uma pessoa  —  Deus. O cristianismo representa, assim, uma relação do homemconsigo mesmo, ou melhor, com sua própria essência; só que esta lhe aparece aí como um outro ser. Foisempre própria essência, constituída pelos melhores predicados humanos que os homens perceberam eadoraram na religião. Pois, na verdade, conclui Feuerbach, Deus é o homem; este é o legítimo ―proprietário‖dos predicados atribuídos àquele: o amor, a sabe-a justiça etc. (130-3 1). Compreendido isso, cabe agoratrazer tal essência de volta ao próprio homem, tornado finalmente desalienado e autônomo.

Segundo Stirner, entretanto, temos aí um problema. É verdade que Deus é agora reconhecido como o próprio homem; mas tal conversão ―antropológica‖ feuerbachiana guarda ainda o traço essencial da religião: odualismo. Porque mantém uma oposição entre cada um de nós e nossa ―essência‖; o que deixaria tudo

 praticamente na mesma. Pois tal essência não sou ―eu‖, que tenho ainda de aceitar um ―eu essencial‖, ―ideal‖,para além do meu eu contingente e inessencial. Feuerbach  — Max Stirner acusa  —  constrói ainda sobre omesmo terreno da religião, e sua transformação do divino ―transcendente‖ em divino ―imanente‖ não nos trazqualquer vantagem. Não somos o que está ―em nós‖, mais do que o que está ―fora de nós‖ (UP 60, r34). Dessemodo, o que deveria ser, para Feuerbach, uma grande virada na história do mundo, revela-se antes como acontinuidade da mesma história. Praticamente nada muda, Stirner afirma, inclusive porque também para ocristianismo o espírito de Deus habita ―em nós‖.   E arremata: ―Se Feuerbach destrói a morada celeste do sersupremo e o força a vir alojar-se conosco, nós, seu alojamento terrestre, ficamos agora bem maisatravancados‖ (61-2, r35). 

De acordo com Feuerbach, ―a representação humana de Deus é a representação que o indivíduohumano faz de seu gênero‖. Como algo infinito e absolutamente superior a ele mesmo, deveria acrescentar;

 pois o ―homem ser supremo‖ é uma noção que só se aplica adequadamente ao gênero, e jamais ao indivíduocontingente.‘  Para nosso humanista, o indivíduo é francamente limitado, e ―não pode elevar -se acima das leis

e dos caracteres essenciais do gênero‖ . O gênero é sua medida, da qual o indivíduo se aproximará, sem poder jamais ultrapassá-la. Para Stirner, em contrapartida, tal gênero é apenas um pensamento, e o indivíduo queultrapassa seus limites torna-se apenas mais ele mesmo, mais singular e único. Ele é um indivíduo exatamentena medida em que ―não permanece aquilo que é‖ (UP 234, r200), mas é sempre ele mesmo sua própriareferência. A ―essência‖ e o ―gênero‖ são apenas novos avatares do espírito transcendente. 

Stirner está disposto a admitir, com Feuerbach, que a religião despoja os homens de seus atributos e osconfere a uma pessoa imaginária que é Deus. Mas isso não é tudo, diz ele, pois ser religioso é tambémimaginar uma perfeição que deve ser atingida, um ideal absoluto, um único e supremo bem para todos (306).Interessa é ver o que acontece com o conteúdo da religião, que Feuerbach trataria na verdade de preservar (UP61, r34). Para Feuerbach, a religião não tem nenhum conteúdo que lhe seja próprio ; uma tese (à qual Marxadere sem reservas) que pode conter implicações insuspeitas: se o conteúdo da religião não é dela, talvez nãohaja porque ou como destruí-lo. Com efeito, depois da transformação feuerbachiana, o conteúdo da religião

vai sobreviver na ―moral humana‖. Feuerbach imagina que basta ―fazer do predicado o sujeito, e do sujeito o predicado‖.  Mas assim, crê Stirner, livramo-nos apenas do ponto de vista religioso tradicional (que faz deDeus o sujeito), enquanto preservamos e fortalecemos ainda mais seus predicados, i. e., sua parte moral. Nãodizemos mais que ―Deus é amor‖, declaramos que o amor (―humano‖) —  que deve reinar  —  é ―divino‖ e―sagrado‖ por si mesmo. E que o egoísmo, que no entanto pertence igualmente ao homem, é ―desumano‖... 

Com a moral resultante da inversão feuerbachiana, o predicado me amarraria ainda mais fortemente  —  como algo que é meu mesmo e que me cabe sem apelação (UP 77-8, rSO-1). No Lugar da fé, Feuerbach põe oamor do homem pelo homem como primeira lei, suprema e absoluta, e põe como sagrado tudo aquilo que é―verdadeiramente humano‖ (EC 426). Depois dele, não há mais necessidade de qualquer padre, pastor ousacramento; tudo agora é ―naturalmente‖ sagrado, e deve ser assim considerado. Tornando-se ela ―puramente

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de individualização não se dá fora de norma e padrões por mais que a liberdadeindividual possa ser valorizada. Quando vai de encontro às fronteirassimbólicas de um determinado universo cultural  — ou as ultrapassa . Ter-se-á então provavelmente uma situação de desvio com acusações e, emcertos casos, estigmatização. (...) ( VELHO, 1987 ) Esse universo cultural

dominante é o universo das classes dominantes.Como o menor se vê obrigado a mover-se e manipularinstituições, dimensões e ―mundos‖ diferentes e possivelmentecontraditórios, o menor se encontra diante do fenômeno que GilbertoVelho chama de ―individualização radical‖, e essa individualização radicalprecisa ser contida por instâncias ou instituições desinvidualizadoras. Umadas fontes da individualização radical é o consumo de psicoativos, e emparticular o consumo de psicoativos. A construção mesma de umasociedade segundo Durkheim pauta-se no fenômeno religioso, e este porsua vez tem como alicerce os mitos e os ritos. Falaremos dos menoresenquanto que organizados num grupo cujas relações intra e intergrupais

são pautadas no ―rito profano‖ do consumo de psicoativos. O mito e o delírio alucinógeno tem muito em comum. Ambos

fazem parte do ritual profano de consumo de psicoativos. Mas nos mitos,muito mais que nos delírios causados pelos psicoativos, o herói da culturase apresenta ao sujeito do processo de individualização como uma figuracom a qual se deve rivalizar na sua própria vida, tanto quanto possível.

O mito, como o delírio alucinógeno, pode expressar um conflitointerno de forma simbólica e sugerir como pode ser resolvido  —  masesta não é necessariamente a preocupação central do mito. Ele apresentaseu tema de uma forma majestosa; transmite uma força espiritual; e odivino ( a sociedade ) está presente na forma de heróis sobre-humanos

que fazem solicitações constantes aos simples mortais. Por mais que osmenores, simples mortais, possam se empenhar e tenham o dever de sercada vez mais ―humanos‖, mais parecidos com estes heróis,permaneceram sempre e obviamente inferiores a eles.

Mesmo nas sociedades industriais individualistas encontram — sedimensões e instâncias desinvidualizadoras, como por exemplo areligião, que surgem como mecanismos de controle social, levando omenor a reconciliação e aceitação dos limites e fronteiras deste mesmouniverso cultural.

humana‖ e ―livre da religião‖, nada impede que a moral se absolutize ... como religião. Sua vitória, então,―reduz-se a uma simples mudança de dinastia‖, ou, por outra, à passagem a uma dinastia ainda mais opressiva(88-9, r61-2). A noção feuerbachiana de que ―a teologia é uma antropologia‖ afinal de contas significa apenasque a religião deve ser uma moral, e que a moral é a única religião. Ambas, no entanto, colocam o homem noterreno do dever e do ideal — do mesmo modo que a política dos ideólogos (305 , r268).

Parafraseando o texto Ludwig Feuerbach e a nova religião do ―homem‖, de José Crisóstomo de Souza.In : A Questão da Individualidade  –  A crítica do humano e do social na polêmica Stirner-Marx.  –  Campinas, SP : Editora da UNICAMP, 1993.

( Coleção Repertórios )

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O primeiro ponto a ser aqui considerado refere-se a uma questão deestratégia de pesquisa : Ao isolarmos, segmentos ou grupos dasociedade, geralmente passamos a encara-los como ―(...) unidadesrealmente independentes e autocontidas (...) vários autores jádemonstraram como essa naturalidade do isolamento pode ser ilusória e

como grupos aparentemente isolados podem fazer parte, de váriasmaneiras, de um sistema mais amplo em termos econômicos, políticos eculturais (...)‖ (VELHO, 1987). 

O menor que é menino de rua tem como sinal de sua potência edecadência surgir do caos, de uma escuridão profunda, de uma total penumbra. De perto é ―objeto‖ opaco, frio 

perigoso. De longe, para as políticas públicas e para uma boa parcelada população. é um misto de autocomiseração projetada no outro e depossibilidades de lucro : Torna-se portanto luz que resplandece!

Quem ainda não foi abordado na rua por um ―menor infrator‖ ?Quem não sentiu com essa abordagem a sensação de se estar em contato

com uma realidade violenta, intempestiva e breve ? Uma sensação igualde se estar em contato com uma realidade ingênua, o paraíso da infânciase perdendo, e por isso mesmo sofrida e cheia de ódio realidade que fazparte de uma realidade maior que tem se tentado mudar?

O menor mendiga, perambula pelas ruas, trabalha em diversasatividades, entra em contato com os grupos mais diversos e é essavivência na rua que definem as regras de sua sobrevivência econvivência.

O olhar de um ―menor infrator ―é marcante. Seu corpo todo oacompanha nas mais variadas e inusitadas formas de expressão, de umacerta raiva, de um certo medo manifestação imediata do instinto humano

em alerta e ao mesmo tempo é um pedido de socorro, a necessidademesma de apaziguamento.

A ação não possuí um valor próprio quando se está cercado porações padronizadas, condição de serem mercadorias. Não se conseguesubtrai-se ao jugo da opinião pública, do inconsciente coletivo, nem háliberdade, posto que todo o que se lhes oferece é tão semelhante ouidêntico, que a escolha se prende ao detalhe ―biográfico" à situaçãoconcreta em que a ação é praticada.

Perde-se a autonomia, e não é atoa que uma das razões para que omenor se torne ‖infrator‖, seja justamente porque encontra no consumode psicoativos, um modo de expressar a relevância de sua liberdadesubjetiva, onde as regras da linguagem são ―subvertidas‖, e assimtemporariamente se escapa a própria condição de "menor", posto que apalavra só é definível por comparação e o delinqüente só existe secomparado a uma dita normalidade, normalidade cuja legitimidade, omenor é levado, pela própria experiência da droga, a questionar.

O uso de psicoativos entre os menores é um fato. Constatamosisso em nossa pesquisa. Numa primeira visão este fato é condenável em

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diversos aspectos, porque as psicoativos em geral, podem causar mal a quem delas fazuso e a outros, mas acreditamos que este fato deve ser pensado com maiscautela, no sentido de ser compreendido.

Quando falamos em compreensão, não estamos falando emaceitação, mas sim em entender o fato, em toda a sua abrangência, em

todas as formas e sentidos que o próprio fato se apresenta. Assimteremos uma clareza a respeito do que representa para o menor o uso depsicoativos pelos menores. E pela falta de compreensão deste fato, quemuitas instituições criadas justamente com o objetivo de combater o usoe abuso de psicoativos, terminam por se verem diante de situações tais,como por exemplo serem os seus métodos ineficazes ou na pior dashipóteses, estimuladores do uso e abuso de psicoativos.

O que levaria uma criança, a usar uma substância que lhe fazmal ? Não existe resposta óbvia, porque o óbvio, se tratando destasituação, é inexistente. Nossa pesquisa revelou que a experiência compsicoativos não é somente má. As coisas neste caso não estão divididas

em boas ou mas, mas são simultaneamente as duas coisas.Existe toda uma necessidade de expressar a relevância da

liberdade subjetiva que se encontra presente de modo radical nosmenores, ou seja a possibilidade de expressarem os seus pensamentos esentimentos mais íntimos transformando-os em ações que afirmem suaautonomia, individualidade e identidade. Existe igualmente o fato de queo menor mesmo tendo os seus valores criados na rua e para a rua,estabelece sua identidade de grupo de status baseada numa possívelsolidariedade surgida no consumo de psicoativos, mesmo que almeje sere ter o mundo interior exterior pautado nos valores de indivíduos maisdistantes de sua origem e background, e ainda que estes indivíduos sejam

―caretas‖ e não possuam qualquer comportamento socialmentedesviante.

Exploramos o campo de investigação para construir uma primeiradescrição etnográfica, e além da observação participante e outrosprocedimentos metodológicos, partimos de um roteiro semi  — aberto deentrevistas, com perguntas previamente elaboradas que se desdobram, nodecorrer da aplicação deste instrumento, em outras perguntas que nãoestavam presentes no roteiro de entrevistas. Com isso pensamos emenriquecer a análise dos dados e chegar à conclusão da monografia.

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METODOLOGIA 

() conteúdo tratado nessa pesquisa já fazia  parte das minhas inquietaçõesintelectuais antes mesmo de cursar a disciplina Técnicas de Investigação e Análise em

Antropologia. Há muito tempo a temática da conversão se fazia presente em minha vida,

mas nada ainda era claro ou seguro. Preocupava-me em específico com a conversão de

dependentes de psicoativos ao pentecostalismo, pois já havia presenciado inúmeros casos

do tipo. De alguma forma intuia, que os convertidos, não abandonavam o seu gosto pelo

prazer do êxtase provocado pelas substâncias psicoativas. Algo se conservava. Mas tarde ,

no decorrer da pesquisa, vim descobrir a lógica do êxtase pela possessão pelo EspiritoSanto e o gozo que este proporcionava. Havia encontrado um caminho para compreender o

ritual da oferta, alicerce fundamental do Protestantismo Autónomo. Na hora da oferta e,

caso ela seja aceita ― de bom grado‖ por Jesus, não raro o indivíduo é tomado pelo Espirito

Santo, obtendo prazer e, mesmo delírios semelhantes aos proporcionados pelo uso de

psicoativos, ou melhor dizendo, pela alteração do estado de consciência. Edward MacRae,

em seu livro, Rodas de Fumo4 - , nos diz : ―muitas práticas habituais e lícitas da vida diária

têm em comum com o uso de psicotrópicos, a propriedade de desencadear algum tipo de

estado mental alterado‖. Para o autor , discutir a questão das ―drogas‖ entre nós remete,

portanto, ao problema dos sentidos atribuídos a estados alterados de consciência em nossa

cultura e a condenação ‗as ―drogas‖ insiste no caráter danoso e inaceitável das experiências

de alteração de consciência por si mesmas. Isso pode ser tomado como o principal

argumento dos Pastores Protestantes contra o uso de psicoativos pelos menores estudados.

Mas não que haja por parte desses mesmos Pastores o desejo de que não se tenha nenhuma

alteração da consciência. Uma alteração da consciência é até desejável : o arrebatamento

místico e o transe pela possessão pelo Espirito Santo, quando a oferta realizada na igreja é

aceita pelo Senhor Jesus. Uma oposição entre o gozo profano e o gozo sagrado, socialmente

legitimado.

Busquei neste trabalho, valer-me, primeiramente do método ou técnica observação

4  –   Rodas de Fumo : O uso da maconha entre camadas médias / Edward MacRae, Julio Assis Simões.-Salvador : EDUFBA : CETAD/ UFBA, 2000. 

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participante, ponto de partida da investigação.Segundo Tereza Maria Frota Haguette (Haguette,1987) a observação participante é

um método ou técnica de abordagem do real, que enfatiza à participação do pesquisador nolocal pesquisado, e à necessidade de ver o mundo através dos olhos dos pesquisados (Ib.:58).

Durante o trabalho de campo, pautando-me em Haguette, busquei perceber o―sentido das coisas‖ à procura por uma objetividade, encontrada subjacentemente àsversões subjetivas que dela parecia emanar; por acreditar que toda organização societal e,em particular o grupo estudado, está assentado nos ―sentidos‖ nas ―definições‖ e nas―ações‖ que indivíduos e grupos elaboram ao longo do processo de interação simbólica querepresenta o seu próprio substrato. ( Ib. :59).

O grupo estudado era formado por cinco meninos e uma menina de rua, cujas idadesiam dos 12 aos 17 anos, que podiam ser encontrados perambulando por uma área quecompreendia o Porto da Barra, o Largo da Vitória, o Passeio Público, o Pelourinho ealgumas vezes o Farol da Barra, locais onde o fluxo de carros era maior e, onde elespodiam lavar os vidros dos carros, quando estes se detinham. Esta era uma atividade que

ocupava quase todos eles. Ficavam nos locais onde haviam bares, restaurantes e hotéis,onde esmolavam comida, dinheiro, prostituíam-se e, realizavam furtos. O dinheiro obtido,bem como as roupas que recebiam ou os objetos que furtavam eram utilizados em suamaior parte para a aquisição de psicoativos.

Num primeiro instante, em algumas leituras sobre meninos de rua, percebi aquela―busca desenfreada‖ pela aquisição de psicoativos, como fruto de condições socio -econômicos excludentes e marginalizadoras às quais o grupo estaria submetido, o que oslevariam a uma fuga dos sofrimentos, através do prazer temporário causado pelas ―drogas‖.Ou simplesmente um ato de rebeldia. Tal não foi minha surpresa, e a observaçãoparticipante me propiciou isso, pude perceber, que o uso de psicoativos e todo um conjuntode concepções e práticas associadas a esse uso, definiam as relações, a identidade e a

diferença, inter e intragrupais.O contato com o grupo estudado durou seis meses, espaçados no período de março

de 1998 a abril de 2000. Durante esse período pude observar que o ―sentido das coisas‖para aqueles meninos estava diretamente vinculado e assentado nos sentidos, nas definiçõese nas ações que estes elaboravam ao longo do dia-a-dia, e sobre um projeto para viver estemesmo dia-a-dia. Dia-a-dia diga-se de passagem, voltado para a aquisição e consumo depsicoativos. Isso como se o grupo se confundisse com a interação simbólica que produziame pela qual eram produzidos ,e, interação simbólica esta que se confundia com o próprioprocesso, que produzia e pela qual era produzida, de aquisição e consumo de psicoativos. Oolhar desses meninos para o mundo estava calçado nas relações na rua e para a rua, e estasna interação da realidade da rua, com os universos de realidades que as ―viagens‖ com

psicoativos faziam brotar daí.Em razão da própria preocupação em descobrir o ―sentido‖ que as coisas tem para a

ação humana, julguei, baseado em Haguette, que a observação participante era capaz decaptar esse sentido, sendo a mais apropriada para faze-lo (Ib. :60). Mas percebi que o―trabalho de campo‖ deveria incluir a utilização de um questionário semi-flexivel queserviria de base para a realização de entrevistas .

Segundo Haguette, Florence Kluckholn, tem sido referida na literatura sobreobservação participante como a primeira a ter utilizado o termo e a ter definido a regra de

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que o observador participante deve compartilhar nas atividades de vida e sentimentodas pessoas em termos de relações face a face. Descrevendo a observação participantecomo um compartilhar consciente e sistemático, conforme as circunstâncias o permitem,nas atividades de vida e, eventualmente, nos interesses e afetos de um grupo de pessoas.(Ib. :61).

Antes mesmo de compreender em sua inteireza o que significava a observação  participante como um ―Compartilhar consciente e sistemático‖, intui que deveriaabandonar, algumas pré-noções, como a suposta pobreza cultural em que viviam osmeninos de rua enquanto ―Excluídos de um sistema capitalista‖ 

O analfabetismo, de tão generalizado entre os membros do grupo, poderia porexemplo, ser tomado como prova desta suposta pobreza cultural, como o compreendeCarmem Maria Craidy (1998).

Seria o analfabetismo a expressão forma de cultura com certa autonomia, auto-regulável e com poder de se produzir? Encontrei essa possibilidade entre os estudados,mesmo sendo a sua não propriamente uma cultura predominantemente oral tradicional,percebendo que havia, como nos aponta Bourdieu (1990, p.155), um discurso social inscrito

nos corpos

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, de fato, as distâncias sociais estão inscritos nos corpos ou, mais exatamente, narelação com o corpo com a linguagem e com o tempo (...) (Bourdieu 1990:155), que nãopoderia ser simplesmente compreendido como tendo sido criado como uma forma deresistência à exclusão os meninos estudados não usavam roupas de marcas ou tênisimportados ( Que podem ser vistos como símbolo de posição social na sociedade deconsumo que identifica possuir com ser ). Eles pintavam as suas próprias roupas no grupo epara o grupo definindo assim, como já dissemos, as relações inter e intragrupais. A pobrezacultural, expressa no analfabetismo, como o compreende Craidy (Craidy 1998:15), seria defato a expressão de um processo complexo de exclusão social, mas essa noção não seriageral porque não se aplicava ao grupo estudado. Porém me mantive atento à observação deHébrard e Chartier, citados por Craidy, que ―Ao afirmarem o conceito de linguagem

enquanto construção de significações, referem-se ao risco, para a sociossemiótica, deignorar que a língua escrita tem uma significação que lhe é própria, mesmo se vinculada àssignificações presentes nas outras formas de linguagem. (Ib. :18), com a nessa lua de já teracompanhado casos de meninos, que se mostram muito hábeis e inteligentes no manuseiodas linguagens interativas dos computadores, mas que apresentam dificuldades paraescrever um texto usando papel, caneta ou lápis.

Retomando as definições de observação participante, Haguette nos diz que autilização do conceito tem precedentes. Trata-se de Eduard C. Lindeman, de quem a autoraextrai a citação:

―Para fins experimentais os observadores que cooperam tem sido chamados de‗observadores participantes‘. O termo implica não que os observadores estejamparticipando do estudo, mas que eles estão participando nas atividades do grupo sendoobservado... Deve o observador participante ser treinado para olhar exatamente os mesmosfatores que são observados do lado de fora? Este método levaria inevitavelmente ao erro, pois o observador de fora jamais pode ver.‖ (Eduard C. Lindemam Social Discovery: An

5 - ― De fato, as distâncias sociais estão inscritas nos corpos ou, mais exatamente, na relação com o corpo,com a linguagem e com o tempo (...)‖ ( Bourdieu 1990 : 155 ) 

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Approach to the Study of Functional Groups Nova Iorque, Republic Publishing Co.1924 In : Haguette, 1987: 60)

Feitas essas colocações, Pretendo esclarecer que com elas ampliei os meus

horizontes conceituais a respeito da observação participante de modo que agora possoexplicitar o método aplicado no meu estudo.

Explicitando o método

Numa tentativa de compreensão da cultura das drogas entre os meninos de rua, foiimprescindível coletar as concepções práticas relacionadas com o tema estudado, tanto dosmeninos de rua, como de um Pastor evangélico, que denominaremos de Heber, e querepresentava uma instituição para ―drogados‖ denominados CERVIR (Centro deRecuperação de Vidas Rejeitadas), mantida por igrejas de diversas denominações, com oapoio da Prefeitura de Camaçari e de empresas privadas do Pólo Petroquímico. Sendo que

os meninos de rua foram priorizados neste estudo.As concepções dos meninos de rua chocam-se e confrontam-se com as concepçõesdo Pastor que pretendia evangeliza-los mesmo que as informações obtidas fossem sobre omesmo tema. Os meninos de rua e o Pastor davam as suas informações como membros degrupos distintos e, como se verificou em, de concepções antagônicas: O sentido atribuídoao uso e consumo de ―drogas‖ pelos meninos de rua era um, e o sentido atribuído ao uso econsumo de ―drogas‖ pelo Pastor era outro, e essas atribuições de sentido, implicava que ossentidos fossem apenas diferentes, mas opostos e contraditórios. Isso nos permitecompreender o porque da necessária conversão ou mudança radical de valores e ações eraproposto, senão imposto, mediante um terrorismo psicológico do Pastor sobre os meninos,com constantes ameaças de que, a permanência do grupo naquelas práticas, implicaria nos

meninos serem condenados ao inferno. Inferno que o Pastor descrevia com minúciasigualmente assustadoras para as crianças: solidão, ternura, privação, sofrimentos eternosentre outras coisas.

Buscamos igualmente, não só compreender que os discursos eram diferentes, mastambém a partir das singularidades de cada grupo, de cada relato de um menino de rua emsua singularidade vislumbrar as dimensões coletivas dos conteúdos analisados, e de queforma a conjunção das diferentes informações individual nos permitiria compor um quadroglobal, a partir do qual seria possível compreender os modelos culturais subjacentes. Talbusca não seria possível sem a ajuda do amigo Sérgio Trad, também orientado de EdwardMac-Rae, e de seu trabalho monográfico, Cultura das Drogas e Modelo de Prevenção naEscola, o qual me facilitou muito na construção deste capitulo, dedicado a metodologia.

Técnicas e procedimentos

Utilizei-me da observação participante visando em primeiro momento, ummapeamento etnográfico do objeto de estudo e do campo.

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Haguette nos diz que a definição de Morris S. Schwartz e Charlote GreenSchwartz sobre a observação participante é a mais completa, posto que aceita não só apresença constante do observador no contexto observado como a interação face a facecomo pré-requisitos da observação participante. Esses autores incorporam, entretanto,quatro aspectos novos: a) O fato de que a observação participante tem como finalidade a

coleta de dados; b) esclarecimento sobre o papel do observador, que pode ser relevado ouencoberto, formal ou informal, parte integral ou periférica à estrutura social; c) referenciasao tempo necessário para que a observação se realize, o que pode acontecer tanto em umespaço de tempo curto ou longo; d) chamam a atenção para o papel ativo do observadorenquanto modificador do contexto e, ao mesmo tempo, como receptáculo de influências domesmo contexto observado. (Ib. : 64).

A presença do observador numa da situação social, torna-se observação participante,quando vira realizar uma investigação cientifica, uma coleta de dados, Haguette nos diz,sobre Schwartz e Schwartz, que estes autores não vêem incompatibilidade entre―objetividade‖ e ―intervenção‖ ao contrário, para estes, a natureza e qualidade dos dados seaperfeiçoam quando o pesquisador desempenha um papel ativo na modificação de certas

condições do meio em beneficio dos observados (Ib. : 64).Em nosso caso especifico, havia a preocupação de que o fato do pesquisadorenvolver-se de forma tão direta com o grupo selecionado, que demandavam do pesquisadoruma cumplicidade em suas idéias e práticas viesse prejudicar o rigor da pesquisa. Oenvolvimento foi maior, ou mais direto, na fase inicial do contato ficou esclarecido para ogrupo o meu papel e a minha finalidade a coleta de dados. Isto foi aceito pelo grupo e emnada prejudicou a minha participação na vida deles como um coletor de dados.

Estratégias metodológicas utilizadas em todo o percurso etnográfico, utilizou-se atécnica da entrevista aberta semi-estruturada, com a qual coletamos os dados, do grupo demeninos de rua, referentes a sua estrutura familiar, primeira infância, iniciação na rua aouso de drogas, relacionamento com as instituições dita para menores, relacionamentos com

crianças de outras classes e religião, fonte de informações sobre drogas, quais as fontes deinformação consideradas por eles como as mais adequadas, tipos de drogas que utilizava,descrição dos efeitos tratamento para o uso de drogas e instituições para tratamento, mesmoroteiro de entrevista foi adaptado para a entrevista com o pastor representante da instituiçãode tratamento para dependentes de drogas, denominada CERVIR e vinculada aoProtestantismo Autônomo. No total, foram realizadas 7 entrevistas abertas semi-estruturadas.

Optou-se por trabalhar com um grupo de menores que não possuíam naqueleperíodo nenhum vinculo com alguma instituição para menores, a escolha mostrou-seacertada, posto que são esses grupos, os alvos prediletos dos pastores do CERVIR, para aevangelização de rua, onde seguem quem deseje os seguir para o CERVIR para um―tratamento espiritual‖ para o ―vicio em drogas‖, para a conversão ao Evangelho e para otrabalho missionário. Foram realizadas entrevistas individuais informais com os menoresque se desposaram, e foi realizada uma observação do dia-a-dia destes, em particular.

Durante todo o período da pesquisa foram registrados no diário de campo todos osfatos que pudessem contribuir na caracterização do grupo e do contexto investigado, oumais especificamente, que tivessem relação com a temática das substâncias psicoativas, asua percepção pelos meninos que formavam o grupo, e a percepção do Pastor que pretendiaconverte-los.

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Após acompanhar o grupo nas ruas e verificar a ação desintegradora do mesmo,mediante a contínua ação evangelizadora do Pastor, acompanhei um dos membros dogrupo que aceitou a sua internação no CERVIR. O menor permaneceu nesta instituição,destinada a uma ―terapia espiritual contra o uso de drogas‖ do dia 28 de dezembro de 1999ao dia 03 de fevereiro de 2001, data da sua saída. Lá o mesmo foi submetido a uma dura

rotina imposta pela instituição, que eu pude anotar e depois utilizar como dados de suaexperiência na instituição.

O contexto da investigação

A maior parte da investigação deu-se nas ruas da cidade de Salvador nas áreas poronde o grupo perambulava. Analisamos como a questão da droga emerge no cotidiano darua, e posteriormente analisamos como se dá o processo de evangelização, que busca aconversão dos ―viciados‖, para o Protestantismo Autônomo.

Nas ruas entre o grupo estudado, a droga assume características suígeneris. O grupoestudado tinha uma forma peculiar nos modos de consumo de psicoativos, e era

heterogêneo em termos das razões crenças valores e ritos envolvidos nesses modos deconsumo. Seu estilo de vida, que se observado mais atentamente, era muito original, levavaà produção de uma visão de mundo entre seus membros que bem se podia falar dessefenômeno como o faz Gilberto Velho ( Velho, 1993) se apresentando como  produçãocultural, como manifestação de uma contracultura, subcultura ou cultura alternativa. Razãopela qual me foi difícil aceitar uma pretensa uniformidade, sugerida por alguns moradoresdos bairros por onde os meninos perambulavam, principalmente os moradores da Barra, e odiscurso oficial impregnado nestas sugestões, da existência de um tenebroso ―mundo dasdrogas‖. 

―Para alcançar uma apreensão fidedigna dessa ocorrência, é preciso acrescentar asvariáveis psicossociais, econômicas e legais, sem esquecer as geográficas e comerciaisresponsáveis pela globalização hoje constada indo além das fronteiras tradicionais,nacionais ou continentais‖. (Becher, 1996).

Como recurso metodológico para a realização de uma observação de campo queatendesse a uma apreensão fidedigna do fenômeno, tal como proposta acima por Becher,busquei, mesmo operando um recorte especifico, que se direcionava para uma dada classede produtos usados, para uma camada especifica de usuários para os modos e assignificações de uso contribuído pelo grupo, para as suas características regionais e para assuas considerações de legalidade (os meninos do grupo, é bom salientar, sabiam realizarperfeitamente a distinção entre drogas licitas ilícitas), realizar uma generalização calcadaem estudos, como o de Becher que apontavam para uma visão global que se impunha comopré-requisito para se compreender o seu alcance antropológico e social.

―Ao querer tratar o uso de drogas isoladamente da evolução da sociedade, doa seusmodos de convivência, dos seus conflitos e desequilíbrios, chega-se a reiterar aquelasatitudes chavão da luta ―luta contra as drogas, cujas palavras de onde apenas refletem o

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desconhecimento das raízes e sentidos do fenômeno, combatido então sob a instigaçãode dogmatismos cegos, de condenações moralistas e de imputações preconceituosas, protetores para alguns, mais estigmatizantes e marginalizantes para tantos outros‖(Ib. :45).

―Ou seja recusar a contemplação do consumo de drogas no conjunto do

funcionamento da sociedade ―como uma das (sub) produções altamente diferenciada e ricade ensinamentos sobre a organização social e seus infortúnios significa (...) endossar a suapresença e, (...) contribuir para o alastramento - hoje mais danoso ainda em conseqüênciada sua conjunção com o vírus da AIDS.‖(Ib. :46).

No decorrer da pesquisa pude perceber que para os representantes do protestantismoautônomo, as drogas eram tratadas por via de um dogmatismo cego, calcada que tendiam aestigmatizar e marginalizar o grupo estudado, tendo-o como ―demoníaco‖ no sentido literal(e corrente entre as interpretações bíblicas realizadas por estes representantes) do termo. Ouso de ―drogas‖, fosse qual fosse, mesmo quando respaldado em termos médicos e legais,era demoníaco, porque sempre associado a ―marginais ou traficantes‖ que viviam naperiferia da sociedade, à margem ou mesmo contra ela, em favelas e invasões, e nunca

compreendido, como propõe Becher, como ―um fenômeno situado no centro da sociedade,produzido por ela em decorrência dos seus modos desequilibrados e injustos de seorganizar, se comunicar e se valorizar‖ (Ib. :46). Assim as crianças eram vistas comodesviantes da ordem pública, já que haviam se desviado da ordem divina que sancionava, justificava e legitimava a terrena, cabendo-lhes uma conversão forçada ( o Pastor, falandode forma erudita ou ―em línguas estranhas‖ pretendia atingir -lhes o espírito divinoaprisionado num corpo o qual a consciência do eu havia sido eclipsada pela consciência dodemônio que o possuía), levando-os para uma instituição de características filantrópicas,repressoras, estigmatizantes e marginalizadoras onde as pessoas passavam a se ver sob estaótica. Nesta se considerava uma polêmica estéril ( e própria polêmica como demoníaca)qualquer discussão sobre o fenômeno das ―drogas‖, que fosse algo mais do que

informações tendenciosas e enganosas, nas quais o usuário, se não fosse ele próprio uminimigo, possuía dentro de si o inimigo, o que justificava uma atitude policialesca, umeterno vigiar e punir.

Essas concepções, sem a devida peculiaridade da demonologização dos protestantesautônomos, esta presente, segundo Becher, no imaginário social, que sofre as múltiplaspressões dos formadores da opinião pública, por da apresentação tendenciosa ou enganosade informações veiculadas pela mídia. O imaginário social, pode validar as investidas  policiais contra o ―inimigo oculto‖ como pode, devidamente informado e capacitado,inspirar a indispensável mobilização comunitária para enfrentar os desafios à procura deuma melhoria da qualidade de vida  –  onde o consumo de drogas se apresenta, de certo,como um fator de prejuízo e risco, mas dentro de uma série de outros. (Ib. : 47).

O trabalho de Campo

Morando na residência universitária desde meados de 1993, o investigador pôdepenetrar num universo cultural marcado por pessoas oriundas do interior da Bahia, portadoras de um discurso tendencioso e conservador a respeito do uso de ―drogas‖ dentroe fora da residência.

Dentro da residência, pode constatar uma forte oposição ao uso de ―drogas‖ lícitas eilícitas, por parte de residentes com filiação religiosa católica, e de outros, ainda mais

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―radicais‖ em seus discursos e praticas, de estigmatização a exclusão daqueles queeram ―viciados‖. Estes últimos eram os evangélicos, de diversas denominações. 

Dentro da residência, a categoria ―viciado‖ ou ―drogado‖, foi durante muito tempouma categoria de acusação utilizadas por certos grupos, para culpar outros, por todos osfatos danosos ocorridos em seu âmbito, para justificar o policiamento de quem estudava e

quem não (―por causa do vício‖), verificações dos escores e reclamações à SET(Superintendência Estudantil), órgão de co-gestão das casas sobre os abusos e os perigosdos ―viciados‖ e de seus visitantes ou hóspedes.

O uso de ―drogas‖ no âmbito das residências, e em particular, daquela situada noCorredor da Vitória, se dava nas escadarias que conduziam à praia, nos fundos da casa, ouna própria praia. Ali, os universitários usuários de ―drogas‖ tinham de repartir o espaço,com pessoas que moravam em outros locais do Corredor da Vitória ou mesmo de outrosbairros, variando assim leque das origens, socioculturais, com quem tinham que conviver.Tais pessoas chegavam ao local, viam um caminho criado mata a dentro, que saia no finalda rua Aloísio de carvalho. Entre essas pessoas, se encontravam aqueles de baixa renda,oriundos de favelas próximas e distantes que eram tratados com respeito (e medo de sua

―periculosidade‖). Adultos, que geralmente eram tidos como ―traficantes‖ ou ―ladrões‖, ecrianças, os ―menores‖ e ―pivetes‖, igualmente ―perigosos‖.A estigmatização e a exclusão que os residentes usuários de ―drogas‖ sofriam era

reproduzidas por eles nos discursos e nas práticas em relação aos adultos de baixa renda (os―traficantes‖ e ―ladrões‖) e os meninos de rua, considerados ―menores‖ e ―pivetes‖.

O contato com todos os mais diversos e diferentes grupos me serviu para penetrarnas redes sociais de que se constituíam no local, e em 97, me colocar na pista dos meninosde rua. Esse contato prévio, facilitou mais tarde o mapeamento do campo etnográfico,ressaltando que o acesso dos meninos de rua à praia que se localiza nos fundos daResidência Universitária do Corredor da Vitória, através da rua Aloísio de Carvalho, foidefinitivamente vedado.

Em 1988 passei a observar os meninos do Porto da Barra, que faziam a nado atrajetória da Gamboa à Barra, com uma pequena parada na praia dos fundos da Residência.E lá, mantive contato ainda no ano de 98, com o grupo estudado. Muitos menores já meconheciam de vista, como morador da Residência e freqüentador de sua praia. Chamavamaos moradores da casa de ―os zuniversitários‖ o que era algo ambíguo, posto que osresidentes usuários compravam deles psicoativos, más mantinham-se numa posturadistanciada delimitada e tensa.

Com relativo esforço conseguir um informante que me introduziu no grupo. Já nosegundo semestre de 1998, eu estava familiarizado com eles, e eles comigo. O meu papelde pesquisador estava claro, e à medida que a observação ia adquirindo um caráter maissistemático se delineavam os objetivos e estratégias metodológicas a serem utilizados.

Com os meninos de rua era desejável adquirir confiança e cumplicidade. Isso nãofoi fácil. Qualquer postura amigável é suspeita, visto que eles são constantemente expostosàs pessoas que dissimulam intenções outras, por trás de uma aparente amabilidade,principalmente os Protestantes Autônomos que os assediam.

Nos nossos primeiros contatos eles se revelaram profundamente rancorosos paraqualquer um que aparentasse ser ―evangélico‖. Sem ciência disso, eu havia levado para ocampo uma Bíblia, que estava estudando por curiosidade pessoal e para melhorcompreender o discurso dos Protestantes Autônomos. Fui confundido com um eestabeleceu-se uma tensão e, que só se dissipou quando eles constataram que de fato eu não

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era evangélico. Isso foi muito proveitoso para mim, porque uma vez meconscientizando de que eles tinham alguma aversão aos evangélicos, surgia um horizontede questões a serem formuladas e que se iniciavam com um ―porque?‖. Após essa tensãoinicial e a sua dissolução, estabeleceu-se com eles uma estreita relação que me permitiriacompreende-los, posto que aos poucos eu ia deixando de ser um sujeito estranho em seu

dia-a-dia, e eles, após um tempo me observando, passaram a confiar em mim ao ponto deme revelarem as coisas mais intimas. Procurei assumir uma postura espontânea, limitadaporém pelos meus objetivos enquanto pesquisador, e isso estimulou a sinceridade deles ecriou um respeito mútuo, fundamentado no fato de que eles sabiam ser aquele o meutrabalho, embora não soubessem dizer exatamente em que se consistia o meu trabalho. Ealguém que trabalha, é alguém que eles respeitam muito, fato que logo percebi.

Comuniquei logo de início aos meninos em questão os objetivos da pesquisa e ométodo utilizado. Observava-os em grupo, e isolados. Acompanhei alguns deles em suaperegrinações solitárias, sempre levantando as questões que havia me disposto a tratar,ouvindo-os atentamente, posto que eles necessitavam muito de quem escutasse os seusdramas particulares os seus sonhos e projetos.

Conversavam como eles em grupo problematizando o tema e compreendendo maisclaramente aspectos íntimos e subjetivos, bem como entrevistava cada um em particular, oque me permitia o contato com cada um deles, de forma individual e em grupo, captandocontradições entre as falas de um mesmo sujeito em contextos diferentes, o que me permitiarevisar os conteúdos coletados identificando lacunas em relação as questões levantadas.

Num momento posterior pude participar de um encontro da Adhonep com o pastorHeber, e entrevistá-lo. O pastor demonstrava muita disposição para falar do projeto deDeus, de livrar aqueles meninos das ―drogas‖, esmiuçava todo um arcabouço de umateologia ―anti-drogas‖, onde as ―drogas‖ eram o principal instrumento ou arma doadversário de Deus, o Diabo. O pastor, por interesse em me converter e em me ver com seuauxiliar na ―batalha espiritual‖ contra as ―drogas‖ foi bastante aberto comigo, o que me

 permitiu captar dele um discurso primeiro sobre o ―tratamento espiritual‖ que ele sugeriarealizar com os meninos em um centro de recuperação denominado CERVIR, Centro deRecuperações de Vidas Rejeitadas e comparar depois esse discurso, com as práticas de fatoutilizadas no CERVIR para a ―recuperação‖ a ―conversão‖ e a ―libertação‖ de um dosmenores que concordou ser submetido a internação.

Acompanhei um dos menores ao CERVIR, e lá pude coletar os dados a respeito do―tratamento‖ e da instituição. Tanto o menor quanto eu fomos submetidos à disciplinarigorosamente militar a que estavam sujeitos todos os internos, com a ressalva que eudispunha de um período de duas horas diárias livres ( além do dia de folga semanal doCERVIR, que é na quarta-feira ) para registrar os fatos ocorridos, as conversas com osinternos, os obreiros e pastores. Os internos foram devidamente informados de quem eu erae do que pretendia fazer mais não mudaram em absoluto as suas rotinas. Os fatores quelevaram um dos menores, a quem chamarei de Oséias a aceitar a internação, bem como oseu percurso na instituição, os métodos empregados pela mesma para o tratamento, e osresultados, serão expostos no decorrer da monografia.

Durante as duas horas diária que eu dispunha para registrar os fatos, ( e todo o diade quarta ) o fazia anotando, com papel e caneta, e em um caderno que dediquei a isto.Conversava com Oséias, e com quem mais abordasse, após as anotações, para umacompleta recapitulação dos fatos, construindo assim um recorte sobre o período em que omenor esteve lá, na forma de um pequeno resumo descritivo da situação vivida.

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Análise dos Dados

Para a análise dos dados extraídos da descrição das situações vividas as separamos emsituações vividas em grupo e situações nas quais acompanhava um deles em sua

perambulação solitária pelas ruas da cidade. Isso possibilitou termos um quadro mais amplodos resumos das conversas informais como das entrevistas, para num momento posteriorcompararmos com as conversas informais e a entrevista realizada com o pastor, quetambém descrevemos, obtendo assim dois discursos diferentes e antagônicos sobre ascategorias centrais de análise: os tipos de substâncias consumidas, a freqüência e ascircunstâncias, motivação, percepção, sobre o consumo e sobre a identidade construídaenquanto consumidor e, perspectivas de tratamento (como os menores encaravam ostratamentos oferecidos pelas instituições que se destinavam, a tais fins, sendo que algunsdeles já haviam passado por elas e a perspectiva pela qual o pastor encarava o tratamentooferecido pela instituição que representava, no caso o CERVIR, e outras instituições nãovinculadas à sua religião).

Objetivos

Para análise das informações obtidas, determinamos os seguintes objetivos :a)  Descrição do grupo e de suas situações;b)  Descrição de situações individuais;c)  Descrição da situação do pastor no contexto de evangelização e de uma reunião da

Adhonhep, instituição ao qual ele pertencia ;d)  Descrição da posição dos meninos com relação ao tema estudado;e)  Contraste entre a posição dos meninos de rua e a posição do pastor enquanto

representante de um a instituição para tratamento de ―dependentes de drogas‖,

pondo-se em fase nas contradições que podiam ser reveladas a partir dos fatosobservados;f)  Descrição do tratamento no CERVIR;g)  A eficácia do tratamento no CERVIR.

Referencial Teórico

Permeiam essa monografia, os conceitos de Pierre Bourdieu, Peter L. Berger ,Irving Goffman e Claude Rivière.

De Pierre Bourdieu, tomamos emprestado o tratamento que este autor dá a religião,as funções sociais da religião, a noção de trabalho religioso, as relações de força no camporeligioso e o cabedal simbólico dos especialistas , extraídos do texto A Sociologia da

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  Religião em Pierre Bourdieu6 , de Pedro A. Ribeiro de Oliveira, notas de aula quepretendem facilitar a leitura do ensaio ―Gênese e estrutura do campo religioso‖7.

Para Bourdieu, segundo Oliveira, a religião é um conjunto de práticas e representaçõesrevestidas de sagrado, que o primeiro trata como linguagem. Nos diz Oliveira, que, aotratar a religião como linguagem, Bourdieu, o faz como um sistema simbólico de

comunicação e pensamento : é enquanto sistema de pensamento e de classificação que areligião nos interessa, uma vez que ela opera para uma dada sociedade a ordenação lógicado seu mundo natural e social, intregrando-os num cosmo que lhes dá um sentido sagrado.

Segundo Oliveira, para Bourdieu, a religião, como sistema simbólico estruturado eestruturante constrói a experiência ao mesmo tempo que a exprime, definindo o que ésuscetível de discussão e o que está fora de discussão, e pelo efeito de consagração,absolutiza o relativo e legitima o arbitrário ( Oliveira, 1997: 113 ).

Pedro A . R. de Oliveira, nos diz que , em outras palavras, para Bourdieu, asinstituições sociais e os atributos característicos de um grupo ou classe ( em si mesmosarbitrários e relativos ) tornam-se inquestionáveis a medida que passam a ser vistos comoinstituições e atributos naturais ou sobrenaturais (Ib.:113).

A eficácia simbólica da religião para Bourdieu, nos aponta Oliveira, reside na suacapacidade de inculcar nos membros de uma dada sociedade um sistema de práticas erepresentações cuja a estrutura corresponde à sua estrutura social. Desse modo, as relaçõesde aliança e/ou antagonismo entre as classes sociais dessa sociedade, salienta Oliveira, seapresentam como a reprodução terrena da estrutura natural/sobrenatural do cosmos (Ib.:113).

Segundo Oliveira, essas são as funções sociais da religião para Pierre Bourdieu.Oliveira, explicitando o pensamento de Bourdieu para este tópico, nos diz que, na medidaque fornece justificações para a existência humana dentro de uma posição socialmentedeterminada , isto é, conforme os atributos do grupo ou classe à qual o indivíduo pertence ,a religião desempenha funções sociais - daí justificar-se sua análise pela sociologia, o que

não ocorreria se a religião tivesse por função apenas livrar o ser humano das angústiasexistenciais que o afligem. (Ib.: 113)E por isso, nos diz Oliveira, que as teodicéias são, para Bourdieu, em última análise,

―sociodicéias‖ que respondem às indagações sobre as causas das desigualdades, injustiças,privilégios sociais (Ib.:113).

Apesar disso , comenta o Pastor Heber, chefe do CERVIR (Centro de Recuperaçãode Vidas Rejeitadas), foco de nossa análise:

― As teodicéias são maneiras que o intelecto humano arranja para tirar Deus da berlindano que se refere a existência do mal. Apesar de não compreenderem a existência do mal,isto não isenta os homens de acreditarem em Deus(...). Essa conversa de que Deus ébonzinho, só leva em conta a sua misericórdia, e não a sua justiça. Nosso Deus é terrível,Ele não está aqui para suavizar tempestades, terremotos nem injustiças sociais e, de nadaadianta dizer que Deus é somente um produto da mente humana para aliviar a crueldade danatureza ou da sociedade. Ele está aqui para te julgar. Já mandou o próprio Filho para o

6 - A sociologia da religião em Pierre Bourdieu  –  Pedro A. Ribeiro de Oliveira In:   A Religião numaSociedade em Transformação  – Francisco Cartaxo Rolim (org.).-Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. 7 - A Economia das Trocas Simbólicas – Pierre Bourdieu – S. Paulo, SP: Perspectiva, 1974. 

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resgate de nossas vidas e isso foi feito. Quem decide sair da linha vai para o inferno,pois não reconhece o sangue de Jesus. Eu não estou aqui para salvar ninguém, pois Jesus jáos salvou. Estou aqui para os que rejeitam Jesus, para evitar que eles conheçam no inferno,o que é sofrimento de verdade. Quer entender questões sociais? Leia Jó 8! E saiba quetodos os profetas f oram revolucionários, pois sem profecia um povo é destruído!‖ 

As desigualdades sociais, as calamidades naturais são assuntos que estão fora dequestão pelo Protestantismo Autônomo, pois nós ―pecadores‖, não podemos questionar aDeus sobre a ordem das coisas visto que

―Com o pecado de Adão, o homem não se deteriorou apenas espiritualmente, mas anível físico, psíquico e moral. E levou com ele o resto da natureza, pois animais e plantasmorrem, isso deriva do pecado de Adão. Se nossa inteligência está contaminada pelopecado como compreender o plano de Deus? A sabedoria de Deus é loucura para os

homens, e não me espanta que O critiquem, pois todos são loucos!‖ Pastor Heber , líder doCERVIR.

Ou ainda

― os meninos de rua são o máximo exemplo da degradação espiritual, moral , psíquica efísica. E eles próprios buscaram essa condição, quando, por vontade se envolveram com‗drogas‘, aceitando que Satanás conduzisse sua vida, através delas. Não os culpo, pois odiabo, antes de ‗possuir‘ um homem, o deixa louco. Essas crianças são doentes mentais !‖

Pastor Heber, líder do CERVIR.

Segundo Oliveira, para Bourdieu, é próprio da religião realizar a ‗alquimiareligiosa‘ que transfigura (torna irreconhecível) instituições e relações sociais, inscrevendo-as na natureza das coisas ou nos desígnios divinos. Bourdieu salienta, segundo Oliveira,que ao revestir o social de sagrado, fazendo a correspondência entre a ordem simbólica e aordem social, a religião desempenha função eminentemente política. ( Ib. : 113 )

Para Oliveira, é na noção de trabalho religioso que reside ao ser ver, a principalprincipal contribuição de Bourdieu à teoria sociológica da religião. Bourdieu, segundoOliveira,vai além de Durkheim (que já falara da religião como sistema sagrado declassificação), Weber ( que apontava para a produção do sentido ) e Marx ( que desvendousua intrínseca dimensão política). E isto porque, segundo Oliveira, a noção de trabalhoreligioso deixa para trás tanto a concepção idealista de autonomia religiosa quanto o

8 - Uma referência ao Livro de Jô. Segundo a Bíblia de Estudos Pentecostal  – Antigo e Novo Testamento –  Tradução de João Ferreira de Almeida – 1995 – LIFE PUBLISHERS, Deerfield, Flórida, EUA, 1997. O títulodo livro se deriva de seu personagem principal, considerado como um personagem histórico. O livro trata da

 pergunta: ―Por que sofrem os justos, se Deus é um Deus de amor e misericórdia?‖ (Jô é tido pelos evangélicoscomo um homem justo). O livro, segundo os comentaristas da Bíblia, tem por conteúdo, oferecer vislumbresimportantes da atividade de Satanás. 

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reducionismo que vê produção simbólica somente a mistificação de interesses políticosou econômicos ( Ib.113).

Há trabalho religioso quando seres humanos produzem e objetivam práticas oudiscursos revestidos de sagrado o trabalho religioso, segundo Oliveira, responde sempre auma demanda religiosa de um grupo social distingui-se, portanto, da especulação e da

experiência mística, de ordem subjetiva.Nos dizem Peter Berger e Thomas Luckmann9, sobre esse ponto da subjetividadeque sendo a sociedade uma realidade ao mesmo tempo objetiva e subjetiva,qualqueradequada compreensão teórica relativa a ela deve abranger ambos estes aspectos. Conformetivemos ocasião de dizer estes aspectos recebem correto reconhecimento se a sociedade forentendida em termos de um processo dialético em curso, composto de três momentos,exteriorização, objetivação e interiorização.‖ ( Berger e Luckmann, 1985: 173). 

Para os autores, a interiorização é o ponto inicial deste processo, a saber, aapreensão ou interpretação imediata de um conhecimento objetivo como dotado de sentido( Ib.: 173).

Eu tinha duvidas quando me falavam de coisas dos crentes...mas isso era porque eu

era católico. Quando cheguei aqui ( no CERVIR ) que vi todo mundo orando, que vi osobreiros, ajoelhados orando, dentro do mato... Aí eu entendi que eles realmenteacreditavam em Deus, como sempre acreditei, então me converti.‖ Júlio César, interno doCERVIR.

Na forma complexa de interiorização, nos dizem os autores, não somente―compreendo‖ os processos subjetivos momentâneos do outro mas ―compreendo‖, o mundoem que vive e esse mundo se torna o meu próprio. Isto pressupõe que se ele e euparticipamos do tempo de um modo que não é apenas efêmero e numa perspectiva ampla,que liga intersubjetivamente as seqüências de situações agora, nos dizem os autores, cadaum de nós não somente compreende as definições das situações partilhadas mas capazes dedefini-las reciprocamente.Estabelece-se entre nós um nexo de motivações que se estende

para o futuro mais importante ainda é o fasto de haver agora uma continua identificaçãomútua entre nós, não somente vivemos no mesmo mundo, mas participamos cada qual doser do outro. Somente depois de ter sido realizado este grau de interiorização e que oindivíduo se torna membro da sociedade. ( Ib.: 174-175)

Berger e Luckmann, nos dizem que a socialização secundaria é a interiorização de―submundos‖ institucionais ou baseados em instituições. A extensão e o caráter desses sãoportanto determinadas pela complexidade da divisão do trabalho e a concomitantedistribuição social do conhecimento. Por socialização secundária, os autores entendem ofato do outro generalizado ter-se cristalizado na consciência, estabelecendo-se uma relaçãosimétrica entre a realidade objetiva e a subjetiva. Aquilo que é ― real‖ ―fora‖ correspondeao que é real ―dentro‖. A realidade objetiva pode ser facilmente ―traduzida‖ em realidadesubjetiva, e vice-versa, sendo a linguagem o principal veiculo deste processo de traduçãoem ambas as direções. Os autores observam que, nenhum indivíduo interioriza o totalidadedaquilo que é objetivado como realidade em sua sociedade, mesmo que a sociedade e seumundo sejam relativamente simples, posto que o conteúdo da socialização é determinadopela distribuição social do conhecimento. ( Ib.: 179)

Por outro lado, salientam os autores, há sempre elementos da realidade subjetivaque não se originam na socialização, tais como consciência da existência do próprio corpo

9 -A Construção Social da Realidade – Peter L. Berger e Thomas Luckmann  – Petrópolis, Vozes, 1985. 

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do indivíduo, anteriormente, e à parte de qualquer apreensão dele socialmenteapreendida. A biografia subjetiva não é completamente social. O indivíduo apreende-se a sipróprio como um ser ao mesmo tempo interior e exterior à sociedade. (Ib.: 179-180)

No caso especifico do processo de sua socialização, nos dizem os autores, a criançanão é passiva, mas são os adultos que estabelecem as regras do jogo. A criança pode

participar desse processo com entusiasmo ou com mal-humorada resistência, mas não háoutro jogo à vista. Sendo que a criança não tem escolha ao selecionar seus outrossignificativos, identifica-se automaticamente com eles, e pela mesma razão a interiorizaçãoda particular realidade deles é quase inevitável. A criança, segundo os autores, nãointerioriza o mundo dos outros que são significativos para ela como sendo um dos muitosmundos possíveis. Interioriza o mundo oferecido pelos adultos como sendo o mundo, oúnico mundo existente e concebível. E é por essa razão que o mundo interiorizado nasocialização primária torna-se muito mais firmemente entrincheirado na consciência do queos mundos interiorizados nas socializações secundárias. (Ib.:180)

―Foi difícil me converter a Jesus. Foi difícil sair do ‗mundo‘. Minha mãe eracatólica e ainda é. Minha família me perseguiu mas eu contei com o poder de Jesus paraisso. Difícil foi ‗quebrar as correntes‘ que existiu dentro de mim. (...) Eu tinha sonhos todasas noites, nos quais me via como padre de uma Igreja católica. Essa era a vontade de minhamãe. Só superei isso quando virei o ‗dedo da aliança‘10  na Igreja.‖ Pastor Ribeiro doCERVIR

ou ainda:

―O pastor me disse que quando eu sair daqui, ninguém, nem o Diabo, vai meenganar‖. Jorge, menor interno no CERVIR. 

Há no processo de conversão de que ele seja interiorizado ao extremo na pessoa, emespecial, na criança, posto que a conversão é dentro do universo estudado, o tornar-se

10 - A expressão ‗dedo da aliança‘ refere-se ao cargo de Pastor ou a organização e a ação de pastores. NoProtestantismo Autônomo, utiliza-se a imposição das mãos sobre os indivíduos para a realização daschamadas ―curas espirituais‖. A expressão nessa fala tem sentido diverso. A mão tem o significado ourepresenta o próprio Cristo, a Igreja e, os dedos dessa mão correspondem aos cargos ocupados pelosevangélicos no ―Corpo de Cristo‖, no CER VIR. O dedo mínimo representa o mestre, ou aqueles especialistasque se dedicam à leitura e aos livros, e que no CERVIR são encarregados do planejamento do uso e manejoda Bíblia enquanto instrumento de dominação, através da doutrinação e do sondar das estruturas mais intimasdaqueles que são o alvo da evangelização e futura conversão. O dedo anelar representa o Pastor oudiscipulador. O dedo médio representa o evangelista, ou aquele que ―abdica do dinheiro ou usa o dinheiro

para sobreviver em missões de evangelização daqueles que não foram atingidos ainda pela Palavra de Deus‖.Outra figura importante da burocracia do CERVIR é o Profeta, cuja função é vistoriar a vida da comunidade ede cada um em particular, denunciando aqueles ou aquilo que perante as normas do CERVIR, se encontra emsituação considerada como desviante ou errada. ―Ele é aquele para quem, ouvir e discernir é o maisimportante.‖ O dedo indicador é utilizado para representá-lo. Há por fim o Apóstolo, ou aquele que estuda acultura de um povo, se insere nele e a partir dos valores desse próprio povo, tenta converte-los ao Evangelho.Existe uma escola para cada um dos cinco tipos de especialistas (―ministros‖) ou missionários, citados. OCERVIR, além de Centro de Recuperação, tem por função identificar cada um tipo de ―ministro‖ oumissionário e envia-lo para uma destas escolas, usando os mais diversos testes, dos mais variados tipos eformas. 

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crente em oposição ao católico que era, e que persiste ainda no sujeito, como algointerior que ainda não foi convertido, provocando resistências morais, psíquicas e corporais,que justificam os exorcismos e que podem conduzir o indivíduo do plano traçado para ele,pela instituição quanto aos desviados, existe, para esses, organizações, que são chamadas deministérios, para o ―Resgate‖, ou o trazer de volta, ao meio evangélico e, também, o

―ministério‖ de ―Restauração‖, ou de resocialização a esse meio. Todas as etapas doprocesso de conversão, que incluem até os casos de resocialização dos desviantes, sãocontroladas pelos especialistas, ou ―ministros‖. O trabalho religioso, nos diz Oliveira, paraBourdieu, pode se realizar como produção anônima e coletiva (isto é, como produção dealto consumo) ou concentrar-se em mãos de especialistas (agentes que tem nele o seu meiode vida). (Oliveira, 1997:114)

Dentro do campo religioso, nos diz Oliveira para Bourdieu as relações que ocompõem são: a) internamente  –  relações de concorrência, aliança, oposição e conflitoentre os especialistas, que tem por objeto a conquista do campo religioso, visando-se omonopólio, onde cada especialista adota um estratégia para legitimar seu trabalho religioso,inclusive desqualificando os demais (Ib.:114-115)

―O mestre se preocupa com o livro, com o contexto, com a letra, em entender algomais, em ensinar. Mas acha que só ele sabe.‖ Isolina, pr ofeta da JOCUM, em uma palestrano CERVIR. b) externamente  – são relações de transação entre os especialistas; grupos eclasse que ―consomem‖ os bens religiosos as transações externas com leigos, visamsatisfazer seus interesses religiosos ( justificar os dominantes e domesticar/compensar osdominados), e assim garantir a posição do especialista na estrutura social. (Ib.: 114-115)

―O pastor tirou o Diabo do meu corpo, ele fez isso porque é ‗ungido‘11 por Deuspara salvar a alma dos que tem o Diabo no corpo .‖ Interno do CERVIR. 

O processo de conversão pressupõe o desvio como algo certo a acontecer, pois sãomuitas as ―quedas em tentações‖ e a própria Bíblia já alerta,como dizem os pastores doCERVIR, que não é o pecado que nos condena, mas o permanecer  no pecado. A nívelinstitucional o CERVIR é simultaneamente local de conversão, bem como local de―recuperação‖, ―resgate‖ e ― restauração‖ dos desviantes, ou seja de uma resocialização, ousocialização secundária.

Como instância de socialização secundaria, ou interiorização de ―submundos‖institucionais ou baseados em instituições, conforme Berger e Luckmann ( Berger eLuckmann, 1985:184) o CERVIR atua, tanto para os que estão ali para serem convertidos,quanto aos que estão ali para ―restaurarem-se‖ de uma ―queda‖,ou da permanência nopecado ( leia-se vício em ―drogas‖), de uma forma especifica: trata-os como desviantes.Para tanto, a instituição os concebe, ao nível do senso comum, o comportamentodesviante(aquele que ainda não é cristão ou aquele que abandonou a sua fé), como um casode patologia ―espiritual, psíquica e corporal‖ utiliza-se de uma visão que por analogiaassocia-se a ―perspectiva medica preocupada em distinguir o ‗são‘ do ‗não -são‘ ou do

11 - Abençoado diretamente por Deus para uma tarefa específica, que no caso era dirigir o processo deconversão, discípular os novos convertidos e retirar ―o Diabo do corpo deles‖ ou seja, retirar deles quaisquer valores que não fossem condizentes com os dogmas do CERVIR, até que isso resultasse numa autodisciplinae domesticação do corpo. 

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‗insano‘.‖ (Velho, 1981: 11).12 A maldição é um caso de mão dupla o indivíduo podeter uma doença física ou mental, e servir de marionete, justamente por isso, para o Diabo eaos seus demônios. Ou pode vir a desenvolver uma doença física ou mental, justamenteporque é assediado pelo Diabo ou por seus demônios.

―Assim certas pessoas apresentariam características de comportamento ‗anormais‘,sintomas ou expressão de desequilíbrios e doenças. Tratar-se ia, então, de diagnosticar omal e trata-lo evidentemente existiriam males mais controláveis do que outros, havendo, ou portanto, desviantes, ‗incuráveis‘ e outros possíveis de recuperação mais ou menos rápida.Enfim, o mal estaria localizado no indivíduo (...)‖ (Ib.: 11-12)

Os comportamentos tidos por ―anormais‖ no CERVIR, são todos aqueles que nãosão regulares pelo credo da instituição e em relação aos quais a instituição se coloca, contracriando-se a si mesma a oposição a esses. Diagnosticar o mal é fácil: trata-se de catolicismo para os dirigentes do CERVIR, a religião do ―ecumenismo‖, já em si mesmo ecumênica e

por isso diabólica. Sendo que Espiritismo, Candomblé, Nova era e outras são variações docatolicismo que dialoga com as religiões ―declaradamente do Diabo‖ : Islamismo,Budismo, Induismo, etc. Para tratar o indivíduo desviante , somente a conversão aoprotestantismo autônomo, que para os protestantes autônomos, significa o mesmo queconverter-se ao próprio Jesus, considerado Deus.

Há casos incuráveis: os ―Vasos de Ira‖13. E há casos curáveis: ―as criancinhas deDeus‖, as ―ovelhas‖, os ―alunos‖, enfim os internos.

Tudo depende do indivíduo. Se ele aceita ou não os dogmas da instituição.Aceitando-os torna-se verdadeiramente ―indivíduo‖, co-criador com Jesus, seu Senhor, dequem se tornou, irmão, sendo por Deus adotado. Justamente quando perde aindividualidade e se massifica, tornando-se um com os demais irmãos em Cristo, tornando

―ovelhas‖, é que o indivíduo é considerado ―indivíduo‖, e ―indivíduo liberto‖,verdadeiramente filho de Deus‖. Caso contrario, se ainda mantém algum traço deindividualidade ou algo da cultura da sociedade em geral e da religião católica em particular, ele é, ―criatura‖, um ser ―animalizado‖, ―bestializado‖, não possui consciência, é―o Diabo que fala e que através dele‖. E enquanto ser ―animalizado‖, ele pode receber quaisquer violências físicas, psíquicas ou morais.

Gilberto Velho, citando Merton, nos mostra que para esse autor um enfoqueemocional abandona a posição mantida por varias teorias individualistas, de que asdiferentes proporções de comportamento divergente, nos diversos grupos e extratos sociais,são o resultado acidental de proporções variáveis de personalidades patológicas encontradasem tais grupos e extratos. Para Merton, nos mostra Velho, agora se tenta determinar como aestrutura social e cultural gera a pressão favorável ao comportamento socialmente desviado,sob pessoas localizadas em varias situações naquela estrutura. (Ib.: 12)

12 - Desvio e Divergência  –  uma crítica da patologia social  –  Gilberto Velho (org.).  – Zahar Editores  – 4a Edição – 1981. 13 - A expressão ―vasos de ira‖ é, segundo o Protestantismo Autônomo, utilizada para designar aqueles quesão considerados quase como irrecuperáveis, por que, muito antes da criação do mundo Deus já os haviapredestinado para tal, para servirem como um referencial do que ocorre a quem se desvia dos caminhos deDeus, mantendo, os adeptos do Protestantismo autônomo, os ―Vasos de Glória‖, cientes da condutainadequada perante o ―Senhor‖. 

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Há, nos diz Velho, uma obvia ênfase na integração da sociedade. Todas associedades apresentam na concepção de Merton, discutida por Velho, objetivos e meios derealiza-los, que são legítimos para todos os seus meios, ainda mais, mesmo para indivíduos―diversamente localizados‖. Mas nem todas as sociedades  funcionam bem. Podem existirsociedades ―mal integradas‖, que apresentariam desequilíbrios entre os objetivos culturais e

os meios de realiza-los, e em caso extremo e hipotético seriam permitidos todos e quaisquerprocedimentos que permitissem atingir esse objetivo tão importante. Trata-se portanto deuma sociedade ―doente‖, ―instável‖ e ―mal-integrada‖, uma situação de anomie. Saiu-seportanto de uma patologia do indivíduo para uma patologia social. (Ib.: 13-14)

Para Velho, Merton reviu seu conceito de anomie, condição do ambiente social, nãode desvios particulares, propriedades de um sistema social, não o estado de espirito desteou daquele indivíduo dentro do sistema e, anomia, referida ao individuo. Assim uma pessoaconcreta poderia estar em processo de anomia sem que o sistema social estivesse emanomie. Mas por outro lado, a desorganização de normas e valores vai fazer com que oambiente social seja favorável ao aparecimento de indivíduos ―anômicos‖. (Ib.: 14) 

O comportamento desviante não é apenas um sintoma de doença na sociedade,

salienta Velho. Não é só algo que ameaça a existência da sociedade, mas pode até ser a sua―redenção‖. Certos comportamentos desviantes, de caráter inovador podem trazer asrespostas adequadas para a permanência de determinado sistema.(Ib.:15)

― Quando você for ‗ ungido‘ por Deus, o teu passado de  vício em ‗drogas‘ vai te ser útil, pois Deus transforma tudo. Você terá experiência de vida com as ‗drogas‘ e isso vaiservir para você fazer teu irmão que está na ‗maldição‘ te compreender e aceitar Jesus‖.Discurso de um pastor da JOCUM, no CERVIR.

Há porém neste tipo de visão um problema crucial. A questão concentra-se no fatode que a análise ter como premissa uma estrutura social não problematizada. Ou seja aunidade de análise é um sistema social  já dado ―funcionando‖. A harmonia e o equilíbrio, apartir daí, surgem automaticamente. Existe uma face hipotética, inicial quando o sistemaestá ― funcionando normalmente‖. O processo de mudança social pode ocasionar desequilíbrios e conflitos, mas a tendência ―natural‖ será o retorno a um estado d eequilíbrio e harmonia. (Ib.:15)

O campo religioso do Protestantismo Autônomo revela-se baseado em umaconcepção etnocêntrica de lastro judaico-cristão, e segundo Oliveira, a teoria do camporeligioso de Bourdieu, bem como a sociologia da religião no geral, tem sérias dificuldadescom relação a possuir categorias propriamente sociológicas ( e não religiosas/ teológicas )para o estudo do fenômeno religioso, valendo-se de categorias de analise extraídas dateologia cristã, como mago, sacerdote, profeta,igreja, sagrado, etc.( Oliveira, 1997:180, aesse fato acrescentamos que a compreensão de uma estrutura social já dada ―funcionando‖e funcionando em harmonia e equilíbrio, e simultaneamente uma compreensão religiosa ounaturalista. A natureza, nos diz Clément Rosset, é concebida como se opondo à religião.Para este autor, nada é mas ambíguo que essa pretensão critica por parte da natureza: podeacontecer da idéia de natureza, alem de substituir uma religião por outra,ainda retornar,

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disfarçada de adversária da superstição, a uma fonte muito mais geral e inquieta detodas as representações religiosas. A idéia de natureza precede a idéia de sobrenatureza e,longe de critica-la, favorece-a pela simples razão de ser a única que a torna possível. Emconseqüência: 1) a idéia de sobrenatureza pressupõe a idéia de natureza. (Isto é, pressupõeque alguma ordem já esteja dada, para que alguns acontecimentos ditos sobrenaturais

possam, a partir desse fundo, realizar-se); 2) A idéia de ― causas naturais‖, as quaispermitem interpretar todo o fenômeno como ―resultado‖ de um princípio ou uma série deprincípios  –  a explicação naturalista dos fenômenos aparece desde então como modeloideológico no qual se inspiram todas as explicações, inclusive as explicações religiosas. (Rosset, 1989: 35)14 

O cosmo, e a sociedade nas quais surgem os desviantes são tidos como harmoniosose em equilíbrio, porque possuem uma certa ― ordem em si mesmos‖, são tidos, não comoum produto humano, como artifício, mas como natureza.

No CERVIR, concebe-se o ―mundo exterior‖ em completa desorganização devalores e normas (pois os verdadeiros valores e normas são os da instituição) e osindivíduos, que vivem no mundo exterior à instituição e que partilham das normas e valores

desse mundo, como ―doente‖ espiritual, psíquica e corporalmente.Mas se a doença em medicina, não acontece na vida de uma pessoa, como umcastigo, podendo no máximo ser encarada como uma conseqüência de uma relação com ocorpo e a mente que foge aos ditames das recomendações médicas, no CERVIR, o―doente‖, é antes de tudo culpado, pela maldição que o domina. Se ele próprio estivesse notempo em que Jesus andou pela Terra, seria um dos primeiros a crucificá-lo.

Em suma, trata-se neste estudo de se focalizar, em sua configuração peculiar, oCERVIR, enquanto uma instituição baseada num sistema de relações sociais, pautado numamodalidade de categorização estigmatizante.

O conceito de estigma é utilizado nesta monografia como foi desenvolvido porErving Goffman in ―Stigma‖, e citado por  Maria Julia Goldwasser. O indivíduo

―amaldiçoado‖ é um indivíduo estigmatizado. Estigma é definido por Goffman, segundo Goldwasser15 como:

― ...um atributo que lo vuelve (el estraño) diferente de los demais... y lo convierteem alguien menos apetecible, em casos extremos, em uma persona casi enteramentemalvada, peligrosa o débil. De esse modo dejamos de verlo como uma persona total ecorriente para reducirlo a ser inficionado y menospreciado. Um atributo de esa naturalezaes un estigma em especial cuando él produce em los demás... um descrédito amplio...‖ (Goffman, 1970 :12 in Goldwasser, 1981 :29 )

―Todo aquele que não está com Jesus, está com o Diabo, e convém não se confiar nele, porque ele é filho do Diabo, e está aí para matar roubar e destruir! Temos que ser comele, doces como uma pomba e astutos como uma serpente. Até hoje não acreditei em umasó palavra que saí de sua boca, porque ele é filho do pai da mentira e é um mentirosotambém!‖ Pastor Heber, numa conversa, referindo-se ao menor Oséias.

14 - A Antinatureza: elementos para uma filosofia trágica  – Clément Rosset  – Rio de Janeiro : Espaço eTempo, 1989. 15 - ― Cria Fama e Deita na Cama‖ –  Um estudo de Estigmatização numa Instituição Total  –  Maria JuliaGoldwasser In Desvio e Divergência  –  uma crítica da patologia social  –  Gilberto Velho (org.).  – ZaharEditores – 4a Edição – 1981. 

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A noção de estigmatização, nos diz Goldwasser, aproxima-se da noção de desviosocial. A classificação de grupos desviantes pode ser também considerada como expressãoparticular de um processo de estigmatização: ter-se-ia, de um lado, grupos rotulados  – ou

estigmatizados –  como ―desviantes‖ e, de outro, grupos admitidos como normais. Do pontode vista individual, a ação social fundada no estigma pode ser compreendida como umaforma de relação social impessoal ou despersonalizante, uma vez que se deriva não daconsideração do outro como individualidade empírica, mas apenas como representaçãocircunstancial de certas características tipicamente associadas à sua classe de estigma.( Goldwasser, 1981:30 ).

―Eu falo em ‗línguas‘ com alguém que está em pecado, porque estou falando comseu espírito. Não adianta falar diretamente com a pessoa, porque não é a pessoa que está ali.É só o corpo dela, e quem fala através dela é o Diabo (...)‖ Pastor Heber, do CERVIR. 

Comentando Howard Becker, Goldwasser nos dirá que, o desvio social, podebasicamente ser definido como infração a uma regra grupal. A idéia fundamental é que o―desvio‖ é criado pela sociedade logo ao estabelecer essas regras. Por outro lado, salientaGoldwasser, o diagnóstico do desvio depende do julgamento de um grupo que definealguém como desviante, segundo suas próprias normas, enquanto esse alguém pode, aocontrário, estar agindo em conformidade com as regras de um grupo diverso daquele. (Ib.:30)

Para o Pastor Heber, bem como para os demais protestantes autônomos doCERVIR, os meninos de rua são tidos como pessoas socialmente indesejáveis, possuídaspelo Diabo, que oscilam entre um alto índice de periculosidade e revolta (pois estão nomundo para matar, roubar e destruir), a um complexo de inferioridade (de enormes

  proporções) que se expressa por um constante ―sentimento de rejeição‖. Os pastoresafirmam que os meninos, como qualquer outro ainda não ―liberto‖, possuem tanto estecomplexo de revolta como o de rejeição: o primeiro conduz ao assassinato, o segundo aosuicídio.

O ―complexo de revolta‖ ou o de ―rejeição‖, são frutos do fato de que os meninosnão se enxergam como deveriam se enxergar, ou seja, pela ótica do ProtestantismoAutônomo, onde o homem não possui nem superioridade nem inferioridade : são todosiguais ou ―filhos de Deus‖; categoria que, no Protestantismo Autônomo, designa todaaquele considerado normal, todo aquele que aceita a Jesus como seu ―Senhor‖ e ―Salvador‖pessoal, ao aceitar os dogmas do CERVIR. Se sentir revoltado ou rejeitado, são pólosextremos de uma rede de complexos, traumas e tantas outras ―degradações morais, psíquicas e físicas‖ que o sujeito possui (porque é possuído pelo Diabo) e que só existem nasua vida, ―porque o indivíduo aceita a maldição ao rejeitar  Jesus‖. Quem não aceita Jesus épraticante do pecado do orgulho. O orgulho é, para o Protestantismo Autônomo, o pior dospecados, pois gera todos os demais. O primeiro pecado a existir no cosmos foi o orgulho equem o cometeu foi Lúcifer, que decaiu, da condição de ―anjo de luz‖ e ―maestro daorquestra de louvor, que os anjos realizavam para Deus, no céu‖, para a condição deadversário que pretende ―atrair todos os homens para o inferno e de lá para a eternidade no‗Lago de Fogo‘.‖ É orgulhoso todo aquele que não aceita a Jesus,e que, não aceita,

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principalmente aos dogmas do Protestantismo Autônomo; que não aceita entrar para aIgreja e colaborar com a oferta de tudo o que possui.

A vida dos meninos de rua, é para o Pastor e para os demais membros do CERVIR,uma vida de completo desvio de tudo o que é ― verdadeiro, bom e dentro do contexto‖. E oque é ― verdadeiro, bom e dentro do contexto‖ o menino de rua, ou qualquer outro

desviado, ( que o Diabo induziu ao pecado retirando-os de uma condição primeira de―harmonia‖ com Deus) só pode conhecer, aceitando os dogmas da instituição.  Mas, entre os meninos de rua que agem de acordo com as suas próprias, a condição

de desvio dá-se em relação a essas próprias normas e não em relação as normas do Pastor.Segundo Carmem Maria Craidy(1998)16, antes de passarem a viver quase que

exclusivamente na rua, os meninos exercem o papel precoce de mantenedores( mesmo queparcialmente) de irmãos e mesmo dos adultos que seriam os responsáveis pela amanutenção da família e adquirem uma independência maior do a que seria de esperar paraa sua idade. Essa situação, segundo Craidy, terá grande influencia em todo o sistema derelações humanas que estabelecem, não só com os adultos,como também com outrosmeninos ( Craidy, 1998).

Para Craidy, os meninos saem de casa por causa da luta pela sobrevivência ― nãoapenas deles mesmo, meninos de rua como de suas famílias, mas, a luta pela sobrevivêncianão é a única razão de os meninos e meninas irem para a rua. Eles podem estar fugindo deuma situação conflitiva e/ou violenta e podem, ainda, estar simplesmente estar buscando olazer e as emoções que as rua da cidade podem oferecer (Craidy 1988).

Ainda segundo Craidy, a busca do grupo, isto é, da solidariedade dos iguais é umelemento forte da cultura de rua. Essa solidariedade é para os meninos de rua um elementodecisivo na resoluções das questões de sobrevivência, da segurança e sobretudo, da vidasafetiva.ocupando o lugar central na vida desses meninos, a solidariedade é flutuante e instável. A solidariedade que existe entre eles pode  ser fortalecida, ou desaparecer emmomentos de maior gravidade, nos quais o grupo poderá consolidar-se em conflitos

internos. (Ib.:26)A rua é para o menino de rua, a sua casa. A passagem da casa de origem para a casade rua só tem sentido se modifica no estatuto e se a passagem, pois trata-se de umverdadeiro ritual de passagem, é irreversível. O menino de rua que efetivou o seu ritual dapassagem da casa à rua, passa a construir na rua, o projeto de retorno à sua casa, a uma casaque seja sua e, não mais a casa de seus pais, não mais um modelo de família em que foicriado.

―Eu quero ter um futuro com Meire, uma vida com ela. E quero tudo diferente doque foi comigo... quero dar tudo a meus filhos.‖ Guilherme, um menino de rua do Porto daBarra.

―Ninguém lá em casa me queria porque eu era viado ‗ na rua a gente aprende a viver do jeito que a gente gosta, mas é meio barra- pesado‘. Vou ter a minha casa e fazer o que euquiser.‖ Oséas, um menino de rua do Porto da Barra.

16 - Meninos de Rua e Analfabetismo  – Carmem Maria Craidy – Porto Alegre : ArtMed, 1998. 

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Segundo Claude Riviere(1996)17, está associado ao declínio de todos os ritos depassagem, iniciativa, a não modificação de um estatuto ou a irreversibilidade ou inclusãodo próprio rito, Riviere nos diz, que todo o rito de passagem incluso, por exemplo, naentrega de um diploma, como ascensão ritual, perde-se, se, em seguida, o estudante passa aser desempregado. (Reviere, 1996: 131)

Consideraremos a vida na rua, como um processo de socialização onde estãoinclusos diversos rituais de passagem para a vida adulta, e dentro da sociedade mais ampla.Nos ritos de passagem existem, segundo Claude Rivière(1996) alguns princípios

que são: teatralização, simbolização, alto-referencialidade, reiteração iniciática,descontinuidade, e complementariedade.

Esses princípios definem Revière, os ritos de passagem. Aqui, mostraremos comoeles se expressam e produzindo e reproduzindo a vida de um grupo e mostraremos comoessa expressão é vista por um outro grupo, para quem os primeiros se encontram emsituação de desvio e, por quem são estigmatizados.

Estes princípios, são considerados por Rivière, como princípios comuns aplicáveisàs iniciações tradicionais e cuja pertinência revelar-se-á, por uma comparação com as

iniciações modernas. (Ib.:136)A teatralização, nos diz Rivière, é uma dramaturgia ritual pela qual se interessamparticularmente Erving Goffman e Victor Turner. A teatralização para M. Eliade e R.Caillois é, segundo Rivière, a repetição de um acontecimento fundador. Os espíritostutelares são convocados. São colocadas em cena as relações que atribuem a cada qual umaposição na sociedade.(Ib.:136)

A cerimônia de iniciação é, neste caso :

― um consenso coletivo entre atores e espectadores, (onde) combinam-se a crença ea simulação; para as mulheres e crianças, a credulidade e o medo. No entanto, muitosapenas fingem acreditar nisso, sendo que o importante é fazer como se. O cético ou

desaforado seria, com toda certeza, punido se não entrasse no jogo, mas o demasiadocrédulo, que se apavorasse e fugisse (...) seria considerado como incapaz de se tornaradulto‖.(Ib.:137) 

No caso específico da passagem da casa de origem à casa rua, a posição no grupo édefinida a partir do maior ou menor sofrimento que se passou na casa de origem, o menorou maior medo em relação à vida na casa de origem, o menor ou maior medo em relação àvida na rua e o ―jogo de cintura‖ para contornar estas situações (o que reflete uma maior oumenor independência adquirida em relação a vida em casa, sendo ―safo‖, esperto, na rua.).Este aspecto era visível nas declarações feitas por alguns menores a respeito de sua entradano grupo:

―Eu conheci o Guilherme e o pessoal aqui mesmo no Porto. O Guilherme mechamou para fumar um baseado. (Pausa) ‗Tavá‘ assustado... era a primeira vez que eu iafumar maconha. Depois eu fiquei ‗doidão‘... depois que eu fumei. O Guilherme ficavadizendo que a polícia ia chegar, dizia toda hora e ria de mim... ficava metendo medo. Foi

17  Os Ritos Profanos  – Claude Rivière – Petrópolis, RJ: Vozes, 1996. 

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igual no dia ‗qui‘ eu fiz um ‗vulcão‘18, e ele disse que eu ia morrer‖. Gustavo, meninode rua do Porto da Barra.

Um menino de rua tentava assustar a um outro para testar a sua coragem e, aceita-loem um grupo, através de situações que envolviam o perigo, real ou imaginário, do uso de

psicoativos. Esse foi um dos aspectos que repetidamente presenciei em meu trabalho decampo e que para um agente de outro grupo que estigmatizava os meninos de rua eraapenas a ação ―contaminadora‖ do uso de psicoativos. 

―um vai viciando o outro, para tirar proveito disso. Pois assim como um cristãosozinho é como uma brasa retirada da fogueira, esses meninos filhos do Diabo, sozinhos,são brasas que se apagam da fogueira do inferno. Para atacar o Diabo temos que afasta-losuns dos outros e trazê-los para dentro do CERVIR.‖ Pastor Ribeiro, do CERVIR. 

A ―droga‖, seu uso e o usuário, em nosso caso o menino de rua, são portanto entes―impuros e contaminadores‖ , perigosos para o projeto de socialização de um grupo como oCERVIR, que almeja converter a todos na face do planeta.

O segundo princípio proposto por Rivière, para que se configure um ritual deiniciação é a simbolização. Para Rivière a simbolização é expressa:

―nas provas corporais dolorosas, as repreensões e sevícias que subvertem osesquemas correntes de ação (beber e vomitar, deitar-se sobre espinhos, ficar nu, privado dealimento, proibido de fazer sua higiene matinal, com os cabelos cortados para umaautêntica morte dos sentidos)‖.(Ib.:137) 

Uma vez na rua, para os meninos estudados, ser ―safo‖ implica em utilizar 

psicoativos e não vacilar, diante dos perigos da rua, apesar da embriaguez dos sentidos.Bebe-se bebida alcoólica até não suportar mais e provoca-se o vômito, isso repetidas vezes,não se podendo ficar bêbado, o que é um estado indesejável e desqualificador, de acordocom as normas do próprio grupo, pois um menino de rua bêbado ―vacila‖, e é alvo fácilpara menores rivais e para os adultos, sejam estes últimos, traficantes ou policiais, ouquaisquer outros.

O Pastor Heber, via nesse ato de beber, apenas um aspecto autodestrutivo. Era―Satanás‖ que os estava ―induzindo ao suicídio‖. Mas para o mesmo Pastor, a privaçãoalimentar forçada que ocorria no CERVIR, era tido apenas como ―jejum‖ para ―elevação eêxtase espiritual". Observamos ai que, o que num grupo era um princípio constitutivo deiniciação no próprio grupo, para um outro era motivo de estigma.

Para Rivière, a simbolização expressa uma morte ritual. E após essa morte ritual,ocorre a revelação formal de um segredo.(Ib.:137)

Num momento em que estava a sós com Gustavo, resolvi lhe perguntar porqueele gostava de usar psicoativos na hora em que ia pintar as camisas, e ele me respondeu:

-  É que quando eu ―tô viajando‖, fica fácil lembrar as coisas que tão nodesenho... Eu me lembro de uma ‗viaji‘ que tive, e foi logo a primeira. 

18 - Puxar a fumaça da maconha diretamente pelo nariz. Pode ser também aplicado aos casos em que alguémfuma Crack e depois sopra no nariz de outro a fumaça que estava em seu pulmão. 

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-  O que você desenha nas suas roupas?-  Um monte de coisa, ‗ué‘! -  O que você lembra quando vê essas coisas?-  Lembro das ‗coisa‘ que Guilherme me ensinou.(Pausa) Cada coisa é uma

coisa.

-  E o que diz esse desenho ai?-  Esse aqui? Esse aqui é meu nome. Eu escrevo nas paredes. Foi o Guilhermeque me ensinou a 'grafitar'19. Agora eu mesmo ‗qui‘ faço o desenho e digo oque é que ele é... no que eu ‗viajei‘.‖ 

Nos diz Rivière que a revelação de um segredo após uma morte ritual, pode ser ade um instrumento musical imitando a voz do antepassado ou a das máscaras,representações dos deuses. Nos rituais de renascimento, nos diz Rivière, figuram amarcação simbólica do corpo por mutilação, escarificação, tatuagem ou pintura segundoum código de cores, o uso de uma indumentária específica, a aprendizagem de uma língua

secreta, a atribuição de um nome.(Ib.:138)Para Rivière o aspecto paradoxal nessas práticas é materializar o caráter auto-referêncial das operações inicíaticas.

―A ingestão de certas substâncias (bola de Yondo sara no Chade, gordura de So béti nos camarões) mostra que se trata de um fato específico, fora de uso, que só tem a simesmo como referente e é inaplicável fora do seu campo de aquisição e da ação transitóriade sua transmissão ritual. Sua eficácia é imanente às operações que ela comporta. Areprodução fiel de uma entidade social (como a das espécies naturais) é análoga à auto-referencialidade da iniciação que exprime a identidade do ego. A iniciação é também marcade uma identidade na carne‖.(Ib.:138) 

A ingestão de substâncias cujos efeitos, em altas doses, são drásticos, e de formacruel, servem para forjar a memória social do grupo. Os meninos de rua estudados, bebiambebida alcoólica até não suportarem mais ou então passarem a ter um comportamentoreprovável pelo grupo, caso em que provocavam o vômito e tornavam a beber. E faziamisso de forma a adquirirem tolerância. A baixa tolerância ou a expressão de umcomportamento inadequado era motivo de censuras, chacotas e isolamento, exercendo umverdadeiro controle informal sobre o usuário, no sentido que ele poderia usar a substância,mas nunca chegar ao ponto de ―vacilar‖: demostrar -se sob o efeito do psicoativo ou ainda,ficar desatento para com as regras de relacionamento para com os adultos, em especialtraficantes e policiais.

A iniciação, nos diz Rivière

― é também marca de uma identidade na carne. A crueldade forja a memória, dizNietzsche; forja também um corpo específico nas sociedades arcaicas: tamanho dos dentes,circuncisão, subincisão, furar o nariz, escarificação, sangria... o que é uma inscrição de sua

19 Desenhar símbolos, em paredes ou outros lugares, sendo que estes símbolos se constituem num código quesó o grupo pode decifrar. 

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identidade cultural no próprio corpo do iniciado com modificação morfológica quenaturaliza a cultura, como é sublinhado por P. Clastres‖. ( Ib. : 138) 

Este é o princípio da auto-referencialidade que configura um ritual de iniciação.

O princípio seguinte é o da reiteração identitária. Para Rivière

― A iniciação corresponde a um princípio de reiteração no sentido de que define aidentidade de seus agentes e condiciona ontologicamente sua própria reprodução. É apenasquando alguém adquire o estatuto de iniciador que se torna plenamente iniciado, mastambém- para ser iniciador- é necessário ter sido iniciado‖. (Ib. : 138) 

― Eu aprendi na escola que o sol é uma estrela. Mas eu gosto do sol como a po ntado baseado de Deus. É assim que eu vejo o sol quando ‗tô viajando‘. Quando eu desenho

um sol, eu desenho a fumaça saindo. Quando eu vou ―batizar‖ alguém, eu sempre digo quea maconha é o sol, que seca as roupas da gente, mas que não é muito legal ficar embaixodele o tempo todo‖. Paulo Nunes, menino de rua do Porto da Barra. 

―- Quando eu era pequeno, eu não sabia me virar. Eu gostava de dar, e as pessoasme sacanearam porque eu era bicha. Mas um cana que eu namorei me deu maconha ‗pra‘fumar. Eu fumei com ele e depois a gente transou. Foi muito gostoso. Eu gostei de fumarmaconha. Sei lá... eu mudei. Fumava mesmo sem ele, adorava ir pescar ‗viajando‘. Perdi omedo da vida e caí no mundo. (Pausa) Eu só gosto de transar ‗viajando‘. Se o cana nuncafumou, eu dou um jeito dele fumar. Se ele gosta mesmo de mim, ele fuma!‖ Oséias, menino

de rua do Porto da Barra.

Nestas falas pode se perceber a fabricação de uma identidade social. Identidadeesta que assumia um caráter negativo aos olhos dos pastores do CERVIR.

Para o pastor Heber, os meninos de rua iniciavam outros no uso de psicoativosporque:

―(...) o Diabo obriga todo mundo a entrar em seu sistema. Vou lhe ensinar areconhecer o que é do Diabo. O sistema do Diabo é a opressão. Onde houver opressão,reina o Diabo. Um viciado é um oprimido, um sujeito que não quebrantou a alma à Deus. Évazio de Deus e está no fundo do abismo. Quem está no fundo do abismo quer puxar outro para lá também. O CERVIR é a ‗mão de Deus‘20 que tira o sujeito do inferno, sem cair ládentro‖.

Em Revière a fabricação de uma identidade social

20 - Referência à Cristo ou à Igreja, com seus ―ministérios‖.  

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― enquanto finalidade da iniciação, só é possível por meio de uma relaçãoantagonista ao mundo exterior, o que é acentuado ao criar um mundo próprio desubstâncias, símbolos, saberes, atos e palavras que subvertem a função referencial da

linguagem, mas especificam uma identidade e a reiteram‖. (Ib. : 139) O que pode ser exemplificado pelo fato de que as duas concepções a respeito do uso de psicoativos acimacitados, a dos meninos de rua e a do Pastor, são antagônicas, e que para os meninos de rua,a visão do Pastor sobre o uso de psicoativos, lhes é exterior.

Rivière ainda nos fala da descontinuidade como um outro princípio existente nosrituais de passagem.

Para este autor, o rito de iniciação é um rito de formação, no entanto,

―difere de uma simples transição ou aprendizagem porque leva a uma radicaltransformação pessoal e cultural. Marca uma descontinuidade de estatuto e implica umadivisão do campo social entre não-iniciados e iniciados, separados pela barreira do segredoe por uma interação sutil desmitificação-estímulo. Revelação de mistérios oupseudomistérios, acompanhada pela obrigação de nada revelar aos não-iniciados, o segredofaz a força dos iniciados‖. (Ib. : 139) 

Entre o grupo de meninos de rua estudados nesta monografia, o uso de algunspsicoativos, em dadas ocasiões, servia para ampliar a aguçar os sentidos e à imaginação, oque era utilizado pelo grupo internamente, para aliviar as tensões, possibilitar um universo

comum inter-subjetivo regular o comportamento de uns em relação aos outros, definircertos comportamentos quanto as indumentárias ( as roupas pintadas com certos desenhos),quanto a alimentação (fumar maconha para abrir o apetite ou cheirar cola para diminuí-lo,respectivamente, nos momentos de abundância ou escassez de alimentos) quanto ao uso dalinguagem ( uma linguagem pontuada de gírias e expressões próprias extraídas do processode uso e consumo de psicoativos), facilitar a interação sexual( as brincadeiras de carátererótico, as frases de duplo sentido ou associações de situações eróticas com as situaçõesocorridas no processo de uso e consumo de psicoativos ) ou simplesmente, entre tantasoutras coisas, para criar um clima de afetividade e coesão frente as proibições sociais.Externamente, a ampliação e o aguçamento dos sentidos e da imaginação, era usado para asimulação de fome ou extremo sofrimento na hora de esmolar comida e/ou dinheiro; ganhara simpatia do proprietário do carro que se pretendia lavar; sentir-se forte diante dos adultos( principalmente traficantes ou policiais); tornar-se ágil para realizar um furto; criarestratégias de ataque e/ou defesa em relação a um grupo rival ( por eles denominados ― o pessoal do Farol‖- Uma alusão aos meninos de rua que tinham seu ―território‖ na área doFarol da Barra), e para muitos outras coisas na rotina do dia-a-dia na rua.

Tudo isso implica no fato do grupo em estudo ter um conhecimento específico acerca do uso de psicoativos e, das espectativas relativas a seus efeitos, que somavam-se aoconhcimento da geografia dos lugares e dos ―tempos‖ da rua, que os auxiliava a viver enquanto grupo e em oposição a outras forças; conhecimento que era mantido em segredo e

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transmitidos apenas aos que se iniciavam na vida do grupo, partilhando com eles o queexistia de mais proibido e contrário as normas sociais (na visão deles) : o uso depsicoativos.

Por fim, Revière nos aponta a complementariedade, como mais um princípioconstituitivo de um ritual de passagem. A complementariedade é para Revière, uma

cooperação ritual no momento da cerimônia e algumas interações, por parte dos não-iniciados (Ib. : 139)No grupo estudado, existia apenas uma única criança do sexo feminino, Meine

(pseudônimo) que apesar de usar determinados psicoativos, era privada de usar outros―mais fortes‖ ou em maior dosagem. O fracasso ou o sucesso de empreitadas sob o uso depsicoativos, tais como o contrato com traficantes, furtos ou para as brigas com os meninosdo grupo do Farol, cabia apenas a ela julgar.

Aos outros na rua, não-usuários de psicoativos e não pertencentes ao grupo, erapermitido algumas interações. Às vezes quando terminavam o processo de uso de algumpsicoativo, costumavam perguntar (ou mesmo esperar o comentário sem dizer nada) seestava visível que eles estavam sob o efeito de um psicoativo.

Para concluirmos o que mais particulariza, segundo Revière, a iniciação modernoé que

―inversamente às iniciações apresentadas por M. Eliade, ela não está conjungadaao sagrado, nem a verdades arquetípicas, nem o acesso a uma vida mística‖. (Ib. : 150) 

Mas pode, segundo constatamos no decorrer dessa monografia, se constituirnuma representação de um mito ou da dialética cosmo/sociedade, onde, mareada por umasimbólica intencionalmente secreta, que pode se constituir em uma abordagem do

espiritual, que coloque o indivíduo, o menino de rua, em contato com o transcendente, namedida em que a ―droga‖ passa a se constituir, não só conceitualmente como, mas tambémem uma vivência, com um enteógeno21, com o seu aspecto de inspiração artística.

Assim nos diz Revière que a iniciação moderna pode reverter a uma iniciaçãoconjugada ao sagrado, às verdades arquetípicas, ao acesso de uma vida mística, a umarevivescência do universo, a uma abordagem espiritual de mistérios ou sacramentos quecolocam o homem em contato com transcendente a não ser que levemos em conta atranscendência dos antigos. (Ib.: 150)

E a rua pode ser considerada enquanto uma escola de formação da personalidadee transformação profunda do indivíduo, na medida em que comporta algumas provas de

21 - Em seu livro Guiado pela Lua, Xamanismo e Uso Ritual da Ayahuasca no Culto do Santo Daime, editorabrasiliense, 1992, pp. 16, o professor Edward MacRae, nos diz que evita a utilização do termo drogasubstituindo-o por substância psicoativa ou psicoativo, indicando uma substância que ativa a psique ou agesobre ela. MacRae prefere utilizar também o termo enteógeno, derivado de entheos, palavra do grego quesignifica literalmente ―deus dentro‖ e era utilizada para descrever o estado em que alguém se encontra quandoinspirado ou possuído por um deus que entrou em seu corpo e, que era aplicada aos transes proféticos, àpaixão erótica e à criação artística, assim como aos ritos religiosos onde estados místicos eram experienciadosatravés da ingestão de substâncias que partilhavam da essência divina, o que permite comentar comimparcialidade os beatíficos e transcendentes estados de comunhão com as divindades que, segundo a crençade muitos povos, determinados indivíduos podem alcançar mediante a ingestão de certos psicoativos. 

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domínio de si, habilidade, destreza, submissão às ordens internas do grupo e não umasimples revolta, como as percebia o Pastor, contra injunções sociais, que

―influenciados pelo Diabo, os meninos, sentem que toda ordem é estúpida e

injusta, inclusive a nossa. É necessário que eles aprendam a servir‖. Pastor Heber. 

Meninos de RuaRevisão Crítica da Bibliografia

Segundo Carmem Maria Craidy ( 1998 )22, a rua dos meninos de rua não é amesma do transeunte comum, das pessoas que saem a passeio ou para o trabalho . Éurna rua invisível para a maioria da população que por ela circula. A rua não é umlugar de circulação. Para os meninos, segundo Craidy, é lugar de viver. Para Craidy,os que vivem na rua, nela constróem as relações definidoras de suas existências.Segundo Craidy, os que vivem na rua redefinem o espaço, construindo paredes

invisíveis, numa partilha minuciosa dos locais, subvertendo a ordem prevista aoprivatizarem o que seria público e realizarem na rua os atos mais íntimos tais comoas necessidades fisiológicas, banhos, sono, etc. ( Craidy, 1998 : 21)

Para Craidy, todos os dispositivos de poder e proteção repartem a sociedade,colocando nela muros, grades e também barreiras simbólicas que cortam a palavra,tornam quase inviável o diálogo e erigem a violência e a repressão como formasprincipais de relação. (Ib.: 21 )

Há portanto nas cidades, paredes simbólicas que são construídas, tijolo a

22 - Meninos de rua e Analfabetismo  – Carmem Maria Craidy. – Porto Alegre : ArtMed, 1998. 

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tijolo, sendo que um tijolo é colocado por quem vive na rua e outro pelos dispositivosdo poder estabelecido, como se visassem protegerem-se um do outro. Há ainda,entre os que vivem na rua, delimitações de espaços e tempos, criadas pelascondições materiais de existência e, pelo imaginário social, bem como todo ummodo de ser e estar nesses espaços e tempos, uma subcultura da rua, onde éimperativo oscilar entre a solidariedade e a violência.

E, para Craidy, a palavra cassada, o encontro negado, a luta generalizada, aguerra civil não declarada, mas vivida em cada minuto nas grandes cidadesbrasileiras, que têm na sua infância (situação que significa constitucionalmentedireito à proteção) um dos principais protagonistas ou, pelo menos, ator aparente.Para a autora, se de um lado há os meninos de rua que nela constróem o tempoprincipal de suas existências, de outro, há os meninos sem rua, que praticamente sóa vêem das janelas dos automóveis ou dos prédios de luxo, ironias de prisões em quese encontram confinados pelo medo generalizado da cidade, na qual qualquer lugarpúblico passa a ser considerado como perigoso pelos que usufruem das benessescaracterísticas das elites econômicas. ( Ib.: 21-22 )

Para Craidy, o fenômeno meninos de rua é antes de tudo um fluxo queexpressa um movimento de exclusão social mais amplo e se manifesta de formaparticular na infância, por ser ela o seu elo mais frágil. ( Ib.: 22 )

A rua, nos diz Craidy, não se constitui para o menino como espaço

alternativo, mas sim como espaço possível. Não é lugar de liberdade (ainda que sejapor muitas vista como tal), mas lugar de confinamento. Nela existem muros visíveise invisíveis, interdições radicais, espaços delimitados, e — o que é mais grave — , otempo aí parece estar suspenso. ( Ib.: 22 )

Temos porém de salientar que Craidy, não percebe que os meninos de rua,muitas vezes estão na rua, por buscarem uma fonte de lazer e diversão. Observeigrupos de meninos de rua que se divertiam no chafariz da Praça Piedade, subiam edesciam a Ladeira da Barra pendurados nos fundos dos ônibus ( brincadeira por elesdenominada de morcegão ) e/ou iam para na praia do Porto da Barra, única eexclusivamente para se divertirem, das mais inusitadas maneiras e formas.

Para os meninos que vivem na rua, nos diz Craidy, não há história, mas umrepetir-se crônico e circular da vida sem projeto, eterno presente que implica a lutaquotidiana pela sobrevivência. Para Craidy, os meninos buscam tão somentepermanecerem vivos e, terem algum prazer. E isso, para a autora, constitui o móvelfundamental do existir dessas crianças. Para o menino de rua, segundo Craidy, ―oamanhã não existe, a não ser quando chegar na forma de hoje e trouxer suasexigências. O passado é melhor omitir; é duro e perigoso demais para ser lembrado.Esse eterno presente manifesta-se como suspensão de laços familiares   e de perspectivas.‖ ( Ib . : 22 ) 

Considero essa postura um tanto quanto apressada e pessimista. Umadas minhas constatações, conversando com os meninos de rua é que eles tinham sim,muitos sonhos e projetos para um futuro que iam além do simples ―hoje‖, verifiquei queentre eles era comum falar-se do passado, sendo mesmo que isso estabelecia um critério deescolha de lideranças entre eles. Posto que o chefe era aquele que tinha tido o mais difícilpercurso de vida, desde o período em que vivia com os pais, até sua saída de casa para viverna rua e, enfrentado todo esse percurso com o máximo ―jogo de cintura‖. Concordo porémcom Craidy, quando ela afirma a preocupação do menino de rua com a maioridade, quesignifica perda do direito à proteção especial e à inimputabilidade penal garantidos pelaconstituição de 1988, até a idade de 18 anos.

Craidy em sua pesquisa considera meninos de rua as crianças/adolescentes pobresque se encontravam em lugares públicos como quem realiza neles alguma atividade e nãocomo quem passa. Sendo que para Craidy as atividades são trabalhar, esmolar, brincar,perambular ou dormir. Craidy, nos fala do fato de ser possível contar os meninos de ruapela simples observação, mesmo que com limitações e imprecisões. ( Ib.: 24 )

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Segundo Craidy, a quase totalidade dos chamados meninos de rua tem família ecom ela mantém alguma forma de relação. Ë comum, salienta Craidy, que um meninodurma na rua algumas vezes para evitar longos deslocamentos, em horários difíceis, para oslocais distantes em que reside. Assim, não são sempre os mesmos que dormem na rua: hávariação quanto ao número e quanto às pessoas. Não se pode negar, nos diz Craidy,

entretanto, que um número significativo deles se radica de forma permanente na rua,cortando — quase sempre num processo progressivo  — todo e qualquer laço institucional,seja com a família de origem, seja com a Escola ou outras instituições. Para esses, as únicasrelações institucionais costumam ser as que mantêm a polícia e com as instituiçõesassistenciais; ou, mais recentemente, nos últimos anos, com os movimentos de defesa dedireitos. Para Craidy, sejam quais forem os motivos, radicar-se na rua significa para acriança uma ruptura com os laços familiares. ( Ib. : 25 )

No caso de meu estudo em particular, os meninos de rua que formavam o grupopesquisado, para a realização desta monografia, haviam rompido quase que completamentecom os vínculos familiares. Isso os expunha ainda mais a ação da policia ou de grupos,religiosos ou de outro tipo, que tentavam persuadi-los a abandonar as ruas e leva-los para

alguma instituição filantrópica de ―recuperação‖, ―tratamento‖ ou ―assistência‖, valendo-sede apelos emocionais, ou mesmo os levando à força.Segundo Craidy, a razão fundamental para que existam meninos de rua é a miséria:

porém, as causas imediatas desse fenômeno são variadas. A principal é a luta pelasobrevivência; não a penas deles mesmos, meninos de rua, como de suas famílias. A grandemaioria dos meninos que ganham a vida nas ruas contribui para a manutenção de suafamília, da qual, em geral, o pai está ausente, ou se encontra desempregado, emboraexistam casos  —  ainda que minoritários  — em que o pai está presente e é trabalhador .Craidy salienta porém que a luta pela sobrevivência não é a única razão de os meninos emeninas irem para a rua. Eles podem estar fugindo de uma situação conflitiva e/ou violentae podem, ainda, estar simplesmente buscando o lazer e as emoções que a rua da cidade

pode oferecer e que estão ausentes do casebre miserável e da ruela estreita da favela em quemoram . A busca do grupo, isto é, da solidariedade dos iguais é um elemento forte dacultura da rua. Essa solidariedade é para os meninos de rua um elemento decisivo naresolução das questões da sobrevivência, da segurança e, sobretudo, da vida afetiva.Ocupando lugar central na vida desses meninos, a solidariedade é flutuante e instável comotudo em suas vidas. Pode ser fortalecida, ou desaparecer em momentos de maior gravidade,nos quais o grupo poderá consolidar-se ou explodir em conflitos internos. ( Ib.: 25-26 )

Pude constatar a atuação de certos grupos religiosos que visam atrair os meninos derua para fora da rua, com uma proposta de ―recuperação‖ ou ―tratamento‖ do ―vício emdrogas‖ e outros males , prestar -lhes assistência, e muitos outros objetivos. Paraconseguirem isso tem que romper a forte relação de solidariedade que existe entre osmeninos de rua, o que de imediato ameaça a sobrevivência, a segurança e a vida afetivados meninos, e para romper essa solidariedade é necessário misturar-se ao grupo e criartensões e conflitos, que gerem medos, maiores que os medos antigos, de quando viviam emsuas casas, maiores que os medos atuais, quando vivem o dia-a-dia na rua.

Para Mary Julia Martins Dietzsch23  o termo ―menor‖ tem umaorigem pouco nobre. Criado pela medicina legal e reconhecido pelo direito penal,

23 - Recontando histórias : vozes e silêncios de meninos de rua  – Mary Julia Martins Dietzsch In : Cadernosde Pesquisa  –  Fundação Carlos Chagas  –  N o 104- São Paulo : Cortez Editora - Julho, 1998. O artigo de

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inicialmente, para denominar uma população que era considerada irresponsávelsegundo o critério do discernimento moral e do desenvolvimento psicológico. (Ib. : 125 )

Dietzsch salienta que, o emprego do termo ―menor‖ generalizou-se paradiscriminar um tipo específico de criança, em situação de miséria absoluta, quefazem da rua seu habitat. Para Dietzsch as crianças são criminalizadas , deixam acondição de crianças para se inscreverem na ordem social como ―menor‖.

(Ib. :125 )Com a utilização deste termo, visa-se, segundo a autora, justificar umconjunto de práticas e concepções nas quais as crianças, transformadas em―menores‖, abandonam sua condição de sujeito da história, para setransfigurarem em objetos da história dos outros, dos ―homens de bem dasociedade educada‖, das instituições de controle. ( Ib. : 125 )

  Não é do ―menor‖, que Dietzsch diz estar falando em seu trabalho, dacriança, que para ser estigmatizada e abstraída de sua existência e afetiva foireduzida a um termo. Seu trabalho, nos diz Dietzsch, trata do menino e damenina que vivem nas ruas. ( Ib. : 125 )

Dietzsch acusa a sociedade atual de pouco querer saber da história real dosmeninos de rua. Por isso, nos diz a autora, os meninos, em sua rota pelas ruas,aprendem a recolher e inventar as próprias histórias que oferecem a quem delas

quiser tirar algum proveito. Para Dietzsch , são meninos e meninas de muitashistórias, mas que querem saber de outras. Diferentes das que viveram, ou dasque vão inventando em cada esquina, em cada delegacia, ou em cada um dosincontáveis projetos que se dizem feitos para eles. ( Ib.: 125 )

Este objetivo de Dietzsch me é muito estimulante, visto que ao trabalhar oimaginário dos meninos de rua, ela salienta que estes, cientes de que, a sociedadeem inúmeros aspectos e das mais variadas formas não dá ouvidos as históriasreais de suas vidas, burlam este mecanismo de exclusão, criando histórias,diferentes das que viveram de fato e que contam nas delegacias e instituiçõespara eles destinados, sendo assim ouvidos. Isso relembra o raciocinio de PierreClastres, quando nos diz que ―Falar é antes de tudo deter o poder de falar. (... )Quanto aos súditos, estão submetidos ao silêncio do respeito, da veneração e doterror (...).‖24 , e se pode dizer que o tratamento dado aos temas da política e dasociologia não podem ainda justificar algumas generalizações tidas como―pessimistas‖, sobretudo quando a argumentação, para ser válida e socialmenteaceita como tal, depende de não formular essas suposições, sobre a maneirafunesta pela qual o Estado e as classes dominantes operam.

Dietzsch nos diz que encarados em seu quotidiano, ―o menor‖ é a figura queenfeia a paisagem e expõe sem pudor o seu infortúnio a olhos que não queremenxergá-los. Se, de noite, se escondem, amontoados sob viadutos e prédiosabandonados, ou estendem seu pedaço de papelão em algum canto, de onde  —  com sorte — são acordados pelo frio da manhã; senão pelos pontapés da polícia.Durante o dia, nos diz a autora, se mostram na praça, vivem seus acontecimentos.Mergulham nos chafarizes, apreciam os sanfoneiros, marcham com os grevistas.Sobrevivem cio desvio e deslizam furtivamente entre loucos, mendigos,

marginais e ambulantes enquanto espreitam os transeuntes, antes de derrubá-lospara tirar-lhes dos bolsos o dinheiro (Ib. : 125 ).Com uma beleza poética, Dietzsch , nos fala que ziguezagueando pelas

praças da cidade na tentativa de forçarem o seu lugar, a qualquer custo, os

Dietzsch visa a partir de uma observação participante, realizar uma reflexão sobre o Projeto Lendo na Praça,trabalho realizado em 1996 com meninos e meninas de rua do Estado de São Paulo, a partir de iniciativa daCOGESP, órgão ligado à Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. 24 - A Sociedade contra o Estado  –  Pesquisas de Antropologia Política – Pierre Clastres – Livraria FranciscoAlves Editora S. A . - Rio de Janeiro – RJ – 1988. 

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meninos e meninas de rua, para muitos, simbolizam o estranho sem causar estranheza.O absurdo torna-se naturalidade. ( Ib. : 125 )

Entretanto, não passam despercebidos a olhos sensíveis, preparados paradistinguir na ambigüidade do estranho  — que ameaça e amedronta  — os sinaisde um descompasso que não se inicia nem se esgota nas imagens da praça. ( Ib.:125 )

Dietzsch nos fala das relações com a polícia e com a transgressão dosmeninos e meninas de rua, salientando que enquanto estava no Largo doArouche, o ônibus do projeto Lendo na Praça, recebeu muitas visitas fotógrafos,pedagogas, vizinhos, transeuntes, todos querendo oferecer alguma coisa, prestarajuda e conhecer o ônibus. Esse interesse foi sempre muito reconfortante para osmediadores, que descreviam com detalhes cada uma visitas. Entre os passantes, apolícia também se fazia presente, mas por motivos, bem diversos daquelesvisitantes que, amavelmente vinham prestar sua solidariedade. ( Ib. : 132 )

Há um relato, que Dietzsch nos fornece, sobre as relações entre a polícia e osmeninos de rua :

―Uma policial feminina entrou no ônibus e conversamos um pouco. Elaqueria saber se estava tudo bem. Disse que os MR respeitam os educadores mas

não respeitam os policiais, Ela disse que a única forma de se defender de um garoto de rua, marmanjo, era na bala (caso ele atacasse)‖.25 

E há ainda um outro relato de Dietzsch no qual, os meninos e meninas de ruapodem ser protagonistas de situações agressivas e incivis, cujas palavras,segundo a autora, que as indicam deveriam ser roubo, delinqüência, crime,segundo os preceitos morais, mas que os termos utilizados pelos meninosmostram esses comportamentos em outros termos :

―  Daiana voltou e pediu para ficar no ônibus para se esconder do S.O.S.criança. Ela chegou com uma sacola de náilon que não tinha algumas horas

atrás e eu perguntei onde ela a conseguiu e ela me contou, sem o menor constrangimento, que ela ―pegou‖ —   ―Ah! tia, foi um arrastão!‖ e euargumentei: Você pegou a sacola por estar precisando dela? — É, eu só pego oque eu preciso. A Marilisa duvidou e ela jurou que é verdade. Disse que na praça da Sé, onde ela dorme, roubaram sua bolsa com roupas e sapatos dentro.‖26 

Em Dietzsch existem outras situações que revelavam as transgressões dosmeninos/meninas são relatadas e, são tratadas com relativa segurança e sensatezpelos mediadores do projeto, como no caso dos que cheiravam cola oumencionavam o uso do crack. ( Ib. : 133 )

Refletindo sobre essa questão, ponderei sobre a abordagem conceitual que osreferidos mediadores do Projeto Lendo na Praça, deveriam possuir, ou seja umavisão menos mitologizante dos meninos de rua, das drogas e do uso de drogaspelos meninos de rua em oposição aos grupos que, aqui em Salvador, abordavamo grupo que eu haveria de escolher como o objeto de minha pesquisa. Adiferença de visões estaria no profundo fundamentalismo religioso destes últimos? Era uma questão que passei a considerar.

25 - ( Dietzsch, 1998 : 132 ) 26 - ( Ib.: 132 ) 

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 Nos diz Dietzsch, sobre este aspecto que, ―é também com realismo queduas mediadoras ponderam a respeito da situação em que Marta, uma menina derua, leitora interessada e assídua no ônibus, ‗ensina-lhes‘ sobre o crack. Fala dostamanhos e valores das pedras, das sensações que ocorrem depois de fumar, decomo os meninos lutam e se perdem pela droga.‖( Ib. :133 )

Dietzsch menciona em seu trabalho o contato de meninos de rua com

instituições de saúde, ligadas a instituições religiosas, para os casos deinternamento para tratamento de overdose, mas não aprofunda esse aspectocentrando-se no seus objetivos de estudo. Apenas sugere que o relacionamentodas crianças com essas instituições é ―aberto‖. ( Ib. : 134 ) O que eu interpretocomo relacionamentos mais abertos, mais livres da pressão do fundamentalismoreligioso.

O trabalho de Dietzsch, podemos concluir, acrescenta dados aos estudos deCarme M. Craidy, tornando-se ambos uma fonte de inspiração para váriasquestões fundamentais que procuro desenvolver nesta monografia.

Segundo Márcia Hora Acioli27, os conceitos de casa. família e identidadevão permear todo o seu trabalho, e são as categorias analíticas que dão suporte àidéia central da sua dissertação. Márcia Acioli, buscando clarear um pouco sobreo enfoque escolhido, trata de discorrer sobre cada um desses conceitos. ( Acioli,

1995 : 18 )A casa de que fala Márcia Acioli é mais uma esfera de significação do queuma edificação, muito embora, sem sua propriedade material, ela seria de difícilacesso. Segundo Márcia Acioli, definir materialmente a mesma não é necessáriomuito além das paredes. Para esta autora, inúmeras são as formas, os tipos,tamanhos, qualidades e possibilidades de uma casa. Nos diz a autora que umprecário barraco de tábuas com telhado de zinco se assemelha a uma luxuosamansão no aspecto de sua significação social primeira abrigo cultural e morai dafamília. Para Márcia Acioli, determinada para alem de sua materialidade, é antesde tudo uma categoria sociológica. Portanto, esse espaço social delimitado pelasparedes, pode ser compreendido, segundo Acioli, como uma esfera de ação social(DA MATTA : 1991) onde sua espacialidade ao mesmo tempo reflete edetermina certos acontecimentos. Para a autora Da Matta defende a idéia de que a

casa contém uma dinâmica espaço-temporal própria, e por definição oposta aomundo exterior. ( Ib. : 18 )Márcia Acioli, cita então DA MATTA, concluindo que estamos diante de

um espaço moral que não pode ser delimitado por meio de um espaço de umaárvore genealógica ou uma fita métrica, mas que pode ser percebido porintermédio de contrastes, complementariedades, oposições. ( Ib. : 18 )

A casa para Márcia Acioli como locus da família, seu significado organiza avida íntima desse coletivo, e o seu sentido compartilhado é o da manutenção davida. Citando Bachelard, a autora vai dizer que a casa é nosso canto no mundo,um verdadeiro cosmos que da razões ou ilusões de estabilidade, uma consciênciade centralidade . ( Ib. : 18 )

Nos diz a autora que muito embora Da Matta admita uma mobilidade entreas dinâmicas da casa e da rua, todo seu trabalho enfatiza a oposição entre asmesmas como definidora uma da outra. Parte ele, segundo a autora, com certeza,da casa abastada e confortável (aliás, como todas deveriam ser e não são pormotivo de distorções consolidadas na história dos homens) da burguesia. MárciaAcioli nos diz que, em se tratando de outra mais precária e frágil, ou pertencenteà outra esfera cultural como nas sociedades tribais, as lógicas entre a rua e a casa

27 - Da Casa Invisível à Escola Inevitável  –  Um estudo sobre movimentos simbólicos dos meninos emeninas de rua da Rodoviária de Brasília – Márcia Hora Acioli - Dissertação de Mestrado – Universidade deBrasília – Faculdade de Educação – Brasília / outubro de 1995. 

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(exterior e interior) tendem a se estender até se encontrar em algum outro lugar, nemna rua, nem na casa. ( Ib. : 19 )

Acioli salienta que, para as crianças que estão na rua, a casa de origem podenunca ter significa do lugar de defesa pela vida, pois farta de riscos; segundo aautora é este o motivo que os levam a procurar ou construir tal significado noespaço que lhes resta. Para Márcia Acioli, na casa recriada no espaço público, a

oposição entre as esferas doméstica e pública não está bem demarcada, estádiluída, portanto mais sutis são suas fronteiras e suas definições ( Ib.: 19 )Segundo Acioli, a família é o grupo morador da casa. Nesse caso, salienta a

autora, a família é entendida aqui como uma construção humana, portantoexposta a variações e modificações enquanto à sua estrutura. ( IB. : 20 )

Márcia Acioli nos diz que embora a definição de família seja aindapolêmica dada a quantidade de modelos encontrados nas mais diversas culturas,algumas tentativas foram feitas com a intenção de delimitar uma referênciamínima, que possa objetivar seu estudo. Citando Bruschini, Márcia Acioli apontapara suas funções como definidora da mesma. Não como uma soma deatribuições, mas como uma composição altamente variável na sociedade na qualnos encontramos. São elas: função econômica; função socializadora e funçãoideológica. ( ib. : 20 )

Bruschini, segundo Acioli, concebe a família como um grupo socialcomposto de indivíduos diferênciados por sexo e por idade, que se relacionamcotidianamente, gerando uma complexa e dinâmica trama de emoções. A famíliapara Bruchini, segundo Acioli, não é uma soma de indivíduos, mas um conjuntovivo, contraditório e cambiante de pessoas com sua própria individualidade epersonalidade. ( Ib. : 20 )

Márcia Acioli nos diz que entre a família de origem e a de rua há muito maisdo que papéis em comum, há uma idéia de comunidade que tem um forte sentidode aliança, cumplicidade, lealdade e principalmente uma rede de afeto comopano de fundo. O investimento afetivo no grupo é inquestionável, nos diz aautora, fazendo crer a todos que o grupo (ou ―galera‖ como a autora chama ) é defato uma família. ( Ib.: 20 )

Para Márcia Acioli, meninos e meninas de rua formam essa unidade social,

com todos os conflitos inerentes ao convívio diário. Para Acioli, na família darua a diferenciação etária não tem importância, nem a diferenciação sexual énecessária. (Ib. : 20 )

Discordo porém quando a autora salienta que a diferenciação etária não temimportância, ―pois seus membros se encontram numa faixa etária muito próxima‖. No grupo por mim estudado, um dos critérios para a chefia do mesmoera a idade. Quanto a diferenciação sexual, Leila Chalub Martins, em Meninasde Rua : uma vida em movimento28, nos diz que a menina de rua , em relação assuas idéias, valores e sentimentos, percebe-se e é percebida de formadiferenciada, dentro do seu grupo e fora dele.

Em minha pesquisa pude observar que, no grupo estudado e, em certoscontextos específicos, a menina de rua era excluída da participação de certosrituais e em outros contextos exercia uma cooperação ritual no momento de umadada ―cerimônia‖, no caso, o uso de psicoativos, como sendo o referente e agarantia da iniciação do menino.

Para Luzania Barreto Rodrigues29 a continuada presença de crianças e

28 - Meninas de Rua : uma vida em movimento – Grácia M. Fenelon, Leila Chalub Martins e Maria HermíniaS. Domingues. – Goiânia, CEGRAF/UFG, 1992 – pp. : 6. 29 - De Pivetes e Meninos de Rua  –  O Projeto Axé e os Significados da Infância - Luzania BarretoRodrigues- Dissertação de Mestrado – UNB – Brasília – 1999. 

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adolescentes nas ruas das cidades brasileiras e a criação das FEBEM‘s estimularam a

produção científica sobre Infância e Instituição. ( Rodrigues, 1999 : 40 )

Em seu trabalho Rodrigues, pretende analisar como a sociologia e a

antropologia pensaram sobre questões como: ―a questão do menor infrator‖, ―meninos de

rua‖, ações das OG‘s e ONG‘s; razões da delinqüência e passagem à vida na rua; abandono

familiar, (des)estruturação familiar. A autora procura refletir sobre modelos teóricos acerca

da rubrica infância e instituições de assistência, e as noções de infância aí subjacentes. ( Ib.

: 40 )

Rodrigues nos diz que inicialmente, pretendia realizar uma revisão ampla da

bibliografia. Porém, aos poucos, percebe que os modelos e o campo-empírico eram muito

repetitivos. A autora escolhe então, cinco títulos ilustrativos desses modelos e os analisa. (

Ib. : 40 )

Primeiramente a autora descreve a existência de três modelos :

1)  o economicista, inspirado em idéias marxistas, o qual se

debruça nas análises das instituições totais e entendem que

crianças passam a viver nas ruas devido a fatores

econômicos, às vezes conjugados ao que denominam de

―desestruturação familiar‖ (Arruda, 1983; Queiroz et alli,

1987 e Edmundo, 1987);

2)  outro de cunho mais propriamente etnográfico, que analisa

intervenções de programas estatais episódicos e atenta para

seu impacto nas comunidades, mas que, no entanto, insiste na

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tese da ―desestruturação familiar‖ (Zaluar, 1994);

3)  e aquele que realiza estudos cujo campo empírico é a própria

rua e não mais as instituições, e se propõe a desconstruir a

tese da desestruturação familiar, a exemplo de Gregorí 

(1997).

(Ib.:41)

A autora nos diz que os três primeiros trabalhos trazidos para análise  —  Pequenos

  Bandidos, Instituição: escola de marginalidade? e O mundo do menor infrator  - são de

vertente marxista. ( Ib.: 41 )

Neles, nos diz Rodrigues, o lastro econômico é sobremaneira priorizado para

―explicar‖ o surgimento do fenômeno menor infrator  — categoria preponderante na década

de 70 e em parte da década de 80, no discurso sociológico. ( Ib. : 41 )

A autora nos diz que, a leitura cuidadosa desses estudos, permite constatar algumas

nuances que os tornam diferentes, embora o julgamento que fazem da FEBEM confira-lhes

unidade. Ou seja, percebem essa instituição  — de fachada educativo-profissionalizante —  

como de caráter repressor, segregador, controlador da sociedade e defensor dos interesses

da classe dominante. ( Ib.: 41-42 )

Pequenos Bandidos é fruto de pesquisa realizada por Rinaldo Arruda no final da

década de 70. Ao analisar a passagem de crianças e adolescentes à criminalidade e a sua

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conseqüente institucionalização, Arruda aponta fatores de ordem econômica como

principais motivadores. ( Ib.: 42 )

Para a autora, Arruda entende que condições sócio-econômicas somadas a estruturas

institucionais criadas à imagem da classe dominante, para atender seus interesses de

dominação política e econômica - escola formal e FEBEM -, concorrem sobremaneira para

a passagem de crianças e adolescentes à vida na rua, em meio às infrações impulsionadas

por exigências de consumo reelaboradas cotidianamente. Além disso, na análise do autor,

estas mesmas instituições impedem que os destinos de sua clientela sejam refeitos, dadas as

armadilhas estigmatizantes que elas mesmas forjam. A institucionalização, portanto, fixaria

a criança internada nesse destino. (Ib.:45 )

Segundo Rodrigues a tese econômica assumida por Arruda como modelo

teórico é também defendida por Queiroz e outros, no livro O mundo do menor infrator. No

entanto, estes últimos ainda acrescentam que a desestruturação familiar viria reforçar apassagem desses indivíduos à vida na rua e a sua conseqüente criminalização, bem como ao

seu confinamento às instituições de repressão. (Ib. : 46 )

Rodrigues nos diz que a terceira obra de vertente marxista em apreço é

 Instituição: escola de marginalidade?, da cientista social Lygia Pereira Edmundo. ( Ib. : 47

)

Lygia Pereira Edmundo, segundo Rorigues, descreve extensamentte as

condições de vida da população pernambucana, e revela como as relações de produção e

reprodução são excludentes e marginalizadoras, e como elas empurram os indivíduos para

os trabalhos informais, próximos à linha da criminalidade, o que para as crianças e

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adolescentes redunda em um caminho linear: abandono das famílias, vadiagem,

infração e institucionalização. (Ib.: 47)Rodrigues nos diz que para Edmundo, a autora, instituições como a FEBEM são baseadas

numa regra máxima, a disciplina, a qual produz o encerramento do indivíduo em suaorigem social, cultural e de escolarização.

Rodrigues nos diz escolher dois estudos antropológicos significativos sobre a

infância.

A autora trabalha então o estudo Cidadãos não vão ao Paraíso, de Alba Zaluar .

Zaluar, segundo Rodrigues propõe-se a discutir as diferentes ideologias e os

complexos processos de poder inerentes à sociedade estudada, entendendo que esta não é

mero resultado das ideologias dominantes ou de classe. Para Zaluar, segundo Rodrigues, no

Brasil, o conceito de poder e dominação serve apenas para dividir dominantes e dominados.

Buscando afastar-se dessa armadilha, o livro de Zaluar procura dar lugar e voz aos vários

atores envolvidos nos programas educativos. (Ib.: 58 )

No entanto, nos diz Rodrigues, a análise de Zaluar ressente-se de outros problemas:

―A idéia de desestruturação familiar, por exemplo, é subjacente ao seu discurso. que

utiliza, inclusive, as noções de   família completa —  composta de pai, mãe e filhos  — e

 família incompleta  — aquela que prescinde do genitor ou da genitora. Essa é uma idéia que

autores marxistas que a precederam condenavam e, contraditoriamente, utilizavam nas suas

análises. Isto é, tais autores afirmavam que falar em desestruturação familiar, nestes casos,

era prender-se aos modelos de organização familiar das ―classes dominantes‖, ao invés de

ater-se ao modo peculiar de organização social dos pobres; mas, por outro lado apontavam

como ―causa‖ do afastamento de crianças e adolescentes de suas casas essa mesma

desestruturação familiar — aí entendida como tensões no lar, agressões, etc. — resultante da

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pauperização ocasionada pelo capitalismo.(Ib. : 59 )

Luzania Barreto Rodrigues analisa então a tese de doutoramento de Maria Filomena

Gregori, intitulada Meninos na rua: a experiência da viração (1997).

Rodrigues nos diz que a tese defendida por Zaluar, de que meninos vivem na rua em

função da sua relação conflituosa com a família, é cuidadosamente desconstruída por

Gregori. (Ib.: 60-61 )

Segundo Rodrigues, para Gregori, a categoria menino de rua parece imprecisa, pois

os meninos não viveriam na rua, mas em constante circulação entre casa, instituição e rua.

(Ib.: 61 )

Segundo Rodrigues a rua, na análise de Gregori, é o Iocus ordenador do cotidiano,

das relações e das identidades sociais de crianças e adolescentes que passam suas vidas

sobrevivendo nela. A experiência da viração, subtítulo da tese, salienta Rodrigues, diz

respeito, sobretudo, às muitas facetas da sobrevivência dos meninos na rua. Lá, segundo

Rodrigues, no entender de Gregori, os meninos se viram. ( Ib.: 61 )

Rodrigues cita, na página 61 de seu trabalho, as palavras de Gregori com relação a

esse ponto :

 A viração contém nela algo mais do que a mera sobrevivência, ainda que seja seu

instrumento. Há uma tentativa, por parte daqueles que a exercitam, de manipular recursos

  simbólicos e ―identificatórios‖ para dialogar, comunicar e se posicionar... (Ib.: 20). A

viração não tem a ver com crenças internalizadas ou falta de valores. Os meninos sabem

discernir o que é socialmente aceito do que não é. Não tem a ver, também, com a ausência

de um sentido valorativo de autoridade ou hierarquia... (Ib.: 36).

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Rodrigues nos diz porém que, a partir de seu trabalho como educadora de rua ,acredita que essa circulação não é necessária para todos os meninos e que a relação destescom a família e com as instituições é muito mais diversificada do que crer Gregori. (Ib. : 62)

A maldição

Neste capítulo, pretendemos demonstrar os aspectos da vida de um grupo demeninos de rua, submetido ao ―processo de redenção‖ através da ação evangélica de umPastor , que chamaremos, Heber.

Descrevemos de modo etnográfico, os contatos mantidos com os meninos de ruaantes do processo de conversão de alguns deles, quando sob a ótica do Pastor Heber, umdos diretores do CERVIR ( Centro de Recuperação de Vidas Rejeitadas, um Centroevangélico, interdenominacional, de tratamento de dependentes de ―drogas‖, localizado em

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Camaçari, Bahia. ) e irmão do fundador do Centro, que se autodenominava comopertencente à Igreja Batista tradicional, o grupo se encontrava debaixo de total maldição.

A palavra ―redenção‖, como usada aqui, deve necessariamente ser associada aodogma e teologia do Protestantismo Autônomo30, onde ela é um conceito com inúmerasconotações. No CERVIR, redenção refere-se especificamente a uma condição em que

alguém foi amaldiçoado ou enfeitiçado ( por outros ou por ele mesmo ) e é redimido atravésde certos acontecimentos ou eventos da história, notadamente aqueles processos realizados pelos próprios grupos e instituições do Protestantismo Autônomo , que buscam ―libertar‖completamente o amaldiçoado, maldito ou ―mal dito‖. O indivíduo ―animalizado‖. 

O tipo de maldição pode variar. Mas, para os Protestantes Autônomos, e, emparticular, para os Protestantes Autônomos do CERVIR, ela ( a maldição ) é um processoem que um ser é condenado pela ―má dicção‖, de outros ou dele próprio, a assumir umcomportamento ―socialmente desviante‖, ―bestial‖, ―animalesco‖ no qual através doencantamento mágico próprio das palavras31, ele passa a falar a língua do Diabo ( amurmuração ) e a agir como que identificado com este último, estando sob sua influenciaou mesmo possuído por essa criatura espiritual. Esse processo de maldição está

intimamente vinculado ao uso de ―drogas‖, pois são elas que ―animalizam‖ o indivíduo. E ocomportamento ―bestial‖, ―animalizado‖, destitui o indivíduo de seus direitos humanos,pois já não é a sua alma que controla o seu corpo, são os demônios ou o próprio Diabo.Com a perda de seus direitos humanos, perante os Protestantes Autônomos do CERVIR, oindivíduo pode sofrer qualquer punição física, psíquica ou moral, pois não é a sua alma queestará sofrendo o castigo, mas sim o espírito que o está possuindo e, o corpo do indivíduonada significa senão ―carne‖, ora considerada coisa morta, ―pó‖; ora considerada animadapelo Mal e fonte de todo o pecado.

Depois de haverem ―expulso o Diabo ou os demônios de seu corpo‖, o indivíduoque sofreu o exorcismo, é reintegrado nas redes de relações sociais do CERVIR, e serásempre grato pelos castigos que sofreu, não cessando de referir-se a sua ―libertação dos

1-  Este termo é utilizado para definir um grande fenômeno religioso brasileiro atual. Esta designação secontrapõe à de pentecostalismo clássico, ou seja das igrejas originadas do movimento missionário pentecostal,dos EUA, no início do século. Por Protestantismo Autônomo designamos as denominações dissidentesdaquele pentecostalismo e/ou formadas em torno de lideranças fortes. De acordo com José Bittencourt Filho,em seu texto intitulado : Remédio Amargo. In: Nem Anjos nem Demônios – Interpretações sociológicas doPentecostalismo. Alberto Antoniazzi ... [ et al. ]. – Petrópolis, RJ : Vozes, 1994.

31 - A magia da palavra, como a do olhar, exerce-se fora de todo o efeito dos sentidos : não explicam nem oconteúdo discursivo racional de um propósito nem a intenção ou a cumplicidade de um piscar de olhos : deste

 ponto de vista, a magia é o cúmulo do natural, o ―sobrenatural‖, enquanto designa a perfeição do natural, dasgrandes forças cósmicas e, ao mesmo tempo, o desvio entre a evidência do fato e o inacabamento daexplicação. A força do olhar, o fascínio da voz apenas são mágicos no momento em que se tornam

imcomparáveis, de tal modo que a comparação ou a metáfora que pretendem explicá-los já não se leem comotais, mas nos dois sentidos, indiferentemente sujeitos e objetos da relação que eram supostos introduzir.Quando se fala de um olhar ―fulgurante‖ ou de uma ―voz cativante‖, não se saberia dizer com exatidão se detal forma se descreve o efeito ou a causa, a qualidade do olhar e da voz ou da intenção que a deve animar ( ede que, portanto, o olhar e a voz não seriam mais do que uma das expressões possíveis.) A metáfora tomadaao pé da letra resolve-se em metonímia ( designação do efeito para significar a causa ou vice-versa ); ametonímia é, de certa forma, o aspecto mágico da metáfora e, portanto, não admira que seja um dos grandesrecursos da poesia, essa vontade de tornar mágica, isto é, mais natural que a natureza, a palavra. Introdução aotexto sobre Magia . In: Enciclopédia Einaudi, vol. 30 / Religião  –  Rito , Ruggiero Romano  –  ImprensaNacional – Casa da Moeda – 1994. 

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Poderes das Trevas‖, pois ele é conduzido a ter uma visão particular de tudo o que lheaconteceu. Ele é levado a amar aqueles que o ―libertaram‖. 

Pierre Legendre, em seu livro O Amor do Censor, ensaio sobre a ordemdogmática, nos diz :―Trata-se de observar como se propaga a submissão, que se torna dese- jo de submissão, quando a grande obra do Poder consiste em fazer-se amar. A realização de

tal prodígio sempre supôs uma ciência particular, que precisamente constitui a armaçãodesse amor e camufla com seu texto a prestidigitação de uma pura e simples imposição deadestramento. Em outras palavras, a Lei em cada sistema institui sua ciência própria, umsaber legítimo e magistral, para assegurar a comunicação das censuras até os sujeitos efazer prevalecer a opinião dos mestres. No estreito espaço das tradições ocidentais, masgraças à linhagem ininterrompida dos comentários jurídicos ou das novas versões do texto,se nos oferece essa matéria surpreendentemente preservada, uma ciência perpétua doPoder. Dos teólogos-legistas da Antigüidade aos manipuladores de propagandas publicitá-rias, um só e mesmo instrumental dogmático se aperfeiçoou a fim de captar os sujeitos pelomeio infalível que aqui está em questão: a crença de amor.

Será, pois, reaberta a velha trincheira dos dogmatismos onde se enraízam ainda as

mirabolantes ciências humanas, por demais mal-informadas sobre seu terreno. Seria precisocolocar em evidência uma transmissão, e depois o jogo mais moderno das ancestraistécnicas do fazer-crer. Sem essas técnicas não há instituição, isto é, não há ordem nemsubversão. Se o amor do censor dá título a este curto trabalho, esta referência está aí paralembrar, segundo o estilo ingênuo dos teóricos medievais da Lei, fundadores no Ocidentede uma medicina da alma, que o Poder toca no nó do desejo; por esse prodígio, o oponente pode ser definido como um culpado, e o erro, como uma falta.‖( LEGENDRE,1983 ) 

No CERVIR, o indivíduo que sofre o exorcismo é levado sobretudo a amar aquelesque o exorcizaram e a amar todo o conjunto de crenças aí envolvidas, que são a vontade deDeus, e que foram aplicadas, para a sua ―salvação‖, pelos homens aos quais admira e osquais é levado a amar: os que detém o poder de mediar o seu relacionamento com Deus. E

aqui entram obreiros, outros ―irmãos em Cristo‖ espiritualmente mais maduros, mas emespecial, o Pastor, que é praticamente venerado por todos.Falar a língua do Diabo, ou murmurar, é em última análise, para o Protestantismo

Autônomo, estar ―doente‖ existencialmente, levando uma vida subumana, e ultrajante.Mas isso só não constitui ainda o problema. O problema é o que se faz com essa situação.Se não se consegue vence-la, superá-la, ou tê-la não como uma condição a ser superada,um obstáculo que uma vez vencido pode fazer com que o indivíduo alcance um estadomelhor do que o que anteriormente vivia, mas, sim um entrave sem solução que não seja omurmurar, ( o falar mal, o praguejar, o amaldiçoar-se ainda mais ) o indivíduo tem de fatoum problema.

Na raiz da maldição, vista sob o olhar dos Protestantes Autônomos do CERVIR,estão fundamentalmente duas coisas : 1O ) O não saber lidar com o dinheiro, na suapresença ou na sua falta, posto que é sobre isso, segundo eles, que Jesus mais falou em seussermões e, 2O ) Fugir desta questão, envolvendo-se com ―drogas‖, que são a maior mentiraconstruída ou criada pelo próprio ―pai da mentira‖ : Satanás! Esse envolvimento pode ser de consumo, tráfico ou ambos.

Quando um ser é condenado a assumir uma condição existencial subumana , eleafastou-se do que ―a antropologia bíblica diz que ele é : Ele é o que a Bíblia diz que ele é. Eo que ele é ? Ele é filho de Deus‖.  

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Uma vez afastado daquilo que a Bíblia diz que ele é, ele ―animaliza -se‖. E a―antropologia do mundo‖, ( A antropologia que estudamos nas Universidades ), todos osoutros paradigmas não bíblicos entram ai para explicar e justificar diabolicamente essacondição degenerada pelo pecado, mantendo-a. Cabe ao amaldiçoado afastar-se de todosesses discursos, ou melhor de todos esses ―maus‖ discursos, que são fruto de má dicção e

que trazem e/ou aumentam a maldição preexistente. Ele não sabe mais lidar com a presençaou a ausência de dinheiro, e foge disso por meio de um envolvimento com ―drogas‖. Essafuga, é o assumir de um estado de vida no qual o sujeito é escravo de Satanás, que ooprime, escravizando-o , pelas ―drogas‖, às suas próprias fraquezas : ele vive sem ter mais anoção do ―Absoluto‖, que é aquilo que Deus colocou em sua consciência, fazendo-odiscernir entre o bem e o mal, o certo e o errado. Passa a viver numa sociedade ―onde umassassino é posto em liberdade, porque agiu pelas emoções, não sendo assim responsável pelo que faz.‖ Uma sociedade onde o indivíduo ― a) vive pelas emoções, é controlado por elas. As suas emoções dizem : eu quero, eu desejo. b) a vontade diz pode fazer, pois oindivíduo já perdeu o domínio próprio. c) a consciência enlouquece, é a perda da noção docerto e do errado e, d) o intelecto tenta explicar e justificar a situação, ou então se cauteriza,

assumindo um estilo de vida de puro pecado e maldição.‖ Um indivíduo amaldiçoado,maldito, animalizado numa sociedade amaldiçoada, eis o quadro que os ProtestantesAutônomos do CERVIR, pintavam. E como amaldiçoado, ele é forçado, pelo Diabo, acometer maldades e ser destrutivo sem que deseje agir dessa maneira. A maldição forçacertos tipos de comportamentos ―maus‖ e destrutivos. Mas através do processo deredenção, o indivíduo, converte-se num ―Príncipe‖, assim ―como Jesus, por ser filho doRei, também é Rei e Príncipe.‖, agora, mantendo-se nessa nova vida, tudo o que era antigoacaba, ele é redimido, ―lavado no sangue de Jesus‖.

Para o Pastor Heber e os responsáveis pelo CERVIR, é a necessidade e não o desejo( que foge a lei de Deus ), de transubstanciar a natureza o que conta. E ela ( a necessidade ),não produz a religião, é por ela produzida. O homem que vive pela necessidade ( de

 prosperidade, de amor e, de felicidade ) e não pelo desejo, é o homem realmente ―liberto‖.O homem que vive ― liberto‖ é o grande realizador dos processos culturais, é ele quemconstrói a cultura, a única cultura verdadeira, que é a cristã. Quando ele vive pelos desejos,desejos que em si mesmos estão fora daquilo que Deus projetou para ele; ele destrói aordem natural do próprio corpo, fazendo-o viver sob os impulsos do desejo, nuncarealizáveis e, não da necessidade. Seria esse o grande fenômeno que se deu com o pecadooriginal, e que rebaixou o homem a categoria de ―animal‖, de criatura que é dissociada daimagem do criador, enquanto realiza seu desejo de ―roubar, matar e destruir‖. Pois emultima análise para ele, o desejo e a ação do maligno são uma só e mesma coisa. Há de seabster de qualquer desejo, se se procura a ―libertação‖, procura -a por necessidade, por umimperativo de vida. Desejos constróem as falsas religiões. E as falsas religiões visam―roubar, matar e destruir‖, o que distancia o homem ainda mais do paraíso e o aproximaainda mais do inferno, posto que o Diabo quer companhia. E somente se sendo ― umabesta‖ para se querer viver a eternidade com ―a besta‖, pois quem deseja, ― está no fundo.Está vazio de Deus. Um exemplo disso, para o Pastor é a pratica sexual fora do casamentoou mesmo dentro dele, quando conduz a praticas aberrativas para com o corpo, que é oreceptáculo de Deus, e que deve se manter puro, para que não contamine a alma e oespirito. Uma vez descoberta a animalização de um indivíduo, ele deixa de ser consideradocomo pessoa , e perde os seus direitos humanos, vindo a sofrer, para o bem da sua salvação,invariavelmente, sanções físicas; agressões que visam retirar o Diabo do corpo, posto que

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ao apanhar, o indivíduo compreenderá que o ditado bíblico que diz que ― a sua vara e oseu cajado me consolam‖. 

A redenção envolve o processo de, se reconhecer amaldiçoado, apelar para aintervenção divina possível, adquirir poupança e prosperidade e viver em êxtase coletivocom os demais irmãos cristãos, para aqueles que eram antes os amaldiçoados. ( FILHO,

1994 ) E cada etapa desse processo será exemplificada nesta monografia, buscandocompreendê-la.

Menor e algumas noções de infância

Segundo Luzania Barreto Rodrigues32, a noção de infância é relativa à cultura :―Falar de infância e naturalizar o conceito implica um con  junto de crenças que a

32 - Rodrigues, Luzania Barreto  –   De Pivetes e Meninos de Rua : O Projeto Axé e os Signifcados daInfância  –  livro que é uma adaptação de sua dissertação de mestrado em antropologia social defendida noâmbito do Programa de Pós graduação em Antropologia Social da Universidade de Brasília, 1999. 

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antropologia veio questionar. Com efeito, essa disciplina produziu estudos hojeclássicos que questionam a universalidade do que hoje se entende por infância no Ocidente.Mais recentemente, a história das mentalidades também contribuiu para esse projeto,mostrando as mudanças do ‗cânone da infância‘ em épocas diferentes.‖ 

Para Rodrigues, a idéia de infância / adolescência está tão naturalizada que ouvimos

falar em adolescência como uma fase evolutiva, passível de desenvolver-se em qualquercontexto sociocultural e independente deste, com conteúdos psicobiológicos próprios.Rodrigues cita a dissertação de mestrado em enfermagem de Mariza Hirata33,

apontando para o fato de que esta considera que ― o elemento sociocultural influi comdeterminismo específico nas manifestações da adolescência [ mas ] há elementos psico-biológicos que lhe dão características universais e que, enquanto circunstância evolutivaacontece em qualquer contexto ou parte do mundo‖ e, nos diz ainda que na adolescência há―lutas‖ fundamentais, a saber : o ―luto‖ pelo corpo de criança ( entendendo que asmanifestações na estrutura física trazem necessariamente conflitos de identidade ), pelaidentidade, pelo papel infantil, pelos pais da infância, sendo que o luto pela bissexualidadeinfantil perdida, acompanha estes processos.

Hirata, segundo Rodrigues, apoiando-se nos estudos de Aberastury e Knobel nos dizque esses autores referem-se ainda a uma síndrome normal da adolescência, comcaracterísticas próprias e universais. Um caminho, aparentemente natural, e único, queculmina no forjar de uma identidade na adolescência, concomitantemente à descoberta docorpo.

Rodrigues cita então a contribuição de Margareth Mead e os seus estudos na NovaGuiné. Mead34, constrói tipologias sobre a formação da personalidade da criança. Para ela,existe a mais vivida correspondência entre a personalidade da criança e a do seu pai real ouadotivo. Nos diz Rodrigues, a respeito do discurso de Mead nesse ponto, que ―assim se seupai é um homem com fortes desejos e natureza dominante, as crianças são agressivas,seguras, insaciáveis em suas demandas do meio ambiente. Nessa direção, a personalidade

não seria formada na adolescência  –  na dependência das modificações corpóreas, doafastamento dos pais e da socialização em grupos na infância.‖35 A pretensa síndromenormal da adolescência não tem nada de universal, conclui Rodrigues, apoiando-se no fatode que Mead possibilita-nos compreender que uma vez que não há entre os  Manus lugarpara tal espécie de síndrome, já que a personalidade entre eles, é definida na infância.

Rodrigues citará ainda, um outro texto clássico da antropologia, A Vida Sexual dosSelvagens, publicado em 1929, e de autoria de Bronislaw Malinowski. Malinowski,segundo Rodrigues ― (...) trouxe uma importante contribuição ao estudo da infância e daadolescência, ao mostrar o caráter relativo do tratamento da sexualidade em diferentessociedades. (...).‖36 

Com efeito, nos diz Rodrigues, nessa obra, Malinowiski relata a existência dacomunidade infantil no interior das sociedades trobriandesas, ―possibilitada pela liberdadeconferida às crianças. Nas ilhas Trobriand, de acordo com o autor, as crianças incorporam-

 33 - Ver Jardineiros sem flores : o cuidar-cuidado com o adolescente não cidadão na perspectiva dacidadania, dissertação de Mestrado em Enfermagem, de Mariza Correia Hirata, 1995. In : De pivetes eMeninos de Rua, Op. Cit. 34 - Margareth Mead – Grouwing up in New Guinea .In : De Pivetes e Meninos de Rua , Op. Cit. 35 - Rodrigues, Luzania B. - De Pivetes e Meninos de Rua , Op. Cit. 36 - Op. Cit. 

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se, desde os quatro anos ou cinco anos de idade, a este grupo espontâneo eindependente, e permanecem nele até a puberdade. Essa comunidade infantil imersa nacomunidade adulta

‗só age em obediência às decisões tomadas por seus membros, colocando-se muitas

vezes em oposição coletiva aos mais velhos‘(...)‖ É o fato que nos aponta Rodrigues da relativização do termo ―criança‖ que nos

interessa nessa monografia. A criança enquanto ser de personalidade ainda nãodesenvolvida e por isso dependente dos adultos e incapaz de sozinha ou em associação dese opor aos mais velhos, de ser reconhecida, de ter o direito à escuta e a fala, e o respeito àssuas opiniões como qualquer outra pessoa do grupo possui, não é um fenômeno ―natural‖,nem universal. Porém para o Protestantismo Autônomo, assim como existem ―bebesespirituais‖ que só devem ser  alimentados com ―papinha espiritual‖ e ―a tudo obedecer‖ doque é dito e praticado por aqueles que são maduros na fé, assim, para os seus líderes, osPastores, os menores de rua entrevistados, assim como outros, que independente da idade

cronológica são considerados pelo corpo burocrático da Igreja como ―as criancinhas deDeus‖, estes não tem nenhum direito à fala e ao poder que dela deriva e suas opiniões nãosão consideradas.

Para o Pastor Heber, e os responsáveis pela evangelização de rua que o seguiam, umindivíduo só pode ser considerado indivíduo, pessoa humana se é um

―indivíduo que possui a capacidade de analisar e discutir problemas inteligente eracionalmente, sem aceitar, de forma automática, suas próprias opiniões ou opiniõesalheias. É isso que faz um homem à imagem de Deus, ser dotado de senso crítico. E alguémsó pode verdadeiramente possuir senso crítico se ouve a Deus .‖ 

Sobre as crianças o Pastor Heber disse que elas poderiam ser criativas mas nãoeram críticas, que aceitavam tudo o que lhes era dito por Satanás, que falavam em forma degírias e chavões e das opiniões alheias, sobrenaturais ou humanas, posto que todas estaseram

― pensamentos pré-frabicados, pois o Diabo é incapaz de criar, ele só copia e altera,adulterando as coisas d e Deus.‖ 

Para ele o senso crítico :

―depende de um certo amadurecimento do intelecto e do espirito, de uma formalização do pensamento que não encontramos em crianças como elas.‖ 

A solução porém é a ação do evangelismo missionário segundo o Pastor,

―  pois a Bíblia visa não só formar pessoas capazes de pensar, mas de seremcríticas, pois senão o indivíduo cai em chavões e passa a dizer que o nosso Deus ‗é oSenhor dos Exércitos‘, isto é um ditado do Antigo Testamento. Uma vez eu usei na tentativade converter um filosofo e ele me perguntou quem era então o senhor da marinha e daaeronáutica. E se eu cometi esse erro, imagine essas crianças ! E por isso que elas tem que

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ser conduzidas ao Evangelho o mais rápido possível, para que possam ser críticasdiante do mundo de Satanás, deixando de serem apenas marionetes, para que se tornemgente."

Os amaldiçoados

O primeiro contato que mantive com os meninos de rua do Porto da Barra, ocorreuem 02 de dezembro de 1998. Eram 18 : 00 horas e eles estavam saindo da praia, para

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 brincar de ―morcegão‖, que é uma prática comum entre eles, como eu viria a constatar depois, de ficarem de mão dadas um ao outro, suspensos, nos fundos dos ônibus, quesubiam e desciam a Ladeira da Barra.

Eles ficaram nesse vai e vem, descendo e subindo a ladeira, até quando pareciam ter secansado de brincar. E daí partiram em conjunto para o centro da ladeira e pararam defronte

ao Projeto Ibeji, próximo ao ―Cemitério dos Ingleses‖. Eram um grupo de meninos de rua,em número de seis. Que, como vim a saber mais tarde conversando com eles, não tinhamvínculo, naquele momento, com nenhum projeto social para menores, tal como o Ibeji. Essegrupo era formado por cinco meninos e uma menina, e podiam ser vistos, no Porto daBarra, onde ficavam com mais constância, no Passeio Público, na praça do campo Grande,e, algumas vezes no Farol da Barra, onde me relataram, não gostavam de ir porque aliexistia um grupo rival , e as brigas entre eles eram freqüentes.

Estavam sempre suados e na maioria das vezes trajavam-se com um short, um par desandálias e uma camisa, geralmente levada no ombro ou enrolada na cabeça. Estes trajes,coloridos, e, pretos e brancos , traziam, alguns desenhos que eles próprios haviam pintadocomo pude saber depois. Essas pinturas eram feitas sob o efeito de psicoativos, em

particular da maconha ( Cannabis sativa ), que é provavelmente a substância psicotivailegal de uso mais difundido no Brasil.37  Gostavam de pintar as próprias roupas queusavam, sob o efeito de psicoativos, fosse durante ou após seu uso, e, os desenhos eramtirados das imagens que viam quando sob o efeito desses psicoativos. Além da maconha,gostavam de pintar sob o efeito de chá de cogumelo ou mesmo de ácido lisérgico . Essaprática era, como eles me disseram, comuns aos grupos de meninos de rua presentesnaquela localidade. E segundo me explicaram, os desenhos definiam a identidade ediferença inter e intragrupais , pois todos daquele grupo tinham em suas roupas um desenhocomum, que não era usado pelos grupos vizinhos, e, além disso, tinham ainda outrosdesenhos, que marcavam dentro do próprio grupo uma diferença entre eles. O desenho emque todos tinham em suas camisas, fora pintado pelo chefe do grupo. Os demais, pelo

próprio dono da roupa. Esses últimos desenhos , pintados pelo próprio dono da camisa, erafeito de acordo com o seu gosto e era um produto somente seu, retirado de uma visão quetivera quando sob o efeito do psicoativo.

“- Os desenhos ? De onde a gente tira ? Ah! É das coisas que a gente vê quandoestá „viajando‟, foi o Guilherme que inventou essa onda de desenhar nas camisas. Ele

sempre fazia isso quando „tava doidão‟ e mandou a gente fazer e nós fizemos!”  

Disse-me Paulo Nunes ( Pseudônimo ), um dos menores do grupo abordado.Acrescentando que todos faziam o mesmo, mas não sabendo dizer como e quandocomeçaram essa prática.

Destacaremos aqui alguns dos pontos importantes para compreendermos a noção demaldição, em que viviam os meninos, tal e qual era concebida pelo Pastor Heber e osdemais responsáveis pelo CERVIR.

37 - MAC RAE, Edward. Rodas de Fumo : O uso da maconha entre camadas médias/ Edward MacRae, JúlioAssis Simões._ Salvador : EDUFBA;CETAD/UFBA, 2000. Coleção Drogas : Clínica e Cultura. 

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Primeiro, o grupo, para o Pastor, vivia quase que exclusivamente nas ruas e emtotal estado de miséria . Eles não haviam tomado posse do mundo. Pelo contrário erammesmo despojados dele e por ele dominados. Essa posse, não era uma posse mística, mas adetenção de bens para a sua futura fruição. A felicidade dos meninos de rua era consideradapelo Pastor, como ilusória. Verdadeiramente felizes, eles só seriam quando tomassem

posse daquilo que era realmente necessário para uma vida feliz : prosperidade, e amor, queo Pastor acreditava serem inexistente entre eles, e serem obtidos exclusivamente pelaredenção e libertação da maldição, e, conversão a um novo estilo de vida , a saber : o estilode vida cristão por ele pregado.

Segundo: o uso de ―drogas‖. Para o Pastor, o uso de ―drogas‖, era um sinal defraqueza e fuga diante de um problema real, que era o não saber lidar com a presença ou afalta de dinheiro. E entre esse grupo específico de meninos de rua, isso havia tomado, parao Pastor, dimensões tão grandes que os obrigava a criarem uma identidade inter eintragrupal , baseada no uso de ―drogas‖. As ―drogas‖ , e não Deus, o amor, e aprosperidade, haviam se tornado o centro de onde partiam todas as diretrizes que definiamas relações sociais, chegando ao cúmulo, deles colocarem-se no mundo, de acordo com as

imagens que viam , e que reproduziam em suas roupas, esquecendo-se de que isso era umpecado; e se faziam isso, faziam quando sob o efeito de ―drogas‖, o que era um claro sinalde maldição e de idolatria. Sendo que o Pastor considerava a idolatria um culto direto aoDiabo.

O Pastor havia dito que uma das razões pela qual ele não pertencia a Igreja Católica eraporque ela ensinava a fabricação, veneração e adoração de imagens, enquanto que a Bíbliachamava a isso de pecado de idolatria, segundo ele ―conforme Êxodo Vinte, versículosquatro, cinco e seis!‖ . E chamava aos meninos de católicos, como se isso fosse uma coisamaligna. Em seus discursos, não havia, qualquer distinção entre ser católico ou pertencer aIgreja do Diabo. Ele próprio dizia que qualquer outra religião que não fosse ―evangélica‖era coisa do Diabo, incluindo algumas ramificações evangélicas, que ele considerava como

― seitas‖. Eram seitas porque afastavam o homem de Jesus, e o homem só podia chegar atéJesus, pela participação nos cultos de sua Igreja. Via pecado de idolatria no fato dosmeninos desenharem as coisas que viam quando estavam sob o efeito de psicoativos, poispara ele, quaisquer imagens tinham o dom, quase mágico de induzirem à idolatria ou ao pecado ―católico‖ como ele dizia. E havia me dito também que ― em flagrante desrespeitoaos mandamentos de Deus, o Concílio de Treno decretou que : 'As imagens de Cristo e daVirgem Maria, Mãe de Deus e de outros santos devem ser possuídas e guardadas,especialmente nas Igrejas, e devem ser alvo de honra e veneração. Deve-se prestar honra eveneração às imagens.‖ E disse-me ainda que em 1564, o Papa Pio IV havia decretado quese devia ― manter imagens e que a elas se devia prestar honra e veneração‖. Argumenteique os católicos não adoravam e não prestavam culto ‗as imagens, mas sim ao que elassimbolizavam. Ao que ele me respondeu : ― Se fosse ass im não haveria necessidade de sefazer uma imagem nem tão pouco ajoelhar-se diante dela, nem beijá-la. E se um tal católicoassim procedesse, como você está me dizendo, ele estaria em desobediência ao seu chefe‗infalível‘ o Papa, porque ele ordenou ao católico que a elas, ‗as imagens, e não ao que elasrepresentam, se deve prestar culto.‖ Para ele as pessoas ― são apanhadas pela aparência dascoisas. Deus não pode ser confundido com nada que existe e nem com a própria existência,visto que Ele está acima, abaixo antes e além da existência. Até a imagem de Deus é apenasum reflexo. Deus é Deus! E não existe ‗coisa‘ nenhuma igual a Deus. Adorar a uma coisaque existe é filosofia existencialista, e quem se apoia nela termina por se suicidar. Deus é

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ciumento e pune com maldição a iniquidade dos pais sobre os filhos até a quartageração. O objetivo de adorar imagens é desviar o homem de adorar ao Deus verdadeiro, eimpedir que ele participe dos cultos. Essa é a trama do Diabo para afastar o homem daIgreja.‖ 

Segundo o Pastor Heber, a prática da idolatria é insensata, uma coisa de ―gente doente

da cabeça‖, e o Diabo se aproveita disso. É ―loucura porque o homem ora pedindo vidaàquilo que está morto; pede saúde àquilo que não tem força nem saúde; pede capacidade esucesso àquilo que não tem entendimento nem poder; pede sabedoria, orientação e bençãoentregando-se a um pedaço de madeira, ou pedra ou de metal, ou mesmo uma fantasia queesta em sua cabeça, o que não tem sentido. E o pior ele faz ofertas às essas coisas,desviando o dinheiro que pertence a Deus e a obra de Deus na Terra, que é a edificação do‗Corpo de Cristo‘, a Igreja.‖ 

Ele considerava os meninos como ―doentes mentais‖ ou sujeitos ― a qualquer hora  para num manicômio‖. E isso porque usavam ―drogas‖ e as usavam sobretudo para ver imagens, às quais, ao olhar do Pastor, eram para eles objetos de adoração e culto. ―E todaadoração que não é feita a Deus é feita ao Diabo !‖ 

Na sociedade complexa, moderna, a categoria de doente mental tem sido, segundo Velho,uma das mais acionadas enquanto categoria de acusação, legitimando visões de mundo, e―explicando o inexplicável‖ . Observa-se que trata-se de acusação com alto poder decontaminação, nem sempre aparecendo isolada e explicitada, mas muitas vezes misturando-se com outros tipos de acusação. Uma vez explicitada, implica elaborado ritual deexorcismo envolvendo todo um aparato institucional, legitimado por um saber oficial,respaldado pela lei e pela possibilidade da coerção do aparelho do Estado. (VELHO, 1981 )

Uma vez reconhecida a maldição do indivíduo como oriunda de um problema mental ereprodutora deste, o exorcismo entra ai como fator de ―libertação‖, de cura. Mas falar -seem cura é pressupor que alguém esteja doente e, é preciso analisar o conceito de doença,principalmente a categoria de doença mental.

Para tanto são esclarecedoras as idéias de Gilberto Velho.A noção de sistemas de acusação, apresentada por Velho, pode ter a função de delimitar

fronteiras e afastar dificuldades. Não é necessariamente funcionalista, pois não há aqui umcomprometimento com harmonia, estabilidade e integração enquanto fenômenos naturaisou normais.

Isto implica que a vida social deve ser percebida como um processo contraditório ecomplexo, que envolve a negociação, pelas partes envolvidas. O conflito é percebido comoum indicativo de anormalidade. E aparece a categoria de doente mental que é umacategoria de acusação que legitima visões de mundo e explica o inexplicável. Acusaçãocom poder de contaminação, misturando-se com outros tipos de acusação.

―É dentro dessa perspectiva que se pode estudar um sistema de acusações como umaestratégia mais ou menos consciente de manipular poder e organizar emoções, delimitandofronteiras. O grau de consciência envolvido é uma questão empírica a ser verificada emcada caso‖. ( VELHO, 1981 ) 

A utilização da categoria de doente mental explica como, em contextos específicos,certos comportamentos são estigmatizados e determinados indivíduos acusados. E o casodas categorias de drogado e subversivo. As acusações feitas a indivíduos jovens indicamuma fronteira etária, geracional: a geração mais velha tentando controlar grupos mais jovens.

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O grau de consciência e deliberação envolvido nesse processo acusatório implicaque não se deve cair num esquema ultrarracionalista, pois estamos também lidando comemoções e não apenas com interesses claros e objetivos. Essa é uma dimensão fundamental,pois os atores envolvidos, socializados e participantes de determinado código culturalacreditam e vivem uma escala de valores, uma visão de mundo e. um ethos particulares.

As motivações dos atores não são apenas manutenção de posições privilegiadas, amanipulação e exercício do poder, mas também.., um estilo de vida internalizado esocializado através de um conjunto de símbolos socializador.

É bom relembramos Geertz ( GEERTZ , 1978 ) e Bateson ( BATESON , 1958 ) : emparticular a noção de ethos (estilo de vida, sentimentos, afetos, estética e etiqueta) versuseidos ou visão de mundo (padronização dos aspectos cognitivos da personalidade doindivíduo). O conflito entre os estilos de vida dos meninos de rua e a visão de mundo,padronizadora, dos pastores evangélicos do Protestantismo Autônomo, é um conflito entreum estilo de vida baseado em ―ritos profanos‖ e um estilo de vida e uma visão de mundopautada em ritos religiosos oficiais, nos quais os ritos profanos estão submetidos a estesmesmos ritos religiosos oficiais.

A noção de ethos como código de emoções, padrões de afetividade, parte, portanto, dacultura, trazendo para dentro da discussão antropológica fenômenos antes arbitrariamenteexcluídos.

Segundo Velho, a teoria interacionista do desvio, proposta por Becker ( BECKER, 1966e 1977 ), focaliza o problema da acusação de desvio como forma de conflito político,apontando para os mecanismos de poder envolvidos na negociação da realidade,desmistificando os modelos funcionalistas de patologia social Dentro do conflito está aexpressão de modelos culturais contraditórios que se revelam através de  padronizações particulares dos aspectos afetivos e emocionais dos indivíduos e não apenas através daparticularização de interesses materiais... Nesse sentido a acusação de desvio sempre temuma dimensão moral que denuncia a crise de certos padrões ou convenções...‖. ( VELHO,

1981 : 58) O cientista social deve ir além da denúncia moral para perceber as razões políticas quesustentam ou municiam a indignação. Mas, por outro lado, há que se aproximar do códigode emoções como um domínio próprio não-redutível a uma ordem de interesses materiaisstrictu senso. Ou seja, existem universos simbólicos que constituem áreas próprias que,embora ligadas à política, à economia, etc., expressam necessidades sociais peculiares.(VELHO, 1981 : 59) 

A ordem moral identificadora de uma sociedade versus o desviante é o marco delimitadorde fronteiras e identidade. Ela implica que a sociedade passa a se perceber, quando diantedo desviante, pelo o que não é ou pelo o que não quer ser. ( VELHO, 1981 : 59) 

No Brasil, a categoria subversivo serviu para estigmatizar as pessoas de esquerda. Tem

conotações de grande periculosidade e violência. Deseja derrubar o status quo e erigir umregime comunista. Deve ser controlado. Categoria política que contamina outros domínios(criminoso, ateu, traiçoeiro, com fortes implicações morais). A lógica do discursoacusatório faz com que se passe de uma denúncia política para uma acusação maisglobalizadora em que a própria humanidade dos acusados é posta em questão. (subversivocontra governo, religião, a família, a moral, a civilização: ser anti-social, ter a mentecorrompida por agentes externos às fronteiras da sua própria sociedade, servindo aosmesmos como massa de manobra visando desorganizar uma ordem natural, com idéias e

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comportamentos deslocados e disruptivos. Existe aqui um complexo de demonologia,estes indivíduos estão possuídos por ideologias estranhas, enfeitiçados por seres desumanosvis e o que é pior podem vir a enfeitiçar outros.

Já a categoria drogado percorre o caminho inverso. Drogado é uma acusação moral emédica que assume explicitamente uma dimensão política, sendo, portanto, também uma

acusação totalizadora. ( VELHO, 1981 : 60) Na categoria drogado, o aspecto de doença já édado. ―Outra forma de acusação é viciado ou doente referindo-se a pessoa que usa tóxico‖. No entanto, a droga assume uma dimensão política. ―O fato de acusados serem moralmentenocivos segundo o discurso oficial, pois têm hábitos e costumes desviantes, acaba portransformá-los em ameaça ao status quo, logo em problema político‖ . ( VELHO, 1981 :60)

O problema das drogas passou a aparecer ―associado a um plano subversivo de origemexterna para minar a juventude brasileira, tornando-a a presa fácil de ideologias exógenas‖( ―Posto que a droga enfraquece a moral, e cria indivíduos fáceis de seduzir‖). ―... a doençainteressaria aos inimigos do regime‖: As categorias drogados e subversivos sãoemparelhadas, criando uma ambigüidade: O drogado como indivíduo fraco, sem vontade,

manipulado versus subversivo-drogado, este ultimo, mais perigoso, agente consciente decontestação à sociedade, encarna todos os males. Mas, todas são categorias de acusaçãototalizadoras que atacam a identidade dos acusados de forma radical.

Esta nova categoria, a do subversivo-drogado, nos conduz a uma ambigüidade : Odrogado como indivíduo fraco, sem vontade, manipulado, versus o subversivo-drogado,que é mais perigoso, pois, como já dissemos, é agente consciente de contestação àsociedade, e nela encarna todos os males. Mas, todas são categorias de acusaçãototalizadoras que atacam a identidade dos acusados de forma radical. ( VELHO, 1981 ) Eis,portanto a atualidade do texto de Velho, se o colocamos no contexto de nossa pesquisa,como fonte de análise.

O antropólogo deve ―procurar perceber quais são os temas, áreas, domínios relevantes para o processo acusatório‖(60). ―... não se pode partir do princípio que todas asreações moralistas e de indignação sejam hipócritas ou destituídas de profundas raízesemocionais e afetivas... participação em rituais acusatórios cria e estimula sentimentos eemoções vigorosas, através da dramatização de situações sociais.

Enquanto a gênese da categoria subversivo se dá no domínio político e atinge o domínio pessoal, ―... a categoria drogado explícita.., a problemática de patologia individual‖ (Surgeo doente). Aí se esboça a anormalidade do consumo e as conseqüências para o indivíduo epara a sociedade. Aponta-se problemas físicos e mentais = problemas psicológicos e novossintomas de patologia.

Ela está intimamente ligada ao que o Pastor Heber percebia como problemas morais: um

tipo específico de comportamento em relação à família e ao trabalho por parte dos menores.Surgiam inúmeras variáveis, mas a categoria ―doença mental‖ podia dar conta de qualquer coisa, inclusive da subversão e do uso de psicoativos. E o Pastor via como soluções: ascondenações, as punições, o internamento...

Velho questiona como seria ―...possível na sociedade complexa moderna a criação depactos e negociações que possibilitem a coexistência e convivência de grupos, estilos devida.., diferenciados... ―.( VELHO, 1981 : 62) Posto que é a própria sociedade complexaque gera diferenciações e só pode conviver com elas através de mecanismosdiscriminatórios. Daí a fabricação de desviantes.

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Nas sociedades complexas há diferentes graus de dogmatismo e autoritarismo. Otrabalho de Velho nos leva a perceber que no Brasil, o autoritarismo esta centralizado noEstado, regulando e fiscalizando a sociedade civil. E a chamada cultura nacional tambémnão abre espaço para a diversidade. Existindo um forte controle sobre os indivíduos (viafamília, que atualiza o código de emoções ). Tudo que escapa ao controle é visto como

perigoso. Na percepção do Pastor os menores deveriam trabalhar para que pudessemparticipar do culto e no culto poderem ofertar. Para Velho, o trabalho é outro tema para acriação de áreas perigosas e comportamentos disruptivos. A nossa sociedade valoriza oprodutivismo e a ascensão social.  Neste caso em especifico, ―...o drogado e o subversivoameaçam... a reprodução da sociedade tanto ao nível da família como do trabalho‖. 

Disse-me o Pastor que o usuário de ―drogas‖ está possuído por forças que o alienam eque são os demônios. E que isso se dava pelo consumo de ―drogas‖; que não era a toa que amaconha era considerada ―erva-maldita‖ , o que me levou a pensar após observaçõesposteriores que o êxtase obtido pelo uso de psicoativos, quase sempre conduzia a umprazer dionisíaco; o prazer pelo prazer, o prazer pelo ócio, o momento do ócio para sequestionar os valores sociais, um momento que em si mesmo é um questionamento puro,

um rito profano. O prazer obtido pela possessão pelo Espirito Santo seria apolineo. Não setratando de um prazer pelo prazer, mas sim o prazer pela negação do ócio ( negócio ) , pela possibilidade de se estar ―enquadrado‖ na sociedade e não se questionar os valores sociais,mas sim, se deixar ―julgar‖, questionar, por estes mesmos valores. 

Como dizia o Pastor : ― vocês já julgaram demais a Bíblia, agora é a hora de deixarem aBíblia e o Espírito, julgarem vocês.‖ 

O Pastor Heber, procurou se aproximar do grupo, na tentativa ―de faze-los acordar para o fato de que estão amaldiçoados.‖ Para tanto, ele confrontou a vida do grupo e decada um em particular, com uma vida ideal que surgiria após a conversão, demonstrando, atodo o tempo, que os meninos nada possuíam em termos de ―real‖ prosperidade, amor efelicidade, até convencer alguns deles, o que culminou com a desintegração do grupo, e à

adesão ―aos Evangelhos‖ por parte dos que aceitaram a sua proposta de seguirem a Cristo eà pessoa dele.Como dissemos, os menores desse grupo, podiam ser encontrados perambulando

por uma área que compreendia o Porto da Barra, Campo Grande, Passeio Púbico e algumasvezes o Farol da Barra, nos locais onde o fluxo de carros é maior, e, onde eles podem lavaros vidros dos carros, quando estes se detém. Atividade que ocupava quase todos eles.Ficavam nos locais onde haviam bares, restaurantes e hotéis, onde esmolavam comida,dinheiro, prostituíam-se, e, realizavam furtos. O dinheiro obtido, bem como as roupas querecebiam ou os objetos que furtavam eram utilizados em sua maior parte para a aquisiçãode psicoativos.

O grupo do qual eu me aproximei era formado por cinco meninos e uma menina,

cujas as idades deveriam ir dos 12 aos 17 anos de idade. Entre eles havia um conhecidoque num contato anterior, me tratara muito bem. Vou chama-lo de um nome fictício :Oséias.. Oséias talvez fosse o meu informante ideal, mas isso só se comprovaria nodecorrer da pesquisa. Também atribui pseudônimos aos outros : Meire, Juninho Baiano,Paulo Nunes, Gustavo e Guilherme.

Quando travei contato com o grupo pude logo sentir no ar a desconfiança geral. Elesestavam consumindo maconha e tentaram disfarçar a principio, mas logo assumiramarrogantemente o que estavam fazendo. Eu dei um ―boa noite‖ que soou ridículo, pela suaformalidade. Oséias me perguntou como se a zombar da minha aproximação tão formal se

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eu não queria fumar maconha. Respondi que não, mas que gostaria de ficar entre eles,observando e conversando pois isso fazia parte do meu trabalho de pesquisa. Oséias, logotratou de explicar para os demais o que era pesquisa. O jeito que descreveu o meu trabalho,me transformou num bisbilhoteiro . Eu falei então quem era, o que fazia , e o que queria.Mas a impressão de bisbilhoteiro continuou. Isso me levou a dar conta do labirinto que era

aquele universo. O que eles falam entre si, e o que falam comigo ? Fazer perguntasformalmente era um caminho...Eles concordaram com a minha permanência ali. Obtive a partir de um tipo de olhar

e com uma mímica corporal sutil de significado oculto para a minha pessoa, mas não paraos demais, o aval dado por um dos garotos, o Guilherme, que parecia ser o líder. Era elequem conduzia a conversa, e a quem todos ouviam com respeito, e estava acompanhadoda menina, que silenciosa ficava fazendo carinhos nele.

Foi uma experiência constrangedora a princípio, posto que Gustavo logo mebombardeou com perguntas :

-  Você é crente ?Imaginei as causas que o levaram a me fazer tal pergunta. Eu estava vestido com

roupa social, e segurava em uma das mãos minha pasta e na outra a Bíblia, pois antesestava lendo o Salmo 23 . Eu o olhei fixamente e disse-lhe que não era crente, mas quegostava de estudar a Bíblia. De alguma forma, Gustavo tinha algum conflito com ―oscrentes‖, pois ao me conceber como crente, me tratou de modo ríspido. Mas eu nãodescobriria tão facilmente do que se tratava. Antes mesmo de formular qualquer outropensamento ele me indagou :

-  Se você não é crente, porque tá com a Bíblia na mão ?-  Eu gosto de estudar a Bíblia. É importante para mim.Percebi então que devia usar a mesma estratégia dele. Fazer perguntas assim

que acabasse de responder qualquer coisa . Estávamos num duelo.-  Você parece crente. E eu não gosto de crente!

-  Porque ?-  Minha mãe é crente . E onde a gente morava vivia cheio de crente.-  Então você não gosta de crentes, não é ?-  É. Não gosto!Mudei bruscamente de assunto :-  Que idade você tem ?-  14 anos.-  Qual é o seu nome ? Você é daqui de Salvador ?

Ele me respondeu o seu nome e me disse que era do interior, da cidade de Vitoriada Conquista, mas que tinha vindo ―guri‖ para Salvador. Disse ainda que morava em umainvasão do subúrbio com um irmão de 10 anos, numa casa de taipa.

Mais tarde Gustavo me relataria que ele e o irmão mais novo moravamdistantes da mãe, mas na mesma favela no subúrbio ferroviário. Ali, ele havia assistido amãe desviar dinheiro que seria para um tratamento médico do irmão, levando este mesmodinheiro para a Igreja, onde me disse ele, o Pastor local havia dito que a oferta do dízimoera mais importante e que ela não se preocupasse com a cura do menino, pois Deus arealizaria se ela tivesse fé.

Esse apelo é característico do Protestantismo Autonômo. Vivemos num país onde oatendimento médico passa por uma crise crônica : atendimento precário e o particularinacessível à maciça maioria da população. Em suma, as políticas de saúde no Brasil

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reproduzem o modelo econômico excludente, que condena à morte extensas faixas dapopulação. Acrescentam-se as diversas agressões ao meio ambiente, e mais, a falta desaneamento básico, cujo alvo principal são as crianças, sendo que as que sobrevivemcarregam seqüelas para sempre, e teremos um quadro onde qualquer promessa de curarecebe uma resposta imediata e massiva, sobretudo quando de origem religiosa. No

imaginário popular brasileiro existe uma expectativa permanente de intervenção divina earrasadora capaz de transformar radicalmente o contexto de abandono e sofrimento vigenteno país. Na TV temos heróis encantados que enfrentam com sucesso problemasindissolúveis sutil ou abertamente identificados com os impérios da moda. A função―terapêutica‖ do protestantismo autônomo residiria, antes de mais nada e acima de tudo, naatenção que destina à população sofrida, que se sente bem por ter sido lembrada poralguém. Não importa muito se os males desaparecem, mas vale o fato de pessoas terem sidoacolhidas e dignificadas. Mais do que nunca a massa necessita de cura para a sua alma.( FILHO, 1994: p. 25 )

-  Porque você usa ―drogas‖ ? -  Porque é bom. Me deixa ―legal‖. 

-  E o que é ficar ―legal‖ ? -  Você não sabe o que é ficar ―legal‖ ? - E deu boas risadas.-  Não. O que você sente ?

 –   O que eu sinto ? Sei lá ... é confuso. Tem ora que é ―aquela onda‖ , que eu me sinto muito forte, diferente, e tem ora que é ―bode‖, que eu passo mal. Mas eu só fumomaconha. Antes eu cheirava cola, cheirava cocaína, fumava crack ... Hoje eu só fumomaconha. Eu me sinto outra pessoa quando fumo! Fico ligado !

Ficar ―ligado‖, sentir ―aquela onda‖. Em suma, sentir algum estado alterado deconsciência, é um dos elementos constitutivos e desejados do e no uso de psicoativos emtermos de motivação individual. E tem o objetivo de alterar a percepção do mundo, ummundo cada vez mais complexo, aliado a uma tentativa, de dotar, esse mesmo mundo, de

um sentido.Entre os menores consumidores, pude observar que esse desejo de alterar o mundo edota-lo de sentido, expressava-se também pelo uso de psicoativos, pelo contexto em que asubstância era tomada, o lugar, as companhias, a percepção social e os significadosatribuídos ao seu uso , pelos próprios usuários. Não raro a iniciação e o próprio usorefletiam esse desejo. Assim como refletiam os mecanismos de organização, bem comoseus rituais e sanções.

Na tentativa de ir um pouco além desta constatação, pude perceber o elo que aliava odesejo de alterar a percepção do mundo e a tentativa de dota-lo de um sentido. Partindo dosdepoimentos dos próprios menores, percebi que eles valorizavam o próprio conteúdo dodelírio provocado por substâncias psicoativas, posto que este apontava para ( quando nãoredefinia ) o conteúdo das relações inter e intragrupais; o modo de ser e estar no mundo, dogrupo, e de cada um dos menores em partícular. Como se o uso de psicoativos desse ao seuusuário a possibilidade de se contatar com uma possível sabedoria interior, com a suarealidade mais intima, com a sua verdade ... esta última geralmente não se apresentandocomo a verdade apresentada pelo Pastor.

Mas é necessário pontuarmos como o Pastor se apresentava às crianças. Faremosisso dando um pequeno relato, de um ocorrido quando eu já estava em campo a algunsmeses e encontrei pela primeira vez, o Pastor :

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O Pastor Heber falava da Bíblia para Oséias e Juninho Baiano, quando e meaproximei do grupo. Pude observar que ele conversava com os meninos, utilizando-se da Bíblia e de um outro livro. O outro livro, cujo titulo era ―O Cajado do Pastor‖, um livroque ele disse Ter recebido diretamente dos EUA, e que era o livro de onde ele construía osseus discursos, valendo-se da homilética, como ele próprio havia dito. Mais tarde constatei

que, ele nunca nos deixava sequer pegar aquele livro, quanto mais lê-lo. Era um livro queele nunca nos deixava tocar, e que segundo me informaria mais tarde, era a fonte dos seusconhecimentos e por onde ele baseava todo os seus discursos. Ele estava com os meninos econversava com eles dizendo coisas a respeito da Bíblia, explicando o que dizia com acitação de versículos bíblicos, muitas vezes de difícil significado. De fato ao indagar aosmeninos o que eles estavam compreendendo eles me disseram que estendiam quase nada.  Mas o Pastor salientou que isso era um recurso seu. Ele não estava falando para osmeninos ou para mim. Nós vivíamos no mundo, e nossa alma pertencia ao mundo. Até queela fosse resgatada pelo poder do Espírito, nós não entenderíamos nada mesmo. Mas eledisse que o nosso espírito compreendia tudo. Até mesmo se ele falasse em línguasestranhas, o nosso espírito compreenderia. E era para o nosso espírito que ele estava

  falando, disse ele. E a medida em que ia falando, ia lendo trechos da Bíblia, quereforçavam o que ele dizia. Pela segurança com que falava, pude perceber que era bemversado na leitura da Bíblia.

- ― Porque a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais penetrante do que espadaalguma de dois gumes, e penetra até à divisão da alma e do espírito, e das juntas emedulas, e é apta para discernir os pensamentos e intenções do coração. A palavra de Deus é como uma espada; a Bíblia é a espada de vocês contra o inimigo. Por isso vocêsdevem conhecer a Bíblia.‖ – Disse o Pastor.

Oséias perguntou : - E quem é o inimigo ? Ao que o pastor respondeu :-   Não são as pessoas. É Satanás, o diabo. Ele é quem usa as pessoas umas contra as

outras.

-  E eu lhe perguntei : - Mas então você admite , Pastor que a Bíblia foi revelada ?―- São várias as atitudes em relação à Bíblia.- Ele me respondeu . A primeira é oracionalismo, que em sua forma extrema nega a possibilidade de qualquer revelaçãosobrenatural e em sua forma moderada admite a possibilidade de revelação divina, masessa revelação fica sujeita ao juízo final da razão humana. No romanismo, a Bíblia é um produto da igreja; por isso a Bíblia não é a autoridade única ou final, e no misticismo aexperiência pessoal tem a mesma autoridade da Bíblia. Existe entre muitos cristãos aatitude de neo-ortodoxia. Onde a Bíblia é uma testemunha falível da revelação de Deus naPalavra, Cristo. Já para muitas seitas a Bíblia e os escritos do líder ou fundador de cadaseita possuem igual autoridade. Eu admito apenas a ortodoxia a Bíblia é a nossa únicabase de autorid ade.‖ E voltou-se para os meninos, muito eufórico, talvez por me ver interessado na Palavra. Continuou sua pregação.

-   A Bíblia fala de Deus ? – Indagou Juninho Baiano.-  ―A Bíblia, meu querido, é fonte de revelação é um desvendamento;

especialmente a comunicação da mensagem divina ao homem. Existem muitosmeios pelos quais Deus se revela. Pela natureza. Temos ainda revelações de Deus pela providência. Deus se revela ainda pela preservação do universo‖. – E nessahora , parou e tirou da sua maleta, dois exemplares da Bíblia, dando um paraOséias e Juninho Baiano e outro para mim. Fiquei pensando se ele sabia queapenas Oséias sabia ler, e decidi ajudar a Juninho. Ele continuou : ―- Milagres

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também são descritos em João Dois versículo Onze (Jo 2 : 11 ) - Jesus principiou assim os seus sinais em Canaã da Galiléia, e manifestou a sua glória; eos seus discípulos creram nele.‖ - Nessa hora Juninho perguntou :

-  Pastor, e o que é milagre ?-  ―É algo que acontece que pelas leis da natureza não poderia acontecer!‖ 

-  Como assim ? – Indagou Juninho.-  ―Jesus ressuscitou os mortos. Podemos, se seguirmos a palavra de Deus,reencontrar, os nossos entes queridos que já morreram, no céu. Você pode ver suamãe de novo. É milagre!‖ 

-  E posso por milagre ver minha mãe de novo ?-  ―Vocês, e tenho certeza, ainda vão se ver. E o céu espera por vocês! Deus é

maravilhoso, que glória ! Ele até se revela para nós por comunicação direta,abram em Atos ...‖ – E assim  –  E foi ensinar aos meninos como procurar as  passagens na Bíblia. Ele iria repetir essa operação ainda muitas vezes. Vejam a parte em que Deus revela para Moisés os Dez Mandamentos‖ - E tirou da maletaduas revistas, contendo os Dez Mandamentos em história em quadrinhos. ( E o

Pastor passo a explicar todas as palavras que ele dizia e que os meninos achavamdifíceis de entender, parando a quase todo o momento )- ―É bom saber sobre isso, principalmente porque nossa vida eterna depende disso.‖ - Ao que lhe perguntouOséias : - Porque nossa vida depende disso ?

-  ― Porque é pela Palavra de Deus que se manifesta a graça da salvação, pois nóssomos pecadores e sem a misericórdia de Deus e sem a graça de Jesus Cristo, nósestamos condenados ao inferno!

-  O que é o inferno ? – Indagou Juninho.-  ― É a ausência de Deus !‖ Então o Pastor parou e com a ajuda de figuras recortadas foi lentamente explicandotodo o que já havia dito, usando uma didática e uma linguagem mais apropriadas para

os meninos de rua. E perguntei o porque ele não havia usado aquela linguagem desdeo início e ele me respondeu que era necessário os meninos e mesmo eu aprender-mosdaquela forma pois Deus tinha planos para nós. E desenhou um círculo no chão e aolado do círculo três pontos. Disse que o círculo continha todos os cristãos e que eradesejo de Deus colocar os três pontos dentro do círculo. E os três pontos era-mos eu,Oséias e Juninho Baiano. Pediu para que pensasse-mos bastante naquilo que ele haviadito até então, e me solicitou que fosse comprar mais lanche para nós, dando-me odinheiro. E atendi ao seu pedido e quando voltei ele me disse que os meninos estavamquerendo andar e que nós iríamos para o Campo Grande. E de fato fomos. Durantetodo o percurso ele ia sondando o que havia-mos aprendido e achava bom que eutomasse notas, embora me dizendo que chegaria o dia em que aquilo seria inútil. Eunão compreendi e me irritei. Ele me disse que, quem anda com Cristo não precisa demais nada, pois Cristo é tudo e sendo Deus sabia de nossas necessidades e podia, se  permitisse-mos, alterá-las. Quando chegamos ao Campo Grande ele começou a falar da beleza da natureza, do canto dos pássaros. E nos perguntou se por um acasoentrasse-mos na água, se molharíamos os pés. Respondemos que sim e ele tirando o sapato e a meia molho o pé e disse : ―- E eis aqui a prova. Existe também a prova dainspiração verbal e plenária que se encontra em Segunda Timóteo Três Dezesseis, que  fala que o conteúdo da Bíblia foi soprado por Deus ! E parou para nos mostrar na Bíblia, onde estava essa prova. E existem provas de que a Bíblia não está errada, são

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as provas de inerrância onde o que está em questão é a fidedignidade do caráter de Deus como se pode ler em João Dezessete Três ...‖

E o Pastor fez perguntas a todos nós sobre tudo o que havia dito, deixando a  Bíblia de lado. Após darmos as nossas respostas ele reexplicou tudo novamentenuma linguagem simples e trouxe novamente as figuras de quadrinhos para que

montasse-mos uma estória de tudo que até então havia-mos dito em resposta àssuas perguntas tomando como base a explicação mais simples que ele dera. Assimele iniciava os seus contatos com os meninos. Assim era que ele se apresentava para eles.

Eu perguntei novamente ao Pastor se a linguagem que ele utilizava para falar com os meninos não era incompatível com os conhecimentos deles, se não eradifícil para uma criança entender. Ele me respondeu que estava falandodiretamente com o Espírito deles, e que o Espírito santo realizaria a obra de faze-los compreender e discernir. De modo que eu não me importasse.  –  Disse isso,enquanto eu o observava colocar um spray na garganta.-   Disse-lhe que tinha perguntas e ele me pediu para fazê-las, mas salientou

que esperava em Deus que Ele atendesse às suas preces.- Que orações Pastor ? Posso saber ?-  ―Claro! Veja aquelas crianças‖- E apontou para Juninho e Oséias.- ―Tão

novas e já tão a mercê do poder de Satanás ... Eu tenho orado a Deus pelaconversão de vocês. E oro por você em especial porque, conto com sua ajuda para trazer para Cristo novas crianças.‖ E assim ele me situou em relação aocomo ele me via diante da ―tarefa missionaria que ele pretendia realizar. Euserviria ao propósito de ajuda-lo a converter as crianças.

- Mas esse não é um trabalho do Espírito Santo ? Digo não é o Espírito queconvence a pessoa do pecado e a conduz ao arrependimento ?-  ―O Espírito Santo convence do pecado!‖- Disse ele olhando fundo nos meus

olhos, e visivelmente irritado.  –  ―Eu preciso de você para que você exiba o que odiabo o induziu afazer com o seu corpo ... Essas tatuagens ! O que significam elas,você sabe ? Oro que não seja a marca da besta!‖ 

Eu nada respondi, mas tive a suposição de que o Pastor tinha planos de meexibir em público como um raro exemplar de pecador, como era costume ser feitonas Igrejas às quais eu já tinha ido assistir um culto, e , que como ele próprio dizia,tinha ido ao fundo do inferno, e que tinha sido convertido. Perguntei a ele quais asintenções dele com relação à minha pessoa e ele confirmou o que eu estava pensando. E essa idéia não me agradou. 

O Pastor que tentava evangeliza-los, domá-los, não partilhava dessaexperiência. Ele possuía uma verdade : era o detentor da única verdade possível e odestinado pelo divino a transmiti-la aos demais. A verdade que levava os usuários desubstâncias psicoativas a sentirem-se destinados ao fogo do inferno, a verdade que eraparte da complexa estrutura dos dogmas e da teologia do Protestantismo Autônomo; partecuja origem era atribuída ao divino, como tendo origem em Deus, e destinada a conformaros meninos e quaisquer outros, a uma dada ordem que o Pastor concebia como sendonecessária para que eles atingissem ―a realidade, a prosperidade, o amor e a vida‖.  

Estar com eles numa roda, enquanto eles fumavam maconha, gerou em mim, aprincipio, um sentimento de cumplicidade ( Além é claro dos perigos com as autoridades. ),mesmo que você, como foi o meu caso , não use a ―droga‖. Mas gerou também aversão.

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Eles próprios desconfiavam do uso de ―drogas‖, segundo me confessaram, enquantoalgo que pudesse beneficia-los, e sabiam muito bem o quanto podia ser prejudicial. Edesconfiavam de mim, principal e paradoxalmente porque eu não estava ali para fazer umapregação moral, como era costume os Pastores fazerem.

Mais alguns menores se aproximaram de nosso grupo, eles se redistribuíram por

toda a calçada, sempre se encostando nos carros ou ficando em pé, fumaram a maconha eforam embora. Pude observar que na amizade do encontro mantinha-se a tensão doconfronto, falava-se alto e em constante movimento, os cumprimentos eram sempreempurrões e tapas, brincadeira violenta.

Eles eram atualizadíssimos, principalmente no que se refere as ―drogas‖. Não queroaqui dizer que eles possuíssem um profundo conhecimento científico sobre as ―drogas‖,mas que as representações que delas faziam eram extremamente ricas.

Quando um menor ingere uma ―droga‖, sua experiência subsequente é influenciada por suas idéias e crenças sobre aquela ―droga‖. O que ela sabe sobre a droga influência amaneira como ele a usa, a maneira como ele interpreta seus efeitos múltiplos e responde aeles, e maneira como ele lida com as conseqüências da experiência, tornando impossíveis

certas interpretações, assim como ações baseadas naquele conhecimento que não existe.

38

Evidências experimentais, antropológicas e sociológicas convenceram grande partedos observadores de que os efeitos da droga variam muito, dependendo de variações nafisiologia e psicologia das pessoas que as tomam, do estado em que a pessoa se encontraquando ingere a droga e da situação social das experiências com drogas mostrando comoseu caráter depende da quantidade e tipo de conhecimento a que a pessoa que toma a drogatem acesso.39 

Os cientistas não mais acreditam que uma droga tenha uma ação fisiológica simples,essencialmente igual em todos os seres. Experiências experimentais, antropológicas esociológicas convenceram parte dos observadores de que os efeitos de uma substânciavariam, dependendo da fisiologia, psicologia ... Além da situação social dos indivíduos que

as consomem. Ronald Siegel, enfoca que podemos entender melhor o contexto social dasexperiências com ―drogas‖, mostrando como o seu caráter depende da quantidade e do tipode conhecimento que o seu usuário tem acesso. Esse tipo de conhecimento é função daorganização social dos grupos, nos quais ele se encontra inserido. E segundo o autor, podevariar ainda se o seu uso é ilegal, por prazer; se se trata de uso de medicamentos prescritos pelo médico ou ingestão involuntária, por guerra química. Os efeito da ―droga‖ tem sempreum caráter multiforme, que varia de pessoa para pessoa, variando também no tempo e delugar para lugar. As ―drogas‖ sempre tem mais de um efeito sobre o organismo. As pessoaspodem, convencionalmente, centrar o foco e reconhecer somente um ou alguns dessesefeitos e ignorar todos os outros, considerandos irrelevantes. Quando uma pessoa ingereuma ―droga‖, sua experiência subsequente é influenciada por suas idéias e crenças sobreaquela ―droga‖. O conhecimento decorrente de experimentos testados podem se tornar guias para interpretações e ações. Com relação a quantidade e a dosagem a ser tomada,podemos dizer que o consumidor toma uma quantidade cujo efeito se possa prever. Issodepende da disponibilidade determinada por lei; do controle médico e farmacêutico, mas há

38 - SIEGEL, Ronald –  Consciência , Poder e Efeito da Droga . In : Uma Teoria da Ação Social – HowardBecker – Rio de Janeiro, Zahar,1977. 39 - Op. Cit. 

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casos nos quais ocorre uma perda do controle da quantidade ingerida, como porexemplo, nos casos de ingestão involuntária. ( SIEGEL, 1977 )

Os principais efeitos de uma ―droga‖ dependem das definições que os consumidoresde ―drogas‖ aplicam à sua experiência, o que afeta aquela experiência. Sobre os efeitos deuma ―droga‖, podemos dizer que o que é considerado um efeito central ou um efeito

colateral, varia segundo a perspectiva aplicada. Uma interpretação adequada depende de seter havido uma preparação para os efeitos principais e prováveis efeitos colaterais. Oconhecimento e os canais sociais através dos quais ele flui, afetam as interpretações erespostas que um consumidor de drogas dá à experiência que a ―droga‖ produz. ( SIEGEL,1977 )

Quando o controle do uso de ―drogas‖ é realizado pelo próprio consumidor, adosagem é auto-iniciada e auto-regulada, sendo o uso voluntário e, o conhecimento, geradonos grupos. No uso de ―drogas‖ sob prescrição médica, ocorrem variações igualmenteinteressantes nos tipos de experiências que os consumidores tem. O conhecimento a cercada ―droga‖ envolve pacientes, médicos, farmacêuticos e mantenedores e, dentro de umaeconomia capitalista, geralmente visa o lucro. Por sua vez, quando ocorre o controle por

agentes externos, as pessoas algumas vezes se vêem o  brigadas a ingerir ―drogas‖involuntariamente, sendo que, quem administra tem o controle e quer atingir os seusobjetivos ( unilateralmente ) usando medidas coercitivas para reprimir qualquer desviodesses objetivos e, em geral as dosagens são altas. ( SIEGEL, 1977 )

Podemos concluir que se as experiências com ―drogas‖ de alguma forma refletemou estão relacionadas com os cenários sociais, devemos especificar os cenários e os efeitos. No uso ilícito de ―drogas‖, os efeitos das experiências com estas substâncias dependem doslaços sociais e entendimentos culturais que surgem entre aqueles que usam a ―droga‖. Já nouso receitado por médico, o efeito reflete a orientação para os lucros da industriafarmacêutica e a dominância profissional de cada um. Quando o uso é imposto, osresultados refletem o exercício de poder no interesse da parte mais forte. ( SIEGEL, 1977 )

Os efeitos de ―drogas‖ estão relacionados à dose. A ―droga‖ tem um conjunto deefeitos se você toma a quantidade  x e efeitos bastante diferentes se você toma 5 x. Damesma forma, as ―drogas‖ tem efeitos diferentes quando tomados via oral, por inalação, por via muscular ou intravenosa. Quanto de ―droga‖ você toma e como você toma depende doque você aprendeu em fontes que considera disponíveis e confiáveis.

A maioria das pessoas , entretanto, não tem acesso imediato ao conhecimento sobreo uso de uma grande variedade de ―drogas‖, quer aquelas medicamente prescritas, ouaquelas como nos diz Siegel, usadas sem a vantagem da recomendação médica. Para usa-las os chamados consumidores desenvolvem algumas noções sobre a quantidade e amaneira de toma-las, quer por fontes que eles consideram de confiança ( Cientistas,médicos, ou consumidores de ―drogas‖ mais experientes ). Essas fontes em geral, temrecomendações sobre o uso da ―droga‖. Elas podem dizer ao consumidor potencial aquantidade e a maneira de toma-la para curar seu resfriado, controlar seu tempo decoagulação, ter uma experiência mística, ―entrar num barato‖ ou obter qualquer outro efeitoque ele possa desejar. Elas podem dizer a ele, também, qual é a quantidade a mais que vaiproduzir os efeitos indesejados da dosagem excessiva. Os consumidores devem aprender ainterpretar seus efeitos sutis como sendo diferentes da experiência comum e comoagradáveis antes de ―ter um barato‖40

40 - BECKER, H. S. , ― Becoming a Marihuana User  ‖, Am. J. Sócio. Vol. 59: 235-243 ( novembro, 1953 ) 

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Elas podem sugerir informalmente que o iniciante provavelmente já fumoubastante haxixe e deveria parar até que ele produza efeito.( SIEGEL, 1977 )

Usando essas noções adquiridas, o consumidor toma uma quantidade cujo efeito elepode prever de forma mais ou menos precisa. Geralmente, sua previsão é confirmada,embora a precisão do conhecimento convencional de expectativas precise ser conhecida.

As pessoas passavam pela calçada olhando muito. Embora fossem poucas, porque olocal era um tanto reservado e a penumbra se fazia presente, o cheiro da maconha era muitoforte e denunciava o que se passava ali. Os garotos fumavam a maconha e eu procuravaperceber o que eles concebiam sobre o uso destas substâncias e o que concebiam comoexpectativas para os seus efeitos, bem como isto estava relacionado a vida e a história devida de cada um.

Aproveitei o momento para indagar a Gustavo se podia entrevista-lo. Ele ficou meioreceoso, e eu imaginei que ele poderia estar com medo de Guilherme,. O que terminou porme confessar. Mas eu lhe garanti que não perguntaria nada sobre Guilherme. Ele concordoue eu pegando meus papeis, comecei :

-  Qual é o seu nome ?

-  Gustavo.-  Que idade você tem ?-  14 anos.-  Qual sua religião ?-  Minha mãe me batizou como católico ... Mas eu não sou católico, gosto do

candomblé.-  O que sua religião prega ? Porque ?-  Eu "tô" iniciando, não sei muita coisa. Mas ―minha Mãe de Santo‖ me disse

que eu tenho muita coisa ruim comigo.-  O que você acha disso ? Porque ?-  Devo ter mesmo. Eu passo cada coisa ...ruim.

-  O que sua religião acha das ―drogas‖ ? -  ―Mãe‖ condenou! -  E o que você acha disso ?-  Acho certo ... mas é difícil parar de se ―drogar‖. -  As pessoas da sua religião sabem que você usa ―drogas‖ ? -  Sabem sim. Ela s acham que é coisa ruim.-  E você o que pensa a esse respeito ?-  Já disse ... é coisa ruim.-  O que é ―coisa ruim‖ ? -  Coisa de espirito baixo !-  O que são as ―drogas‖ para você ? 

-  Muita coisa .... tem horas que é só curtição , tem horas que eu me livro dascoisas ruins e posso imaginar um monte de coisas boas.

-  Quais as ―drogas‖ que você usa ?-  Cola, coca ...maconha ... e o que aparecer !-  E o que a sua religião fala sobre as ―drogas‖ ? -  Que é ruim.-  Algum ―crente‖ já lhe falou sobre as drogas ? 

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-  Sim. O povo que vivia na casa de minha mãe, falava muito. E o PastorHeber também.

-  O que eles diziam ?-  Que era coisa do Diabo!-  E eles falavam alguma coisa do candomblé ?

-  Diziam que era coisa do diabo também. E quando eu entrei ―pru‖ candomblé,eles disseram que o Diabo tinha tomado conta de mim.Sobre o Diabo, o Pastor havia me dito :- O Diabo toma conta do sujeito e lhe causa todos os males. Mas o cristão tem aDeus, que vence o Diabo, se seguirmos o que ele manda. E para seguir o que Deusmanda tem que obedecer incondicionalmente a quem sabe lidar com ele, quem é perito e ―batalha espiritual‖, e nós somos.‖ O grande inimigo e causador dos males passa a ser reconhecido pelo seu nome

próprio : Diabo. E com a vantagem adicional de que agora se dispõe de um poder maiorpara enfrentá-lo : Deus. Mas não basta apelar para Deus, tem que se seguir o que elemanda, e o que ele manda está expresso em códigos, sendo que são os Pastores os únicos

interpretes autorizados desse código e se assim o são é porque assim o diz o próprio códigoe existe ainda a crença do fiel nessa ―realidade‖, legitimando-a. Nisso reside a motivaçãofundante para fervor e a ―guerra santa‖, contra todas as demais religiões, notadamenteaquelas que manipulam poderes sobrenaturais através da magia. Identificado o inimigo, nãofalta motivação para essa ―luta‖ contra a malignidade invisível e suas pretensas expressõesreligiosas. Isto é suficiente para superlotar os templos todos os dias, e até o Maracanãeventualmente. ( FILHO , 1994 )

A legitimação de todo esse discurso corre em paralelo com formas de resistência aomesmo. Existe uma legitimação, mas se trata de uma relação de poder que não é uma―simples relação entre parceiros, individuais ou coletivos : é uma maneira pela qual certasações modificam outras (...) O que define uma relação de poder é que ela é um modo de

ação que não age diretamente sobre outros. Em vez disso, ela age sobre suas ações : umaação sobre uma ação, sobre ações existentes ou sobre aquelas que podem surgir no presenteou no futuro.‖ ( FOUCAULT , 1983 : 219  –  220 ) tal como vemos expresso, nacontinuidade da entrevista , pelas duas perguntas seguintes e suas respectivas respostas :

-  Qual é a hora que você mais gosta de usar ―drogas‖ ? -    Na hora de pintar . Eu gosto de desenhar quando estou ―viajando‖, pois o

desenho saí bonito, saí como eu quero !-  E o que o Pastor Heber acha disso ?-  Que é coisa do Diabo. Ele não queria que eu pintasse, mas que vivesse rezando.

Ele me pediu isso.No CERVIR, o Centro de Recuperação de Vidas Rejeitas, e uma instituição que sediz destinada a prevenção e combate ao uso de psicoativos, utilizando-se doprocesso de conversão, ou entrada do sujeito no meio evangélico, mas que visatorna-los missionários, e onde os antigos modos de ser e estar no mundo eramidentificados como ―coisa do maligno‖, herança católica, e logo tratavam demodificá-los. Mas existia uma resistência constante, se bem que não sistemática, eque era atribuída à ação do Diabo e ao gosto do sujeito pelos ―prazeres bestiais dacarne‖ .

Fantástico seria se não se encontrasse nenhuma resistência, ou se as pessoas nãose dessem conta da sua situação de exploração e dominação, mesmo que de modo

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fragmentário, ou se elas se deixassem dominar sem nenhuma resistência.( CALDEIRA , 1989 )-  Você já usou ácido, chá de cogumelo, chá de lírio, zabumba, trombeta ?-  Já tomei chá de ―cogú‖( Chá de cogumelo ) , ―doce‖ ( LSD ) e gosto da

zabumba, porque me leva ―prá‖ outro mundo, onde eu aprendo a não vacilar na

vida! A gente fica experto quando toma essas ―paradas‖. Guilherme se afastou por um momento do grupo. Esperei um pouco, e fui ao seuencontro. Ele me olhou com reprovação. ( Porque ? ) Estava na beira da calçada olhandopara ambos os lados da pista. Eu perguntei o que ele estava fazendo ? Ele me olhou commais reprovação ainda. Eu fingi não haver percebido e preparei o caderno para notas. Eleme indagou se eu iria escrever ali o que ele estava fazendo. Eu respondi que sim. Ele,pareceu ceder, e disse rapidamente : - Espero um cara que me ficou de trazer um acido, eu"tô" afim de ―viajar‖ hoje. 

. Eu perguntei se poderia entrevista-lo. Ele aceitou, a entrevista ficaria para o diaseguinte, e me perguntou se era importante para o meu trabalho. Eu respondiafirmativamente. E disse que de uma certa forma seria importante para ele também .

Sem me dar mais atenção ele continuou na sua vigília e eu voltei ao grupo. Nogrupo a conversa era a cidade e como usá-la até o extremo. Naquele dia o grupo tivera umcontato com o Pastor Heber, que conversando com eles, os alertou para os perigos deficarem ―doentes da cabeça‖ como Juninho, se continuassem naquela ―vida de drogas‖, sem―tomar posse‖ do que Deus tinha para eles. 

A Bendita Oferta

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Os elementos que, à primeira vista atraem diretamente a atenção de quem seaproxima das Igrejas do Protestantismo autônomo são : A doença-maldição, os demônios eo exorcismo, as ofertas e a idéia de cura, a poupança e prosperidade; categorias

fundamentais para se entender a ―teologia‖ desses grupos. A mola das assembléias e davida do fiel em geral é a idéia da posse. Os fieis devem tomar posse daquilo que énecessário para uma vida feliz; posto que uma a vida humana autêntica conforme a vontadede Deus é aquela em que os homens possuem e desfrutam dos bens do mundo, sinais derealização do destino que Deus deu ao homem; só em gozo destes bens o homem viveconforme o desejo do Criador. Não possuir significa frustar o propósito do Criador, adestinação divina da existência humana, significa, portanto, uma ruptura da ordemcosmológica.

Os pressupostos teológicos estabelecidos, fazem surgir a tensão do paradoxo entre a  posse a que se destina o homem e a ausência da posse como sua situação de maldiçãovivida, já que a maioria dos fiéis são miseráveis. Os indivíduos que possuem

―teologicamente‖ aquilo que lhes é devido, são considerados abençoados , abençoados porDeus. E chamam uns aos outros por este termo. Ao contrário, aqueles que não possuem, ouao possuir, frustam o desígnio da criação, ou estão desprovidos das ―bênçãos‖ , ou as estãousando-as conforme o Diabo quer, a ele estão amarrados ; sujeitos ‗a tentação ( desvio doprojeto divino ), ao mal ( sobretudo doenças físicas e mentais , estas últimas quase semprepor uso de psicoativos ), a dor e a todo e qualquer elemento perturbador ( entidadesespirituais e sobrenaturais chamadas demônios que burlam, galhofam e trapaceiam a vidado fiel ou de qualquer um e que são associadas à Umbanda, onde Êxus e Pombasgiraspersonificam a burla. )

O conflito parece ser entre duas forças equivalentes, mas apenas aparentemente o é.Deus é o único onipotente e esta destinado a vencer o Diabo, mas não é chegado o

momento da vitória definitiva da força positiva que é Deus. Vive-se no intervalo daincerteza, em que o Diabo está a obrar e com grande sucesso; posto que em relação aosdestinos individuais, ―muitos foram chamados‖ mas como não escolheram no mais íntimo everdadeiro do seu ser a Deus, poucos dentre estes, são os ―eleitos‖ ou ―escolhidos‖. Masninguém está definitivamente perdido posto que ―Deus tem um plano para sua vida.‖ 

A oferta é uma barganha cósmica, posto que o homem é livre para intervir nopróprio destino, alterando a própria situação de miséria através do instrumento privilegiadode Deus que é o corpo de Deus na Terra, as Igrejas do Protestantismo autônomo. Estas sãocapazes de instaurar uma interação entre Deus e o homem, pela qual o homem, restitui aDeus, as suas más escolhas. E o fazem através e mediante a doação, expondo a sua própriasegurança, ao abandonar-se ao risco da fé, o que despotencializa os demônios e ajuda adesfazer a maldição, permitindo a reintegração da posse.

As formas dramáticas de vivência da despotencialização dos demônios  –  isto é, osmodos de experiência da supressão da intervenção demoníaca, ou da maldição, em que aspessoas participam como agentes que envolvem-se física e emocionalmente numa sucessãode episódios, são o exorcismo e a cura.

A cura nada mais é do que a expulsão dos demônios, sanando ou não o malefíciofísico ou mental, mas envolvendo o ex-amaldiçoado, no sistema de produção de benssimbólicos e materiais da própria Igreja, trabalhando dentro dela ou para ela. Sem aretirada do demônio ( o que depende da fé do possuído por ele ) não é possível a cura. A

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manifestação dos demônios é absolutamente imprescindível antes de serem expulsos,pois é necessário demonstrar-se o poder de Deus sobre o Diabo. A presença explícita desteúltimo e dos seus anjos, os demônios é desejada e não ocultada, fato que aproxima oPentecostalismo Autônomo da Umbanda e Quimbanda, ao ver de Gomes (GOMES, 1994 ),ao mesmo tempo em que a distancia das Igrejas evangélicas e pentecostais. Mas o culto não

deve ser confundido com uma demonolatriaA manifestação é um fenômeno semelhante ao transe do Candomblé e Umbanda,quando ―descem‖ os Orixás ou Cablocos. A personalidade do indivíduo cala e uma novaentidade assume o seu lugar. Não somente o corpo, mas a consciência do homem cedelugar à de um demônio e esse se refere ao ―dono do corpo‖, momentaneamente na terceirapessoa.

Porém a uma diferença fundamental com relação ao Candomblé. Enquanto nareligião yorubá a entidade que se manifesta, sendo positiva e divina, domina, impera, não écontradita e tem a submissão dos presentes aos seus ―quereres‖, no ProtestantismoAutônomo, sendo negativa e demoníaca, é dominada, contida, humilhada, torturada e,enfim expulsa. É imperativo a sua expulsão.

A ―manifestação‖ aparece no Protestantismo Autônomo como a única forma de sepoder atingir os espíritos do mal. Há o interesse que se manifestem através do imperativoconstante e expresso aos brados de manifeste agora ... ou você vai se manifestar agora ...ou ainda apresente-se e depois saia desse corpo em nome de Jesus. Quando se manifestatorna-se ―palpável‖. E tornando-se ―palpável‖ o demônio se torna vulnerável, pode ser atingido, manipulado pelo agente do bem. A manifestação não é espontânea, é umaconstrição, uma coação à qual nem sempre corresponde ao efeito desejado. Há pessoasendemoniadas que postas em contato  com um ― local ou objeto abençoado‖, que sãolevadas para o Tabernáculo, entrando em contato com a mesa para os pães da proposição,ou o candelabro, as cortinas, as tábuas, os véus, o altar, o átrio, um ―óleo de Israel‖ ou o―azeite quente‖, são ―libertas‖ posto que o demônio torna-se vulnerável e expulsável , após

um momento mais ou menos longo de inter-relação entre demônio e os Pastores, onde estesúltimos os entrevistam e punem. A entrevista contém dois elementos, ao menos, que estãosempre presentes no interrogatório : a) ―qual é o seu nome ?‖; b) ―o que você está fazendona vida dessa pessoa?‖. Pede-se detalhes sobre o malefício ou o papel de demônio na vidadas pessoas, e sobretudo como é a vida da pessoa sobre a égide demoníaca, o que implicaque a pessoa deve fazer uma confissão, muitas vezes pública, constrangedora, dos seus―pecados‖. Detalha-se as razões pelas quais o demônio resolveu atrapalhar a vida dealguém, desviando-a do caminho da oferta, da verdadeira aliança, que são freqüentementeum ―trabalho‖ feito por algum inimigo ou ato do demônio de simplesmente querer fazer omal e/ou afastar a pessoa da oferta e da Igreja.

As respostas dos demônios são sempre acompanhadas de glosas moralizantes dosPastores : comentários de sentido exortativo e de iluminação doutrinária para os fiéis, cominsistência numa adesão mais profunda à Igreja, e uma maior ―ousadia‖ na hora da oferta,visto a constante ameaça dos demônios em nossas vidas, que tornam vulnerável a existênciafora da Igreja, e na importância da oferta como confirmação, reconfirmação e realização daadesão à Jesus, etc.

Relato abaixo um trecho vivênciado por mim e por Oséias, quando, mais tarde,Oséias decidiu seguir os conselhos do Pastor Heber e ir para o CERVIR, para ―recuperar -sedo que o demônio estava fazendo com ele, através das ―drogas‖. Esse relato é um exemploda lógica da oferta para o Protestantismo Autônomo.

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Estávamos no CERVIR, já a dez dias. Naquele dia o responsável pela palestra damanhã, que ouvimos pelo alto-falante, foi o Pastor Heber. Sua voz ecoava da fita-cassete  para todos os cantos do reformatório. À tarde o grupo que fosse descansar iria meditar 

ouvindo a fita e debatendo entre si, a respeito. Ouvimos essa fita vários dias, e nela, ele falava :―Para vencer os demônios e o Diabo, temos que estar debaixo da cobertura do

Sangue de Jesus. Tenho que estar 100 % de consciência limpa. O demônio tem poder sobrenossa vida se não cumprirmos os mandamentos de Deus.

 Mas primeiro temos que saber o que é consciência ! Consciência é o conhecimentoou percepção do que se passa em nós. É ela que realiza os julgamentos das nossas açõesaprovando-as ou não. É estar com a alma liberta. E a droga impossibilita isso ! elaimpossibilita uma consciência limpa, que é a alegria interior e a paz de Espírito. Ter aconsciência do pecado e joga-lo no lixo !

Quem não tem consciência, não sabe quem é ! E diante disso pode assumir duas

atitudes diante da vida : Uma passiva e outra agressiva. Não tenta saber quem é, no  primeiro caso e, no segundo, tenta saber mais não tem como responder. Mas a  personalidade não é herdada é adquirida, se fosse herdada, seriamos passivos ouagressivos como nossos pais e não haveria solução para nós! Quem nos ajudou a construir essa falsa imagem de nós mesmos ? Todos os que nos deram informações erradas ! Nossos pais, amigos, o governo, a mídia, o nosso coração e até mesmo a Igreja, quando os nossos pais, amigos, governo, mídia, coração ou Igreja deixam de ouvir a voz de Deus e passam aouvir a voz do Diabo !

Para nos dar uma consciência limpa, temos que cumprir os dez mandamentos enunca quebrar relacionamentos ! O que o Diabo quer é quebrar os relacionamentos entreas pessoas, ele quer destruir o relacionamento da pessoa com Deus e com as outras

 pessoas !O Diabo quer destruir a nossa autenticidade nos ensinando ora a ser sociáveis esociais, ora o oposto. Você passa a valer pelo que você tem, pois com o que você é, vocênão compra ‗droga‘ em lugar nenhum. N ão ser valorizado pelo que você é te leva àdecepção, ao complexo de inferioridade e você busca a droga para se sentir superior. Issoé a fonte de seus traumas cuja conseqüência é o medo de não ser aceito ! E porque vocêquer ser aceito ? Para ser amado ! A ‗droga‘ é a mascara que você usa para camuflar tudoisso. Pode ser que a ‗droga‘ te dê a impressão de alegria, de santidade, de humildade, deque você é bom ou tímido ou liberal, mas isso é só mascara. No fundo você só é umviciado, uma vida rejeitada por si mesmo.

Você sabe quais são os dez mandamentos ? Você os compreende de fato ? A cruz resume duas direções do relacionamento de amor que deus nos ordena ter:

o primeiro vertical, é o relacionamento de amor do homem com Deus. O segundo é horizontal, de homem para homem. Os quatro primeiros mandamentos de amor sãoverticais, são do homem para com Deus.

Primeiro : Seu primeiro amor é para Deus. Quando você ama qualquer outra coisamais do que a Deus, isso é obra do diabo, e o resultado é a violência.

Segundo : Não tenha ídolos, ter ídolos é sinal de falta de sanidade mental, é violência contra si mesmo e contra o próximo.

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Terceiro : Não use o nome de Deus em vão ! Inutilmente! Quando as pessoasse machucam, elas soltam um palavrão e depois e depois dizem o nome de Deus. O meunome tem significado, o seu nome tem significado. Os nomes tem sentido profundo. Aminha missão esta ligada ao nome que tenho na vida. Se eu desrespeito o nome de alguém,e o que ele significa, cometo violência. A maior violência que posso cometer é desrespeitar 

o nome de Deus.Quarto : Guardar o sábado. O sábado é um dia de adoração a Deus e de descanso para os homens. Não fazer trabalhos desnecessários. Trabalhar no sábado é uma violênciacontra si mesmo, e toda violência contra si mesmo é só violência!

Esses mandamentos são feitos para o relacionamento do homem com Deus. Desobedecer a eles é gerar violência!

Quinto : Honra teu pai e tua mãe. São os primeiros na ‗terra‘ que te amam.Quando você não honra seus pais, você esta cometendo violência, e quando você cometeviolência, sua vida é encurtada e com pouca paz!

Os próximos mandamentos começam com ‗não‘, são coisas para não fazermos comos outros ou com nós mesmo ! E eles são :

Sexto : Não matar ! A violência aqui, está explicita !Sétimo : Não adulterar ! Ninguém adultera o que não é importante! Adultério é violência !

Oitavo : Não roubar ! ( Pausa ) meus queridos, roubar não é só desviar o dinheiroou qualquer outro bem de seu irmão ! É roubar a Deus, é roubar a oferta que é para Deus. Deus nos deu as coisas, não para nos apegarmos a elas, mas para testar o nosso ego. E sábio devolver a Ele o que só a Ele pertence, pois Ele nos recompensará! Não ofertar é compactuar com o Diabo. Com a obra do Diabo. E a obra do Diabo é impedir ocrescimento do Corpo de Cristo, a Igreja. Compactuar com isso é cometer violência! Aobra do Diabo é a violência aonde quer que ela esteja! É só a violência que os falsos profetas nos ensinam !

  Nono : Não mentir. Não dar falso testemunho, nem para si mesmo, pois isso é violência !  Decimo : Não cobiçar. A cobiça é algo interno, é algo que está dentro do meu

coração que não posso ver. É uma lascívia interna. A cobiça é não cumprir interno detodos os outros mandamentos, conforme Provérbios, Vinte Um, versículo Vinte e Seis. Acobiça é violência ! É pura violência !

 Meus queridos irmãos, a violência está presente todas as vezes que não cumprimosos mandamentos, e é uma forma de indiferença. É o contrario do amor. E no mundo o quemais gera a violência, a indiferença e muitas outras formas e manifestações dodescumprimento dos mandamentos é a ‗droga‘. Por isso meus irmãos se vocês queremrealmente serem cristãos, e não somente crentes, porque o Diabo também crê e treme ...Se vocês querem ser cristãos Evitem as ‗drogas‘ em nome de Jesus, senão o Inferno serácerto para vocês!‖ 

 Nesse momento Oséias, que estava em jejum já a dois dias e tremia muito, mesmoestando quente o dia, queixava-se dizendo-se com dores no corpo e sentindo falta de―drogas‖. Terminou por cair ao chão e começar a babar e nesse momento os obreiros ocercaram, jogaram água nele e começaram a sacudi-lo, gritando frases bíblicas eordenando que o demônio saísse.

Oséias foi levado para a casa que os obreiros denominavam de ―enfermariaespiritual‖ e só voltou de lá quase uma hora depois. Os demais internos comentavam a

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  forma como o demônio havia tomado o corpo dele, que era a pomba-gira e que eledevia ter tido algum pensamento homossexual para que aquilo tivesse ocorrido . Muitosriram abertamente dele. O Pastor Ribeiro apareceu e disse que no culto noturno, logo apósa janta, Oséias iria segurar o saco de ofertas para que, o demônio que estava no corpodele fosse humilhado, perante todos.

Os demônios alcagüetes

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Os demônios tem uma interessante função : eles são reveladores, verdadeirosalcagüetes, dedos-duros que colaboram com os Pastores que lhes pedem informações sobreos membros da comunidade, sendo que as perguntas se concentram na fidelidade dacomunidade ou sobre a sinceridade dos ofertantes, podendo o demônio acusar que o fielnão ofertou tudo o que tinha nos bolsos ou se escondeu alguma coisa, se está desviando

seus bens para o consumo de álcool, maconha ou outro psicoativo, além é claro, de outras―obras da carne‖ como está expresso em Gálatas 5 : 19-21 : ―prostituição, impurezas,lascívia, idolatria, feitiçarias, inimizades, porfias, ciúmes, iras, discórdias, dissenções,facções, invejas, bebedices, glutonarias e coisas semelhantes a estas‖. Utilizam ainda, apósa denuncia, a expressão Gálatas 5 para humilhar o indivíduo acusado, chamando-o por estaexpressão, ―para que se arrependa e herde o reino de Deus‖, até que o indivíduo se retrate.O demônio deve tudo saber e não mentir, proeza que é obtida quando o Pastor o solicita―em nome de Jesus‖ a realizar tal processo. 

Um recurso pedagógico muito potente, posto que todos temem a possibilidade deverem-se desmascarados em público pelo ―Acusador‖, o nome que o demônio passa a ter nessas horas, pelo demônio que indica, e aponta se alguém presente não está agindo em

conformidade com os princípios do Protestantismo autônomo. Aqui destaca-se a autoridadedos Pastores ( única classe diante da qual os demônios se curvam, os representantes deJesus na Terra ) e da Igreja (única forma eficaz de contraposição à ação nefasta dosdemônios ).

Os demônios variam de ânimo no curso desse processo. Inicialmente estãoenfurecidos por terem sido descobertos e forçados a manifestarem-se . Comportam-se deforma agressiva, clamando de maneira estrondosa, grunhindo, resmungando ou bufando.Este comportamento é chamado de ―animalesco‖, ―bestial‖, e justifica toda uma série deviolências físicas ou psicológicas, permitidas pelo fato de que na condição ―não -humana‖,demoníaca, o indivíduo perde os seus direitos enquanto ser humano. Presenciei, quandoestive no CERVIR, muitos casos de manifestação, e em quase todos eles os indivíduos

estavam sob o efeito de psicoativos ou em algum estado alterado de consciência, antes doinicio da manifestação, ou eram induzidos a tal, mediante sugestão. A seguir háfreqüentemente, um comportamento de burla, ironia, galhofa. Este é o momento em que osPastores lhes perguntam sobre o que fazem na vida das pessoas por eles possuídas. Osdemônios, então vangloriam-se pelos seus feitos, principalmente por terem impedido osfiéis de darem tudo o que tinham no momento da oferta. Uma nova mudança de humor sedá, em seguida. Agora o Pastor deve demonstrar o seu poder sobre o demônio humilhando-os , principalmente por meio de agressões físicas ou psicológicas e convidando os membrosda assembléia a fazerem o mesmo. Entre esses os ―obreiros‖, geralmente ex-dependentes depsicoativos ou ex- delinqüentes são os mais habilitados na tarefa de ―humilhação‖. Osdemônios tentam, nesse momento ridicularizar a Igreja, mostrando a sua ineficácia frente aextensão do agir demoníaco. A desforra do Pastor vai consistir em mostrar o poder de todasas suas ações e palavras ―em nome de Jesus‖, coagindo os demônios a agir contr a a suaprópria natureza, seja abraçando o Pastor , seja segurando a Bíblia, mas principalmente quesegurem o saco onde estão as ofertas. Em face do significado da oferta, como principalelemento antidemoníaco, não há maior humilhação aos demônios do que este ato, quesofrem muito com isso, e tentam em vão resistir na peleja : ele sempre cede para o júbilodos participantes que gritam : ―Glória, Glória, Aleluia Jesus!‖, invariavelmente.

Como nos diz Wilson Gomes ( GOMES, 1994 ) : ―O exorcismo representa o golpede misericórdia desse jogo. Uma vez demonstrado o poder de Jesus, a autoridade do pastor

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que age em seu nome, a imprescindibilidade da Igreja e a necessidade de um conjuntode comportamentos e crenças adequados ao conflito incessante com os espíritos malignosque é a vida humana, então os demônios podem ser desalojados das pessoas e objetos.‖ 

Oséias mais tarde seria mais tarde levado ao CERVIR, e lá foi pego usandopsicoativos. Os pastores já o estavam observando. Pegou ele no flagrante e o levou para a

enfermaria. Mais tarde, Oséias, drogado foi conduzido a delatar os colegas e se dizerpossuído pelo diabo. Gritava com o Pastor, mas foi, depois de devidamente repreendido eter o Diabo retirado do corpo, andar no meio dos internos no culto, para arrecadar dinheiro.

Os Longos Braços das Empresas de Salvação

O pagamento dos dízimos, as ofertas, não são somente dadas à Igreja, mas à todauma rede de vendas de produtos e prestadores de serviços ―de cristão para cristão‖, q ueenvolve diversas denominações e é administrada por uma organização a ADHONEP (

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Associação dos Homens de Negócio do Evangelho Pleno ). Circula entre os fiéisdiversas revistas, como por exemplo, a Anunciai,  um guia evangélico de produtos  eserviços, com uma média de 13.000 exemplares e de distribuição gratuita em salvador eFeira de Santana e ainda na Internet, que vem com o seguinte apelo :

― O Guia Anunciai agora está na Internet, disponibilizando para você mais umamaneira de consulta de produtos e serviços prestados pelo povo de Deus. Em Gálatas 6 :10 diz : ‗ Enquanto temos oportunidade, façamos o bem a todos, mas principalmente aosdomésticos da fé.‘ Siga essa ordem do Senhor e priorize o seu irmão, pois dessa formavocê estará contribuindo para o crescimento dele e das obras do Senhor, através dosdízimos e das ofertas. Visite o nosso site e concorra a prêmios que serão sorteadosquinzenalmente. Divulgue e torne esse site conhecido no meio evangélico‘.‖ 

Funciona divulgando serviços que vão de academias de ginástica e artes-marciais ,como, por exemplo, o Judô ( apesar de a reverência os antepassados e a imagem dofundador do Judô, ajoelhando-se diante dela ), produtos concebidos pelos Pastores como

―drogas‖ como o café, ou produtos que estimulam um ―demoníaco encantamento‖, comodizia o Pastor Heber, que são os perfumes e cosméticos em geral, ou outros ―proibidos por estimularem a vaidade‖ como jóias, bijuterias, e mesmo a decoração da casa em estilooriental.

Numa conversa posterior que tivemos com o Pastor Heber acerca do significado doconceito de ―carne‖, ele colocou para nós a possibilidade de continuar o dialogo, medianteao meu comparecimento a uma das reuniões da ADHONEP. Eu aceitei a sua proposta e atranscrevo abaixo :

Na sexta-feira da mesma semana, o Pastor Heber foi me buscar naresidência universitária para irmos à reunião que ele havia falado. Chegou

exatamente às dezessete horas e teríamos uma hora para conversarmos a respeito dareunião. Eu estava ansioso, mas realmente o que me preocupava era o resultado deum exame de PPD para tuberculose, que eu havia realizado. Eu tinha tomado chuvase virado noites com os meninos de rua e estava agora com febre e tossindo muito.Filetes de sangue saiam do escarro. Fui ao SMU e ao descrever meus sintomas parao medico ele me falou da possibilidade de pneumonia ou tuberculose e me envioupara a enfermeira responsável por um programa de prevenção a doenças infecto-contagiosas. Ela havia me solicitado o PPD, e o resultado do exame fora 15 mm, oque pelos padrões de avaliação deles isso indicava que eu estava com altapossibilidade de estar com o bacilo. Além disso eu estava preocupado com osfreqüentes surtos de ansiedade que haviam ressurgido após longo período, depois dequase cinco anos de tratamento com benzodiazepínicos, sob a responsabilidade deum médico do SMU . Estava pensando em desistir de ir a reunião, e pensava mesmona possibilidade de trancar o semestre na faculdade por motivos de saúde; eexpressei isso ao Pastor. Ele me olhou atentamente e me perguntou o que estava meimpedindo de ir. Eu lhe falei a respeito da possibilidade de estar com tuberculose,da ansiedade e da possibilidade de que eu vinhesse a ter surtos de ansiedade, pois ostivera na infância. Ele novamente me perguntou o que estava me impedindo de ir. Eeu repeti tudo novamente. Ele abaixou a cabeça e ficou silencioso por um momento.Após isso me falou :

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- ―Hoje será um dia muito especial para você. Você poderá ver a manifestaçãodo

poder de Deus na vida das pessoas através de uma atitude delas de fé eobediência! O que você tem no pulmão ... as doenças que você tem, elas podem sercuradas por Deus porque elas não passam de uma manifestação do Maligno, do

Diabo, que quer destruir a sua vida, porque ele vê que você pode vir a se aproximarde Deus. Vamos a ADHONEP, hoje. Faça esse esforço!‖ - O que é a ADHONEP, Pastor ?- ―A ADHONEP é a Associação de Homens de Negócios do Evangelho

Pleno. Elafoi fundada em 1952, por Demos Shakarian, um americano de descendência

armênia e que se expandiu por todo o mundo, chegando a estar hoje em cerca de120 países e, no Brasil se iniciou em 1973.‖ 

- E qual o objetivo dela ?- ―A ADHONEP é uma associação de empresários, profissionais liberais e autoridades civis e militares evangélicos, que visa atingir a outros

empresários, profissionais liberais e autoridades civis e militares com o objetivo deconverte-los ao Evangelho. Nós descobrimos que se evangelizamos o dono de umafirma fica mais fácil que a firma se abra para a evangelização de seus funcionários.Por outro lado, se os funcionários vêem que o seu patrão é evangélico, é grande achance de que convertam-se também. Não é uma religião ou denominação; não temfunção de Igreja. É uma reunião de negócios onde além de negócios se fala de algoque preencha o vazio interior do homem. Lá os empresários que tem a experiênciade uma mudança ou milagre recebido de Deus, e deseja narrar o fato e compartilhá-lo com os irmãos, encontra ali grande oportunidade. E negócios são firmados entreevangélicos dos mais diversos ramos. Eu quero leva-lo para lá porque talvez algumempresário seja dono de alguma escola, onde você possa trabalhar ou ainda

financiar a sua pesquisa. E quanto a sua doença, existem muitos médicos lá, e omelhor deles vai estar presente, que é Jesus!‖ Não posso

negar que a idéia de receber uma proposta de trabalho ou mesmo um financiamentopara a minha pesquisa me entusiasmou. E como o próprio Pastor dissera , láestariam médicos que poderiam cuidar de minha saúde de uma maneira mais rápidae eficaz do que o tratamento via SMU, pois no SMU, para mim, tudo era muitomoroso. Perguntei a ele :

- Como se estrutura a ADHONEP?- ―A ADHONEP está dividida em Capítulos. Cada Capítulo é responsável

por umacidade, e subdivisões que são responsáveis por um bairro ... A ADHONEP

conta com mais de 600 Capítulos em todo o Brasil. Esses Capítulos, com suadiretoria própria, composta de empresários, realiza jantares, almoços e cafés damanha nos melhores hotéis das cidade. E tem ainda o Apoio Feminino, integradopor esposas de empresários, e que realiza chás com o mesmo objetivo, e o ApoioJovem, que programa coquetéis e eventos para os jovens, e isso ocorre tambémmediante os SATLs.‖ 

- O que são os SATLs ?

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- ―Os SATLs são os Seminários Avançados de Treinamento de Liderança, ondea ADHONEP promove grande incentivo à família, responsável pela formação deuma sociedade saudável no país. Os empresários aprendem a ser melhores maridos,as mulheres, melhores esposas, e os filhos a se conduzir dignamente, dentro de umlar saudável e cheio de segurança. Observe que eu não estou lhe prometendo que

você arranjará um emprego ou financiamento. Estou lhe falando da possibilidadeapenas. Somente indiretamente a ADHONEP financia atividades como a sua, masno caso transformadas num projeto de evangelização. E aí você tem que passar poruma escola que forme obreiros. Eu próprio realizo o meu trabalho nas ruas com omeu próprio dinheiro. Mas você se enriquecerá indo a ADHONEP, você vai ver !‖  

- Onde e como a ADHONEP atua ?- ―Nos produzimos uma revista, chamada A VOZ que circula nos presídiosgratuitamente. Eu não tenho nenhuma revista agora, mas o ideal é que eu

sempre tenha comigo um ou mais exemplares. Sempre há pessoas que poderão sertocadas pelos depoimentos nela contido. Produzimos um jornal denominado‗INFORMADHONEP‘ , que circula entre seus associados, divulgando os Capítulos

e integrando-os, entre os seus milhares de associados. Temos ainda livros e umcurso bíblico por correspondência.‖ - E qual o trabalho de vocês nos presídios ?- ―Nossa linha é a linha de defesa da família. Fazemos esforços para alcançar 

e recuperar detentos. Muitas vezes conseguimos liberdade condicional para eles.Nós levamos até eles literatura como aconselhamento pastoral, mediante associadosespecialmente dedicados à causa do Mestre Jesus. Esse ministério de prisões temalcançado muitos presos, com visível recuperação e transformação de vida. Osdetentos começam a compreender o porque a vida deles é assim, e deixam de acusara sociedade e atacar a família, unindo-se a nós num exercito vigoroso de combateespiritual contra o verdadeiro inimigo que é Satanás e o mundo por ele criado! Além

disso, esperamos transformar o sistema penitenciário brasileiro e uma recuperaçãototal dos detentos.‖ – E olhou o relógio, parecendo preocupado.- Como é que se da o combate espiritual contra Satanás e como é o combate

contra o mundo ? O que o senhor chama de mundo Pastor ?- ―A batalha espiritual como o próprio nome já diz é uma batalha espiritual,

na base da oração, da educação, do discipulado, do ensino das Escrituras. Ocombate contra o mundo é deixar de lado os valores deste mundo ... do mundo emque você vive. Olhe, temos pouco tempo. Depois eu lhe explico claramente o quesignificam cada uma dessas coisas. Não se turve o vosso coração por nada!Vamos?‖ 

Eu aceitei ir e ele me levou até o local onde estava sendo realizado a reunião.O Hotel, localizado no Porto da Barra. Me levou de carro e me falou que ouviríamosum testemunho muito edificante. Após alguns minutos chegamos no local. Noestacionamento muitos carros luxuosos. Num salão de reuniões estavam diversaspessoas, todas vestidas de acordo com os padrões de elevada classe social. Oshomens de terno e gravata e as mulheres com belos vestidos, mas sem decotes oupompas. Todos, sem exceção, portavam Bíblias. Um homem chegou na frente detodos, identificou-se como sendo o Pastor Edson e dando-nos boa noite, em nomede Jesus, convidou a todos para orarem naquele instante para que Deus afastasse oDiabo dali e para que tudo se conduzisse conforme a vontade de Deus. E todos,

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oraram e pegaram as suas Bíblias. O Pastor Edson, pediu a todos que abrissem suasBíblias em Romanos Oito, e iniciou uma leitura deste referido capitulo. Após issoteceu alguns comentários e convidou todos ao silêncio. Ele então chamou o ―irmãoAntônio‖, que daria, segundo o Pastor Heber, o testemunho naquela noite. O irmãoAntônio se aproximou do microfone e começou :

- ―Boa Noite, irmãos! Que a paz do Senhor Jesus Cristo esteja convosco! –  Ao que todos responderam.- Hoje é um dia maravilhoso para mim porque venhoaqui falar da glória e do poder de Jesus Cristo !‖ – E todos disseram : Aleluia! Jesus! A cada vez em que o palestrante falava de Jesus, de sua glória e de seu poder, ouqualquer evento ―sobrenatural‖, todos repetiam aquela frase : Aleluia! Jesus! –  ―Meus queridos irmãos, o que eu tenho para contar para vocês não é a minhahistória, é a história do poder de Deus. Eu vivia em alta Floresta, no Mato Grosso,onde, numa reunião da ADHONEP, no Capítulo 487, encontrei a Jesus e me torneicristão, tendo a Jesus como meu Senhor e Salvador. Antes disso, eu era católico eapenas minha esposa M. conhecia a Jesus. Meus filhos viviam num lar dividido. Omais velho, meu querido P, era católico como eu, e a pequena G. era cristã, como a

mãe. Mas influenciado e dominado pelo Diabo eu não permitia que elas fossem aoscultos, nem que confessassem a sua fé. Na minha estante estavam vários livros queo Diabo me forçava a comprar. Eu lia Kardec, lia Buda. E fazia todas essas práticasmalignas, que hoje as pessoas chamam de terapias para stress e expansão daconsciência. Era yoga, reiki...e tudo o mais que fosse do Diabo. Eu também eraadepto Rosa-Cruz. E meus sonhos se resumiam numa só coisa : Eu queria ser umpróspero pecuarista, dono de muitas cabeças de gado, e desejava apenas isso. Massentia por dentro um vazio que nada nem ninguém podia preencher. Num certo dia,o Senhor falou diretamente com minha esposa : - ‗Está noite eu falarei comAntônio. Diga isso a ele!‘ – E foi o que minha mulher fez. E eu reagi com violênciae ironia. Comecei a achar que minha esposa tina enlouquecido de vez. Já andava

farto de vê-la influenciando minha filha. E estava infeliz no casamento, mantendouma amante. Só tinha um prazer, que era meu filho. Eu admirava que ele era umrapaz dedicado aos estudos; ele estudava informática e o admirava porque ele eraum excelente lutador de karatê, e famoso pelas brigas que arranjava e que saíavitorioso. Pensava em pedir divorcio. Mas a noite chegou. Eu já tinha esquecido ahistória, e tomava uns drinques para esquecer o dia de labuta. Foi aí que ouvi Deusme dizer : - ‗Antônio, eu quero você fora dessa vida que você tem levado distante demim !‘- Eu fique muito assustado e não ouvi mais nada além disso. Aquela voz eramuito doce e forte, e de imediato eu compreendi que era Jesus que estava falandocomigo! Mas logo me veio a dúvida e eu comecei a rir de mim mesmo, pensandoem como eu me deixara afetar pelo que minha esposa havia dito, ao ponto de delirarapós uns goles de bebida. Não comentei nada com minha esposa, e reagi com todo oorgulho que havia em mim, fazendo questão de esquecer tudo. Não havia em mimespaço para a voz de Deus, era só a voz de Antônio e a voz do Diabo! Passaram-seuma semana, meus caros irmãos, e eu adoeci. Mas eu fiquei muito mal mesmo, enenhum médico era capaz de dizer o que se passava comigo. Nem espírita, nem budista... Ninguém.‖ – E nesse momento parou de falar e bebeu um pouco de águaque estava sobre a mesa, muito bem ornamentada com flores e com uma grandeBíblia aberta. Ele recomeçou : - ―Minha esposa veio até mim e me disse novamenteque Jesus havia falado com ela. Que ele havia dito para mim que me queria longe da

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vida que eu levava. Ele sabia que você ia adoecer. Você se expôs e está com malária..Mas eu me negava a aceitar tal hipótese. No dia seguinte fui internado, e os examesconfirmaram o diagnóstico  – malária vivax. Após 9 dias de internação recebi alta.No dia seguinte retornei ao hospital, em condição muito pior que a anterior. Fui nomesmo dia removido de ambulância para Curitiba.

Quando fui atendido pelo médico, minhas esperanças renasceram.Mas no dia seguinte, após vários exames, foi constatado que eu era portadorde duas malárias : a vivax e a falsi-parum, e já apresentava outras complicaçõessérias, como hepatite e distensão abdominal. Meu estado era extremamentedelicado. Assim que fui medicado minha reação foi péssima, e algumas horasdepois estava na UTI. Quando acordei, fiquei assustado por me encontrar num lugarcompletamente estranho, rodeado de médicos e enfermeiras, e com muitosaparelhos ligados em mim.

Fui transferido para outro hospital e agora apresentava insuficiência renal erespiratória, e o número de aparelhos ligados a mim era maior que antes. Fuiimobilizado. Também não podia falar, devido a um tubo introduzido pela boca para

que pudesse respirar artificialmente.Um grande especialista confessou que, considerando meu estado e ascomplicações advindas daquelas malárias, chegara à conclusão de que somenteDeus poderia livrar-me da morte.

Até bem pouco tempo, alimentava o sonho de me tornar próspero pecuarista,dono de muitas cabeças de gado.

Foi nesta busca que quase perdi a vida.‖ E ele parou. Tomou mais um pouco de água e conversou algo com o Pastor

Heber, que estava sentado ao seu lado. Uma música de fundo, produzida por umteclado, acompanhava a narrativa. Os fiéis estavam quase todos de olhos vidradosnaquele homem, e muitos estavam conversando a respeito do que haviam ouvido até

então. Antônio, pegou novamente o microfone e fez-se silencio geral. Elerecomeçou a falar :- ―Casei-me aos 28 anos com M., e tivemos três filhos, um menino e duas

meninas, tendo uma delas falecido. Tantas foram as tempestades que tivemos queenfrentar, que hoje, voltando o pensamento para trás me parece haver sonhado, masum sonho mau...

Adquiri uma boa área de terra próxima à cidade de Apiacás, interior de MatoGrosso.

Enquanto abria a fazenda, comprei algumas cabeças de gado bovino. Estegado estava distribuído em três localidades diferentes, em pasto arrendado, poisminha fazenda estava em formação. Num dos pastos, apesar da garantia doproprietário de que a cerca estava em boas condições, a realidade era outra. Quandoo gado foi removido para lá, logo fugia mata adentro; e assim se foram 45 cabeçasde matrizes. Contratei ajudantes e começamos a procurar por matas, brejos e outrospastos. Passamos muitos dias e noites numa desenfreada busca. Aconteceu entãoque numa dessas noites de procura aflitiva, a bateria da caminhonete parou defuncionar. Sem luz, fui obrigado a dormir sobre uma ponte, debaixo da qual passavaum riacho. Me lembrei do que havia acontecido ... Daquela voz que me falara aoouvido, e que eu não havia dado atenção. Mas logo tratei de esquecer isso, e meconcentrei no que estava acontecendo ali.

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Fui atacado ali por pernilongos, só que de tamanho muito maior. Eu nemimaginava que a partir daquela noite teria início uma nova fase completamenteinesperada na minha vida..

Continuei trabalhando para recuperar os animais. Faltaram alguns. Foramaproximadamente 10 longos dias passados longe de casa.

Retornei à casa  –  resido com minha família em Alta-Floresta, em MatoGrosso -, no dia 29/12/19995, pois todo final de ano costumamos visitar a parentelaque mora no sul, Paraná e Santa Catarina. Essas férias sempre eram esperadas comgrande expectativa, intensa alegria e ansiedade em rever os parentes. Entretanto,para minha surpresa, quando cheguei em casa, nem minha mulher nem mês filhosmanifestaram a menor disposição para viajar. Nada estava pronto. Quanta diferençados outros anos! Não sabíamos explicar o que estava acontecendo, mas algo nosinduziu a fazer aquela viagem totalmente contra a nossa vontade. Saímos na tardedo dia 29. Dois dias de muito sofrimento. Me sentia muito mal, com fortes dores decabeça. De início pensamos tratar-se de uma gripeChegamos a Irati ( PR ) na tarde do dia 31. Mal cheguei, fui logo para a cama.

Minha situação foi rapidamente se agravando, e no dia 1

o

de janeiro fui para ohospital – mas não fiquei internado. Minha mulher logo suspeitou que eu estivessecom malária.

No dia seguinte fui internado, e os exames confirmaram o diagnóstico.Recebi o tratamento adequado para este vírus.Após 9 dias internado, recebi alta. No dia seguinte retornei ao hospital, em

condição muito pior que a anterior. Fui no mesmo dia removido de ambulância paraa capital, Curitiba. São apenas 150Km, mas a viagem me pareceu interminável.Quando lá chegamos, enfrentamos novos problemas : encontra um médico e umavaga no hospital.

Encontramos o Dr. Ignácio C., médico infectologista, e ele começou a

procurar um hospital onde me internar. Das horas depois estava internado noHospital Saint Claire. Quando fui atendido pelo médico, minhas esperançasrenasceram. Aquela noite – 10/01/96 – foi m pouco melhor que as outras. Contudo,no dia seguinte, após vários exames, foi constatado que eu era portador de duasmalárias : a vivax e a falsiparum, e já apresentava outras complicações sérias. Euestava fraco e debilitado. Meu estado de saúde era terrível ...

Assim que fui medicado minha reação foi péssima, e algumas horas depoisestava na UTI. Quando acordei, fiquei assustado por me encontrar num lugarcompletamente estranho, rodeado de médicos e enfermeiras, e com muitosaparelhos ligados em mim. Aí começaram as perguntas : ‗Onde você mora ? O queacontece com você ?‘ Conseguia dizer alguma coisas, mas com muita dificuldade,embora ainda estivesse lúcido. Fiquei ali por três dias, e meu quadro se agravouainda mais. Fui transferido por uma UTI móvel para a UTI do Hospital Evangélico,e ali permaneci por mais uma semana. Apresentava agora insuficiência renal erespiratória. Fui imobilizado e também não podia falar, devido ao tubo introduzidopela boca para que eu pudesse respirar artificialmente.

Uma médica se aproximo de mim e disse : - ‗Você passou muito mal !‘ Sóque eu sabia que continuava muito mal. Nesse período minha mulher só podiavisitar-me uma vez por dia, durante dez minutos, em média. Ela orava por mim e

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pedia para que eu me convertesse. Mais algo me dizia que não deveria fazer aquilo!Era a voz do diabo! Hoje eu sei.

Logo que fui para a UTI pela primeira vez, ela soube que um amigo de Alta-Floresta  –  Dr. Hamilton K., pastor evangélico -, médico muito experiente emdoenças tropicais infecto-contagiosas, estava de férias em Curitiba. Usou então de

todos os meios para localizá-lo. Quando o médico chego ao hospital, já era muitotarde da noite. Mas mesmo assim a equipe médica da UTI lhe permiti a entrada.Ficou ali por muito tempo. Conversou tudo comigo a respeito de minha

doença, tratamento cientifico e as dosagens, e de Jesus, que oferecia a cura por mtratamento espiritual de dosagem única e plena, me dizendo que somente Deuspoderia me livrar da morte certa, e depois conversou com o médico plantonista. Eucomeçava a sentir um forte desejo de me converter a Jesus e o chamei. Ele meouviu, e me pediu que me arrependesse do terrível passado em que havia mededicado a Satanás através da simpatia pelo espiritismo, dos métodos de yoga, daminha fé na ciência, como fonte de cura. E foi o que eu fiz. Depois ele me pediupara que eu aceitasse Jesus como me SENHOR e SALVADOR pessoal. E foi o que

e fiz. Ele se foi . Depois de um longo período inconsciente, abri os olhos e vimédicos e enfermeiros se afastando aos poucos, e dizendo : ‗Não acredito, eleestava morto! Não entendo mais nada!‘ Fui milagrosamente recuperado. Para osmédicos e para a ciência do maligno e estava morto. Mas Deus sustentava minhavida de uma forma sobrenatural. Só Deus pode fazer isso! No dia 22 de janeiro fuitransferido da UTI para o quarto, e logo voltei para o hospital onde fora internadoanteriormente, ainda em Curitiba (PR). Ali fiquei mais 5 dias, perfazendo m total de24 dias de internação. Foram longos, difíceis, para todos nós.

Deus esteve comigo em todos os momentos, desde o início, quando o gadofugiu, até chegar ao vale da sombra da morte. Hoje estou bem de saúde, e  juntamente com a minha família louvamos a Deus pelo grande milagre que esta

experiência nos proporcionou, pois meu filho também se converteu.Saiba que Deus pode fazer o mesmo por você, sua mulher, pais e filhos. Ficoimpressionado quando alguém declara não estar interessado em ter nenhumcompromisso com Deus. Como se isso implicasse alguma forma de dedicaçãoreligiosa ... Muitos afirmam que não precisam de Deus para viver. Contudo não éassim que as coisas funcionam. Até quando você vi adiar o encontro que vai torná-lo realmente feliz ?

Todas as infinitas riquezas de Deus estão à sua disposição. Se você quiser,mediante a aceitação de Jesus Cristo como se SENHOR e SALVADOR pessoal,Deus fará de você uma pessoa nova, com outra identidade, igual a identidade detodos nós que estamos aqui : a identidade de Filho de Deus e membro da Igreja,Corpo de Cristo na Terra. Você será uma pessoa muito feliz, livre e realizada.

 Não perca tempo; entregue hoje mesmo sua vida a Jesus !‖ – E olhando parao homem encarregado do som disse-lhe : - ―Continua gravando !‖ E olhando para todos nós que estamos ali pediu que quem já tivesse aceitado a Jesus Cristo comoseu SENHOR e Salvador pessoal que levantasse as mãos. Todos, menos eu,levantaram as mãos. Fiquei coberto de vergonha , ansiedade e constrangimento. Ohomem então falou :

-―Qual o seu nome meu jovem?‖ 

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-  Luis Carlos – respondi. Estava tenso e sentia que a ansiedadepoderia desencadear uma crise de pânico.

-  ―Venha até aqui por favor Luis Carlos. Essa noite Jesus quer ter um dialogo contigo. Venha em nome de Jesus!‖ – Nesse momento o Pastor Heber que

tinha vindo e se colocado ao meu lado, me pediu para ir. Eu o fiz pensando na entrevista

que iria obter dele. Quando me aproximei, estava em pânico e tremia. Queria sair dali erespirar um ar puro, pois isso ajudava a controlar a ansiedade. Houve uma certa relutânciaminha e então Antônio me segurou pela cabeça me balançando para um lado e para ooutro, gritando que o diabo saísse do meu corpo em nome de Jesus. Quando eu já não podiamais agüentar aquilo, ele parou e me disse : - ―Irmão eis que o diabo hoje abandonou o teucorpo ! Deseja entregar sua vida para Jesus, reconhecendo-o como o se SENHOR eSALVADOR pessoal ?‖ Ao que eu respondi que sim pois estava ainda ansioso e querendotomar um pouco de ar. Houve gritos de ALELUIA, entre todos os presentes. E entãoAntônio disse que iria me dar uma copia da fita cassete que estava gravando as nossas falasnaquele momento especial para a minha vida. Pediu ao Pastor Heber que o lembrasse disso.

Voltei para a cadeira onde estivera sentado. E pedi ao Pastor que me levasse dali

para casa pois eu não me sentia muito bem. Ele concordou e ainda me garanti que naquelefinal de semana me procuraria para me dar a fita cassete e realizar a entrevista que euqueria tanto fazer com ele. Antônio se aproximou, e molhou a minha testa com um óleo perfumado., dizendo que a partir daquele instante eu era um ―ungido‖ do SENHOR, seuFilho, e SERVO.

Cheguei em casa quase meia noite e meia. Estava exausto e dormir uma noite semnenhuma tranqüilidade. O Pastor Heber partiu com seu carro, para a sua casa.

Como prometido, no final de semana seguinte, o Pastor Heber, apareceu para meceder uma entrevista. Chegou de carro e disposto a me conceder uma entrevista.Entrevistei o Pastor, das duas horas da tarde, até a sete e meia da noite, anotando tudo o queele me dizia. O Pastor era natural de Lauro de Freitas, Bahia, tinha 54 anos, de sexo

masculino. Fora criado com os pais, que eram católicos, mas aos 12 anos ―se convertera aoEvangelho‖, como ele próprio dizia. Iniciei as perguntas :-  Passou sua infância no local onde nasceu ?-  Não. Eu nasci em Lauro de Freitas , mas passei a minha infância

no bairro da Lapinha, aqui em Salvador. Conheci desde pequenomuitas pessoas que eram do Evangelho. Deus tinha um planopara mim.

-  Como foi sua infância, Pastor ? Conviveu com meninos de rua ?-  Minha infância foi muito boa. Apesar de católicos, meus pais

não me proibiram de estudar os Evangelhos. Não saía muito. Tiveuma infância caseira. Vim conhecer os meninos de rua, já quaseadulto. Eu me converti com doze anos. Não podia mais suportar aidolatria dentro de minha casa e a degeneração dos costumes queexistia no meio católico, da moral sexual pervertida que existiaentre eles. Para ser aceito por Deus eu tinha de ser diferente detudo o que via e do que me ensinavam. ( Pausa ) Um padrechegou a insinuar desejos homossexuais por mim. Falei a minhamãe e ela não acreditou. Procurei então me afastar de vez de tudoaquilo. Foi difícil, minha mãe nessa época queria que eu fossepara um convento, mesmo sabendo que eu era evangélico. Não

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via a hora de sair de casa e de ter a minha própria vida deacordo com o que Deus queria para mim. Às vezes brigava commeus pais. Isso é inevitável e a própria Bíblia nos alerta disso. Eunão podia amar mais a meus pais que a Jesus, e era perseguidopor todos pela minha escolha ... Por ter escolhido Jesus. A Bíblia

nos alerta que seremos perseguidos por amarmos a Deus e portermos o comportamento que ele quer que tenhamos na relaçãocom os outros e diretamente com ele. Eu não vou menti paravocê. Tive dúvidas no começo, mais depois, quando o próprioJesus falou comigo, eu não tive mais nenhuma dúvida. Meconverti e algum tempo depois fui consagrado Pastor. Era ochamado de Deus para a minha vida, em virtude da própria vidaque eu levava diante de Deus. Me tornei Pastor.

-  Como foi isso ?-  Um dia eu estava em casa. Já estava com vinte e dois anos. E era

muito versado na Palavra. Estudava a Bíblia todo o dia. Queria

ser Pastor, mais não sabia se essa era a vontade de deus paramim, que já era obreiro. Ia, nesse dia fazer uma viagem para umacidade do interior onde a meses não chovia. E então eu disse aDeus : - Senhor Jesus, se for sua vontade que eu seja Pastor medê um sinal. Faça chover nessa cidade no dia seguinte de minhasaída dela, e só nesse dia. ( Pausa ) Viajei, e fiquei um temponaquela cidade. Não chovia e nem havia possibilidade de choverquando eu saísse dali. Então retornei a Salvador, e esperei cincodias e entrei em contato com um amigo que morava na cidade emque eu estava. Perguntei a ele, no meio da conversa, se haviachovido lá, e ele me contou que havia chovido sim. No dia

seguinte em que viajei de volta para aqui. Eu fiquei tremendo degozo do Senhor. Era o sinal. Mas o Diabo lançou a seta da dúvidaem mim. Comecei a pensar que havia sido coincidência. Nesseinstante cai no chão e comecei a me tremer, minha línguaenrolava em eu espumava. Era o demônio da dúvida que havia seapoderado de mim . Mas então eu ouvi a voz de Deus, mandandoque eu levantasse, porque ele queria que eu fosse Pastor. Deusfalava comigo com uma voz forte e doce. Me disse que passariapor muitas provações, que o Diabo me tentaria muito, mas que eudeveria ter uma conduta reta perante Ele. E Ele realizaria o meusonho, que era ver outras pessoas reconhecerem a ―Glória doSenhor !‖ Deus me disse que a maior provação seria junto aminha família. Eu era um jovem e as mulheres me atraiam muito.Eu pensava coisas obscenas. Como seria depois de casado ? Deusme mostrou tudo isso.

-  A questão da família é muito importante ? Porque a ADHONEPse preocupa tanto com a família?

-  Olhe durante uma boa parte de minha vida eu fui um adultoagindo como uma criança. Certos textos da Bíblia, aos meus ouvidossempre soaram estranhamente, quando eram ―explicados‖ dos

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púlpitos das igrejas, as quais freqüentava. Parecia que seintencionava passar algo profundo, principalmente acerca da família,e da degeneração pelo uso de drogas, coisas que eu via acontecerdentro de minha própria família entre uns primos meus, mas que aomesmo tempo não conseguia descer até o ―útero espiritual‖, onde

toda a palavra de Deus precisa descer como semente para gerar ofruto para ela destinado.-  Existe então uma regra de conduta que Deus elaborou para a vida de

cada um ?-  Sim. E ela é a porta estreita. Todas as falsas religiões, seitas, partidos

políticos, apresentam uma falsa regra de conduta que dizem ser a certa,a que Deus deseja. Tem gente até que diz que Deus não estabeleceuregra nenhuma e as regras são feitas pela razão e pelo coração de cadaum. Tem gente que nem em Deus acredita. Mas todos querem um futuro,todos crêem em algo de bom para o futuro. Quando não é assim sesuicidam logo. Mas a verdade, que é Cristo, está conosco, na Igreja, que

é o próprio Corpo de Cristo.Ouça. Uma das coisas que eu ouvi e que particularmente me levou ater o meu ministério no mundo voltado para o tratamento de pessoas quese envolviam com ―drogas‖, era sobre a infantilidade e a loucura desteenvolvimento e se encontravam nas palavras de Paulo, ―Quando eu eramenino, falava como menino, agia como menino, sentia como menino;mas quando cheguei a ser adulto, ‗DEIXEI‘ ( O Pastor fez questão desalientar, mudando o tom da voz. ) as coisas de menino.‖ Ao escrever estas palavras, o apóstolo Paulo pretendia fazer — nos entender que,embora muitos de nós sejamos adultos do ponto de vista físico, vivendocomo tal unicamente, assumindo responsabilidades de adulto como

trabalho, casamento, e outras, ainda são manifestadas em nós, atitudes ecomportamentos de meninos.E de onde vieram estes comportamentos? Eles foram assimilados na

infância e na adolescência, decorrente de fatos e acontecimentos vividosque marcaram nossa vida quando éramos meninos. O que é que fazpessoas adultas agirem como crianças ou como loucas e usarem drogas ?Não posso pensar em outra coisa senão no Diabo se utilizando dessesfatos.

Embora eu hoje seja adulto e responsável para com Deus e a vida nospadrões de adulto, preciso reconhecer que existem determinadas coisasque me acompanham como hábitos e atitudes, que precisam sermudados para que sejamos apresentáveis diante de Deus. E as vezesestas atitudes estão dentro de mim, dentro de você, em um planoinconsciente. A maioria delas foram adquiridas nos tempos da minhainfância, adolescência e juventude, e que foram impressas em minha  personalidade formando meu caráter. Portanto, eu hoje ainda que adultofisicamente, comporto-me de acordo com aquilo que assimilei,reproduzindo atitudes compatíveis com tal  conteúdo. Sou umamemória. Uma memória do que existe na sociedade católica, contra aqual, qualquer crente sincero deve se opor. No fundo só alguém infantil

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pode ser católico! Porque só alguém infantil pode acreditar no Diabo ao invés deacreditar em Deus.

-  Da forma como o Pastor fala, parece que a infância tem algo a ver comirresponsabilidade. É isso ?

-  De uma certa forma, sim. Mas que se pode esperar de uma criança ou de

um louco? O comportamento de uma criança, assim como o de um loucoé privado da razão. Não dá ainda para eles entenderem o que o Espíritosanto lhes está falando a toda hora nos ouvidos. Precisam de umavigilância constante e de repreensões. ( Pausa )

Ora, se sou adulto e tenho comportamentos incompatíveis comminha fase adulta, ou seja comportamentos de criança, preciso serhumilde reconhecendo isto e entender, ainda que seja um pastor, umdiácono, um fiel comum, que só me resta trabalhar em mim mesmo paraconsertar o que está errado neste sentido, para que o mais que eu possa,ou venha a viver e agir conforme a idade cronológica que tenho e acimade tudo conforme os padrões de Deus contidos na Bíblia, que é a sua

vontade geral para com a minha pessoa, e com as revelações que ele vaime dando a medida em que fala diretamente comigo, revelando-me a suavontade específica para a minha vida. O termo original do gregoutilizado para comunicar a idéia que o apostolo Paulo queria passar, queao ser traduzido para a nossa língua é ―deixei‖, que quer dizer literalmente que, eu preciso identificar as coisas que foram compondo aminha formação, portanto exige que elas sejam reconhecidas e comoapanhando-as de sobre mim, preciso voluntariamente desejar livrar-medelas.

- EntãoPastor, o que significa deixar voluntariamente alguma coisa ?

- Istosignifica que, não adianta alguém, nem mesmo Deus, querer por mim,pois isso da nada adiantará para libertar-me, se eu mesmo não quiserfaze-lo. A Graça Divina não ocorre sem a nossa permissão. E é isso quepermite a nossa Salvação.

Além do mais, eu preciso o mais desempedidamente possível, voltara manifestar aquilo que originalmente estava na mente de Deus quandome criou: Viver conforme a Sua Imagem, e não conforme as imagensque se apresentam à mim neste mundo e também agir conforme a SuaSemelhança. Só assim posso em vida retornar a um verdadeiro estado decomunhão com Deus. Este retorno, está apoiado na conquista de JesusCristo tanto na sua existência humana entre nós, como na sua Vitóriasobre a cruz e o túmulo.

Na minha família há um caso que serve de exemplo do que eu estoufalando. É o caso de meus dois primos, que envolveram-se cedo comdrogas.

Um deles, um pouco mais velho do que eu, casou-se quando tinhavinte e seis anos. Não conseguia manter um relacionamento satisfatóriocom sua esposa, pois via nela a imagem inconsciente de sua mãe, minhatia, com quem teve um relacionamento problemático. Procurou ajuda

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médica, passou por psiquiatras, psicólogos, foi internado várias vezes por uso dedrogas, e nada adiantava ... Católico, esperava encontrar no padre umaresposta. Não achou e continuo no círculo vicioso de drogar-se paraesquecer os problemas em casa e com isso causava era mais problemas.Foi levado a procurar ajuda em Centros Espíritas e no Candomblé, mas

sua vida só piorou com isso. Levei ele depois de muita insistência parafalar com um ministrador, um missionário com dons de cura pelapalavra. Descobrimos, após algumas entrevistas, que um determinadoassunto que o perturbara toda a vida, ocorrido no final da infância, traziaà sua memória lembranças as quais ele odiava, todas elas ligadas a umafalta de estrutura nos valores e práticas da família, que seguia os moldescatólicos. Foi justamente aí que ele começou a se drogar. Ele sentiamuita dor, muita dificuldade de admitir, até para si mesmo, que sua mãefizera uma certa coisa com ele. Eram lembranças terríveis que ele nuncahavia compartilhado com ninguém. Ódio, culpa, vergonha, decepção,frustração e outros sentimentos que a anos estavam mascarados pelo

entorpecimento das drogas. Uma verdadeira ferida que se infectara como pus de uma magoa e de um ressentimento que ele sentia pela mãe epela esposa sem saber exatamente o que era. E o pior é que para ele, oproblema passado, mesmo quando lhe foi revelado pelo Espírito Santo,ele não conseguia entender como tinha a ver com as dificuldades atuaisno relacionamento sexual, e conjugal .

Ao longo das ministrações que aconteceram que ocorreram, ficouprovado para ele que, aqueles fatos do passado, não só haviamcorrelação sim com suas dificuldades sexuais, como também influíamdiretamente nos fatos atuais de sua vida conjugal sem que fossempercebidos. Uma questão mal resolvida do passado estava se sobrepondo

a situações atuais, gerando problemas sobre os quais ele não tinha omenor controle. Isso é o que acontece geralmente, com todas as pessoas.E a maioria delas se tornam reféns do passado. É pelo passado que oDiabo te escraviza. Disse Jesus : Deixem os mortos enterrarem seuspróprios mortos.

-  O que é uma ministração Pastor ?-  É a atuação de cura do Espirito Santo através da fala de uma pessoa e da

imposição de suas mãos em outra, que se encontra doente, amaldiçoada.Meu primo, uma vez tendo decidido mudar a sua vida, recebeu a cura.Converteu-se, após um período de tratamento espiritual, num Centro deRecuperação evangélico nos Estados Unidos, que serviu de modelo paraa criação do CERVIR, por meu irmão, por mim, e pelo meu próprioprimo. Desde aquele período a vida familiar dele está completamentemudada. Tratamos logo de converter a esposa dele. E os filhos nasceramnum lar evangélico, para a glória do Senhor! Hoje são pessoas firmadasnas vida, em seus empregos e já com suas famílias estruturadas. Quandovocê aceita Jesus, tudo se transforma na tua vida. É isso que, comocristãos, queremos ver acontecer na vida de nossos próximos. E é o queeu desejo que aconteça na vida dos meninos de rua com os quaistrabalho.

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Pois a maioria das pessoas vive como reféns de seu passado, em prisões interiores,verdadeiros infernos em vida, e, por mais que se esforcem, parece queDeus não as ouve e que nada pode ser feito para libertá-las.

-  Isso pode ocorrer na vida de um crente ?-  Não. Se ele for verdadeiramente convertido, não. Se ele aceita as regras

de Deus para a vida dele isso não acontece. Mas essa é a distinção entrecrente e cristão. Os católicos nos chamam de crentes e se dizem cristãos.Na verdade é o inverso. Eles é que são crentes e nós é que somoscristãos. Crente até o Diabo é, e ele treme por isso; porque sabe qual vaiser o seu final. É a Bíblia que diz isso, não sou eu ! Assim é a vida detodo católico, ou de qualquer um que segue ao Diabo. No mais íntimodele ele sabe que está se condenando ao inferno. O cristão está sujeito atentação, mas deve fugir dela. Deve resistir ao Diabo, que assim elefugirá do cristão, porque o cristão. Quando o indivíduo não se convertede verdade, quando não aceita o que Deus quer para a vida dele, e queele pode descobrir lendo a Bíblia, participando da Igreja e ouvindo a voz

do Senhor ele mesmo, ele termina por voltar às religiões do Diabo, quesempre estão imitando, adulterando, falsificando, copiando a formacomo praticamos os nossos cultos e conduzimos a nossa vida. Oscatólicos fazem isso quando criam coisas como o a RenovaçãoCarismática. Mas esse movimento não tem nenhuma unção de Deus. Seele funciona é pelo poder do Diabo. Os espiritas nos copiam, quandoapós aquelas manifestações do Diabo, as pessoas crédulas sãoconvidadas a beber uma água que se diz ter sido ungida por Deus, masfoi ungida pelo Diabo. Para saber se há unção de Deus tem que observaro exemplo dado por aquele que diz ser cristão.

Entre nós, muitos existem que se dizem evangélicos e não se

converteram ainda. Estes fazem muitas coisas.Fazem vigílias nos montes, leitura da Bíblia em um ano, versículosdecorados cor e  salteados, jejuns e campanhas, penitências as maisdiversas, deixando de fazer isto ou aquilo, e aquilo outro, sendo doMinistério de Intercessão, expulsando toda a casta possível de demônios,enfim tudo o que se pode imaginar e o inimaginável. Dão o Dízimo! Ena mesma hora dizem : -―Ah, agora sou dizimista fiel e portanto todos osmeus problemas serão resolvidos!‖ - Tudo isto é cumpridoreligiosamente, mas os mesmos problemas permanecem ali! São comouma sombra: aonde a pessoa vai, ela o  acompanha. Nós não oferecemosreligião, nós oferecemos a oportunidade de marchar para Jesus Cristo.

 –   E o que distingue uma pessoa assim de um verdadeiro cristão ?-  Muita coisa destingue um cristão de quem se diz cristão e não é. Isso

passa pela aceitação das verdade contidas na Bíblia para a sua vida, emseguir com os irmãos dentro do Corpo de Cristo, se relacionando comoDeus quer, e há demonstrações claras de como Deus quer que os cristãosse relacionem na Bíblia, e há também o poder maravilhoso do EspíritoSanto, sussurrando-lhes nos ouvidos palavras de cura e libertação damaldição, pedindo humildemente para que se perdoem e perdoem osoutros, esquecendo o passado de vez. Mas o que acontece com essas

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pessoas que não se converteram verdadeiramente é que na verdade,os mesmos sentimentos reprimidos continuam a existir, as mesmasdificuldades sérias continuam ali, dentro das pessoas.

E o pior, muitos crentes tentam encobrir estes desvios e conflitostodos, com una capa de verniz de versículos bíblicos, termos teológicos e

atitudes completamente irreais. –   O que o Pastor chama de atitudes irreais ? –   Quaisquer uma que não signifiquem uma verdadeira conversão.

Aaceitação total de Jesus e do que ele diz sobre os relacionamentoshumanos serem a imagem do relacionamento com Deus. Tem que serelacionar com Deus como Deus quer, e Ele quer sempre o melhor. Temque se relacionar com o outro de maneira igual. Deus nos perdoou pelosnossos pecados quando enviou Jesus. Devemos aprender a perdoar a nósmesmos e ao próximo da mesma maneira que ele nos perdoou. Devemosmorrer pelo próximo, como Jesus morreu, ou seja sacrificar todas as

nossas vontades em função do que é vontade de Deus para um corretorelacionamento com os outros. As enfermidades da alma, excentricidades, casamentos infelizes, a

desintegração emocional dos filhos, isto tudo faz parte da vida de muitosdos que se dizem cristãos, e a maioria deles nos temos constatado,mantém o vício ou o desejo por drogas.

 –   Para o Pastor, qual a solução para o problema das ―drogas‖ ?-  Na verdade, formas comuns de ministério pastoral não servem para

solucionar estes e outros problemas que se formaram como fantasmasnas vidas dos crentes. É preciso cura interior, expulsão dos demônios.

Durante muito tempo, fui Líder do Ministério de Libertação na Igreja

a que pertenço. Estudava, pesquisava tudo o que era possível, ia aSeminários em vários lugares do Brasil, enfim colhi inúmerasexperiências neste trabalho principalmente as que o próprio Deus meproporcionou vivenciar, mas comecei a certa altura em diante, o poderd‘Ele esbarrava em alguma coisa que eu não conseguia compreender.

Expulsava — se todo o demônio revelado, manifestado e até talvezimaginado, e o crente não passava daquele nível de libertação. Daí, pudeperceber ainda, que alguns crentes entravam em conflito, e corriam a me  perguntar o por que de suas vidas emperradas ―naquele ponto‖, e eumesmo não tinha respostas para as delas e as minhas próprias perguntas.Orando e buscando de Deus, comecei a reconhecer dentro de mimmesmo, algumas coisas que permaneciam entranhas, e que portanto nãoestavam bastando todas as minhas penitências e exercícios espirituais,visto que elas continuavam a me perseguir. Eram como minha sombra! (Pausa ) O que poderia estar acontecendo? Por que eu não encontravalibertação para mim mesmo? Será que o poder de Deus havia se tornadorelativo? À própria Bíblia afirma que Deus não é homem, nem filho dohomem, para que minta e Nele não há sombra de variação. E mais, aBíblia é Absoluta! O problemasó poderia estar em mim mesmo!

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Foi aí, que comecei a entrar num turbilhão de acontecimentos, que certamenteDeus permitiu, afim de que em pudesse entender profundamente para ser como Jesus, oqual nos dias da sua carne, ou vida no mundo, tendo oferecido, com grande clamor elágrimas, orações e súplicas ao que o podia livrar da morte, e tendo sido ouvido por causada sua obediência, ainda que era Filho, aprendeu por meio das coisas que sofreu; e tendo

sido aperfeiçoado, veio a ser autor da eterna salvação para todos os que lhe obedecem; eranecessário que eu suportasse os demônios que haviam se alojado no meu interior, valendo-se do meu complexo de rejeição, de inferioridade e de revolta. Lendo a Bíblia, Jesus merespondeu as minhas questões mais íntimas. Eu o ouvia dizer, na Bíblia que : Assimtambém vós estais sem entender? Não compreendeis que tudo o que de fora do homem nãoo pode contaminar, porque não entra no coração, mas no ventre, e é lançado fora? Assimdeclarou puros todos os alimentos. E prosseguiu: O que sai do homem, isso é que ocontamina. Pois é do interior, do coração dos homens, que procedem os mauspensamentos, as prostituições, os furtos, os homicídios, os adultérios, a cobiça, asmaldades, o dolo, a libertinagem, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a insensatez; todas estasmás coisas procedem de dentro do homem e  o contaminam.

Para que isso não ocorra é necessário nos submetermos à autoridade de Jesus ede sua Igreja, sendo sempre obedientes e rigorosos na conduta de nossos pensamentose ações, para que as coisas do mundo, as coisas do Diabo, que são divulgadas pelosseus anjos, os demônios, e pelas suas igrejas, e que estão em toda parte na nossasociedade, não se interiorizem em nós. E se se interiorizarem, que sejam arrancadas.Pois diz Jesus, conhecereis a verdade e ela vos libertará!

Enão foram só estes, mas vários outros acontecimentos passaram a realmente seresclarecidos aos olhos do meu espírito. Literalmente, começaram as cair escamasespirituais dos meus olhos, e o véu que também havia sobre eles, também começou a serretirado, a então fui levado a reconhecer que eu também precisava de cura interior. Pois no

fundo do meu ser eu resistia a obedecer totalmente a Jesus e a Igreja, e isso abria brechaspara a atuação do Diabo em mim vida. Quando comecei a lidar com meninos de rua percebique eles não tinham qualquer noção de obediência a Deus, que eram incapazes de sesubmeterem a autoridade da Igreja, pois os demônios haviam tomado conta do interiordeles, atuando nas áreas onde eles se sentiam inferiores, pois se comparavam com ascrianças que não eram da rua. Viviam sentindo-se rejeitados e revoltados. Precisavam, maisdo que ninguém, de cura interior, de serem levados para o Centro, para tratamentoespiritual.

 –   O Pastor então acredita que eles se sentem inferiores e, que são

rejeitados e revoltados ?

 –   Sim. Isso é perceptível a qualquer um. Um dos sinais de

inferioridade é o orgulho, e a maneira orgulhosa com que eles se juntam para repudiar a

mensagem do Evangelho. Só o orgulho produz a desobediência. As igrejas do Diabo

ensinam o orgulho, as ruas ensinam o orgulho. Mas como o orgulho é uma falsa opinião

sobre si mesmo, não levava muito tempo para eles se sentirem rejeitados. E com razão,

quem vai querer relacionamento com um menino de rua, se não souber a importância de se

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salvar uma alma do caminho do Inferno, ensinando-as como abandonar a revolta e se

manterem obedientes aos padrões de conduta que Deus verdadeiramente requer do ser

humano para a sua salvação. Muitos deles abandonaram a revolta, após o tratamento

espiritual e são hoje gente importante na sociedade, travando uma batalha com as forças do

diabo, pelos valores que Deus requer do homem.

Aprendi

isso trabalhando primeiro entre os próprios membros da Igreja, que se diziam cristãos. E

antes disso, trabalhando na minha própria modificação interior. Comecei a admitir, embora

fosse o líder do ministério que mais marcava a Igreja, existiam partes de mim, ocultas lá

dentro da minha caverna escura, que ainda não haviam sido convertidas a Jesus Cristo.

Apenas algumas partes menos profundas, ou mais superficiais, haviam se aberto para Eleentrar e transformar. Foi muito difícil reconhecer isto ! E fazer isto é terrível para o crente,

ainda mais os mais ―antigos‖, os mais ‗religiosos‖, os mais ―espirituais.

Só que,

você escolhe que tipo de crente vai ser: Superficial ou profundo. Se sua escolha for

continuar a ser um crente ―superficial‖, você levará aquela mesma vidinha medíocre; sem

preocupar-se demais com certas coisas que podem complicar o seu dia-a-dia e que

geralmente ninguém quer mexer com elas,- indo somente para a Igreja no domingo, comofazem a maioria dos católicos, participando do culto ―de leve‖ sem se envolver muito com

Deus, enfim sendo um ―crente‖ simplesmente, sendo um ramo enxertado na Videira mas

que dá pouco ou nenhum fruto, porque não se preocupa em limpar-se para produzir muito

fruto. Tem membros da Igreja que valorizam somente os dons que Deus concede aos

cristãos. Mas os dons são para os homens. Temos que se preocupar é com os frutos,

que cada cristão deve dar, e que são para Deus.

- O que

significa isso Pastor, de valorizar mais os frutos ? E que frutos são esses ?

-  Os frutos são os nossos exemplos de conduta. São eles que trazem as

pessoas perdidas para a Igreja e que salvam a sua alma. Dons de cura é para curar aqui no

mundo, aliviar. Importa é salvar a alma ensinando como uma pessoa deve viver, com base

nas Leis de Deus. Assim ela vai para a Glória, para junto de Deus e não para o Inferno. Mas

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a maioria das pessoas foram contaminadas pelo Diabo para serem superficiais, para

escolherem ser superficiais.

Ainda

posso dizer a respeito do crente que prefere esta primeira escolha, invariavelmente ele lança

sobre o diabo e os demônios, toda a culpa e justificativas que seja possível encontrar, para

não ir fundo no processo de reformulação do seu conteúdo interno. Afinal, imitar a Adão

quando justificou-se porque Eva comeu o fruto proibido, é mais fácil de fazer. Mas o

homem não deve se basear nisso, porque se o diabo tentou primeiro Eva era porque ela era

mais fraca. E a maioria dos homens de hoje é tão fraco quanto uma mulher, pois se

esquecem que são a cabeça do relacionamento, enquanto a mulher é a calda. Os homens

devem ser ensinados para conduzir os mais fracos espiritualmente, as mulheres e as

crianças, para que estes andem como ele anda. E ele próprio deve andar como Jesus andou. –   Então Pastor, as mulheres e crianças são mais fracas

espiritualmente ?

 –   Sim. Salomão nos diz que encontrou algo pior do que a morte, a

mulher. Mas uma mulher convertida é mais forte que um homem convertido, porque ela

enfrentou a pior das provações, a sua natureza de mulher. Temos que escolher sermos

profundos. As mulheres com o sofrimento que Deus lhes impõe apreendem, quando se

convertem a serem ainda mais obedientes e a cuidar perfeitamente da família. Agora, se suaescolha for ser um crente profundo, um verdadeiro representante de Jesus Cristo, disposto a

passar a limpo a própria vida custe o que custar , ainda que este custo seja de muita dor e

sofrimento, porque afinal todas as coaras entranhadas dentro de si, são como tumores que

são extraídos sem anestesia, mas no final limpando-se para que não só dê muito fruto, mas

muito bom fruto. Não quero de forma nenhuma negar a libertação através da expulsão de

demônios, ou toda a validade deste processo, que nós próprios usamos. Só que a Libertação

não se concluí, a não ser que o crente ore conscientemente ... pela prática, pela exercido das

faculdades da razão que lhes foram dadas por Deus. A não ser que passe por este processo

chamado de cura interior, que consiste em não só expulsar demônios do corpo, mas tornar o

corpo, que antes era casa vazia habitada pelos demônios, em casa habitada pelos valores de

Deus, onde o Espirito Santo de Deus concede a vitória plena, que o próprio Jesus Cristo

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conquistou, enquanto homem, Deus Encarnado, e que portanto eu também posso obter

se deposito fé naquele que me fortalece : Cristo e sua Igreja.

-  Pastor, como o senhor explica a ação da Igreja Católica e deoutras religiões ao combaterem as ―drogas‖ ? 

- A palavra de Deus nos ensina a cerca das Trevas em várias ocasiões, sendo que de ummodo geral tal influência maligna marcou a humanidade desde o princípio do mundo; paraser mais preciso, antes da terra ser fundada ou o homem ser criado a imagem e semelhançade Deus, existia um antagonismo entre Deus de Bondade e de Misericórdia e um serangelical que tornou-se seu opositor. E por causa de sua rebelião levou uma grande legiãode anjos, que caíram com ele. Sua tática passou desenformar outros anjos e estes por suavez atuarem como enganadores. Após o advento de Cristo, essa ação de engano se infiltroudentro da própria Igreja de Cristo e ela foi romanizada, tornada diabólica, e fonte deengano. Hoje ela é a Igreja que ensina aos crédulos, maneiras erradas de se comportarperante Deus. E tem o projeto da Besta, que é criar uma religião universal, ecumênica,fundando uma junção de todas as doutrinas demoníacas que serão usadas pelo anticristo.A ação da igreja católica é a aquela que visa a formação de um povo desenformado. Um

povo desenformado ou com informações destorcidas pelo inimigo, enfrenta a arma maispoderosa do seu oponente porque não sabe como se defender... A Bíblia diz que O Senhordos Exércitos dá toda clareza sobre este assunto quando afirma: ―O meu povo foi destruído,porque lhe faltou conhecimento; porque tu rejeitaste to também eu te rejeitarei para que nãosejas diante de mim; visto que te esqueceste da lei de Deus, também eu me esquecerei deteus filhos...‖. Veja como a coisa funciona. A Igreja católica participou, desde nossacolonização pelos portugueses, da formação espiritual de nosso povo. E escondeu overdadeiro conhecimento sobre Deus. Privados deste conhecimento, rejeitamos a condutacorreta perante Deus e ele rejeitou os nossos filhos, que estão nas ruas.- A palavra de Deus nos ensina a cerca das Trevas em várias ocasiões, sendo que de ummodo geral tal influência maligna marcou a humanidade desde o princípio do mundo; para

ser mais preciso, antes da terra ser fundada ou o homem ser criado a imagem e semelhançade Deus, existia um antagonismo entre Deus de Bondade e de Misericórdia e um serangelical que tornou-se seu opositor. E por causa de sua rebelião levou uma grande legiãode anjos, que caíram com ele. Sua tática passou desenformar outros anjos e estes por suavez atuarem como enganadores. Após o advento de Cristo, essa ação de engano se infiltroudentro da própria Igreja de Cristo e ela foi romanizada, tornada diabólica, e fonte deengano. Hoje ela é a Igreja que ensina aos crédulos, maneiras erradas de se comportarperante Deus. E tem o projeto da Besta, que é criar uma religião universal, ecumênica,fundando uma junção de todas as doutrinas demoníacas que serão usadas pelo anticristo. Aação da igreja católica é a aquela que visa a formação de um povo desenformado. Um povodesenformado ou com informações destorcidas pelo inimigo, enfrenta a arma mais

poderosa do seu oponente porque não sabe como se defender... A Bíblia diz que O Senhordos Exércitos dá toda clareza sobre este assunto quando afirma: ―O meu povo foi destruído,porque lhe faltou conhecimento; porque tu rejeitaste to também eu te rejeitarei para que nãosejas diante de mim; visto que te esqueceste da lei de Deus, também eu me esquecerei deteus filhos...‖. Veja como a coisa funciona. A Igreja católica participou, desde nossacolonização pelos portugueses, da formação espiritual de nosso povo. E escondeu overdadeiro conhecimento sobre Deus. Privados deste conhecimento, rejeitamos a condutacorreta perante Deus e ele rejeitou os nossos filhos, que estão nas ruas.

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Opovo evangélico dos nossos dias, em sua grande maioria, toma uma atitude alarmantequando se fala de algum fenômeno sobrenatural em que o poder das trevas é manifesto,através das obras demoníacas. Ao invés de se informarem na fonte de todo o conhecimento- A Palavra de Deus sobre o território do inimigo, seu potencial, suas que e táticas de sua

estratégia diabólica. Conforme as próprias Escrituras Bíblicas testificam destes fenômenosde ordem espiritual, reveladas tanto no Velho como no Novo Testamento.Procuram interpretar tais fenômenos de  maneira invertida, com explicações

de ordem psicológicas em relação as pessoas que estão oprimidas por estes poderes dastrevas ou com interpretações de ordem parapsicológica em relação a causa destes efeitosatribuindo que é do campo espiritual ao psico1ógico. É claro que em todas estasmanifestações, muitas vezes constata o charlatanismo dos manipuladores que sãocurandeiros e falsos exorcistas. Porém a exceção à regra não elimina os fatos.

Por exemplo, é importante detectar um comportamento se é de origemesquizofrênica ou se a pessoa está sendo tomada por um ataque de histerismo. É claro quese não podem ser explicados. Cientificamente, não podem ser comprovados como um fato.

Porém se formos adotar este método científico iremos colocar os efeitos acima das causase não haverá como explicar a conversão do pecador. A fé em um Deus invisível, a origemda Criação e do homem, o seu destino e nem o céu e o inferno poderiam ser criados comoalgo racional de mero conhecimento humano. Só quando o homem tem a capacidade debuscar nas Escrituras o conhecimento revelado por Deus, o que ele aprende no CERVIRquando ajusta a sua conduta ao que Deus quer, e com a ajuda do Espírito Santo écapacitado a ultrapassar o seu próprio entendimento.

Neste momento não com mistificação ou extremismos de ordem emocionalcom a Paz do Senhor que excede todo o entendimento, então o crente a equipar-se e munir-se de armas espirituais para poder batalhar informado, preparado e ungido para a vitória .

-  Como o senhor compara a sua infância com a desses meninos ? O

que é que os menores falam de suas famílias ?-  Todos nós, ricos ou pobres passamos por provações. Somostentados pelo diabo. Eu fui tentado e resisti, estudando muito a Bíblia. Isso salvou-me avida e a alma ! De uma certa forma essas crianças cederam ao poder do maligno e daí levam a vida que levam ! Só a misericórdia de Deus agora. Não existe verdadeiro gozo navida destes meninos. Eles usam as drogas só para se destruírem. Quando se convertem, dãotestemunhos de que só faziam sofrer quando usavam drogas. Quem diz que droga dá prazersão os que ganham com a sua venda. Mas eles nunca dizem que é só prazer carnal, e queesse prazer carnal vem acompanhado de um terrível vazio espiritual.

-  Vocês tinham casa ?-  Tínhamos sim, e tínhamos em casa o suficiente para viver bem.

Muitas crianças de hoje tem mais benções de Deus do que eu tive. Tem TV , bicicleta emuitos brinquedos. Mas o diabo já se apoderou disso tudo.

-  Como assim?-  Os brinquedos estimulam ao pecado ! Os desenhos animados tem

nítida influencia maligna . Tem desenhos em que o sujeito como um pouco de espinafre efica imediatamente com uma força incrível. A criança tenta usar, mas não obtém osmesmos resultados. Mas sabe que se comer uma planta ficará muito forte. Daí para maistarde vir a consumir maconha, com esse desejo infantil oculto em sua mente, é um passo!Esse desenho ―Caverna do Dragão‖ mostra cinco crianças que, durante um passeio a um

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parque de diversões, resolvem entrar em um novo brinquedo chamado Caverna doDragão, uma espécie de trem fantasma. O brinquedo é uma passagem interdimencional, queos leva a um mundo onde existem guerreiros, dragões, magos, etc. Chegando lá sãorecepcionados pelo  Mestre dos Magos, o   Dungeon Master , que os ajuda, entregando-lhesarmas mágicas para se defenderem dos muitos perigos do local, como o Vingador e Tiamat.

A série gira em torn da busca do caminho de volta para casa. Mas existem dois problemas :eles teriam que deixar Uni, o unicórnio fêmea de Bobby, e todas as armas mágicas. Odesenho foi criado em 1983 e até hoje não encontrou final conveniente. A verdade é queeles nunca voltarão para a casa! Quando desceram naquele carinho da montanha russa, deacordo com o site http://   www.infancia80.com.br/cinetv/desenhos.htm  , não entraram emoutra dimensão. O carinho caiu e eles morreram. Não voltarão, porque estão mortos. E lá,representa o inferno ! Como nenhum deles era bonzinho, todos foram parar no inferno e odemônio resolveu brincar com eles. Cruel e sádico, ele, às vezes aparecia de Vingador epasme, de Mestre dos Magos. Os dois eram a mesma pessoa : o demônio jogando ebrincando com os novos moradores de seu império. O dragão é um anjo que vai até oinferno com a missão de tentar fazer com que eles descubram a verdade e que , depois de

tantas tentativas acaba por revelá-la. Mas o demônio os impede de voltar através de umaajudante : a pequena Uni. Ela era usada pelo demônio , que os acompanhava todo o tempo,para atrapalhá-los e brincar com os seus sentimentos. A verdade é que eles nunca maisvoltaram e viverão naquele inferno para sempre. Quando um menino de rua usa drogas, as―viagens‖ que ele tem são ―viagens‖ no Inferno, e ele corre o risco de ficar lá para sempre.Você já ouviu a expressão : viagens sem volta ? Que dizem que é quando o usuário dedroga se perde em seus delírios, devido a uma dose mais forte ... Ele não está viajando emseus próprios delírios, ele já está no inferno. A Disney é uma megacorporação que tem porfinalidade induzir a criança a um comportamento que a levará para o inferno! Os desenhosanimados, que nào são produzidos por evangélicos, são as melhores oportunidades paraSatanás semear a semente do mal e depois só aguardar para colher os frutos. O verdadeiro

dono da Disney é Satanás!-  Os menores tem muitas lembranças de suas infâncias, como oPastor acredita que elas sejam?

-  Acredito que não sejam boas.-  Qual sua denominação ?-  Eu sou Batista.-  O que você acha que a religião ensina a respeito das drogas ?

Porque ?-  A religião não fala nada explícito contra as

drogas. Também não fala nada contra o uso de armas, mas é bem clara quando diz ―Nãomatarás!‖. Jesus nos disse, ―Vigiai e orai.‖ Como alguém pode vigiar entorpecido ? Virapresa fácil dos demônios e de Satanás. Além disso como pode alguém ter uma conduta eum comportamento louváveis diante de Deus, se vive cheio de droga ? Maconha é coisa dodiabo, não é atoa que é chamada ―erva maldita‖. As drogas são a destruição da família, e afamília foi a primeira instituição criada e sancionada por Deus, no Édem, quando Adão eEva se conheceram. A destruição da família é a destruição da própria Igreja, pois sãofamílias que compõe a Igreja. Elas são destruídas direta ou indiretamente pelas drogas. Éviolência entre o casal, ou entre eles e os filhos. É violência entre os irmão. Adultérios ...Tudo estimulado pelas drogas!

Há no

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mundo uma afirmação de que todos usam drogas. Essa é uma generalização usada parainduzir os inexperientes a experimentar drogas ilegais. Mas dependendo da definição quedamos ao termo ―droga‖, essas palavras têm um fundo de verdade.

O termo ―droga‖ é definido assim pela ciência : ―Qualquer substância química, de origemnatural ou sintética, que pode ser usada para alterar a percepção, o humor ou outros estados

  psicológicos.‖ Essa é uma descrição útil e bem abrangente dos chamados psicotrópicos,embora não inclua muitas drogas medicinais usadas no tratamento de doenças orgânicas. Eque não deixam der ser drogas, devendo o cristão afastar-se delas, assim como Jesusrecusou o fel na cruz. Muita gente pensa que ele recusou o fel porque era amargo. Não foiisso, ele recusou porque se tratava de uma droga que aliviaria o seu sofrimento. Era umaespécie de anestésico da época.

Segundo essa definição, dita científica, o álcool é uma droga, com o que eu concordo.Mas não concordo quando se diz que o seu perigo está no uso imoderado, que evi-dentemente está aumentando. Uma pesquisa realizada em faculdades e universidades nosEstados Unidos constatou que ―as bebedeiras são o mais grave problema com drogas emcompus de faculdades‖. Boa parte dos estudantes participavam em bebedeiras. Os menores

com os quais trabalham também se envolvem com o álcool e com o cigarro.Assim como o álcool, o tabaco é uma droga de uso legalizado, embora contenha umveneno poderoso: a nicotina. Segundo a Organização Mundial da Saúde, o fumo mata cercade quatro milhões de pessoas por ano. Mesmo assim, os magnatas da indústria do tabacosão homens ricos e respeitados na sociedade. Além disso, o cigarro é altamente viciador,talvez mais do que muitas drogas ilegais.

Em anos recentes, diversos países restringiram a propaganda de cigarros e impuseramoutras restrições. Mesmo assim muitas pessoas encaram o ato de fumar como uma atividadesocialmente aceitável. E a industria cinematográfica continua exaltando o fumo, como umadroga segura.

-  Existem drogas seguras Pastor ?

-  As drogas medicinais sem dúvida ajudam a muitos, mas às vezesas pessoas abusam delas. Alguns médicos prescrevem remédios com muita facilidade ousão pressionados pelos pacientes a receitar medicamentos desnecessários. Um médicoamigo meu, comentou: ―Nem sempre os médicos se sentam com o paciente para descobrir acausa dos sintomas. É mais fácil dizer: ‗Tome esse comprimido.‘ Mas o problema prin cipalnão é tratado.‖

Atédrogas vendidas sem receita, como a aspirina e o paracetamol, se usadas em excesso podemcausar graves problemas de saúde. No mundo todo, mais de 2.000 pessoas morrem todoano em resultado do uso errado do paracetamol.

Segundonossa definição anterior, a cafeína encontrada no chá e no café também é uma droga,embora dificilmente pensemos nisso durante o café da manhã. Em minha casa só tomamossuco. O café foi abolido e o chá também. Mas faz parte da propaganda católica criar umaindiferença para com o uso do chá e do café, pois esse país já viveu de vender café, e aigreja católica lucrava com isso. Hoje seria absurdo colocar bebidas socialmente aceitáveis,como o chá e o café, no mesmo patamar de drogas pesadas, como a heroína. Seria como porno mesmo nível um gatinho doméstico e um leão feroz, que é como as pessoas vêem essasdiferentes drogas que tem, ao nível espiritual, igual poder deletério. Contudo, segundoalguns especialistas da área de saúde, se você tem o hábito de beber mais de cinco xícaras

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de café ou nove de chá por dia, isso pode ser prejudicial. Além disso, se alguém queconsome grandes quantidades dessas bebidas reduzir o consumo drasticamente, poderá tersintomas de abstinência como os que sentiu uma mulher de nossa congregação que tomavamuito chá: vômito, fortes dores de cabeça e sensibilidade à luz. Ela precisou ser internada,não por que quisesse, mas porque o marido dela viu o perigo da ação do Diabo que ali se

manifestava. -  O que o Pastor acha do uso de drogas ilegais ?-  Uma questão polêmica é o uso de drogas nos esportes. Esse

assunto veio à tona durante A Volta da França de 1998, quando nove ciclistas da equipefavorita foram expulsos por usar drogas que melhoram o desempenho. Mas os atletasinventam maneiras de burlar os testes antidoping. A revista Time noticia que algunschegam ao extremo de fazer ―‗transplantes de urina‘, quer dizer, a urina ‗limpa‘ de outrapessoa é injetada na bexiga deles com um cateter  —  um procedimento muitas vezesdoloroso‖.

Ainda é preciso mencionar o impressionante arsenal de drogas ilegais usadas para finsque a ciência e a nossa cultura católica chama de fins ―recreativos‖. Essas incluem amaconha, o ecstasy, LSD, estimulantes, como cocaína e anfetaminas, sedativos,depressivos, como os tranqüilizantes e heroína. Não podemos deixar de lado os vários

inalantes, como cola e gasolina, populares entre os jovens. Mas não significa dizer que asdrogas mais pesadas e menos populares entre os meninos de rua não sejam usadas por eles.Mas com menos freqüência, pois que os inalantes não são substâncias proibidas e estãofacilmente disponíveis.

Quando se fala em dependentes de drogas, a imagem que vem à mente de muitos é dealguém esquelético se injetando num quarto imundo. Essa é uma idéia equivocada, porqueembora existam um grande número de pessoas assim, existem outros usuários que são bemdiferentes, quase não dando para se perceber que eles são viciados. Muitos usuários dedrogas ainda são capazes de levar uma vida relativamente normal, embora o vício afete suaqualidade de vida em maior ou menor grau. Mas não podemos ignorar o lado sombrio domundo das drogas. Um pastor amigo meu, que trabalhou em um Centro de RecuperaçãoEvangélico em São Paulo, me descreveu como alguns usuários de cocaína ―são capazes de‗se picar‘ dezenas de vezes consecutivas, ficando com o corpo cheio de picadas, ensan-

güentado e com hematomas‖. Esse quadro é encontrado no CERVIR, quando os viciadoschegam, pois parece um festival de horrores demoníaco.O fato é

que atualmente o uso de drogas, incluindo as ilegais, se tornou aceitável do ponto de vistade muitos. Isso é encarado como parte do cotidiano. Em vista dos danos amplamenteconhecidos que as drogas ilegais, o tabaco e o álcool provocam, a pergunta óbvia é: Por queas pessoas usam essas substâncias? Ao analisarmos a questão, é apropriado refletir sobrenosso próprio conceito em relação às drogas.

-  E o que você concebe como uma saída para isso ?-  O tratamento espiritual. A ciência, a filosofia e a arte não

resolvem, pois são coisas do Diabo.-  Os menores contam a vida deles para o senhor, Pastor ?

-  Nos, pela ajuda do Espirito Santo, que os convence a seconfessarem, temos informações detalhadas da vida deles. E oSENHOR nos revela muito mais coisas.

-  Qual era a religião delas ?-  Essas crianças pertencem a religião do Diabo, o catolicismo e

todas as suas variantes!-  Você conhece alguma outra instituição de tratamento Pastor ?

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-  Somente as instituições evangélicas como o CERVIR, nãoquero dar atenção ao Diabo. Mas nós temos grupos que vão nelas,trazer seus cativos para o CERVIR.

-  Acha que a religião pode lhe ajudar a largar as drogas ? Como eporque ?

-  Religião não ajuda ninguém, quem ajuda é Cristo. Não adianta ira Igreja, tem que ser exemplo, e para ser exemplo, tem que passarpelo CERVIR.

-  Você acha que a propaganda contra as drogas, inibe ou estimula ouso delas ? Porque ?

-  Atende aos interesses de quem trafica, só isso. Pois as drogasficam mais cobiçadas, porque criança gostam do proibido.

-  O que você acha disso ? Porque ?-  É a estratégia do Diabo.-  Você faz diferença entre uso e abuso de drogas ? Quais ?-  É tudo uma coisa só.

-  Qual a sua principal fonte de informações sobre drogas ?-  A Bíblia e as revelações de Jesus!-  Qual você considera a fonte de informação mais adequada na

abordagem do tema ―drogas‖ ? Porque ? -  Já disse! Aquelas que cultivamos no CERVIR, pois são

fundamentadas na verdade de Deus.E eu encerrei a entrevista, O Pastor Helder se despediu então de mim, muito

satisfeito porque dizia ele, quando eu refletisse sobre o conteúdo do que ele havia merespondido, minha vida certamente mudaria. Partiu com o seu carro em direção ao CampoGrande.

Esse relato etnográfico revela os longos braços das empresas de salvação que são asIgrejas do Protestantismo Autônomo, descrevendo o que é e como funciona a ADHONEP.Essa associação, direcionada a grandes e pequenos empresários e profissionais liberais,coordena a ação de Igrejas de diversas denominações no sentido de que mantenham alógica da ―oferta‖. Junto aos menores, os meninos de rua e meninos na rua, ela objetivarealizar um processo de conversão, no qual os meninos venham a abandonar os seusvalores, criados na rua e para a rua, seus ritos profanos, que venham em fim abandonar amaldição e que, uma vez convertidos enquadrem-se como alunos das escolas missionáriasda JOCUM ( Jovens com Uma Missão ), uma organização missionária tambéminterdenominacional e internacional, espalhada por quase todos os Estados brasileiros, queforma missionários para o trabalho de evangelização nos países não-cristãos. No ano de2000, todas as atividades da ADHONEP e JOCUM estavam voltadas para a evangelizaçãono mundo muçulmano. Os meninos do Porto da Barra, e em particular, Oséias, foramescolhidos para receberem o trabalho de conversão. Oséias foi levado a um reformatório―cristão‖ denominado CERVIR, e localizado em Camaçari, na Bahia,  onde sofreu a―conversão‖ e recebeu ―tratamento espiritual‖ para a sua dependência em psicoativos e, delá, foi enviado a uma das escolas da JOCUM, na Paraíba, para treinamento, onde foiacolhido por uma família ―cristã‖ até a sua maioridade, quando seria enviado para oTadjiquistão, onde ― Há um crescimento da industria de ópio e cannabis ( maconha ) emuitos soldados russos gastam seu magro salário com o uso de drogas.‖, como rezava o

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manual 30 DIAS DE ORAÇÃO PELO MUNDO MUÇULMANO  –  ANO 2000, doqual anexamos as partes que importam.

O Sentido da existência humana e a promessa de Salvação

Na Antropologia das Religiões vemos que toda religião trabalha, pelo menos, comdois elementos : 1) O sentido da existência humana ( o sentido da dor, do tempo, da vida e

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da morte ... ); 2) A promessa de ―salvação‖ ( a vida vivida atualmente não é a maisperfeita forma de vida, é possível ―algo mais‖, que se pode conseguir ... ).

Quanto ao primeiro elemento, é razoável pensar que, enquanto explica nascategorias da cultura popular, a privação, a dor, o sofrimento da situação existencial dosindivíduos miseráveis da nossa sociedade, enquanto dá sentido ao que de outra forma seria

só pesadelo e absurdo ( recorrendo, obviamente, às categorias antes indicadas ), oProtestantismo Autônomo confere também sentido à existência e aos destinos dos sereshumanos que se abandonaram à sua doutrina.

  No que se refere ao segundo ponto, a doutrina da ―salvação‖ – que os cristãoschamam de soteriologia  –  há alguns elementos curiosos. De fato, o ProtestantismoAutônomo apresenta uma doutrina as salvação , enquanto parece não ter em mente adimensão escatológica essencial ao discurso das igrejas cristãs. A ―dimensão escatológica‖cristã consiste em dizer que a vida plena, aquela em que não haverá mais limites ou  privações, não se situa neste ―tempo‖, mas num outro, que vai se inaugurar em sua plenitude ou completude. Este ―tempo pleno‖ em parte já se inaugurou com Cristo, o centrodo tempo, mas não se completou ainda. Vivemos a prelibação deste momento no espaço do

ainda não .Se pudermos definir salvação como a passagem da situação atual a uma situaçãoqualitativamente superior e definitiva, há de se admitir que o Protestantismo Autônomoprevê, de fato, essa passagem para um algo  –  a - mais , mas intramundano e nãonecessariamente definitivo. Como exemplifica o diálogo que tivemos com Paulo Nunes,que se segue :

-  E o Pastor o que acha de sua vida ?-  Ele acha que porque eu uso ―drogas‖, que o Diabo tomou conta de minha

vida.-  Como assim ?-  Ele quer que eu volte para o Centro de Recuperação, de novo.

-  Para que ?-  Para largar as ―drogas‖ e mudar de vida. Ele disse que eu posso serdiferente, que eu posso ter tudo o que eu quero se eu aceitar Jesus.

-  E o que você acha disso ?-  Eu não acredito não. Eu já fui uma vez e minha vida não mudou nada.-  E o que o Pastor disse ?-  Que a culpa era minha. Que eu não tinha fé e não parava de gastar

dinheiro com ―drogas‖ porque eu era igual a um boneco nas mãos doDiabo. Mas que eu tivesse esperança no que não se vê, que no futuro, setivesse fé, tudo mudaria.

Faltando-lhe o aspecto escatológico ( ou simplesmente não o levando emconsideração ), poder-se-ia dizer que a soteriologia do Protestantismo Autônomo é decaráter imanente. Tudo consiste na posse e fruição dos bens desse mundo, segundo oprojeto de Deus : saúde, prosperidade e amor. Essa posse/fruição, porém, não estáassegurada definitivamente, pois os demônios estão sempre a rondar. É preciso, inclusive,um certo esforço para que se garanta a posse.

A espera escatológica parece ser algo não previsto ou que não interessa, pelo menosa uma primeira vista ao Protestantismo Autônomo. ―Céu e inferno como possibilidades são

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termos que não comparecem e que tampouco são coerentes com seu sistema pragmático e positivo.‖ ( GOMES, 1994 ) O que é perfeitamente conforme o pragmatismodas relações religiosas do Protestantismo Autônomo. Pragmatismo que se apresenta, porexemplo, no fato de que aquele que realiza a oferenda ganha inclusive o direito de escolhero bem que quer receber em nome de Jesus :

-  E com o que o Pastor queria que você gastasse seu dinheiro ?-  Na Igreja. Ele me disse que eu poderia pedir qualquer coisa a Jesus, queJesus me dava. Se eu parasse de gastar minha grana com ―drogas‖ efosse para a Igreja, poderia até ter um trabalho e uma casa!

―Peça aDeus o que você quiser ...‖ insistia o pastor. Jesus decerto o recompensaria e o admitiriaentre os membros de seu corpo, caso acha-se sua oferta agradável. Mas não sem antes lheexigir que abdicasse de sua vida anterior, ―mundana e amaldiçoada‖, o que implicariacertamente num desafio e em sacrifícios.

Sacrifícios e Desafios

Este pedira Deus, pode envolver sacrifícios e desafios. Sacrifícios como o de Abraão (que se dispõe asacrificar seu filho sem garantia alguma, a não ser um misterioso pedido de Deus ) são

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muito desejados nos discursos exortativos do Protestantismo Autônomo e, quanto maisdifícil for realizar a oferta, maior a fé que se manifesta frente ao risco e, obviamente, maioro benefício.

Acategoria do sacrifício, (doação de bens para a Igreja ) não implica apenas em uma idéia

moral de privação de alguma coisa em função de uma outra, mas chama em causasobretudo o risco efetivo proveniente do fato dessa ―outra coisa‖ poder não existir, ou nãoexistir como se pensa e espera, e de se perder uma e outra coisa por nada. A privação dosacrifício é um modo de comprovar a própria fé,  de pô-la em prática, do que propriamenteuma privação de caráter acético. ( GOMES, 1994 )

Acategoria de desafio é muito peculiar à mentalidade do Protestantismo Autônomo. Implicaque a oferta faz entrar em ação um jogo de que fazem parte o ofertante e a divindade. Umavez que acontecer o primeiro movimento desse jogo, a oferta, este se processa quase ‗arevelia e Deus dele não pode se furtar.

Desafio

aqui significa, conforme Gomes (GOMES, 1994 ), ― uma provocação irrecusável a umareação da parte da parte do parceiro da inter-relação ou jogo; portanto o caminho para umaespécie de aliança.

A ofertacria um direito. Um direito ao benefício, que implica na despotencialização do demônio e,o que é o mesmo, na posse. Quem dá tem que receber, necessariamente receber : ―Senhor Jesus, eu exijo!‖ E Deus, dizem os Pastores, devolve sempre, com prosperidade, as ofertasfeitas com o coração puro e a fé sincera.‖ 

O dar parareceber41, é um paradoxo que se dissolve, pois este deve ser lido como doar à Igreja parareceber de Jesus, ou de seus longos braços. E num culto à prosperidade realizado entre os

meninos de rua do Porto da Barra, o Pastor Heber solicitou que revelassem os seus maiorese mais íntimos sonhos e que Jesus, que era o modelo do comportamento dos crentes queeles deveriam ser, era também a garantia que esses sonhos seriam realizados, pois eleestava ali presente para queimar o demônio, despotencializa-lo, ou seja para converte-los àprática e à fidelidade nas ofertas, única garantia da posse e da realização desses mesmossonhos.

Aviolência da estrutura social brasileira, aparta de si a maior parte dos indivíduos, dizimandoquase todas as possibilidades de acesso aos códigos de socialização, impedindo na prática oacesso aos seus bens e gozos, mas não consegue, extirpar-lhes o desejo. ― o desejo de umavida humana na medida do possível plena, como a da outra parte da sociedade.‖ ( GOMES,1994 )

Fechadostodos os canais, resta o nível do simbólico e do imaginário, o âmbito das vivências, dosdesejos, dos signos e dos valores e a dimensão religiosa. ―Aqui sim, a posse se torna umarealidade tangível e a miséria um paradoxo explicável. Nesses casos, sim, uma vida setorna possível e a existência quotidiana de marginalização, miséria e morte, algo mais

41 - Sobre a oferta como categoria antropológica, cf. Marcel Mauss. A Prece. Coleção Grandes CientistasSociais. Vol. XI, 1984.

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suportável.‖ ( GOMES, 1994 ). Pode-se dizer que se os objetos escapam ao controleprático do homem, quase nunca escapam ao imaginário. Resta saber por quanto tempo.

A ação sacrificial consiste, antes de tudo, em dar alguma coisa que me pertence.Tudo o que me pertence traz a marca do ―meu‖, isto é, traz a marca de uma identificaçãosutil com meu eu.

Outra pessoa não pode tocar no que é ―meu‖ e menos ainda usá -lo. Nós nossentimos ofendidos quando alguém revela pouca estima pelas ―nossas‖ coisas. De algumaforma os objetos de ―minha‖ propriedade são portares de projeções, na maioria das vezesinconscientes e, automaticamente se tornam mais importantes e desempenham funções queultrapassam os limites daquilo que são em si mesmos. Eles tem um sentido plurifacetado epor isso são simbólicos, coisa que raramente ( ou mesmo nunca ) nos damos plenamenteconta. É como se a ―alma‖ se achasse fora do homem, e na oferta, fosse ela a coisarealmente oferecida. Tudo aquilo que eu dou do que me pertence, já é, em si, um símboloou algo polivalente, mas como não tenho consciência do seu caráter simbólico, permanecepreso ao meu eu, porque é parte de minha individualidade.

Daí o fato de toda oferenda se achar ligada, de forma ruidosa ou discreta, a uma

pretensão de ordem pessoal. Queiramos ou não, trata-se sempre do ―dou para que me dês‖,e o simples dar em si, ainda não é sacrifício. Torna-se em sacrifício, quando,  paradoxalmente se renuncia até mesmo ao objetivo do ―dou para que me dês‖. Sequisermos que aquilo que vamos dar seja um sacrifício, é preciso que tal coisa sejatotalmente entregue, como se tivesse sido aniquilada. Na verdade, aniquila-se um pedaço deminha alma, senão toda. Pedaço mal, contaminado, que o Senhor restaurará. Esse pedaçotem a ver com qualquer pretensão egoísta, que tem que ser eliminada.

Para conquistar a benevolência de Deus, o dote oferecido, é em certa medida ―eudoando a mim mesmo.‖ A minha identidade com o que ofereço é o que faz nascer aobrigação moral de sacrificar-me inteiramente ... mesmo, e sobretudo, diante dapossibilidade de Deus não se agradar. Na verdade, oferto, sem pensar nisso, na retribuição,

 pois ela é ―pecado‖, mas almejo essa retribuição pois faz parte do jogo. Isso cria tensões,que devo em estado de êxtase, resolver. Somente se me entrego sem reservas e não queroreceber nenhuma paga, é que recebo, e o Espirito Santo me conduz a isso, durante o êxtase,gratificando-me apenas com a sua presença, já que ―somente Minha Graça lhe basta‖, e eu posso nada receber e ainda permanecer ―com o meu espinho na carne‖, ou seja, permanecer com os meus sofrimentos. Isso significa que nada em minha vida [ ainda, ou talvez nunca ]se resolveu, mas eu conto com a benevolência do Espirito. No caso de forma que o meuêxtase não é agora um ―devaneio causado pelo Diabo‖, mas ―loucura por amor a Cristo.‖Em outras palavras, tornei-me um fanático por Jesus; Ele agora é o conteúdo e do donomeu delírio, pois minha ―alma‖ pertence agora a Ele.

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O Núcleo Central da Conversão no Protestantismo Autônomo

A oferta é um dos fenômenos centrais da vida religiosa do Protestantismo

Autônomo, porque ela é um pedido; participando ao mesmo tempo, da natureza do rito e danatureza da crença. É um pedido, uma oração, silenciosa a principio, e depois externadapara o grupo e para Deus. É um rito, posto que é uma atitude, um ato, tomado, realizadodiante de Deus, que é sagrado. Dirige-se a Ele e tem o poder de influencia-lo. Consiste emconjunto de movimentos materiais dos quais se esperam resultados. Mas, simultaneamenteé um credo, um mito. Exprime um mínimo de idéias e de sentimentos religiosos. Na oferta,o crente age e pensa e, ação e pensamento estão estreitamente unidos em um mesmomomento religioso, num único e mesmo tempo. A oferta não é uma palavra, mas quasesempre vem acompanhada de palavras ou convicções psíquicas voltadas para uma reaçãodo divino, no sentido de que é um instrumento de ação, e ação especifica, pois exprimeidéias, sentimentos que são antes, durante e depois traduzidos para o exterior e

substantificado através das palavras. E quando observamos a oferta, que no seio doProtestantismo Autônomo é, sempre, um ato de solicitação, acompanhado de palavras,palavras que compõe uma oração,   podemos raciocinar com Mauss : ―Falar é ao mesmotempo agir e pensar : eis porque a prece pertence ao mesmo tempo à crença e ao culto.‖ (MAUSS, 1984 )

― Senhor, em nome de Jesus, eu ordeno que os demônios das ‗drogas‘ desapareçamda vida desta criança e, te louvo, te agradeço, porque o Senhor já me ouviu e já realizou omeu mais profundo desejo de meu coração e do coração desta criança, que já secompromete, Senhor, mesmo que ela não queira, a abandonar o vício; porque nada, nem elamesma pode nos afastar do amor de Deus‖ –  Disse o Pastor Heber num dos cultos

relâmpagos de prosperidade que realizou junto aos meninos do Porto da Barra, quandoMeire realizou uma oferta, em dinheiro, para Deus.A realização da oferta é portanto o ato mor de conversão e adesão dentro do

Protestantismo Autônomo, porque com ela, o indivíduo sela seu compromisso de viver uma―nova aliança‖, uma vida ―por fé‖, posto que para o Protestantismo Autônomo, a fé é,segundo as palavras do Pastor : ―o andar guiado pelo firmamento de coisas que não se vênem se espera‖. E é o ato central da conversão porque é pela oferta que o indivíduo secompromete a abandonar Satanás, ou ao conjunto de valores e comportamentos do mundoque ele possuía, mitos e ritos profanos, que melhor dizendo o  possuíam . E no caso dosmenores, valores e crenças apreendidos na rua e para a rua. E os abandona para edificar aIgreja com sua fé e com suas obras, principalmente com suas obras; com os seus ―100%‖,ou seja, com toda a sua vida doada a igreja, posto que dar o dizimo, levando-se em contaque se trata de 10% é interpretar a Bíblia como os escribas, ao pé da letra, e a letra é mortae mata. A oferta é a libertação de toda e qualquer maldição, é um pedido de cura e é,simultaneamente, a própria cura, uma total resignificação da vida.E então o Pastor continuou a sua prece :

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- ―Que em nome de Jesus você se liberte da ―drogas‘, aceite o desfio de viver uma vidaque tudo que você tem, ou terá passará a ser de Cristo, e para realizar teus sonhos, vocêdeve tomar posse de tudo o que te pertence, mas usufruir sem ter amor a nada, pois tudo pertence a Jesus.‖ 

Retomando o Contato Com os Menores

Travar contato com os meninos de rua não é fácil. É necessário primeiro conseguiruma relativa intimidade com eles; não se pode fazer qualquer pergunta. Pode-se a princípiofazer as perguntas que eles próprios fazem entre si, mas compreendi também que o

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funcionamento do grupo enquanto grupo excedia desde logo quaisquer respostas quepudesse obter deles

No dia seguinte, por volta das 16 horas eu me dirigi para o Largo da Vitória. Lá euencontraria alguns dos menores que eu havia observado no dia anterior, e lá encontrariaGuilherme e Meire , como havia-mos combinado. Eu sabia que encontraria um número

reduzido de menores , pois a maioria estaria naquele horário, no Campo Grande.Ainda no Corredor da Vitória, pude ver alguns deles próximos à VitóriaDelicatessen. Eles estavam sempre na espera da saída de um freguês para pedir algumacoisa. Passei depois pela Mansão e pelo Museu Carlos Costa Pinto e pela Travessa HugoWilson , onde um grupo de estudantes bebericavam na mesa de um dos dois bares que aliexistem. Mais adiante avistei a McDonald‘s , do outro lado da rua, onde os menorescostumam mendigar alimentos.

Guilherme e Meire , chegaram no Largo da Vitória por volta das 19 horas. Ambosestavam vindo de um lugar que não me revelaram a princípio. Haviam feito umaexperiência com o uso de ―drogas‖, mas apenas Guilherme tomou o ―ácido‖. Guilh ermeestava abatido, cansado, com a fisionomia oprimida e eu começo a conversar com ele a

respeito da experiência alucinógena por ele vivenciada, no sentido de tentar compreenderessa experiência.Vamos partir para uma descrição das alucinações de Guilherme, conforme ele me

relatou :- Foi estranho. Parecido com sonho. Eu nunca tinha tido uma ―viajem‖ assim. Foi

assim : Eu vi que meus pais eram pobres e eu senti que meus pais não poderiam cuidar demim , e que pretendiam até livrar-se de mim. E que se fosse o jeito seriam capazes dematar a mim e a Meire , nós tivemos que fazer uma grande viagem pela cidade grande e sópensávamos em como conseguir comida .

E o que isso significou para você ?Guilherme me olhou, cruzou os braços sobre o tórax, e disse , numa voz um tanto

quanto rouca e acelerada :-  Eu não sei ... é muito confuso! Mas eu acho que eu "tava" pensando napobreza em que meus pais viviam e nas vezes que eu voltava ... eles ficavam felizes e eutambém, mas eu vacilava. Vacilei até mesmo quando comecei a namorar a Meire e leveiela "prá" casa. Voltava a usar a ―massa‖ e o ―pó‖ de novo .... e voltava a roubar e a comer ―viado‖ por dinheiro. Me expulsaram de novo e a Meire foi junto. Meu pai chegou ameameaçar de morte ! Eu tinha medo de morrer de fome e não queria trabalhar ... eu não sei oque eu queria, mas tinha que enfrentar a vida ...só que tinha medo, muito medo de tudo!

- E no que mais você ―viajou‖? Você pode continuar ? -  Então nós tentamos voltar para a casa dos meus pais e fomos expulsos de novo.

Eu e Meire nos vimos novamente expulsos e essa situação foi muito assustadora.Mas um pássaro apareceu, e os monstros da cidade grande tentam mas não podem nos atacar.

-  E porque vocês são expulsos ?-  Eu ficava feito criança ... fazia tudo errado de novo.-  O pássaro e os monstros da cidade grande você sabe dizer o que são ? - O

que os pássaros e os monstros que aparecem na sua ―viagem‖ querem dizer ? -  Passarinho eu acho legal porque pode voar, é livre para ir para onde quer lá em

cima, quando a gente toma ―droga‖ fica livre como passarinho ... e os monstros, eu achotodo mundo monstro ! Até eu mesmo. Só os ―pirralhinhos‖ é que não são monstros...ainda.  

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Fez-se uma pausa. Ele parecia tenso. Pedi que continuasse, e ele prosseguiu :

- Nós nos lançamos novamente na cidade grande, onde os adultos viravammonstros e tentavam em vão nos atacar. Encontramos uma mulher feia e velha que queriaser como uma mãe boa para a gente e nos dar de tudo de comer em troca de alguma coisa

que não me lembro. Os pássaros da noite nos avisam para irmos embora dali. Nósdecidimos voltar para a casa com as jóias, mas tínhamos que atravessar um abismo, umpassarinho se ofereceu para nos transportar, mas Meire percebeu que só poderíamos ir umde cada vez, ou seja, separados. Chegamos em casa e fomos bem recebidos, voltamos aviver como vivíamos antes, só que felizes pois alguma coisa na gente tinha mudado. Foiessa a minha ―viagem‖. Parecia um sonho, mais era ―viagem‖. 

São agora 22 horas, e Guilherme, Meire e eu conversamos bastante sobre aexperiência alucinógena dele. Guilherme está cansado e pede a Meire que o acompanhe, pois estão indo embora. Eu pergunto para onde eles vão e eles me respondem : ―- Por ai.‖. 

E assim nos despedimos, mas não sem antes marcarmos um novo encontro. Ficosabendo que o grupo estará no dia seguinte perto do Teatro Castro Alves , após o cair da

tarde.  Na visão de alguns menores, conforme pude compreender depois ouvindo-os, omundo é infestado por seres aterradores, estejam eles sob o efeito de psicoativos ou não.Monstros, são os adultos na linguagem cotidiana deles. Esses seres aterradores sãodescritos por Guilherme, Meire e Oséias, e para falar com eles, para viver entre eles énecessário se Ter muita coragem e essa coragem, essa força eram obtidas por meio dospsicoativos, em particular dos alucinógenos. Quando eles os tomam, eles se sentemgrandes e fortes para enfrentar o mundo e os perigos que os cercam. O alucinógeno setransforma num fator psicológico, pelo menos numa primeira observação, sem o qual omenor se sentiria incapaz de enfrentar o mundo exterior.

Passados algumas semanas na companhia deles, parti para uma observação da rotina

de cada um deles em particular. O menor que decidi observar foi Juninho Baiano.Juninho Baiano dormia de dia, em parte para evitar os riscos que é dormir na rua ànoite, em parte por consumir muitas ―drogas‖ durante o período da noite, na sombras dascalçadas da Avenida Carlos Gomes. Passava a maior parte do dia assim, dormindo, elevantava as vezes para ir atrás de esmolas para se alimentar. Nos becos fazia suasnecessidades. Ele raramente se ―drogava‖ de dia, e eu nunca soube o porque. Eu pudeacompanhar sua rotina por alguns dias observando-o de longe até que ele me descobriu.Indagou-me o que eu fazia e eu lhe expliquei dá melhor maneira possível. Ele não gostouda idéia de ser observado por alguém que estivesse oculto e me disse num tom imperativo echeio de raiva que se eu pretendia continuar meu trabalho, que o acompanhasse com o seuconsentimento e nunca as escondidas, o que eu concordei de imediato.

À noite, ele deixava um pouco de lado a morbidez e tornava-se um pouco vívido.Sentava nos enlodados pedregulhos do ―quebra bunda‖ , uma viela que fica perto da Igrejano Santo Antônio. Amassava folhas com as mãos, para ocultar o cheiro da maconha.

Era de perder horas parado, observando em si mesmo os efeitos que a maconha lheproporcionava, e gostava de falar sobre eles. Percebi que ele gostava de ir para os locaisonde melhor se via o céu cheio de estrelas e a lua. O frio se tornava mais intenso, e euquase não suportava. Ele começou a me falar que as luzes estavam cada vez maisofuscantes, como um sinal, isso para ele era hora dele cheirar cocaína. Eram exatamentevinte e três horas trinta minutos.

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Nos deslocamos até um velho casarão no bairro, entre o labirinto de ruas, ondeuma determinada pessoa adulta ia fazer uma ―presença‖, ou seja ia dar cocaína a ele emtroca dos inúmeros ―aviões‖ que ele já havia feito. Cheirou cocaína até o ponto de não lh eoferecerem mais. Ele estava num nível alterado de consciência e ele inventava ereinventava frases desconexas para expressar o que estava vivenciando , dizia coisas que eu

não entendia. Falava às vezes, mas era uma mistura de gíria e palavras sem sentido paramim . Ficava sem compreender, e naquela hora percebi, após muitas tentativas, nãoadiantava perguntar a ele o que ele estava querendo dizer. Quando ele parou de consumir a―droga‖ já eram quase quatro horas da manhã. 

Guilherme e Meire partiram caminhando lentamente em direção ao Campo Grande.Não havia despedida. Esmagava o âmago, ver Juninho assim, Mas eu tinha que manter adevida distância enquanto pesquisador..

Já na rua com ele, mantinha-mos silêncio e cumplicidade. Ele era só, me disse. Edisse mais . Disse que quando perdera a mãe, sua única companhia, tinha apenas seis anos.Ela fora consumida pela loucura e aprisionada no Juliano Moreira. Disseram-lhe que elatinha ido ―prá lua‖, quando ela morreu lá no hospital. E ele me disse que via a mãe n a lua,

quando estava sob o efeito de psicoativos. Passamos o resto da noite, da hora em que eleparou de consumir o psicoativo até perto do amanhecer, perambulando pelas ruas doPelourinho. Eu o acompanhava enquanto ele consumia bebidas alcóolicas que ia pedindo aum e a outro. Fomos para o largo do Santo Antônio, eu estava exausto. O dia amanheceu.

Novo dia, e ele já corria do sol. Entramos num bar no Barbalho, perto do CEFET,e ele pediu bebida. Eu já havia tomado café com pão, mas ele se recusava a se alimentarpela manhã, pois dizia que isso lhe causava vômito. Tomava aguardente. A sua prediletaera Pitú, pois era forte como álcool e até pegava fogo, como ele disse. Pediu mais cachaçapara tomar no banheiro com diazepam. Gente conhecida dele chegava e de graça, pagavamais bebida. E ele bebia, sem no entanto apresentar qualquer sinal de estar embriagado.Suava muito. Enxugava o suor na camisa velha, e quando levantava a camisa viam-se em

sua barriga, marcas de ferimentos e chagas. Do Barbalho perambulamos pela cidade até eleachar um local para dormir. Dormia para não ver completamente o dia. Ele me dissera quenão gostava do Sol, pois sua pele doía

Decidiu que iria para a praia do Porto da Barra, pois queria tomar um ácido eGuilherme tinha alguns. Na praia Juninho e Guilherme, se encontraram sem muito esforçode procura, e tomaram ácido.

De repente Juninho disse que estava chovendo, mas objetivamente não estava. Eufiquei curioso e lhe disse que não estava chovendo, que era o efeito do ácido. Mas ele disseque chovia e que a chuva vinha da lua, era o choro da mãe dele. Essa ―viagem‖ de ver amãe, acontecia quase sempre com Juninho, quando ele tomava ácido.

Na praia, estava-mos eu , Oséias, Juninho, Guilherme e Meire. Mas eu estava tãocansado que adormeci , não sem antes perceber que Guilherme e Meire se afastaram de nóse foram namorar. Dormi quase uma hora até ser acordado por Juninho, que me disse que amãe dele tinha falado para ele me mandar deitar na sombra. Eu tomei um bom banho demar e fiquei ali observando-os.

Juninho me disse que não queria ver o dia passar, temia o fim da manhã, temia ofim da tarde, temia a chegada da noite. Estava sentindo medo de tudo. Me falou que quando passava a noite cheirando cocaína, ficava de ―bode‖ no out ro dia. Mas ele me disse que eracorajoso, que aproveitava para tomar ácido ou outro psicoativo, para ficar ―na nóia‖.Juninho disse que gostava de ―viajar‖ em coisas assustadoras, mas tinha horas que tinha

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medo de morrer. Percebi que o efeito do ácido ainda não havia passado. Nele osalucinógenos demoravam a passar na mesma proporção em que ele era resistente a outrasubstâncias psicoativas: Ele ficava muito tempo sobre o efeito de um a pequena quantidadede maconha, de um ―fininho‖, às vezes quase o dia todo. Porém quando estava com umacartela de diazepam, chegava a tomar de meia em meia hora, como observei. Ao mesmo

tempo insistia em cantar uma musica cuja letra eu não conseguia entender , pois elecomeçava a falar numa linguagem que misturava o português, com gírias e palavrasincompreensíveis para mim, quando não sons e gritos .

O dia passou e a tarde também. O efeito do alucinógeno parecia não querer passar,em Juninho, embora Guilherme já estivesse ―de cara‖, desde o meio dia : mas de qualquer forma ele delirava, e me narrava seus delírios. Percebi pelas poucas frases diretas o quesignificava Meire, em sua vida. Ela era muito parecida com a mãe dele sendo porém lúcida.Uma vez sendo sua namorada, lhe daria forças para ter um objetivo na vida e se empenhar por ele, estudando, trabalhando. Ele queria ser como Guilherme, que usava ―drogas‖, mas―não vacilava‖.

Alucinado Juninho mirava o alto e gritou . Os outros meninos olharam-no.

Perseguiram. Zombaram.. Ele se descuidara e terminou levando um corte feio na perna. Euquis leva-lo ao hospital , mas ele se negou de um modo radical e foi agressivo comigo,chegando mesmo a me xingar. A princípio eu fiquei tão agressivo quanto ele. Mas meacalmei ao me lembrar que a mãe dele fora para um ―hospital de maluco‖ e que haviamorrido lá. De qualquer forma havia chegado o fim do dia e ele ia retornando lentamenteda ―viagem‖. 

De noite Juninho encontrou Meire, sua ―mãe lua‖, como a chamava. Ela estavasem Guilherme que só chegaria mais tarde. Oséias também não se encontrava. Juninho fala,com a voz pastosa dos comprimidos de diazepam que havia tomado, segundo ele, para―segurar a onda‖ do ácido. Fala para mim que vai dizer a Meire o que sente por ela, masfoge no meio do percurso, algo o faz desviar o itinerário das suas intenções. Ele me diz que

sabe a resposta dela. Ele não percebe mas ela também o busca, por meio de suasinsinuações e indiretas. Até então eu não havia conquistado o espaço de confiança grupalnecessário para aborda-la e ela era uma incógnita para mim. Ela continua se insinuandopara ele, mas ao mesmo tempo parecendo que não estava se insinuando.

Juninho ficou parado observando Meire brincar com ele. E disse-me que descobriufinalmente o truque. Ela poderia muito bem estar querendo fazer ciúmes ao namorado quebrigava com ela por bobagens.

Ela fugia de todas as conversas. Mas sutilmente, atacava e aplacava, chegando até aacaricia-lo mas depois o deixou. Meire tomou um ar sério e começou a falar. Era a primeiravez que a ouvia falar no grupo, ou melhor do grupo. Ela fala das deficiências de cada um,inclusive das do namorado e dizia que tinha um namorado ideal em sua cabeça. Essenamorado ideal em resumo tinha que ganhar dinheiro e deixar para ela a administração domesmo. Juninho resolve cantar para ela, e no seu cantar, pedia a ela para namorar com ele.

Eu fiquei observando a criatividade de Juninho de passar a mensagem usando certasletras de musica que tocam no carnaval, e que não tem nenhuma relação direta com onamoro. Mas ele improvisava, mexia nos conteúdos, modificava e principalmente a olhavaolhos nos olhos: jamais vira tamanha demonstração do poder de criar. Ela parecia queobedecia a um encantamento, ia de leve se deixando levar por ele, e lhe fazendo cada vezcaricias. Sorria. Mas logo o colocou na posição de melhor amigo.

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Juninho parou. E ela própria se afastou temporariamente. Ele me questionou oque houve , e ele mesmo respondeu, não me deixando falar. Tinha levado ―um fora‖.  

Todos os menores que assistiram pareciam ter percebido tudo e há silêncio, e naspoucas conversas as indiretas zombavam dele, ele não tinha só desafiado a Guilherme, eletinha atacado a moral do grupo. Só eu não sabia o quanto isso lhe iria custar. Me falou que

lembrava da mãe, do que disseram dela. Doía-se num todo, que seu corpo tremia e tinhaespasmos. Ele se enfureceu, arremessou para longe o capim que segurava. Disse que iabuscar crack, queria fumar.

Então saímos do meio do grupo. Na rua ele atirou uma pedra que, atingindo umcarro, espatifou estilhaços de vidro por todos os lados. Mas antes de fumar queria beber enós nos deslocamos do Campo Grande, aonde estava-mos, até o Pelourinho. Ele me disseque tinha um amigo que tinha um bar, e para decidido a beber. Eu fiquei preocupado comas misturas de ―drogas‖ que ele vinha tomando e na possibilidade de uma overdose. Via -obêbado pela primeira vez e ele quebrou o copo, atirando-o contra a parede. Isso chamou àatenção dos fregueses e do suposto ―amigo‖, dono do bar, que terminou por nos por parafora. O homem parecia mesmo conhecer Juninho, como este dissera, e tudo acabou no

consenso de que depois Juninho voltaria ali para saldar sua dívida. Bêbado e semi-inconsciente Juninho saiu comigo do bar. Eu fiquei aborrecido com ele, falo algumasverdades e terminamos por discutir. Ele ameaça deixar de ser meu informante e eu ficoapreensivo. Mas logo ele esqueceu e começou a chorar. Eu sabia que para ele, segundo osseus desabafos, era o fim da possibilidade de namorar Meire. Ele tomou mais doiscomprimidos de diazepam.

Esse textoreflete o meu encontro com a diferença cultural, de modo profundo. É um evento psíquico eespiritual, que me inspirou uma abertura receptiva, de tal forma que procurei ao máximover Juninho pelos seus próprios olhos. Isso me leva a reflexão de que os espíritosmedíocres, em contato com a cultura estranha, perdem-se numa cega autodestruição, ou

numa atitude crítica tão incompreensível quanto presunçosa. Como apenas tateiam asuperfície externa, nunca bebendo o vinho ou comendo o pão da cultura estrangeira, jamaispermitem que ocorra a communio spiritus, aquela transfusão e penetração mais íntima queprepara e gera um novo nascimento. A possibilidade, para mim de conhecer o grupo eentender o uso de psicoativos dentro dele.

Laços de amizade entre a minha pessoa e o grupo, iam se estreitando. Tive então aoportunidade de passar um dia com Meire, também observando-a em sua rotina diária, aoque teço o seguinte relato :

Eu e Meire conversamos. Ela não era tímida. Quando soube que na noite anterior, osmeninos haviam pego Guilherme e Oséias ―fudendo‖ um ao outro, como se comentava nogrupo, ela manteve – se calma..

Mas ela era firme, secreta e insistentemente imutável em suas convicções. Me disseque amava Guilherme.. Mas tinha sua fé, e sua fé condenava o homossexualismo. Ela nãosabia o que fazer. Me disse que na rua era comum os meninos ―treparem‖ com meninas ououtros meninos, usar ―drogas‖, roubar e até matar. E disse mais : com as meninas não eradiferente . Disse ainda que Guilherme sabia que ela era apaixonada por ele, que ele aencontrará na lama, escrava da mãe que a usava para esmolar para com o dinheiro daesmola comprar crack e cocaína ou nas situações urgentes comprar comida, ela tinhaGuilherme como um pai, como um herói, mas envolvera-se com uma Igreja Batista, e comPastor Heber, que insistia para que ela abandonasse o grupo, fazendo uma imagem

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demoníaca das relações inter e intragrupais nas quais ela estava inserida. A imagemque ela fazia de Guilherme foi se modificando; à medida em que ela ia se tornando amigae sendo discípulada pelo Pastor. À medida em que estreitavam os laços de contato entreambos, como a própria Meire me disse, ela ―ia ouvindo a verdade‖ . Agora ela sabia que―ele também estava em pecado‖ como ela que as vezes ele cedia ―às tentações do

demônio‖, e a obrigava a ―fuder‖ ou se ―drogar‖ com ele. Ela estava cansada disso tudo,ou nas palavras dela : ―dos meninos não se converterem e andarem com o demônio‖ . Masparecia que procurava uma saída para o seu dilema : queria que ele se convertesse. Mas elenão quis a princípio ―e depois começou a enrolar‖. Procurar a Cristo, parecia, ser para elaum ato de vida, pois como ela própria dizia : ―os irmãos da Igreja me ajuda, é a minhafamília. Vou com eles para o céu‖. Ela buscava algo além dessa rotina do dia a dia e da―frieza pálida das pessoas que não tinha Cristo‖, como disse o Pastor Heber, um dia, e eladecorou. Não podia entender a solidão e a indiferença como fatos normais da vida, mas secontinuava com Guilherme ―era porque tinha que carregar a sua cruz e ser forte‖ .Insatisfeita como parecia estar, resolvera buscar um caminho que lhe fizesse reviver, sentirhumanamente humano e sensivelmente mulher : e esse caminho era a Igreja, que ela

sempre que podia ia visitar. Era quando o Pastor Heber aparecia junto ao grupo dosmeninos de rua, cercado de senhoras e moças da Igreja, para a chamar e a levar. Ela medisse que sabia que ―havia sido chamada por Deus‖ . Mas, os meninos ―eram caretas‖ etudo isso ela fazia às escondidas, e isso a perturbava no mais alto grau, pois tinha queassumir a Cristo perante os homens para que : - ―o pai dele me reconheça‖. Pergunteia ela se, quando tinha esse tipo de problema, ia procurar alguém da Igreja. Ela merespondeu que sim, que procurava o pastor. Mas me disse também que não se sentia àvontade para contar tudo ao pastor, e isso diante das pessoas e diante de Cristo.

Perguntei o que o pastor achava disso e sua resposta foi a princípio uma evasiva.Mas ela me falou que o pastor era ―bom‖, que a ouvia em tudo, mas que ele atribuía tudoao pecado e, como ela própria dizia : ―O pecado dá força ao maligno, ao diabo que prende

eles. Eles não querem ficar em paz e levar uma vida com Cristo. Como o Pastor havia lhedito : ― Era necessário que Guilherme se arrependesse, que confessasse -se os seus pecadosa Cristo diante dos homens, que considerasse a Jesus Cristo o seu Senhor e SalvadorPessoal‖. 

Vivia umavida dupla : uma vida na e para a Igreja e para o pastor, e outra na e para a rua comGuilherme, mas não queria escolher o caminho da vida na rua : - ―quero ser genterespeitável‖. E deixar os ―doentes‖ de espírito, ―os que não aceitam Jesus‖, no mundodeles onde eles comungam com Satanás. Ela não podia fazer nada por quem não aceitava àCristo, a não ser orar, e o se eu a via em silêncio, ela me disse, era porque ela ficavarezando pelos amigos ―que o diabo dominava‖, através das ―drogas‖.

Relatou-me em seus planos de ter uma família com Guilherme, de ter filhos e de daraos filhos tudo o que ela não tinha. Mas mesmo essa vida não valia a pena ser vivida sem arealização de suas crenças. Não valia a pena ser vivida porque era apenas uma estrada queconduzia, nas palavras dela : ―ao fogo do inferno‖, pois como o Pastor havia lhe dito, elescomungavam da mentira pois ―não reconheciam o poder do sangue de Jesus e pela mentirase tornavam da igreja do diabo, comungando com o pão e o vinho dele, que são as drogas‘―.

Paramos, eu procurei comer alguma coisa pois já eram quase três horas, e eu não

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havia almoçado, ofereci um acarajé a ela, mas ela não quis, estava atenta a duaspessoas que vinham chegando : Eram Guilherme e Oséias. Caminhavam do lado oposto darua e pareciam estar ―drogados‖. Ela ficou triste.

Guilherme falou num tom de quem pede desculpas, mas não houve resposta.Guilherme lhe proferia palavras animadoras, querendo aliviar a situação

Mas ela lhe disse que o seu desejo era ―caminhar rumo a Cristo‖. Tinha percorridouma árdua jornada no caminho de Deus. E disse que havia feito um trato consigo mesmadiante de Cristo e que Guilherme havia ―vacilado‖.

Ela discutiu com Guilherme e resolveu terminar o namoro com ele. Guilherme disseque não se sentia mal dela ―dar o fora nele‖, porque era ele que não queria mais ela, porquedesde que o Pastor apareceu na vida dela ela havia se tornado uma ―chata‖. Disse : ―Aculpa é sua! Se você tivesse ficado comigo do jeito que eu queria não tinha feito nada comOséias!. Ela desabou a chorar, mas tão rápido o tinha começado, assim também parou. Sedespediu dele com um aceno de mão.

Andou lentamente comigo, do Farol da Barra até o Campo Grande, enquantoconversava comigo a respeito de Deus e da decisão acertada que havia tomado. Andou

ainda mais lenta pela Avenida Sete.Na Igreja já haviam lhe dito que não encontraria o amor sem Cristo. Mas ela seguiaem frente magoada e perturbada, seguia para glorificar a honra de Deus, que era sábio.Desfilou uma série de más qualidades de Guilherme : viciado, ―viado‖, ―mandão‖, sem fé e  incapaz de ―trabalhar para ser gente e casar com ela .Vão aparecer outros caras‖ ela mefalou.

Ela me confessou que no fundo não sabia se amava Guilherme. Ele era quem falavae nunca ouvia, mas gostava dele e era absurdo para ela conviver com sentimentoscontraditórios dentro de si.

Falou-me que não ia consegui esquecer os beijos de Guilherme. Me disse quepercebera que no mundo ninguém mais podia procurar a felicidade. Xingou alto e com

todos os palavrões possíveis a Guilherme e a Oséias. Meire eGuilherme se vêem, ao se encontrarem no Largo da Vitória. Ela que o conheceu haviaquatro anos, aqui em Salvador, segundo me informou, estava firme na sua decisão determinar tudo com ele. E ele que era tão imperativo, no seu agir e falar com ela, agoradiante dela, falava quase chorando. Eles tentaram conversar sobre o que aconteceu entreeles até então. Oséias estava junto a eles. Meire estava convencida que tudo haviaterminado. A conversa rolava no meio do grupo, não havia segredos. Até eu podiaparticipar como ouvinte. E acredito que tudo o que era de mais íntimo era dito. Guilhermeestava embriagado.

Ela não podia suportar a idéia que Guilherme tinha se envolvido com Oséias.Conversaram sobre isso e ela fez uma escolha : terminar o namoro com ele. Mas tudo tinhade ser dito agora perante o grupo. Como disse antes, até eu fui convidado discretamente porJuninho para participar. Meire relembra-o do primeiro encontro, os braços deles se tocando,o primeiro beijo. E depois dai, ela lembrou a ele as muitas conversas e muitas promessas,que ficaram no passado e não foram cumpridas. Então Meire chorou. Oséias chorou.Guilherme permaneceu aparentemente alheio a tudo, ouvindo-a com um ar, recémassumido, de superioridade, na face. Guilherme inverteu os papéis : Agora não era mais eleque estava sendo deixado por ela, era ela que estava sendo deixada por ele. Ele alegouvárias razões, entre elas o fato de Meire andar com os evangélicos. Diz que ela ouvia e

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fazia tudo que o Pastor mandava, e que não ouvia a ele, nem fazia nada do que elepedia a ela. Ele diz que não quer mais namorar com ela. Juninho Baiano ouve a tudo a tudo,atento. E eu observo a todos e a tudo que me é possível observar, registrando tudo em umcaderno.

O fim do namoro entre Guilherme e Meire, marcou o grupo. Meire disse que ia se

afastar do grupo e que ia ficar com o pessoal da Igreja. Disse que havia conversado com oPastor Heber e que ele já tinha falado com uma senhora que poderia ficar cuidando dela.Ao ouvir Meire falar do Pastor Heber, Guilherme ficou revoltado, e apontou naquilo omotivo dele estar pondo um fim no relacionamento, atacando novamente a fé e as relaçõese os envolvimentos com os evangélicos, amigos de Meire.

Juninho e eu estava-mos um pouco afastado dos demais, ele encostado num dospostes do Largo da Vitória, eu sentado num banco próximo. O riso de Paulo Nunes queacabava de chegar era constrangedor, mas ele percebeu que o grupo estava conversandoalgo importante, e se silenciou rapidamente.

Juninho chamou Paulo Nunes e contou a ele o que está acontecendo. Ficamos ostrês : eu, Juninho e Paulo Nunes, um pouco afastados. Guilherme assumiu que aconteceu.

Meire disse que não importava.Juninho e Paulo Nunes começaram a conversar. Paulo Nunes estava poucointeressado no desfecho daquele triângulo amoroso, ele trouxe cogumelos e o grupo iriatomar. Juninho, se desviava da conversa de Meire, Guilherme e Oséias, interessado noscogumelos. Com a chegada dos cogumelos reinava agora no grupo o desprezo pelosproblemas pessoais de cada um. Oséias se afastou de Meire e Guilherme e veio ver oscogumelos.

Meire, deixou-o e veio para junto do grupo. Guilherme estava só. ―- Ele tá de águadura‖ – disse Paulo Nunes  – e eu olhei para a garrafa de aguardente que ele bebeu, juntocom Oséias. Guilherme nos convidou para se aproximar dele, disse que o grupo estavaameaçado : -― Tem uns cara ai, tudo do Farol que tão na área. Eles estão entregues‖! Paulo

Nunes me explicou que havia um grupo do Farol da Barra, que era rival dos garotos doPorto da Barra. Eles constantemente entram em atrito. Perguntei a ele o que significava aexpressão : ―estão entregues‖ ? E ele me disse que o grupo do Farol não estava todoreunido ali, que só haviam uns dois ou três e que se tivesse briga, os dois ou três iriamapanhar muito.

Paulo Nunes resolveu guardar os cogumelos, pois o grupo podia ficar de ―bobeira‖.Para a eventualidade de se encontrarem naquela noite com os meninos do grupo rival,decidiram fumar crack. Porque aquela ―droga‖ os deixavam mais ―fortes‖ e agressivos. Elespassaram a noite, e eu passei com eles, felizmente, sem encontrar ninguém.

Meire foi embora. Todos no grupo estavam ―drogados‖, alertas e de ―tocaia‘.Juninho tocou meu braço. Apareceu alguém na rua. E não era nenhum menino de rua deoutro grupo, era uma mulher. Juninho foi para o outro lado da rua e se escondeu. Observeitudo. Juninho começou a gritar.

Paulo Nunes saiu correndo em direção à mulher, e ela que até então estava aturdidapelos gritos de Juninho, não sabendo de onde viam, segurava com força nos braços a bolsa.Esta lhe foi arrebatada, sem que ela entendesse o que estava acontecendo. Na verdade, elasó iria se dar conta do que aconteceu, segundos depois, tempo suficiente para ele escapar,descendo pela ladeira da Barra 

Após o término do relacionamento de Guilherme e Meire, eu tive posteriormenteum diálogo com o pastor Heber sobre o fato. Ele me disse que era contra o relacionamento

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dos dois por muitos motivos, mas o principal deles era o fato de que existia paixão norelacionamento. O relacionamento de ambos não era baseado no amor cristão e era simexclusivo. Num relacionamento, mesmo cristão, cada parte não poderia mais dar os seus100% de oferta a Deus, pois um teria que se dedicar ao outro. Mas, no caso de serem, osdois evoluídos, cristãos, somava-se ―o 60% que o homem podia agora dedicar a Deus, com

o 80% que a mulher podia agora dedicar a Deus, obtendo-se assim 140% de dedicação deum só ser... um só ser sim, pois os dois são agora uma só carne. Mas no namoro entre umímpio e uma cristã. Temos de um lado 0% de dedicação a Deus e no outro 80%, já que elavai ter que se dedicar a ele. Como os dois também se tornam uma só carne, um só ser, esseser só estará contribuindo com 80% de dedicação a Deus. Mas Deus é Deus, e você tem quese ofertar 100% a ele.‖ 

Pergunto: O que é a paixão? É o estado nascente de um movimento coletivo a dois.Essa definição poderia ser a conclusão de um pormenorizado estudo de fatos einterpretações. Mas preferimos enunciá-la no meio de uma discussão para que nos sirva deguia no decurso da própria discussão. Essa definição expõe o problema da paixão na qual apaixão não é um fenômeno quotidiano, uma sublimação da sexualidade ou um capricho da

imaginação. É um fenômeno sui generis inefável, divino ou diabólico e que pode serincluído dentro da classe dos fenômenos coletivos. Entre esses fenômenos, a paixão temuma individualidade inegável, não se confundindo com outros tipos de movimentoscoletivos, tais como a reforma protestante, o movimento estudantil, o feminismo 42. Talconfusão não é possível. Mas a paixão pertence ao mesmo gênero, ou seja, é um casoespecial de movimento coletivo. Não há dúvida de que entre ele e os grandes movimentoscoletivos da história existe um elo bem estreito, pois o tipo de forças liberadas e atuantespertence à mesma classe. Os sentimentos de solidariedade, renovação e alegria de viver sãobem semelhantes em ambos os casos. A diferença fundamental reside no fato de que osgrandes movimentos coletivos são constituídos por muitas pessoas, estando abertos aqualquer indivíduo. A paixão porém, ainda que seja um movimento coletivo, só acontece

entre duas pessoas; está vinculada ao fato de se completar somente entre duas pessoas. Essaé a razão da sua especificidade e particularidade – o que lhe confere algumas característicasinconfundíveis.

Alguns sociólogos já analisaram os movimentos coletivos e descreveram o tipo deexperiência específica que tais movimentos produzem. Por exemplo, Durkheimcomentando os estados de efervescência coletiva escreve: ―O homem tem a impressão deestar dominado por forças que não reconhece como suas; forças que o arrastam e que elenão domina (...) sente-se transportado a um mundo diferente daquele em que vive suaexistência privada. A vida aqui não é somente intensa, mas qualitativamente diferente (...)perde o interesse por si mesmo e se entrega inteiramente aos fins comuns (...) [as forças]criam a necessidade de expansão através de movimentos sem qualquer finalidade aparente(...) nesses momentos, essa vida superior é vivida com tal intensidade e de maneira tãoexclusiva que ocupa quase por completo a consciência da qual expulsa quase por completoas preocupações pessoais e egoísticas43.‖ 

Esse fenômeno descrito por Durkheim, podemos encontrá-lo não somente nosgrandes processos históricos, como a Revolução Francesa ou expansão do Cristianismo, por

42 - ALBERONI, Francesco, Movimento e Instituzione , ll Mulino, Bologna, 1977. 43 - DURKHEIM, E. ―Giudizi di Valolre e giudizi di realtá‖, In: Sociologia e Filosofia, Comunitá, Milão,1963, p. 216-7. 

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exemplo, mas também em outros movimentos coletivos de menor alcance,principalmente em sua fase inicial ou nascente. O mesmo se aplica também à paixão, masnão sobre o ponto de vista do Protestantismo Autônomo, onde o enamoramento entre ―umímpio e uma cristã, não é paixão, não é amor. O relacionamento entre um casal de cristãoenvolve sempre três pessoas: o homem, a mulher e Jesus Cristo. No caso dos dois (de

Gulherme e Meire) o relacionamento era de paixão, sem amor, mas com o suicídio no lugardo amor e envolvia muitas ‗pessoas‘, menos Jesus. Envolvia Satanás, seus anjos decaídos eas ‗drogas‘ com as quais eles estavam matando um ao outro‖ – Disse-me o Pastor Heber.

Um segundo exemplo nos dá Max Weber numa análise dos fenômenos em que semanifestam plenamente a criatividade, o arrebatamento e a fé. Weber os considera formasde poder, isto é, algo que depende do aparecimento de um líder carismático 344. Este surgepara romper com a tradição, arrastando seus seguidores a uma aventura heróica, e lhes proporcionando a experiência de um renascimento interior, de uma ―metanóia‖ no sentidoque lhe dá Paulo. Esse líder, na visão do Pastor pode ser Jesus ou o Diabo. Sendo Jesus oorientador do casal, as preocupações econômicas são dissolvidas no ato da oferta e abrem-se o caminho para o livre desenvolvimento da fé até uma vida de arrebatamento e paixão,

onde vale o lema Paulino: - ―Sejamos loucos por amor a Cristo‖. Quando o Diabo éorientador do casal, inicia-se com o lema ―dos infernos‖: ―Sejamos loucos por amor aSatanás‖ – daí se pode concluir a existência de uma doença mental como uma categoria deacusação, pois o que senão uma doença mental levaria um indivíduo a amar o Diabo, eama-lo através do uso de ‗drogas‘? Estando ―mentalmente doente‖, o indivíduo éconduzido a uma vida de paixão desenfreada, onde ―o sexo é o motor e as ‗drogas‘, ocombustível‖. Os indivíduos vêem-se, então, em meio a preocupações econômicas (―ondearranjar o dinheiro para a próxima dose?‖), cada vez mais a afasta-las do ato que vaidissolve-las, o ato da oferta.

Passados cerca de três semanas, observando o grupo e convivendo com ele, resolvique acompanharia a rotina de Oséias.

Oséias fazia biscates na feira de São Joaquim.. A feira era de movimento diário.Sábado era dia de se encontrar muita gente. Ele, vendia de tudo mas principalmentecaranguejos.

De tempos em tempos, Oséias saia para fumar maconha ou crack em algum canto.Ele pedia geralmente que algum amigo ficasse vendendo para ele. Em troca repartiam acomida e as ―drogas‖. Na primeira vez que saiu, seu amigo, que se chamava Laércio e tinhaum irmão mais velho chamado ―Nino‖, um garoto alto e muito forte para o apelido, seaproximou de mim e me olhou bastante. Depois se aproximou ainda mais e fez um sinal,como quem queria falar no ouvido do outro. E realmente queria. Ele me perguntou se eusabia que Oséias era ―viado‖, que ―gostava de dar o cú para todo mundo‖. E eu disse quesabia.

Laércio me olhou com reserva, e me perguntou :-  Então tu é ―viado‖ também ? -   Não. Eu não sou. Você é ―viado‖ só porque anda com ele ? O menino corou. Depois falou irritado :

-  Eu não sou ―viado‖ não. Se eu pudesse matava todos os ―viado‖. Mas vocêé, ―cê‖ f ica olhando para ele o tempo todo ! - Estava irritado comigo. E eu tentei contornara situação explicando para ele quem eu era, o que fazia e porque ficava observando tudo

44 - WEBER, Max. Economia e Sociedade. Vol. 1, 3.ª ed. Brasília, 1994.

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que se passava com Oséias. Ele ainda me perguntou se eu não era ―daqueles caras que  comem ‗viado‘ ― , mas finalmente acreditou em mim . Disse que nem ele nem o irmãousavam ―drogas‖. Mas bebiam.

Moçasvendiam réstia de cebola, meninotes vendiam banana. Oséias queria vender a corda de

caranguejos, mas não parava quieto; pois saía de vez em quando para ―fazer a cabeça‖. Maslogo estava de volta ao seu esconderijo, no único lugar que lhe reservara na feira, atrás damulher que vendia tempero verde. O cominho era de um cheiro forte que, vez em quando,nos fazia espirrar. Às vezes fumava um ―fininho‖ ali mesmo sem que ninguém visse. Ocheiro de maconha se misturava com os aromas da feira. Ele me pediu ajuda. Para ficar aligritando a mercadoria dele enquanto ele ia beber água. Demorou quase quarenta minutospara voltar. Laércio me falou que ―ir beber água‖ significava que ele tinha ido fumar crack.

Oséiasvoltou à feira na euforia do efeito do crack. O cansaço se estendia na face. Era de olheirasimensas, maiores que os olhos. Não dormia há dias pelo que eu sabia.

Recebera as cordas de caranguejo de um parente, pescador, que morava em

Arembepe e que o encontrara, horas atrás. Vender caranguejo era um biscate novo, muitomelhor que lavar carro. Deixar de lavar carro era para Oséias, nos seus próprios termos ámelhor coisa que podia fazer no momento.

Tentaraum dia atrás, trabalhar com um amigo, um senhor de idade, que era pescador. Mas o amigonão queria ele na canoa, e foi franco. Disse a Oséias que o povo sabia que ele era ―viado‖ epodiam pensar qualquer coisa, com os dois sozinhos em alto mar. Um moço, dois ou trêspassos distante de nós aceitou comprar duas das oito cordas de caranguejo que Oséias tinhapara vender. Não conhecia Oséias, mas, no meio da conversa, perguntou se o menino queriao dinheiro para comprar ―droga‖. Recebera pelas cordas, vinte reais. Oséias e seus amigosfestejaram. Fizeram ―uma vaquinha‖ e saíram para comprara feijão com toucinho, e

também farinha. E enchendo sua cuia, sentamos em banquete. Colocou-se tudo emmistura. Não iria haver sobra, eles me disseram. Mãos se cruzavam em luta dentro dapanela - a única, areada que havia. Para mim parecia uma refeição-competição, e eu gosteide participar.

Oséiasestava preocupado, mesmo sob o efeito do crack, que ele dizia deixá- lo ―legal‖, pois estavadevendo a um traficante e isso podia significar a morte, se vacilasse.

Ouve umaconfusão infernal dali a instantes. O traficante de quem Oséias havia adquirido a ―droga‖estava ali bem diante de nós a gritar ameaças. Pararam todos os feirantes que estavam aonosso redor. Oséias explicava que havia conseguido dinheiro, mas tinha usado paracomprar comida. O traficante parecia não querer conversa. A mulher dos temperos, a DonaHelena, chamou o traficante e pagou o que Juninho devia : vinte reais. Todos os queestavam por perto se silenciaram quando o traficante foi embora, ainda ameaçando Oséias.Agora todos sabiam que ele era envolvido com crack, ele me admitiu isso e disse tambémque ele corria o risco de ser denunciado ou de perder o local na feira. Agradeceu e beijou aD. Helena. Pegamos um ônibus e saltamos no Campo Grande, e do Campo Grande fomosao passeio público. Agora ele parecia respirar mais tranqüilo Aproveitei para entrevista-lo :

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Oséias, pseudônimo dado a um dos menores entrevistados em 26 de Outubro de1999, 14 anos, de sexo masculino, natural de Salvador, Bahia, onde foi criado com os tios.Iniciei as perguntas :

-  Passou sua infância no local onde nasceu ?-  Não. Eu nasci aqui em Salvador... Mas já morei em Arembepe , e

em Simões Filho com Meus tios.-  Como foi sua infância ?-  Legal. Meu tio me ensinou muita coisa, mas desistiu de cuidar de

mim quando soube que eu andava ―fazendo safadeza com osmeninos na rua‖. 

-  Qual sua religião ?-  Tenho não.-  O que você acha que a religião ensina a respeito das ―drogas‖?

Porque ?-  Que é coisa do demônio. O Pastor Heber sempre diz isso. E é

porque mata se o cara vacilar.

-  E o que você acha disso ?-  É só não vacilar! Não precisa ter religião para não vacilar!-  Você parece que não gosta de religião, é verdade ?-  E não gosto é do Pastor Heber, ele disse que eu estou com o

diabo porque sou bicha.-  Você falou da sua infância para o Pastor?-  Não. E sei o que ele ia dizer.-  E o que ele ia dizer?-  Que era coisa do diabo. Olha e só procuro o Pastor se um dia

estiver muito mal.-  O que são as ―drogas‖ para você ? 

-  A pior coisa do mundo. Só que é gostoso.-  Há quanto tempo você está vivendo na rua ?-  Desde pequeno.-  Como é a vida na rua ?-  Dá para acostumar..-  Alguém de alguma religião já tentou lhe tirar da rua ? Quem ?-  O Pastor Heber. Mas ele queria controlar minha vida. Me saí 

dele.-  Você usa ―drogas‖ ? Quais ? -  Muitas. Você já viu. Mas eu gosto é do crack!-  De quando em quando você usa ―drogas‖ ? E porque as usa assim

?-  ―Vacilo‖ e ―tô‖ usando. -  Como você conseguia ―drogas‖ ? Com que dinheiro ? -  ―Roubando‖! E com sexo também... -  Já usou ―drogas‖ injetáveis ? Porque ? -  Sim.-  Já compartilhou seringa com outra pessoa ?-  Não, é bobeira, a gente pode pegar AIDS.-  Porque você começou a usar ―drogas‖ ? Quando começou ? 

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-  Olha e gosto de ―dar‖. E ―drogado‖ fica mais go stoso. Eucomecei tem tempo.

-  Largou as ―drogas‖ ou pensa em largar ? -  Eu não!-  Acha que a religião pode lhe ajudar a largar as ―drogas‖ ? Como

e porque ?-  Tá gozando comigo. Se eu quiser ―droga‖ de graça vou a mcentro de recuperação desses que são de religiosos. O chato é terque ficar rezando. E já fiz isso.

-  Onde ?-  Em Jequié.-  J á usou LSD , ácido e chá de cogumelo ?-  Já. Mas e gosto é de crack . Não tenho muitos baratos com esses

tipos de ―drogas‖. -  Como é a ―viagem‖ do LSD, do ácido e do chá de cogumelo?-  É boa às vezes, e outras vezes é ruim.

-  A ―viagem‖ te transmite alguma mensagem ? O que ? .  Não. Eu já tive muitas ―viagens‖, e a maioria foi ruim. Minhacabeça ficava me condenando por usar ―droga‖ , por gostar dehomem, por não ―tá‖ numa escola ... Essas coisas.-  Já tomou Santo Daime?-  Já. É a mesma coisa. Mas a gente fica meio bobo.-  Como assim ?-  É como tomar ―zabumba‖. A gente acha que tá falando com

Deus.-  E você acredita em Deus ?-  Não. No fundo não. Se Deus existisse ele não teria deixado muita

coisa acontecer em minha vida. É por isso que eu digo que deixaa gente meio bobo.-  E tem ―droga‖ que você não gosta ? -  Tem. Loló , cola e esses negócios de solventes ... Isso é coisa de

quem quer morrer, e eu quero viver muito ainda.-  Você se identifica mais com uma pessoa que usa ―drogas‖ ou

outra que não ? Porque ?-  Se usa ou se não usa não importa. Eu quero que me aceitem como

sou. E eu sou bicha ... Você sabe porque eu já te disse logo quevocê se aproximou da gente.

-  O que você acha das pessoas que não usam ―drogas‖ ? -  Cada um na sua, não entrando na vida do outro é legal !

E eu encerrei a entrevista. Depois fomos ver o Sol se pôr.Após isso conversamos sobre o grupo, e Oséias disse-me que não era racista como

os demais membros do grupo, principalmente o ―vacilão‖ do Juninho Baiano. Parei pararefletir acerca do que o próprio Juninho Baiano me havia dito sobre essa questão.

Juninho Baiano, era uma criança negra que havia perdido sua mãe cedo, e que foracriado quase que dentro de um terreiro de candomblé (dos 3 aos 8 anos), e tinhaincorporado vários elementos dessa crença, inclusive passado por alguns dos seus rituais.Ele dizia que, quando estava na abstinência das ‗drogas‘, freqüentemente era possuído pelas

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entidades do candomblé. Já havia andado muito na companhia do Pastor Weber,mesmo dizendo que não gostava muito dele. Perguntei-lhe um dia por que não continuavano candomblé, e ele me respondeu que o candomblé era ‗coisa de negro‘, e que ‗queria ser  batizado e receber o Espírito Santo‘, o que me levou a pensar que a afiliação religiosa erapara ser interpretada não apenas em relação a variáveis categóricas convencionais, mas

também a partir de variáveis de relações sociais, biografia e à forma e conteúdo de redesociais, conforme Victor W. Turner (The Drums of Affliction. Oxford, Clarendon Press,1968), para daí então compreender o papel do êxtase (o ‗batismo‘ e as ‗possessões‘ peloEspírito Santo), acentuando o papel do emocionalismo, do comunalismo e da interaçãosocial no Protestantismo Autônomo, onde a liderança é mais pessoal, mas ainda sujeita ainteresses múltiplos de uma organização burocraticamente estabelecida, e onde o contratocom o grupo ainda não fora posto como substituto para o fenômeno da lealdade pessoal aolíder, em contraposição ao padrão dos sistemas redistributivos do candomblé, onde aeconomia baseia-se em bens e serviços que são trocados entre os membros da congregação,intermediados pelos líderes que atuam como uma espécie de corretores ou fulcros. Era dese esperar que no Protestantismo Autônomo a troca de bens e serviços fluísse dos membros

para a congregação e de membros para membros, sem que o Pastor atuasse, de modosemelhante ao líder como no candomblé, como corretor.Em outras palavras, eu esperava que o desejo de filiação ao Protestantismo

Autônomo, da parte de Juninho, se devesse ao fato de que no candomblé, ele havia passadopor experiências onde o exercício da fruição de bens por ele era mediado pela vontade dolíder, e que ele esperava do Protestantismo Autônomo outra espécie de relação. Mas arelação era similar, posto que o seu desejo, e, o exercício da fruição dos bens por ele,também seria mediado pela vontade do pastor, o que o levava então a desejar entrar nessanova congregação religiosa?

Uma dada ocasião, ele me relatou que o pastor havia contado a ele a história deCaim e Abel, falando sobre como se preparar para ter a sua oferta acolhida por Deus. Ele

me disse ainda, que se Caim havia matado Abel, era porque ―Caim era negro. Negro é quemata e rouba!‖ E me disse que as entidades do candomblé que ainda possuíam-no, batiamnele, jogavam-no no chão, enfim, o maltratavam. Ele queria ser possuído pelo EspíritoSanto, e não mais pelos do candomblé, pois ―os meninos brancos é que são tomados peloEspírito. O Espírito faz eles terem dinheiro mais tarde, ter a Coroa. Jesus promete a Coroa aquem seguir ele‖. 

Ser possuído, não mais por entidades do candomblé, mas sim pelo Espírito Santo,expressavam um desejo de ascensão social. Aqui no Brasil, criaram-se condiçõesaculturativas para que se procedesse a uma permuta dos valores e das crenças africanas como Cristianismo, dando lugar às conhecidas reinterpretações dos orixás africanos com santoscatólicos45. É bom ressaltarmos que o termo ‗Coroa‘ é, segundo Ribeiro 46, símbolo dasatividades africanas nas concepções do culto afro brasileiro. E que o pastor Heber haviadito a Juninho que quem acreditasse em Jesus ―teria a Coroa da Salvação‖. 

-  E por que você ainda não entrou para a igreja do pastor Heber?

45 - RIBEIRO, Renê. Cultos afro brasileiros do Recife: um estudo do ajustamento social. B. do Inst. JoaquimNabuco de Pesq. Soc. Número especial, 1952. 46 - Op. Cit. 

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-  Porque eu tenho que guardar dinheiro para dar a ele. Gasto tudo que me dãocom as ‗viage‘! ( Os psicoativos ). É por isso que o pastor quer que eu pare de‗viajar‘. 

-  E o que você faz, então?-  Eu peço ajuda a minha mãe (que para ele vive na lua), pra que ela peça a São

Jorge para me ajudar. Mas os espíritos ‗ruin‘ não deixa! Eles ficam me forçandoa usar ‗drogas‘. Eu sinto eles, me arrepio todo e logo bate vontade de me‗drogar‘. 

Isso demonstra o processo de recrutamento e treinamento, uma aceitação coletivados indivíduos de acordo com a classe social a que pertence. Roger Bastide já acentuou queas igrejas protestantes no Brasil

―recrutam seus membros dentre uma determinada classe da população, de modo queas igrejas dão a impressão de homogeneidade moral e mental. Os Episcopais, osEvangelistas e os Metodistas recrutam seus filiados dentre a classe média, a

burguesia conservadora e puritana, as famílias brasileiras tradicionais antigas, e osintelectuais. Os Batistas e Anabatistas voltam-se mais para os operários, artesãos eempregados no comércio. Os Pentecostais têm maior sucesso entre as massaspopulares e as populações marginais, de onde os descendentes de imigrantesmisturam-se com brasileiros de cor, enquanto o Exército da Salvação dirige-se, aquicomo em toda parte, aos mais inferiores‖ (...) ―A única coisa a notar nesse país ondenão existe linha-de-cor é que os pretos escolhem de preferência certas seitas:Batistas no nordeste, Pentecostal no sul, porém isso menos por serem pretos do quepor pertencerem a classes que são inferiores do ponto de vista econômico, e porquea linha de cleavagem no Protestantismo segue a linha-de-classe47.‖ 

Não pude deixar de observar posteriormente que esse racismo declarado de JuninhoBaiano em relação aos negros, era partilhado pelos membros do grupo em questão.Com relação a observação do sociólogo francês, pude constatar que ela vem sendo

parcialmente contraditada na região nordeste do Brasil, o que já havia sido constatado pelosestudos de Renê Ribeiro48, que mostram uma crescente adesão de negros às igrejaspentecostais. Isso não se explica somente pela autonomia congregacional ali permitida, esim, principalmente, pela experiência estática cultivada nessas igrejas (possessão peloEspírito Santo e verdadeiras sessões de possessão para benefício físico espiritual dosmembros da congregação em dificuldades com a doença ou outros males, com a maldição.)

A oferta é o momento de realização da nova aliança com Deus, é a garantia da salvação,nesta vida e na futura. É a despotencialização do demônio, e a abertura através de umsacrifício e de um desafio de novos direitos na base do ditado: ―Quem dá, necessariamente,tem que receber‖. No processo de conversão do Protestantismo Autônomo, o indivíduodeve passar por algumas etapas:

47 - BASTIDE, Roger.   Relifion and Church in Brazil. In: SMITH, T. Lynn & MARCHAND, Alexander. Brazil. Portrait of a Half a Continent. New York, Dreyden Press, 1951, p. 338. 48 - RIBEIRO, Renê. Novos aspectos do processo de reinterpretação nos cultos afro brasileiros do Recife . In:Congresso Internacional de Americanistas, 31. Anais ... São Paulo, 1955, v. 1, p. 473-91 

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a)  reconhecer em público, Jesus Cristo, como seu Senhor e Salvador pessoal;b)  ser batizado por imersão em água;c)  após isso, ele e a Assembléia passam a orar pelo segundo batismo, o batismo pelo

Espírito Santo;d)  passa a freqüentar assiduamente aos cultos e começa a realizar as ofertas;

e)  aprende a orar para que sua oferta seja agradável ao Senhor;f)  recebe ou não a confirmação de que sua oferta foi agradável e aceita quando recebe obatismo pelo Espírito Santo;

g)  o batismo pelo Espírito Santo, que se demonstra em estados de êxtase, indica que ele éum eleito em potencial para a Salvação, mas que ainda não está salvo para a vidaeterna;

h)  a Salvação para a vida eterna depende da continuação da oferta;

A salvação dá-se pelo contínuo ofertar associado a contínuas manifestações do EspíritoSanto (possessões) que passa a guia-lo em todos os seus pensamentos e atos, de forma quetodos seus pensamentos e atos, o conduzam a não somente dar tudo ‗para o Reino de Deus

na Terra‖, como e, principalmente, fazer com que novas pessoas se convertam, e dêem tudopara Jesus, para que conheçam o ―milagre da ressurreição‖ pela oferta. Os menores de rua, aos quais acompanhei, haviam quase todos eles tido algum contato

com o candomblé ou com o espiritismo, e dessas religiões lhes encantavam as possessõespelos orixás ou espíritos, respectivamente, que pelo menos um deles admitiu ser tão  parecido e prazeroso quanto o ―barato‖ de certas ‗drogas‘. O êxtase proporcionado pelapossessão pelo Espírito Santo, advinha do segundo batismo, o batismo pelo Espirito Santo,ou o momento em que o Espírito Santo o possuía, confirmava de que sua oferta eraagradável a Deus, e o guiaria para continuar ofertando.

Guilherme, que havia passado tanto pelo candomblé, quanto pelo espiritismo, e quegostava muito de consumir LSD, admitiu que tivera, não sabia dizer como, incorporações,

tanto no período em que esteve no candomblé, quanto no período posterior, em que esteveno espiritismo. Disse-me que ficava nos momentos de possessão, ―como quem tomou umácido‖, e que ―era gostoso‖. Mas como o candomblé e o espiritismo eram para ele ―coisa denegro‖, e ―coisa de gente pobre‖, sua atração por essas religiões diminuiu pela falta dapossibilidade de obtenção do que ele considerava status. Na verdade, para ele era melhor avida na rua, onde ele ―comia um  gringo por cem reais‖ periodicamente e podia faturar muito, passando a considerar a continuidade nos cultos do candomblé ou do espiritismo,como uma regressão de status, e ele almejava ascensão social. Apesar de descontente com aperda de sua namorada Meire, e com o ingresso dessa para a igreja protestante, elereconhecia que ela tivera ―uma revelação‖. E que a vez dele ainda não havia chegado.Segundo Gulherme, Meire lhe falou que tinha recebido o batismo pelo Espírito Santo,depois de muito tempo de adesão à igreja: ―ela não conseguia nem falar, ficou quase um diatodo assim  – e me olhando envergonhado  –  assim como quem tá ‗gozando‘. Ela me disseque era melhor do que qualquer ‗droga‘ ... melhor até que ‗trepar‘ comigo. Já ouvi muitagente dizer isso. Dizer que ficou no céu!‖ 

Ele me falou que Meire havia sido levada pelo pastor a uma igreja batista, mas que,depois de dois meses, ele a levou numa igreja pentecostal. Disse que ela gostou de ouvirfalarem das possessões e que vivia relembrando o dia em que pela primeira vez ―ela foitomada pelo Espírito Santo‖. Ela falava, segundo Gulherme, outras línguas, revirava osolhos e tinha visões. ―Ela me falou que teve muito prazer e depois disso era raro ela usar 

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qualquer ‗barato‘.‖ Disse que ela ficou como criança, e que depois dali passou a dizer:―as coisas do mundo não têm mais graça para mim!‖. Disse-me ainda Guilherme, quequando Meire era tomada pelo Espírito Santo, o pastor conduzia ela para a casa de algumfiel, onde se trancava com ela no quarto, enquanto que o pessoal ficava fora, rezando.

Eu perguntei mais tarde ao pastor porque ele fazia isso e ele me respondeu: ―quando

alguém está com o Espírito Santo, deve ficar isolado. Eu levo a pessoa para um lugarisolado, para que o Espírito possa então falar o que quer para o futuro daquela pessoa e dasque a cercam e me orientarem como conduzir a situação.‖ 

Eu perguntei diretamente a Meire, como tinha sido seu batismo pelo Espírito Santo, eela me respondeu:

- ―Depois que eu me batizei nas águas, fiquei orando e pedindo o batismo pelo EspíritoSanto. Quando aconteceu, eu parecia que estava pegando fogo por dentro e era muitogostoso. Falei línguas estranhas e me senti alegre. Vi os muros de Jerusalém, e vi Jesus queme abraçava. Toda vez que eu sou tocada pelo espírito Jesus vem e me abraça. Eu sintomuito prazer, é muito gostoso, e eu não vou parar de ofertar nunca!‖ 

Essa nova religião parece a um indivíduo negro como que adaptada às suasexigências em suas relações com o sagrado, em contraposição à doutrina e à políticaneocolonialista, americanizante, e desmoralizante (dos valores morais do negro brasileiro)que os próprios missionários têm realizado, justamente no que se refere ao êxtase. Jesus eos anjos são incorporados são incorporados à nova mitologia, substituindo as antigasdivindades tutelares, nas quais por tradição acreditavam. A Salvação (o êxtase obtido, apósa oferta sincera, pela possessão do Espírito Santo) é aceita com o significado de permitir acerteza na participação dos conhecimentos que assegurem o domínio sobre as riquezasmateriais. ―Principalmente, adota a nova igreja uma estrutura semelhante àquela de quetomaram conhecimento através dos missionários, com paróquias, hierarquia e uma

dignidade sacerdotal tal ‗que lhes permita o caráter (civilizado) de sua empresa‘ e apoderar -se dos nativos das aldeias tornados disponíveis depois do relaxamento dos antigos laçossociais‖49, com cerimônias excitantes, as quais se associam o canto, a música e vibraçõesdo imprevisto e do espetacular do cerimonial africano, incluindo ―certas mudanças da personalidade a que o negro periodicamente anela se submeter‖50.

Na tarde do dia seguinte, pude entrevistar Paulo Nunes. Paulo Nunes já estivera,segundo me informou, algumas vezes no CETAD e em centros de recuperação paradependentes de ―drogas‖, e entre esses, o CERVIR.

―- Eu amo o meu pai.- me disse Paulo Nunes, mas, minha mãe sempre dizia:- ‗Eleespancava seus irmãos, e se trata tão bem você, é porque quando eu fiquei grávida de você,ele quis que eu te abortasse. Ele não te ama, ele sente é culpa !‘ Eu nunca entendi issodireito, mas a verdade é que ele nunca me espancou. Ele tratava mal a todos,principalmente à minha mãe, mas isso era quando ele bebia. Mas a mim ele nunca tratoumal.

Quando morávamos no interior, eu ainda fingia me divertir nas ruas, mas andavaconfuso e na esperança de ver o meu pai. Ele foi embora eu tinha dez anos. Eu cheguei aestudar até a Quinta Série, por que ele queria. Eu num gostava muito não. A grana começou

49- BALANDIER, G. Afrique ambigue, Paris, Pion, 1957, nota 22 p. 242-46. 50 - Op. Cit., nota 22, p. 242-46. 

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a faltar e você sabe como é interior, num tem nada para se fazer e ganhar uma grana.Minha mãe me pediu um dia para vim tentar a vida na cidade de Salvador, e depois voltar ebuscar ela e meus irmãos. Eu vim, mas não consegui mais voltar. Não tive coragem deassumir para mãe a vida que eu levo. Ela que me perdoe mas eu aprendi aqui que é cada umna sua, que a vida é uma guerra e que ela e meus manos vão ter que se virar sós.

Quando eu vim para Salvador, para a cidade grande - eu precisei de um emprego  –  Mas não achei nada. Então eu comecei a me sentir só, cada vez mais só, às vezes tão só quecheguei a escrever uma carta prá mim mesmo. Ouve mesmo um dia que pintou um‗trampo‘ de ajudante de pedreiro. Eu tinha alguns amigos aqui em Salvador na mesma queeu. Eles só não usavam ―drogas‖ nem transavam por grana. Eu fui com eles para aentrevista. Todos meus amigos foram chamados. Eu não tive tanta sorte. Quando o moço deamarelo chamou Silvio na porta, parecia estar chamando um pai de família e eu me senticomo meu pai o poderoso da casa Ah! Se eu fosse um pai eu trataria meu filho com o maiorcarinho do mundo. Bateu uma solidão que eu comecei a achar que estava ficando doido.Nessa época eu dividia um quarto com seis homens adultos numa pensão no Tororó, issofaz três anos.

Então voltei a sair. Isso foi pior, eu que só tinha treze anos e que já fumavamaconha e cheirava ―pó‖ me misturei com os meninos da rua. Não tinha ‗trampo‘ e a granaque eu trouxe do interior acabou e ai nada de pensão. O jeito foi morar na rua, faz três anosque eu estou nessa. Tentei continuar na escola mas nada na escola poderia me interessarmais, além da comida. Fui expulso por me pegaram com um ‗fininho‘.‖ 

Fez-se um silêncio entre nós. Ele me disse apenas que não queria continuar aquelaconversa. Sua família, ele me disse, sempre havia buscado levar a vida como nas novelasonde tudo dá certo. Eu pude perceber que Paulo não fugia a regra : suas roupas da moda,escondendo cicatrizes, sua maneira fluente de conversar e se comportar e pelo que almejavaatingir. Mas ele pagava um preço por isso, pois a perfeição almejada pela sua família eraideal e portanto impossível de ser alcançada, a mãe culpava o pai, o pai culpava a mãe e às

vezes ambos culpavam os filhos. O que significava que ele, na sua atual condição seriarecebido por todos de uma maneira hostil.Ele andava muito com jovens de famílias ―ricas‖ segundo o que dizia. E sabia que

seus problemas para um amigo seu desse tipo era um trauma, uma perturbação psicológicaqualquer. E sabia que os mesmos problemas no seu caso eram delinqüência, crime.

Anotava tudo o que Paulo dizia, e comecei a entrevista-lo. Ele aceitou serentrevistado. Então eu comecei a escrever :

Paulo Nunes, pseudônimo dado a um dos menores entrevistados em 12 de Maio de1999, 16 anos, de sexo masculino, natural de Poções, Bahia, onde foi criado com os pais.E iniciei as perguntas :

-  Passou sua infância no local onde nasceu ?-  Sim.-  Como foi sua infância ?-  Boa e má. Eu me divertia muito, em casa e na rua. Ruim era a

bebida de meu pai.-  Quais são suas lembranças dessa época ?-  Meu pai bêbado brigando com minha mãe .-  Qual sua religião ?-  Eu sou católico.-  O que sua religião acha das ―drogas‖ ? 

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-  Acha que é ruim, que mata a pessoa que usa. Uma vez eu meconfessei ao padre ... tive que rezar um monte de Pai Nosso e AveMaria.

-  E o que você acha disso ?-  Tá certo e tá errado. Tem coisas boas que a gente aprende com as

―drogas‖. -  O que ?-  Não vacilar ... Não vacilar com os adultos. A maioria deles tem a

mania de só ver a gente como bicho, com a ―droga‖ a genteaprende a ser esperto.

-  Você já conviveu com pessoas de uma classe social mais elevadado que a sua ?

-  Já. Eu tenho ―amigos ricos‖. -  Elas usavam ―drogas‖ com você ? -  Sim. Eu fazia ―avião‖ para eles, pois não tinha como ―fazer a

intera‖. 

-  O que é ―fazer a intera‖ ? -  ―Rachar a grana‖. Quando se quer comprar uma ―droga‖ e nãose tem grana , um ou mais amigos entram com o dinheiro, equando a ―droga‖ chega, ela é dividida entre quem colaborou. Eucomo não tenho dinheiro tenho que ir na ―boca‖. É um perigoenorme que a gente corre .

-  Você alguma vez foi na casa de alguma delas ? Como foi ?-  Já fui para fumar maconha .É chato admitir mas eu fiquei louco

de inveja, na invasão .... você precisa ver!-  Como era a família delas ?-  Ninguém brigava ou bebia, era tudo organizado. Mas eu não sei

parecia tudo meio artificial .-  O que elas pensavam das ―drogas‖ ? Elas lhe disseram ? -  A gente nunca falava de ―drogas‖ com eles, nem de sexo, nem de

nada proibido. Mas, uma vez eles me chamaram num canto e medisseram que ―droga‖ er a coisa de gente que tem parte com os―espíritos ruins‖.

-  E o que você achava disso ?-  Eu acho que é verdade . Só que eu não tenho parte com o

demônio.-  O que são as ―drogas‖ para você ? -  São as coisas que a gente usa e que ―dá barato‖, que torna a gente

vivo e esperto.-  Alguém de sua religião já tentou lhe tirar da rua ? Quem ?-  Não. O pessoal da igreja evangélica que anda com a Meire. O

pessoal do Pastor Heber que uma vez me levou no Cento deRecuperação lá em Camaçari.

-  O que você achou ? Porque ?-  Eu não gostei (...) Eu até quis sair da rua com eles, mas eu sou

católico. Lá todo mundo achava que católico é do diabo.-  Você usa ―drogas‖ ? Quais ? 

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-  Um monte. Cocaína, ácido, maconha ,bolinha e um monte deoutras.

-  Porque você começou a usar ―drogas‖ ? Quando começou ?-  Eu já tinha curiosidade, pois todo mundo falava que dava um

 prazer legal. ‖Quando a coisa apertou para o meu lado‖ eu passei

a usar para esquecer o mundo. Sei que faz mal. Mas eu uso assimmesmo, porque quando ―tô‖ ―drogado‖ me sinto mais eu. -  Largou as ―drogas‖ ou pensa em largar ? -  Já larguei, voltei e penso em largar. Mas é difícil.-  Porque pensa em largar as ―drogas‖ ? -  Para trabalhar legal, sem dar bobeira.-  Acha que a religião pode lhe ajudar a largar as ―drogas‖ ? Como

e porque ?-  Acho sim, se for a minha religião. Eles poderiam me ajudar a

pagar um centro de recuperação de verdade.-  J á usou LSD , ácido e chá de cogumelo ?

-  Já. Os três! -  Como é a ―viagem‖ dessa(s) substância(s) ?-  O LSD é mais forte que o ácido. Mas eu gosto do cogumelo que é

mais fraquinho, num bate tanta onda e 'nun dá saçi'. -  A ―viagem‖ te transmite alguma mensagem ? O que ? -  Eu só fico viajando em voltar para junto de minha família.-  Já tomou Santo Daime?-  Não. Mas já ouvi falar.-  Qual(is) a(s) droga(s) que você considera mais perigosa(s) ?

Porque ?-  O crack. Ele pode te matar assim ó – E estalou os dedos.

-  Você se identifica mais com uma pessoa que usa ―drogas‖ ououtra que não ? Porque ?-  Com uma pessoa que usa mas que é da rua.-  O que você acha das pessoas que não usam ―drogas‖ ? -  Acho que deve ser legal. Eu não gosto de ser viciado.

E demos por terminado a entrevista. Estava-mos andando pelo Campo Grande,onde fomos abordados pelos Testemunhas de Jeová , e resolvemos ir ver o por do sol noPorto da Barra. Foi um espetáculo que tanto eu quanto Paulo curtimos. Quando o sol se foitomamos um banho de mar e ficamos atirando pedras na água.

Conversei depois com o Pastor Heber sobre a questão do racismo e do chamado missionárioO Pastor Heber me relatou que para a obra missionária, à que ele pretendia conduzir

os meninos do grupo, muito importava o fato de que os membros do grupo em questãofossem racistas.

-  ― Isso é um fato. E nós, apesar de sermos contra o racismo, temos de utilizá-lopara a obra missionária que Cristo nos deixou. Eles vão mais tarde aprender agostar de gente da sua própria cor. Mas, como a nossa obra é internacional,temos uma prática com relação a isso. Quando é um homem ou mulher de corbranca, nós oramos e os orientamos para que venham a se casar com umamulher ou homem de cor negra e , que seja de um outro pais, de um pais

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africano ... Se for um homem ou uma mulher de cor negra, aí nós oramos eos orientamos a se casarem com uma mulher ou um homem de cor branca. Issoajuda nosso trabalho junto à JOCUM ( Jovens com Uma Missão ) éinternacional e interdenominacional. E nas muitas nações e nas muitasdenominações, ainda existe este tipo de acepção de pessoa [ O Racismo ], o que

impede que Jesus reine absoluto sobre todas as nações.‖ Para o Protestantismo autônomo muito importa, nos casos de casamento, a cor dos

nubentes, para a realização de suas cerimônias nupciais ; e também importa que sejam declasses sociais diferentes. Ocorre mesmo a proibição de namoro de casais de mesma cor,classe social e nacionalidade, quando estes são escolhidos ―por Deus‖ para a obramissionária.

-  ― Quando uma pessoa pobre casa-se com uma rica, isso é um exemplo vivo dopoder da fé em Cristo ( Fé realizada e concretizada no ato da oferta ) pois apessoa pobre quer e deve possuir o que o mundo tem para lhe oferecer. E uma

pessoa rica quando casa-se com uma pobre, serve de exemplo, da coragemnecessária para se desprender daquilo que o mundo já lhe deu, lançando-seinteiramente nos braços do senhor, adquirindo confiança absoluta em Deus ecerto que receberá muito mais!‖ 

A mancebia torna-se o refúgio dos casais da mesma cor, quando os mesmos seencontram escolhidos para missões. Em geral os Pastores recusam-se a casa-los e osafastam da carreira missionária. Para não serem banidos da Igreja, estes casais procuramregularizar essa situação casando-se legalmente. Daí os Pastores se vêem forçados a casa-los ―perante Deus‖. Essa quebra do chamado missionário é então aceita e justificadaracionalmente : Deus não os queria em missões, mas quis testa-los na fé. Como o próprio

Deus aconselha a tolerância aos ―mais fracos na fé‖ e permite o casamento civil, deve-secasa-los no religioso, pois aquele casal, além de ter conseguido se casar no civil, o que nãoaconteceria sem a aprovação de Deus ( Como qualquer outra coisa que aconteça. ). Aquelecasal foi escolhido para servir de exemplo

a)  da Misericórdia de Deus perante os fracos na fé e,b)  como exemplo do rigor, da severidade, do alto poder de abnegação e força de

vontade que um missionário deve ter. Eles são exemplo do inverso, do que nãose deve ser, para ser missionário.

Mas cabe ainda, para este casal, um papel em missões, o papel de mantenedores(financiadores ) dos missionários selecionados e aprovados. O mesmo ocorre com pessoasque desistiram do chamado missionário, para se dedicarem a outras atividades, geralmenteas que garantem a própria independência financeira, como por exemplo, aquele estudanteque resolve fazer carreira e ser dono de uma empresa própria. Esta pessoa terá ocompromisso de, por toda a sua vida, sustentar alguém em missões. Mas todos, participemdireta ou indiretamente (como mantenedores ) de missões, continuam com o oferecimentoda oferta. A interrupção continuada do ofertar, por motivo de um afastamento prolongado e

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não previamente comunicado ao Pastor, leva à circunstâncias nas quais a pessoa échamada para uma reunião com o corpo burocrático da Igreja, que lhe coloca o fato de quea continuidade de tal procedimento implicará no banimento da pessoa em questão do Corpode Cristo ( A Igreja ), e ela será, caso ocorra o banimento, vista como uma pessoa queoptou voluntariamente pela maldição e todos serão chamados a se apartarem dela, sob o

risco de terem o mesmo destino.Os meninos de rua seriam chamados para missões, com a condição de que sendonegros, aceitassem se casar com cônjuges brancos e de outros países, sem o que teriam detrabalhar para sustentarem-se, se decidissem se casar com alguém da mesma cor.Relações entre os sexos e preservação ou modificação de status social constituem em nossasociedade as áreas de tensão nas relações interpessoais e inter-raciais. Embora se liguemaqui ao sexo e à classe bem menor carga emocional do que em culturas em que domina opadrão puritano, como é o caso dos Estados Unidos51 ou em sociedades de classes ―abertas‖onde a circulação social se processa de modo bem mais intenso, oferecendo por forças dacompetição, oportunidades maiores de atrito e ressentimento, nem por isso deixam oscomplexos sexuais e sociais de interferir com as situações de cruzamento e de contrato

inter-racial.

52

 

Ida ao CERVIR

Os meninos de rua se constituem num grupo social, mesmo que à margem dasociedade. E como grupo social, possui uma memória. A memória de um grupo social éproduzida socialmente. Não se trata apenas de uma produção coletiva; ela associa tanto aopassado quanto ao presente experiências de grupo que interpreta e reinterpreta o passado e

51 MYRDAL, G. An American Dilema. New York, Harper, 1944. P.59-60. 2352525252 - RIBEIRO, Renê –  Antropologia da Religião - e outros estudos – Fundação Joaquim Nabuco - Ed.Massangana – Recife . Pe., 1982.

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as essas interpretações para dar sentido à as experiência presente e para legitimardiferentes interesses. Assim sendo, as visões sociais do passado não são fixas, mas sujeitasa re-interpretações à medida em que o presente e as condições sociais do grupo mudam.

No embate de evangelização dos menores de rua, o Pastor Heber demonstrava tersólidos conhecimentos da história de cada grupo, bem como da história de vida um em

particular, como pude observar mais tarde. Demonstrava saber se utilizar muito bem dasvisões sociais que os menores construíam na sua experiência existencial de ser e estar nomundo.

E Oséias e Juninho não eram exceções, posto que o Pastor os conhecia muito bem.Oséias seguiria o Pastor até o Centro, mas, Juninho não faria o mesmo; por motivos, osquais, ele nunca viria a me revelar.

Antes da abordagem de um menino de rua, o Pastor Heber me disse que erarealizada uma observação do mesmo durante longos períodos bem como a sua vida éesmiuçada por uma coleta de informações que visam saber, acima de todo os seus desejos( Que mais tarde , segundo o que pude compreender do que o Pastor havia me dito, seriamreelaborados para condizer com os planos de Deus para a vida do mesmo ) e de suas culpas

( Que o colocariam na categoria de pecador e, portanto de necessitado de arrependimento ).A memória do grupo, o de um menino de rua tomado isoladamente, é apreendida de formaseletiva e parcial, constituindo-se em dados que irão se adequar a um plano de salvação,estabelecido por Deus, em sua vontade geral e específica. A vontade geral está expressa naBíblia; a específica é dada na forma de revelação, por Deus, ao Pastor, que será ointermediário e o conhecedor dessa vontade de Deus para o aqui e agora de cada indivíduo,tomado isoladamente. O que está em questão aqui é o caráter social da memória e ocaráter político das reinterpretações do passado.

Como havia me dito o Pastor Heber, acerca das Escrituras: -―Nos diz Paulo emSegunda Coríntios Capítulo Cinco versículo Dezessete ( 2 Co 5 : 17 ) : ‗- E assim, sealguém está em Cristo, é nova criatura : as coisas antigas já se fizeram novas.‘ Isso me

levou a reflexão de que para O Pastor Heber e aqueles que acompanhavam as concepçõesfundamentalistas, dentro do CERVIR, o menino de rua, assim como qualquer outro que―não esteja em Cristo‖, é vítima ( e cúmplice ao mesmo tempo ) de influência ou possessãodemoníaca (No primeiro caso, como me disse o Pastor, os demônios apenas influenciam oindivíduo; no segundo caso possuem o seu corpo, controlando a sua mente; suas emoções,vontades , desejos, pensamentos etc. ), pois vive no e para o mundo e ―o mundo jaz nomaligno‖. Para ele importa arrepender -se do se passado e esquece-lo ; não mais vivendo-o;não mais praticando o que praticava, em pensamentos, palavras ou atos. O Pastor salientavaa necessidade da confissão pública dos pecados como elemento fundamental no processo dearrependimento e conversão, mesmo ciente de que esta postura ideológica não era partilhada por inúmeras pessoas da Igreja. ―- O fato é‖- dizia ele  –   ―que poucas pessoassabem o que é um Centro de Recuperação, e o que é lutar diretamente com o Diabo parasalvar as almas dos pecadores, que estão sob a sua influência ou mesmo possuidas por ele.‖Assim se torna nova criatura, literalmente uma nova criação, com espírito novo. A graça deDeus não apenas justifica, ou seja, pela ressurreição de Cristo seus atos pecaminosos dopassado são perdoados por Deus, embora o indivíduo tenha que assumir as conseqüênciasde tudo o que já praticou, mas também daí resulta em estilo de vida transformado.

O menor é levado da rua para um centro de recuperação, um ―centro de tratamentoespiritual‖, assim que sua confiança no Pastor estiver estabelecida. A confiança , em últimaanálise, deve ser em Deus. Mas se o indivíduo quer compreender a vontade específica de

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Deus para a sua vida, ele tem que confiar igualmente no Pastor, que é o porta-vozdessa vontade.

O Pastor cerca o menor nas ruas, observando-o diariamente. Pesquisa sobre a suahistória, convivências, laços de parentesco. E vai construindo uma maneira de abordar omenor, com relativo grau de sucesso. Essa coleta de sua história de vida, é toda reelaborada

no sentido de que o menor venha a se reconhecer enquanto uma criatura de Deus, queenganada pelo Diabo, adere a práticas e valores que satisfazem a este último. E essaspráticas e valores estão expressos na sociedade em geral, e no que ela tem de religiosidadecatólica.

Utilizou-se de senhoras da Igreja, para alcançar Meire. E valeu-se do fato de que amesma era muito carente em relação a ter uma família, prometendo a ela que ela seriaadotada por uma família. A solução para Oséias foi inusitada. O Pastor sabia que Oséias erahomossexual, e que o mesmo sentia forte atração por homens adultos negros. E lheapresentou o Pastor Ribeiro, adulto e negro. Quando o Pastor Heber me relatou como haviatrazido Oséias para o Centro, eu fiquei perplexo. Eu já tinha visto o Pastor Heberparadoxalmente, destruir um brinquedo dos meninos, um boneco denominado Teletubbies,

porque para o Pastor, uma dessas criaturinhas passava uma imagem homossexual. Mas,mais tarde, o próprio Oséias me confessou que se sentia atraído sexualmente pelo PastorRibeiro, desde que o havia visto. E mais tarde teve que confessar isso em público, numCulto de Arrependimento, ocorrido no Centro.

 Nesses centros o indivíduo é ―convidado‖ a esquecer o seu passado, deixando-o―do portão de entrada para fora‖. Ali ele deverá abandonar às ―drogas‖. A esse processo, osevangélicos do CERVIR atribuíam o versículo 17 da segunda epístola de Paulo aosCoríntios, citado anteriormente, repetindo-o sempre que alguém mencionava lá dentro, algode sua vida lá fora. Ali ele saberá, a custa de um processo que tende a durar de três a novemeses, qual sua verdadeira realidade e identidade, saberá , como me disse o Pastor, que nãopertence a esse mundo, e saberá também que a sua identidade, a sua única identidade é ser

filho de Deus. E ser filho de Deus é criar uma identidade em oposição a todos os valorescatólicos da sociedade; já que para os dirigentes do CERVIR, valores espiritas,espiritualista, e de outras religiões são coisas do Diabo tanto quanto o catolicismo, maseste, é o pior, pois é o hegemônico, e é o que é mais associado a Cristo. O catolicismo é aúltima e mais perigosa armadilha do Diabo, pois leva o sujeito a adorar ao Diabo,disfarçado logo de Jesus. E adorá-lo ainda de Segunda mão, pois quem é realmentecultuada no catolicismo, segundo o Pastor, como divindade central é Maria

Quando as pessoas no Centro acusavam alguém pelo seu passado; o acusado sedefendia valendo-se do versículo 17 do capítulo 5 de Coríntios , que existia ainda eminúmeros cartazes, pendurados por todos os locais no CERVIR. O conteúdo do versículo 17de Coríntios 5, é tido como tudo aquilo que o católico pratica. Pois estar em Cristo éabandonar as obras da carne cultuadas no católicismo.53 

No centro de recuperação, havia me dito o Pastor, o menor é levado a deixar delado todo o seu passado no mundo enquanto filho do maligno. Ele agora ganha, passa a terum novo passado : ―provém de Deus‖ e nova identidade ―é um filho de Deus‖. E oversículo 17 de 2 Co 5, era um lembrete disso.

Um dos maiores recursos para o exercício das relações de poder, pelo que pudecompreender do discurso do Pastor sobre o que seria a vida num centro de recuperação para

53 - Cujas práticas são definida no CERVIR como prostituição 

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os ―drogados‖, para ―aqueles que ao aceitarem as ‗drogas‘, rejeitaram à vida, à Cristo,e por isso a própria sociedade os rejeita‖, é manipular os acontecimentos históricos dopassado, de acordo com os interesses do presente, para assim melhor controlar o futuro.

O Pastor Heber nos encontrou pontualmente na manhã do dia 28 de dezembro de1999, às 09:00 horas. Parecia tenso, o que não era habitual. Deu-nos a sua saudação típica :

―a paz do Senhor esteja com vocês‖. E nos pediu para entramos em seu carro. Ele noshavia solicitado que trouxéssemos o máximo de nossos pertences, pois ―nada daquilo nosteria serventia após sairmos do Centro‖, e que os nossos pertences, tornados inúteis para onosso novo estilo de vida, ficariam por lá mesmo. Eu carregava algumas sacolas de livros eroupas, que imaginava, não ia ter que abandonar depois e que me seriam úteis para o tempoem que passaria no Centro . Levava muita literatura de ciências sociais, pois pretendiacontinuar o meu trabalho monográfico acompanhando Oséias.

Oséias estava “drogado” e eu havia terminado de fumar um cigarro,mas isso não pareceu incomodar ao Pastor. Peguei meu caderno e minhacaneta e coloquei bem junto a mim, pois dali em diante teria que estar atentoa tudo e escrever tudo o que estava se passando. Só então me dei conta de que

tinha medo. Olhei para Oséias e ele me olhou de maneira estranha. Acreditoque estava com medo também. Mesmo assim permanecemos no carro e oPastor deu a partida. A medida em que dirigia o Pastor orava e em algumasocasiões puxava um dialogo conosco, e em especial comigo, advertindo-nos quequando os nossos olhos espirituais fossem abertos, na medida em que o nossocorpo fosse eliminando as “drogas” que nele estavam atuando e o nosso

espírito fosse concebendo o Plano de Deus para as nossas vidas, a verdadeirarealidade; a realidade espiritual apareceria. E que talvez a experiência fosseum tanto assustadora. Nos pediu para não termos medo de nada que porventura acontecesse lá no Centro, para onde estava-mos indo. Disse que ele e asua equipe estavam preparados para quaisquer eventualidades, e caso

desistíssemos da oportunidade de obter a vida eterna , que nos estava sendodada, poderíamos nos retirar a qualquer hora.O Pastor Heber parou o carro logo após passarmos pela cidade de Lauro de Freitas.

Pediu para que descesse-mos do carro pois ele iria nos dar ―cobertura espiritual‖. Entrouconosco num matagal, indo até o ponto de acharmos uma clareira. Ali ele pediu que, emvoz alta, repetisse-mos o que ele se pôs a dizer : ―Eu aceito a Jesus Cristo como meu  Senhor e Salvador Pessoal e declaro que só Ele e apenas Ele tem agora total direito sobre aminha vida.‖. E assim que repetimos o que ele havia dito, ele se aproximou de nós e tiroudo bolso um frasco contento um óleo perfumado, que passou na testa de Oséias e na minha.Observou-nos e gritou de alegria. Pegando seu celular. Se contatou com alguém a quemdisse : que havíamos sido ―ungidos‖. Disse-nos que havia acabado de dar aquela boa novaao Pastor Ribeiro, diretor do Centro de Recuperação. Eu perguntei a ele o que significavatudo aquilo e ele me disse que havíamos selado com Deus uma aliança e estaríamos agorasob a proteção Dele. O óleo servia para purificar os nossos corpos da ação das ―drogas‖,possibilitando que os anjos a partir de então pudessem se comunicar diretamente conosco,iniciando um trabalho de cura interior de nossa alma. Eu lhe perguntei o que significavaser curado da alma, daquela forma, e ele me disse que os anjos, agora, tratariam de nostransformar em ovelhas. A resposta foi mais enigmática do que o que ele havia dito antes.

Não me restou outra saída a não ser lhe perguntar o que significava sertransformado em ovelha, ao que ele me respondeu : - ―Primeiro é bom explicar o que

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significa ser ovelha . Para isso vamos pedir a você o máximo de sua atenção. É bomque anote.‖ – E disse a Oséias para prestar muita atenção também.- ―Para tanto‖ - disse oPastor –  ―Eu vou recitar o Salmo 23. Ele começa dizendo assim : ‗O Senhor é o meu Pastor,nada me faltará.‘ E isso me faz relembrar que estamos numa batalha espiritual contra asforças do mal. E que vocês estão indo para uma fazenda que tem alojamentos especiais. Ali

crianças, adolescentes, adultos e velhos são todos tratados como as ‗criancinhas‘ de Deus.Ali elas são alimentadas e tratadas. E é bom que se diga, que o melhor alimento é o ‗Pãoque desceu do céu‘, que é Cristo; alimento espiritual. E que o melhor tratamento, só quemnos pode dar é Cristo.‖ 

Ele nos disse que estávamos indo para um lugar onde muita gente já tinha ido. Eque Deus havia cuidado de toda aquela gente. Aprenderíamos que ali, à noite, elas, as‗ovelhas‘ não conseguiam dormir . Sempre ficavam inquietas e temerosas. Por fim,iluminados por Jesus descobriríamos a raiz do nosso problema e como solucioná-lo: paraele, iluminado por Cristo para nos diagnosticar tratava-se de insegurança.

Ele nos disse que lá, um conjunto de Pastores e obreiros, haviam decidido, apósmuita oração e com o conselho direto de Deus, que quando ‗as criancinhas‘ fossem dormir,

eles dariam a elas sempre uma fatia de pão. O pão era para segurar não para comer. Sedemonstrassem desejo de comê-lo, ganhariam outra fatia de pão. Isso dava, segundo ele, aqualquer um, a certeza de que não mais iam passar fome, como na rua. Que para tanto,bastava confiar e orar, e que isso trouxe um sono tranqüilo às ―ovelhas‖, e um sonotranqüilo é o que nós teríamos.

―- Aprendemos isso no Salmo 23.‖ – Disse ele –  ― Pois Davi fala da presença destesentimento de insegurança no coração da ovelha, quando diz : ‗O Senhor é o meu Pastor,nada me faltará.‘ A ovelha sabe, instintivamente, que o Pastor tem reservas para suaalimentação do dia seguinte, pois, se tem provisões para hoje, terá para o futuro também.Então ela se deita tranqüilamente, tendo na mão o seu pedaço de pão : Cristo! Quem estocarcomida no Centro, é privado da alimentação, e fica cinco dias em jejum para afugentar o

maligno que o está transmitindo a insegurança e o desejo de consumir a ‗droga‘ para sesentir seguro. Agora eu vou repetir o que eu disse e gostaria que você anotasse!‖ – E foi oque eu fiz, obedecendo à sua voz e ao seu olhar. Quando terminei, ele pediu para ler edepois me devolveu com um sorriso, nos chamando para sairmos dali e reiniciarmos aviajem.

Já no carro ele continuou, falando bem lentamente para que eu pudesse copiar erompendo o opressivo silêncio que nos cercava : - ―Tem um outro versículo do mesmoSalmo, que diz : - ‗Ele me faz repousar em pastos verdejantes‘. Para nós do CERVIR,Centro de Recuperação de Vidas Rejeitadas, isso significa uma máxima, posto que o Pastororiental sai com as ovelhas para o campo às 04:00 da manhã, e esse é o horário que vocêsterão que se acostumar a levantar lá. Bem... as ovelhas enquanto pastam estão sempre emmovimento, nunca param, são como os ‗drogados‘. A cabeça deles nunca para. E é certoque cabeça cheia ou vazia é oficina do diabo! Daí que por volta das dez horas, o sol já estáquente, e as ovelhas começam a sentir calor, ficam cansadas e sedentas.‖ 

Disse-nos que o Pastor sabe que nestas condições, e com o estômago cheio de relvaainda não totalmente digerida, elas, as ovelhas, não podem beber água, a água viva que paraele é Cristo. Disse-nos que a ―droga‖ é como uma falsa relva que enchia a barriga, e queera incompatível com a água, não a água mesmo , mas o Cristo e a doutrina evangélica ,que são simbolizados pelo Cristo e pelas ―Boas Novas‖ que este anunciou , e que isso era oúnico fato que poderia saciar nossa sede existencial.

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Eu pude notar que o Pastor dirigia o carro com muita velocidade, cortandoimprudentemente outros carros. Falei isso a ele, e ele perguntou se eu estava com medo. Eurespondi que assim ficava difícil escrever o que ele estava dizendo. Ele soltou uma risadairônica. O Pastor dirigia o carro com velocidade, e fazia inúmeras outras ações queenvolviam risco de vida, devido ao fato de que ele acreditava e dizia que ―Deus estava no

comando!‖ Diminuiu a velocidade e encostou novamente o carro, nos fazendo uma pregaçãoem tom agressivo sobre o medo e sobre a necessidade de confiarmos nele de modoabsoluto. Oséias que até então me parecia calmo, chorou.

O Pastor, insensível ao choro de Oséias, pediu a ele que parasse com aquilo.Quando Oséias assim o fez, ele continuou nos explicando a sua doutrina da conversão dohomem endemôniado, ovelha negra de Satanás, em ovelha de Cristo. Disse-nos que asovelhas de Satanás em geral, são muito medrosas, e que apresentavam sérios distúrbios daalma e do corpo, devido ao uso de ―drogas‖. Que para ele era um ato de rejeição ou r evoltacontra a autoridade da figura paterna, o que conduzia a sentir-se rejeitado por Deus e daí revoltar-se contra ele, o que conduzia respectivamente ao suicídio e ao assassinato, como

estava escrito no livro do profeta Amós, mas de forma velada. Disse-nos que as ovelhas deSatanás tinham medo das fortes correntezas, que eram as adversidades que Deus colocavano caminho dos homens para destruir os muros que esses haviam criado para ocultar osseus corações. E que ele, Heber, não nos pouparia das ―tempestades‖, por isso estava noslevando para o Centro. E que isso tinha profunda razão. O uso da ―droga‖ gerava culpa, e aculpa assinalava que o indivíduo não estava em acordo com Deus. E que a culpa era comouma pesada capa de lã, que tornariam essas ovelhas péssimas nadadoras, levando-as aoafogamento, pois a ―lã negra da ‗droga‘, cheia de água, da verdade de Deus, o arrastaria para o fundo do abismo da culpa, pois a pessoa ainda não está redimida do uso de ‗drogas‘,indo direto ao encontro com Satanás.‖ A ovelha, segundo ele, tinha um lugar determinadona fila da vida, e que deveria conservar essa posição. A ovelha de Cristo às vezes atribulada

deixava o seu lugar e ia até o Pastor, de quem recebia um afago e reconfortada voltava aoseu lugar. Isso queria dizer, conforme ele concebia, que muitos evangélicos ―drogados‖tinham recaídas, mas que uma conversa com o Pastor às fazia abandonar as ―drogas‖ evoltar ao seu lugar na fila do exercito de Deus em luta contra as forças do anticristo, asfalsas religiões. E que o mesmo não acontecia com as ovelhas de Satanás. Que essasquando recaiam e iam buscar consolo, terminavam se afundando ainda mais nas ―drogas‖,  pois o Diabo só fazia excitar às suas mentes soprando nelas o ―fôlego do desejo, eprincipalmente o fôlego do desejo pela ‗droga‘, o que leva à morte!‖

Disse-nos que a ―droga‖ fazia o indivíduo se perder de si mesmo e das boas regrasde Deus e da sociedade, porque a maioria dos indivíduos só queria viver num mar de rosas.Mas nos disse também que Cristo havia dado aos Pastores a vara e o cajado. A vara era umbastão duro e pesado, segundo ele, de cerca de sessenta centímetros a um metro decomprimento. O bastão era usado para proteger a ovelha dos seus inimigos, batendo nelescom o instrumento. O que significava uma séria repreensão ao indivíduo que deixou abrigardentro de si um demônio. E disse-nos também que muitas vezes era necessário bater noindivíduo com o bastão, para tirar dele o demônio.

A vara era um instrumento de quase três metros, de ponta recurvada, formando umgancho. As ovelhas caíam em barrancos íngremes, e o Pastor salvava-as encaixando-o nopeito da ovelha e içando-a para cima, de volta ao caminho certo A vara era o símbolo detodo um aparato, que segundo o Pastor, a Igreja tinha junto às forças repressivas do Estado,

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que incluíam vigilância, prisões e mesmo a ajuda de outros ex-viciados e ex-detentos,reabilitados e mesmo retirados das cadeias e penitenciarias , pela ADHONEP, num acordocom o Estado, de que esses homens viveriam agora para pregar o Evangelho; esses homenseram os homens que eles (Os fundamentalistas da Igreja, ligados à ADHONEP ),colocavam para vigiar aqueles que haviam recaído e traze-los, ao caminho certo, custasse o

que custasse, pois era melhor ―perder um braço que nos acusa do que ter a nossa alma todalançada no inferno‖. Eu perguntei ao Pastor se esses ex-viciados e ex-detentos, utilizavam-se da força física contra aqueles que haviam recaído, e ele me disse que sim. Que as vezesisso era necessário.

O Pastor então me disse que havia recolhido informações de amigos meus naresidência, que eram evangélicos, e que eles haviam-lhe dito que eu havia tentado suicídiorecentemente, ingerindo diazepam com álcool. E me disse que isso era ação de Satanás, eque eu fosse honesto. O que seria melhor, deixar uma pessoa morrer assim, ou salva-lamesmo usando a força. Fiquei em silêncio e nada disse. Meu coração estava disparado,devido ao fato do pastor ter tido acesso a essas informações que eu queria esquecer. Oséiasficou me olhando com um olhar estranho, depois que o Pastor falou isso.

Pastor continuou falando, e eu controlando-me de forma que pudesse voltar a mededicar a coleta de informações, observei que ele agora nos chamava de ―irmãos‖.Perguntei-lhe o porque disso e ele me disse que após a unção havíamos nos tornado―irmãos em Cristo‖. E que faltaria apenas o batismo, pelo menos para Oséias, já que eutinha sido batizado numa Igreja Batista, embora só tivesse freqüentado a mesma uma únicavez, que foi no próprio dia do batismo. Ele me disse que no Centro, não nos faltariaoportunidade de participarmos de cultos, já que lá toda a vida girava em torno do Templo edos Cultos à Deus.

―- Eu já falei‖- disse ele- ―que nós temos a nossa própria antropologia. Ela naprática, chocará tanto a você quanto a Oséias, pois vocês dois apesar de ungidos ainda estãosobre o poder das fortalezas do mundo‖. 

Por ―fortalezas do mundo‖ o Pastor entendia um conjunto de paradigmas, criadospelo Diabo ou por homens inspirados por ele, que tanto eu quanto Oséias havíamosinteriorizado psicologicamente. Um conjunto formado por três coisas : a) Aquilo que nósenquanto pessoas oriundas do mundo acreditávamos ; posto que se não acreditávamos emDeus ou se tínhamos de Deus uma falsa concepção, isso se devia ao mal uso de nossasinteligências, associado a tudo o que já nos haviam dito e as nossas experiências marcadas pelo uso de ―drogas‖. A pessoa nesse caso, acredita, segundo o Pastor, em mentiras porquea própria vida dela é uma mentira formada pela ilusão que as ―drogas‖ causam. O demônio―amarra‖ ( subjuga espiritualmente ) esta pessoa. Todos segundo eles, devemos orar parater a base certa, o sentimento de filiação a Deus, de ser Filho de Deus.

Quando não há essa base, por falta de um dia a dia de oração continuada , uma pessoa não houve a ―verdade‖ que o Pastor fala para ela, pois ela já tem as suas próprias―verdades‖, respostas que saciam as suas necessidades pessoais, e encobrem o grande vazioexistencial que se apresenta quando para um homem ―Deus está morto‖ e ele só podeencontra-lo em si mesmo, tornando-se ele próprio ―Deus‖, o que pode ser concretizado eexperiênciado através da ―ilusão‖ provocada pela ―droga‖. b) O orgulho, o primeiro dossete pecados capitais, e o pior pecado, posto que foi o pecado cometido por Satanás, quandoalmejou ser superior a Deus. O orgulho, é uma falsa imagem de si mesmo, ampliada edistorcida ainda mais pelo uso de ―drogas‖. Tudo que se tenta ser e que é oposto aoconhecimento de Deus. Para o orgulhoso, segundo o Pastor Heber, Deus não é o centro, ele

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próprio é o centro de tudo; necessita constantemente auto- afirmar-se. O que resulta emabandono da integração consigo próprio, com Deus e com os demais e culmina em doençamental. O final de todos aqueles que se enveredam pelas ―drogas‖, quando o orgulho lhesimpõe a necessidade de, pelas ―drogas‖, ampliar -se na alma do sujeito. O orgulho pode,segundo o Pastor, esta alicerçado em um complexo de inferioridade ou de superioridade,

que são distorções da real identidade enquanto Filho de Deus, culminando respectivamenteem sentimentos de rejeição, que conduzem ao suícidio, ou em sentimentos de revolta, queconduzem ao homicidio. c) Sendo a pessoa uma mentira viva e ambulante, produzida peloorgulho e lapidada pelo uso de ―drogas‖, quando ela própria passa a acreditar na mentiraque concebe como sendo ela própria, não há para ela nenhuma possibilidade de controle oudiscernimento sobre os seus pensamentos. Todos segundo o Pastor, temos que orar para quehaja um ―escudo espiritual de proteção aos nossos pensamentos‖, formado pela ação dosanjos influenciando as pessoas naquilo que elas pensam e abrindo a mente delas para aspalavras do Pastor e afastando os demônios. Para que assim Deus não nos deixe cair emtentações; os maus pensamentos e as tentações são vencidos pela força que Deus faz surginas pessoas que aceitam a Cristo como seu Senhor e Salvador Pessoal, capacitando-as, para

que deixem o vício em ―drogas‖; mas para tanto é necessário resistir ao mal pela própriasforças.Nesse momento, Oséias sentiu vontade de ir a um banheiro. Paramos em um posto

de gasolina, à beira da estrada. O pastor indicou a Oséias aonde se situava o banheiro equando ficamos a sós, o Pastor comentou que o as várias idas de Oséias a banheiros diziamrespeito ao alto grau de intoxicação do mesmo.

Chegamos ao CERVIR na tarde de 28 de Dezembro de 1999. O Pastor parou naportaria da fazenda e se identificou para um homem que devia ter entre quarenta e quarentae cinco anos de idade, vestido com uma roupa social surrada. A portaria da fazenda eratambém, como vim a saber mais tarde o escritório do Pastor Ribeiro., e era composta deuma ante sala de recepção, com uma mesa, papeis, e uma enorme Bíblia de estudos

Pentecostal. O local cheirava a mofo. Após a sala de recepção havia uma outra sala, comum grande armário onde ficavam arquivados todos os documentos do ―aluno‖( Como erachamado o interno. ) além de anotações realizadas pelos obreiros ( Assistentes dos Pastoresque haviam no caso específico do Centro, sido bons ―alunos‖ e se recuperado, tendorealizado um curso a nível médio de teologia. ), e uma maquina de datilografia. Depoisdessa sala ficava uma outra, onde eram guardados os objetos pessoais de todos os internos,além de um estoque de roupas e sapatos, todos padronizados, que os mesmos deveriamvestir; e um beliche, onde dormia o homem que nos recebeu e mais um outro que oauxiliava na portaria. Na escala de serviços do Centro, que obedecia a um sistema queincluía a passagem por um tempo determinado em três alojamentos chamadosrespectivamente de Primeira, Segunda e Terceira Fase, e num sistema de crescenteelevação do que se considerava recuperação pelos Pastores responsáveis, quando oindivíduo já havia absorvido todas as ―lições‖ e praticamente havia se tornado capaz derepetir enormes trechos da Bíblia de cor, além de apresentar um comportamento de grandeintolerância a tudo o que fosse contrario ao aprendido ali, beirando o que poderíamoschamar de fanatismo, onde o outro era sempre o demônio, o bode expiatório de todo o malque existia em quem lhe lançava o olhar; assim trabalhar na portaria, para todos no Centro,indicava um elevado nível de recuperação do indivíduo, já que o mesmo não possuía mais odesejo de fugir e podia resistir às tentações do ―Apêndice do Inferno‖, um bordel que ficavado outro lado da pista, e que dali era perfeitamente visível. Ali o cheiro de mofo chegava ao

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insuportável, mas era o local onde todos os internos almejavam estar. Nos fundos dacasa havia um banheiro com duas privadas, e um reservatório de água para a limpeza delas,que era abastecido diariamente pelos internos. Vale dizer que no Centro, à medida em que oindivíduo ia sendo considerado recuperado as tarefas que lhe iam sendo atribuídas iamdiminuído no que se refere a realização de esforço físico, e a exposição a trabalhos

considerados degradantes como limpeza de sanitários e da fossa, entre outros que mexiamdiretamente com tudo o que era relacionado com as atividades de excreção humanas.Fomos apresentados pelo Pastor Heber, a um obreiro de nome Edivaldo. O ―Irmão

Edivaldo‖ . Ele nos solicitou todos os documentos e objetos que possuíamos e os guardou.Conduziu-nos a um banheiro coletivo onde tomamos banho, e após recolher as nossasroupas deu-nos as roupas padronizadas do Centro. Essa roupas eram padronizadas nosentido que todas elas se pareciam, e se pareciam com roupas que os interioranos usam nos  períodos de festas juninas. Em outras palavras, eram roupas ‗juninas‘ ou ‗matutas‘.Existiam roupas com mensagens cristãs também. Eu que estava com quatro cartelas deRivortrill, 2mg, escondi as mesmas do Irmão Edivaldo. Mas ele percebeu o meumovimento e me solicitou que lhe entregasse os remédios . Eu fiquei apavorado, pois temia

que sem a medicação vinhesse a ter crises de pânico. Expliquei isso ao irmão Edivaldo,tentando convence-lo de que usava aquela substância com recomendação medica dada porum médico do Serviço Médico Universitário da UFBA, e para que ela servia. Mas elelimitou-se a dizer que iria ter uma conversa com o Pastor Heber, e que mesmo assim eraquase impossível eu permanecer com o produto, já que era uma norma da casa e o PastorHeber estava ciente dela. Isso me deixou mais apavorado ainda. ( No dia seguinte o nossocabelo seria cortado, não totalmente, para ficarmos iguais a todos os demais, posto que ―Deus não faz acepção de pessoa.‖ ) Por interferência do Pastor Heber, eu pude ficar commeu caderno de anotações e minha caneta, mas me vi privado de qualquer livro. ( Somentealguns dias depois é que eu conseguiria obter secretamente o exemplar do livro de CliffordGeerts que eu estava estudando:   A Interpretação das Culturas. Um livro que mantive

oculto embaixo do colchão de minha cama até o dia em que fui descoberto portando essa―literatura satânica‖ e tive que devolver o livro, após um longo período no qual sofri umasérie de exorcismos onde vários obreiros seguravam a minha cabeça e me chacoalhavamde lá para cá, berrando para que Deus tirasse o diabo do meu corpo. ) Ficamos apenas comduas calças , um calção para trabalho, um tênis, uma bota e três camisas, uma de mangacurta e duas sociais, sendo que as calças, as duas camisas sociais e o tênis eram para seremutilizadas nos períodos de culto. Todas as roupas deveriam estar constantemente limpas.Foi-nos dado também, uma toalha e material de higiene corporal e para a limpeza dasroupas.

O Irmão Edivaldo nos disse que nós teriamos a obrigação de lavar todo o materialnos dias de Quarta e no sábado . Receberíamos também, como já foi dito, uma cotaperiódica de materiais de limpeza e de higiene pessoal . Que incluíam : Pasta de dente eescova, desodorante e sabonete, papel higiênico, sabão em pó e em barra e água sanitária.Notaria depois que os materiais de higiene pessoal, não possuíam um odor especifico.Eram ‗neutros‘, não tinham cheiro forte, quando não tinham nenhum cheiro. Mais tardeviria a saber junto ao meu professor orientador, Edward MacRae, que os perfumes eramem épocas passadas considerados ‗mágicos‘, posto que aumentavam a atração entre aspessoas. Talvez fosse essa a intenção dos responsáveis pelo Centro ao nos dar aqueles tiposespecíficos de produtos. Disse-nos também que qualquer lanche deveria ser adquirido junto ao Irmão Abdias. O irmão Abdias era o responsável por mediar todas as operações

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financeiras do Centro com as comunidades externas. Era ele que saía para fazer ascompras. Tinha um forte senso para negócios e nós , os ‗alunos‘ quando queríamosqualquer coisa tínhamos que nos submeter a ele. ( Vim a saber mais tarde que ele erahomossexual, e que se utilizava do seu poder enquanto intermediário nas compras, paratrazer algo mais para os ‗alunos‘, o que poderia incluir até mesmo ―drogas‖, como

presenciei numa ocasião em que ele trouxe maconha para um dos ‗alunos‘, em troca de queos ―alunos‖ mantivessem relações homossexuais com ele. O caso foi descoberto e levado apresença do Pastor Ribeiro, que exigiu do Irmão Abdias, que se retratasse : O Irmão Abdiasconvocou um culto onde confessou que havia cometido este pecado. Mas citouironicamente a João, dizendo : ―- Filhos, não pequeis, mas se pecares não permaneçam no pecado.‖ O seu ‗acusador‘, um dos ‗alunos‘, também foi instado a se levantar e confessar -se. Depois, como se nada tivesse acontecido o Irmão Abdias, foi mantido em sua função econforme eu pude saber dos internos não abdicou do seu ―pecado‖, mas continuou apratica-lo. O jovem que o denunciou, um estudante de psicologia ―viciado em drogas‖, eque comigo formava a dupla de nível superior que existia lá dentro, foi submetido àspunições de praxe, não recebendo merenda, sendo posto nas piores tarefas, e

 principalmente ganhando fama de ―dedo duro‖, entre os internos. )Privado da medicação, nos dias posteriores eu iria apresentar fortes crises deabstinência, que incluíam delírios. Num deles eu vi o Irmão Abdias como um ―porcocapitalista‖ e ainda delirando, deitado numa cama o chamei desta forma, o que me valeucomprar briga com o homem, que depois eu percebi, que tinha enorme poder dentro docentro, devido ao que executava, e recebi inúmeras retaliações, como por exemplo, ficarsem receber lanche, receber o que não havia pedido ou então material estragado. E Oséiasse viu igualmente retaliado. Aliás, o Irmão Abdias sentia forte antipatia por Oséias e ocensurava diariamente pelo fato de que Oséias era homossexual, convidando-o aoarrependimento. Eu tive depois que pedir perdão a ele publicamente pelo que havia dito emmeus delírios e só então o nosso relacionamento melhorou um pouco. Mas ter ofendido-o,

me colocou, numa situação em que ganhei a hostilidade de quase todos os internos, e passeia ser tratado por ele e pelos que ele protegia com ironia e sacarmos. O mesmo se deu comOséias, que passou a ser freqüentemente ironizado por ser homossexua l. Os ―alunos‖, sereferiam a Oséias como ―ela‖, e faziam isso rindo. 

O Irmão Edivaldo, que era o responsável pela vigilância direta dos ‗alunos‘ e pelasua primeira doutrinação, disse-nos ainda que se tivéssemos qualquer problema de saúdedeveríamos procurar o Irmão Aurindo . O Irmão Aurindo era o enfermeiro do Centro. Eraele que preparava os chás para dor de barriga ou de cabeça, além de outras indisposições.Lidava basicamente com ervas, mas poderia utilizar algum medicamento alopático, mesmoque esses medicamentos fossem condenáveis. Como , além da abstinência dobenzodiazepinico , eu fiquei muito fragilizado com os jejuns forçados e com o terrívelclima psicológico que existia no Centro, ele , que possuía como lema , que um ‗aluno‘deveria aprender a suportar até mesmo uma dor de dente somente com a ajuda de Cristo,viu na minha fragilidade uma efeminação, e passou a me ridicularizar, dizendo que ― iriatrazer a minha bengala qualquer dia‖, e passou também a me negar até os chás. Passei malduas vezes, e fui levado ao Pronto- Socorro de um Hospital em Camaçari. Meu estado eragrave, e os médicos me receitaram vários remédios, mas que nunca chegaram até a mim.Em compensação, como o Irmão Aurindo me considerava muito fraquinho, decidiu que eudeveria tomar de vez em quando ―uma Bezetacil.‖ E não havia para mim possibilidade deimpedir isso. Por diversas vezes quis deixar o Centro, mas fui empedido. Depois tentei

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fugir, mas como os nossos documentos e roupas ficavam retidos, se saíssemos à noite,que era o único horário em que uma fuga poderia ser realizada, corríamos o risco de serpegos pela polícia que ficava quase todo o tempo passando por perto do Cento. E para apolicia, como vim a saber mais tarde, conversando com alguns internos, que tinhamprofundo medo dela; para a policia os ―alunos‖ do Centro eram criminosos como quaisquer 

outros e deveriam receber o mesmo tratamento ! Foram dias onde eu e Oséiasexperimentamos literalmente o ditado que dizia que aquele local era um lugar onde filhochora e mãe não vê, tudo isso para , como diziam os responsáveis, ― fazer um homem àimagem de Deus.‖ 

Enquanto o Irmão Edivaldo, inspecionava nossas coisas, nos instruía a respeito decomo era o funcionamento geral do Cento . Primeiro acordaríamos às 04 : 00 horas, sob osom de uma sirene, e deveríamos em dez minutos arrumar a cama e estar em pé, dois a doisem cada beliche para orar a oração matinal, que era um agradecimento por mais um dia devida e pela noite ―tranqüila‖. Por ―noite tranqüila‖ entenda -se o ―milagre‖ deamanhecermos vivos, quando muitas vezes, algum dos internos ia dormir, furioso conoscoe portando uma arma , uma ferramenta qualquer extraída ilegalmente do Balcão das

Ferramentas, e que só não nos matava porque era costume do Centro, que ninguém dormiaà noite de fato. Depois a ―oração do círculo‖. ( Que incluía, sair às 04:30 hs para reunir -seem oração com o ―chefe‖ do dormitório da 1 A Fase, a Fase Renascer. O ―chefe‖ era aquele―aluno‖ da própria Fase, considerado exemplo pelos Obreiros. Ele conduzia o ritual deorações das 04:30 hs, que consistia em, retirar-se ainda no escuro, para dentro da mata, numlocal onde se havia capinado um círculo no chão. Oséias e eu éramos constantementeironizados porque nunca fazíamos uma oração correta, segundo os moldes deles. As nossasorações eram consideradas egoístas e fruto do orgulho. Para orarmos corretamente, nosexplicou o ―chefe‖, nós deveríamos: Primeiro : louvar a Deus pela Sua Misericórdia eSantidade e por ter nos criado. Segundo : pedir a Deus para que ―fosse ter‖ com os nossosirmãos no Cento, que ―tocasse‖ o coração deles, e lhes sensibilizasse e mostrasse o perigo

do ego. Terceiro : pedir a Deus que afastasse o Diabo. Isso faria, segundo a lógica deles,com que o próprio Diabo não nos tentasse. Esse período de oração durava uma hora.)Depois disso, iríamos para o Culto, realizado no Templo, cujo espaço físico servia

também para as funções de refeitório. Ali, das cinco horas da manhã até às cinco e meiaficávamos de joelhos e apoiados nos bancos orando ( Nesse período de oração, podíamospedir pela nossa vida, mas somente após havermos pedido por todos os miseráveis queviviam nas piores condições de vida, fora do Centro, orando para que Deus os trouxesse atéali. ), e, depois às seis horas, entrava um dos obreiros e iniciava um sermão de uma hora.

Sermão que geralmente incluía tudo o que de errado os alunos haviam feito no diaanterior, e dicas para que o seu comportamento melhorasse. A esse passar das dicas de umamelhor conduta, o que evitaria punição; os ‗alunos‘ chamavam de ―passar a visão‖. Sempreque alguém necessitava de uma orientação sobre qualquer assunto que envolvia a vida e asobrevivência dentro do centro, solicitava a outro, ‗aluno‘ ou obreiro, que lhe ―passasse avisão‖. Era necessário ter ―a visão correta‖ para se estar ―sempre firme na ‗rocha‘!‖ Estar ―sempre firme na ‗rocha‘.‖ Significava estar sempre em harmonia com Cristo e com as leisdo Centro. ―Rocha‖ era o termo equivalente a Cristo. Por outro lado, quando se vacilava,  quando se estava, segundo os critérios do Centro, em desacordo com os ensinamentos doCristo e do próprio Centro, o mesmo quando se tinha uma recaída no uso de drogas, sedizia que a pessoa estava ―firme no Roche‖, uma analogia a empresa farmacêutica Roche,que produzia o Rohypnol, um psicoativo, tranqüilizante e hipnótico, de largo uso pela

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maioria dos ‗alunos‘ antes de estarem no Centro, segundo os dados obtidos por mimnos arquivos do CERVIR, e em conversas com os próprios ―alunos‖. Nesse período deoração se devia pedir a Deus para se estar firme na ―rocha‖ e não no ―roche‖, ou seja nas―drogas‖. O sermão que acompanhava posteriormente esse período de oração tambémservia para que o orador versasse sobre o ―nefasto poder do Diabo, através das ‗drogas‘.‖ 

Às oito horas, retornávamos rapidamente para o alojamento, onde tínhamos quinzeminutos exatos para realizarmos a nossa higiene matinal. Dali voltávamos ao Refeitório, eum a um íamos nos colocando em fileira diante dele. Os idosos, ou seja aqueles que tinhammais de cinqüenta anos podiam entrar sem enfrentar a fila, que era chamada de ―paredão‖.( Eu desmaiei duas vezes nessa fila e Oséias passou mal uma vez. Isso provocou risos detodos, mas o Pastor Heber disse num culto que a fraqueza que sentíamos era sinal de que oDiabo estava relutando em deixar o nosso corpo. Quando nos sentíssemos completamentefortes, o Diabo teria nos deixado. A força que tínhamos antes, era produto das drogas e umailusão que nos mataria aos poucos disse o Pastor. ) Aparecia um dos obreiros, e após a filaestar arrumada e em silêncio, cantávamos um Hino, dando graças a Deus pelo alimento queteríamos . Aquele que era o primeiro da fila, ou então aquele que era escolhido

aleatoriamente em qualquer parte da fila, recitava um versículo completo da Bíblia. Se apessoa errasse, o que era freqüente, teríamos que repetir o Hino. E novamente alguém eraescolhido para recitar novo versículo da Bíblia. Isso só terminava quando alguém acertavatodo o versículo que resolvera citar. Aqueles que haviam errado, conquistavam o ódio detodos, e existia uma série de punições para eles, como por exemplo, passar o dia sem queninguém falasse com ele, ou ainda, passar o dia sem falar com ninguém, carregando nopeito, um cartaz, suspenso por um cordão que era seguro pelo pescoço, com o versículo quehavia errado. E isso causava os risos dos demais ‗alunos‘. Nos primeiros dias, tanto euquanto Oséias, fomos isentos desse castigo. Mas após isso, o sofremos. E como todos osdemais internos, tínhamos que aproveitar a insônia noturna, para ler e gravar um versículobíblico para o dia seguinte, aproveitando a parca iluminação natural noturna.

Somente após isso é que a fila entrava para tomar o desjejum que consistia em pãesduros e numa sopa de legumes, geralmente estragados que vinham das empresas do PoloPetroquímico. Essa ―refeição‖ não raro causava diarréia e isso era visto pelos responsáveis  pelo Centro como um bom sinal. Estávamos nos ―purificando‖ . Mas se a diarréiapersistisse era sinal para eles, que nós havíamos nos envolvido com práticas de sodomia. Ea partir de então caíamos no ridículo, sendo humilhados por todos, por causa de nossasuposta homossexualidade. Isso aconteceu comigo. Como eu permaneci por mais de quinzedias completamente fraco, isso era um sinal para eles , de que eu havia tido muitas relaçõeshomossexuais. E como eu negava isso, eles diziam que eu ainda estava com o Diabo.Diziam que a ―Pomba-Gira‖ ou então "Astaroht", um demônio que servia de esposa para"Baal", o Diabo, e era responsável pela prostituição e pela homossexualidade tomava meucorpo e até mesmo dormia comigo, para que à noite eu fizesse sexo com ―ela‖, um fatocomprovado para eles, quando eu tive, numa noite, uma polução noturna. Fui entãoexposto a uma humilhação pública. Como eu ―transava‖ com ―Astaroht‖ e por isso ficavafraco, eu deveria, até me arrepender e dar sinal de ter recobrado as forças, entrar norefeitório junto com os idosos. Ali isso era motivo geral de vergonha, e eu a senti na pele.Oséias foi ―flagrado‖ no banho coletivo, olhando para o pênis de um dos internos, e teveque assumir publicamente que era homossexual. Ele assumiu, mas disse que não estavaolhando ninguém no banho, o que foi considerado uma mentira, e ele, ―mentiroso e filho dopai da mentira que é o Diabo‖, foi exorcizado por isso, e posto comigo para entrar no

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refeitório junto com os idosos. Nesses dias de continua humilhação, a abstinência doRivortrill, tornou-se muito forte, e eu tive alucinações visuais e auditivas, nas quais via oDiabo me perseguindo ou ouvia ele dizer que eu era o ―anticristo‖ tão falado no Apocalipsede João, que éramos obrigados a ler quase todos os dias. Contei ao Pastor Heber, o queestava vendo e ouvindo, e ele considerou que aquilo era real, que eu estava sendo tentado

 pelo diabo a me tornar o ―anticristo‖ que a Bíblia pregava, se é que eu não o era de fato,dado a minha intenção de estudar as religiões da Nova Era e o gosto que eu tinha poralgumas delas, um outro fato que eu havia contado a ele. Ele contou isso aos demais pastores do grupo, e estes aos obreiros e ‗alunos‘. Todos, com poucas exceções, ficaramcom um misto de ódio e medo de mim, e se afastavam; isso quando não resolviam meexorcizar. O Pastor Heber, levou-me então uma noite, para sua casa em Lauro de Freitas, epediu que sua esposa e seus dois filhos fossem para a casa da mãe dele. Solicitou a vinda deum outro Pastor. E enquanto eu ardia de febre e dor intestinal, eles oravam e meexorcizavam. Eu adormeci. No dia seguinte, o Pastor Heber saiu com o outro Pastor, edeixou o meu café, do lado de fora da casa, vigiado por dois cães enormes, que impediramo meu acesso a refeição. Eles voltaram ao entardecer. Eu passava muito mal e tinha muita

fome. Fui levado de volta ao centro, onde a comida me pareceu um manjar. Ao me veremcomendo, eles concluíram que eu havia sido deixado pelo Diabo, e que não era o―anticristo‖. Mas no dia seguinte a abstinência continuava, e a leitura forçada doApocalipse de João, me trouxeram de volta as visões e eu passei de novo a ouvir vozes.Mas desta vez, fiquei silencioso a respeito disso.

De nada adiantava, na minha concepção, e devido ao meu medo, dizer a eles queapós a morte de Mesack , um amigo meu da Residência, e também estudante de CiênciasSociais, eu havia tido um surto psicótico sendo submetido a tratamento especializado com oDr. Antônio Lobo, um psiquiatra do SMU, que havia me receitado Stellazine, umtranqüilizante maior, e antipsicótico. O Dr. Antônio Lobo foi a mesma pessoa que havia mereceitado o Rivortrill, para a Síndrome de Pânico, ou ansiedade aguda como ele preferia

chamar. Mas eu havia me tornado dependente física e psicologicamente dos medicamentos,e não conseguia realizar a retida. Tive que contar novamente com o auxílio de umespecialista, um mestre em psicologia, o Dr. Adenáuer Novaes, da Clínica Psique,localizada na rua Rubem Berta, N 0 15, na Pituba.

O Dr. Adenáuer havia tratado a minha dependência psíquica e eu estava retirando omedicamento aos poucos com o consentimento do psiquiatra. Não adiantava dizer que opsicólogo havia me dado o aval de que eu estava com minha saúde mental em perfeitoestado, mas que eu poderia ter provavelmente algo semelhante a um surto se fizesse aretirada dos medicamentos de modo brusco, mesmo não necessitando deles.

De nada adiantava, ao meu ver, dizer isso ao Pastor Heber. Primeiro, porque oPastor acreditava somente na retirada brusca de todo e qualquer medicamento e nãoconfiava na medicina nem na psicologia, como ele próprio havia dito; segundo, porque opsiquiatra era ateu e o psicólogo espírita, e eu não poderia nem sabia como omitir esse fatodele. O que seria visto como mais uma influência do Diabo em minha vida. E asconseqüências não seriam nada boas, disso eu ia passar a ter certeza, após algumasexperiências como essa .

Após o Culto matinal, que terminava às nove horas, todos os alunos eram chamadospara ficar em fila defronte ao pavilhão da Primeira Fase. Ali aguardaríamos o Irmão Luís,um obreiro que, era oficialmente, o terceiro em responsabilidades, após o Pastor Ribeiro e oIrmão Lago. O irmão Luís, traria duas listas. Uma contendo os nomes dos ―alunos‖ que

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trabalhariam no turno da manhã, e uma outra com a respectiva função que cada umocuparia nas tarefas a serem desempenhadas. Durante os quinze primeiros dias de nossaestada no CERVIR, eu e Oséias, trabalhamos apenas pela manhã e apenas na rastelagem.Nos rastelávamos o chão, em volta do Pavilhão da Primeira Fase. E se sobrasse tempo,variamos o Pavilhão e limpávamos os sanitários. Essas atividades iam até às onze horas,

quando todos tínhamos que parar para tomar banho, posto que ao meio-dia deveríamosestar no ―Paredão‖ em frente ao refeitório, para o almoço. Repetia-se a leitura dosversículos, e novamente ocorriam os erros de memória e a espera, com a respectivamurmuração, ou ―linguagem do Inferno‖, por parte do ―alunos‖ revoltados.

Eu e Oséias fomos escolhidos para trabalhar no período matutino, no respectivotrabalho de rastelagem. De modo que a tarde após o almoço, nós iríamos nos recolher nopavilhão da Primeira Fase, durante um período de uma hora, aproximadamente, paradescanso. Ficávamos todos deitados, no mais absoluto silêncio, mesmo que nãosentíssemos sono. Às treze e trinta, nos levantávamos e vestíamos nossas roupas de mangacomprida. Era hora de aula com o irmão Lago, o Presbítero, e acontecia, ao ar livre, pertodo novo Templo, que estava sendo construído e da casa do enfermeiro, o Irmão Aurindo.

Mas, a aula foi antecedida por um debate com dois Pastores visitantes. Nos primeiroscinco dias que passamos no Centro, os palestrantes convidados foram três, o Pastor Sabóia,que versou sobre ―Maldição‖, e mais dois Pastores, que como vim a saber depois, não sedavam bem entre si : O Pastor Toni Lima, versando sobre ―A cruz de Cristo‖, e o Pastor Telles, versando sobre, ―homilética‖, a arte de evangelizar. Como esses debates ocorriamapenas uma vez por mês, ele era gravado, e posto para ouvirmos durante o dia. Na verdade,ouvíamos três músicas evangélicas e o debate, depois, repetia-se as três músicasevangélicas e novamente o debate; da hora em que acordávamos até o final da tarde. O queme possibilitou escrever o conteúdo do debate.

O Pastor Heber chamou a mim e a Oséias dizendo que Deus, a ADHONEP e ele,tinham um plano para as nossas vidas : desenhou um círculo no chão e disse que aquilo

representava o ―Povo de Deus‖, ou ―Israel‖, como eles chamavam o Centro e as pessoasque estavam lá dentro. ―Israel‖ era um termo de significado quase místico ou sobrenatural,para designar que, "em espírito e em verdade‖, éramos um só corpo, o corpo de Cristo. Forado Centro existia a Babilônia, e devíamos clamar a Deus e chorar para que ―Israel‖ fosseliberto de seu cativeiro, a Babilônia. E desenhou um ponto fora do círculo. D isse que aqueleponto éramos eu e Oséias, e que o plano de Deus era trazer aquele ponto para o centro docírculo, onde estaríamos para sempre cercados do ―Povo de Deus‖. Aquela idéia do Pastor deixou tanto a mim, quanto a Oséias assustados, pois chegamos a pensar, que jamaisiríamos dali do Centro, ou então viver sempre sobre a vigilância dos evangélicos.

Nesse exato momento ouvimos gritos e mais gritos. Era O Pastor Sabóia que iachegando e exortando para que o local ficasse livre dos demônios. Então um a um, osinternos iam dando gritos, como que se algo estivesse saindo de dentro deles e iam caindono chão. Haviam os que permaneciam em pé, tremendo o corpo. A esses ocorria que osobreiros os seguravam pela cabeça e iam, orando, deitando-os no chão. Depois de nos juntarmos a eles, o Pastor Sabóia ordenou que todos ficassem de pé e começou a dizer :

-  ― Dêem honra ao Senhor e anunciem a sua glória às nações. O Senhor sairá como um valente e lançará forte grito de guerra e mostrará sua força

aos seus inimigos!‖ – E indagou  –  ―Vocês sabem porque estão aqui ? Estão aqui porqueestão sob maldição! E lá no intimo eu sei que vocês se perguntam o que é maldição.Maldição é viver em depressão e miséria da alma. É a permissão que vocês mesmos deram

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ao Diabo e às ―drogas‖ para virem causar danos a sua vida. E vocês, seus estúpidos,não amaldiçoaram apenas a vocês mesmos. Amaldiçoaram os seus filhos até a quartageração ! E também foram amaldiçoados por seus antepassados desde a quarta geração.Esse é um País de amaldiçoados. Seus pais disseram a vocês que vocês não seriam nada! Amaldição é fruto do pecado e o pecado é uma quebra da comunhão com Deus. Cada nível

de pecado libera uma quantidade de demônios, que passam a persegui- los; são como ‗osmuros de Jerusalém cheios de entulho! Não resistam ao que Deus quer fazer na sua vida!‘-E começou a falar e gritar de forma estranha, embolando a voz, dizendo palavrasdesconhecidas em meio a palavras conhecidas, e a multidão o acompanhava, tambémfalando em ―línguas estranhas‖. E continuou : - ―Hoje eu , com o poder de Deus vourecompor a vida de vocês... De vocês que passam os dias aqui se recuperando do ataqueque o Maligno realizou na vida de vocês através das ―drogas‖. Vocês que não tem maiscomunhão com os pais de vocês ; vocês que viram os pais de vocês em adultério eprostituição por causa do álcool e da maconha, e que até sofreram abusos deles ! Vocês quevivem embaixo da maldição da inveja, do ciúme tendo sempre ameaças como o governo devocês, pois o governo de Satanás é sustentado na base da ameaça. E muitas vezes vocês

mesmos ameaçam a outros e com a boca suja de vocês murmuram e amaldiçoam, vocês quereclamam da vida aqui no Centro e que se esquecem que falar mal de seus líderes trásmaldição. Vocês todos que não são subservientes e que não colocam a própria vida aserviço do combate das forças do mal; aos hereges, ateus, católicos... a todos os falsosprofetas! Vocês só tem esse lugar como recurso de libertação. Aqui vocês podem terintegridade, sinceridade e arrependimento, que é a verdadeira conversão ! Repitam : - Emnome de Jesus eu quero, integridade, sinceridade e arrependimento !‖ - E todos o fizeram.O Pastor Sabóia continuou : - ―Mas, meus queridos, existe uma solução definitiva, para sedestruir as cadeias que prendem vocês! ... Pois não há maldição que não possa ser quebradae não há pessoa que não possa ser transformada. Certo é que nós pecamos nos pecados denossos pais, e toda herança espiritual é uma realidade e Satanás buscará uma brecha para

entrar em sua vida. Nesse dia. Nessa tarde todo argumento do Diabo será destruído, e vocêsnão mais terão maldição a não ser se escolherem! Mas vocês não mais entrarão numa IgrejaCatólica, nem num Centro Espírita, nem num Terreiro de Macumba. Acaba hoje acorrupção entre vocês, pois a corrupção é a maldição da nação brasileira. Essa naçãocatólica, implantada pelo Diabo! Nossa nação é fruto da rejeição ; negros que foramvendidos por negros. Hoje você é o que a Bíblia diz que você é, e os seus filhos e netosserão ensinados por Deus. Vamos cantar e dar graças!‖ – E dizendo isso passou a cantar umpequeno hino, declarando que necessitava ser mudado por Cristo, e todos os cantaram. Eupercebi que Oséias iniciava timidamente o seu canto. Enquanto isso, os obreiros fizeramcorrer pelo meio dos internos, uma folha de papel. O Pastor Sabóia pegou uma das folhas einiciou a leitura dizendo: - ―Irmãos, hoje vocês saberão o que a Bíblia diz que vocês são.Vocês são servos de Deus. Leiam Irmãos , leiam comigo : ‗ O verdadeiro servo. Overdadeiro servo é aquele que manifesta um caráter idêntico ao do Senhor Jesus Overdadeiro servo, raciocina como Jesus, lembrando que a humildade, não é apenas a maiorvirtude apreciada no ser humano, mas é acima de tudo, a base da vida eterna. O verdadeiroservo, qualquer coisa que faça, por mais insignificante que seja, faz para a glória de Deus,em oferta a Deus. O verdadeiro servo, vive em função de servir ao Senhor. Todo o seupensamento, em todo o tempo, está em satisfazer seu Senhor. O verdadeiro servo dá omelhor de si na tarefa que realiza, mostrando ter conhecimento de que o seu serviço não épara homens é para Deus. Por isso vocês tem que fazer tudo perfeito, principalmente no lar

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de vocês, pois a família é uma instituição sagrada, a primeira a ser sancionada porDeus no Éden ! O verdadeiro servo não raciocina ou expõe suas razões, mas serve aoSenhor sem reclamar. Ele segue o exemplo de Jesus, que na hora mais angustiante da suavida implorou ao Pai que fizesse passar aquela dor, mas desejou, acima de tudo, que fossefeita a santa vontade de Deus, que é expressa hoje pela obediência severa à Igreja, que é o

Corpo de Cristo. O verdadeiro servo tem conhecimento de que sua família, sua vida e tudomais são de propriedade exclusiva do Senhor. Nada lhe pertence! O verdadeiro servo templena consciência que a humildade é uma das principais virtudes de um cristão. Não dálugar ao orgulho, pois lembra-se sempre do exemplo de Lúcifer, que andava no brilho daspedras e liderava todos os anjos celestiais, até que o orgulho encheu seu coração e ele nãofoi mais recuperado. Ele sabe que o valor que ele possuí, ele possuí porque o seucomportamento é digno da presença de Deus. O verdadeiro servo entende que todatribulação que passa é para o seu próprio benefício, porque a ação da tribulação é do Diabo,mas os benefícios dela vêm da parte do Senhor. E a tribulação, irmãos é conseqüência de seestar em conformidade com o mundo, com os valores do mundo a nossa volta. Valores quevocês sabem de onde vem ... vem do Diabo e de sua Igreja. E a Igreja do Diabo hoje tem

muitos nomes, é a Católica, são os Centros Espíritas e os terreiros de macumba. Deus querque seus sevos se afastem disso tudo e se dediquem exclusivamente a Ele e à sua Igreja. Overdadeiro servo se preocupa apenas em mostrar o Senhor Jesus em sua vida, dando umbom testemunho, sem se preocupar com competição. O testemunho é tudo na vida de umcrente irmãos. O verdadeiro servo é vencedor, pois ele é aquele que suporta tudo e guarda asua fé viva até o encontro final com o Senhor Jesus Cristo, que ele espera ser o mais brevepossível. Pois perigosos são os caminhos que irá trilhar para evangelizar outros irmãos, perto ou longe . Meus Irmãos, Amém!‖- E todos gritaram : - ―Amém, eu concordo‖!- Egritaram isso várias vezes. Nesse momento o Pastor Heber, chamou a mim e a Oséias e nosapresentou m homem chamado Celestino. Como vim a saber depois Celestino era daSegunda Fase e ali estava por ter tentado matar a própria esposa, cortando o pescoço dela.

O pastor pediu a Celestino que cuidasse de nós dois dentro do Centro, que zelasse pornossas vidas, pois o Diabo vinha tentando tira-las a todo custo. Celestino concordou deimediato, mas quando ficou a sós conosco nos advertiu que não fossemos ―pedra detropeço‖ ou motivo de tentação para ele, pois ele tinha desejo por homossexuais, e achavaque nós dois éramos e sentia ao mesmo tempo desejo de matar quem era assim. Assumiuisso para nós com a maior tranqüilidade do mundo.

Após o Pastor Sabóia ter terminado seu sermão, dirigiu-se ao microfone o PastorToni Lima, natural de Jequié, Bahia. Ele começou a falar sobre o perfil do crucificado comCristo. Seu discurso foi o seguinte : - ― Essa tarde meus queridos, eu vim lhes trazer umquestionamento : Qual o perfil do crucificado com Cristo ? Queridos, quando Cristo estavana cruz, ele olhava a multidão. Olhava às pessoas de cima. Isso significou que Cristo nãoestava olhando para coisas materiais nem para heróis, nem para lideres. Ele olhava paraquem nunca iria decepciona-lo. Vendo todos de cima para baixo, no Calvário, ele via atodos como iguais, como precisando de Deus. Não há diferença entre pescar um operário ouum burguês. Eu sou da ADHONEP e viso pescar homens de negócio, não tenho maisnenhum complexo de inferioridade. Na cruz, vencemos o reativismo, o sentimento dederrota. O passado horroroso que você teve você não vai mais usar para ser paparicado.Para viver em autocomiseração. Eu não sou mais calda, sou cabeça! O Espírito de Deus sóse manifesta em quem tem uma mentalidade proativista. Na briga entre Davi e Golias, sóuma pessoas apostava em Davi : Ele próprio. A partir disso, Deus entregou a chave dos

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reinos a ele. Deus é o especialista em pegar o ninguém como você e transformar emum Profeta! Por isso, ESQUEÇA O SEU PASSADO!O crucificado com Cristo conhece esabe exercitar a Palavra de Deus. Ele sabe o que é a verdade : É Cristo! Porque ele é averdade ? Definir verdade é dar uma descrição da realidade. Tudo o que foi provado que éreal. Cristo diz : Eu tenho em mim tudo o que você precisa para a vida. Ele liberta. E liberta

do que ? Das ―drogas‖, da mentira! O alcoolismo por exemplo, é uma mentira : não écaminho, nem vida, é apenas álcool! O crucificado com Cristo conhece o caráter de Deus,que é o caráter de Cristo. O sal é para salgar, para preservar. É ma mensagem figurativa.Sal é na Bíblia, igual a caráter. Quando a pressão bate em nós, que ai se encontre o caráteruniversal que não importa onde se encontra frutifica. O mundo não tem caráter! O mundonão vê as nossas habilidades, mas sim o caráter. Não pense que o mundo vai ver as suashabilidades, ele vai ver o seu exemplo! A intimidade com Deus antecede o ministério,qualquer ministério que você venha a desempenhar dentro do ‗corpo de Cristo‘. Nãovamos viver mais o estado pecaminoso de uma pessoa que vive fora da cruz; ela vive pelasemoções, suas emoções dizem : eu quero, eu desejo ! Sua vontade diz : pode fazer. Aconsciência enlouquece e isso significa a perda do discernimento do que é certo e do que é

errado. O intelecto tenta explicar ou se cauteriza, assumindo um estilo de vida de puropecado. E qual o estado da pessoa que tem o estado de Cristo ? É o estado da Graça! Elatoma decisão pelo intelecto, seguindo os dez mandamentos, percebendo o valor infinito davida. A vontade diz : pode fazer, pois eu te abençoou. A consciência fica em paz e aemoção, a emoção experimenta um estado completo de um propósito de viver da maneiraque fomos criados, coisa que ‗droga‘ nenhuma pode proporcionar! Somos luz,responsabilidade num mundo de trevas, somos como uma cidade situada sobre um monte,ninguém pode deixar de vê-la, somos exemplo! O crucificado com Cristo vive porobediência e para a obediência. Não siga ideologias, ame! Ame pois isto vai tirar aingratidão do teu coração; a indiferença com o que Cristo está fazendo hoje, pois sóqueremos o fenomenal quando estávamos no mundo, por isso as drogas nos atraiam! Ame,

pois isso acaba com a falta de fé. A fé é obedecer, é se submeter, é confiar! O crucificadocom Cristo tem que renunciar, todos tem que renunciar, pois a Cruz é a morte do ‗eu‘!Renunciamos por causa da Pessoa de Jesus Cristo, e por beneficio pessoal, pois quebramoso materialismo. Através da cruz você ama as pessoas e usa as coisas. E renunciamos paracumprimos a maior missão que Jesus nos deu, que é o evangelismo mundial, a realizaçãoda ‗Grande Comissão‘. E você tem que saber renunciar. E ao que renunciar, meus queridos? A terras, pátria, nação , cidade, cultura ... Temos que renunciar a casa para sempre. Acasa é lugar de conforto. Põe na cruz. Temos que renunciar à família; aos bens materiais,que estão quebrando relacionamentos; à comida, veja a tentação de Cristo; à liberdade.Renunciar à liberdade, pois isso é renuncia de direito . E renuncia de direito é ter o direitode não ter o direito de ter direito! Renunciar à reputação, que é quando a sua personalidadeé ferida, ao dinheiro, ao nosso futuro, ao descanso e a roupas! Isso de imediato te livra das‗drogas‘ e te conduz à verdade! Esse é o perfil do crucificado com Cristo. Você está aquipara adquirir esse perfil, e você vai ser testado. Nós vamos fazer tudo para fazer vocêdesistir! Mas você não vai desistir porque você confia em Jesus, e Jesus fala sobre suaprópria cruz, e de quem não tomar a sua cruz! Eu tenho certeza, meus queridos que vocêsescolherão a Jesus, e repudiarão ao Diabo, e se recusarão a ir com ele para o Inferno. A pazdo Senhor esteja convosco !‖- E nesse momento todos aplaudiram e desejarammutuamente a paz um ao outro. Eu fiquei me questionando quanto ao discurso de renunciado Pastor Lima; posto que ele havia chegado no Centro, num carro luxuoso, e parecia ser

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bem de vida. Ele ainda contou a sua história de vida, relatando que era filho deprostituta e fora menino de rua. Oséias ficou encantado com ele após essa revelação.

Neste momento o Pastor Telles, iniciou a sua pregação, falando da homilética, a artede evangelizar, o ponto fundamental na vida de um convertido, segundo ele, era para eles,os internos, aprenderem a converter outras pessoas. E disse : -― Podemos aprender a

estrutura de um sermão, mas apenas com o passar dos anos na companhia do Senhor,teremos prática e experiência para pregar. Pregar é fundamental na vida de um convertido,não é coisa somente para obreiros e Pastores. Falar de Deus o tempo todo, também nosajuda a manter-mos nos distantes das ‗drogas‘ e de Satanás. Não podemos ir na casa deum irmão sem uma palavra; isso representa a arte de pregar o evangelho, a Palavra . Quantomenos tempo temos para falar de Jesus para uma pessoa, mais tempo precisamos depreparação. Um sermão de uma hora, levaria dois dias de preparo, um sermão de cincominutos levaria meses ou anos de preparo! Vivemos em plena era da comunicação, énecessário a homilética, mesmo que sejamos tocados a todo o instante pelo Espírito. É falarcom sentimento, pensamento e ação. Perguntar sempre ao outro que nos ouve, naqueleinstante em que Satanás recua ante nosso poder e o que permite que o outro nos ouça,

perguntar : ‗o que queres que eu te faça ?‘ Temos que usar sentimento, pois mesmo que oDiabo esteja no corpo de alguém estamos pregando para uma pessoa, e pessoas temsentimentos de culpa, expectativas de futuro, tristezas. E devo levar em conta os meuspróprios sentimentos com relação a isso, pois eles devem refletir a Palavra. Se possívelcolocar uma música de fundo, na hora de conversar com alguém, pois isso mexe com ossentimentos, vocês bem sabem pois isso é usado aqui. Temos que usar o pensamento, poisas pessoas com as quais me relaciono tem pensamentos; eu devo portanto saber que elastem conhecimento. E finalmente, a nossa vida prática fala mais que qualquer coisa. Não  posso dar uma palestras sobre ‗drogas‘ e depois estar num bar. Como não temos aoportunidade de viver tudo o que falamos, Jesus deve ser o centro, e seus testemunhos temque ser lógicos, por mais fantástica que tenha sido a tua batalha com o Diabo! Isso exige

preparo e preparo é o que vocês terão aqui. Não importa o seu Dom quando você manifestaos frutos do Espirito, que são o amor, que é um mandamento e cujo contrario é aindiferença. A chave do amor é a morte do ‗eu‘; quando você manifesta a Paz, que é umestado de espirito, contrário a angustia, e cuja chave é ‗descansar em Deus‖! E você nãopode levar as coisas ao pé da letra, isso é para os escribas, quando se fala em dar o dízimo,as pessoas logo pensam que é dar apenas dez por cento, mas não, é dar tudo. Vocês tem quedar tudo e fazerem as pessoas darem tudo para o Reino de Deus na Terra!

Houve então a finalização daquele debate, e os debatedores ficaram a nos observar,em fila, no ―Paredão‖, orando e recitando versículos, até que um a um íamos entrando parao refeitório, para almoçarmos.

Lá dentro o Irmão Lago ia apontando a cada um o lugar, a mesa e a cadeira, ondedeveriam ficar, para evitar, como me disse mais tarde a formação de grupos e a acepção de pessoas. Eu e Oséias como ―alunos novatos‖, ficamos numa mesa à parte, onde o IrmãoAurindo, dava os primeiros ensinamentos de como se comportar dentro do CERVIR.

Num determinado, momento enquanto almoçávamos, percebi que os demaisinternos estavam fazendo uma terrível barulho, gritando coisas ofensivas, contra a minhapessoa e a de Oséias. Perguntei ao Irmão Aurindo, se eles estavam de fato se referindo anós, e o irmão Aurindo disse que os internos agiam sempre assim com os ―novatos‖, que―os perdoássemos‖, posto que eles não tinham para conosco a misericórdia necessária, eque esta só Deus tinha.

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Após o almoço, fomos conduzidos em fila para o pavilhão, para―descansarmos‖ um pouco antes do trabalho. Ficamos deitados por uma hora, masimpedidos de dormir pelo obreiro que nos vigiava, até o momento em que tocou a sirene e,fomos ―convidados‖ a sair e nos prostramos defronte ao pavilhão da 1a fase. O Irmão Luísapareceu e trazia uma lista com o nome de todos os internos e as devidas tarefas que eles

deveriam realizar naquela tarde. Eu e Oséias fomos escalados para a rastelagem, junto comos idosos, o que gerou zombarias. O Irmão Luís designou um dos idosos para nos orientarno que deveríamos fazer. Ficamos assim, trabalhando, recolhendo as folhas que haviam aoredor do pavilhão por quase duas horas, e ouvindo as piadas dos demais internos, quequeixavam-se de estarem-se realizando tarefas pesadas. Durante todo o trabalho os obreirosnos diziam versículos bíblicos que deveríamos ficar repetindo enquanto trabalhávamos edurante todo o dia. Era necessário decorar os versículos, pois eram a ―senha‖ que davaacesso à alimentação.

Após o termino do trabalho fomos devolver as ferramentas. Eu notei que algunsinternos haviam guardado algumas delas dentro do pavilhão, o que era proibido, semdevolve-las ao almoxarifado.

Nos solicitaram então que tomássemos um banho rápido, pois teríamos aula de―batalha espiritual‖ com o Irmão Lago. Entramos no banheiro, onde estavam dispostosvários chuveiros coletivos, e tivemos que tomar banho ali, nus, diante dos internos quefalavam das feridas no corpo de Oséias e da minha magreza.

Oséias enquanto tomava o seu banho se viu envolvido em enorme confusão. Umoutro interno acuso Oséias de estar olhando para o seu pênis. Agarraram Oséias nobanheiro e chamaram o obreiro Abdias. Começou então uma intensa gritaria, por parte dosinternos e do obreiro, que sacudiam Oséias para lá e para cá, para liberta-lo do ―demônio dohomossexualismo‖. 

Após esse incidente, fomos conduzidos até a presença do Irmão lago, que dariaaulas de ―batalha espiritual‖. Lago começou a falar das ―drogas‖ demoníacas e usava do

fato ocorrido com Oséias, para indicar um tipo de comportamento demoníaco que as―drogas‖ induziam. O Irmão Lago, que como soube depois, havia sido militar, gritavarapidamente o seu discurso, passando velozmente por entre os internos. E gritava dessaforma para expulsar dali qualquer interferência diabólica. Enquanto ia de um lado para ooutro, algum dos internos ―manifestava‖, ou seja, caia no chão e se dizia outra pessoa, umdemônio qualquer, que tinha vindo perturbar a aula, falando dos prazeres do ―mundo‖ e das―drogas‖. Imediatamente o Irmão lago ia até ele e o sacudia violentamente, batia nele,gritando pelo nome de Jesus e ordenava que o espirito demoníaco fosse embora, o quegeralmente ocorria de imediato. Após isso o Irmão Lago explicava para todos os internos asconseqüências de se acreditar no Diabo quando ele falava dos ―prazeres do mundo‖ e das―drogas‖, que se resumiam no fim das contas em levar o indivíduo a morte, e fazia issoprincipalmente articulando o seu discurso com um tipo ideal de comportamento que ointerno deveria ter , que agradaria a Deus e também a família do interno, e a todas as outraspessoas que com ele iriam conviver após sua saída do Centro.

Após a aula, os internos deveriam se conduzir para o refeitório, que estava jáarrumado para servir de templo, e lá permaneciam orando e ouvindo os sermões do IrmãoLuís, do Irmão Abdias e do Irmão Aurindo, até a hora da janta, onde deveriam dizer osversículos decorados para obter a comida.

Após a janta, os internos eram conduzidos de volta até o alojamento, ondepermaneciam lendo a Bíblia , conversando sobre tudo que aconteceu durante o dia. Isso

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durava até as Oito Horas, quando a sirene tocava e eles eram conduzidos até orefeitório para mais um culto, ou para assistir a um filme. Retornavam ao alojamento àsvinte e duas horas, onde preparavam-se para dormir, ajeitando as camas e fazendo a higienenoturna. Após breve oração deitavam-se, exatamente meia hora depois.

Mas as luzes não eram apagadas, pois os obreiros revezavam-se, cuidando de que o

sono dos internos não fossem perturbados pelo Diabo. Os obreiros ficavam caminhandopelo pavilhão, olhando cada interno um a um. Quando algum deles, já dormindo, começavaa mexer os olhos, o obreiro o acordava e o convidava para ler a Bíblia e ouvir a Palavra deDeus. Eles diziam que faziam isso, para contra-atacar a ação do Diabo, que atuava atravésdos sonhos, ―estimulando maus pensamentos e desejos‖ nos internos. Quando os indaguei,de como sabiam quando o sujeito estava sonhando ou não, eles me disseram q ue ―quandoum indivíduo está sonhando ele mexe os olhos‖. E assim ia até o amanhecer, onde tudo recomeçava.

Uma Discussão sobre Religião –  Os aspectos “não racionais” da ação humana 

O interesse pela relação entre a religião e a modernidade esteve presente desde osurgimento da Sociologia. Augusto Comte e Karl Marx, apesar das numerosasdivergências, compartilhavam de uma concepção essencialmente racionalista dos homens edestacaram o caráter ilusório e projetivo do simbolismo religioso.

Nos diz Maria das Dores Campos Machado54 que

54 - Carismáticos e Pentecostais  –  Adesão Religiosa na Esfera Familiar  –  Maria das Dores CamposMachado – Campinas, SP : Autores Associados; São Paulo, SP : ANPOCS, 1996. 

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―Em nome de uma verdade científica, os dois se empenharam em‗desmascarar‘ e combater a dimensão ideológica da religião, defendendo a substituição dosvalores e normas religiosas pelas orientações seculares. Assim, tanto na lei comtiana dostrês estágios de desenvolvimento da humanidade quanto na tese marxista da alienaçãopodemos perceber que telos da história é a ‗sociedade secularizada‘55. ( Machado,1996: 14)

Segundo Machado, antes de mais nada, é importante lembrar que a religião ocupaum importante na obra de Durkheim e Weber. Segundo a autora , ambos comungam dopressuposto de que o pensamento religioso seria o ponto de partida do desenvolvimento dopensamento racional56. (Ib.: 14 ) , com algumas ressalvas para Durkheim 57.

55 -Segundo Leonildo Silveira Campos, durante os anos 60, o paradigma da. secularização teve uma enormeaceitação entre os estudiosos do fenômeno religioso. Esse modelo teórico pressupunha que a urbanização eraum processo irreversível e, sobretudo, secular. (... ) Tal paradigma, durante o seu período de hegemonia,impediu que muitos pesquisadores enxergassem o que hoje parece ser o óbvio, que a evasão do sagrado dosmoldes que pretendiam contê-lo - as instituições religiosas - para outras áreas da vida humana não é sinônimode desaparecimento e, sim, de transformação da religião. As anomalias nesse paradigma se exteriorizarampela presença barulhenta dos ―novos movimentos religiosos‖ de origens e inspirações varia das, dos

fundamentalismos cristãos, islâmicos, judaicos, com a explosão de movimentos pentecostais e dereligiosidades de inspiração africana na América Latina, inclusive a persistência dos cultos de santerias emCuba e reavivamento das igrejas cristãs naquele país, após 38 anos de regime comunista. (... ) A partir dessapercepção, o pentecostalismo deixou de ser encarado corno se fosse um mero estertor de uma religiãomoribunda, uma reação inútil diante de uma irreversível tendência universal à secularização e irreligiosidade,cuja plenitude se daria em uma sociedade ―madura‖, ―adulta‖ e « exatamente por causa da racionalidadecientífica (... ) Daí, o emprego, para se descrever o pentecosta1ismo, a despeito de todas as evidências,contrárias, de categorias como ―minoria cognitiva‖ , ―ignorância‖, ―religiosidade primitiva‖ e outras, cuja

 proliferação se dá em espaços marginais de uma sociedade a caminho da ―maturidade‖. ( Teatro, Templo eMercado : Organização e Marketing de um Empreendimento Neopentecostal  – Leonildo Silveira Campos –  Petrópolis, RJ : Vozes; São Paulo : Simpósio Editora e Universidade Metodista de São Paulo, 1997 )

56 - Para Machado, é inegável que Weber e Durkheim se inspiraram nas transformações sociais em curso nassociedades européias, sobretudo do declínio da autoridade das instituições religiosas. Mas seria injusto, nosdiz a autora, não reconhecer que ambos vinham engrossar as fileiras dos cientistas sociais que questionavamseriamente o racionalismo abstrato do iluminismo, preocupando-se com a dimensão ―não-racional‖ docomportamento humano. E foi justamente este tipo de sensibilidade, nos diz Machado, que permitiu aos doisretomarem, sob ângulos inteiramente originais, a relação entre a experiência religiosa ( as idéias e práticas ) ea sociedade moderna, resgatando o complexo papel da religião no desenvolvimento da consciência humana.Augusto Comte e Karl Marx, nos diz Machado, apesar das divergências, compartilhavam uma concepçãoessencialmente racionalista dos homens e destacaram o caráter ilusório e projetivo do simbolismo religioso, seempenhando em ―desmascarar‖ e combater a dimensão ideológica da religião, defendendo a substituição dosvalores e normas religiosas pelas orientações seculares. Giddens, segundo a autora, afirmaria que a dimensão―não-racional‖ do comportamento humano, seria muito mais emocional do que cognitiva, estando enraizadano próprio inconsciente humano. Assim, a ansiedade existencial, o medo e a desconfiança que impulsionamos indivíduos em direção à religião deveriam ser encarados mais como um resultado da supersensibilidadeemocional dos homens do que propriamente de sua irracionalidade. ( Machado, 1996 : 13-4 )57 - Segundo Pierre Sanchis, no Prefácio das   Regras do método sociológico, Durkheim não esconde sua

 preocupação ao constatar um ―tempo de renascimento do misticismo‖, mas expressa imediatamente — e emcontraposição —  sua ―fé no futuro da razão‖. É para contribuir ao advento deste futuro que ele empreende―estender à conduta humana o racionalismo científico‖, pois uma ―operação racional‖, espera ele, poderá vir um dia a ―transformar -se em regras de ação para o futuro‖. Parece, pois, que Durkheim, como A. Comte — aocontrário do que sugere R. Ortiz no   prefácio à edição brasileira das Formas elementares... São Paulo,Paulinas, 1989 —  acreditou num tempo em que ―a ciência‖ forneceria à sociedade os princípios normati vosde sua ação. Um nítido programa iluminista, positivista e laicizador do campo ético e político. Paralelamenteà sua obra científica, ele se lança então à missão construtora de uma sociedade laica, em que as representaçõescoletivas, cada vez mais racionais, seriam administradas às novas gerações por uma escola (a ―escola laica‖)

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Para Machado, Durkheim mostrou esta relação seminal por meio da noção derepresentação coletiva, que define a religião e expressa sua capacidade de classificação eordenação cognitiva do mundo. Com isso, Durkheim, segundo Machado, pretendeudestacar também a semelhança entre esta forma de pensamento e a lógica científica. Nesteesquema interpretativo o que explica as transformações no pensamento religioso e a sua

gradual substituição pelas proposições científicas são os fatores externos ao fenômenoreligioso, sobretudo a diferenciação advinda da divisão do trabalho social, em função damaior densidade e volume populacional. Já Weber, segundo Machado, tomou odesencantamento das imagens religiosas e metafísicas do mundo como o processo quegerminaria as modernas estruturas de consciência  — o ponto de partida da racionalizaçãocultural e social.58 Neste sentido, segundo Machado, Weber procurou explicar astransformações na esfera religiosa levando em conta não apenas sua própria lógica internade desenvolvimento, mas também os pontos de diferenciação e disputa com as outrasesferas da vida social.‖ ( Machado,1996 : 14 ) 

Na sociologia durkheimiana, nos diz Machado, o elemento que articula as coisassagradas com a sociedade é ―a atitude comum de respeito moral‖ desenvolvida entre os

indivíduos. Machado nos diz que Durkheim apoiando-se em uma concepção dual danatureza humana, afirma existir em cada homem uma consciência comum a todo o seugrupo e outra que representa o que ele tem de pessoal e distinto, e que faz dele umindivíduo. Para Machado, em Durkheim, a correlação de forças entre as dimensões social eindividual dos seres humanos teria se modificado na história da evolução da humanidade,resultando em pelo menos dois momentos distintos: um primeiro, em que a consciênciacoletiva recobriu totalmente a consciência dos homens, anulando qualquer possibilidade deindividuação; e uma fase posterior, marcada pela personalização crescente e autonomizaçãoda esfera da ação.59 ( Ib.: 15)

A base da vida social para Durkheim, segundo Machado, é a conformidade dosindivíduos a um determinado conjunto de valores e crenças que constituem a consciência

liberada do estorvo da religião . (...) Mais dez anos passam, e Durkheim escreve, enfim, as Formaselementares da vida religiosa. O ―frio moral‖ continua. A ―potência criadora de ideais enfraqueceu-se‖. Mastal situação ―não saberia prolongar-se‖. Aquele misticismo que anteontem merecia exorcismo é chamadoagora a manifestar-se e a se reafirmar. Mais ainda: ele está como que adorcizado: já desponta, já vem!...―Nossas sociedades portam nelas mesmas suas fontes de calor‖. ―Este estado de in certeza e de confusaagitação não saberia durar eternamente. Um dia virá!...‖‘0. É a proclamação da necessidade e da permanênciada ―religião‖. Mas de uma religião que não repita simplesmente as religiões do passado e, sobretudo, que nãopretenda anular a progressiva e definitiva investida triunfante da ―razão‖. ( Ainda Durkheim, ainda areligião  –  Pierre Sanchis. In : A Religião numa sociedade em transformação / Francisco Cartaxo Rolim( org. ) . - Petrópolis, RJ : Vozes, 1997. )

58 - Para Machado, Habermas identificaria um certo evolucionismo lógico nesta relação. Na opinião de

Habermas, segundo Machado, Weber analisa o processo de racionalização em função de dois níveisdiferentes: o da ―racionalização das imagens do mundo‖ e o da ―racionalização social‖. Mas estes níveispoderiam ser traduzidos em termos de jornadas da racionalização, constituindo o segundo um desdobramentoda jornada cultural. O resultado deste evolucionismo seria o ―empobrecimento‖ da concepção deracionalidade quando Weber transita da dimensão cultural para a dimensão societal do processo deracionalização. A ênfase nos aspectos instrumentais da racionalidade humana em detrimento daqueles maissubstantivos resultaria deste ―estreitamento conceitual‖, desdobrando-se na tese do caráter paradoxal doprocesso de racionalização, equivocadamente reduzido à experiência histórica da modernização capitalista. 59 - Demarcando esses momentos constitutivos das sociedades tradicionais e modernas, estaria a divisão socialdo trabalho. 

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coletiva. Para Durkheim, nos diz a autora, a religião é o elemento gerador dessaconformidade nas sociedades. Os valores e crenças religiosas orientam as condutas efavorecem o estabelecimento de uma disciplina moral entre os indivíduos, constituindoassim a principal fonte de coesão social. A solidariedade mecânica resultante docompartilhamento total das crenças e sentimentos religiosos liga o indivíduo diretamente à

sociedade, dispensando qualquer intermediação. E sua força aumenta na medida em queestas crenças superem em número e intensidade aquelas de caráter estritamente pessoal.Numa palavra: seu poder cresce na razão inversa da personalidade individual. ( Machado,1996 : 15 )

―Só a especialização ocupacional veio desencadear o processo de personalização,reduzindo o espaço da comunidade nos homens e permitindo o pleno desenvolvimento daconsciência individual. Nas sociedades tradicionais ‗o indivíduo não se pertence‖. sendoliteralmente uma coisa de que a coletividade dispõe. Mas quando a divisão do trabalhosocial se mandesta, o elemento decisivo para a união dos homens passa a ser justamente adiferença entre eles. A sociedade se torna um sistema de funções distintas e específicas,

unidas por re ações cefinidas, que alceram o caráter da dependência dos indivíduos emrelação a ela. Nesta fase, os individuos dependeriam da sociedade porque dependeriam daspartes que a compõem, dando um caráter mais orgânico aos laços de solidariedade.Diferentemente da forma mecânica anterior, este novo tipo de solidariedade não implica aabsorção total da personalidade individual pela coletiva. Na verdade, sua condição deexistência é a própria individuação  —   ou seja, a autonomização da esfera de ação.‖( Machado, 1996 : 15 - 16 )

Baseada em Lukes, Machado nos dirá que em Durkheim, a transformação dasolidariedade mecânica em orgânica acarreta portanto a contração da consciência coletiva,deixando a descoberto uma parte da consciência individual, para que se estabeleçam asfunções especiais que ela não pode regulamentar. Sendo assim, o domínio da religião sereduziria mais e mais na passagem para a modernidade, diminuindo progressivamente o

conjunto das crenças e sentimentos de caráter sagrado. Mas a consciência coletiva nãoperde apenas em intensidade e determinação: seu conteúdo também se modifica, tornando-se cada vez mais secular. Orientada ―para o mundo humano e racional‘, esta consciênciadeixa de ligar o valor supremo com a sociedade e o interesse coletivo, e o desloca emdireção ao indivíduo (Machado, 1996 : 16). Mesmo que a origem, expansão e sucesso deuma igreja como a Igreja Universal do Reino de Deus, seja atribuída a uma administraçãoracional e ao ―marketing‖ do sobrenatural, seus membros jamais admitiriam isso. Pelocontrario, a própria Igreja enquanto instituição racionalmente administrada reflete, segundoos Pastores, o sobrenatural, o Plano de Deus.

― – Não foi nenhum homem, nenhum pastor, que planejou tudo isso aqui para

vocês, tudo aqui no CERVIR foi planejado por Deus, e isso muito antes do mundo sercriado. Tudo faz parte do plano de Deus.‖ Irmão Lago, do CERVIR.

―- Atribuo à ação do Espirito Santo o crescimento da Igreja. Não se trata demarketing bem feito, boa administração, nem mesmo outra razão humana. É ação doEspirito Santo mesmo!‖ ( Bispo Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus )60 

60 - Segundo Leonildo Silveira Campos (1999) , esta frase foi formulada por Edir Macedo, por ocasião dacomemoração do 19o aniversário da Igreja Universal do Reino de Deus, em julho de 1996, cf. FolhaUniversal, 7.7.96 

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Segundo Machado, ao definir a religião em termos de consciência coletiva,enfatizando a dimensão do pertencimento, conformidade e compromisso moral, Durkheimse afasta da tese da superação total dos símbolos e signos religiosos pela ciência. A autorasalienta que a tradução do processo de diferenciação ocupacional em termos dofortalecimento da personalidade individual permite a ele apontar a nova forma de equilíbrioentre as dimensões social e individual, mas também identificar o que restaria de sagrado nomundo moderno. ( Ib.: 16 )

Para Machado a preocupação crescente com a dignidade pessoal indica umaárea onde a consciência comum consegue ainda ser forte e poderosa: a esfera dos valoresem torno do indivíduo. Assim, princípios como justiça social e igualdade de oportunidadesadquirem um caráter sagrado na modernidade e constituem o sistema de crenças de umanova consciência coletiva: o individualismo ético.   Machado nos diz que Durkheim, em ―OIndividualismo e os lntelectuais‖, Durkheim61 se esforçaria em defender esta nova moral,afirmando: ―Uma semelhança verbal pode fazer crer que o individualismo derivarianecessariamente de sentimentos individuais, portanto egoístas. Na realidade, a religião do

indivíduo é de instituição social como todas as religiões que se conhecem, é a sociedadeque nos determina este ideal, como Único objetivo comum que possa atualmente unir asvontades. Tirem-no-la, sem contudo nada nos darem em troca, e precipitaremos nessaanarquia que queremos precisamente combater‖. ( Ib.: 16 ) Vale porém salientar que, para oProtestantismo Autônomo, o indivíduo é valorizado, enquanto indivíduo que é antes detudo um cristão. Sua individualidade esta garantida a partir do momento em que seenquadra numa dada concepção de individualidade, que tem por base uma generalidade, oser igual a todos os demais irmãos em Cristo. Max Stirner, em sua crítica a Feuerbach,elaborada em seu livro O Único e a sua Propriedade, realiza um ataque ao ―homem‖ comouniversal substancial e ―ser genérico‖. Eu, enquanto evangélico tenho que ser algo além demim mesmo, tenho que ser um ―eu essencial‖, ―ideal‖, valorizado pelo atributo de ser evangélico, para além do meu eu contigente e inessencial. Quando não sou cristão, estou

amaldiçoado, o que significa que, o que habita em mim, enquanto consciência do meu próprio ser, é o Diabo e/ou os seus demônios. Sou portanto ―apenas‖ um corpo, ―carne‖, edevo, para a minha ―libertação‖, passar por um processo que inclui violência física,psíquica e moral.62 

61 - Texto extraído por Machado da obra As formas elementares de vida religiosa : o sistema totêmico naAustrália / Émile Durkheim; - São Paulo : Ed. Paulinas, 1989; pp. : 246.

62 - Para Leonildo S. Campos, Troeltsch ( 1960 ) realiza uma distinção entre ―igreja‖ e ―seita‖. Igreja seriauma instituição que foi, como resultado da obra de redenção, dotada de graça e salvação, podendo receberas massas, e ajustar-se ao mundo, enquanto seita, é uma instituição formada de voluntários, composta decristãos, rigorosos e explícitos unidos entre si pelo fato de todos terem experimentado um novonascimento. ( Campos, 1999 ) Este autor verifica ainda que, alguns estudos elaborados no Brasil, desde

o final dos anos 60, os estudos sobre o pentecostalismo utilizaram-se do termo ―seita‖, para designar umgrupo que se afastava da sociedade, e ―igreja‖, para o movimento inverso de interação social entre ogrupo religioso organizado e a sociedade que o contém; e salienta que o termo ―seita‖ é utilizado tambémcomo conceito-arma, instrumento de luta, usado para desmascarar os fenômenos religiosos nãoassimiláveis dentro das fronteiras estabelecidas pela ortodoxia das instituições religiosas.( Campos, 1999 ) Nos referimos ao CERVIR, nesta monografia, enquanto ―seita‖, nos apropriando dosconceitos de seita, e seita destrutiva, utilizados por Alvaro Roriguez e Sergio Gonzalez, em seu livroFenomeno Sectario Y Drogodependencia : ― O termo seita etimologicamente se refere a um conjunto depessoas que professam uma mesma doutrina. Mas propriamente se aplica a comunidades religiosasminoritárias separadas de uma confissão já afirmada, ou o que é o mesmo, segregadas de uma religião

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Segundo Machado, a substituição da categoria de consciência coletiva pela noção derepresentação coletiva toma ainda mais evidente a posição de Durkheim, quanto ao papeldas idéias religiosas na modernidade. De um lado, nos diz a autora, demonstram o carátereterno da necessidade de representações e, por assim dizer, da religião; de outro, apontam atransformação ao longo da evolução humana do objeto representado, e o surgimento denovas representações, ou seja, a sacralização de novos princípios ordenadores. EmDurkheim, segundo Machado, a idéia de representação coletiva traz o reconhecimento dafunção especulativa desempenhada pela religião, paralelamente à de caráter moral. Estapercepção da duplicidade de funções permite distinguir os domínios da razão científica dosmitos religiosos, e ainda estabelecer prognósticos sobre o espaço da religião namodernidade. A origem religiosa das noções cientificas é clara em Durkheim, para quem o―pensamento científico é uma forma mais perfeita do pensamento religioso‖, sendoportanto natural a sua expansão até a substituição total da religião, no desempenho de suasfunções cognitivas e intelectuais ( Ib.: 17 ).

Entretanto, salienta Machado, em Durkheim, mesmo que o encolhimento sejairreversível e a função especulativa lhe escape cada vez mais, restará ainda um espaço para

esta forma de representação. Afinal, para Durkheim, nos diz Machado, a ciência ―nãopoderia substituir a religião enquanto ação, enquanto meio de fazer os homens viverem,porque, se ela exprime a vida, não a cria; ela pode perfeitamente procurar explicar a fé, mas por isso mesmo ela a supõe‖.  ( Ib. : 17 )63 

Em outras palavras, a ciência pode contestar a competência da religião para ―dogmatizar sobre a natureza das coisas‖, mas não lhe pode negar o direito de desenvolver sua funçãoprimordial, de dar forças aos homens para suportar e superar as dificuldades da vida. Areligião sobrevive: suas funções é que se redefinem no curso da história (lb.: 17 ). 64 

Machado, aponta para o fato de que em Durkheim, a noção de efervescência coletiva

matriz. Em favor de uma visão que não outorgue hegemonia ao aspecto religioso das seitas se impôs porparte da maioria dos autores o uso do termo ‗seita destrutiva‘, precisamente pelas conseqüências

destrutivas que o pertencer a tais grupos pode provocar aos seus membros e ao seu meio. (... ) Seconcordou definir, uma seita destrutiva como ‗um movimento totalitário, apresentado sob a forma deassociação ou grupo religioso, cultural ou de outro tipo, que exige uma absoluta devoção de seusmembros a alguma pessoa ou idéia, empregando técnicas de manipulação, pressão e controle destinadas aconseguir os objetivos do líder do grupo, provocando em seus adeptos uma total dependência do grupo,em detrimento de seu meio familiar e social‘.‖ (Fenomeno Sectario Y Drogodependencia  –  AlvaroRodriguez – Sergio Gonzalez – Publicaciones de GRUP IGIA – Barcelona, fevereiro, 1989. ) 

63 - Machado, neste ponto, nos trás uma enriquecedora citação de Durkheim : [...] a verdadeira função dareligião não é nos fazer pensar, enriquecer nosso conhecimento, acrescentar às representações que devemos àciência, representações de outra origem outro caráter, mas nos fazer agir, nos ajudar a viver. O fiel quecomungou com o seu deus não é apenas homem que vê verdades novas que o incrédulo ignora: homem que

 pode mais‖  ( DURKHEIM, 1989: p. 493).‖ Texto extraído por Machado da obra As formas elementares de

vida religiosa : o sistema totêmico na Austrália / Émile Durkheim; - São Paulo : Ed. Paulinas, 1989.64 - Cecília Loreto Mariz, salienta que, Peter Berger, assim como Durkheim, argumenta que o vacilar domundo social e da cultura gera anomia e ameaça a integridade do indivíduo. A cultura ( e aqui está inclusa areligião ) oferece não apenas instrumento de sobrevivência material, mas principalmente um sentido para avida e para a morte. Baseado em Durkheim, Berger afirma que o indivíduo pode preferir a morte para escaparda anomia ( suicídio egoísta ) e lembra que os heróis e mártires são aqueles que morrem por seus valores, ouseja, pelo ―nomos‖ ( suicídio altruísta ). Para Berger o pior terror para a humanidade seria a falta de sentido; aanomia e a loucura seriam pior do que a morte. ( Peter Berger : uma visão plausível da religião  – CecíliaLoreto Mariz, In : A Religião numa sociedade em transformação / Francisco Cartaxo Rolim ( org. ).Petrópolis, RJ; Vozes, 1997. ) 

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vem mostrar como novas representações podem surgir e se difundir, despertando aatitude de respeito típica das coisas sagradas. Usada tanto para denominar a experiência de―frenesi‖ grupal nos rituais dos aborígenes australianos quanto para as as sublevações dasmassas francesas no ano de 1789, assinala a importância da intensa atividade grupal nacriação e sacralização das novas representações. ( Ib. : 17 ) 65 

Para Machado, Durkheim encontra-se ciente dos componentes não-racionais docompromisso religioso, posto que analisa a efervescência coletiva vivida no períodorevolucionário como um sinal de revitalização do sagrado. Afinal, novos símbolos como aliberdade e a razão surgiram e foram glorificados, e o ciclo de festas instituído assumiu olugar dos cerimoniais e ritos cristãos.66 Segundo Machado, Durkheim, traduzindo o caráterreligioso dessa experiência em termos da forte atividade coletiva que criou novasrepresentações, reconhece o poder da consciência religiosa, deixando-nos algumas pistaspara a compreensão do reavivamento religioso na modernidade. ( Ib.: 18 )

Segundo Machado, a proposição weberiana da diferenciação e autonomia dasesferas de valor também nos remete ao problema da relação entre a racionalidade técnico-científica predominante nas sociedades modernas e aquela de caráter substantivo, oureligioso, que a fundou.67 Se Durkheim, nos diz Machado, havia destacado o

cosmopolitismo e a liberdade de crenças como características da sociedade moderna, em

65 - Segundo Cecília Loreto Mariz, Berger nos diz que a religião, ao oferecer à realidade construídasocialmente um status sagrado e transcendental, vem sendo ao longo da história ― o instrumento legitimador mais amplo e efetivo‖. Entre as formas da religião manter o status quo seria, através da integração dasexperiências marginais ao nomos. A religião busca explicar e dar sentido a esse tipo de experiências por vezesatribuindo a elas um status religioso superior. Um exemplo desse processo seria a interpretação religiosa dasexperiências de êxtase, de transe ou dos sonhos, entre outras. Quando religiosamente integradas, essasexperiências reforçam a religião e a realidade social, mas, quando não possuem uma interpretação religiosa,essas experiências ameaçam ambas. Nesse modelo de análise a ameaça à ordem social parece virfundamentalmente de experiências subjetivas. Essas, no entanto, podem ser grupais. Berger cita a guerracomo exemplo de uma situação marginal grupal. ( Peter Berger : uma visão plausível da religião  – CecíliaLoreto Mariz, In : A Religião numa sociedade em transformação / Francisco Cartaxo Rolim ( org. ).Petrópolis, RJ; Vozes, 1997. ) Que pensar então da situação de guerra interna no CERVIR, senão comoexemplo de uma situação marginal grupal. 66 - Texto extraído por Machado da obra As formas elementares de vida religiosa : o sistema totêmico naAustrália / Émile Durkheim; - São Paulo : Ed. Paulinas, 1989; pp. : 506. 67 - Segundo Leonildo Silveira Campos, para Giddens a propalada  pós-modernidade ainda não chegou, mastende a se tornar hegemônica na cultura mundial, principalmente naquela veiculada pela mídia, um estilo devida que era, até então um fenômeno localizado. A sua chegada nas várias regiões do mundo, nos dizCampos, vai provocando o desencaixe dos sistemas sociais e uma posterior reordenação das relações sociais,influenciadas pela entrada contínua de novos conhecimentos. Trata-se do desencaixe e desmantelamento deculturas tradicionais diante do processo de globalização. (Teatro, Templo e Mercado : Organização eMarketing de um Empreendimento Neopentecostal – Leonildo Silveira Campos – Petrópolis, RJ : Vozes; SãoPaulo : Simpósio Editora e Universidade Metodista de São Paulo, 1997 ) Isso pode lançar a luz a umfenômeno que ocorre no CERVIR. Em nossa sociedade atual, há uma busca do divino dentro das pessoas,

aliado a uma idéia antiga de que o divino não pode ser atingido exclusivamente pelas vias tradicionais, comoa própria Igreja. Fala-se de atingir o divino através de estados alterados de consciência, tais como,experiências transpessoais , por meios extrasensoriais, recursos como meditação, concentração e outrosmais. O CERVIR assimilou em seus dogmas, a concepção de que o divino e/ou o demoníaco podem estar nointerior do ser humano, pois seus internos ―incorporam‖, tanto anjos quanto demônios, mas desenvolveu suaspróprias técnicas, questionáveis pelo fato de serem opressivas, de provocar êxtases, visando despertar, mesmoque coercitivamente, sentimentos, ora de busca interior de Deus, ora de exorcismo do Diabo, mesclado comum rompimento com a tradição ocidental e cristã, quanto ao uso de expressões e práticas religiosas,diretamente vinculadas ao candomblé, que tornam a visão de mundo do discurso do CERVIR, uma visão demundo e um discurso enviesado por esta religião. 

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que o poder da esfera religiosa declina continuamente, Weber, segundo Machado,descreve esta situação como uma fragmentação das visões de mundo e o estabelecimentode um novo politeísmo, em que os deuses e profetas cederam o lugar aos valores seculares68 ( Ib.; 18 ).

Segundo Machado, nas sociedades tradicionais, organização social e cultura se

confundem, expressando um tipo de ―racionalidade substantiva, em que os agentes sociaisse orientam a partir de valores essencialmente religiosos‖. Para esta autora, são ―asconcepções religiosas que informam ou dão significado às ações humanas‖. Mas o processode modernização da sociedade ocidental, salienta a autora, indica ―uma diferenciaçãoestrutural entre cultura e sociedade que deslocaria as tradicionais imagens religiosas domundo‖. Esta diferenciação, para a autora, se manifestaria na ―autonomia da ciência, arte emoral, como esferas de valores com lógica própria e muitas vezes conflitante com asdemais. Mas tem também um caráter paradoxal, expressando ao mesmo tempo asecularização da sociedade e o surgimento de uma forma singular de politeísmo. Assim,depois das fases intermediárias marcadas pelas crenças iluministas e pelo utilitarismo,chegamos à era em que ‗as diversas ordens de valores se defrontam no mundo, em luta

incessante‘, deixando os homens sem um significado para a sua existência. A metáfora dagaiola de ferro expressa a condição daqueles que se tornaram livres dos deuses cristãos,mas se deixaram dominar por novos deuses e demônios. Afinal, a sociedade moderna temas suas próprias divindades e, uma vez manipulados, tais valores aprisionam aqueles quenão têm consciência da impossibilidade de conciliá-los em seus pensamentos e ações.‖( Ib.: 18 )

Para a autora, neste sentido, ―enquanto na teologia Deus é o único responsável pelasdecisões fundamentais, a racionalidade científica vem impor a divinização do agentetécnico, encarregado do planejamento e coordenação das atividades. O interessante é que aciência se origina de um processo de racionalização das imagens religiosas que segue alógica dialética, mas, uma vez delineada, ela nega o aspecto racional da religião,

‗empurrando-a para o reino do irreal‘. Só que neste caso o conflito não se limita ao campocognitivo, deixando espaço (como pensava Durkheim) para uma relação decomplementaridade. Não: a tensão entre a racionalidade substantiva do pensamentoreligioso e a racionalidade essencialmente instrumental da ciência é radical e insolúvel. Aconsciência da relativização e privatização das questões éticas acabou por afastar Weber dequalquer expectativa otimista, como a manifestada por Durkheim, que via nodesenvolvimento científico a chance de uma intervenção planejada e corretiva da sociedademoderna. As teses de Weber sobre a modernidade são marcadas por ceticismo e resignação.  

Até porque, na sua visão, o conhecimento empírico-racional poderia no máximo fornecerao homem moderno elementos para suas avaliações, mas a tomada final das decisõesescaparia inteiramente à sua esfera de competência.‖ ( Ib. : 19-20 )

Machado, finalizando seu raciocínio a cerca dos aspectos ―não-racionais‖ da açãohumana, nos diz então :

―Assim, enquanto Durkheim traduz sua insatisfação com a modernidade em termosde um vazio moral, e apresenta a reafirmação do sagrado sob a forma do individualismoético como um meio de vencer a anomia social, Weber reconhece a lógica contraditória do

68 - Texto extraído por Machado da obra Ciência e Política : Duas Vocações – Max Weber  – São Paulo,Cultrix, 1968; pp. : 41.

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processo de racionalização e a pluralidade de éticas nas sociedades industrializadas,mas declina da responsabilidade de apontar soluções, mostrando que cabe a cada homemindividualmente a opção por uma delas ou a tentativa de dosar seus elementos em umacombinação equilibrada (... ) A noção de carisma tem aqui uma enorme importância: elaexpressa a possibilidade de que algo inteiramente novo ou inesperado possa ocorrer no

processo histórico. Para Weber, carisma denota a qualidade extraordinária de um profeta oulíder capaz de agregar um conjunto de discípulos em comunidades ou movimentos de fortecaráter emocional, expressando demandas normativas que dificilmente seriam aceitas semtais qualidades. Assim, embora não determine o mecanismo exato pelo qual o carismaopera em um líder ou seus seguidores, Weber assinala a dimensão não-racional docomportamento religioso das comunidades carismáticas. E o que é mais importante para opresente trabalho: ainda que este carisma tenda a se rotinizar com o tempo, institucio-nalizando os grupos religiosos ou movimentos políticos, Weber reconhece que osurgimento de comunidades em torno de grandes líderes tem sido um fenômeno recorrentena história da humanidade.‖ ( Ib.: 20 ) 

O Tratamento no CERVIR

Eu havia decidido acompanhar Oséias até o CERVIR, desde o momento emque ele havia optado pelo ―tratamento espiritual‖ oferecido pelo Pastor Heber. Eu iriadescrever o processo do ―tratamento espiritual‖ lá oferecido para dependentes depsicoativos, comparando os discursos e as práticas dos Pastores no Centro, com os relatosdos menores que eu sabia existirem lá e de outros internos. Comuniquei a minha idéia aoPastor que me disse :

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―- A ‗fazenda‘ é um bom lugar, você vai poder observar como realizamos a‗libertação‘ de um sujeito das garras do Diabo, através da ‗batalha espiritual‘. Mas vouavisa-lo que você vai ouvir e ver coisas estranhas, sobrenaturais. Mas vai ser bom paravocê, porque Deus tem um plano para a sua vida. Vai ver em ação o poder de Deus contra

Satanás.‖ 

Passados quinze dias no CERVIR, desde a minha chegada, eu estava sentindo dorese cãibras insuportáveis pela abstinência do Rivotril ( Clonazepam, 2 mg, indicadoisoladamente ou como adjuvante no tratamento das crises epilépticas e para, como era omeu caso, tratamento do distúrbio do pânico, segue em anexo cópias da receita. ) e fuilevado para um pronto-socorro em Camaçari. O médico de plantão me indicou omedicamento, na quantidade de três caixas. A receita me foi entregue pelo médico e depoisna saída do hospital, o Obreiro que me acompanhava me conduziu até uma farmácia ondecompramos a referida quantidade do medicamento. Voltamos para o CERVIR. O

medicamento foi entregue ao enfermeiro e eu jamais tive acesso a ele. Mais tarde, um dosinternos, que chamarei de Carioca, me disse que o medicamento que havia sido adquiridopara mim, estava sendo distribuído para outros internos, em troca da promessa de bomcomportamento, dinheiro e favores sexuais. Carioca me disse que não ―me grilasse‖ comaquilo, pois era comum, ―usar os alunos para irem nos centros médicos conseguir drogas, asmais variadas,  para atender a alguns alunos ‗abençoados‘‖. Fiz amizade com Carioca, queveio a ser o meu principal informante do que acontecia no CERVIR.

Carioca tinha aproximadamente quarenta anos e estava se refugiando no CERVIRpor roubo a mão armada realizado no Rio de Janeiro, no qual quase havia matado umapessoa. Mas era muito inteligente, falava fluentemente e tinha escolaridade secundária. Eledisse ter gostado de mim e de Oséias, porque ele havia sido menino de rua.. E Oséias havia

dito a ele, coisas boas a meu respeito. Depois de longas conversas, tornou-se meu amigo eciente de que eu pretendia realizar uma pesquisa de como era o tratamento no CERVIR,passou a me ajudar, relatando-me muitos fatos importantes.

― –  Tem coisas  – me disse Carioca, enquanto podava os galhos da árvore e eu iaajuntando as folhas - que acontecem aqui, que você deveria saber.‖ 

-  O que por exemplo ?-  Muitas coisas. Olhe para aquele velho ali. O chileno. Você não imagina como

elechegou aqui. Não foi nada impressionante, pois é quase uma rotina. Ele estava noPelourinho. Bebendo, fumando, conversando com as mulheres. Foi o que ele me contou.Passou da conta e ficou embriagado, carregando uma sacola enorme para lá e para cá. Foivisto pelo Aurindo e pelo Abdias, que estavam com a kombi, pela área, procurando alguémpara trazer para cá. Sabe, o pessoal que fica nas ruas...

-  O que o pessoal do CERVIR faz com as pessoas da rua ?-  Eu já disse. Trazem elas para cá. E trazem mesmo que elas não queiram, como

foio caso dele. Trouxeram o cara, e quando ele voltou a si no outro dia, já estava aqui. Ele éfichado na polícia chilena, por roubo. Cumpriu pena e foi liberado. Mas foi ameaçado pelopessoal aqui do Centro.

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-  Ameaçado como ?-  Disseram a ele que podiam incrimina-lo por qualquer motivo. Motivo é fácil de

inventar. E o cara não tem ninguém aqui no Brasil, só uns conhecidos no Rio e São Paulo,que não são uma boa referência. Gente que lida com drogas. Os pastores mapearam a vidado cara "todinha". Ele tem uma filha na Itália, mas eles não se falam a um bom tempo.

-  Como conseguiram fazer isso ?-  Doparam o cara e ele falou muita coisa. E depois foi só os Pastores usarem oseus que ele havia dito. Os Pastores além disso tem muitos contatos ... que seaproveitaram do que ele disse.

-  Quer dizer que eles trazem as pessoas à força para cá ?-  Não todas. Tem gente aqui, que tem uma certa condição. Filhos de crentes que

se envolvem com drogas. O Pastor pressiona a família para trazerem para cá. As pessoas daIgreja também. A família pressiona a pessoa. E aí, no primeiro ―aperto‖, na primeiradificuldade, o cara caí na história de recuperação. Lá fora, nas Igrejas, se fala muito daquicomo lugar de salvação. Certo que alguns abandonam o vício, mas o resto é conversa.Ganha-se muito por cada cabeça que está aqui. O   Nadson, o cara que é o ―chefe‖ dos

alunos da primeira fase é destes. É por isso que ele tira onda com a cara de todo mundo. Afamília paga uma nota para ele ficar aqui. Quando ele não fica aqui, fica em Jequié. Temmuitos ―piolhos de reformatório‖ aqui, gente que nunca se recupera, e que fica um tempoem um reformatório, depois vai para casa, faz besteira de novo, volta, vai para outro.

-  Quem mais está aqui, igual a ele ?-  O Abel. Ele é músico. Cantor de banda de axé, que se converteu. Vivia no

carnaval consumindo heroína e transando com tudo que era mulher. Querem que elecomece a tocar numa banda evangélica. Mas o cara é pervertido, fica querendo ―labiar‖ ascrentes na Igreja que freqüenta e volta sempre a se picar.

Eu desconhecia a existência de heroína aqui em salvador. Cocaína era bem comum.Mas imaginei que não seria impossível no meio artístico.

-  E o resto do pessoal ?-  Tem gente que é louca, que perambula pelas ruas. Tem gente que vive deesmolas.

Tem gente que é velho e que a família nem liga. Aqui encontram abrigo, comida e quem osproteja da polícia, pois a maioria está devendo. A maioria já foi em cana, e isso aqui é umparaíso perto de onde vem. Mas o pior são os mais jovens. Eles acreditam mesmo nessepapo de Jesus. Alguns viram fanáticos aqui dentro. Teve um ―carinha‖ aqui, menor deidade, que era tão alucinado, que acordava de noite e esmurrava os vidros da janela,dizendo que o Diabo "tavá" atrás dele. De vez em quando levavam ele com os punhosrasgados para Camaçari. A família dele não é de crente. Descobriram que ele estava aqui evinheram busca-lo. Foi a maior confusão porque o cara não queria ir, os Obreiros nãoqueriam deixar a família levar, mas o Irmão Luís terminou por liberar para não terconfusão. Então, certos de que o rapaz havia passado por uma ―lavagem cerebral‖ e quenão estava girando bem da cabeça, sua família e seus amigos decidiram carregá-lo à força.Dias depois, não é que o cara voltou! O cara disse aos pais que eles não podiamcompreende-lo, que ele tinha encontrado a verdade. Que agora tinha um objetivo. Quequeria trabalhar, estudar a Bíblia e amar aos outros. Para ele, isso aqui era a famíliaperfeita. Ficava o tempo todo, quando a gente dizia que ele estava vacilando, perguntandose a gente conhecia a diferença entre o bem e o mal. Se a gente conhecia Jesus. Se a gentegostava do mundo do Diabo, lá fora. O mesmo papo que os Pastores jogaram na cabeça

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dele desde que o encontraram.Não culpo o cara. O cara tinha problemas para se relacionar com os outros. "Tavá"

mal com a família. E tinha muitas perguntas. Os Pastores adoram gente assim. Só aqui eleconseguia ser um pouco simpático e, sorridente. Aqui ele ficava calmo, andando atrás dosPastores para lá e para cá. Os Pastores viviam falando dos problemas dos jovens, do futuro,

do desemprego e, depois, do amor que deveria existir entre as pessoas.Um dia discutimos. Ele queria ser obreiro nos acampamentos que os evangélicosmontam, nos matos, para se reunirem e ficarem rezando e fazendo um culto atrás do outro.Eu não queria que ele deixasse a escola e achava a idéia dele besteira. Quando ele voltoupara cá os pastores trataram logo de mandar ele ir para outro Estado. E nos disseram paraficarmos calados quando a família dele chegasse. E foi o que a gente fez. Ninguém queriaser preso por causa de um idiota. O pastor Heber, pode fazer qualquer coisa conosco, pois éligado aos políticos de Camaçari e Lauro de Freitas e também é ligado a polícia. Vocêprecisa ver como tratam ele, mas o cara é cheio da grana. Se pegam a gente lá fora, semautorização, podemos até morrer.

-  Indaguei a Carioca se ele acreditava em Deus e ele me disse que não, dando

risadas da minha surpresa. Refletindo sobre o que ele havia me dito percebi que os Pastorestinham muita habilidade para persuadir alguém para os seus objetivos. Nenhuma palavra,ao encontrarem um jovem, sobre o tão venerado missionário Loren Cunningham, ou osobjetivos políticos-religiosos do CERVIR e da JOCUM. Fala-se de Jesus, de amizade, deamor, de calor humano. Aproveita-se da solidão, do abatimento, da confusão sentimentaldos jovens à procura de ideal, revoltados contra uma sociedade injusta e inumana ousimplesmente sem trabalho, desempregados. Depois de vir a um centro de recuperaçãocomo o CERVIR, a armadilha se fecha suavemente, e o dependente de psicoativos nãopode sair dela com facilidade. Carioca me relatou como haviam atraído o jovem:

-  ―Primeiro, ele foi levado à uma reunião da ADHONEP, para assistir um

testemunho do pessoal ‗de mais condições‘. Um grupo de jovens ofereceu paraele chá com pãezinhos de queijo. Ficaram em volta dele. Quando ele chegou lá,se sentiu, muito importante. Eu já fui para uma reunião de testemunho também.Todos se ocupam com você. Você se torna alguém. Perguntaram a ele se eleconhecia os Salmos, eles começam por Provérbios ou pelos Salmos. Depoiscantaram, e ele foi estimulado a acompanhar. Umas garotas tocavam violão. Eleme disse que gostou. Que era um am biente muito quente, muito simpático.‖ 

As reuniões de testemunho de Igrejas e de organizações como a ADHONEP,oferecem, dessa forma, a pessoas solitárias, que estão morrendo de fome, frio, ou outrasnecessidades, a amizade calorosa de grupos de iniciados, onde cada um é acolhido e

reconhecido, onde todos participam. Só depois é que aparecem as razões ―doutrinais‖ quemotivam a adesão ao CERVIR; e no CERVIR, a pessoa é levada a adesão a JOCUM.Estes raptos seguidos de ―aliciação espiritual‖ dá-se tanto em lugares públicos,

quando se trata de pessoas de uma classe mais baixa, como em ruas, praças etc. Já quandoo indivíduo vai ao Centro de Recuperação voluntariamente, ocorre em locais privados pre-feridos pela JOCUM, geralmente nos cultos nas igrejas, ou nas reuniões da ADHONEP, esegue verdadeira estratégia elaborada pelos organizadores das diferentes organizações, quesão interligadas. De acordo com técnicas aprovadas de publicidade e de marketing ,  seusmétodos de proselitismo tomam em consideração o alvo, o público, os jovens, o meiosocial; e depois, a transação publicitária, a melhor maneira de ―vender‖ sua ―mercadoria‖,

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que é o ―tratamento espiritual‖, seguido de uma seleção e orientação para o trabalhomissionário, utilizando representantes cuidadosamente preparados, que saibam responder às―necessidades‖ do ―cliente‖ dependente de psicoativos : Geralmente ex-viciados.

Muitos dentre os dirigentes destas organizações compreenderam que a religião podeser vendida como qualquer outro produto, mas que Deus é, particularmente, vendido hoje

em dia. Especular sobre as necessidades das pessoas, sobre seu desejo inconsciente de fugirdos conflitos latentes, parece, basicamente, com os métodos empregados para vender sabãoem pó, produtos de beleza, aspirador.

Em qualquer destes casos, suscitam-se necessidades, especula-se sobre a naturezahumana, estimulam-se os desejos. Ora, o que não passa de uma simples estratégia na áreacomercial  — e, por assim dizer, inoperante, pois que o produto X anula o produto Y  —  torna-se grave no plano ideológico, na medida em que uma determinada organizaçãopretenda tudo recuperar em proveito próprio e apossar-se inteiramente da pessoa,prometendo a perfeição, a felicidade pessoal e coletiva dada pelo contato direto com Deus,em troca da alienação total do adepto e sua rejeição do resto do mundo.

Se podemos chamar de falsa a publicidade que exibe um produto como um cigarro,como garantia de liberdade, felicidade e até mesmo saúde  — não haverá fraude sobre anatureza, o objetivo e o funcionamento do CERVIR e da JOCUM quando a maioria de seusparticipantes confessam só terem ouvido falar em Loren Cunningham, vários dias ousemanas depois de sua entrada numa destas instituições, apresentado unicamente comoobjetivo, a procura de uma comunidade fraterna, onde possam libertar-se do vício, em trocade uma vida sadia?

A pesca de almas amaldiçoadas para o CERVIR

Equipes de jovens missionários da JOCUM, em conjunto com Pastores do CERVIR,devem sempre realizar o trabalho de ―recrutamento‖ dos eleitos, os amaldiçoados, para oserviço missionário, nas cidades, nos campus e residências universitários, na saída dasigrejas, de acordo com técnica aprovada  — e eficaz. Usam para tanto inúmeros manuais,inclusive manuais de outras religiões, como o manual, Raciocínios à base das Escrituras,dos Testemunhas de Jeová; mas o livro principal continua sendo O Cajado do Pastor. Naprimeira fase de contato, um dos missionários da JOCUM disse, numa palestra ministradano CERVIR, para os alunos chamados para missões :

―- É preciso saber escolher o indivíduo certo, se der para sacar que o cara usadrogas, é o melhor. E é necessário ter psicologia, aprender a ler na cara do sujeitose ele está carente de Deus, ou se está com o Diabo. Em seguida, quando conversaestiver pegando o pique, devemos impressionar as pessoas com nossa paz, comnossa segurança em Deus, pois é Deus quem faz a obra não é você. Não queiraaparecer mais do que Deus, fale do que você já foi um dia, não economizepalavras, e mostre o que Deus tem feito e pode fazer por você, mostre a suaesperança e convicção. Diga o quanto foi bom para você o período que passou noCERVIR, mas não entre em detalhes ... seja um pouco misterioso, porque isso atraí.Não fale muito do tratamento porque pode espantar a pessoa. Uma pessoaamaldiçoada quer viver na maldição. Tem que forçar a barra, mas com jeito, paraque o cara pense que é ele que está escolhendo ir para lá. E que lá é a salvação.Para emocionar e convencer os outros, temos de emocionarmo-nos e estarmosconvencidos também. Devemos ter absoluta convicção naquilo que dizemos. Sealguma lembrança ruim do que você viveu no CERVIR, vier a tona esqueça. Sevocê ainda pensa em se drogar esqueça que isso é coisa do Diabo querendo acabarcom a pescaria. Lembre-se de coisas boas em sua vida, que foram presentes deDeus e se expressem com sentimentos fortes. Demostre o poder do Espírito, faleem línguas e bem alto que isso tem o poder de afastar o Diabo de quem estádrogado e o cara fica meio tonto. Abaixe a voz se perceber isso e imponha as mãos

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sobre ele, quando ele se reequilibrar já vai conhecer o poder de Jesus. Ponha na suacara um olhar que impressione, olhos grandes, abertos e fixos nos olhos do sujeito,teve uma oportunidade pare para orar na frente do sujeito, mas como quem nãoquer ser visto. Se convençam nesse instante que vocês são superiores a pessoa quevocês estiverem olhando porque ela está sob maldição, mas assuma uma atitudehumilde. Ninguém gosta de perder, todos querem ganhar alguma coisa e é isso que

eles devem pensar do CERVIR e do tratamento, passem essa impressão. Não falemuito do CERVIR e da JOCUM depois disso, fale de Jesus para o filho de Deus,que ele está precisando. Fale só de Jesus, não fale de nenhum missionário. Tem queser esperto, estudar o tempo todo o que vai dizer, porque para convencer alguémem cinco ou dez minutos é necessário um discurso bem planejado. Não percatempo em quem estiver firme nas crenças do Diabo. Dê um folheto e diga para osujeito que um dia, num momento de necessidade aquelas palavras vão lhe caircomo uma luva, como a porta da salvação. Se numa hora de tribulação o cara ler ofolheto, já vai pensar em nós. Isso é o poder de Deus. A operação é diferentequando se trata de católicos, de espíritas, de indiferentes, de comunistas. Para cadaum você precisa estudar. Se você já foi católico, vá nos católicos, e fale da Bíblia,se for um espirita, fale de Jesus, se for um comunista fale da sociedade. Deixe elefalar, ouça-o com atenção. Quem ouve, domina. Quem domina expulsa o Diabo, eganha um irmão. Quem ganha um irmão, ganha vários, porque vocês devem dizerpara todo mundo que a coisa mais preciosa que existe aqui é salvar, é dar tudo poramor a outra pessoa. Esteja sempre com os textos na cabeça e na mão parainterpretarem corretamente a Bíblia. A missão de vocês, uma vez que submeteramsua vida ao ensino do CERVIR, é transmitir este ensinamento aos outros.‖

E essa transmissão é realizada de acordo com um sistema altamenteorganizado de proselitismo, realizado por escalonamento de setores e de visitas adomicílio, a famílias de crentes, ou outras em que se apresenta a oportunidade deconversão.

Espera-se dos convertidos do CERVIR um engajamento total, no que dizrespeito aos valores pregados pela instituição e aos fins a que ela estipulou. Por issoé exercido rigoroso controle em todos os graus da hierarquia sobre ocomportamento e a ortodoxia de seus fiéis. Anda-se sempre em grupos de três e umvigia o outro. Cada um quando retorna do trabalho na lavoura dentro do próprioCERVIR, ou de uma visita em grupo a uma igreja, ou de uma campanha deevangelização, que ocorre as quartas feiras, em Camaçari ou Lauro de Freitas,quando não há o futebol, relata o que aconteceu várias vezes para um mesmoobreiro. Checam-se as versões das histórias para ver se não há contradições. Pune-se os faltosos para com o regulamento do CERVIR, com agressões físicas, comotrabalhos forçados e tratamentos dentários sem anestesia, agressões psicológicas,como o isolamento e a obrigação de decorar versículos sem os quais sofreráhumilhações e serão postos em público os seus pecados, e sociais, privando-os deverem os parentes e amigos nos dias de visita, envolvendo-os em inimizades comos demais internos, privando-os das atividades de lazer.

― –  Quando a gente não obedece aqui ao que o Pastor quer, se a gente tiveruma dor, fica sem poder ir na enfermaria. E a enfermaria é o melhor lugar queexiste aqui, pois lá o seu Aurindo deixa a gente usar alguma coisa para fazer acabeça.‖ J. , menor, interno do CERVIR  

― – Eu fui para a enfermaria pois o seu Abdias tinha trazido uns cigarros paramim, e eu estava doido de vontade de fumar . Lá a gente pode fumar, contanto queninguém da Primeira Fase veja, por isso o negócio é escondido. Depois a gentelava as mãos e escova os dentes. O Nadson ia para lá para fumar maconha.Ficávamos sentados num banco, e enquanto fumávamos um ficava olhando para

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ver se não vinha ninguém. O Nadson ―tava comendo‖ e dando grana para o Abdias, epegou o baseado, nas mãos do obreiro. Eu fiz que nem via nada. Mas o otário doChileno, que só tinha recebido ordens para fumar cigarro, quis o baseado do Nadson, e saiu do lugar onde ele estava para pedir uma tragada da ―parada‖. Elesbrigaram feio pois o Nadson não quis dar, e o pior, como era o Chileno que estavaolhando se vinha alguém ou não, G., da Primeira Fase, apareceu e viu tudo e foi

contar para o seu Aurindo. Ficou uma coisa chata entre os dois obreiros. OChileno, ficou quatro semanas sem poder ir ao ―baba‖, só escrevendo versículos daBíblia num caderno e recitando para os obreiros. G., quase que ia expulso doCentro, porque levou o caso para o Pastor, e os obreiros acusaram ele de falsotestemunho, disseram que ele estava possuído pelo Diabo. O mesmo cara ( G. )disse ao Pastor que tinha visto Nadson ‗comendo‘ o Abdias. Teve uma reunião e oAbdias conversou com o Pastor, e depois como a história tinha se espalhado, oAbdias confessou em público que era homossexual e que tinha caído na tentação doMaligno, mas que estava arrependido. Não deu nada para ele. Mas depois disso G.,aprendeu como é que as coisas funcionam aqui e ficou quietinho, pois se ele ‗tava‘ jurado de morte em Salvador.‖ Carioca, Interno do CERVIR.

No CERVIR utiliza-se da continua exposição do sujeito a situações extremas,de forma a manter uma constante situação de estresse, por exposição a numerosassituações inesperadas, o que causa uma tensão crônica e constante que coloca emxeque os poderes de recuperação de um indivíduo, dos choque causados peloprocesso de conversão. Crises na família ou relacionadas a ocupação são fontes deestresse. Elas afetam tanto homens quanto mulheres, mas as mulheres, os pobres eos grupos de minorias parecem ser particularmente vulneráveis a reações adversas.

A mudança de volores no processo de conversão de indivíduos católicos paraos dogmas do CERVIR. Pude constatar, cria uma tensão significativa quando éinesperada e quando envolve não apenas a adaptação, mas também a necessidadede ajustar-se a uma nova situação que envolve ameaças e problemas adicionais.

Os indivíduos demonstram sua capacidade para ajustarem-se às mudanças devida, se têm mecanismos de defesa, como altruísmo, humor e capacidade para asublimação. Flexibilidade, confiança, fortes laços familiares, emprego regular,rendimentos adequados, satisfação profissional, um padrão de recreação e par-ticipação social regular, objetivos realistas e uma história de desempenho adequado — em resumo, uma vida plena e satisfatória — criam resistência para lidar com asmudanças de vida, que evitam uma experiência aflitiva, segundo Kaplan; Sadock eGrebb.69 

Conforme Kaplan; Sadock e Grebb, constata-se a presença de um problemapsiquiatrico ou psicológico de base religiosa quando o indivíduo se encontra numasituação que inclui experiências aflitivas que envolvem a perda ou questionamentoda fé, problemas associados com a conversão a uma nova fé, ou questionamento devalores espirituais que podem não estar, necessariamente, relacionados com umaigreja ou religião institucionalizada, ou em uma seita. As seitas caracterizam-se porum sistema de crenças e ideologias intensamente mantidas, impostas a seusmembros por um alto nível de coesão de grupo que tenta evitar a liberdade de

escolha de seus membros, para deixá-lo, e por uma profunda influência sobre ocomportamento dos membros, que pode incluir sintomas psiquiátricos manifestos,incluindo psicose.

Ainda segundo Kaplan; Sadock e Grebb, a maioria dos potenciais membros deseitas estão na adolescência ou de outro modo lutam por estabelecer suas própriasidentidades. São levados ao culto, que sustenta a falsa premissa de bem-estaremocional e clama poder oferecer o senso de orientação buscado por estes

69  Compêndio de Psiquiatria  –  Ciências do Comportamento e Psiquiatria Clínica  –  Harold I. Kaplan;Benjamim J. Sadock e Jack A. Grebb – Artes Médicas – 7a - Edição – Porto alegre, 1997, pp.: 751-2. 

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indivíduos. Os membros da seita são encorajados a fazer proselitismo e a atrair novosadeptos, freqüentemente, também são encorajados a romper com a família e amigose a sociabilizarem-se apenas com os membros do grupo. As seitas são conduzidas,invariavelmente, por personalidades carismáticas, que freqüentemente não possuemescrúpulos em sua busca por ganhos financeiros, sexuais e de poder e em suainsistência na conformidade ao sistema de crenças ideológicas do grupo, que pode

ter fortes tons religiosos ou quase religiosos.Uma conversão é uma transição cultural e por transição cultural Kaplan;Sadock e Grebb entendem mudança de valores morais e fluidez da definição dospapéis, que podem aumentar a vulnerabilidade de um indivíduo às tensões da vida.Uma transição cultural extrema para Kaplan; Sadock e Grebb pode criar umacondição de aflição severa. Este problema, também chamado de choque cultural,ocorre quando uma pessoa é lançada, subitamente, em uma cultura estranha oudivide lealdades entre duas culturas. Em uma forma menos extrema, nos dizemestes autores, o choque cultural ocorre quando homens ou mulheres jovens entramno exército, quando ocorre troca de emprego, quando as famílias mudam-se ousofrem uma mudança significativa nos rendimentos, no primeiro dia de aula dascrianças, e quando crianças de guetos negros são levadas para estudar em escolasda classe média branca. Poderíamos estender o raciocínio dos autores a os internosdo CERVIR, que saem de um universo cultural católico para o universo cultural doCERVIR. Onde tenciono mostrar, seus dirigentes praticavam uma verdadeiralavagem cerebral nos internos.

Kaplan; Sadock e Grebb nos dizem que a lavagem cerebral foi praticada pelaprimeira vez pelos comunistas chineses em prisioneiros norte-americanos, naguerra da Coréia, a lavagem cerebral é a criação deliberada do choque cultural.Uma condição de isolamento, alienação e intimidação é desenvolvida, com afinalidade expressa de atacar as defesas do ego e deixar a pessoa vulnerável àimposição de idéias e comportamento estranhos a ela, que, geralmente, seriam re-  jeitados. A lavagem cerebral baseia-se em coerção física e mental. Todos osindivíduos são vulneráveis a ela, se expostos por tempo suficiente, se estiveremsozinhos e sem apoio, e se não tiverem esperanças de escapar da situação, que elesconsideram como uma experiência amedrontadora, que leva a perda de confiança econfusão de identidade.

No CERVIR a privação sensorial e a rotina eram fatos importantes para oprocesso de conversão. Os internos da Primeira Fase, eram privados de todo equalquer contato com o mundo externo, excetuando-se o dia de visitas, que ocorriatodo primeiro domingo de cada mês, e as visitas dominicais de missionários daJOCUM, as suas atividades materiais reduzidas ao trabalho repetitivo demanutenção de Centro e a atividade intelectual se resumia a leitura da Bíblia, textosde Loren Cunningham e de velhos jornais evangélicos . Conforme Kaplan; Sadocke Grebb, (... ) Pesquisas recentes revelam que alguns filhotes de macacos rhesus apresentam. consistenternente. medo e ansiedade em situações onde camaradascriados de forma similar demonstram um comportamento exploratório ebrincadeiras normais. Estas situações geralmente envolvem exposição a algum tipode objeto ou situação inédita. Uma vez que o objeto ou situação tenha-se tornadofamiliar, quaisquer diferenças comportarnentais entre estes filhotes propensos a

ansiedade ou tímidos e seus camaradas mais desembaraçados desaparecem (...) Afim de testar a hipótese de que um importante elemento da lavagem cerebral é aexposição prolongada ao isolamento sensorial. Hebb e seus colaboradorestrouxeram o confinamento solitário para dentro do laboratório e demonstraram quesujeitos voluntários  —  sob condições de privação visual, auditiva e tátil porperíodos de até 7 dias — reagiam com uma sugestibilidade aumentada. Alguns dossujeitos também apresentaram sintomas característicos do estado de privaçãosensorial: ansiedade, tensão, incapacidade para a concentração ou organização dospensamentos, aumento na sugestibilidade, ilusões corporais, queixas somáticas,intensa angústia emocional subjetiva e imagens sensoriais vividas  —  geralmente

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visuais, algumas vezes alcançando as proporções de alucinações com qualidadesdelirantes.‖ (Kaplan; Sadock e Grebb,1997: 181-2 )

A imutabilidade no plano da doutrina do CERVIR é comparável à rigidezhierárquica do mesmo, e as relações entre os alunos e obreiros são formais, mas denatureza paternalista. Outra característica desta organização é sua impersonalidade.Teoricamente, cada aluno é ligado à instituição como um ―recuperando‖, umpaciente para desintoxicação física e espiritual. Nada é dito aos familiares aprincipio a respeito do trabalho de evangelização.

O CERVIR, se interessa principalmente pelos jovens das classes baixas e meninosde rua. Dá-se preferência por usuários de ―drogas‖, e entre esses os que maisapresentem distúrbios de conduta, o que torna a conversão ainda mais recomendável deser exibida. Além disso, o primeiro objetivo do proselitismo é persuadir o―amaldiçoado‖ a fazer a experiência da conversão via a participação na vidacomunitária do CERVIR, em seguida, visa, separá-lo completamente de seu meio social

e bombardear ele de dogmas especialmente criados, adaptações interpretativas dasEscrituras, para que esqueça tudo aquilo no que acreditava e depo is ―convertê-lo‖rapidamente para que se engaje na ―família espiritual‖ definitivamente, sem que possarefletir ou deixar amadurecer sua decisão. É preciso também se estar muito beminformado acerca da vida do interno, para melhor manipula-lo.

Um outro motivo do uso de drogas numa instituição, como o CERVIR, quepretende banir o uso de drogas, é, além do simples comercio, facilitar o processo deobtenção de informações de fórum íntimo. Segundo Kaplan; Sadock e Grebb, ― ( ... ) Afim de facilitarem a coleta de informações durante uma entrevista, alguns psiquiatrasdefendem a entrevista assistida por drogas. (... ) Embora a narcoterapia raramente sejausada na psiquiatria moderna, observa-se algum ressurgimento do interesse pela técnica.Alguns psiquiatras renomados têm proposto que a 3,4-metilenodioximetanfeta-mina(MDMA, ecstasy) pode ser benéfica, quando usada como um agente para a psicoterapia

assistida por drogas. Esta sugestão tem sido extremamente controvertida. ( ... ) Asrazões mais comuns para as entrevistas assistidas por drogas são a apresentação depacientes não-cooperativos ( ... ) Os pacientes podem manter silêncio em virtude deuma excessiva ansiedade por terem de contar detalhes dramáticos de um evento (porex., um estupro ou um acidente), e as entrevistas assistidas por drogas têm sido usadascom sucesso nesses casos. (...)‖ (Kaplan; Sadock e Grebb, 1997, 943-4 )

  No CERVIR, para entrevistarem os ―alunos‖ se usavam barbitúricos, como oGardenal, anti  – histamícos como o Fenergam, benzodiazepínicos como o Valium e oDiazepam, como pude constatar a partir das informações de Carioca, indo à enfermaria,e conversando com outros internos.

A partir da narrativa de alguns internos e, em especial o que chamo pelopseudônimo de Carioca, percebi o surpreendente processo do recrutamento realizadopela seita entre as crianças, jovens, adultos e velhos sem trabalho, que vivem na rua.Eles são levados, na maioria das vezes a força, para passar um ―fim -de-semana‖ noCERVIR, uma fazenda no meio da mata próxima a Camaçari. Raros são os queconseguem sair dali, pois a polícia vigia a estrada local. Perdidos, isolados de tudo e detodos, bombardeados emocional e intelectualmente, envolvidos numa luta esgotante deleituras bíblicas, cultos, jogos, cantorias, discursos demagógicos, estarão lá também nasemana seguinte, e em todas as outras até que sejam declarados convertidos e já tenhamouvido o ―chamado de Deus‖, quando então o nome de Loren, missionário criador daJOCUM, será pronunciado pela primeira vez.

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Carioca me disse como tinha sido para ele, a primeira vez que ouviu falar deLoren :

― –  Houve uma gritaria geral no culto, eram os missionários da JOCUM, quediziam ter sido internos do CERVIR, e que tinham vim fazer o convite para irmos paralá. Contavam as coisas que realizavam pelo mundo em missões. E pediam que

orássemos a Deus para que Ele nos desse um aviso de que era para segui-los. Aicomeçaram a falar de Loren. No começo a gente ficou ouvindo e espantado com tantascoisas que eles contavam. Mas eu percebi que a coisa parecia teatro. Eles davamaplausos quando falavam no nome dele. Um dos jocumeiros, um rapaz magro, branco emuito alto, que se apresentou como o líder deles, um ‗mauricinho‘, pulava de um ladopara o outro, falando das maravilhas que Loren realizava em nome de Jesus, e dizia quenós deveríamos seguir o exemplo dele. Falava muito rápido e as vezes em línguasestranhas. Não dava para interromper ou entender muito bem, mas depois muitos daquime disseram que os caras eram abençoados e que se achavam ter ouvido a voz de Deuschamando eles para missões. O pessoal parecia dopado com o que estavam vendo. Eteve foi gente vendo coisa nos dias que esse caras passaram aqui. O rapaz brancoperguntava toda hora se sabíamos qual era o objetivo da vida e da JOCUM. E enquantoisso os outros vinham até cada um de nós e perguntavam se queríamos viver uma vidade amor incondicional a Deus pregando nos pelo Brasil a fora e nos países que tinhamoutras religiões. Era para a gente aceitar ir pregar a Bíblia nos países islâmicos. Eu nãofalei nada, mas pulei fora. O que mais me espantou é que somente eu achei a coisa uma palhaçada. Ninguém perguntava nada aos caras. O templo era uma ‗zuada‘ só. Foramquase três horas de oração, ministração de cura, apresentação de peças teatrais e muitofalatório dos caras. Eles queriam me fazer acreditar que tinham respostas para a minhavida. Falavam que o nosso sofrimento é porque não conhecíamos a vida de amorincondicional de um missionário. O som era muito alto e as luzes muito fortes. Doía acabeça, aquela luz na cara da gente. Eu pulei fora. Deixei o pessoal assistindo ao culto efui trabalhar na cozinha.‖

Eu presenciei uma das visitas dos missionários da JOCUM ao CERVIR. Ouviam-se gritos por todas as partes, cheiro de maconha sendo queimada. Cheiro de suor. Oespetáculo é tão perfeito que parece hipnotismo. A voz de um missionário, ao microfonee em toda altura as luzes em nossa cara. A fala dele , gloriosa, convincente, narrandoum mundo ideal de amor e de beleza, conquistado pelos missionários da JOCUM, asfisionomias impressionadas dos internos, gente se ajoelhando e pedindo para Deus aslevar, transfiguradas por um estado de êxtase coletivo. Eles falavam de paisagensmaravilhosas, de profecias que se cumpririam. Falavam de um mundo onde o ventoestaria sempre soprando o nome de Deus em nossa cara., os lindos campos em que aTerra se transformaria, onde poderíamos amanhã decidir permanecer. Isso tudo em meioa convite para nos abraçarmos e nos darmos as mãos. Percebi que o CERVIR eranaquele instante um universo sem responsabilidades. Quem vive lá recebe de tudo: oprato de comida diário, escova de dentes, as roupas. Dizem-lhe o que você deve pensar.Sopram-lhe as decisões que você deve tomar. Sentia que a instituição os tornava tãodependentes que as pessoas internadas ali pareciam regredir, voltam à personalidade decrianças, como verdadeiros ―Filhinhos de Deus‖, termo usado pela própria instituição.

Não era a toa, que os Pastores diziam, que sem a orientação deles, se depois os internosretornassem à rua, voltariam às ―drogas‖, ao álcool, seriam internados em hospitaispsiquiátricos, tentariam suicídio, não porque estariam de volta aos ―braços do Diabo,que estaria zangado com eles‖, como os pastores diziam, mas porque a instituição oshavia tornado inadaptados. Me questionava de quem seria de fato a responsabilidade poraquele fenômeno. Do Pastor ? Dos internos ? Da ―droga‖ ou do seu abuso ? Ou danecessidade violenta, que eu percebia terem os internos, de seguir alguém. Necessidadea qual a instituição sabia tirar proveito, e de forma muito eficiente.

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Heber : cristão ou uma farsa

Essa necessidade de autoridade, de um pastor, de um mestre como Jesus para osensinar a pensar e agir, que caracterizava o discurso dos internos do CERVIR, erasatisfeita pela maior parte das regras de conduta da instituição, que obrigavam osinternos a uma constante vigilância sobre si mesmo e sobre os outros e a tudo recorrer

ao pastor, como representante de Deus na Terra, ou à figura de Loren Cunningham quefazia parte do imaginário da instituição. No CERVIR, como na JOCUM venera-se umlíder carismático: Loren Cunningham. Os pastores do CERVIR, que seguem o seumodelo, pretendem possuir a verdade. E no CERVIR os pastores e obreiros propõemaos ―alunos‖ um novo modo de vida, no qual todos os seus aspectos são controlados. Ea aceitação amorosa desse controle é mesmo desejada. É uma conversão radical edefinitiva.

Organizações como o CERVIR, ou a interdenominacional e internacionalJOCUM, se dirigem de preferência aos jovens maiores de dezoito anos, para escaparemà acusação de desvio de menores, mas não poupam esforços com os meninos de rua,visto que estes em sua maioria não são assistidos pelas famílias. A regra expressa porLoren Cunningham, de que ―Deus nunca exige que negligenciemos nosso dever paracom os familiares‖, mas nos diz que ―Ele pede que coloquemos no altar o amor que lhe

voltamos e o desejo de gozar da companhia deles‖, colocando em primeiro lugar ― oamor a ele e a obediência ao seu chamado‖ que devem ―vir em primeiro lugar, antes dos pais, do cônjuge e dos filhos‖ pois temos que ―subordinar essas dádivas aos propósitosde Deus, que são muito mais importantes‖, são argumentos baseados em dois versículosbíblicos, (Mateus 10.37 e Lucas 14.37 )70, provocaram hostilidades da parte de pais quenão pertenciam ao meio evangélico e que eram de outra religião, como por exemplo acatólica. Mas isso só serviu de reforço, pois é argumento no meio evangélico que parase saber se se estar seguindo de fato a Jesus, haverá perseguição de todos,principalmente da família.

Carioca, meu informante no CERVIR, me relatou que algumas famílias dealguns dos internos que ele conhecia, e que eram famílias de católicos haviamameaçado chamar a imprensa contra o CERVIR, e que nessa ocasião e a partir dela oPastor Heber passou a mobilizar a própria imprensa para visitas a instituição, e que nos

dias de visita, mudava-se tudo no CERVIR para que se passasse outra imagem dali.Conversando com o Pastor a respeito desse fato ele me relatou que realmente os

― católicos que eram os pais de certos internos não podiam compreender queseus filhos e eles próprios estavam sob ‗maldição‘ e que eram vitimas de ‗feitiçaria‘. E épor isso que eles nos acusam, instruídos pelo Diabo, de nos utilizarmos da imaturidade econfusão dos jovens. Mas a verdade não é essa. É justamente o contrário. Se eles aderemas nossas idéias, é porque vêem nelas a verdade do Cristo, é porque Cristo se revela a eles.Não adianta os católicos nos acusarem de trazermos aqueles que querem um encontro comCristo e permanecerem aqui porque é tudo lavagem cerebral. Mentiras do Diabo não tem

forças contra Deus.‖ 

Examinemos os métodos de doutrinação empregados por organizações como oCERVIR.

70 - ― Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim, não é digno de mim; quem ama seu filho ou sua filhamais do que a mim, não é digno de mim.‖ ( Mateus 10.37 )  

― Se alguém vem a mim, e não aborrece a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs e ainda a própria vida, não pode ser meu discípulo‖ ( Lucas 14.26 ) 

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O CERVIR constitui um exemplo evidente de seita: intolerância,intransigência, agressividade. Podemos nos valer dos conceitos de seita, e seitadestrutiva, utilizados por Alvaro Roriguez e Sergio Gonzalez, em seu livro FenomenoSectario Y Drogodependencia :

― O termo seita etimologicamente se refere a um conjunto de pessoas que

professam uma mesma doutrina. Mas propriamente se aplica a comunidades religiosasminoritárias separadas de uma confissão já afirmada, ou o que é o mesmo, segregadasde uma religião matriz.

Em favor de uma visão que não outorgue hegemonia ao aspecto religioso dasseitas se impôs por parte da maioria dos autores o uso do termo ‗seita destrutiva‘,precisamente pelas conseqüências destrutivas que o pertencer a tais grupos podeprovocar aos seus membros e ao seu meio. (... )

(... ) se concordou definir, uma seita destrutiva como ‗um movimento totalitário,apresentado sob a forma de associação ou grupo religioso, cultural ou de outro tipo, queexige uma absoluta devoção de seus membros a alguma pessoa ou idéia, empregandotécnicas de manipulação, pressão e controle destinadas a conseguir os objetivos do líderdo grupo, provocando em seus adeptos uma total dependência do grupo, em detrimentode seu meio familiar e social‘.‖71 

Nascida da concepção de dois irmãos pastores, o CERVIR, pode sercompreendido enquanto uma seita destrutiva. A seita é muito estruturada, comhierarquia piramidal. Um dos fundadores e hoje chefe da instituição é um pastor batistade 54  anos, que chamaremos de Heber. Para este pastor, o CERVIR, é um ―lugar espiritual‖, o próprio Israel, que na Bíblia, segundo o próprio pastor, pode ser interpretado como um país, ou o povo escolhido para a salvação. Não é incomum, osinternos do CERVIR referirem-se ao ora ao CERVIR ora ao conjunto dos internos,como povo escolhido para a salvação e à obediência aos princípios do CERVIR, comouma obediência direta a Deus.

Após o Pastor Heber, em ordem decrescente de poder se encontram, o PastorRibeiro, o Irmão Luís, chefe dos obreiros, os obreiros e os internos considerados chefes

de alojamento. Os demais, as situam-se no lugar mais baixo da hierarquia e mantém oexercício do poder uns sobre os outros pela vigilância do comportamento, que é sempreresultado da obediência a certos versículos escolhidos e resignificados para atender aoconjunto de dogmas professados como doutrina do Centro. Essa doutrina nunca é postaa conhecimento do público de fieis comuns, que se agregam nas muitas igrejasevangélicas do local e outras de locais mais distantes, ficando o conhecimento sobre oque se pensa e o que se faz lá dentro restrito a um grupo seleto de pastores quecomungam com as concepções fundamentalistas. O pastor Heber exerce um controlerigoroso sobre o conjunto dos membros do CERVIR, valendo-se da hierarquia por elemesmo instituída, e pelos escritos de Loren Cunningham, que o pastor dirigia aosinternos, com algumas adaptações pessoais, que dependiam de a quem eramdirecionadas : escritos dirigidos aos dirigentes, outros aos obreiros, outros aos internose outras destinadas ao público das igrejas.

Apesar de realçar em seus escritos que o caráter exemplar de um cristão é a portade salvação, não somente dele próprio como de outros, era fato conhecido no CERVIR,que o Pastor, rico latifundiário, tinha problemas com a CERASA e o SPC, além de uminteresse muito especial pelas ofertas que os internos faziam nos cultos, do dinheiro quelhes era dado, em parte pelos familiares que custeavam o tratamento espiritual, e pelasempresas do polo, que garantiam Cem Reais mensais por pessoa no Centro. Quando o

71 - Fenomeno Sectario Y Drogodependencia – Alvaro Rodriguez – Sergio Gonzalez – Publicaciones deGRUP IGIA – Barcelona, fevereiro, 1989. 

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abordei, questionando-o sobre o relacionamento do cristão com o dinheiro ele me disse

―- O dinheiro é um dos mais úteis dons de Deus. Ninguém deve se espantar comisso. É a cultura católica que faz o povo brasileiro pensar que o dinheiro é a raiz detodos os males, enquanto as igrejas católicas estão ornamentadas com ouro. Mas quemler com atenção o que o apóstolo Paulo diz na Bíblia, em Primeira Timóteo Capítulo

Seis Versículo Dez , verá que Deus nunca afirmou que o dinheiro fosse um mal em si.Ele diz : ‗Porque o amor  do dinheiro é raiz de todos os males ...‘. Você pode e deve ter dinheiro, mas não deve ter amor a ele.‖ 

Disse-me Carioca que o CERVIR já foi acusado por alguns pastores que nãoacreditam em seus métodos de tratar de forma desumana os internos e, inclusive droga-los. Mas como o Pastor Heber tinha um cargo importante como presidente de umCapítulo da ADHONEP, eles foram silenciados.

No CERVIR, quem, por qualquer que seja a razão que lá se encontre, deveobedecer e aceitar tudo o que lhe for imposto. Não há o direito de discordar. Qualquer

movimento de indisciplina severamente reprimido com violências físicas, tocando raias datortura, como é o caso de extrações dentárias sem anestesia.

O pastor Ribeiro é o responsável direto pelo bom andamento das coisas noCERVIR. Ele recebe ordens do Pastor Heber por telefone, já que este último, quando nãoestá nas ruas ―pescando almas‖ encontra-se em sua casa de praia em Arembepe, local que émantido sempre limpo e organizado pelos internos que são escalados para esse trabalhoexterno. A vida no CERVIR obedece rigorosamente a um regulamento. A utilização dotempo é afixada na parede: levantar às quatro horas, ao som de uma sirene; deitar às 22horas. Há controle dos espaços e principalmente do corpo : há o lugar onde dorme o Pastor,há a casa dos obreiros, e mesmo nos alojamentos dos internos, o local onde um indivíduodorme é escolhido pela instituição. Tudo é previsto: tempo de trabalho, tempo de lazer,

tempo para realizar as refeições e a higiene pessoal, tempo de reflexão e de estudo da Bíbliaetc.

Teoricamente, os internos do CERVIR tem a liberdade de deixar ainstituição, entretanto, este desejo é considerado uma tentação do Diabo. Hárecomendações freqüentes aos internos referentes às ‗batalhas espirituais‘ e aos esforçospara aprender a resistir, posto que quem sai dali antes do tempo, encontra-se sujeito a fúriado Diabo, e sua morte é tida como certa. Citam os casos dos que retornaram fora do períodorecomendado e que recaíram nas ―drogas e na marginalização‖ sendo mortos pela polícia.

Quando alguém entra para o CERVIR, suspendem-se todas as atividades ex-ternas consideradas em si mesmas inúteis diante do glorioso plano de Deus agora para elesrevelado, ou seja serem missionários. Suspendem-se trabalho, estudos, relações familiares,

para consagrarem-se a ‗tarefas mais importantes‘. Os internos do CERVIR levam uma vida separada do resto do mundo; até as

mais simples informações do que está ocorrendo fora são vetadas sob o argumento de queos internos ainda estão fracos para o contato com o mundo, e com o Diabo. Leva-se umavida com a utilização de uma linguagem própria e complexa, pois seu bom ou mal uso é umfator determinante para as disputas de poder dentro da instituição. Mas, que aparentementese resume a um maniqueismo do ruim, do falso, do demoníaco em oposição ao bom, ao

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verdadeiro e ao divino. Uma linguagem pretensamente racional, mas que se dirigesempre para o afetivo visando a obediência, que é a chave da salvação :

― isso é do Diabo‖Ou :

― A paz irmão, continue firme na rocha!‖ 

O mundo do CERVIR é um mundo onde impera a seguinte ordem : Nada deiniciativas pessoais. O que pode parecer um paradoxo, quando concebemos oProtestantismo Autônomo como uma religião que, acima de tudo, tem no seu cerne ocomportamento individual do sujeito, como padrão de exemplo de sua própria imagemenquanto imagem da religião, enquanto imagem de Deus. O indivíduo sendo valorizadoquando o seu comportamento reflete o comportamento que Deus espera dele. Mas essecomportamento é padronizado, é genérico a extenso a todos os demais membros. É emsuma massificado e massificante. Exigindo rigoroso controle do corpo, que passa a sercorpo sujeito a tempos calculados e locais determinados pela instituição, o que implica

numa séria limitação do universo do indivíduo a nível biológico, psíquico e social.No CERVIR contato com a matéria é restrito a nível físico, indo desde o controlealimentar até ao trabalho de limpeza e manutenção do Centro. 0 único contato com omundo do pensamento é memorização versículos escolhidos da Bíblia, ou a leitura develhos jornais da Igreja Universal. O único contato com pessoas estranhas ao grupo se dápor ocasião das visitas dos parentes e amigos, que ocorrem todo o primeiro domingo decada mês.

A ciência , a filosofia e a arte são consideradas coisas más e nocivas, obras dodemônio e ligadas direta ou indiretamente às drogas. Fui exorcizado por estar lendo olivro A Interpretação da Culturas, de Geertz. Argumentaram comigo que a antropologiadistorcia as verdades de Deus, fazendo a defesa do homossexualismo, do uso de drogas,da prostituição etc., conduzia as pessoas ao inferno. Falava-se mal dos grupos musicaisevangélicos que utilizavam instrumentos musicais de percussão, que eram associados aos

negros e ao candomblé. ―O mundo‖ —  isto é a sociedade atual, inclusive a família, ospais, e as próprias Igrejas evangélicas, eram tidos como falsos profetas, posto que figurasde autoridade, criavam uma imagem do Deus Pai baseada na imagem que fazemos denosso pai, ou de figuras masculinas as quais respeitamos, sendo por isso intrinsecamentemau e pode ser explorado impunemente. Na verdade, os internos do CERVIR sãoestimulados a pedir a seus pais e amigos garantam sua vida material. Quando saem paradar algum testemunho de sua recuperação são reembolsados financeiramente pelasIgrejas, e o dinheiro é dado em oferta nos cultos do Centro.

Antes de descrever o que chamo de ―manipulação mental‖ desenvolvida pelaJOCUM e aplicada no CERVIR, vejamos como se apresenta a doutrina ensinada noCERVIR. O tema central da doutrinação dentro do CERVIR, tal como é definida pelosescritos de Loren Cunningham, pelo conteúdo dos sermões, e pelas passagens escolhidasna Bíblia, é de afastar o futuro convertido dos pais, da política, da religião em que foi

educado, de sua educação e da sociedade em geral. A maioria dos internos confessouque desde sua entrada no Centro eram confrontados com os seguintes versículos daBíblia:

―Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim, não é digno de mim; quem amaseu filho ou sua filha mais do que a mim, não é digno de mim‖. ( Mateus 10.37 )

―Se alguém vem a mim e não aborrece a seu pai, e mãe, e mu lher, e filhos, e irmãos,

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e irmãs e ainda a sua própria vida, não pode ser meu discípulo‖ (Lucas 14.26).

― Assim os inimigos do homem serão os da sua própria casa‖ (Mateus 10.36).

O emprego destes três versículos bíblicos e de muitos outros mais tomados

fora do contexto, faz parte, evidentemente, de uma estratégia deliberada pelos dirigentes do

CERVIR para romper qualquer tradição familiar, que é considerada ―culto aos

antepassados‖, e ― catolicismo‖.

Em vista das técnicas de manipulação mental empregadas no CERVIR, é

necessário dizer que os internos que se recusam ver seus pais, familiares e amigos, não

estão usando o seu livre arbítrio. Com efeito, o processo de doutrinação é dos mais severos.

E será nosso objetivo fazer uma descrição deste processo de doutrinação e conversão.

A conversão consiste em seis pontos básicos:

1 —   As relações do ―aluno‖ com o mundo são reduzidas às relações internas do 

CERVIR. Ele é forçado a renunciar ao trabalho e à escola, sob a ameaça de ser punido por

Deus por uma maldição pior do que a que ele se encontrava;

2 —  Para tornar-se discípulo de Deus é necessário: deixar a família, amigos,

haveres, para seguir novas autoridades escolhidas por Deus;

3 — Tudo o que está lhe acontecendo, ele é conduzido a pensar, é da vontade de

Deus. Para agradar a Deus ele, o interno ou ―aluno‖ deve tomar a vontade de Deus, e da

instituição, como sendo a sua própria. Isto é justificado pelo versículo : ―Agora, pois , filho,

dá-me ouvidos, e não te desvies das palavras da minha boca‖ ( Provérbios 5.7 ) ;

4 —   Livro dos ―Atos 1- 6‖ : o plano financeiro para os futuros missionários;

5 —  Obediência aos chefes: obedecer aos dirigentes em todas as circunstâncias;

6 — Sermões, visando : o regulamento do comportamento pessoal e, a promessa de

dar tudo o que recebe ou vir a receber aos pastores.

Esta primeira fase pode durar um período de um a três meses, isolado de

qualquer influência externa, durante os quais o interno deve prometer entregar aos pastores

todo o seu salário, atual ou futuro, e aceitar que sua correspondência seja aberta. Nesta fase,

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recorre-se ao medo para impedir que o adepto deixe o CERVIR. Repete-se para ele

que Deus aplicará um castigo a ele e a sua família se abandonar a instituição. Isso é dito,

concomitantemente com o continuo repetir dos seguintes versículos : Salmo 109.17; Salmo

109. 7 – 13.72 

É também durante essa primeira fase que a fadiga física e mental é

aproveitada pelos dirigentes para reforçar a doutrinação. Uma das principais técnicas

empregadas pelos pastores, declarou-me Carioca, um dos internos, e eu pude constatar, é a

privação do sono, durante as vigílias, quando se vira noites e noites sem dormir, orando e

ouvindo sermões, mas no CERVIR, principalmente decorando versículos, sem os quais, no

dia seguinte, não recita-los no ―paredão‖ significaria jejum forçado. Para se ficar acordado,

havia também uma justificativa bíblica, dada pelos versículos 3, 4 e 5 do Salmo 132.73 

― A gente tinha que estar presente nos cultos que duravam até às quatro ou

cinco horas da manhã. Isto durante vários dias, até cairmos de cansaço. Quanto aos

pastores, saía um entrava outro, o tempo todo. Eu ficava com a cabeça pesada, e ficava

ouvindo os versículos que eu tinha passado o dia recitando, como se alguém, uma voz

estivesse falando eles no meu pé de ouvido. Amanhecia e a gente não dormia. Ia para outra

atividade. Era começar a recitar os versículos, e eu começava a ver as coisas brilhando,gente parecendo iluminada. ―Tava‖ todo mundo assim, parecendo drogado. Eu desconfiei

que estavam me enganando, colocando coisas na minha cabeça, mas o resto do pessoal

começou a acreditar naquelas viagens. E tão nessa até hoje.‖ F., menor, interno do

CERVIR.

109.17 ) ― Quando o julgarem, seja condenado; e tida como pecado a sua oração. Os seus dias sejam poucos, etome outro o seu encargo. Fiquem órfãos os seus filhos, e viúva, a sua esposa. Andem errantes os seus filhos,e mendiguem; e sejam expulsos das ruínas de suas casas. De tudo o que tem lance mão o usurário; do fruto doseu trabalho esbulhem-no os estranhos. Ninguém tenha misericórdia dele, nem haja, quem se compadeça dosseus órfãos. Desapareça a sua posteridade, e na seguinte geração se extinga o seu nome.‖ ( Salmo 109. 7 – 13)72 - ―Amou a maldição : ela o apanhe; não quis a benção : aparte-se dele.‖ ( Salmo 73 - ― Não entrarei na tenda em que moro, nem subirei ao leito em que repouso, não darei sono aos meusolhos, nem repouso às minhas pálpebras, até que eu encontre lugar para o SENHOR, morada para o Todo-Poderoso de Jacó.‖ ( Salmo 132. 3-5 ) 

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Numa conversa com o interno que, neste trabalho monográfico chamo

pelo pseudônimo de Carioca, num dos momentos que descansávamos no alojamento, eu lhe

declarei que era simpatizante do espiritismo, e ele me disse então :

― – Se eu fosse você saia disso !-  Porque? Você também acredita que o espiritismo é coisa do Diabo,

como dizem aqui? – Ele riu e me falou :-  Não rapaz. Eu não acredito é em religião nenhuma. Tá vendo essa

pregação toda aqui contra os católicos, contra os espiritas, pois lá noRio, tem Centros de Recuperação iguais a esses que são espiritas, e atémesmo Centros que são de espiritas e evangélicos juntos. E é tudo amesma coisa. Manipulação da cabeça da gente. Eu sei porque estiveneles. É tudo uma máfia só.

-  Como assim uma máfia só ?-  Eu vou te contar o que eu sei e no que eu acredito. Quando eu fui

preso no Rio, os Pastores me tiraram da cadeia. Vieram com um papode que eu teria liberdade condicional, se ficasse dando testemunhos deminha ‗conversão‘, pois muita gente me conhecia e tinha medo demim. Quando vissem o que Jesus tinha feito comigo, iam querer seconverter também. Se eu não aceitasse, eles iam dar um jeito de memanter preso para o resto da vida. Eu passei por diversos Centros deRecuperação, e um deles era espirita e evangélico ao mesmo tempo,por isso eu não acredito em religião nenhuma. Eu já fiz trabalho sujo para muita gente de diversas religiões, mas os chefes da ‗maracutaia‘toda são evangélicos.

-  E o que é que você fazia para eles, posso saber ? – Ele me olhou

desconfiado e calado por alguns instantes e depois olhou para os ladose me disse :

-  Eu trabalhei para a Igreja Universal. Aprendi com os caras muitascoisas. Eles tem um Jornal, não sei se você conhece, é o FolhaUniversal. No jornal, tem uma parte chamada Cantinho do Coração ...É gente querendo se corresponder com outras pessoas para namorar,gente da Igreja. Espera que eu te mostro. – e foi buscar um exemplardo jornal, que era uma das leituras permitidas dentro do CERVIR. Eletinha vários jornais desse tipo debaixo de seu colchão. Quandoretornou me mostrou o jornal e disse :

-  Os caras do jornal colocavam muitos anúncios falsos, mais ou menos

assim, como esse aqui : ‗ Você que é da Igreja, tem formação superior,estabilidade financeira e queira compromisso. Me escreva! Sou loira,29 anos, divorciada, e procuro o amor de minha vida em Cristo Jesus.Favor enviar foto na primeira carta.‘. É o tipo de anúncio que deixaqualquer um doido, ( Pausa ) é loira, é morena, é isso, é aquilo. E oscaras terminam escrevendo. Mas eles escrevem, como o próprio jornalmanda, para o próprio jornal. E o pessoal do jornal, a partir disso temum otário nas mãos, pois obtém do cara tudo que é informação sobre a

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vida dele, e usam essas informações para tudo que é coisa. Nomeu caso eu ia fazer umas visitas a casa do sujeito quando ele nãoestivesse lá. Eu já fiz outras coisas, servi de gigolô, para prostitutascontratadas pelos pastores de várias igrejas, fiz tráfico de armas edrogas para a igreja, e até já sumi com crianças que os caras usam em

outros países para prostituição. Depois eles próprios se utilizam dessascoisas para fazer as matérias do jornal, denunciando o que ocorre nomundo do Diabo, pedindo ajuda em oração e dinheiro, para pessoasque foram assaltadas, violentadas, espancadas, desaparecidas. Quandodão alguma ajuda a essas pessoas, botam isso nos jornais e revistasdizendo que é o Poder de Cristo. O negócio é serio... Mas nem tudo éfalso, há anúncios verdadeiros, que visam casar mesmo as pessoas,para depois divulgarem, como uma ação de Deus. Tem mulheres,prostitutas contratadas e treinadas, que são da máfia da Igreja e que secasam só com caras ricos para trazer mais um fiel para a Igreja. Eu‗comia‘ uma, que era casada com um empresário rico que se converteu

depois que se casou com ela. O adultério rola solto, mas quando acoisa é descoberta, o casal é encaminhado para a ‗Terapia do Amor‘,onde cornos ainda pagam para se conformarem, pois Jesus é maior quetudo. – Enquanto conversava-mos, um dos obreiros apareceu, e nospediu para que voltássemos a estudar o livro de Atos.74 

As três técnicas, utilizadas mais freqüentemente no CERVIR,para facilitar o processo de conversão, são a privação do sono, ainsuficiência alimentar e, uma conduta física que leve à fadiga. O quepude constatar prejudicava o bem-estar e o equilíbrio mental e físico dos

internos. A memorização de versículos e da doutrina do CERVIR nogeral , ocorria durante e depois de um trabalho muscular intensivo, e osinternos faziam muitas queixas de sonolência e chegavam a sentirdificuldades para a realização do meais simples trabalho intelectual, comoler os textos exigidos, ou escrever alguma coisa. Muitos dos internostinham nível educacional primário; um número menor, eram secundaristase apenas um dos internos cursava universidade. Internos de níveisvariados de educação formal, comentavam terem dificuldades de fixar aatenção, após o trabalho, mesmo por pouco tempo, em um objeto ou umtexto. Tinham dificuldades de se concentrarem até no que os outrosestavam falando, queixavam-se de moleza. Percebi que aquilo eradesejado pela instituição, pois com baixa capacidade para reagir, oindivíduo se torna, então, mais apto a submeter-se e a obedecer.

74 - Os seis primeiros capítulos do livro dos Atos dos Apóstolos narram a vida da primeira comunidade cristã,na qual todos os crentes juntos colocavam tudo em comum, o capítulo três descreve a fraude de Ananias eSafira, punidos de morte por haverem desviado parte do valor da propriedade que tinham vendido, em vez deentregar tudo à comunidade. 

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― – Depois que a gente trabalha tanto, e come tão pouco, a únicavontade que dá é dormir. Mas o obreiro manda a gente deitar, só que nãodeixa a gente dormir, fica o tempo todo, andando de um lado para o outro,falando das Leis de Deus. E fala tanto que eu já decorei, e a coisa fica naminha cabeça repetindo sem parar.‖ ( Risos ) L., um menino de rua,

interno do CERVIR.

O sono responde a uma necessidade vital de repousoperiódico. Seu ritmo é condicionado por uma espécie de relógio interior epela sucessão do dia e da noite. Ë necessário a todos. Um animal privadode sono durante um certo tempo morre. Um indivíduo pode ficar acordadodurante uma ou duas noites, mas, além disso, começa a manifestardistúrbios psíquicos cada vez mais sérios, traduzindo-se por uma alteraçãoda memória, raciocínios ilógicos e, principalmente, perda total do sensocrítico. O sujeito é incapaz de distinguir a boa da má informação. Perde apossibilidade de censurar o que lhe dizem. A área da consciência serestringe em proveito da inconsciência que assimila totalmente ainformação não selecionada pela censura. A informação falsa podefranquear sem alteração as barreiras da compreensão e da censura parainscrever-se no inconsciente, sem passar pela área do consciente, queencontra-se em estado alterado, quase onírico.

Há um objetivo inicial, manter o indivíduo motivado a ouvi-los pela inquietude de uma necessidade física, psíquica e espiritualinsatisfeita, que se formula enquanto necessidade de adaptação radical aosdogmas que lhe são impostos ou internamente na forma de interrogaçõesou desejo de acalmar a tensão provocada e expressa na forma de medo,ira, ambição etc. . mantida a insatisfação, o sujeito sente crescer seuinteresse em continuar pensando na área de excitação provocada criadapela tensão da tendência insatisfeita. A criação imaginativa de hipóteses, avaloração judiciosa de sua utilidade ou certeza, e a escolha racional dacrença que servirá de base para um plano ulterior de conduta ou para aadoção provisional de uma atitude determinada é dependente da busca deadaptação a necessidade insatisfeita proporcionada por um conjunto defatores de ordem biopsicossocial. Como todo ciclo do pensar conduz auma conclusão, mesmo quando não permite solucionar o tema que omotiva, ou seja, a fadiga, a privação do sono , e a insuficiência alimentar,o indivíduo é levado a concluir que deve adaptar-se aos dogmas impostos,para por meio disso receber como recompensa um repouso, por uma folgano trabalho ou a participação numa atividade de lazer, o direito a umanoite tranqüila de sono e uma alimentação mais adequada, recompensasque no CERVIR se encontram depois que o interno passa da PrimeiraFase para as posteriores. Enquanto isso o sujeito permanecerá nanecessidade e nas suas conseqüências quanto a alteração de seu estado deconsciência, como expresso pelo relato a seguir :

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―- Tem horas que isso aqui parece um sonho, noutras um pesadelo ... parece que a gente está de ‗barato‘, mas sem ter usado nada.

Sabe, teve uma ocasião que eu me deitei na cama, e tive uma ‗viajem‘louca, parecendo ácido. Eu vi minhas próprias tripas, como se meuintestino estivesse aberto, numa operação e vi Jesus preso na cruz. Meuintestino parecia que tinha ganhado vida, eu era o meu intestino, e gritavacomigo que eu tinha culpa de Jesus estar na cruz. Depois eu vi que estavano alojamento, na cama e que o irmão Edvaldo estava falando dacrucificação.‖ H. , menino de rua, interno do CERVIR 

Tive a oportunidade de, durante um curso de Fundamentos da

Psicologia Junguiana, ministrado pelo psicólogo Adenáuer Novaes em1998, conhecer alguns conceitos de Stanislav Grof, um cientista que,partindo do trabalho de C. G. Jung, e de suas próprias experiências deterapia psicológica com o LSD, dar inicio ao que hoje se conhece comopsicologia transpessoal. Grof em seu texto Variedades das ExperiênciasTranspessoais : Observações da Psicoterapia com LSD75, nos dá umadefinição do que vem a ser uma experiência transpessoal, que era o queeu percebia como sendo a experiência que Carioca me relatara. A partirdisso pude pensar que certos estados alterados de consciência e, emparticular, certas experiências transpessoais, eram utilizadas comoexemplo de demonstração da existência do sobrenatural e do divino para

além de uma explicação enquanto experiência psicológica, para além desua explicação como um estado alterado da consciência. Segue-se o texto :

―Parece apropriado introduzirmos uma discussão das ex-periências transpessoais, tentando defini-las e descrevê-las. Assim, aexperiência transpessoal é definida como uma experiência que envolveuma expansão ou extensão da consciência além das limitações usuais doego e das limitações de tempo e espaço.

 No estado de consciência ‗normal‘, ou usual, o indivíduo passa pela experiência de existir dentro dos limites de seu corpo físico(imagem corpórea), e sua percepção do meio ambiente é limitada peloalcance fisicamente determinado de seus exteroceptores; tanto a suapercepção interna quanto a sua percepção do meio ambiente estãoconfinadas dentro das limitações de espaço e tempo usuais. Nasexperiências psicodélicas transpessoais, uma ou várias dessas limitaçõesparecem ser transcendidas. Em alguns casos, o sujeito experiência um

75 - Experiência Cósmica e Psicose  –  Pequeno Tratado de Psicologia Transpessoal, vol. IV  –  KennethWapnick; Raymond Prince ; Charles Savage; Stanislav Grof; Roberto Assagioli e Denizard Souza  – ColeçãoPsicologia Transpessoal 5/IV - - Petrópolis – Vozes, 1978. 

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‗afrouxamento‘ de suas limitações do ego usuais, e sua consciência parece expandir-sede modo a incluir outros indivíduos e objetos do mundo exterior. Emoutros casos, ele continua a experienciar a sua própria identidade, masnum tempo diferente, num lugar diferente, ou num contexto diferente.Ainda em outros casos, o sujeito experiencia uma perda total de sua

própria identidade do ego e uma total identificação com a consciência deoutra entidade.Finalmente, numa categoria bastante ampla destas expe-

riências psicodélicas transpessoais (experiências arquétipicas, encontroscom divindades bem-aventuradas ou coléricas, união com Deus, etc.), aconsciência do sujeito parece incluir elementos que não possuem nenhumacontinuidade com a sua identidade do ego usual e que não podem serconsiderados como simples derivativos de suas experiências no mundotridimensional.

Desde que o conceito da consciência normal ou usual foiintroduzido na discussão acima, parece apropriado mencionarmos a

relação entre os assim chamados estados alterados da consciência e asassim chamadas experiências transpessoais. Embora haja umasuperposição considerável entre estas duas categorias de experiência, elasnão parecem ser totalmente idênticas. O termo estados alterados daconsciência inclui as experiências transpessoais, mas existem certos tiposde experiências que podem ser qualificados de estados alterados daconsciência, mas que não atingem o critério para serem transpessoais. Porexemplo, uma revivência vivida e complexa de uma memória infantilocorre num estado alterado de consciência, mas não é necessariamenteuma experiência transpessoal. O mesmo é verdade, por exemplo, paravários jogos de fantasia e experiências simbólicas resultantes do uso de

técnicas de fantasias afetivas induzidas. De modo semelhante, umaexperiência primariamente estética, envolvendo visões de cores, depadrões ornamentais e de estruturas geométricas, em sessões psicodélicas,deveria ser rotulada como um estado alterado da consciência, mas nãoalcançaria os critérios necessários para ser considerada uma experiênciatranspessoal, como ela foi acima definida." ( Grof, Stanislav; 1978 )

Grof, neste mesmo trabalho cita, como exemplos deexperiência transpessoal, com o uso de LSD, a constrição espacial daconsciência, na qual os indivíduos relatam ter a consciência de si mesmosenquanto um órgão, tecido ou célula do seu próprio corpo; ou o que Grof concebe como uma extensão ( ou expansão ) experencial além da estruturada chamada realidade objetiva, quando sujeitos sob o efeito do LSD,relatam experiências de encontros com divindades ou entidades espirituaissupra-humanas, benevolentes ou furiosas; encontros que podem sercompreendidos, como contatos, carregados de forte carga emotiva, comconteúdos subjetivos personificados. ( Ib.: 107 )

Posteriormente, Grof, em suas pesquisas com o LSD e asassim chamadas experiências transpessoais, viria a desenvolver o métododa respiração holotrópica; uma respiração profunda, ritmada e acelerada

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que provocariam experiências transpessoais semelhantes as ocorridas na terapia comLSD. Isso nos chama a atenção para o fato de que estados alterados deconsciência e experiências transpessoais podem ocorrer, por uma via quenão seja a ingestão de substâncias psicoativas, tais como a fadiga porexcesso de trabalho, privação alimentar, privação do sono ( técnicas

utilizadas no CERVIR ). Além disso experiências transpessoais podemocorrer num estado alterado de consciência comum a todos os sereshumanos: o sonho, que ocorre durante o sono.

A insuficiência alimentar era garantida pela subalimentação e jejuns prolongados. A alimentação no CERVIR constituía-se de, pelamanhã, sopa de arroz polido ou sem casca, pão e cuscuz. A sopa poderiaser substituída por chá de erva-cidreira. No almoço comia-se o mesmoarroz polido, pão, cuscuz, farinha e verduras e legumes em pequenaquantidade, e muita água. À noite servia-se sopa de arroz polido e pão.

A segunda fase de doutrinação pode durar de três a seismeses, durante a qual o objetivo de maior interesse é estimular o sujeito,

com a recompensa de repouso e alimentação mais equilibrada a engajar-seno plano missionário da JOCUM, que significava, deixar o CERVIR rumoa um Estado longe da Bahia, para treinamento de técnicas de evangelismoe dissimulado.

O convertido é levado, novamente através da manipulação edo controle incessantes do seu processo do pensamento, a transformar-senum apologista ferrenho de Loren Cunningham, e termina identificando avontade dos dirigentes do CERVIR com a de Deus.

A falta de sono, a fadiga e a subalimentação associadas nostratamentos produzem o desaparecimento do senso crítico e da autocrítica.A censura é então inoperante. Se informações viciosas são injetadas cem

freqüência no conjunto dessas condições, obtém-se o que comumente sechama de lavagem cerebral. Por esse processo, as mais fortespersonalidades podem ser transformadas em farrapos humanos inteira-mente submissos à vontade de um indivíduo que os manipulará como bementender.

Para evitar quem alguém questione uma ordem, que sejaabsurda mesmo para o interno, que já tenha interiorizado a norma eobedeça cegamente aos lideres do CERVIR, os próprios dirigentes dizem :Se um dirigente mandar fazer alguma coisa má e você obedecer noSenhor, você estará justificado diante de Deus por sua obediência,enquanto ele prestará contas a Deus por seu erro. As circunstâncias econdições externas mudam as leis divinas. Isto está pautado em Atos 21.4;Atos 21.11e Atos 21.7. 76 

76 - Atos 21.4 : ― Encontrando os discípulos, permaneceremos lá durante sete dias; e eles, movidos peloEspírito, recomendavam a Paulo que não fosse a Jerusalém.‖ ; Atos 21.11 : ― e vindo Ter conosco, tomando ocinto de Paulo, ligando com ele seus próprios pés e mãos, declarou : Isto diz o Espírito santo : Assim os

 judeus em Jerusalém farão ao dono desse cinto, e o entregarão nas mãos dos gentios.‖ Atos 21.7 : ― Quanto anós, concluindo a viagem de Tiro, chegamos a Ptolemaida, onde saudamos os irmãos, passando um dia comeles.‖ 

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O terror psicológico era implantado de antemão em todos os internos,pois os pastores sabiam que existia entre eles o desejo quase quepermanente de ir embora , e visava garantir que eles, os internos,lutassem com todas as suas forças perante esse desejo.

Quando algum interno desejava sair do CERVIR, interromper

o ―tratamento espiritual‖ , os encarregados da instituição logo diziam, paraele e para outros internos ouvirem : ― Quem és tu, ó homem, paradiscutires com Deus?! Porventura pode o objeto perguntar a quem o fez :Porque me fizeste assim ? Ou não tem o oleiro direito sobre a massa, parade mesmo barro fazer um vaso para a honra e outro para a desonra ? quediremos , pois se Deus querendo demonstrar sua ira, e dar a conhecer oseu poder, suportou com muita longanimidade os vasos de ira, preparadospara a perdição, a fim de que também desse a conhecer as riquezas da suaglória em vasos de misericórdia, que para a glória preparou de antemão,os quais somos nós, a quem também chamou, não só dentre os judeus,mas também dentre os gentios ? ‖ ( Romanos 9 : 21-25 ) Com a utilização

destes versículos se intencionava dizer que se um homem pode fazer o quequiser com aquilo que cria, Deus certamente poderia faze-lo com seus―vasos‖, com sua criação, o homem. E Deus já de antemão havia criado,―vasos de misericórdia‖, seres preparados para a glória com ele no céu,que no caso eram os membros do CERVIR e aqueles que decidissemaderir a sua doutrina e, os ―vasos de ira‖, aqueles que já de antemãohaviam sido criados por Deus e preparados por Ele para não aceitarem adoutrina, e recusando-a, servirem de exemplo da ira de Deus, caindo naperdição ainda nesta vida, posto que levaria uma vida em tudo angustiadae ainda seria lançado no inferno. Os internos tinham verdadeiro pavor,quando se falava isso, posto que existia o medo de ser um ―vaso de ira‖,

de não ser um eleito, um escolhido para uma vida prazerosa na Terra, edestinado a prazeres eternos no céu.Aquele que se recusa a obedecer é punido de reclusão e, em

última instância, de uma forma de exorcismo de expulsão do CERVIR,acompanhada de uma ―maldição‖ : Um castigo de Jesus, seja ele a morte,o castigo da família, perseguições, retorno às drogas e a marginalidade,loucura e morte. ― Coisa que já aconteceram com quem decidiu abandonar a Deus, coisas dos ‗vasos de ira‘.‖, como dizem.

CONCLUSÃO

No CERVIR, segue-se a linha do Protestantismo Autônomo no que tange aconcepção de ―libertação‖, ou abandono total de toda e qualquer dependência a ―drogas‖

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com fruto do ―Toque de Jesus‖, ou seja, uma ên fase na transcendência imediata e acrença na cura através dos dons do Espírito Santo. Mas a ―libertação‖ só se completaquando se adquire uma verdadeira militância religiosa, o pietismo e a valorização da Bíbliacomo fonte da verdade.

―Eu já sentia que Jesus havia tocado o meu coração e não sentia mais vontade deusar qualquer droga. Mas me pegava pensado nela e às vezes sonhava que estava drogado.Mas parei de pensar nas drogas quando passei a trabalhar como obreiro. E quanto mais lia abíblia, em vez de sonhar que estava me drogando, sonhava que estava na Terra Santa, aolado de Jesus‖ Abdias, obreiro do CERVIR.

Podemos, seguindo o raciocínio de Maria das Dores Campos Machado (1996),destacar a devoção a Maria, a participação freqüente nos sacramentos e a obediência aoPapa como sinais das forças da identidade católica entre os carismáticos. (Machado1996:76).

No CERVIR, que abrigava na época da pesquisa muitos internos que haviamdeixado o catolicismo por uma série de razões, sendo a principal delas o fato de nãoencontrarem apoio naquela religião, para livra-los da ―dependência‖ das ―drogas‖, o ataquerealizado pelos pastores e obreiros às drogas passava primeiro por um ataque aocatolicismo, principalmente por um ataque à devoção à Maria, ou à ―mariolátria‖ que ia dacensura e proibição do pronunciamento da simples exclamação ―Ave Maria!‖, até aassociação desta com divindades femininas cultuadas pelos pagãos, com a exibição defilmes com imagens de Maria orientalizadas ou rodeadas de cobras, com pessoasarriscando-se a serem por elas atacadas na tentativa de tocar na imagem; e um igual ataquea autoridade do Papa, visto como seguidor do Diabo, e sobretudo como um homem, homemfalível que era afeito, assim como os seus comandados, ao luxo, à ostentação e ao vinho.

Machado nos faz entrar no terreno da clássica distinção entre ser católico e serprotestante numa sociedade em que o catolicismo é a religião hegemônica, o que nospermite compreender o verdadeiro significado da filiação religiosa aos movimentosabordados em seu trabalho.(Ib.:80)

A autora nos chama atenção para o fato de que na história ocidental cristã, adomesticação dos indivíduos pela célula familiar foi um projeto comum às duas Reformasreligiosas do século XVI. A intervenção eclesiástica nessa área muito limitada até naquelaépoca, e mesmo no caso da regulação dos laços matrimoniais se adaptava aos costumes etradições de cada lugar. Justamente a partir do enfrentamento com os reformistas protestantes foi que a Igreja católica tomou ―consciência da força dos laços domésticos edas possibilidades que ofereciam para vigiar e educar as massas de fieis‖. Mas a moralidadefamiliar e a capacidade de controle de cada uma dessas tradições religiosas sobre ocomportamento dos fieis não foi a mesma.(Ib.:80)

―Meu filho- iniciou o discurso o Irmão Lago  –  para á gloria de Jesus terminourecentemente um namoro que mantinha com uma moça católica. Ela já andava triste com odescaso dela para com as recomendações bíblicas sobre o devido comportamento de umamulher. Como se não bastasse, ele passou por uma situação muito difícil no trabalho dele,onde todos os funcionários estavam envolvidos num desvio de verbas da empresa, menosmeu filho e um Testemunha de Jeová. Meu filho contou isso para a namorada, e disse mais

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a ela. Disse que os funcionários envolvidos no desvio, eram católicos. Ela nem sequerpercebeu do que ele estava falando, não se importou com o pecado. Hoje, meu filho ora porela, mas o relacionamento está acabado.‖ Irmão Lago, Presbítero do CERVIR.

Citando Durkheim, Machado nos diz que este autor, no seu estudo sobre o suicídio,

  já chamava atenção para a relação entre a rigidez moral e o elevado controle dacomunidade sobre os seus adeptos e sua condição de minoria religiosa. Durkheim, segundoMachado, aponta para o fato de que os grupos minoritários que lutam contra a hostilidadedas populações locais tendem com freqüência a uma vigilância severa sobre os seusmembros, submetendo-os a uma disciplina rigorosa para justificar a tolerância que lhes éconcedida. Assim, para além da natureza dos sistemas religiosos protestantes e católicos, acondição de minoria religiosa nos países estudados por Durkheim favorecia aos católicosuma maior integração à comunidade religiosa, preservando mais os homens contra o desejode se destruírem. Esta integração estaria garantida pela existência de ―um certo numero decredos e de práticas, comuns a todos os crentes, tradicionais e, portanto obrigatórias‖.Quanto mais fortes e numerosos fossem estes estados coletivos, maior seria a sua

capacidade profilática. Nesta linha de interpretação, o detalhe dos dogmas e ritos seria,então, secundário, ―o fundamental é que fomentassem uma vida coletiva suficientementeintensa.‖( Dunkheim In: Machado, 1996:80-1)

No CERVIR, fazia-se questão de priorizar para os internos, que eles eram ―eleitos eescolhidos por Deus‖ para estarem ali, que haviam sido retirados ―do fundo do inferno‖, oude uma sociedade com valores católicos hegemônicos, o que, para os Pastores, era uma só emesma coisa, sendo que o catolicismo, o espiritismo, o candomblé e as inúmeras religiõesda Nova Era eram apenas formas diferentes da ―Igreja do Diabo‖, Diabo que estava―sempre ao derredor, rugindo como um leão, buscando a quem tragar‖, ou seja, a quemconduzir à morte, via as ―drogas‖ e a ―marginalização‖. Como ―povo eleito‖, sua famíliaera agora a família dos crentes no Protestantismo Autônomo, o que, para Oseías e outros

que não tinham referencial de família, era algo consolador. Some-se a isso o fato de queexistia para estes a promessa de uma futura integração numa família evangélica adotiva.Todos os atos ocorridos no CERVIR, da parte dos internos, tinham que vir a público

e serem reintegrados num processo maior de socialização dos mesmos enquanto umafamília, ―os filhos eleitos de Deus‖; e nos cultos, as orações se direcionavam sempre para asalvação, da família construída dentro da instituição, de suas próprias contradições.Contradições vistas como ―setas do inimigo‖, que tentava, desesperado, um último recursopara destruí-lhes a vida, e separar-lhes de Cristo. As ofertas à igreja, ou ao corpo de Cristo,eram ofertas para edificação de uma família, que há muito, já fazia parte dos ―planos deDeus‖. Ao ofertar, um interno o fazia motivado por sua família verdadeira, para o bem de simesmo, de seus irmãos e para a glória da Deus. A família, ou seja, o conjunto dos internosvigiava-se continuamente contra toda e qualquer forma de ―pecado‖, sendo o pecadoconcebido como algo que, antes de tudo, quebrava as relações harmoniosas ―do homempara com Deus, de forma vertical, dos homens para com outros homens, de formahorizontal. Esse é o significado da cruz.‖. A vigilância se mantinha constante porque osinternos passavam o dia repetindo, sem cessar, no meio de toda e qualquer atividade,versículos bíblicos escolhidos e numa dada ordem, imposta pela instituição.77 

77 - Seguem-se os versículos na ordem em que deveriam ser decorados e recitados :

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A interpretação dada a estes versículos é enviesada por aquilo que Machadodenomina como dificuldade da Igreja católica em fazer com que sua doutrina servisse deguia para a conduta moral dos brasileiros, o que revela que o desenvolvimento docatolicismo no Brasil gerou formas diferenciadas de participação, que iam do engajamento

em irmandades até a relação meramente sacramental com a Igreja e a indiferença emrelação aos seus preceitos éticos. (Machado, 1996: 81). Ou seja, o discurso protestante doque seja um crente é criado em oposição ao que é ser um católico. (Para o ProtestantismoAutônomo, seres sem ética.)

A conversão do indivíduos no CERVIR leva em consideração que eles advém do―meio católico‖ (onde para os pastores é comum a aceitação do espiritismo, do candomblé,da magia e da feitiçaria etc.). Procura se conscientizar o futuro crente, do pecado de sercatólico, por ser desviante do que ordena Jesus e busca-se aquilo que Machado cita: que aconversão seja uma forma consciente e deliberada com que o futuro crente venha a ―adotar os novos valores, normas e práticas religiosas‖(Ib.: 81) Uma verdadeira crise se instala noCERVIR, entre os membros recém chegados e destinados ao pavilhão da 1º Fase (Chamado

―Renascer‖), que confrontam valores e crenças antigos com os novos em meio a umaabstinência forçada das substâncias às quais eram dependentes; jejuns e privaçõesalimentares e de outros tipos; leitura forçada da bíblia; orações; convivência com coisasabsolutamente sem sentido para o não-crente, como os exorcismos; possessões demoníacasou pelo Espírito Santo; gritarias e uma multidão de pessoas se ―comunicando‖ por meio de―línguas estranhas‖. Nesse primeiro momento, é recomendada a repetição durante todo dia,dias a dias, dos versículos II Coríntios 4: 8 – 10 Coríntios 4: 17-28, que falam de tribulação,perplexidade, perseguição, abatimento, que realçam que isto é comum a todo aquele quedecide abandonar o Diabo e seguir agora a Deus. Machado nos chama atenção para otrabalho antropológico de Brandão, que aponta para fato da distinção entre as tradiçõesprotestante e católica se basearem na conversão, entre os protestantes, como ruptura

―Em tudo somos atribulados, porém não angustiados; perplexos, porém não desanimados;perseguidos, porém não desamparados, abatidos, porém não destruídos; levando sempre no corpo o morrer deJesus, para que também a sua vida se manifeste em seu corpo‖. (II Corintios 4: 8 – 10);―Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós um peso de gloria muito excelente; Nãoatentando nós coisas que se vêem são temporais, e as que não se vêem; porque as que se vêem são temporais,e as que não se vêem são eternas‖ (II Corintios 4:17-8);―Por que este é o amor de Deus: que guardemos os seus mandamentos; ora os seus mandamentos não sãopenosos, porque todo o que é nascido de Deus vence o mundo; e esta é a vitória que vence o mundo: a nossafé.‖ (I João 5: 3-4) ;―Vos porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim deproclamardes as virtudes daqueles que vos chamou das trevas para sua maravilhosa luz, vós, sim, que antes

não éreis povo, mas agora sois povo de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas agora alcançastesmisericórdia.‖ (I Pedro 2 : 9 – 10);―O senhor te guiará continuamente e te fartará até em lugares áridos, e fortificará os teus ossos. Serás comoum regado e como um manancial, cujas águas nunca falham.‖ (Isaias 58:11); 

―Depois disto ouvi a voz do Senhor, que dizia: A quem enviarei, e quem há de ir por nós? Disse eu:Eis-me aqui, envia a mim.‖(Isaias 6:8); ―A palavra de Cristo habite em vós abundantemente, em toda sabedoria, ensinando-vos uns aos outros, com

salmos, hinos e cânticos espirituais: cantando ao senhor com graça em vosso coração . E, quanto fizerdes porpalavras ou por obras, fazei em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus Pai‖ (Colossenses 3: 16 -17). 

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simultânea com a confissão hegemônica e com a tradição cultural brasileira; namilitância religiosa, no controle, pela comunidade confessional, da conduta dos adeptos.(Ib.: 82)

Quando esse período inicial de crise se ameniza é a hora de se propagar entre osinternos ―o amor de Deus‖ que é ―guardar os seus mandamentos‖, ou seja, interiorizar os

dogmas do Protestantismo Autônomo que se confundem com os próprios mandamentosdivinos. Acentua-se que o rigor exigido na terra é leve, se comparado com o inferno queaguarda o transgressor. Recomenda-se o afastamento de toda crença e esperança naquiloque se vê, principalmente nas imagens, e na desastrosa e sofrida situação cotidiana noCentro, e convida-se o interno a esperar o que não se vê, porque como a ele de esperar algodaquilo que já está vendo. Tudo o que se vê se passa com o passar do tempo e o bom, abondade, a igualdade, a fraternidade, o amor, coisas que não se vêem no mundo, são ascoisas que realmente existem, são concretas e eternas. Estas se encontram na vida após essavida, e nessa vida no seio do Corpo de Cristo, na medida em que o fiel torna-severdadeiramente um crente. Isso é realçado pela repetição dos versículos contidos no LivroPrimeiro de João, capítulo Cinco, versículos Três e Quatro.78 

Para tornar-se crente o interno deve guiar a sua vida pela fé, mas caso insista emmanter algum valor ou prática católica, que ―estimulem desejos e nos levam para as drogas, já que nenhum desejo pede ser satisfeito‖, ele é levado a questionar se realmente ―é na scidode Deus‖ ou é ―filho de Satanás‖. 

Retomando a leitura que Machado realiza de Brandão, vemos que existe nocatolicismo brasileiro uma pluralidade de modos de ser que configuram uma equivalentepluralidade de participar que o distinge ao mesmo tempo do protestantismo (onde o fielprecisa ser para participar) e dos cultos afro-brasileiros (onde é absolutamente comum apessoa participar sem ser ). No seio católico pode se identificar pelo menos trêsmodalidades básicas de fiéis: o que procura a igreja para a realização de sacramentos e queeventualmente assiste aos cultos; o católico com uma prática que vai das missas dominicais

ao engajamento nas pastorais e movimentos leigos; e aquele que se diz católico por serbatizado ou pertencer a uma família tradicionalmente católica, mas não se sentecomprometido nem participa das atividades de sua comunidade religiosa. Já nascomunidades protestantes, existe um sentido de pertencimento. O ser e o participar estão detal formas ligados que seria impossível encontrar entre seus fieis a terceira modalidadedescrita anteriormente, afinal, a militância é uma dimensão essencial da identidadeevangélica. (Ib.: 82)

No Protestantismo Autônomo a importância da religião na firmação de um modo deser ou de um ethos adquire um caráter radical. No que se refere ao tratamento de meninosde rua, que, como no caso estudado, haviam entrado em contato com diversas religiões e,além disso, em virtude de viverem na rua que deles exigia velocidade de adaptação,constante questionamento ou modificação dos valores e ações, flexibilidade perante asociedade e a vida no geral e um forte senso de identidade pautado no uso de psicoativos,que, diga-se de passagem, estimulavam uma relativização da realidade e dos conceitos deverdade; diferentes maneiras de ser e estar no mundo que prezavam a individualidade e asubjetividade, como coisas a serem preservadas e defendidas; o choque com os dogmas e

78 - ―Por que este é o amor de Deus: que guardemos os seus mandamentos; ora os seus mandamentos não sãopenosos, porque todo o que é nascido de Deus vence o mundo; e esta é a vitória que vence o mundo: a nossafé.‖ (I João 5: 3-4) 

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práticas de Protestantismo Autônomo era, pois, violento, posto que este último, aopriorizar a militância religiosa e o controle dos sujeitos via a família, afastando qualquerpossibilidade de manifestação política, militante, qualquer valorização da subjetividade e daindividualidade dos sujeitos, confrontava os meninos com um projeto de massificaçãoonde o eu individual passava a valer enquanto pessoa de um crente, membro de um

rebanho.Machado nos coloca diante de uma citação de Brandão, bastante educativa:

―Uma pessoa ‗crente‘ é antes de tudo, a pessoa de um crente, e todos os outrosqualificadores de sua identidade local de origem no pais, o grau de instrução escolar, aprofissão atual, a definição política são secundários, ou são reescritos a partir da maneiracomo o sujeito pentecostal submete todas as dimensões de sua ação social e darepresentação que faz de si, através de tal ação significativa, aos termos e símbolos de suaidentidade militante religiosa. As pessoas são católicos mas tornam-se crentes ouconvertem-se ao pentencostalismo, e esta variação de crença constrói na avaliação doprocesso que transforma o sujeito através da religião, uma identidade que toma a religião

como critério determinante de sua diferença. (Brandão 1988: pp. 36-37 In: Machado,1996:82-83)

No CERVIR, há uma verdadeira oposição a qualquer comportamento reconhecido comotípico da tradição cultural brasileira ( o futebol, por exemplo, é tolerado, mas praticadoapenas nas quartas-feiras, quando se estabelece um dia de folga na instituição, mas procura-se sempre tirar qualquer incentivo ao mesmo) e da identidade católica (praticas sincréticas,adoração aos santos e a Maria etc.). Tais comportamentos são tidos como ―influências dodemônio‖, e associados ao uso de psicoativos. Assim, após o futebol, passa -se um filmemostrando o uso prejudicial de ―drogas‖ por esportistas, ou uma cena na qual um velho,falando ao mesmo tempo em santos, orixás, caboclos e Jesus, toma alguns copos de

aguardente. Filmes norte-americanos sobre gangues de rua, envolvidos com armas,violência, uso e tráfico de drogas, prostituição, racismo em meios católicos, são exibidos,trazendo sempre no final o aparecimento de algum pastor evangélico, que após dificuldadesquase insuperáveis, se não fosse a ação sobrenatural de cristo, converte a todos, e os levapara a Igreja.

Mas a rejeição ao mundo, nos diz Machado, não implica sua transformação. Aocontrario: prega-se o recolhimento do fiel ao interior da comunidade religiosa paraproteger-se das ―forças malignas‖ que regem o mundo externo – a sociedades inclusiva.Ali, ele [o fiel], pode vigiar e ser vigiado pelos companheiros de fé, adotando umamoralidade em grande parte ―privatizada‖.(Ib.:83) 

Centrais, para tanto, são as regras para o vestuário (padronizado ao extremo noCERVIR), a aparência estética ( cabelos quase raspados, barba feita, postura ereta, roupaalinhada, bem lavada e passada, calçados engraxados, dentes sempre escovados e banhoduas vezes ao dia) regras para com práticas sexuais (vigilância nos banheiros e à noite paraevitar masturbação, homossexualismo ou fuga para um bordel localizado defronte aoCentro. Auto-vigilância dos pensamentos ―libidinosos‖, e o andar sempre em trio.) e aorientação para a rejeição de práticas sexuais fora do casamento monogâmico.

Com o passar dos dias, mesmo com a vigilância extrema, as regras vão um poucosendo desobedecidas. Aqui e ali alguém recusa vestuário, negligência a aparência estética,surgem pessoas flagradas masturbando-se. No período da pesquisa, um obreiro foi

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denunciado por oferecer drogas aos internos em troca de relações homossexuais.Pressionado pelos internos e por alguns pastores, retratou-se em público num culto,lembrando que o apostolo João havia advertido, não contra o pecado em si, inevitávelenquanto estivéssemos num mundo sujeito a ação do Diabo, mas sim, que João haviaadvertido contra a  permanência no pecado. Como esse obreiro era o responsável pelos

cofres da instituição, sendo tesoureiro da mesma e o responsável pelas compras dos gênerosnecessários à sobrevivência no centro, bem como era contato direto com dirigentes dehospitais (que atendiam com urgência os internos) e com os mantenedores da instituição,seus delatores é que foram punidos, ficando privados de alimentos, lanches, examesmédicos e das folgas nas quartas.

―A falta de uma presença feminina, tenho de admitir, abaixa a moral dos ‗alunos‘.Deus não quis que o homem fosse só, por isso deu-lhe uma ajudadora. Mas uma mulheraqui é impensável. Temos que resistir as tentações assim mesmo, pois aqui é um ‗deserto‘,um local de tentações, onde encontramos tanto a Deus quanto ao Diabo.‖ Pastor Heber, doCERVIR.

Nessas ocasiões, faziam-se discursos inflamados, nos quais era exposto que eraparte do plano de Deus que cada um dos que ali se encontravam, era para se encontrar alimesmo, que isso era uma ―benção‖ divina. Se estavam ali era por que haviam sidoescolhidos por Deus como ―nação eleita, sacerdócio real, nação santa‖, e que, portanto, eranecessário suportar as tentações. Lembretes eram dados a cada um sobre de onde tinhamvindo: de lares destruídos, de debaixo da ponte, das sarjetas, das prisões, ou seja, das―trevas‖, e que estar na ―luz‖ era estar ali sem receio de voltar para a antiga vida, fantasmaque assustava a cada um dos internos e, em particular, os que corriam perigo de vida seretornassem para os contextos de onde tinham vindo. Era uma misericórdia de Deusestarem ali. Orava-se continuamente I Pedro 2: 9-10.79 

―Escova direito esses dentes –  disse um dos internos a Oséias  –  se não estraga. E seestragar, tem que arrancar sem anestesia!‖ 

Uma vez por mês compareciam ao centro um médico e um dentista evangélicos. Omédico limitava-se a passar remédios contra vermes, fosse qual fosse a queixa. Esse era oatendimento médico. E o dentista realizava, de fato, extrações sem anestesia. Converseicom esse último sobre o porque de só se realizar extração, e ainda por cima sem anestesia.O dentista me respondeu que era mais prático extrair, que era assim que ele fazia nascadeias e penitenciarias; com anestesia, seria caro. Logo após isso, quis saber quem era e deonde eu vinha. Um dos internos me conformou que as duas punições mais temidas nocentro eram a de ―arrancar toco‖, ou seja, passar a noite arrancando o toco de uma arvoregrande do chão, e a extração de dentes inflamados, cariados ou bons, sem anestesia.

79 - ―Vos porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fimde proclamardes as virtudes daqueles que vos chamou das trevas para sua maravilhosa luz, vós, sim, que antesnão éreis povo, mas agora sois povo de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas agora alcançastesmisericórdia.‖ (I Pedro 2 : 9 – 10) 

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A conversão de indivíduos socializados em lares evangélicos, de umadenominação evangélica para outra, é, segundo Machado, menos traumática do que aquelaindicada no caso do catolicismo para o protestantismo (Ib.: 83) Mas não deixava de sertraumática no CERVIR, onde indivíduos de denominações ―menos formais e legalistas‖,como eles diziam, eram submetidos à disciplina rigorosa do Centro.

Uma vez que o medo ia fomentando a necessidade da fé, salientava-se que era ocomportamento de cada um que garantia a salvação. Que cada um tinha que ter por medidao ―sal‖, pois Jesus havia dito que eram ―o sal da terra‖, e ser ―sal é ter caráter‖. ―Um caráter que seja ―luz‖ para o mundo e ser ―luz‖ é ser responsável num mundo das ―trevas‖, ou seja,da irresponsabilidade. ―Mas, não basta falar, tem que ser ‗exemplo‘. Quando Jesus disseque não se pode esconder uma cidade situada em um monte, ele está dizendo que as pessoas olham nosso caráter e a nossa responsabilidade quando damos exemplo.‖ 

O medo das punições por não serem ainda o crente exemplar, necessitava dapromessa de que essa tensão logo se dissolveria, que Deus os guiaria naqueles momentosáridos, assim como em outros iguais que ocorreriam no futuro. Mas que isso os tornariarealmente ―homens‖, homens ―à imagem de Deus‖, e que se morressem ali, ou em outro

lugar no futuro, firmes naquela conduta religiosa ali pregada, firmes num comportamentodigno de ser realizado na presença de Deus, Deus ―teria prazer na morte de seus justos‖80. Eque após a morte, iriam para o céu, onde viveriam de leite e mel. E começava-se a repetirdurante o dia, dia-a-dia, mais um versículo: Isaías 58:1181.

Aos poucos, nos diz Machado, movimentos como o puritanismo, o pietismo e ometodismo foram colocando o ascetismo ativo e a busca da santificação no lugar antesocupado pela confiança na misericórdia divina, fazendo com que a salvação dos homensvoltasse a depender da conduta religiosa e comportamento de cada um. (Ib.: 84)

Com o passar dos dias as pessoas internas no CERVIR iam se adaptando às

exigências da instituição, quanto à conduta religiosa e ao comportamento de cada um. Essaadaptação era simultânea a uma reação silenciosa. Nos dias de visitas de parentes (1ºDomingo de cada mês), no dia de visitas dos pastores estranhos ao CERVIR, de comitivasde fieis vindos das mais diversas igrejas e dos mais diversos lugares, o comportamento decada um e a conduta religiosa nos cultos e fora deles, mostrava-se teatralmente exemplar.Interessava mostrar para a sua sociedade algo mais que uma simples regeneração.

A reação a este estado de coisas é que os internos passavam, às escondidas, a fazertudo o que lhes era proibido. Esses já eram considerados recuperados e iam para a 2 a ou 3a fase, outros pavilhões de alojamentos situados bem distantes do primeiro e que nãocontavam com a vigilância de obreiros, e onde era proibido os internos da 1º fasecomparecerem. A alimentação destes era diferenciada e melhor e, o principal, lá, segundome relataram a princípio alguns informantes - e depois pude constatar pessoalmente, já quetanto Oséias quanto eu fomos transferidos juntos para a 2a fase - o uso de psicoativos comocigarros, álcool e maconha era algo comum e mesmo conhecido da instituição, já que os

80 - Constatei, a partir do que me diziam os pastores, que houveram casos, onde pessoas, em plena situação deoverdose, foram chamadas a ficar somente orando, e recusarem tratamento médico emergencial, o queculminou em morte. Tal fato foi interpretado pelos Pastores, como sendo ―uma benção‖, já que, tendomorrido fiéis à ―Palavra de Deus‖, já haviam conquistado um lugar no céu. 81 - ―O senhor te guiará continuamente e te fartará até em lugares áridos, e fortificará os teus ossos. Seráscomo um regado e como um manancial, cujas águas nunca falham.‖ (Isáias 58:11) 

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próprios obreiros eram os fornecedores. Na calada da noite, alguns internos escapuliampara o bordel, já que a 2a e a 3a fase não era área de confinamento como a 1a, não existindocorrentes e cadeados. Pude então compreender porque os internos da 2 a e 3 a fase eram tãocalmos, tão alegres e f estivos, e o porque de certos ditados como ―agora o obreiro me passou a visão‖. 

Não existia um abandono do uso de psicoativos, apenas o seu consumo oculto,sigiloso. A instituição dizia ser este o seu objetivo: acabar totalmente com o uso de―drogas‖. Sendo esse seu objetivo, ficava patente que ela não o alcançava e, muito pelocontrário, estimulava os indivíduos a levarem uma vida dupla; às escondidas comoconsumidores vorazes e sem critérios, às claras, como exemplo de boa conduta religiosa ede bom comportamento; ela obscurecia um debate aberto sobre a questão das drogas, postoque se apoiava no seu consumo mascarado, camuflado, oculto, onde para não seremflagrados, os internos se expunham a todos os riscos da clandestinidade e a perigos decontaminação por HIV, por partilha de seringas, posto que era difícil de obte-las, e porrelações sexuais sem o uso de preservativos, fatos que colhi dos próprios internos, quandorelatavam suas aventuras no citado bordel.

Oséias, apesar de não freqüentar o bordel, retomou o uso da maconha, emborademonstrasse até um certo fanatismo religioso, uma conduta exemplar, uma assiduidadeaos cultos que me impressionava. Foi franco e aberto comigo, revelou que o Pastor sabiaque ele ainda não tinha largado o uso de ―drogas‖, mas que, se mantivesse a ―fachada‖, o pastor o enviaria para uma das ―bases‖ da JOCUM na Paraíba e conseguiria uma famíliaadotiva para ele naquele Estado, onde ele iria estudar para ser um missionário, que viajaria―até para outros países‖. Muitos dos miseráveis que estavam por ali, não tinham outraperspectiva na vida a não ser seguirem a proposta missionária do CERVIR, da ADHONEPe da JOCUM, repetindo todos os dias, após os estudos bíblicos, Isaías 6:8.82 

A partir de sua mudança para a 2a Fase, Oséias e outros, passaram a ter mais tempolivre para o estudo bíblico, visto que o trabalho havia se tornado facultativo para os que

decidiam seguir a carreira missionária. Passavam longas horas do dia, sob a orientação doIrmão Lago, aprendendo a bíblia e como utiliza-la para repreender, em si e em outros,falhas na conduta religiosa e falhas no comportamento que iria à público. E faziam issorepetindo, constantemente, todos os versículos citados, acrescentando agora Colossenses 3 :16 – 17.83 

A salvação dos homens, nos diz Machado, dependente não mais da misericórdiadivina, mas da conduta religiosa e comportamental de cada um; isso é típico doprotestantismo missionário dos Estados Unidos, e o que o diferencia do ProtestantismoEuropeu. Uma de suas características marcantes é a apresentação da conversão e dasantificação (isto é, ―a plena perfeição cristã que pode ser alcançada na vida‖) como doismomentos complementares da salvação . (Ib.:85) Salientamos que, para o ProtestantismoAutônomo, se num primeiro momento o fiel é chamado à conversão à Jesus, o modelo daplena perfeição cristã que pode ser alcançado em vida está dado não por Jesus, mas pelafigura do pastor e dos missionários célebres, como por exemplo, Loren Cunningham, o

82 - ―Depois disto ouvi a voz do Senhor, que dizia: A quem enviarei, e quem há de ir por nós? Disse eu: Eis-me aqui, envia a mim.‖(Isaias 6:8) 83 - Colossenses 3 : 16   –17 : ―A palavra de Cristo habite em vós abundantemente, em toda sabedoria,ensinando-vos uns aos outros, com salmos, hinos e cânticos espirituais: cantando ao senhor com graça emvosso coração . E, quanto fizerdes por palavras ou por obras, fazei em nome do Senhor Jesus, dando por elegraças a Deus Pai‖ 

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missionário que em dezembro de 1960, fundou a Ywan ( Youth With a Mission) ouJOCUM ( Jovens com uma missão), cujos livros são de leitura obrigatória no CERVIR.

Um aspecto curioso, dos dois livros de Cunningham lidos no CERVIR é a ênfasedada ao fato de que estes livros pertencem ao chamado ―inicio do movimento de renovaçãoespiritual‖ e que se encontram neles ―relatos de fatos misteriosos e de milagres‖, ―uma

evidência da operação soberana de Deus‖, ―da iniciativa divina‖, ―Com casos de orientaçãosobrenatural comprovados com duas ou três testemunhas ( que é o padrão bíblico para seatestar a veracidade de qualquer afirmativa)‖ e que apontam ―para a nossaresponsabilidade‖ diante das ―necessidades pessoais do crente de uma consagração genuínae disciplina pessoal‖, onde a boa conduta e comportamentos religiosos são reconhecidospor Deus, que passa a realizar feitos sobrenaturais comprovados na vida do crente,―abençoando-o‖. 

Em um dos seus livros, intitulado Pode falar Senhor... Estou ouvindo, o missionárioCunningham, nos dá o seguinte relato do fato que o levou à empenhar-se na construção daJOCUM:

―Naquela noite, após o término do culto em que cantamos, fui direto para o quartode hóspedes da casa do missionário, onde estava hospedado. As paredes eram caiadas, semquaisquer adornos, a não ser uma gravura da ilha numa simples moldura de madeira.Deitei-me na cama, dobrei o travesseiro e coloquei-o sobre a nuca. Em seguida, abri aBíblia, e, como fazia rotineiramente, pedi a Deus que me falasse.

Mas o que aconteceu logo depois não foi nada de rotineiro.Subitamente comecei a enxergar o mapa mundi. Só que o mapa estava como que

vivo mexendo-se. Sentei-me no leito, abanei a cabeça, esfreguei os olhos. Era como que umfilme que se passava em minha mente. Via todos os continentes. Ondas se arrebentavam emsuas praias. Cada uma delas penetrava num continente, depois voltava; em seguida vinha de

novo e penetrava um pouco mais; e ia assim até que cobria todo o continente.Fiquei de fôlego suspenso. Continuei a olhar e a cena se modificou. As ondastransformaram-se em jovens - rapazes e moças de minha idade e até mais jovens queocupavam continentes. E conversavam com pessoas nas ruas e nas calçadas perto de bares,iam de casa em casa. Estavam pregando o evangelho. E aonde iam se interessavam pelaspessoas como papai havia se preocupado com a garotinha árabe que pedira backsheeh.

Instantes depois a cena desapareceu. ―(Cunninghan, Loren & Rogers, Janice PodeFalar Senhor... Estou ouvindo. Editora Betânia: Minas Gerais, 1985)

O impacto que esse testemunho de uma conduta comportamental, tida como tãodesejável que fazia o próprio Deus manifestar-se a um indivíduo, provocava entre algunsinternos, principalmente os da 1a Fase e que ali estavam pela 1 a vez, a desejarem que talocorresse com eles, e interpretavam as visões que tinham e, às vezes, ouviam ( e isso erafreqüente entre eles durante o contexto de desintoxicação forçada, jejuns e fadiga por causado trabalho extenuante, somada por uma total ou semi-total privação sensorial a qualquerimagem ou som que não fosse ―evangélico‖) e que contavam uns aos outros, como sendovisões de Deus ou do Diabo, vozes de Deus ou do Diabo. Os internos veteranos zombavame ironizavam, mas nunca negavam a origem sobrenatural das visões ou vozes, exceto uminterno, ele próprio pastor que um dia me segredou sua dúvida:

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―O relato do Loren não lembra um relato de uma ‗viagem‘? Eu conheci o Lorenpessoalmente e sei que ele já fez tratamento por causa de drogas. Posso estar pecando, mastem uns testemunhos que os irmãos dão, que eu não sei se são verdadeiros. Jesusressuscitou Lázaro, esse é um fato inegável e sobrenatural. Mas Ele pediu aos homens quefizessem apenas o que homens podiam fazer, retirar a pedra do sepulcro. Eu sou batista, e

acho que os irmãos da Assembléia de Deus se deixam levar muito pelo Fogo do Espíritoque perdem o discernimento...(risos) Eu estive na JOCUM do Rio (Rio de Janeiro) e  presenciei um culto no qual um pastor interpretou uma bela mensagem dada em ‗línguaestranha‘, celeste, no meio da multidão, por um fiel... Mas tratava-se de um jocumeiro russoque estava orando uma coisa completamente diferente em seu próprio idioma. (risos)‖ 

Existia ainda o incentivo a uma crença cega no sobrenatural, nas formas de visão deDeus ou no ouvir de sua voz, que se achavam nos textos de Cunninghan, e que eram,particularmente comentados no CERVIR:

―(...) Acordei assustado, e percebi que estava rolando de um lado para o outro

dentro da Kombi como se fosse um bolinha de papel. O carro estava capotando (...) Ai tudoescureceu.(...) Fiquei parado um instante tentando raciocinar. O que aconteceu? Lembrei-me da difícil reunião que tivera; recordei-me de que havia dirigido a noite toda, e passadopara trás para dormir. Darlene estava dirigindo quando...Senti um aperto no coração.Ergui-me agitadamente e me firmei nos joelhos. Onde estaria Darlene?Foi quando a vi. Estava deitada de bruços, a alguns passos dali. Um mala pesada em cimadela.(...)

Peguei no colo seu corpo e a embalei. Ela morreu! Lágrimas me escorriam pelorosto. Pensara que havia perdido tanta coisa ao recusar a oferta de minha tia e entregarminhas credenciais de pastor. Mas agora, em apenas um minuto, tudo estava perdido  –  

nosso carro destruído, nossos pertences espalhados pelo chão do deserto. E a pessoa maisimportante do mundo para mim estavam morta. (...)- Loren!

Virei-me e logo compreendi quem me chamava. Embora nunca tivesse ouvido a voz deDeus audivelmente antes, reconheci-a no mesmo instante.

- Senhor! Respondi com a voz embargada pela emoção.- Ainda que me servir, Loren?

E ele ainda precisava perguntar? Não me restava mais nada na vida a não ser ele.Por entre lágrimas olhei para o céu claro do deserto e respondi:

- Quero senhor! Eu o servirei! Não tenho mais nada a não ser minha vida, e a douao Senhor também.Segundos depois, ele falou de novo.

- Ore por Darlene!Até o momento em que ouvi essas palavras, ainda não me ocorrera a lembrança de

orar por ela. Pensara que ela estivesse morta. Mas ao escutar aquilo, pus-me a intercedercom todas minhas forças.

Para o meu espanto, ela respirou arquejante, sorvendo o ar com muita dificuldade,mais ainda inconsciente.(...) (De Cunningham, Loren & Rogers, Janice.  Aprenda a Vencer usando as táticas de Deus - Venda Nova, MG: Editora Betânia, 1991.)

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Tais textos eram citados no CERVIR, onde a leitura de Cunningham era a únicaleitura permitida além da Bíblia. Os comentários entre os internos eram muitos, todosrecheados de credulidade. A todos os momentos chegava alguém e relatava que algosobrenatural lhe havia ocorrido. Assim, surgia alguém que tinha ouvido Deus lhe mandarempenhar-se mais no serviço, outro, que deveria dar seus pertences aos demais internos,

outro que vira a imagem de um santo, mas repreendera o Diabo e o desejo de beber haviadesaparecido. Oséias, que acompanhava a tudo, estava igualmente envolvido, chegando ame dizer que Deus havia lhe falado que ele venceria o vício e abandonaria ohomossexualismo. Em paralelo a isso, camas arrumadas, roupas limpas, trabalho semmurmuração, sorrisos e amabilidades.

Chegando a noite , o ―Diabo‖ atuava. Internos não conseguiam dormir com medo deoutros internos, pesadelos, gritos. Era como se o inconsciente se rebelasse contra a farsa e oauto engano. Não pude deixar de notar que tal situação daria um excelente tema para umpsicólogo, ou outro especialista. Mas tinha que poupar minhas energias, pois tambémreceava dormir quando sabia que embaixo dos colchões se encontravam as ferramentas detrabalho que deveriam estar guardadas no deposito. Poupar as energias para não perder de

vista o meu objetivo ali, que se resumia em apreender tudo ao máximo possível pararegistrar depois. Manter-se lúcido para saber como continuar abordando as pessoas, pois,num momento em que todos, aos poucos, iam se convertendo, a presença de um indivíduo,cujo objetivo era coletar informações; que eles sabiam ter acesso a livros do ―Diabo‖, como A Interpretação das Culturas de Geertz (que me foi tomado mais tarde), ia se tornando umapresença incomoda, no mínimo.

Aproveitei-me desse período para me aproximar um pouco mais desses internosveteranos, os quais já estavam há muito tempo na instituição e/ou já haviam passado variasvezes por ela, tendo recaídas às ―drogas‖. 

Segundo Cecília Loreto Mariz84, nos testemunhos de conversão a igrejaspentencostais, especialmente de homens, é freqüente se encontrarem referências a um

passado com sérios problemas com a bebida. O alcoolismo, comum nas camadas populares,parece se constituir num fator importante, entre outros, de ingresso no pentencostalismo. Aigreja de ―crente‖ é vista como um instrumento eficiente de recuperação da dependência doálcool e que oferece apoio aos familiares daqueles que tem este problema; as declarações depentecostais ex-alcoólatras apontam para os elementos dessas igrejas, religiosidade eespiritualidade, que facilitam a superação do alcoolismo. Não é o universo mágico o fatorfundamental do universo pentecostal, mas sim a forma como essa religião articula a magiae o sobrenatural com a ética. ―A libertação‖ consiste em levar o crente a se conhecer comoum ―indivíduo‖, com determinado grau de autonomia e poder de escolha, e a rejeitar aconcepção de ―pessoa‖, ou seja, de sujeito que se restringe aos papeis tradicionalmenteprescritos e que é incapaz de escolher seu destino: uma transição do universo mágico da―pessoa‖ para o ético-racional do ―indivíduo‖. A libertação é um processo deracionalização.

A idéia de ―libertação‖ pressupõe que os indivíduos são fracos; não escolhem o mal,mas são dominados por ele: vitimas deste.

 Nessa visão de ―libertação‖ pressupõe-se uma união da doença com o pecado, mas,ao contrário do que pensa Mariz, a culpa de fato não é concebida, mas o arrependimento, e

84 - Cecília Loreto Mariz –   Libertação e Ética In: Nem Anjos nem demônios. Interpretações sociológicas dopentecostalismo. Petrópoles: Vozes: 1994, pp. 204-5 

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não o remorso, o é. O arrependimento de fato, se seguido da aceitação do Evangelho,liberta o indivíduo do pecado, mas a nível espiritual, divino; o indivíduo não irá mais para oinferno, porém, quanto à cura, ela não é necessária, pois ―Deus nos livra do pecado, masnão de suas conseqüências‖ ou ―Deus perdoa o alcoólatra, mas não lhe poupa a cirrose nofígado, porque até para a doença, deus tem um plano.‖ E este plano se resume em dar 

testemunhos públicos de até onde sua ―vida pecaminosa‖ o conduziu, mas também dacerteza que espiritualmente está ―salvo‖, destinado ―ao céu, à gloria!‖. Como o desejo de beber, de fumar ou de consumir psicoativos parece ser mais forte

do que a vontade do indivíduo, as recaídas são freqüentes e a recuperação depende sempreda constante intervenção de uma ―força maior‖ que é Deus, que luta contra o Diabo. Asrecaídas são integradas num novo universo conceitual denominado, ―batalha espiritual‖,que perdura até a morte do indivíduo.

―Eu sempre recaio na cocaína. Isso é a ação do Diabo, em minha vida para meimpedir de continuar pregando nos cultos, e libertar outros. Eu volto sempre para cá, ou voupro centro de Jequié. Às vezes penso em procurar um médico; mas isso colocaria dúvidas

nas cabeças dos que me ouvem, e na minha própria, afinal eu sei, que Jesus é o médico dosmédicos.‖ Pastor evangélico, Interno do CERVIR.

Segundo Pedro A . Ribeiro de Oliveira85, nas suas notas de aula acerca do ensaio―Gênese e estrutura do campo religioso‖ de Pierre Bourdieu, a religião enquanto sistemasimbólico estruturado e estruturante, a religião :

A ) constrói a experiência ao mesmo tempo que a exprime, definindo o que ésuscetível de discussão e o que está fora de discussão.

B ) pelo efeito de consagração, absolutiza o relativo e legitima o arbitrário.Nestes termos podemos pensar que, para os muitos que aderiram ao Protestantismo

Autônomo e aceitam os seus dogmas e práticas, a construção de uma experiência na qual oêxtase pode e deve ser obtido somente pela via da incorporação do Espirito Santo, sendoportanto sagrado, e excluem o êxtase por meio de psicoativos, pondo esta questão fora dediscussão, rotulando-a de maligna, possui sua eficácia para aqueles que aderiram a talconstrução da experiência; quando estes passam a ver como naturais ( ou sobrenaturais edivinas ) e inquestionáveis as práticas e representações ( em si mesmas arbitrárias erelativas ) da instituição, já que lhes foi inculcado que tem sua origem em Deus e mais; lhesfoi inculcado o que é divino e o que não é, tomando por base as relações de aliança e/ouantagonismo, do homem com ele mesmo, e do homem para com outros, enquantoreprodução terrena da estrutura natural / sobrenatural do cosmo.

Mas no caso do CERVIR, onde o Pastor Heber ( e todos os missionários em que osinternos se espelham ) é sacerdote no título, mas de fato profeta; e profeta capaz deexplicitar o implicitamente vivido, produzindo auto-reconhecimento do grupo pelo seuexemplo, sendo o agente religioso das situações extraordinárias, da crise, dos gruposmarginais, há de se pensar, de quando já confrontado e derrotado pela ―banalização‖ docabedal religioso, não virá o Pastor Heber a se tornar ( como já havia se tornado ) ofundador de uma ―seita‖ contestatária, que não almeja conquistar a todos ( mesmo que

85 - A Sociologia da Religião em Pierre Bourdieu – Pedro A . Ribeiro de Oliveira  – In : A Religião numasociedade em transformação / Francisco Cartaxo Rolin ( org. ). – Petrópolis, RJ : Vozes, 1997. 

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pareça o contrário ), mas sim congregar os eleitos, os puros, ―as crianças de Deus‖. A profecia ( libertação do Diabo ou das ―drogas‖, o que dá no mesmo para o ProtestantismoAutônomo ) não sobrevive ao profeta ( mesmo que esse não morra por agora, mas tenhasimplesmente o seu carisma institucionalizado ), a ―seita‖ CERVIR, tão combatente emsua campanha anti-drogas, não se tornará ela mesma ―igreja‖ ( com suas heresias, como por 

exemplo, o fato real e concreto que os internos já se drogam lá dentro, e se drogam cadavez mais, e de modo cada vez mais descuidado e sem regras, de prevenção contra osriscos).

Podemos concluir que entre os meninos de rua, as representações e significadosatribuídos às substâncias pscicoativas se aproxima mais do modelo bio-psico-social, tendoem vista uma compreensão dos defeitos de uma substância como vinculadas a certas dosese condições do corpo, a certas expectativas e a um contexto social propicio para o consumoforjado na própria vida cotidiana e que refletem as relações intra e intergrupais, e que visammanter estas próprias relações, de forma que o próprio uso de psicoativos trás controlesinformais do grupo sobre o próprio grupo, quanto ao uso de psicoativos e quanto a tudoque a este uso, e ao grupo em geral, está associado.

O protestantismo Autônomo, por sua vez, é um misto do modelo tradicional, em queos fatores sociais não são considerados, dando-se ênfase a um corpo ―naturalmente‖ frágil,e uma alma em pecado, ou irremediavelmente perdida sem o arrependimento sincero e operdão de Deus. Por incluir em seus discursos elementos sobrenaturais, demonologizandoliteralmente o uso de drogas, contribui para o fortalecimento das pré-noções e pré-conceitosque mantém e justificam mitos, que servem de sustentáculo para a marginalização, exclusãoe estigmatização, amedrontando os indivíduos como uma forma de garantir e reforçar arejeição total ao consumo, mesmo que a custo de inúmeras recaídas.

Sugerimos, como um método mais eficaz de prevenção do uso indevido de ―drogas‖uma atuação preventiva e abertamente discutida com o público, educativa e elucidativa. E,sobretudo, desmistificadora do discurso: que o que pode causar mal é ―maligno,

demoníaco‖, no sentido literal e tão amplamente aceito em uma sociedade cristã.

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Anexos

1 Roteiro de Entrevista para os MenoresParte primeira

Identificação primeira :Ficha número _______________Data : ___________________Pseudônimo : ___________________Sexo : ___________________Idade : ___________________Naturalidade : ___________________Foi criado ? :a ) Pelos pais. ( ) Sim ( ) Nãob ) Só pelo pai. ( ) Sim ( ) Nãoc ) Só pela mãe . ( ) Sim ( ) Nãod ) Pelos irmãos. ( ) Sim ( ) Nãoe ) Por parentes. ( ) Sim ( ) NãoQuais ? _____________________________________________________________

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f ) Outros ? ( ) Sim ( ) Não-  Passou sua infância no local onde nasceu ?-  Como foi sua infância ?-  Vocês tinham casa ?-  Como era a casa que você morava ?

-  Quais são suas lembranças dessa época ?-  Qual sua religião ?-  O que sua religião prega ? Porque ?-  O que você acha disso ? Porque ?-  Como é o culto da sua religião ?-  O que sua religião acha das drogas ?-  E o que você acha disso ?-  As pessoas da sua religião sabem que você usa drogas ? O que

elas acham disso ?-  E você o que pensa a esse respeito ?-  O que as pessoas de sua religião acham de sua infância ?

-  E o que você pensa a esse respeito ?-  Você já conviveu com pessoas de uma classe social mais elevadado que a sua ?

-  Elas usavam drogas com você ?-  Onde elas nasceram ?-  Como foi a infância delas ? Elas lhe disseram ?-  Alguma vez você parou para comparar a sua infância com a delas

? O que você achou ? Porque ?-  Alguma vez você comparou a sua vida com a delas ? Como foi ?-  O você que achou ? Porque ?-  Você alguma vez foi na casa de alguma delas ? Como foi ?

-  O que achou ? Porque ?-  Como era a família delas ?-  O que a família delas fazia e dizia ?-  O que acharam de você ? Porque ?-  Alguma vez você comparou a família delas com a sua ?-  O que achou ? Porque ?-  O que elas pensavam das drogas ? Elas lhe disseram ?-  E o que você achava disso ?-  Qual era o comportamento delas em relação as drogas ?-  E o que você achava disso ?-  Qual era a religião delas ?-  Alguma delas tinha a mesma religião que a sua ?-  Vocês conversavam sobre a religião de vocês ? Porque ?-  E o que mais vocês conversavam ?-  O que você achava do que a família de seus amigos de classe

superior a sua lhe dizia ?-  Como a família deles via e se comportava com você ? O que você

achava disso ?-  A religião de vocês explicava porque entre vocês ―um era

socialmente diferente do outro‖ ? 

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-  O que você achava disso ?-  E alguma vez você pensou porque existiam diferenças sociais

entre você e esta pessoa ? E o que pensou ?-  Alguma vez você desejou estar no lugar dessa pessoa ? Porque ?-  Alguma vez você desejou Ter um condição social diferente ?

Porque ?

Parte Segunda

Drogas :

- Você freqüenta alguma instituição para menores de rua ? Qual ? 

- O que são as drogas para você ?- Há quanto tempo você está vivendo na rua ?-  Como é a vida na rua ?-  Alguém de sua religião já tentou lhe tirar da rua ?-  O que você achou ? Porque ?-  Como sua família entende a sua vida na rua ?-  As pessoas de sua família tem alguma religião ? Quais ?-  E o que você acha da religião delas ? Porque ?-  Você usa drogas ? Quais ?-  E o que a sua religião fala obre as drogas ?-  Se sua religião condena as drogas, porque você as usa ?

- Alguém de sua religião já tentou tirar você do vício ?-  O que você achou ? Porque ?-  De quando em quando você usa drogas ? E porque as usa assim ?-  Como você conseguia drogas ? Com que dinheiro ?-  E seus amigos de classe social mais elevada, como conseguiam as drogas ? Com

que dinheiro ?-  Você mesmo ia comprar a droga ?-  Você já fez ―avião‖ para seus amigos ―ricos‖ ? Porque ? O que achou disso ?-  Você já roubou para conseguir dinheiro para obter drogas ?-  Sua religião é contra o roubo ?-  Então se você roubou ficou em debito para com sua religião ? O que sentiu com

isso ?-  Algum amigo ―rico‖ seu, já fez ―avião‖ para comprar droga ? Porque ? -  O que você achou disso ?-  Se você fosse ele faria isso ? Porque ?-  Algum amigo ―rico‖ seu, já roubou para comprar droga ? Porque ? -  O que você achou disso ?-  Se você fosse ele faria isso ? Porque ?-  Você já traficou ? Porque ?-  Algum amigo ―rico‖ seu já traficou ? Porque ? 

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-  O que você achou disso ?-  Se você fosse ele faria isso ? Porque ?-  Já usou drogas injetáveis ? Porque ?-  Já compartilhou seringa com outra pessoa ?-  Seus amigos ―ricos‖ usavam drogas injetáveis e compartilhavam seringas ?

Como era isso ?-  Você já conheceu muitos traficantes ?-  Como era a vida deles ?-  Conheceu algum traficante que era religioso ?-  Você acha que alguém que trafica pode ser religioso ? Porque ?-  Você não acha que o trafico de drogas é contrario às leis da religião ?-  O que sua família acha sobre as drogas ?-  O que sua família acha sobre o fato de você usar drogas ?-  Porque você começou a usar drogas ? Quando começou ?-  E quando se tornou religioso porque não parou de usar drogas ?-  Você acha que as drogas fazem mal ? Porque ?

-  Largou as drogas ou pensa em largar ?-  Porque pensa em largar as drogas ?-  Como pensa em largar as drogas ?-  Acha que a religião pode lhe ajudar a largar as drogas ? Como e porque ?-  Já usou drogas dentro da instituição ? Quando ? Porque ?-  Você já adoeceu ou foi preso por causa de drogas ? Como foi ?-  Quando você adoeceu recorreu a sua religião ?-  Você acha que adoeceu porque desobedeceu sua religião ? Porque ?-  Quando você foi preso, acha que foi por desobediência a sua religião ?-  Você acha que a propaganda contra as drogas, inibe ou estimula o uso delas ?

Porque ?

-  O que sua religião acha da propaganda ? Porque ?-  O que você acha disso ? Porque ?-  Você acha que o cigarro e a bebida são drogas ? Porque ?-  Existe diferença entre o cigarro, a bebida alcóolicas e as drogas ? ( Quais ? )-  Você proibiria o uso do cigarro e das bebidas alcóolicas ? Porque ?-  O que sua religião acha do cigarro e das bebidas alcóolicas ?-  Você concorda com isso ?-  Porque você acha que algumas drogas são proibidas e outras não ?-  O que você mais quer para o futuro em sua vida ?-  O que você faz para atingir esse futuro ?-  Você acha que sua religião pode lhe ajudar a atingir o futuro que você quer para

sua vida ? Como e porque ?-  Você se sente compreendido entre as pessoas de sua religião ? Porque ?-  Você já foi preso alguma vez por causa de drogas ?-  Algum amigo ―rico‖ seu, já f oi preso por causa de drogas ?-  Você já foi preso por porte de drogas ? Como foi ?-  Algum amigo ―rico‖ seu já foi preso por porte de drogas ? Como foi ?-  O que você pensa disso ? Porque ?-  Você já foi preso por tráfico de drogas ? Como foi ?-  Algum amigo ―rico‖ seu, já foi preso por tráfico de drogas ? Como foi ? 

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-  O que você pensa disso ? Porque ?-  Você já foi preso por estar drogado ? Como foi ?-  Algum amigo ―rico‖ seu já foi preso por estar drogado ? Como foi ? -  O que você pensa disso ? Porque ?-  Como os policiais agiram com você quando te prenderam ?

-  Como os policiais agiram com algum amigo ―rico‖ quando o prenderam ? -  Houve diferença? Porque ?-  Você já teve algum problema físico ou psicológico por causa do uso de drogas ?

Quais ?-  E teve tratamento médico, psicológico ou religioso para você ?-  Algum amigo ―rico‖ seu, já teve algum problema físico ou psicológico por 

causa do uso de drogas ? Quais ?-  E teve tratamento médico, psicológico ou religioso para ele ?-  Você faz diferença entre uso e abuso de drogas ? Quais ?-  Qual a sua principal fonte de informações sobre drogas ? Porque ?

A ) [ ] Televisão

B ) [ ] JornalC ) [ ] LivrosD ) [ ] RádioE ) [ ] RevistaF ) [ ] Os outros menoresG ) [ ] Os traficantesH ) [ ] Outros _____________________________________________________________________________________________________

-  Qual(is) você considera a(s) fonte(s) de informação mais adequada(s) naabordagem do tema ―drogas‖ ? Porque ? A ) [ ] TelevisãoB ) [ ] JornalC ) [ ] LivrosD ) [ ] RádioE ) [ ] RevistaF ) [ ] Os outros menoresG ) [ ] Os traficantesH ) [ ] Outros _____________________________________________________________________________________________________

LSD, ácido, chá de cogumelo, êxtase, chá de lírio, zabumba, trombeta, cartucho,saia branca, véu de noiva, estramônio, figueira do inferno, erva do diabo, beladona, damada noite, mandrágora, meimendro negro, mescalina . :

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-  Já usou alguma vez esta(s) substância(s) ?-  Que idade você tinha quando usou esta(s) substância(s) pela primeira vez ?-  Qual o nome do produto que você usou mais recentemente ? 

-  Quais são os efeitos desta(s) substância(s) ? -  Como é a ―viagem‖ dessa(s) substância(s) ? 

Santo daime, sonho azul . :

-  Já usou alguma vez esta(s) substância(s) ?-  Que idade você tinha quando usou esta(s) substância(s) pela primeira vez ?-  Qual o nome do produto que você usou mais recentemente ? -  Quais são os efeitos desta(s) substância(s) ? -  Como é a ―viagem‖ dessa(s) substância(s) ? 

-  Você já fez algum tratamento anterior com relação ao uso de

drogas ?-  Qual ? ( Veja as alternativas abaixo )a ) Médico – Psiquiátrico ( )b ) Psicoterápico ( )c ) Religioso ( )d ) Grupo de ajuda mútua ( )e ) Outro _______________f ) Não ( )g ) Ignorado ( )

-  Como foi o tratamento ? O que você achou ?-  Quanto tempo durou ?

-  Quais foram os resultados ?-  Algum amigo seu, de uma classe social mais elevada, já fezalgum tratamento anterior com relação ao uso de drogas ?

-  Qual ? ( Veja as alternativas abaixo )a ) Médico – Psiquiátrico ( )b ) Psicoterápico ( )c ) Religioso ( )d ) Grupo de ajuda mútua ( )e ) Outro _______________f ) Não ( )g ) Ignorado ( )

-  Como foi o tratamento ? Ele disse a você o que achou ?-  Quanto tempo durou ?-  Quais foram os resultados ?

-  Você voltou a usar drogas, depois do tratamento ? Porque ?-  Você buscou apoio em sua religião? Porque ?-  Algum amigo seu, de classe social mais elevada, voltou a usar drogas, depois do

tratamento ? Ele lhe disse porque ?-  Esse seu amigo seu tem religião ?-  Você sabe dizer se ele buscou apoio na religião dele ? Porque ?

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-  Qual(is) a(s) droga(s) que você considera mais perigosa(s) ? Porque ?-  Para você, o que leva uma pessoa ―pobre‖ a consumir drogas ? - Para você, o que leva uma pessoa ―rica‖ a consumir drogas ?-  Se alguém está consumindo alguma droga, como você agiria ?-  Você sabe quando uma pessoa usa drogas ? Como a reconhece ?

-  Você sabe quando uma pessoa ―pobre‖ usa drogas ? Como a reconhece ? -  Você sabe quando uma pessoa ―rica‖ usa dr ogas ? Como a reconhece ?-  Como as pessoas de sua religião sabem quando uma pessoa usa drogas ? Como

a reconhece ?-  Alguém de sua família usa drogas ? O que você acha disso ?-  Você sabe se alguém da família de seu(s) amigo(s) usa(m) drogas ? O que você

acha disso-  Você se identifica mais com uma pessoa que usa drogas ou outra que não ?

Porque ?-  Você encontra mais gente que não usam drogas entre ―ricos‖ ou ―pobres‖ ?

Porque?

-  Você encontra mais gente que tem religião entre ―ricos‖ ou ―pobres‖ ? Porque? -  O que você acha das pessoas que não usam drogas ?

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Anexo 2

Anexo da receita de Rivotril, 2mg, ansiolítico, receitada pelo psiquiatra Dr.Antônio Teixeira Lobo Jr. , para tratamento de ansiedade aguda ou, Síndrome do Pânico.Segundo Kaplan, Sadock e Grebb1, o pânico é um ataque intenso, agudo e episódico de

ansiedade, associado com sentimentos sufocantes de medo. Por ansiedade os autorescitados definem , um sentimento de apreensão provocado pela antecipação de um perigo,interno ou externo; e medo, uma caso típico de ansiedade provocada por um perigorealística e conscientemente reconhecido.

23 - Harold I. Kaplan, Benjamim J. Sadock, Jack Grebb - Compêndio de Psiquiatria -Ciências do Comportamento e Psiquiatria Clínica –– 7a Edição – Artes Médicas – PortoAlegre, 1997.