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1 UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Fabiana Reinaldin PRESCRIÇÃO ANTECIPADA NA DOUTRINA E NA JURISPRUDÊNCIA CURITIBA 2010

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

Fabiana Reinaldin

PRESCRIÇÃO ANTECIPADA NA DOUTRINA E NA

JURISPRUDÊNCIA

CURITIBA 2010

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PRESCRIÇÃO ANTECIPADA NA DOUTRINA E NA JURISPRUDÊNCIA

CURITIBA 2010

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Fabiana Reinaldin

PRESCRIÇÃO ANTECIPADA NA DOUTRINA E NA

JURISPRUDÊNCIA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientadora: Professora Aline Guidalli Pilati

CURITIBA 2010

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TERMO DE APROVAÇÃO Fabiana Reinaldin

PRESCRIÇÃO ANTECIPADA NA DOUTRINA E NA JURISPRUDÊNCIA

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do grau de bacharel no curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, ____ de ____________ de 2010.

__________________________________ Prof. Dr. Eduardo de Oliveira Leite

Coordenador do Núcleo de Monografias do Curso de Direito

Orientadora: Prof. Aline Guidalli Pilati Universidade Tuiuti do Paraná – Curso de Direito Banca Examinadora: Prof. Caio Fortes de Matheus Universidade Tuiuti do Paraná – Curso de Direito

Prof. Murilo Henrique Pereira Jorge Universidade Tuiuti do Paraná – Curso de Direito

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A meus queridos pais, José e Sônia, pelo amor e dedicação e cujos esforços para minha formação pessoal e profissional permitiram este momento.

A minhas irmãs, Juliana e Mariana, pelo incentivo e paciência.

A professora Aline Guidalli Pilati pelos valiosos ensinamentos ao longo desses cinco anos de vida acadêmica, bem como por consumir seu precioso tempo para me auxiliar na elaboração desta monografia.

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RESUMO

O presente trabalho objetiva demonstrar as modalidades de prescrição penal existentes em nosso ordenamento jurídico, especificamente, a prescrição em perspectiva, também chamada de prescrição antecipada, prescrição projetada ou prescrição virtual. Busca-se realizar um estudo sobre o tema, determinando seu conceito, natureza jurídica e importância no mundo jurídico, bem como se faz uma análise doutrinária e jurisprudencial, possibilitando, desta forma, a reunião e o confrontamento das mais diversas opiniões sobre o assunto. Palavras-Chave: prescrição em perspectiva; prescrição projetada; prescrição antecipada; prescrição virtual.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 08 2 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRESCRIÇÃO PENAL ..................... 10 2.1 CONCEITOS E DISCUSSÕES SOBRE SUA NATUREZA JURÍDICA

MATERIAL OU PROCESSUAL ....................................................................... 10 2.1.1 Enquadramento legal da prescrição ............................................................. 14 2.2 CAUSAS MODIFICADORAS DO CURSO PRESCRICIONAL ........................ 15 2.2.1 Causas de interrupção da prescrição ........................................................... 15 2.2.1.1 Recebimento da denúncia ou da queixa .................................................... 16 2.2.1.2 Pronúncia ................................................................................................... 17 2.2.1.3 Decisão Confirmatória da Pronúncia ......................................................... 19 2.2.1.4 Publicação da sentença ou acórdãos condenatórios recorríveis ................ 20 2.2.1.5 Início ou continuação do cumprimento da pena .......................................... 21 2.2.1.6 Reincidência ................................................................................................ 21 2.2.2 Causas de suspensão da prescrição ........................................................... 22 2.2.2.1 Enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime .................................................................. 22 2.2.2.2 Enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro ........................................ 24 2.3 PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA .................................................. 26 2.3.1 Prescrição Retroativa ................................................................................... 27 2.3.1.1 Conceito .................................................................................................... 27 2.3.1.2 Contagem do prazo prescricional .............................................................. 29 2.3.1.3 Efeitos ....................................................................................................... 31 3 A POLÊMICA DOUTRINÁRIA SOBRE A PRESCRIÇÃO

“ANTECIPADA” ................................................................................................ 33 3.1 ORIGEM E NATUREZA JURÍDICA DA PRESCRIÇÃO “ANTECIPADA” ........ 33 3.2 DISCUSSÃO DOUTRINÁRIA ACERCA DA PRESCRIÇÃO “ANTECIPADA” . 37 3.2.1 Teorias que defendem a aplicação da prescrição “antecipada” ................... 38 3.2.1.1 Interesse de agir ........................................................................................ 39 3.2.1.2 Instrumentalidade do processo ................................................................. 43 3.2.1.3 Economia processual ................................................................................ 44 3.2.2 Teorias contrárias à aplicação da prescrição “antecipada” .......................... 45 3.2.2.1 Princípio da legalidade .............................................................................. 45 3.2.2.2 Princípio do devido processo legal. ........................................................... 48 3.2.2.3 Princípio do contraditório, da ampla defesa e da presunção de inocência 49 3.2.2.4 Obrigatoriedade da ação penal ................................................................. 51 4 A POLÊMICA JURISPRUDENCIAL SOBRE A PRESCRIÇÃO

“ANTECIPADA” ................................................................................................ 54 4.1 AS DISCUSSÕES DOS TRIBUNAIS SOBRE A PRESCRIÇÃO

“ANTECIPADA” ............................................................................................... 54 4.1.1 Concepção jurisprudencial do instituto ......................................................... 54 4.1.2 A inexistência de previsão legal ................................................................... 58 4.1.3 Cálculo da prescrição “antecipada” .............................................................. 61 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 64 REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 66

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1 INTRODUÇÃO

A prescrição antecipada, também denominada prescrição virtual ou em

perspectiva, é um instituto bastante recente. Surgiu no final da década de 80, nos

Tribunais de Alçada do Estado de São Paulo, sendo desde então repudiada pela

imensa maioria dos nossos tribunais, em especial o Supremo Tribunal Federal e

Superior Tribunal de Justiça.

Entretanto, em que pese as acirradas críticas sobre a aplicação deste

instituto, sua aceitação é crescente, sendo cada vez mais utilizada pelos operadores

do direito, levando-se a acreditar que, no futuro, será uma realidade irrefragável,

podendo até ser alvo de previsão legal expressa.

A prescrição antecipada consiste na possibilidade de se aplicar a prescrição

retroativa antes mesmo do recebimento da denúncia ou da prolação da sentença

nos processos em curso, tomando-se por base a suposta pena em concreto que

seria fixada na sentença em caso de hipotética condenação.

Dentre os argumentos favoráveis à sua aplicação há a economia processual

e a efetividade da tutela jurisdicional, uma vez que, além de dispendioso para o

Estado movimentar a máquina judiciária, seria um desperdício temporal submeter

alguém a um processo criminal que, ao final, sabe-se que será absolvido pelo

advento da prescrição.

Outro argumento usado pelos adeptos à este instituto é a carência de ação

por falta de interesse de agir, o qual, segundo eles, torna inepta a acusação, por

faltar justa causa para a persecução penal.

Contudo, os defensores da corrente contrária à prescrição antecipada

alegam que o instituto fere o princípio da legalidade e do devido processo legal, que

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exigem que o processo seja realizado em todas as suas etapas para que se

considere o indivíduo culpado.

Assim, o presente trabalho tem por objetivo realizar a análise doutrinária e

jurisprudencial do instituto da prescrição antecipada, possibilitando, desta forma, a

reunião e o confrontamento de diferentes opiniões a respeito do tema.

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2 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRESCRIÇÃO PENAL

2.1 CONCEITOS E DISCUSSÕES SOBRE SUA NATUREZA JURÍDICA MATERIAL

E PROCESSUAL

Há diversos aspectos que possibilitam a análise da prescrição penal, os

quais, por sua vez, determinam a existência de diferentes conceitos de prescrição.

Alguns doutrinadores entendem que a prescrição é a renúncia ao direito de

punir, por exemplo, Basileu Garcia (1956, p. 699) que a conceitua como “a renúncia

do Estado a punir a infração, em face do decurso do tempo”; Antônio Lopes Baltazar

(2003, p. 13), por sua vez, conceitua a prescrição como “a perda do direito de punir,

ou executar a pena, por parte do Estado, em face do decurso do tempo.”

Há, ainda, aqueles que enfatizam o efeito extintivo da punibilidade ao

conceituar a prescrição penal, como é o caso de Álvaro Mayrink da Costa, citado por

Igor Teles Fonseca de Macedo (2007, p. 03)

a prescrição penal é um instituto de direito material que se constitui em causa extintiva da punibilidade, constituindo-se em um impedimento ao exercício do ius puniendi estatal pela inércia do ius persequendi in iudicio ou do ius executationis, por não ter exercido a pretensão punitiva ou a pretensão executória em tempo determinado, em virtude da ausência de interesse na apuração do fato punível, ou pela emenda do condenado pela via da ausência de reiteração delitiva.

Com efeito, ao analisar os diversos conceitos de prescrição acima

transcritos, podemos perceber que são dois os requisitos essenciais do instituto: o

transcurso de certo tempo e a inércia do Estado em exercer o direito de punir. Para

Igor Teles Fonseca de Macedo (2007, p. 03), decurso de certo tempo

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se entende (como) o decurso do prazo preestabelecido no artigo 109 do Código Penal Brasileiro, devendo-se levar em consideração, para o devido enquadramento em um dos incisos do dispositivo legal suso mencionado, a depender da hipótese vertente, a pena máxima abstratamente cominada, ou a pena em concreto, ou seja, aquela a qual o acusado foi afetivamente condenado.

Já a inércia estatal corresponde à ausência de atividade do Estado em

relação ao exercício da pretensão punitiva ou executória no prazo determinado pelo

legislador, ou seja, é a extinção do ius puniendi ou do ius executationis.

Insta lembrar que a inércia por parte do Estado não precisa,

necessariamente, ser completa. Pode acontecer de o aparato estatal atuar de forma

ineficaz e lenta, não conseguindo solucionar o delito dentro do lapso temporal tido

pelo legislador como razoável, dando azo à ocorrência da prescrição.

Ademais, essa inércia nem sempre significa falta de interesse estatal no

andamento da ação. Muitas vezes o grande responsável pela mora em concluir a

persecução penal, dando ensejo à aplicação da prescrição, é o sistema processual,

uma vez que, segundo Antônio Lopes Baltazar (2003, p. 34)

os atos processuais não são realizados rapidamente, demandam tempo, não só em razão da deficiência de infra-estrutura dos órgãos incumbidos na apuração dos fatos, como também na obediência aos princípios processuais, especialmente da ampla defesa.

Com relação à natureza jurídica da prescrição, vale mencionar que há um

embate doutrinário a respeito do assunto buscando definir se as normas que a

regulam são de direito material ou processual.

Tal definição tem grande importância na prática forense, uma vez que se as

normas que regulam a prescrição penal forem entendidas como de natureza

processual, a nova lei que amplia o prazo prescricional possui aplicação imediata,

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nos termos do artigo 2º do Código de Processo Penal1. Ao passo que se forem

entendidas como normas de direito material, segue-se que a lei nova não pode ser

aplicada, em obediência ao princípio da reserva legal (artigo 1º, CP2).

Aqueles defendem a natureza processual do instituto se baseiam na

premissa de que a prescrição penal apenas obsta o início ou o curso da persecução

penal, entendendo que o decurso do tempo não pode transformar a punibilidade em

impunibilidade. Sendo assim para tal corrente doutrinária, complementou Damásio,

parafraseado por Igor Teles Fonseca de Macedo (2007, p. 05), “apesar da incidência

da prescrição, subsiste o direito de punir do Estado, não atingido pelo decurso do

tempo.”

Assim também é o entendimento de Heleno Claúdio Fragoso, citado por

Antônio Lopes Baltazar (2003, p. 18)

o aspecto processual da prescrição é mais nítido, sobretudo, quando se trata da prescrição da pretensão punitiva, aí desaparece o direito do Estado à persecução: a prescrição constitui um pressuposto negativo, implicando a suspensão do processo sem decisão de mérito. Ocorrendo a prescrição antes da sentença, não se julga a ação improcedente. O juiz declara extinta a punibilidade e põe fim ao processo.

Há, ainda, os que entendem ser a prescrição penal um tema de natureza

mista, por exemplo, Adolphe Prins (2009, p. 39), que afirma ter o instituto em estudo

traços tanto de direito material como de direito processual. Os adeptos a essa teoria

entendem que a prescrição representa, por um lado, causa pessoal de anulação da

pena e, de outro, um impedimento processual.

Contudo, hodiernamente a maioria esmagadora dos jurisconsultos nacionais

atribui à prescrição penal o caráter de norma de direito material, uma vez que ela 1 Art. 2º, CPP: A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior. 2 Art. 1º, CP: Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.

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extingue o direito de punir do Estado, aniquilando a punibilidade de maneira direta e

imediata.

Igor Teles Fonseca de Macedo (2007, p. 05), defendendo a natureza

material do instituto, assevera

os efeitos processuais gerados pela prescrição, e indubitavelmente que ela gera inúmeros efeitos na ordem adjetiva, não são mais do que uma conseqüência da extinção do poder punitivo do Estado no caso concreto.

Desta forma, em se considerando a prescrição penal como um instituto de

natureza material, a nova lei que amplia o prazo prescricional atende à disposição

correlata a lei penal no tempo disposta no direito substantivo, isto é, a lei mais

gravosa não pode ser aplicada aos fatos ocorridos anteriormente a sua entrada em

vigor. Ao passo que se favorecer o acusado, terá aplicabilidade imediata, podendo,

inclusive, retroagir a fim de beneficiá-lo.

Faz-se mister ressaltar ainda, que a prescrição penal é matéria de ordem

pública, devendo ser decretada de ofício pelo julgador presidente da causa, a

qualquer tempo ou grau de jurisdição, conforme preceitua o artigo 61 do Código de

Processo Penal, in verbis: “em qualquer fase do processo, o juiz, se reconhecer

extinta a punibilidade, deve declará-la de ofício.”

Trata-se, desta forma, de matéria preliminar, ou seja, há o impedimento da

análise do mérito, ainda que esse seja do interesse do acusado. Assim é o conteúdo

da Súmula 241 do extinto Tribunal Federal de Recursos: “a extinção da punibilidade

pela prescrição da pretensão punitiva prejudica o exame do mérito da apelação

criminal.”

Segundo Guilherme de Souza Nucci (2008, p. 575) essa posição representa

uma enorme injustiça, haja vista que o acusado condenado em primeira instância,

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acreditando-se inocente e pleiteando sua absolvição perante o tribunal, não terá seu

pedido analisado, uma vez que se operou a prescrição.

Continuará seu registro na folha de antecedentes de ter havido condenação em primeiro grau, embora com prescrição em segundo grau, o que difere, logicamente, de uma absolvição por inexistência do fato, por exemplo, concretizada no tribunal, muito mais favorável ao acusado, inclusive no campo moral.

2.1.1 Enquadramento legal da prescrição

A prescrição penal constitui-se como uma das causas de extinção da

punibilidade, estando prevista no artigo 107, IV, do Código Penal.

São duas as espécies de prescrição: a prescrição da pretensão punitiva e a

prescrição da pretensão executória. A primeira regula-se pela pena máxima em

abstrato prevista para o delito (art. 109, CP), uma vez que ainda não há condenação

e subdivide-se em prescrição abstrata, intercorrente e retroativa. A segunda ocorre

após o trânsito em julgado (art. 110, CP), sendo regulada pela pena em concreto

fixada na sentença.

Há várias teorias que buscam justificar a existência da prescrição, vejamos

algumas delas:

a) Teoria do esquecimento: baseia-se no fato de que com o decurso de certo tempo,

a sociedade esquece o crime, e, em conseqüência, a execução da pena perde o seu

sentido exemplar.

b) Teoria da expiação moral: segundo esta teoria, o tempo faz com que o culpado

sofra a expectativa de ser, a qualquer hora, descoberto, processado e punido, fato

que serviria como um substituto da pena.

c) Teoria da emenda do delinqüente: seria a desnecessidade da pena, prevendo a

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regeneração do acusado que não tenha cometido outro crime, durante certo lapso

temporal.

d) Teoria da dispersão das provas: Por esta teoria entende-se que com o passar do

tempo perde-se parte substancial das provas, sendo incerta a apuração dos fatos,

Além do mais, em virtude de um juízo demorado, improvável seria a obtenção da

verdade e de uma sentença justa.

e) Teoria psicológica: Para esta teoria, com o decurso de certo lapso temporal,

elimina-se o nexo psicológico entre o fato e o agente, perdendo-se o valor da

punição. Segundo Guilherme de Souza Nucci (2008, p. 573), tal teoria “funda-se na

idéia de que, com o decurso do tempo, o criminoso altera o seu modo de ser e de

pensar, tornando-se pessoa diversa daquela que cometeu a infração penal,

motivando a não aplicação da pena.”

2.2 CAUSAS MODIFICADORAS DO CURSO PRESCRICIONAL

2.2.1 Causas de Interrupção da Prescrição

Diferentemente da suspensão do prazo prescricional, as causas interruptivas

da prescrição têm por finalidade zerar todo o lapso temporal já transcorrido, voltando

o termo inicial da prescrição do dia em que cessar a causa interruptiva.

Segundo Luiz Regis Prado (2007, p. 395) a única exceção a essa regra é “a

causa prevista no art. 117, V, pois, na hipótese de evasão do condenado ou de

revogação do livramento condicional, o prazo prescricional não volta a correr por

inteiro, mas apenas quanto ao tempo de pena que resta a cumprir.”

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No Brasil, a interrupção do prazo prescricional surgiu, pela primeira vez, no

Código Penal de 1890 (2003, p. 64). Entretanto, as causas interruptivas eram tão-

somente a pronúncia (art.79) e a reincidência (art. 81).

No Código Penal de 1940, no artigo 117, I a IV, apareceram mais duas

causas interruptivas, totalizando quatro hipóteses, sendo elas: recebimento da

denúncia ou da queixa, pronúncia, decisão confirmatória da pronúncia e sentença

condenatória recorrível.

Atualmente, com a reforma do Código Penal, são seis as causas

interruptivas da prescrição, as quais estão elencadas, de forma taxativa, no corpo do

artigo 117 do Código Penal.3

Vejamos separadamente cada uma delas:

2.2.1.1 Recebimento da denúncia ou da queixa (art. 117, I, CP):

O marco exato da interrupção é a efetiva publicação do ato de recebimento

da denúncia ou da queixa, não sendo suficiente, portanto, a data do recebimento

pelo juiz ou o seu mero oferecimento pelo Ministério Público ou pelo querelante.

Segundo Guilherme de Souza Nucci (2008, p. 586)

Não se deve considerar, para efeito de interrupção da prescrição, a data constante da decisão de recebimento da denúncia ou da queixa, mas, sim, a de publicação do ato em cartório. Esta última confere publicidade ao ato e evita qualquer tipo de equívoco ou dubiedade.

Faz mister mencionar, ainda, que quando houver rejeição da denúncia ou da

3 CP, Art. 117: “O curso da prescrição interrompe-se: I – pelo recebimento da denúncia ou da queixa; II – pela pronúncia; III – pela decisão confirmatória da pronúncia; IV – pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis; V – pelo início ou continuação do cumprimento da pena; VI – pela reincidência.”

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queixa e, interposto recurso em sentido estrito (CPP, art. 581, inc. I), for este provido

pelo juízo ad quem, a prescrição será interrompida na data da sessão de julgamento

do recurso, salvo se nula a decisão que rejeitou a denúncia, pois neste caso o juiz a

quo, deverá proferir outra decisão4, não se levando em conta a interposição de

embargos infringentes para esta interrupção ter efeito.

Ademais, a denúncia ou queixa recebida por juiz incompetente não

interrompe o prazo prescricional, uma vez que todo ato nulo5 é como se nunca

tivesse existido, não produzindo, portanto, nenhum efeito.

Outro aspecto a ser considerado é o aditamento da denúncia, o qual poderá

ou não interromper a prescrição. Se houver o aditamento para correção de

irregularidade, sem a inclusão de fato novo, a prescrição não será interrompida. Ao

passo que, na hipótese de inclusão de fato novo, interrompe-se o curso do prazo

prescricional (PRADO, 2007, p. 395).

Todavia, se houver a inclusão de circunstâncias ou elementares não citadas

na denúncia, acarretando uma nova definição jurídica e, em conseqüência, uma

pena mais grave ao acusado, não haverá interrupção da prescrição, contudo, o

prazo prescricional será o relativo à nova definição jurídica (PRADO, 2007, p. 395).

O aditamento da denúncia para inclusão de co-autor, também, não acarreta

a interrupção do prazo prescricional por força do previsto no § 1º do artigo 117 do

Código Penal.

2.2.1.2 Pronúncia (art. 117, II, CP):

A sentença de pronúncia é própria dos processos de competência do

4 STF, Súmula 709: “Salvo quando nula a decisão de primeiro grau, o acórdão que provê o recurso contra a rejeição da denúncia vale, desde logo, pelo recebimento dela.” 5 Art. 564, I, CPP: “A nulidade ocorrerá nos seguintes casos: I - por incompetência, suspeição ou suborno do juiz [...].”

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Tribunal do Júri, não sendo aplicada aos demais crimes de competência do Juiz

Singular.

Uma vez convencido da existência do crime e havendo indícios suficientes

de que o acusado seja o autor, o juiz pronunciá-lo-á, dando os motivos de seu

convencimento, conforme artigo 413 do Código de Processo Penal.6

Guilherme de Souza Nucci (2008, p. 586) leciona que

No procedimento do júri, antes de se levar o caso a julgamento pelo Tribunal Popular, há uma instrução prévia, conduzida por juiz togado, que, ao final, considerando provada a existência do crime e indícios suficientes de autoria, deve pronunciar o réu. A pronúncia é uma decisão interlocutória mista, que põe fim à fase de formação da culpa e, considerando admissível a acusação, inaugura a fase de julgamento do mérito.

A publicação da respectiva sentença acarreta a interrupção do prazo

prescricional.

Havendo desclassificação de um delito para outro, também de competência

do Tribunal do Júri, a decisão de pronúncia continua sendo marco interruptivo da

prescrição. Todavia, se tal desclassificação é proferida pelo juiz, na fase de

pronúncia, para um crime de competência do juiz singular, esta decisão não importa

em interrupção do prazo prescricional. Assim é o conteúdo da Súmula 191 do STJ:

“A pronúncia é causa interruptiva da prescrição, ainda que o Tribunal do Júri venha a

desclassificar o crime.”

Ressalta-se que há uma divergência doutrinária e jurisprudencial quanto à

desclassificação do crime proferida pelo Tribunal do Júri, para outro delito de

competência do juiz singular. Para o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal

de Justiça o fato de o delito ter sido desclassificado pelo Tribunal do Júri não anula a

6 Art. 413, CPP: O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.

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interrupção pela pronúncia. Segundo BALTAZAR (2003, p 69), esse entendimento é

acompanhado por Celso Delmanto, em sua obra Código Penal Comentado.

A impronúncia e a absolvição sumária não possuem o condão de

interromper a prescrição, porém, interposto recurso pela acusação e este vier a ser

provido pelo juízo ad quem, a prescrição interrompe-se na data da sessão de

julgamento desse recurso.

Ademais, pronunciado o acusado, se este vier a recorrer e o Tribunal

entender pela reforma da sentença, não haverá mais a interrupção do prazo

prescricional. Entretanto, caso o Tribunal ad quem mantenha a decisão de Primeiro

Grau, tal decisão acarretará nova causa interruptiva.

2.2.1.3 Decisão Confirmatória da Pronúncia (art. 117, III, CP):

Pronunciado o acusado, este poderá interpor Recurso em Sentido Estrito,

buscando a reforma da decisão pelo Tribunal ad quem. Uma vez confirmada a

sentença de pronúncia pelo Tribunal, o prazo prescricional interromper-se-á no dia

da sessão de julgamento.

Luiz Regis Prado (2007, p. 396) leciona que “o acórdão confirmatório da

sentença de pronúncia também conduz à interrupção do curso da prescrição, a partir

da data de julgamento do recurso em sentido estrito interposto pela defesa.”

Segundo Guilherme de Souza Nucci (2008, p. 586) nessa situação também

se pode incluir a hipótese do acusado ser pronunciado pelo Tribunal, o qual

anteriormente havia sido impronunciado ou absolvido sumariamente pelo juiz de

primeiro grau. Isso se explica em razão da complexidade e a longa duração que os

processos do Tribunal do Júri apresentam.

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2.2.1.4 Publicação da sentença ou acórdãos condenatórios recorríveis (art. 117, IV,

CP):

Proferida a sentença, o marco exato da interrupção prescricional computa-se

a partir da data de sua publicação nas mãos do escrivão, conforme preceitua o

artigo 389 do Código de Processo Penal7, independentemente das diligências com

registro ou intimação.

No caso de acórdão, a prescrição interrompe-se a partir da data do

julgamento do recurso pela Câmara ou Turma, visto que é o momento em que se

torna pública a decisão proferida pelo Tribunal (NUCCI, 2008, p. 587).

Tratando de acórdão confirmatório da decisão condenatória, não ocorre

nova interrupção. Entretanto, caso o Tribunal entenda pela absolvição do acusado,

esta última decisão é imprestável para servir de marco interruptivo, mantendo-se a

interrupção provocada pela publicação da sentença de primeira instância.

Segundo Guilherme de Souza Nucci (2008, p. 587) há uma divergência de

posições em relação ao acórdão que agrava a pena, como causa interruptiva do

lapso prescricional. Alguns doutrinadores entendem que esse tipo de acórdão

interrompe a prescrição, uma vez que altera a pena em concreto. Outros entendem

que, por não estar expressamente inserido no rol do art. 117 do Código Penal, não

serve como causa interruptiva. E, ainda, há uma terceira corrente que entende que

somente se o acórdão for “não unânime” interrompe o lapso prescricional, uma vez

que sujeito a embargos infringentes.

Guilherme de Souza Nucci (2008, p. 587) adota a segunda posição

asseverando que “o acórdão que confirma a condenação, apenas elevando a pena,

não é propriamente a decisão condenatória. Logo, não se pode interpretar o

7 Art. 389, CPP: A sentença será publicada em mão do escrivão, que lavrará nos autos o respectivo termo, registrando-a em livro especialmente destinado ao órgão do Ministério Público.

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conteúdo do art. 117, IV, do Código Penal, em prejuízo do réu.”

Finalmente, a sentença concessiva do perdão judicial, conforme dispõe a

Súmula 18 do Superior Tribunal de Justiça, não tem o condão de interromper o lapso

prescricional, uma vez que se trata de uma sentença declaratória.

2.2.1.5 Início ou continuação do cumprimento da pena (art.117, V, CP):

O início ou continuação do cumprimento da pena também é uma das causas

interruptivas da prescrição, sendo específica da prescrição da pretensão executória,

a qual não será tratada no presente trabalho.

Com o trânsito em julgado da sentença condenatória para a acusação,

inicia-se o prazo prescricional da pretensão executória. Esse lapso prescricional

interrompe-se com a prisão do acusado, ou seja, a partir do momento que começar

o cumprimento da pena.

No caso de evasão do acusado, tem início a contagem de novo prazo

prescricional. Uma vez recapturado, a prescrição volta a correr a partir do momento

em que o foragido volta a cumprir o restante de sua pena. Ressalta-se que esse

novo prazo é regulado pelo resto de pena que falta a cumprir, nos termos dos artigos

112, II8, e 1139, CP.

2.2.1.6 Reincidência (art. 117, VI, CP):

A reincidência também é uma causa interruptiva da prescrição, porém é

8 CP, Art. 112: No caso do art. 110 deste Código, a prescrição começa a correr: II - do dia em que se interrompe a execução, salvo quando o tempo da interrupção deva computar-se na pena. 9 CP, Art. 113: No caso de evadir-se o condenado ou de revogar-se o livramento condicional, a prescrição é regulada pelo tempo que resta da pena.

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específica da prescrição da pretensão executória, a qual não será abordada no

presente estudo.

2.2.2 Causas de suspensão da prescrição

Suspensão do prazo prescricional é a paralisação do curso da prescrição,

sem a perda do tempo já computado. Reiniciado o prazo prescricional, conta-se o

tempo anterior para o cômputo final da prescrição.

Segundo Francisco Blasi Netto (2002, p. 10) suspensão é quando

o prazo prescricional deixa de correr, ou seja, fica parado, por determinado período de tempo, e só recomeça a ser contado após cessada a causa suspensiva, aproveitando-se, contudo, o lapso de tempo anteriormente transcorrido antes da suspensão.

As causas suspensivas do prazo prescricional encontram-se previstas, de

forma taxativa, no corpo do artigo 116 do Código Penal10. As duas primeiras

hipóteses dizem respeito à prescrição da pretensão punitiva. Já a terceira hipótese,

prevista no parágrafo único do artigo acima citado, refere-se a prescrição da

pretensão executória, a qual não será abordada no presente estudo.

Vejamos separadamente as duas causas suspensivas da prescrição da

pretensão punitiva.

2.2.2.1 enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o

reconhecimento da existência do crime (art. 116, I): 10 CP, artigo 116: “Art. 116 Antes de passar em julgado a sentença final, a prescrição não corre: I – enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime; II – enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro; Parágrafo Único: Depois de passada em julgado a sentença condenatória, a prescrição não corre durante o tempo em que o condenado está preso por outro motivo.

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O prazo prescricional não corre enquanto não for resolvida, em outro

processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime. São

as denominadas questões prejudiciais, previstas nos artigo 92 e 93 do Código de

Processo Penal, as quais se dividem em obrigatórias e facultativas em relação à

suspensão da prescrição.

As obrigatórias são as que necessariamente levam à suspensão do feito

criminal, enquanto não prolatada a decisão da questão em outro processo. Dizem

respeito ao estado civil das pessoas, por exemplo, bigamia.

Já as questões prejudiciais facultativas podem levar à suspensão do

processo criminal até a solução da questão em outro processo. Dizem respeito à

questão diversa, a título de exemplo citamos o esbulho possessório e a apropriação

indébita.

É importante mencionar que a questão prejudicial deve, necessariamente,

estar vinculada à prova da existência do crime e não a meras circunstâncias que a

rodeiam.

Guilherme de Souza Nucci (2008, p. 584) exemplifica de forma admirável a

questão

Se alguém estiver sendo processado por bigamia, embora, no foro cível, esteja tramitando ação de anulação de um dos casamentos, deve o magistrado suspender o feito criminal até a resolução da questão prejudicial. Note-se que, nessa hipótese, estar-se-á discutindo a existência do delito de bigamia. Por outro lado, se alguém está sendo processado por tentativa de homicídio, havendo a desconfiança de ser a vitima irmã do acusado, não se suspende o feito para aguardar eventual processo cível que apure tal parentesco. Afinal, diz respeito a uma circunstância do crime (agravante de delito cometido contra irmão) e não quanto à existência.

Quando cessada a causa suspensiva, o lapso prescricional volta a

correr a partir do período anteriormente decorrido.

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2.2.2.2 Enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro (art. 116, II)

O prazo prescricional fica suspenso enquanto o agente cumpre pena no

estrangeiro, uma vez que é impossível obter a extradição do criminoso. Ademais, o

lapso temporal do crime cometido pode ser menor ou igual à pena em execução, o

que extinguiria o poder de punir do Estado.

Há, ainda, outras causas suspensivas do prazo prescricional que o artigo

116 do Código Penal não contempla.

O artigo 53, § 2º da Constituição Federal, com redação da Emenda

Constitucional nº 35, de 20/12/2001, estabelece que os Senadores e Deputados não

poderão ser presos pela prática delitiva, salvo em flagrante por crime inafiançável,

devendo os autos serem remetidos, no prazo de vinte e quatro horas, à Casa

Legislativa, a fim de que pelo voto da maioria resolva-se a questão.

Assim, como não há mais a necessidade de autorização para a instauração

do processo, uma vez que extinta a imunidade processual dos parlamentares, o

Supremo Tribunal Federal, que é o Tribunal competente para julgar ações contra

senadores e deputados, recebe a denúncia, instaurando a ação penal. Ocorre,

porém, que o processo fica suspenso até o fim do mandato parlamentar do

denunciado.

Assim é o conteúdo do artigo 53, § 3º da Carta Magna, o qual determina que

o Tribunal, no prazo de vinte e quatro horas, deve remeter os autos à Casa

respectiva a fim de que por maioria de seus membros, requerera ou não a sustação

do processo.

É importante mencionar que o pedido de sustação deve ser analisado pela

Casa no prazo improrrogável de quarenta e cinco dias. Se assim não o fizerem, a

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ação penal não poderá ser sustada.

Nesse sentido Antônio Lopes Baltazar (2003, p. 55) leciona que

Em suma, a imunidade processual foi extinta, visto que o Judiciário não necessita mais de autorização do Legislativo, para instaurar ação penal contra o parlamentar. Contudo, com o novo mecanismo processual surgido, o processo pode não ser julgado, enquanto o Senador ou Deputado estiver cumprindo o mandato. Observe-se que, sustando o andamento da ação penal, por decisão do partido político não há produção antecipada de provas como ocorre na suspensão do processo, prevista no art. 366 do Código de Processo Penal.

O art. 366 do Código de Processo Penal estabelece que se o acusado,

citado por edital, não comparecer nem constituir defensor, a ação penal e o curso da

prescrição ficarão suspensos, sendo permitido ao juiz determinar a produção

antecipada das provas consideradas mais urgentes, bem como decretar a prisão

preventiva do acusado.

Vale ressaltar que a nova redação do artigo acima referido, trouxe uma

enorme polêmica, qual seja, a não estipulação de um limite temporal da suspensão

da prescrição. Em razão disso, alguns doutrinadores vêm admitindo que a

suspensão perduraria até a localização do acusado ou sua apresentação em juízo

ou até que fosse constituído advogado e este viesse a ingressar no processo.

Segundo Guilherme de Souza Nucci (2008, p. 585) assim fazendo, estar-se-

ia criando uma causa de imprescritibilidade, o que não é autorizado por Nossa Carta

Magna. Assim, segundo este mesmo autor, a doutrina e a jurisprudência têm se

manifestado no seguinte sentido

O processo fica suspenso pelo prazo máximo em abstrato previsto para o crime, conforme o previsto no art. 109; em seguida retoma-se o curso da prescrição, calculado pelo máximo da pena em abstrato previsto para o delito. Por isso, um processo por homicídio, por exemplo, ficaria paralisado por 20 anos. Depois, teria inicio a prescrição, que levaria outros 20 anos.

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O artigo 368 do Código de Processo Civil estabelece, ainda, outra causa de

suspensão prescricional, sendo ela: a expedição de carta rogatória para citação do

acusado no estrangeiro.

Quando houver a expedição de carta rogatória para citação do acusado no

estrangeiro, em lugar sabido, suspende-se o prazo prescricional o até o seu

cumprimento e a devida juntada aos autos.

Por derradeiro, a Lei 9.099/95, no seu artigo 89, § 6º estabelece que durante

o prazo de suspensão condicional do processo, não corre o lapso prescricional,

porém, uma vez revogado tal beneficio, o processo será retomado normalmente,

computando-se para fins de prescrição, o prazo anterior ao da suspensão.

Em não havendo a revogação do beneficio, ao final do período, declarar-se-

á extinta a punibilidade.

2.3 PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA

Essa modalidade prescricional ocorre antes de transitar em julgado a

sentença condenatória, fulminando o direito do Estado de punir o indivíduo.

Segundo Guilherme de Souza Nucci (2008, p. 577) a prescrição da

pretensão punitiva “é a perda do direito de punir, levando-se em consideração

prazos anteriores ao trânsito em julgado definitivo, isto é, para ambas as partes.”

Tal perda é explicada por Antônio Lopes Baltazar (2003, p. 34) em virtude de

que

os atos processuais não são realizados rapidamente, demandam tempo, não só em razão da deficiência de infra-estrutura dos órgãos incumbidos na apuração dos fatos, como também na obediência aos princípios processuais, especialmente da ampla defesa; por isso, para evitar que as

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partes permaneçam sujeitas eternamente à pretensão do Estado, limitou-se a persecução a um prazo. Vencido esse prazo antes de o Estado conseguir aplicar ao autor do delito a sanção pleiteada, a punibilidade estará extinta pela prescrição da pretensão punitiva ou prescrição abstrata, também denominada, impropriamente, de “prescrição da ação”.

A prescrição da pretensão punitiva subdivide-se em: prescrição da pena em

abstrato, prescrição intercorrente e prescrição retroativa, porém devido ao tema

específico do presente estudo, a abordagem será restrita a modalidade retroativa da

prescrição.

2.3.1 Prescrição Retroativa

2.3.1.1 Conceito

A prescrição retroativa é uma espécie do gênero prescrição da pretensão

punitiva e é resultado da combinação dos artigos 109, caput e 110, §§ 1º e 2º do

Código Penal.

Segundo Guilherme de Souza Nucci (2008, p. 577) a prescrição retroativa

é a perda do direito de punir do Estado, considerando-se a pena concreta estabelecida pelo juiz, com trânsito em julgado para a acusação, bem como levando-se em conta os prazos anteriores à própria sentença (entre a data do fato e a do recebimento da denúncia ou queixa; entre esta e a data da sentença, como regra).

Luiz Regis Prado (2007, p. 110) elucida que a prescrição retroativa “a

exemplo da prescrição superveniente, regula-se pela pena imposta ao réu. Todavia,

diversamente daquela, a prescrição retroativa tem o seu prazo contado

regressivamente.”

Assim, a diferença entre a prescrição retroativa e a prescrição superveniente

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encontra-se no fato de que o prazo prescricional desta é contado para frente, isto é,

da sentença condenatória com trânsito em julgado para acusação em diante. Ao

passo que naquela, o prazo prescricional é contado regressivamente, ou seja, da

sentença condenatória transitada em julgado para a acusação até o recebimento da

denúncia, e deste ato processual até a data do fato criminoso.

É importante ressaltar que para podermos aplicar a prescrição retroativa,

faz-se necessária uma sentença condenatória fixando a pena in concreto. Segundo

Igor Teles Fonseca de Macedo (2007, p. 39), tal decisão pode ser proferida em

primeiro ou segundo grau de jurisdição.

Ademais, aliado a isso, é imprescindível, também, o trânsito em julgado para

a acusação, uma vez que há a proibição da reformatio in pejus, ou seja, não deve

mais haver a possibilidade de aumento da pena concretamente aplicada.

Por fim, mister se faz salientar que há uma divergência doutrinária a respeito

do reconhecimento da prescrição retroativa pelo juiz singular. Alguns doutrinadores,

como Zaffaroni e Pierangeli (JAWSNICKER, 2009, p. 58), são adeptos a teoria de

que a extinção da punibilidade deveria ser decretada apenas pelo Tribunal ad quem,

uma vez que, com a prolação da sentença, encerra-se a prestação jurisdicional.

Outros, como Hugo Nigro Mazzili (JAWSNICKER, 2009, p. 59), entendem que em

virtude do princípio da economia processual, a prescrição retroativa deve ser

decretada de ofício, a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição, até porque

a prescrição extingue a punibilidade do agente, conforme artigos 107 do Código

Penal11 e 61 do Código de Processo Penal12.

11 “Art. 107, CP: Extingue-se a punibilidade: I - pela morte do agente; II - pela anistia, graça ou indulto; III - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso; IV - pela prescrição, decadência ou perempção; V - pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada; VI - pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite; VII – revogado; VIII – revogado; IX - pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei.”

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Igor Teles Fonseca de Macedo (2007, p. 390) citando o posicionamento

adotado por Alberto Silva Franco esclarece que

Guarda inteira pertinência a conclusão de que a prescrição retroativa pode (eu diria deve) ser reconhecida em primeira instância; ao declarar rescindida a sentença condenatória, não está o juiz de 1º grau nem reformulando seu próprio ato, exaurida sua jurisdição, nem cuidando da matéria que não lhe está afeta; em verdade, ao reconhecer a incidência da prescrição retroativa, o juiz do processo ou o juiz da execução atende apenas a um imperativo legal, pois é a lei e não ele quem atribui à declaração o efeito de invalidar a sentença condenatória, obstando-lhe a formação da coisas julgada e a constituição do título penal executório.

2.3.1.2 Contagem do prazo prescricional

A contagem do prazo prescricional retroativo é realizado após o trânsito em

julgado da decisão condenatória para a acusação, ou seja, norteia-se pela pena

aplicada na sentença, que, em havendo recurso da defesa não poderá ser

exacerbada.

Essa regra, porém, sofre uma exceção.

Nos casos de concurso material, formal perfeito e no crime continuado a

contagem observará as seguintes regras: no caso do concurso material cada

infração tem seu prazo prescricional considerado isoladamente; Em relação ao

concurso formal perfeito, ou seja, quando o agente mediante uma só ação ou

omissão pratica dois ou mais crimes, considera-se a pena do mais grave, com o

aumento de um sexto até metade. Nesse caso, segundo Antônio Lopes Baltazar

(2003, p. 83)

para fins de contagem do prazo prescricional retroativo despreza-se o 12 Art. 61, CPP: “Em qualquer fase do processo, o juiz, se reconhecer extinta a punibilidade, deverá declará-lo de ofício. Parágrafo único. No caso de requerimento do Ministério Público, do querelante ou do réu, o juiz mandará autuá-lo em apartado, ouvirá a parte contrária e, se o julgar conveniente, concederá o prazo de cinco dias para a prova, proferindo a decisão dentro de cinco dias ou reservando-se para apreciar a matéria na sentença final.”

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quantum do aumento pelo concurso, levando-se em conta tão-somente a pena do crime único, ou seja, como se não existisse o concurso. Por isso, há a necessidade de o juiz individualizar na sentença, sob pena de nulidade, em quanto aumentou a pena pelo concurso.

Por fim, tratando-se de crime continuado, a regra é a mesma do concurso

formal, ou seja, se as penas forem iguais, se conta cada uma delas, se as penas

forem diferentes, a mais grave desprezando-se o aumento.

Certificando-se da pena aplicada, deve-se ajustar essa pena em um dos

prazos prescricionais previstos no artigo 109 do Código Penal13.

Após, deve-se verificar se decorreu entre a data do fato e o recebimento da

denúncia (primeira causa interruptiva), ou então, entre o recebimento da denúncia e

a publicação da sentença (nos crimes julgados pelo juiz singular), ou pronúncia (no

caso de procedimento do Tribunal do Júri), o prazo previsto no inciso do artigo acima

citado. Transcorrido o lapso temporal previsto no artigo 109, do Código Penal, estará

extinta a punibilidade pela prescrição retroativa.

Contudo, antes de verificar em qual dos incisos do artigo 109 do Estatuto

Repressivo encaixa-se o crime, deve-se atentar se há alguma causa modificadora

da prescrição. É o caso da menoridade relativa ou a maioridade senil, hipóteses em

que a prescrição é reduzida pela metade, conforme preceitua o artigo 115 do Código

Penal14.

Com relação à reincidência, não há o aumento do prazo prescricional, uma

vez que já foi considerada na sentença que a reconheceu.

13 Art. 109, CP: A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: I - em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze; II - em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze; III - em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito; IV - em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro; V - em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois; VI - em dois anos, se o máximo da pena é inferior a um ano. 14 Art. 115, CP: São reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou, na data da sentença, maior de 70 (setenta) anos.

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É importante ressaltar, que as causas de aumento e diminuição da pena,

bem como as agravantes e atenuantes não influenciam no prazo prescricional

retroativo, uma vez que já foram consideradas na sentença condenatória.

2.3.1.3 Efeitos

A prescrição retroativa rescinde a sentença condenatória, uma vez que

extingue o poder-dever de punir do Estado. Só prevalece o quantum da pena

aplicada com a finalidade de computar o prazo da prescrição retroativa. Ela apaga a

pena e quaisquer efeitos da sentença condenatória, sejam principais ou acessórios.

(BALTAZAR, 2003, p. 91).

Assim, se o acusado que for beneficiado pela prescrição retroativa, vier a

cometer novo crime, não será considerado reincidente, uma vez que não há

condenação anterior com trânsito em julgado, conforme preceitua o artigo 63 do

Código Penal. Além de que, não será decretada sua prisão preventiva na prática de

outro delito (art. 313, III, CPP), terá direito ao arbitramento de fiança (art. 323, III,

CPP), ao sursis e, após o cumprimento de um terço da pena, ao livramento

condicional, uma vez que volta a condição de primário.

Ademais, se o acusado for condenado por novo delito durante o período de

prova desses benefícios e for reconhecida a prescrição retroativa para tal crime, tais

benefícios não serão revogados, nos termos dos artigos 81, I, e 86, do Código

Penal.

Se o réu estiver preso, terá que ser colocado em liberdade.

A sentença não poderá ser executada na esfera cível para cobrança dos

danos decorrentes da atitude ilícita do acusado, uma vez que a prescrição retroativa

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rescinde a sentença, não gerando título executivo. Para isso terá que ser proposta

ação de conhecimento.

O réu não será cobrado por eventuais custas processuais, uma vez que não

há que se falar em condenação e, terá que ser restituído integralmente pela fiança

eventualmente paga (BALTAZAR, 2003, p. 92).

Ademais, qualquer objeto apreendido deve ser restituído, o produto e os

instrumentos do delito não podem ser confiscados e o seqüestro dos bens imóveis

deve ser levantado (BALTAZAR, 2003, p. 93).

O funcionário público ou aquele que desempenha cargo eletivo deve ser

reintegrado na função; deverá ser devolvida a habilitação para dirigir; cancelada

hipoteca, além de outros efeitos secundários (BALTAZAR, 2003, p. 93).

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3 A POLÊMICA DOUTRINÁRIA SOBRE A PRESCRIÇÃO “ANTECIPADA”

3.1 ORIGEM E NATUREZA JURÍDICA DA PRESCRIÇÃO “ANTECIPADA”

A prescrição antecipada, também chamada “em perspectiva”, projetada ou

virtual, é um instituto bastante recente e não possui previsão legal expressa.

Surgiu no final dos anos 80, nos Tribunais de Alçada de São Paulo, e desde

então muitas foram as manifestações favoráveis e contrárias a ela na jurisprudência

e doutrina nacional (MACEDO, 2007, p. 77).

Tais manifestações, bastante razoáveis para a formação de intensas

decisões e manifestações doutrinárias, serviram para a formação de dois grandes

blocos de entendimento. De um lado, encontramos a grande maioria dos Tribunais,

inclusive Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, contrários ao

instituto; De outro, deparamos com os partidários, sendo parte dos Juízes e

Promotores de Justiça de primeira instância, além de uma minoria na jurisprudência.

Entretanto, apesar da atual resistência à utilização desse instituto, a sua

aceitação é crescente, o que nos leva a acreditar que, no futuro, a prescrição

antecipada será uma realidade incontestável, podendo, inclusive, ser alvo de

previsão legal expressa.

Para Igor Teles Fonseca de Macedo (2007, p. 78), a recusa deste instituto

pode ser explicada pelo fato de que

qualquer nova tese que reavalie o sistema atual de uma forma intensa, criticando-o e apontando uma solução revolucionária, tende que passar por pelo menos duas etapas antes de ser aceita, quais sejam uma fase de ridicularização e uma de simpatia. Com a prescrição em perspectiva, que seguiu a regra geral, não poderia ser diferente.

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Inicialmente, a prescrição em perspectiva foi bastante ridicularizada,

chegando a ser considerada um verdadeiro absurdo jurídico. Esta fase teve como

característica a negativa pura e simples, uma vez que não houve nenhuma

discussão mais aprofundada acerca do assunto, tornando seu processo evolutivo

mais lento.

Todavia, em virtude da perseverança daqueles que viam no instituto da

prescrição antecipada uma realidade viável e continuaram a utilizá-la independente

das críticas da imensa maioria dos juristas, a prescrição em perspectiva sofreu

consideráveis aprimoramentos, os quais resultaram no convencimento de novos

adeptos, culminando na ultrapassagem da fase de ridicularização para a fase de

simpatia, na qual podemos dizer que se encontra atualmente.

Essa nova etapa do processo é explicada em virtude de uma maior

discussão acerca do assunto, que embora ainda não totalmente aceito, faz com que

aqueles que o defendam desenvolvam novos argumentos, ensejando seu

desenvolvimento científico.

Ademais, a tese da prescrição em perspectiva detém coerência e

viabilidade, sendo que o retardamento de sua aceitação somente ocorreu em virtude

do não reconhecimento imediato dessas características.

Feita tais considerações sobre a origem do instituto sub oculi, passemos

para a análise de sua natureza jurídica.

Nos seus primórdios, a prescrição em perspectiva era relacionada,

unicamente, com a figura da prescrição propriamente dita, o que fazia com que as

decisões que tinham por base tal instituto, extinguissem a punibilidade do acusado

em questão (MACEDO, 2007, p. 83). Os seus fundamentos giravam somente em

torno dos princípios da economia processual e da instrumentalidade do processo,

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assim os seus defensores não conseguiam ultrapassar o argumento de que a

prescrição antecipada não possuía o pressuposto básico para o reconhecimento da

prescrição retroativa, qual seja a pena concretizada pelo juiz a quo.

Atualmente, segundo Igor Teles Fonseca de Macedo (2007, p. 84), a

doutrina mais renomada vem enquadrando a prescrição em perspectiva como uma

forma de reconhecimento da carência de ação, por falta do interesse de agir, ou

seja, abandonou-se a hipótese de que a mesma seria uma das causas de extinção

da punibilidade.

Contudo, há uma gama de notáveis jurisconsultos, por exemplo, Luis Régis

Prado e José Antônio Paganella Boschi (MACEDO, 2007, p. 84), que ainda definem

a prescrição em perspectiva como uma modalidade de prescrição da pretensão

punitiva. Fato que acaba criando uma confusão em relação à natureza jurídica deste

instituto, e dando azo para que seus opositores concentrem as suas mais acirradas

críticas.

Com efeito, embora a prescrição em perspectiva traga em sua nomenclatura

o vocábulo “prescrição”, ela não pode ser considerada uma modalidade desta, uma

vez que, por uma questão de segurança jurídica, todas as causas extintivas de

punibilidade necessitam de previsão legal expressa.

Desta forma, é notório que o instituto em exame não é uma espécie de

prescrição retroativa, haja vista que esta última possui como pressuposto a fixação

da pena pelo julgador, sendo que qualquer constatação em sentido contrário fere a

própria lógica do sistema normativo.

Para Igor Teles Fonseca de Macedo (2007, p. 86) a prescrição antecipada

trata-se

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de um evidente caso de carência de ação em decorrência da ausência do interesse de agir, mais precisamente da sua faceta interesse-utilidade, posto que, consoante já asseverado linhas acima, o processo, para se instaurar ou para prosseguir, necessita que seja vislumbrável a realização, naquele momento do pleito exarado na exordial. Assim, tendo em vista que na ação penal, imutavelmente, como se pode presumir, o pedido está relacionado à imposição de uma sanção ao acusado, a persecutio criminis somente poderá ser encarada como útil na hipótese de haver alguma expectativa, ainda que remota, de aplicação de uma pena concreta capaz de fazer com que o réu sofra as conseqüências do seu ato criminoso, caso contrário, será totalmente inócua, ensejando a aplicação da prescrição em perspectiva.

Além do mais, as causas de extinção da punibilidade são numerus clausus,

não podendo ser interpretadas extensivamente.

Celso Delmanto, citado por Igor Teles Fonseca de Macedo (2007, p. 87),

explica

a solução para este impasse não se encontra na extinção da punibilidade com base na pena que seria imposta em possível condenação, que realmente parece difícil de sustentar, mas, sim, na falta de justa causa para a persecução penal. Com efeito, tendo em vista que o poder-dever de promover a perseguição do indigitado autor da infração penal tem por fundamento o próprio poder-dever de punir, não há sentido em admitir-se a persecução penal quando ela é natimorta, já que o poder de punir, se houver condenação, fatalmente estar-se-á extinto.

Insta salientar, ainda, que embora seja quase unânime na doutrina e na

jurisprudência a ligação da prescrição em perspectiva com a carência da ação,

alguns juristas ainda teimam em reconhecer a ausência de interesse de agir e

correlacionar o instituto em exame com a prescrição retroativa, entendendo ser uma

causa de extinção da punibilidade.

É o caso de Heleno Cláudio Fragoso, em sua obra Lições de Direito Penal, o

qual segundo Igor Teles Fonseca de Macedo (2007, p. 88) desenvolve

brilhantemente o cenário da prescrição antecipada segundo a teoria das condições

da ação, rebatendo a alegação de que tal instituto seria espécie de prescrição,

porém, ao final, alega ser a prescrição em perspectiva capaz de extinguir a

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punibilidade.

Ressalta-se que esta confusão sobre o tema é, ainda, muito comum entre a

maioria dos pensadores, porém não é tão flagrante quanto no caso acima apontado.

Ademais, é importante mencionar que o reconhecimento da extinção da

punibilidade acarreta a formação de coisa julgada material, ao passo que a extinção

do processo por carência de ação enseja a configuração de coisa julgada formal,

abrindo a possibilidade para ser proposta nova ação idêntica, nos termos do artigo

268 do Código de Processo Civil15, o qual pode ser utilizado por força do artigo 3º do

Código de Processo Penal16.

3.2 DISCUSSÃO DOUTRINÁRIA ACERCA DA “PRESCRIÇÃO ANTECIPADA”

A prescrição em perspectiva é um tema que tem sido causa de grande

discussão e gerado intensa divergência doutrinária, a qual, segundo Francisco

Afonso Jawsnicker (2009, p. 91), está longe de ser solucionada.

Os operadores do direito que defendem a prescrição em perspectiva

apresentam vários argumentos a favor do instituto, tais como: carência de ação por

falta de interesse de agir; princípio da economia processual; constrangimento ilegal

causado ao réu pela “penalização desnecessária” da morosidade do processo penal;

a instrumentalidade do processo; a funcionalidade; a lógica; o desgaste do prestígio

da justiça; o dispêndio de tempo inútil da Justiça e as circunstâncias judiciais (art.

15 Art. 268, CPC: Salvo o disposto no art. 267, V, a extinção do processo não obsta a que o autor intente de novo a ação. A petição inicial, todavia, não será despachada sem a prova do pagamento ou do depósito das custas e dos honorários advocatícios do advogado. 16 Art. 3, CPP: A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais do direito.

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59, do Código Penal) favoráveis de que se vale o juiz para aplicar a pena mínima.

Já aqueles contrários à tese da prescrição em perspectiva invocam os

seguintes argumentos: inobservância dos princípios da legalidade; da

obrigatoriedade; do contraditório e da ampla defesa; presunção de inocência; a

aplicação de uma sentença de mérito; observância dos efeitos secundários da

condenação; a incorreta prestação jurisdicional; a possibilidade da mutatio libelli; e,

por fim, a impossibilidade de ser previsto antecipadamente o quantum a ser fixado.

3.2.1 Teorias que defendem a aplicação da prescrição “antecipada”

O instituto da prescrição antecipada fundamenta-se basicamente em razões

de política criminal, consistente em auxiliar a administração da justiça, a qual se

encontra sobrecarregada de processos. Esse auxílio é necessário a fim de torná-la

mais célere, economizando recursos humanos e materiais, evitando o desgaste

judicial provocado pela ineficácia das decisões e livrando o acusado da penalização

pela morosidade da Justiça.

Consubstanciados nos fundamentos políticos acima apresentados, os

partidários do instituto sub oculi, defendem a idéia de que não convém acionar todo

o aparato judicial sem que desta atividade se extraia algum resultado útil. Para eles,

não há razão em admitir-se a persecução penal quando ela é natimorta, uma vez

que o “poder de punir”, se houver condenação, inevitavelmente encontrar-se-á

extinto. Perder-se-ia todo o trabalho desempenhado, até mesmo para efeitos civis, já

que, ao final, estaria extinta a própria pretensão punitiva.

Antônio Rodrigues Porto (1977, p. 17) enumera dentre os argumentos

favoráveis à aplicação do instituto: o esquecimento, a dispersão das provas, a

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expiação moral, a emenda e a teoria psicológica, senão vejamos:

com o decorrer do tempo, o crime é esquecido pela sociedade, desaparecendo assim o alarme social. Em conseqüência, não haverá mais interesse em punir (...) se o poder de punir se justifica exclusivamente pelo critério da necessidade, todo o exercício do poder repressivo será injustificado, quando não pareça necessário.

Além do mais, submeter alguém aos dissabores de um processo penal,

tendo a certeza de que este será inútil constitui constrangimento ilegal, eis que a

mesma injustiça decorrente da acusação quando não seja possível antever

condenação do réu, ocorre quando não há possibilidade de cumprimento da

sentença condenatória porque será alcançada pela prescrição, não devendo o

processo desenvolver suas etapas apenas porque a sentença geraria status de

condenado.

Segundo Antônio Lopes Baltazar (2003, p. 112)

Sabendo-se, antecipadamente, que não haverá imposição de qualquer sanção, e, mesmo assim, continuar com a tramitação do processo, contaminado pelo vírus da autodestruição até a sentença condenatória, não há dúvida, de que resta um efeito concreto em razão ao apego do formalismo, que é o constrangimento a que o réu fica sujeito, durante vários meses, à espera de uma decisão final que irá reconhecer a prescrição e declarar extinta a punibilidade.

Desta forma, se o fim que se busca na ação penal é a sanção do infrator, e

se este fim não é alcançado não há razão de ser do eventual processo, aplicando-se

a prescrição virtual, desde que analisadas as condutas praticadas pelo infrator e

favoráveis as circunstâncias judiciais.

3.2.1.1 Interesse de Agir

A ausência de interesse de agir é o principal elemento caracterizador da

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prescrição antecipada e, segundo a maioria dos doutrinadores, torna inepta a

acusação, por faltar justa causa para o início ou prosseguimento da ação penal.

Como é cediço, o interesse de agir é condição exigida para o regular

exercício do direito de ação, ou seja, a demanda criminal só pode se desenvolver se

estiverem presentes todas as condições impostas por lei, sendo elas: possibilidade

jurídica do pedido, legitimidade de partes e interesse de agir.

Embora não haja na legislação penal as condições da ação, os

processualistas penais são unânimes em admitir sua aplicação tal como postas na

doutrina processual civilística. Daí porque se encontra sedimentada a corrente que

propugna por uma teoria geral do processo. Entretanto, vale ressaltar que,

considerando as peculiaridades do processo penal, há o acréscimo de certas

condições especiais. Figuram, portanto, aquelas condições do processo civil, como

condições genéricas, e, estas últimas, como condições especiais, que aglutinadas

compõem as condições de procedibilidade.

Francisco Afonso Jawsnicker (2009, p. 95) afirma que o processo não sofre

mutações substanciais quando passa do campo da justiça civil para o campo da

justiça penal, posto que a diferença entre o processo civil e o processo penal é

apenas de grau e não de natureza, sendo certo que ambos apresentam um fundo

comum.

Este mesmo autor, citando Cintra, Grinover e Dinamarco (2009, p. 94),

ensina que o interesse de agir

assenta-se na premissa de que, tendo embora o Estado o interesse no exercício da jurisdição, não lhe convém acionar o aparato judiciário sem que dessa atividade se possa extrair algum resultado útil. É preciso, pois, sob esse prisma, que, em cada caso concreto, a prestação jurisdicional solicitada seja necessária e adequada.

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Já para Oswaldo Palotti Júnior, citado por Igor Teles Fonseca de Macedo

(2007, p. 112)

o interesse de agir está jungido à utilidade do provimento jurisdicional pleiteado. Destarte, se a prestação jurisdicional mostra-se, de antemão, inútil, exsurge daí o desaparecimento do interesse de agir, o que justifica o trancamento da ação penal em curso ou mesmo o não recebimento da denúncia oferecida. Em outras palavras: ausente o interesse de agir, inexiste pretensão digna de ser julgada.

Com efeito, para os partidários da prescrição em perspectiva, o Estado só

deve desempenhar suas funções jurisdicionais até o fim, quando dessa atividade se

possa extrair algum resultado útil, ou seja, capaz de satisfazer o interesse do autor.

Destarte, se no decorrer do processo penal ocorrer algum fato capaz de

extinguir o fundamento jurídico do pedido, o juiz, de ofício ou a requerimento da

parte, deve aplicar analogicamente o artigo 462 do Código de Processo Civil17.

Nesse sentido é a lição de Nelson Nery Junior, citado por Francisco Afonso

Jawsnicker (2009, p. 101)

as condições da ação devem vir preenchidas quando do ajuizamento da ação e devem subsistir até o momento da prolação da sentença. Presentes quando da propositura mas, eventualmente ausentes no momento da prolação da sentença, é vedado ao juiz pronunciar-se sobre o mérito, já que o autor não tem mais direito de ver a lide decidida. Da mesma maneira, se ausentes quando da propositura da ação, mas preenchidas no curso do processo, o juiz deve proferir sentença de mérito.

A partir desse entendimento, podemos concluir que dentre as facetas do

interesse de agir, a que está relacionada diretamente com a prescrição em

perspectiva é o interesse-utilidade, de modo que inexiste o interesse de agir quando

se verificar que uma eventual condenação não pode ser aplicada.

17 CPC, Art. 462: Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a sentença.

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Sobre o tema, Igor Teles Fonseca de Macedo (2007, p. 116), citando

Eugênio Pacelli de Oliveira, assevera que

no âmbito específico do processo penal, entretanto, (e o mesmo ocorre no processo civil, como um verdadeiro plus ao interesse de agir), desloca-se para o interesse de agir a preocupação com a efetividade do processo, de modo a poder-se afirmar que este, enquanto instrumento da jurisdição, deve apresentar, em juízo prévio e necessariamente anterior, um mínimo de viabilidade de satisfação futura da pretensão que informa o seu conteúdo. É dizer, sob perspectiva de sua efetividade, o processo há de se mostrar, desde a sua instauração, apto a realizar os diversos escopos da sua jurisdição, isto é, revelar-se útil. Por isso falar-se em interesse-utilidade.

Ora, se o processo não for útil ao órgão estatal, sua existência é jurídica e

socialmente inútil. Ademais, o interesse de agir, no processo penal, é categoria

básica para a noção de justa causa, que nada mais é do que o conjunto de

circunstâncias que tornam viável a pretensão punitiva.

Segundo Francisco Afonso Jawsnicker (2009, p. 96)

(...) para a propositura de uma ação penal, que coloca em jogo a liberdade individual, não basta a simples afirmação de que houve um crime e de que fulano ou sicrano foi o autor, mas é preciso que o magistrado, no limiar da ação, verifique a idoneidade do pedido consubstanciado na denúncia ou queixa. Não havendo base razoável para a instauração da instância penal, ou seja, não havendo elementos que sirvam de apoio à sustentação de uma acusação formal, configura-se situação de ausência de justa causa, que enseja a impetração de habeas corpus, nos termos do art. 648, inc. I, do Código de Processo Penal.

Ainda, a respeito do assunto prescrição em perspectiva e interesse de agir,

vale destacar que não configura violação ao princípio da obrigatoriedade da ação

penal quando, em tais circunstâncias, o membro do Ministério Público deixa de

oferecer a denúncia.

Com efeito, se houver a ausência de uma condição para o regular exercício

de ação ou se a lei criar algum obstáculo intransponível, não há tal obrigatoriedade,

muito pelo contrário, deve-se pedir o arquivamento, uma vez que não há sentido em

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acionar a máquina estatal para um esforço persecutório inútil.

3.2.1.2 Instrumentalidade do Processo

Para Cândido Rangel Dinamarco, citado por Carla Rahal Benedetti (2009, p.

158), o processo, tanto civil quanto penal, hodiernamente, caracteriza-se pela

“consciência da instrumentalidade”, senão vejamos:

É vaga e pouco acrescenta ao conhecimento do processo a usual afirmação de que ele é um instrumento, enquanto não acompanhada da indicação dos objetivos a serem alcançados mediante o seu emprego. Todo instrumento, como tal, é meio; e todo meio só é tal e se legitima, em função dos fins a que se destina. O raciocínio teleológico há de se incluir então, necessariamente, a fixação dos escopos do processo, ou seja, dos propósitos norteadores da sua instituição e das condutas dos agentes estatais que o utilizam. Assim é que se poderá conferir um conteúdo substancial a essa usual assertiva da doutrina, mediante a investigação do escopo, ou escopos em razão dos quais toda ordem jurídica inclui um sistema processual.

É dessa forma que os partidários da prescrição em perspectiva adotam o

princípio da instrumentalidade como mais um meio favorável a ela, de modo que

somente existirá processo quando, analisando o caso, estiverem delineados os fins

a que se destina.

Ressalta-se que o direito processual possui autonomia em relação ao direito

material, porém não pode ser visto de forma isolada, ou seja, deve sempre ser

visualizado como um instrumento voltado para a obtenção da justiça social

almejada.

Nesse sentido é a lição de Igor Teles Fonseca de Macedo (2007, p. 124)

a partir do momento em que se perde de vista esta noção, constata-se o que se costuma chamar de formalismo – primazia do meio (processo) em detrimento do fim (bem da vida discutido) -, que, insofismamente,

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representa um enorme retrocesso na ciência processual.

E, citando um aresto oriundo do Tribunal de Alçada de São Paulo (2007, p.

126), complementa

Prescrição Antecipada. Reconhecimento. Possibilidade: É possível o reconhecimento da chamada prescrição antecipada nos casos em que a pena eventualmente aplicada implicaria, necessariamente, em reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva estatal, pois não se concede, na atual concepção da instrumentalidade do processo, que se movimente a máquina judiciária por apego ao formalismo, quando se sabe de antemão que a persecução penal irá desaguar em decreto de prescrição.

Dessa forma, o processo, desprovido da sua função instrumental, configura-

se uma medida totalmente inútil e desproporcional do Estado.

3.2.1.3 Economia Processual

O Princípio da Economia Processual é mais um princípio que sopra em favor

da Prescrição Antecipada, sendo invocado pelos seus defensores.

Tal princípio destaca-se em virtude de não haver razão em se movimentar a

máquina judiciária com o fito de dar andamento a um processo inútil, do qual já se

sabe de antemão que, ainda que haja condenação, será impossível a apenação do

acusado, face à ocorrência da prescrição.

Antônio Lopes Baltazar (2003, p. 111) ensina que pelo Princípio da

Economia Processual

entende-se que deva ser escolhido, entre duas alternativas, aquela que for menos onerosa à parte e também ao Estado. Procura-se buscar o máximo resultado na atuação do direito com o mínimo possível de atividades processuais e, conseqüentemente, de despesas, sem contudo, suprimir atos previstos no rito processual em prejuízo às partes.

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Tal economia reflete sobremaneira no Poder Judiciário, haja vista que o

tempo perdido com processo natimorto, poderá ser aproveitado para que não incida

em outros a prescrição, melhorando, e muito, a imagem da Justiça.

Além do mais, o instituto da prescrição antecipada é um meio de ser evitado

o desperdício público, uma vez que recursos de ordem material e intelectual serão

poupados.

3.2.2 Teorias contrárias à aplicação da Prescrição Antecipada

Apresentados os principais argumentos favoráveis à prescrição em

perspectiva, passa-se, neste momento, a enumerar as principais teorias

desabonadoras da tese em exame.

3.2.2.1 Princípio da legalidade

O primeiro argumento contrário à prescrição em perspectiva foi o princípio

da legalidade.

Com o intuito de rechaçar a prescrição antecipada, os defensores desta

teoria se fundamentaram no artigo 109 do Código Penal, segundo o qual a

prescrição regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime,

antes de transitada em julgado a sentença.

Tal raciocínio é explicado por Antônio Lopes Baltazar (2003, p. 108)

O art. 110, §§ 1º e 2º do Código Penal, determina que a prescrição retroativa só pode ser reconhecida depois da sentença condenatória, com trânsito em julgado para a acusação, ou depois de improvido o seu recurso; logo, afirmam, antes da sentença condenatória a prescrição só pode ser

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regulada pela máxima cominada em lei.Tal procedimento vem violentar o texto legal, pois somente após uma sentença condenatória é que se pode cogitar da prescrição em concreto; é a posição, inclusive, do Supremo Tribunal Federal.

Foi em virtude desse entendimento que a jurisprudência, no primeiro

momento, negou a aplicação do instituto em exame, sendo, ainda hoje, o argumento

mais utilizado para ilidi-lo.

Segundo Igor Teles Fonseca de Macedo (2007, p. 140) quem melhor

defendeu a teoria legalista de combate à prescrição antecipada foi Félix Fisher,

quando ainda ocupava o cargo de Procurador da Justiça, sustentando que as

causas prescricionais previstas em nosso ordenamento jurídico integram um rol

taxativo, não cabendo ao Poder Judiciário suprimir ou, até mesmo, ampliar textos

legais, mesmo utilizando-se de razoável discricionariedade na interpretação e

aplicação das normas.

Contudo, apesar da coerência de tal argumento, Igor Teles Fonseca de

Macedo (2007, p. 141) afirma que os mesmos são obtidos com base na idéia de que

a prescrição em perspectiva é uma modalidade de extinção da punibilidade, não

servindo, assim, para rebatê-la segundo o ponto de vista da Teoria das Condições

da Ação.

Renee de Ó Souza, citado por Francisco Afonso Jawsnicker (2009, p. 115),

menciona que a falta de previsão legal expressa não afasta a existência da

prescrição em perspectiva. Segundo ele, esse entendimento decorre de confusão ou

desconhecimento do fundamento do instituto em tela, que é a falta de interesse de

agir ou da justa causa, in verbis:

não se pode alegar falta de amparo legal para o seu prestígio, pois que o art. 43, inc. III, do Código de Processo Penal reza que a denúncia ou a queixa será rejeitada quando for manifesta a ilegitimidade da parte ou faltar

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condição exigida pela lei para o exercício da ação penal. Deste modo, ausente o interesse de agir, saliente-se que, fundamento da prescrição virtual, a peça acusatória inicial deverá ser rejeitada, eis que inexiste uma das condições para o exercício da ação. Soma-se a isso a previsão textual da mesma lei adjetiva que prevê em seu art. 3º a admissibilidade de interpretações extensiva e analógica da lei processual penal. Ora, o Código de Processo Civil prevê de forma expressa a carência de ação por falta de interesse de agir. Como é cabível a analogia e a interpretação extensiva à lei processual penal, então é possível a carência de ação penal pelo mesmo fundamento ali esposado.

Com efeito, podemos perceber que não se nega a necessidade de previsão

legal expressa para as causas extintivas da punibilidade, mas sim, toma-se como

paradigma outro aspecto, qual seja, a prescrição antecipada vista como modalidade

de carência de ação.

Outra forma de alcançar o embasamento legal está contida na análise do

instituto em exame à luz do princípio da razoabilidade, que possui cunho

eminentemente constitucional.

Nesse sentido Francisco Afonso Jawsnicker (2009, p.115) assevera que

não haveria uma relação de racionalidade entre o motivo da propositura da ação penal (o cotejo da legitimidade da atuação da vontade concreta da lei pretendida pela acusação), seu meio (o processo, com todo o dispêndio de tempo e energia inerente ao seu procedimento) e seu eventual fim (a prolação de uma sentença cujo comando, sendo condenatório, não se revestiria de efetividade para promover a atuação daquela mesma vontade concreta da lei, em razão da reforma que sofreria pela declaração de extinção da punibilidade). Ademais, o resultado dessa ação penal (a emissão de um provimento eventualmente condenatório inepto para a realização do direito material apontado na denúncia) não seria proporcional ao dano que causaria, vale dizer, a gravíssima afronta ao status dignitatis do acusado.

Diante do exposto, concluímos que independente da prescrição antecipada

ter ou não previsão legal expressa, pode-se extrair de uma interpretação sistemática

do conjunto, a certeza de sua existência.

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3.2.2.2 Princípio do devido processo legal

Segundo os opositores da prescrição antecipada, seu reconhecimento

constitui ofensa ao princípio do devido processo legal, previsto no artigo 5º, LIV da

Constituição Federal, in verbis: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens

sem o devido processo legal.”

Antônio Lopes Baltazar (2003, p. 110), explicando tal argumentação,

assevera

a condenação não pode ser aceita pela parte; urge desenvolver o processo em todas as etapas. Só a sentença gera o status de condenado, por isso, como afirma José Carlos Marrone, “há evidente obstáculo constitucional para se reconhecer a prescrição antecipada, que toma como referência, dado aleatório, ou seja, suposta data de trânsito em julgado de sentença condenatória, ou de hipotética condenação.

Diante de tal explicação, podemos notar que os opositores da prescrição

antecipada, mais uma vez, rejeitam o instituto fundamentados na confusão existente

acerca de sua natureza jurídica, afirmando que a aplicação da prescrição em

perspectiva gera uma condenação antecipada do acusado, sem que para isso tenha

havido um regular desenvolvimento do processo.

Acontece que, consoante já asseverado, a prescrição em perspectiva não é

modalidade de prescrição retroativa, mas sim de reconhecimento da carência de

ação por falta de justa causa, não havendo, desta forma, afronta ao princípio

constitucional do due process of law.

Outro argumento salutar que se vale os opositores do instituto em exame é o

de que para a análise do interesse de agir é necessário adentrar na análise do

meritum causae, sendo vedado pelo nosso ordenamento jurídico a apreciação

meritória antes de concluída a fase de instrução processual.

Ora, é patente que para o exame do interesse de agir há a necessidade de

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se fazer uma análise de mérito. Entretanto, esse exame é meramente superficial, na

medida do permitido pelo nosso ordenamento jurídico.

Renee de Ó Souza, citado por Igor Teles Fonseca de Macedo (2007, p.

148), assevera que

para se perceber que um procedimento penal é inútil devemos analisar a causa de pedir e o pedido da ação. Não há como afastar uma certa apreciação subjetiva do mérito de que se reveste o interesse de agir, caso contrário, não poderíamos nunca conjeturar a impossibilidade ou a inadequação de uma ação.

É importante destacar, ainda, a fim de evitar a alegação de falibilidade da

prescrição antecipada quanto à maneira perfunctória de conhecimento do mérito,

que a análise meritória, embora superficial, é bastante para uma averiguação segura

da presença ou não do interesse de agir, uma vez que deve se vislumbrar sempre,

no caso da prescrição em perspectiva, a “pena máxima” possível de ser aplicada e

não a “pena exata” aplicada.

Segundo Igor Teles Fonseca de Macedo (2007, p. 149) “o devido processo

legal deve estar atrelado à efetividade do processo, e, sendo vislumbrada a sua

ineficácia, o due process of law recomenda a sua extinção, sob pena de o processo

legal deixar de ser devido.”

Desta forma, não há violação do princípio do devido processo legal ao se

adotar a prescrição em perspectiva, uma vez que esta se refere ao próprio jus

puniendi estatal, não resultando, assim, nenhuma restrição à liberdade ou aos

direitos do individuo.

3.2.2.3 Princípios do contraditório, da ampla defesa e da presunção de inocência

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Os princípios do contraditório, da ampla defesa e da presunção de inocência

estão consagrados nos inciso LV18 e LVII19 do artigo 5º da Constituição Federal, e

são tidos como parte integrante do princípio maior do devido processo legal.

Objetivando negar validade à prescrição antecipada, seus opositores usam

tais princípios a fim de rechaçar o instituto em exame, alegando que o julgamento

antecipado do acusado pressupõe a existência de condenação e o réu tem direito a

uma decisão de mérito, a qual pode eventualmente resultar na sua absolvição.

Contra esse argumento, Francisco Afonso Jawsnicker (2009, p. 124), citando

Renee de Ó Souza, assevera que

a sentença que virtualmente se trabalha para reconhecer-se a prescrição antecipada é a condenatória, mas isso não implica dizer que houve seu real reconhecimento. Não há que se falar em condenação e posterior extinção da punibilidade. Ao contrário, não há que se falar nem mesmo em sentença, muitos menos em sentença condenatória. A carência de ação, como dito no capítulo pertinente, impossibilita o ajuizamento de qualquer ação e a realização da persecução penal.

Como se percebe, não existe prejulgamento quando reconhecida a

prescrição antecipada, o que há é somente a elaboração de um raciocínio lógico a

fim de verificar a pena máxima cominada, no caso de eventual condenação.

Nesse diapasão é o entendimento Francisco Afonso Jawsnicker (2009, p.

123)

objeta-se que a ampla defesa e o contraditório nascem a partir do exercício do direito de ação. Ora, no caso da prescrição antecipada, o direito de ação não pode ser exercido, em função da falta de uma das condições da ação - o interesse de agir. Não sendo possível o exercício de ação, não haverá lugar para a ampla defesa e o contraditório. Nesse sentido, Renee de Ó Souza afirma que a prescrição antecipada não viola os princípios do devido processo legal e do contraditório, “porque não houve também ação penal

18 Art. 5º, LV, CF/88: Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. 19 Art. 5º, LVII, CF/88: Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória.

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intentada, e como se sabe, esses princípios só vigoram na ação propriamente dita.”

Além do mais, deve-se frisar que havendo o reconhecimento da prescrição

em perspectiva antes da instauração do processo, não há lugar para a ampla defesa

e o contraditório. O mesmo ocorre quando tal instituto for reconhecido durante o

trâmite da ação penal, ou seja, a ampla defesa e o contraditório são observados até

a extinção do processo, não havendo, assim, inobservância dessas garantias.

Por conseqüência, o princípio da presunção de inocência também não

restaria afrontado, uma vez que na fase do inquérito policial a inocência do acusado

não é nem posta em discussão e durante o trâmite processual, a extinção do

processo é decretada sem julgamento do mérito, o que, segundo Igor teles Fonseca

de Macedo (2007, p. 59) “faz com que o decisum que assim deliberar não elabore

qualquer juízo de valor no atinente à condenação ou à absolvição do réu, logo, não

se põe em dúvida a inocência do acusado.”

Desta forma, a antecipação de raciocínio feita pelo magistrado ou pelo

membro do Ministério Público, limita-se a proceder somente a pena hipotética, não

perquirindo sobre as provas e a culpabilidade do acusado. Logo, não há afronta aos

princípios aqui estudados.

3.2.2.4 Obrigatoriedade da ação penal

O princípio da obrigatoriedade é mais uma teoria usada em desfavor da

prescrição antecipada. Para seus opositores, a rejeição da denúncia ou o seu não

oferecimento com base neste instituto viola o princípio da obrigatoriedade, uma vez

que ocorrido um delito e havendo elementos suficientes, a investigação policial, o

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oferecimento da denúncia e a instrução processual com prolação de sentença não

são meras faculdades, e sim obrigações.

Nesse sentido é o entendimento de Antônio Lopes Baltazar (2003, p. 110)

não tem o juiz poderes discricionários para analisar se instaura ou não a ação penal. Os órgãos incumbidos da persecução devem promover os atos procedimentais até o final da decisão. Por isso, a autoridade policial deve instaurar o Inquérito Policial; o Promotor de Justiça deve oferecer a denúncia; o juiz deve presidir a instrução do processo e decidir.

Contra esse argumento, Cláudia Ferreira Pacheco, citada por Francisco

Afonso Jawsnicker (2009, p.119), assevera

o Ministério Público, embora dominus litis, não tem a permissão legal para exercer a ação penal de forma indiscriminada. Antes, como fiscal da lei, cumpre ao Parquet velar pela estrita observância às condições da ação e preservação dos fundamentos do Estado democrático de Direito. Destarte, ausente o interesse de agir e a justa causa para a ação penal (diante da antevisão da inutilidade do provimento jurisdicional), cumpre ao Ministério Público requerer o arquivamento dos autos e, se assim não proceder, deverá o magistrado realizar o controle jurisdicional sobre a propositura da ação, velando pela obediência aos fundamentos e princípios inerentes ao Estado de Direito e à instrumentalidade do processo.

Com efeito, a obrigação de oferecimento da demanda criminal e o seu

respectivo recebimento, somente vigoram se estiverem presentes todos os requisitos

para a ação penal. Assim, havendo a constatação de ausência de qualquer das

condições da ação, desaparece a obrigatoriedade de propor pretensão acusatória,

uma vez que o exercício da ação penal deve estar sempre vinculado ao

preenchimento de seus requisitos, sob pena de configurar uso arbitrário do direito de

agir.

Atento a estas circunstâncias, Renee de Ó Souza, citado por Igor Teles

Fonseca de Macedo (2007, p. 153), preconiza

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O principio realmente subsiste nas hipóteses em que a ação penal pode ser exercida normalmente. Uma vez possível seu regular exercício e formada a opinio delicti exsurge e vigora o dito principio. Todavia, antes da analise da opinio deliciti, que se confunde com o mérito, deve-se analisar outros requisitos para o exercício regular da ação, quais sejam, as condições da ação. Ausente uma condição da ação, afastada está a obrigatoriedade da ação e do dever de agir. Não fosse assim, mesmo diante da ilegitimidade de partes, por exemplo, a ação deveria ser absurdamente ajuizada, robotizando e limitando o seu exercício de obediência de uma regra formal.

Desta forma, chegamos à conclusão de que se houver a ausência de uma

das condições para o regular exercício de ação ou se a lei criar algum obstáculo

intransponível, não há tal obrigatoriedade, muito pelo contrário, deve-se pedir o

arquivamento, uma vez que não há sentido em acionar a máquina estatal para um

esforço persecutório inútil.

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4 A POLÊMICA JURISPRUDENCIAL SOBRE A PRESCRIÇÃO “ANTECIPADA”

4.1 AS DISCUSSÕES DOS TRIBUNAIS SOBRE A PRESCRIÇÃO “ANTECIPADA”

Atualmente, a prescrição antecipada é um dos temas mais polêmicos do

Direito Penal, tendo gerado inúmeras controvérsias na jurisprudência pátria.

Enquanto a maioria dos nossos Tribunais, em especial o Superior Tribunal

de Justiça e Supremo Tribunal Federal, são pacíficos quanto ao não-acolhimento

desta modalidade prescricional, alguns Tribunais inferiores têm se manifestado

favoravelmente ao instituto.

O argumento mais utilizado nas cortes brasileiras a fim de rejeitar a

prescrição antecipada é a inexistência de previsão legal expressa. Para seus

opositores, uma vez não contemplado no ordenamento jurídico vigente o instituto em

exame, não há como reconhecê-lo.

Contudo, para a desventura das Cortes Superiores, alguns Tribunais

inferiores têm utilizado o instituto em exame por entenderem que seria um contra-

senso deixar tramitar uma ação penal fadada ao fracasso.

No próximo capítulo, vejamos detalhadamente a posição jurisprudencial

acerca do assunto.

4.1.1 Concepção jurisprudencial do instituto

Consoante asseverado anteriormente, a prescrição em perspectiva é um

instituto bastante polêmico, sendo de pouca aceitação nas Cortes Superiores.

A jurisprudência predominante repele sistematicamente o instituto, sob o

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entendimento de que, uma vez não consagrado no ordenamento jurídico vigente,

não há como reconhecê-lo.

Para eles, o instituto da prescrição, conforme trazido pelo Código Repressivo

Pátrio, somente se regula pela pena concreta, ou pelo máximo possível a ser

aplicado, eis que além de não ser possível saber, sem o término da instrução

probatória, qual será a pena aplicada, que dependerá de várias circunstâncias, não

podendo ser previamente analisada, o pedido realizado pela defesa viola o Princípio

da Presunção de Inocência não podendo ser acolhido.

Nesse sentido, é o entendimento do D. Ministro do Superior Tribunal de

Justiça Jorge Mussi20, no julgamento do RHC n.º 24.083, in verbis:

No entanto, consoante se infere da irresignação, o recorrente pretende que se utilize de um tipo de prescrição inexistente na legislação pátria, calculando o prazo prescricional com base na pena mínima ou acima da prevista para o tipo legal em questão, porém não máxima – aquela que supostamente seria aplicada para o delito no qual está incurso -, quando o Código Penal, em seu artigo 109, determina que a causa extintiva deve regular-se pelo máximo da sanção privativa de liberdade cominada ao ilícito (prescrição in abstrato).

Além do mais, alguns julgados rejeitam o instituto em exame, asseverando

que o seu reconhecimento suprime fases probatórias e ofende princípios

constitucionais, dentre outros da presunção de inocência e da ampla defesa, além

de subverter a ordem legal atingindo a lei e os direitos reconhecidos aos agentes

ativos das infrações penais, por presumir uma condenação que poderia nem mesmo

ocorrer.

Nesse compasso, merecem referência os seguintes julgados:

20 Disponível em: <http://www.stj.jus.br>

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RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PRESCRIÇÃO PELA PENA EM PERSPECTIVA. TESE CONTRÁRIA À JURISPRUDÊNCIA PACIFICADA NESTE SUPREMO TRIBUNAL. ALEGAÇÃO DE INVIABILIDADE DO INDICIAMENTO FORMAL: DESNECESSIDADE DE ENFRENTAMENTO DA TESE, QUE PARTE DE PREMISSA EQUIVOCADA, QUAL SEJA, DE QUE O FATO INVESTIGADO SERIA CRIME DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. RECURSO ORDINÁRIO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. A "jurisprudência do Tribunal (...) tem repelido sistematicamente a denominada prescrição antecipada pela pena em perspectiva" (v.g., Habeas Corpus ns. 88.818, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, decisão monocrática, DJ 1º.8.2006; 82.155, Rel. Ministra Ellen Gracie, DJ 7.3.2003; 83.458, Rel. Ministro Joaquim Barbosa, DJ 6.2.2004; RHC 66.913, Rel. Ministro Sydney Sanches, DJ 18.11.88; e Inquérito n. 1.070, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 1º.7.2005). 2. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, cumulada ou não com multa (Lei n. 9.099/95, art. 61, com as alterações da Lei n. 11.313/06). 3. Desnecessidade, portanto, de se enfrentar a questão quanto à possibilidade, ou não, de indiciamento formal quanto às infrações de menor potencial ofensivo, pois, na espécie vertente, investiga-se crime de apropriação indébita, cuja pena máxima cominada é de quatro anos de reclusão. 4. Recurso Ordinário ao qual se nega provimento. (STF - RHC 94757, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 23/09/2008, DJe-206 DIVULG 30-10-2008 PUBLIC 31-10-2008 EMENT VOL-02339-05 PP-00966) 21

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRESCRIÇÃO EM PERSPECTIVA. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM ENTENDIMENTO DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Inviável o reconhecimento de prescrição antecipada, por ausência de previsão legal. Trata-se, ademais, de instituto repudiado pela jurisprudência desta Corte e do Supremo Tribunal Federal, por violar o princípio da presunção de inocência e da individualização da pena a ser eventualmente aplicada. 2. Agravo Regimental improvido. (STJ – AgRg no Agravo de Instrumento n.º 764.670- RS - Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura – J. 18/11/2008).22

Entretanto, para a desventura dos Tribunais Superiores, encontramos

jurisprudência, que, embora de maneira tímida, vem aceitando a tese em exame,

para, com base nela, rejeitar iniciais acusatórias e, até mesmo, trancar ações penais

eventualmente instauradas.

Como exemplo, podemos citar os Tribunais de Justiça dos Estados de Mato

Grosso, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, os quais entendem que

21 Disponível em: <http://www.stf.gov.br> 22 Disponível em: <http://www.stj.jus.br>

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seria um contra-senso deixar tramitar uma ação penal sem que, ao final se pudesse

se extrair algum resultado útil.

Nesse sentido, merecem referências os seguintes arestos:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - ABORTO POR TERCEIRO - RECURSO MINISTERIAL - PRETENDIDO RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO PELA PENA EM PERSPECTIVA - VIABILIDADE - AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA DECORRENTE DA INEQUÍVOCA FALTA DE INTERESSE DE AGIR DO ESTADO, EM PERSECUÇÃO PENAL FADADA AO INSUCESSO - OFENSA À GARANTIA INSERTA NO ART. 5º, LXXVIII, DA CARTA CONSTITUCIONAL - RECURSO PROVIDO. A persecução penal só pode seguir adiante quando o provimento jurisdicional invocado guardar identidade com as regras de adequação, necessidade e utilidade. Se o decurso do tempo cuidou de estagnar o interesse de agir do Estado, vês que eventual pena - ainda que imposta com extremado rigor, em 08 anos, dentre os limites de 03 a 10 anos previstos para o crime, em sendo primários e de bons antecedentes os implicados - não seria exeqüível diante da prescrição, indiscutível que já se faz ausente a justa causa para a persecução penal, que ora se esbarra na garantia constitucional do inciso LXXVIII do art. 5º. (TJMT – Recurso em Sentido Estrito n.º 49921/2006 – Classe I-19 – Comarca da Capital – Rel. Graciema Ribeiro de Caravellas – J. 24/04/2007).23

PRESCRIÇÃO ANTECIPADA. RECONHECIMENTO. POSSIBILIDADE (voto vencido): - “É possível o reconhecimento da chamada “Prescrição Antecipada” nos casos em que a pena eventualmente aplicada implicaria, necessariamente, em reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva estatal, pois não se concebe, na atual concepção da instrumentalidade do processo, que se movimente a máquina judiciária por apego ao formalismo, quando se sabe de antemão que a persecução penal irá desaguar em decreto de prescrição.” (voto vencido – Dr. Fábio Gouvêa). (TJSP - 3ª Cãmara – RSE 1302843/1 – Rel. Juiz Poças Leitão – Acórdão de 04.06.2002)24

PENAL - PRESCRIÇÃO PENAL ANTECIPADA - PENA HIPOTETICAMENTE FIRMADA NO MÍNIMO LEGAL - CONDIÇÕES JUDICIAIS TOTALMENTE FAVORÁVEIS AO RÉU - POSSIBILIDADE DIANTE DE PROCESSO NATIMORTO E DA FALTA DE INTERESSE DE AGIR - RECURSO DESPROVIDO. Data venia entendimentos contrários, é admissível a prescrição antecipada quando demonstrado que o processo é natimorto, diante das circunstâncias judiciais totalmente favoráveis ao réu. (TJSC – Rec. Crim. 2005.001599-6 – Rel. Des. Amaral e Silva – J. 12/04/2005).25

23 Disponível em: <http://www.tj.mt.jus.br> 24 Disponível em: <http://www.tacrim.sp.gov.br> 25 Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br>

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PRESCRIÇÃO ANTECIPADA. POSSIBILIDADE. O processo, como instrumento, não tem razão de ser, quando o único resultado previsível levará, inevitavelmente, ao reconhecimento da ausência de pretensão punitiva. O interesse de agir exige da ação penal um resultado útil. Se não houver aplicação possível de sanção, inexistirá justa causa para a ação penal. Assim, só uma concepção teratológica do processo, concebido como autônomo, auto-suficiente e substancial, pode sustentar a indispensabilidade da ação penal, mesmo sabendo-se que levará ao nada jurídico, ao zero social. E a custas de desperdício de tempo e recursos materiais do Estado. Desta forma, demonstrando que a pena projetada, na hipótese de uma condenação, estaria prescrita, deve-se declarar a prescrição, pois a submissão do acusado ao processo decorre do interesse estatal em proteger o inocente e não intimidá-lo, numa forma de adiantamento de pena. Recurso improvido. (TJRS - Recurso em Sentido Estrito Nº 70005159371, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sylvio Baptista Neto, Julgado em 28/11/2002)26

Como se observa, apesar da resistência atual dos Tribunais Superiores à

utilização da prescrição antecipada, a sua aceitação é crescente, sendo cada vez

mais utilizada por juízes, advogados e promotores, o que nos leva a acreditar que,

no futuro, tal instituto será uma realidade irrefragável, podendo, inclusive, fazer parte

do ordenamento jurídico pátrio.

4.1.2 Inexistência de Previsão Legal

Conforme já asseverado anteriormente, o principal argumento jurisprudencial

utilizado para combater a prescrição antecipada é a carência de amparo jurídico em

nosso sistema processual penal, fato que torna ilegítima a sua utilização. Como

exemplo dessa assertiva, vale citar o aresto abaixo, originário do Supremo Tribunal

Federal 27

Habeas Corpus. Pretendido trancamento da ação penal, pela extinção da punibilidade, decorrente da pretensão punitiva, segundo a pena a ser ainda concretizada em futura sentença. Inadmissibilidade. Writ indeferido. Antes da sentença a pena é abstratamente cominada e o prazo prescricional se

26 Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br> 27 Disponível em: <http://www.stf.gov.br>

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calcula pelo máximo, não podendo ser concretizada por simples presunção. (STF – Primeira Turma – RHC 66.913/DF – Rel. Min. Sydney Sanches – Acórdão de 25.10.1988 – RT 639/689)

Como se vê, a jurisprudência contrária ao instituto da prescrição antecipada

entende que tal procedimento vem violentar o texto legal, vez que somente após a

prolação de uma sentença condenatória é que se pode cogitar em prescrição em

concreto retroativa, pois é nessa fase que se fixa a pena, antes disso o prazo

prescricional se regula pelo máximo da pena cominada ao crime.

Nesse sentido é o entendimento do Ministro do Superior Tribunal de Justiça

Fernando Gonçalves28

Não há que se falar em ocorrência de prescrição pela pena em perspectiva, a uma porque têm as Cortes Superiores, em especial o Pretório Excelso, rechaçado a aplicação do instituto da prescrição antecipada, virtual ou em perspectiva, face a evidente obstáculo constitucional e carência de amparo jurídico em nosso sistema processual, por afronta não só a princípios que informam o Direito Penal e o Direito Processual Penal, mas também ao devido processo legal eis que, inadmissível condenação hipotética refletida em raciocínio com sentença condenatória imaginária, por reclamar a prescrição sentença com pena concretamente estabelecida, após o trânsito em julgado ao menos para a acusação, ou pelo máximo da sanção abstratamente prevista, cuidando-se a hipótese em comento de construção jurisprudencial, sem qualquer fundamento legal; e, porque “não pode ser decretada a extinção da punibilidade pela possibilidade futura de ser concretizada a pena mínima, ante a primariedade e os bons antecedentes do réu.

Contudo, para os adeptos à prescrição antecipada tal argumento não se

presta a vedar a aplicação do instituto. Conforme asseverado no capítulo anterior,

vários são os argumentos utilizados para validar a sua incidência pontual, como por

exemplo, interesse de agir, instrumentalidade do processo e economia processual.

Sobre a suposta carência de amparo legal, o Juiz Tourinho Neto29,

integrante do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, elucida

28 STJ, HC 9210/SP, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, SEXTA TURMA, julgado em 18/05/1999, DJ 07/06/1999 p. 134 – Disponível em: <http://www.stj.gov.br 29 APCRIM n.º 1999.35.00.011674-4/GO, 3ª Turma, TRF/1ª Região, DJ de 08/09/2006, p. 23.

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(...) a doutrina e a jurisprudência divergem, predominando, no entanto, a orientação que não aceita a prescrição antecipada. É chegada a hora, todavia, do novo triunfar. 2. A prescrição antecipada evita um processo inútil, um trabalho para nada, chegar-se a um provimento jurisdicional que nada vale, que de nada servirá. Desse modo, há de reconhecer-se ausência do interesse de agir. 3. Não há lacunas no Direito, a menos que se tenha o Direito como lei, ou seja, o Direito puramente objetivo. Desse modo, não há falta de amparo legal para aplicação da prescrição antecipada. 4. A doutrina da plenitude lógica do direito não pode subsistir em face da velocidade com que a ciência do direito se movimenta, de sua força criadora, acompanhando o progresso e as mudanças das relações sociais. Seguir a lei ‘à risca’, quando destoantes das regras contidas nas próprias relações sociais, seria mutilar a realidade e ofender a dignidade mesma do espírito humano, porfiosamente empenhado nas penetrações sutis e nos arrojos de adaptação consciente (Pontes de Miranda).

Também nesse sentido, René Ariel Dotti30 em seu artigo doutrinário

“Prescrição Pela Pena Presumida”, tratou brilhantemente sobre o assunto, exaltando

que

(...) o reconhecimento antecipado da prescrição, longe de ser mera tese doutrinária, é um dado da realidade. Integrantes do Ministério Público têm preferido requerer o reconhecimento antecipado da prescrição a ofertar a denúncia. Juízes de primeira instância, agindo por provocação ou de ofício, têm reconhecido essa espécie de prescrição, no curso da ação penal ou até mesmo antes do recebimento da peça acusatória. Alguns Tribunais do País, no julgamento de recursos ou habeas corpus, vêm admitindo essa modalidade prescricional. (...) Há a necessidade dos agentes estatais – Polícia, Ministério Público, Poder Judiciário – cumprirem os mandamentos do devido processo legal, dignidade da pessoa humana e caráter instrumental do processo. (...) A declaração da razoável duração do processo não é meramente teórica. Ela tem substância material quando o enunciado do princípio se completa com a referência aos ‘meios que garantam a celeridade de sua tramitação’ – CF, artigo 5º, LXXVIII. É elementar que entre tais meios pode-se incluir a solução judicial da prescrição pela presumida. (...) o Estado, que exige dos cidadãos o cumprimento da lei sob ameaça da pena, não pode transgredir a Constituição e as normas do devido processo, mantendo-o aberto, não mais como um meio para a realização da Justiça, porém como um instrumento de opressão desproporcional à gravidade do mal do delito.

Além do mais, a aventada carência de suporte legal, invocada pelos

tribunais superiores, muitas vezes, é suprimida por decisões judiciais, das instâncias

inferiores, que pela sua clarividência se convertem em preceitos normativos quando

o sistema legal é revisto e atualizado. 30 Disponível em: <http://www.conjur.com.br>

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Desta forma, conclui-se que não é porque o instituto sub oculi não possui

previsão legal expressa que não possa ser utilizado, uma vez que realizando uma

interpretação sistemática do conjunto, podemos chegar à certeza da sua existência.

Além do mais, não permitir que os operadores do direito utilizem a prescrição

antecipada sob o fundamento de que tal instituto não possui previsão legal expressa,

seria o mesmo que engessar os promotores, juízes e advogados nas normas

escritas, extraindo-lhes o caráter humano e social a que se presta o direito

(JAWSNICKER, 2009, p. 116).

4.1.3 Cálculo da prescrição antecipada

Para se constatar, no caso concreto, a ocorrência do instituto da prescrição

antecipada, dois aspectos merecem ser relembrados.

O primeiro está relacionado ao fato de que uma vez estabelecida a pena

ideal ao acusado pelo crime cometido, ou seja, uma vez prolatada a sentença

condenatória, o parâmetro para o cálculo da prescrição penal deixa de ser a pena

abstrata, passando a ser a sanção penal em concreto, conforme previsão legal

expressa. Ocorre, porém, que, para se por em prática tal raciocínio, é necessário

que a sentença condenatória já tenha transitado em julgado para a acusação, de

modo que não haja a possibilidade de ampliação da pena.

O segundo aspecto que merece ser relembrado diz respeito à necessidade

de estarem presentes, para o regular exercício do direito de acionar o aparato

judicial, todas as condições da ação, de modo que a obtenção da pretensão

acusatória ao final do processo seja possível.

A rememoração dos pontos acima é necessária em virtude de que a

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prescrição antecipada é justamente a conjugação desses dois aspectos, conforme

se pode verificar na explicação do seu procedimento consubstanciador abaixo.

Pois bem, para se constatar a ocorrência desta modalidade prescricional, é

necessário, independentemente do momento processual ou pré-processual que se

encontra a ação penal, que se obedeça ao seguinte método (MACEDO, 2007, p.80):

1) Primeiramente, deve-se examinar todos os elementos constantes nos autos em

consonância com as circunstâncias judiciais elencadas no artigo 59 do Código

Penal, prevendo-se qual pena base seria fixada ao acusado no caso de hipotética

condenação;

2) Após, deve-se observar se há ocorrência das circunstâncias agravantes e

atenuantes, previstas no artigo 68 do Estatuto Repressivo Pátrio, bem como as

causas de aumento e diminuição de pena, de forma à se chegar na pena máxima

que poderia ser fixada ao acusado em caso de hipotética condenação.

3) Em seguida, com base na pena final máxima que hipoteticamente é merecedor o

acoimado, calcula-se qual seria o prazo prescricional – de acordo com os incisos do

artigo 109 do Código Penal -, nos moldes do previsto para a modalidade retroativa.

4) Acaso já tenha decorrido lapso temporal superior ao prazo prescricional

alcançado no item anterior entre a data do fato e o recebimento da denúncia, ou

entre esse momento processual e a prolação da sentença condenatória, aplica-se o

instituto da prescrição antecipada, objetivando evitar a instauração ou o

prosseguimento de uma ação penal natimorta.

Para uma melhor compreensão sobre tal procedimento, Francisco Afonso

Jawsnicker (2009, p.103) exemplifica uma situação em que a prescrição antecipada

deveria ser aplicada. Senão veja-se:

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em 01.01.2000, A cometeu o crime de apropriação indébita simples (CP, art. 168, caput). A denúncia foi oferecida em 30.05.2000, tendo sido recebida logo depois, em 01.06.2000. Como se percebe, à época do recebimento da denúncia não se cogitava na prescrição antecipada, haja vista o pouco tempo decorrido desde a prática do crime. No entanto, o processo transcorreu de forma lenta e, em 20.07.2002, o Promotor de Justiça foi chamado a manifestar-se sobre testemunha arrolada na denúncia, não localizada pelo Oficial de Justiça. Compulsando os autos, o Promotor de Justiça constata que são francamente favoráveis as circunstâncias do art. 59 do Código Penal, de modo que, em caso de condenação, A não poderá ser apenado com pena maior que a mínima legal – 1 (um) ano, cuja prescrição se verifica em 4 (quatro) anos, de acordo com o art. 109, inc. V, do Código Penal. Ocorre que, além de serem favoráveis as circunstâncias judiciais, A era menor de 21 (vinte e um) anos ao tempo do crime, o que reduz o prazo prescricional pela metade (CP, art. 115). Feitas essas ponderações, o Promotor de Justiça conclui que o prosseguimento da ação penal é inútil, uma vez que já decorrido, desde a data do recebimento da denúncia, tempo suficiente para a prescrição retroativa, com base na pena em perspectiva.

Ora, no exemplo citado acima, verifica-se que ainda não transcorreu o prazo

prescricional pela pena in abstrato, pois o crime de apropriação indébita tem como

pena máxima 4 (quatro) anos, e, por conseqüência, somente ocorreria tal

modalidade prescricional acaso tivesse ocorrido entre a data do fato e do

recebimento da denúncia, ou entre esse momento processual e a prolação da

sentença condenatória, lapso temporal superior a 8 (oito) anos.

Em contrapartida, denota-se que no eventual caso de condenação – cuja

pena máxima seria 1 (um) ano, conforme já aventado acima – faltamente incidiria a

prescrição retroativa, posto que a sanção aplicada tem como prazo prescricional 4

(quatro) anos e sendo o acusado menor de idade na época do crime - fato que reduz

o prazo prescricional pela metade -, conclui-se que o prosseguimento da ação penal

seria inútil, uma vez que já decorrido tempo suficiente para a prescrição retroativa.

Portanto, na hipótese de prosseguimento da pretensão acusatória, estaria

em curso um processo completamente inútil para o fim pelo qual ele foi pensado,

inexistindo, desta forma, interesse processual no desenrolar da persecução penal.

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CONCLUSÃO

Durante os estudos despendidos para a elaboração deste trabalho acadêmico,

que certamente não visa esgotar a matéria sob análise, pudemos fazer algumas

importantes constatações.

A primeira delas refere-se à importância de compreender a natureza jurídica

da prescrição em perspectiva, haja vista que ainda é muito comum entre a maioria dos

pensadores, a vinculação do instituto examinado com as causas de extinção da

punibilidade. Embora a prescrição em perspectiva traga em sua nomenclatura o

vocábulo “prescrição”, ela não pode ser considerada uma modalidade desta, uma

vez que, por uma questão de segurança jurídica, todas as causas extintivas de

punibilidade necessitam de previsão legal expressa. Assim, a doutrina mais

renomada vem enquadrando a prescrição em perspectiva como uma forma de

reconhecimento da carência de ação, por falta do interesse de agir, sendo este

último o seu principal elemento caracterizador.

Verificou-se, também, no curso deste trabalho, que a prescrição em

perspectiva é um tema que gerado intensa divergência doutrinária e jurisprudencial,

sendo, ainda, de pouca aceitação entre os operadores do direito.

Para os contrários ao instituto, a prescrição em perspectiva não deve ser

aceita sob pena de violar os princípios constitucionais informadores do processo,

dentre eles o princípio do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa e

da presunção de inocência.

Por outro lado, os seus adeptos defendem a idéia de que não convém

acionar todo o aparato judicial sem que desta atividade se extraia algum resultado

útil. Para eles, não há razão em admitir-se a persecução penal quando ela é

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natimorta, já que o “poder de punir”, se houvesse condenação, fatalmente encontrar-

se-ia extinto.

Tecida tais considerações, pudemos notar que apesar da resistência atual

dos Tribunais Superiores à utilização da prescrição antecipada, a sua aceitação é

crescente, sendo cada vez mais utilizada por juízes, advogados e promotores, o que

nos leva a acreditar que, no futuro, tal instituto será uma realidade irrefragável,

podendo, inclusive, fazer parte do ordenamento jurídico pátrio.

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